JOGO EDUCATIVO “POKELÉTRON” COMO ESTRATÉGIA ATIVA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE ELETRICIDADE Osamu Maekawa Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp no Curso de Mestrado Nacional Profissional de Ensino de Física (MNPEF), como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino de Física. Orientadora: Profª. Drª. Agda Eunice de Souza Albas Presidente Prudente Maio / 2020 ii iii FICHA CATALOGRÁFICA iv Dedicatória Dedico esta dissertação aos meus pais v Agradecimentos Agradeço primeiramente a Deus. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. À Sociedade Brasileira de Física pelo programa e oportunidade de aperfeiçoamento dos professores de Física. Agradeço a minha família, minha esposa e meus filhos. Agradeço a professora e orientadora, Profª. Drª. Agda Eunice de Souza Albas, que muito me ensinou nesse período de convivência, sempre muito paciente e atenta aos detalhes. Sempre amigável e solícita em todos os momentos durante a minha pesquisa. Aos membros da banca por terem aceitado o convite para avaliar, sugerir e contribuir com este trabalho. A todos os professores e equipe da Unesp de Presidente Prudente que contribuíram com seu trabalho, atenção e dedicação para formação deste mestrado. . vi RESUMO JOGO EDUCATIVO “POKELÉTRON” COMO ESTRATÉGIA ATIVA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE ELETRICIDADE Osamu Maekawa Orientadora: Profª. Drª. Agda Eunice de Souza Albas Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Tecnologia no Curso de Mestrado Profissional de Ensino de Física (MNPEF), como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino de Física. Este trabalho de conclusão do programa de Mestrado Nacional Profissional de Ensino de Física (MNPEF) é constituído de um produto educacional (jogo de tabuleiro) e dissertação de pesquisa qualitativa envolvendo estratégias de ensino e aprendizagem de eletricidade para o Ensino Médio. A proposta envolve a abordagem do conteúdo na forma de revisão, porém com a participação ativa dos estudantes. Para isso, foi elaborado um jogo pedagógico de tabuleiro que busca sintetizar os conteúdos de forma clara e objetiva. Com ele, é possível explorar posturas de convivência, integração, inter-relação social e complementaridade entre os participantes. O jogo consiste em manter os jogadores empenhados em resolver questões conceituais sobre eletricidade com diferentes níveis de dificuldade. O jogo é composto de um tabuleiro, cartas contendo questões, problemas ou curiosidades, e, peças que caracterizam a equipe jogadora. Os resultados da aplicação do jogo em duas escolas, uma pública e outra particular da rede de ensino, permitiram avaliar a importância da utilização de estratégias ativas no ensino de Física, além de mensurar qualitativamente as contribuições deste recurso pedagógico no aprendizado de eletricidade, contribuindo para um ensino mais significativo de um conteúdo essencialmente conceitual. Palavras-chave: Aprendizagem. Ensino de Física. Jogo Educativo. Eletricidade. vii ABSTRACT Master’s dissertation submitted to Graduate Program University of Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculty of Science and Technology in the Master Professional degree on Physics Teaching, as part of the requirements necessary to obtain the title of Master in Physics Teaching. This conclusion work of the National Professional Master’s Program in Physics Education consisting of an educational product (board game) and qualitative research dissertation involving teaching and learning strategies with electricity to high school. The proposal involves and approach content in the way of literature review, however with active participation of students. For this, was elaborated an educational board game that search to synthesize the contents clearly and objectively. With it, is possible to explore convivence postures, integration, social inter relation and complementarity between participants. The game consists in maintain players engaged in resolve question conceptual about electricity with different difficulties levels. The game is composing of board, questions cards, challenges, curiosities and pieces that characterize team cooperation. The results of the game application in two schools, one public and the other private in the education network, allowed to evaluate the importance of using active strategies in the Physics teaching, in addition to qualitatively measuring the contributions of this pedagogical resource in the electricity learning, contributing to a more significant teaching of an essentially conceptual content. Keywords: Learning; Physics teaching; educational game; electricity viii ix Lista de figuras Figura 1: Classificação do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA): (a) no mundo; (b) Saeb no Brasil, Sistema de Avaliação da Educação Básica. . 5 Figura 2: Currículo em espiral proposto por Bruner ...................................................... 10 Figura 3: Metodologias ativas ........................................................................................ 12 Figura 4: James Clerk Maxwell (1831-1879) ................................................................. 18 Figura 5: Representação de diagramas de bandas típicas para (a) condutores, p. ex.: metal ;(b) Isolantes e (c) semicondutores. ................................................................................ 21 Figura 6: Transferência de carga por contato de um bastão de plástico carregado para uma esfera metálica através de um fio condutor. ................................................................... 21 Figura 7: Bastões plásticos atritados com pele(a) carregados com cargas iguais e se repelem (b) ...................................................................................................................... 22 Figura 8: Carregando uma esfera metálica por indução. ................................................ 22 Figura 9: Balança de torção ............................................................................................ 24 Figura 10: Um corpo carregado cria um campo elétrico ao redor. ................................. 26 Figura 11: (a) linhas de campo de uma carga pontual positiva e uma negativa ; (b) cargas positiva e positiva ; observe vetor campo elétrico em um ponto do espaço ................... 27 Figura 12: As moléculas de água dos alimentos têm uma carga elétrica diferente em seus polos (dipolo), girando com a polaridade variável (direção) do campo elétrico. ........... 28 Figura 13: Uma descarga elétrica atinge o automóvel, percorre a superfície e chega à terra através de uma centelha que parte da roda. .................................................................... 30 Figura 14: (a) Um fio de cobre em equilíbrio eletrostático. (b) Uma bateria gera um campo elétrico que movem as cargas elétricas........................................................................... 33 Figura 15: Fio condutor não uniforme de secção irregulares destacados. ...................... 34 Figura 16: Condutor uniforme:( v) diferença de potencial;(L) comprimento;(E) Campo elétrico;(I) Corrente;(J) Densidade corrente ................................................................... 35 Figura 17: Chuveiro elétrico; visão em corte. ................................................................ 36 Figura 18: Representação do tabuleiro do jogo Pokelétron ............................................ 37 Figura 19: Representação do modelo de carta da casa inicial do jogo ........................... 38 Figura 20: Representação do modelo de carta “alvo” .................................................... 38 Figura 21: Exemplo de carta de nível 2 .......................................................................... 39 Figura 22: Representação do modelo de carta “Desafio” ............................................... 39 Figura 23: Representação do modelo de carta “Área de teste” ...................................... 40 file:///C:/Users/W10/Desktop/Agda/DISSERTACAO/2020/TRABALHO%20FINAL%202/versao%20MAIO%202020/agosto%202020/Dissertação%20final%20Osamo%20Maekawa.%20.docx%23_Toc47352344 x Figura 24: Representação do modelo de uma carta “Atração” ....................................... 40 Figura 25: Representação do modelo de uma carta “Modelo atômico” ......................... 41 Figura 26: Representação do modelo de uma carta “Megadesafio” ............................... 41 Figura 27: Representação do modelo de uma carta “vencer o jogo”.............................. 42 Figura 28: Aplicação em Escola pública ........................................................................ 43 Figura 29: Aplicação em Escola pública ........................................................................ 45 Figura 30: Revisão dos conteúdos proposta por Bruner ................................................ 47 Figura 31: Respostas de estudantes do 3º ano da escola pública, sobre a contribuição na aprendizagem. ................................................................................................................. 48 Figura 32 : Sugestões propostas pelos alunos sobre o jogo ............................................ 49 Figura 33: Sugestões propostas por estudantes da Escola Estadual ............................... 49 Figura 34: Dinâmica do jogo entre os estudantes ........................................................... 50 Figura 35: Questões de 4 à 12 ........................................................................................ 51 Figura 36: Resultados da avaliação das questões 4 a 12 na Escola Estadual ................. 52 xi Sumário 1. Introdução ................................................................................................................. 1 2. Referencial Teórico .................................................................................................. 5 2.1 Indicadores de qualidade da educação básica .................................................... 5 2.2 Teoria de Aprendizagem de Jerome Bruner ...................................................... 7 2.3 Metodologias Ativas ........................................................................................ 10 2.3.1 Metodologias ativas comuns em práticas de ensino-aprendizagem ......... 11 2.3.2 Jogos lúdicos no ensino de Física ............................................................. 14 3. Eletricidade ............................................................................................................. 17 4. Materiais e Métodos ............................................................................................... 37 4.1 Elaboração do Jogo .......................................................................................... 37 4.2 Metodologia de aplicação ................................................................................ 42 5. Resultados ............................................................................................................... 46 6. Considerações Finais .............................................................................................. 53 Apêndice 1: Material do jogo Pokelétron ...................................................................... 57 Apêndice 2: Regras do jogo............................................................................................ 66 Apêndice 3: Questionário ............................................................................................... 71 Apêndice 4: Modelo do termo de consentimento ........................................................... 73 1. INTRODUÇÃO Em meados de 2010, após anos de trabalho na iniciativa privada, surgiu o interesse pela licenciatura em Física. Decidido em que área gostaria de lecionar, fui em busca de cursos presenciais disponíveis na cidade. Infelizmente não havia cursos presenciais de licenciatura na região, com exceção da pedagogia oferecida pela Unesp de Marília. Com decorrer do tempo fui percebendo o descaso com a situação educacional na região. Optei dessa forma em cursar Licenciatura em Ciências oferecido pela Universidade de São Paulo na cidade de Jaú em 2014. Em 2015 comecei a lecionar em escolas públicas e nos anos seguintes fui adquirindo experiência e conhecendo os estudantes com suas dificuldades de aprendizagem ou interesse em Física. O Mestrado Profissional de Ensino de Física em 2018 foi uma forma de adquirir novos conhecimentos no Ensino de Física através de pesquisas em estratégias pedagógicas diversificadas. A Física por parte dos estudantes, é uma área que atrai muito interesse. A Física é o estudo que mostra como tudo na natureza está maravilhosamente conectada. Para estudá-la é preciso aperfeiçoar a maneira como ela é ensinada, permitindo, assim, mostrar aos estudantes uma nova maneira de enxergar o mundo (HEWITT, 2011, p. 1). Ao concordar com essa afirmação, devemos pensar então, por que tantos estudantes se mostram avessos à Física? Será que podemos ensinar a Física por meio de atividades interessantes e ao mesmo tempo divertidas, capazes de contribuir para a compreensão dos fenômenos da natureza? Tradicionalmente, o ensino da Física estabelece seus pilares na Matemática, enquanto os conceitos, muitas vezes, se estabelecem apenas em esclarecer regras matemáticas em detrimento aos conceitos reais que regem os fenômenos físicos, presentes continuamente em qualquer situação do cotidiano. A Física, cujo objeto é compreender o mundo em que vivemos, possui características que podem e devem ser estimuladas de maneira a tornar o ensino agradável e menos fragmentado (GREF, 2002, p.15). Segundo Oblinger (2005 p. 87), a geração net está constantemente conectada, envolvida e com uma forte necessidade de imediatismo. As pesquisas apontam a necessidade de ambientes de aprendizado ativo, sociais e orientados para a aprendizagem, ou seja, ambientes interativos. Diante desse contexto, portanto, surge a necessidade de tornar a ciência mais atrativa e próxima da geração atual de estudantes, que, por sua vez, possui as informações ao alcance das mãos, são adeptos de tecnologias diversas e, principalmente, interessados por jogos e desafios. 2 Este ensino mais atrativo é necessário nas escolas de hoje, tendo em vista que o tradicional já não mais desperta o interesse desses jovens. O ensino da Física, estabelecida dentro das ciências da natureza, precisa ser renovado para mostrar os verdadeiros valores que ela tem para a sociedade, mesmo para aqueles, cujo futuro profissional não dependa diretamente dela ou dos seus conceitos abordados na escola. No Ensino Fundamental é comum os estudantes gostarem de estudar os fenômenos da natureza, o corpo humano, o Sistema Solar, entre outros assuntos, algumas vezes acompanhado de atividades experimentais. A aproximação entre o abstrato e o concreto torna mais curto o caminho para o aprendizado e mais interessante para os estudantes. À medida que se passa para o Ensino Médio, a vitalidade dessa energia se dispersa em diversos conteúdos mais abstratos e complexos na vida escolar. Fora dela, o contexto social se amplia com diversos outros interesses, tais como, namorar, passear ou jogar vídeo games, por exemplo. Portanto, o processo de ensinar e aprender se torna um desafio maior para o professor, exigindo de seus saberes docentes, novas estratégias e metodologias pedagógicas eficientes para atender a essa demanda de interesses da nova geração de estudantes. À medida que o estudante vai crescendo e se desenvolvendo no seu meio social, estabelece relações de significação, isto é, atribui significados à realidade em que se encontra. Esses significados não são entidades estáticas, mas pontos de partida para a atribuição de outros significados (MOREIRA, 1982, p.3). Segundo Murcia (2005, p. 17 apud ORTEGA, 1990) “A capacidade lúdica desenvolve-se articulando as estruturas psicológicas globais (cognitivas, afetivas e emocionais) mediante as experiências sociais da criança”. Uma atividade interessante para o estudante, portanto, precisa ter significados claros para que possam construir novos significados, mais complexos e abstratos. Muito se fala e se escreve que não estamos ensinando a ciência da Física como algo desafiador, fascinante e motivador. Muitas vezes, este fato se remete às pressões externas, currículos conteudistas que ocupam a maior parte do tempo de aula com questões que serão cobradas no vestibular, além de diversos outros fatores como número de aulas, infraestrutura, qualificação profissional etc. O resultado dessa forma de ensinar Física, se traduz em algo monótono, chato, fragmentado ou com apenas cálculos. Superar essas barreiras engloba uma mudança da cultura escolar, de currículos, de estudantes e de seus responsáveis (docentes e gestores). Mas, o que não se pode é esperar que esse quadro mude sozinho. Nada impede os professores, de tentar transformar essa realidade oferecendo sugestões, tanto de metodologias inovadoras, quanto de materiais didáticos que permitam alterar a forma de ensino vigente, que, como percebemos, não contribui para formação do cidadão crítico e consciente. 3 É neste contexto que surge interesse, enquanto docente, por ampliar os conhecimentos, buscar novas maneiras de ensino e por contribuir para melhorar os resultados de aprendizagem. Daí, o Programa do Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física (MPNEF) assume um importante papel na formação continuada. Uma vez neste Programa, passamos a ter uma visão de estudante, percebendo a necessidade de remodelar o processo de ensino e aprendizagem curricular, assim como as metodologias, os tempos e espaços. Já é sabido que modelos de ensino do passado não consideram relevantes as diferenças cognitivas, sugerindo-se a necessidade de um modelo onde exista proatividade, colaboração, personalização, (MORAN, 2013). Ainda enquanto estudante do Programa, passo a agir para contribuir com esta mudança, dedicando- me a apenas uma área da Física. Como docente atuante na rede, busco expandi-la sempre que possível. A área escolhida para desenvolver o trabalho, é uma das áreas da Física mais desafiadora e ao mesmo tempo interessante: a eletricidade. Uma dificuldade notável no ensino sobre eletricidade é o distanciamento entre os conhecimentos que os estudantes possuem daqueles conceitos abstratos, tais como: campo elétrico, cargas, força inversamente proporcional ao quadrado da distância, etc. Quando abordado na forma de experimentos em sala de aula, é notável o interesse dos estudantes pelo tema. Porém, com o decorrer das aulas, é necessário abordar a teoria envolvida nos experimentos e, nesse momento, percebe-se uma gradual dificuldade, desinteresse e distanciamento dos estudantes com tais conteúdos, principalmente, quando a metodologia adotada pelo professor se aproxima novamente da tradicional ou expositiva. Segundo Bruner (1969, p.24) “Conhecemos muita coisa para a qual não temos imagens ou palavras o que torna bastante difícil ensiná-la com palavras, desenhos ou ilustrações”. A eletricidade desperta a curiosidade da humanidade há muito tempo e, ainda hoje, não é diferente na vida dos estudantes, porém, percebe-se que os estudantes apresentam dificuldades, principalmente, em conteúdo que não são visíveis, ou seja, os conceitos abstratos envolvidos neste tema. Este trabalho, portanto, propõe uma proposta pedagógica que transcenda o ensino tradicional de eletricidade normalmente aplicado em sala de aula. A proposta se resume à confecção de um material didático alternativo, diferente, curioso e que auxilie na construção de conhecimentos abstratos através da metodologia ativa. O material didático e pesquisa se baseia na aplicação de um jogo de tabuleiro que coloca o aluno como protagonista de sua aprendizagem. O professor atua, portanto, como um mediador ou um intercessor, que faz a 4 ponte entre o que o estudante conhece com aquelas novas informações que lhes estão sendo atribuídas. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) cita a palavra “jogos” 114 vezes desde o Ensino Infantil até o Ensino Médio, propondo o uso da metodologia baseada em jogos lúdicos como instrumento pedagógico. Portanto, a adaptação de jogos para o ensino de Física pode ser vista como uma atividade que pode complementar esse ensino ou, se bem trabalhada, pode tornar uma metodologia altamente promissora no ensino de conceitos abstratos. É comum os jovens estudantes gostarem de jogos, principalmente, aqueles que envolvem desafios e competições, com os quais eles se identificam muito. A BNCC atenta a essas mudanças, traz à tona a necessidade de tornar o ensino das Ciências Físicas mais integrada e interessante à vida do estudante. O jogo, portanto, é um estímulo no desenvolvimento das estruturas do pensamento para conceitos abstratos e possibilita que novos conhecimentos se desenvolvam a partir destes (KOTHE, 1977). Segundo Piaget (1990, apud MACEDO et al. 2006, p. 21) “Uma das consequências importantes dos jogos de exercício, é possibilitar o melhoramento dos esquemas de ação, mesmo que isso não corresponda a uma intenção do sujeito que os realiza”. Por fim, vale ressaltar aqui, que a proposta deste trabalho em elaborar e utilizar um jogo de tabuleiro como instrumento para o ensino de eletricidade, vem ao encontro das exigências das novas diretrizes do ensino nacional, além de se manifestar como uma metodologia diferenciada e compartilhada, que coloca o estudante como sujeito ativo no processo de ensino aprendizagem. Neste contexto, traça-se como objetivo geral para este trabalho, analisar o uso pedagógico de um jogo de tabuleiro para abordar conceitos de eletricidade junto a estudantes do ensino médio. Como objetivos específicos para atender a esta meta, destacam-se: • Atrelar o ensino de eletricidade às atividades lúdicas; • Preparar um jogo interativo sobre temas de eletricidade; • Verificar o comportamento, interesse e desempenho dos estudantes ao jogar o jogo. • Investigar a qualidade do jogo e a metodologia aplicada na perspectiva do professor. • Aplicar o jogo de tabuleiro por intermédio de professores de Física para estudantes do ensino médio e avaliar o comportamento, interesse e desempenho dos alunos ao jogar o jogo. 5 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 INDICADORES DE QUALIDADE DA EDUCAÇÃO BÁSICA Os índices dos resultados das avaliações sobre a qualidade do ensino no Brasil, demonstram que as pesquisas na Educação nos últimos anos, apesar dos investimentos na educação, não têm tido um crescimento positivo na mesma proporção (PISA, Programa Internacional de Avaliação de Estudantes; SAEB, Sistema de Avaliação da Educação Básica). O professor atuante nas escolas, percebe muitos estudantes desinteressados e com baixo índice de aproveitamento, resultado que reflete nas análises das avaliações internas e externas. Este resultado coloca o Brasil em um patamar distante daquele desejado para a educação nacional, como mostra a Figura (1). Figura 1: Classificação do Brasil no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA): (a) no mundo; (b) Saeb no Brasil, Sistema de Avaliação da Educação Básica. (a) 6 (b) Fonte: Organization for Economic Cooperation and Development (OECD) 2018; SAEB, 1996-2017. Neste contexto, grupos de educadores aliados às diretrizes vigentes e ao sistema de educação brasileiro, buscam alternativas para reverter este quadro e melhorar a qualidade de ensino no país, de tal forma que o Brasil ocupe uma posição melhor em relação aos seus países vizinhos e em relação ao mundo. Dentre as alternativas, destacam-se as metodologias de ensino, as práticas pedagógicas e seus instrumentos, reunindo, muitas vezes, teorias de ensino que apontam o processo de ensino-aprendizagem mais eficiente. Segundo Lacanallo et al. (2007 p.15) “As teorias do conhecimento e práticas pedagógicas objetivam construir o melhor método, ou seja, aquele capaz de garantir a aprendizagem de todos os estudantes. [...] Assim, compreender a influência dos métodos de ensino e de aprendizagem consiste na necessidade de contextualizá-los na organização da sociedade em cada situação histórica. Paradoxalmente, a cada nova proposta de teoria do conhecimento defendia-se a substituição radical das ideias sobre métodos de ensino e de aprendizagem até então conhecidas.” Sabemos que a Ciência deve estar em constante construção, à medida que novos conhecimentos são alcançados e testados, novas bases são construídas ou descartadas. O estudo da atividade mental humana, sendo uma delas o cognitivismo, busca entender as relações que existem entre o pensamento, a solução de problemas, a imaginação, entre outras questões relacionadas à forma como aprendemos. Jerome Bruner (BIZERRA; URSI, 2014, p. 136), na década de 40, estava interessado em entender como a necessidade, a motivação e as expectativas influenciam a percepção. 7 2.2 TEORIA DE APRENDIZAGEM DE JEROME BRUNER Segundo Bruner, “Ensinar é, em síntese, um esforço para auxiliar ou moldar o desenvolvimento.” (BRUNER; 1969, p.15). Por isso, Bruner se interessou em entender como a necessidade, a motivação e as expectativas influenciam na percepção, tornando-se um pesquisador importante na revolução cognitivista ocorrida na psicologia do século XX. Características como motivação e expectativas estão presentes nas metodologias ativas assim como nos jogos. A teoria de ensino e aprendizagem proposta por Jerome Bruner, professor de psicologia e Diretor do Centro de Estudos Cognitivos da Universidade de Harvard, sugere que o desenvolvimento intelectual da aprendizagem se desenvolva através das chamadas representações: “a criança progride da representação ativa (motora) para a representação icônica (imagens) e daí para a representação simbólica”. (BIZERRA; URSI, 2014, p. 136). Bruner considera que o indivíduo passa em sua vida por três modos de representação do mundo (MOREIRA. 2015): 1°) Representação ativa: neste estágio inicial, o trabalho cognitivo da criança consiste essencialmente em criar relações entre a experiência e, principalmente, a ação. Nas palavras de Bruner (1969, p.26), “Na primeira infância os fatos e objetos definem-se em relação as ações com eles praticados”. A aprendizagem ocorre através de respostas e na formação de hábitos. 2°) Representação icônica: neste estágio, uma “operação” pode ser realizada na mente, agora passa a ser interiorizada e reversível. Interiorizável, porque, de um modo geral, dados do mundo real podem ser organizados e utilizados seletivamente na solução de problemas, e, reversível, porque uma operação pode ser compensada pela operação inversa. Nesta fase escolar, o estudante consegue deduzir operações sem a necessidade de manipular os objetos de forma direta. Essa dedução é regida, fundamentalmente, por princípios de organização perceptiva e transformações dessa organização. Por exemplo, se dividirmos uma jarra de suco em copos de diferentes tamanhos, podemos reestabelecer o volume da jarra estornando o suco distribuído. (MORREIRA. 2015, p.84) 3°) Representação simbólica: nesta etapa, o estudante consegue operar com proposições hipotéticas, possíveis variáveis, deduzir relações potenciais que, podem ser verificadas pelo experimento ou pela observação. Nesses domínios são elaboradas poderosas representações do mundo da experiência possível e usados modelos da pesquisa para solução de problemas. (BRUNER. 1969 p. 28) 8 Segundo Bruner, mesmo quando somos adultos, continuamos a representar, inferir tanto ativa, como iconicamente e simbolicamente. Ou seja, um processo contínuo em que as transações – da representação ativa para icônica e de ambas para a simbólica – ocorre automaticamente como um complemento de estabilização das reações. (BRUNER. 1969, p. 29) Especificamente para Bruner (1969, p. 30) a formação do terceiro sistema de representação, o sistema simbólico, a criança aprende a criar regras de equivalência entre três e doze anos de idade, interligando um conjunto de objetos através das chamadas regras de superordenação da lógica: que as coisas podem ser consideradas semelhantes ao apresentarem todas uma característica em comum, como por exemplo, ao comparar a corrente elétrica com o fluxo de um líquido. Os estudantes constroem, nas diversas etapas do desenvolvimento intelectual, as representações, que são categorizadas nessas etapas. “Cada uma dessas etapas é caracterizada por um modo particular de representação, que é a forma pela qual o indivíduo visualiza e explica-o a si mesmo”. (MOREIRA, 2015, p. 81) O processo de ensino de eletricidade por gamificação contempla as formas ativas, icônicas e por representação. No jogo, os estudantes manipulam as cartas que são os instrumentos de aprendizagem, realizam a separação e organização de materiais, estabelecem relações entre os conteúdos trabalhados e realizam a prática da matemática ligada aos conceitos. Bruner, em sua teoria do desenvolvimento cognitivo, sugere que o indivíduo faz inferência pelo uso de categorias (conceitos) e percepto. Por exemplo: visitar uma cidade onde a polícia porta arma como metralhadora é um percepto, diferente de uma cidade onde a polícia não porta arma, assim inferi que uma cidade seja mais ou menos violenta do que a outra, ou seja criamos conceitos por aquilo que percebemos. Dessa forma, toda atividade cognitiva categoriza, de alguma forma, aquilo que já conhecemos, como um facilitador para classificar as coisas como semelhantes ou não. O termo categoria pode ser entendido como um conceito. Por exemplo, se um indivíduo ao caminhar na mata vê a cabeça de uma cobra parcialmente escondida, ao notar a cabeça da cobra, ele vê bem mais do que isso. Vê que isso pode ser uma cobra comprida, venenosa, por exemplo. Mas como não pode perceber essas coisas, o que ele faz, é nas palavras de Bruner, é “ir além da informação dada”. Primeiro decide que a imagem é de uma cobra, segundo, faz inferências sobre a cobra, com base no que é conhecido sobre todas as serpentes. De acordo com Bruner, é possível fazer inferências pelo uso de categorias – neste caso, a categoria serpente. A categoria serpente é um conceito, pois representa coisas relacionadas entre si; também é um percepto, pois é algo físico apreendido pelos sentidos. (LEFRANÇOIS. 2016, p. 222) 9 O trabalho proposto usando jogos educativos com algum elemento de gamificação, busca contextualizar os conceitos e mostrar o percepto de um conteúdo extremamente conceitual e abstrato, que habitualmente desperta pouco interesse nos jovens, mas que mostrou ser válido conforme os resultados obtidos mostrados no final deste trabalho. Segundo Bruner (1969. p. 42), o desenvolvimento mental não é um crescimento gradual, mas de estágios parecidos como degraus de escada, que são alcançados quando determinadas aptidões começam a se manifestar. Bruner, em suas observações aponta as características do desenvolvimento intelectual, sendo algumas delas: 1. O desenvolvimento intelectual caracteriza-se por independência crescente da resposta em relação à natureza imediata do estímulo. É possível prever o comportamento da criança conhecendo os estímulos que nela agem; 2. O desenvolvimento intelectual baseia-se em absorver eventos, em um sistema de armazenamento que corresponde ao meio ambiente. Partindo do modelo armazenado, a criança é capaz de ir além da informação dada e fazer previsões e extrapolações; 3. O desenvolvimento intelectual entende uma capacidade crescente de afirmar, a si e a outros, por palavras ou símbolos, o que alguém fez ou fará. Isso possibilita a transição do comportamento ordenado para o comportamento lógico, conduz os seres humanos irem além da adaptação empírica; Jerome Bruner (BIZERRA; URSI.2014p.137) propõe que as atividades sejam sempre conectadas em uma espécie de currículo em espiral (Figura: 2): inicialmente os estudantes teriam um contato mais superficial com os conceitos-chave, para, posteriormente, os estudantes serem apresentados de forma mais complexa, de forma contínua e agregatória. Tomemos como exemplo: imagine um jogo de biologia sobre genética. Vamos escolher algumas palavras chaves que os estudantes deverão memorizar o significado para depois entender a primeira e a segunda lei de Mendel. Sejam, por exemplo, as seguintes palavras: fenótipo, genótipo, manifestações dominantes e recessivas, hibridização, autofecundação, fecundação cruzada, geração parental (P), primeira geração híbrida (F), gametas, genes, alelos, homozigoto, heterozigoto, monoibridismo. Normalmente este conteúdo é abordado em poucas aulas. Assim podemos perceber que quinze conceitos são necessários para se entender as leis de Mendel e suas ervilhas. 10 Figura 2: Currículo em espiral proposto por Bruner Fonte: Firstdiscoverers- Desenvolvimento Cognitivo 2.3 METODOLOGIAS ATIVAS As Metodologias Ativas de Aprendizagem visam um ensino mais efetivo, uma maior motivação nos estudos e consequentemente retenção dos conteúdos de forma significativa. Segundo Moran, (2013 p. 17) a melhor forma de aprender é equilibrar atividades que estimulem as iniciativas, criatividade, desafios e informação contextualizada. O sucesso da aprendizagem depende de componentes tais como atividades desafiadoras, jogos com recompensas, pertinentes àquilo que se pretende ensinar e que ofereça interação significativa em grupos e entre grupos. Cabe ao professor acompanhar, mediar, analisar o processo e os resultados. Quando se fala em “metodologias ativas”, o estudante é o foco principal e deve ter um papel ativo na construção de seu conhecimento, enquanto o professor deve ser o mediador entre o estudante e o conhecimento. O conhecimento não pode ser visto como um objeto que simplesmente é transferido entre o detentor do saber e o receptor, mas trabalhado, refletido e replanejado. Na escolha de uma metodologia de ensino e aprendizagem deve ser considerada também a origem entre o estudante e o conhecimento ensinado, pois recebe influências de fatores de contexto, como os socioeconômicos, históricos e culturais (RANGEL. 2008), e isso vale para as metodologias ativas. Segundo Moran (2018. p. 2), metodologias ativas são estratégias de ensino idealizadas, planejadas e executadas com a participação efetiva dos estudantes na construção do processo de aprendizagem, de forma flexível, interligada e híbrida. 11 A metodologia ativa trabalha com a chamada “metacognição” que significa: “Capacidade de uma pessoa de prever seu próprio desempenho em diversas tarefas (por exemplo, até que ponto ela é capaz de se lembrar de diversos estímulos) e monitorar seus níveis atuais de domínio e compreensão”. (BRASFORD, BROWN e COCKING (2007 apud BIZERRA, 2014, p. 90) A autoavaliação e a reflexão desempenham um papel importante na chamada metacognição e devem ser estimuladas e incorporadas desde o início da vida escolar. Um senso comum entre os pesquisadores das áreas voltadas à educação é que as pessoas constroem um novo conhecimento com base no que já sabem e naquilo que acreditam. Segundo Moran, “Aprendemos de muitas maneiras, com diversas técnicas, procedimentos, mais ou menos eficazes para conseguir os objetivos desejados. A aprendizagem ativa aumenta a nossa flexibilidade cognitiva, que é a capacidade de alternar e realizar diferentes tarefas, operações mentais ou objetivos e de adaptar-nos à situações inesperadas, superando modelos mentais rígidos e automatismos pouco eficientes”. (MORAN. 2013, p. 2) E algumas vantagens apontadas através das metodologias ativas de aprendizagem são: • Os estudantes se tornam protagonistas no processo de aprendizagem, melhorando sua autoestima e favorecendo sua aprendizagem; • Os resultados serão mais perceptíveis e imediatos em relação a avaliação tradicional; • O ambiente em sala de aula se torna menos monótono e mais dinâmico. Segundo Savarase (2018), as metodologias ativas de aprendizagem surgiram para aperfeiçoamento do ensino, requerendo por parte do aprendiz um protagonismo nesse processo. Metodologias ativas se diferem do ensino tradicional em que o professor transmite o conhecimento e o estudante o recebe. Nesse processo, mediante o uso de uma metodologia ativa, o professor tem importante papel de mediar o conhecimento. 2.3.1 METODOLOGIAS ATIVAS COMUNS EM PRÁTICAS DE ENSINO- APRENDIZAGEM Em uma metodologia ativa, como dito anteriormente, os estudantes assumem um papel principal no processo de aprendizagem, enquanto o professor atua como um mediador no processo de ensino e não assumindo o papel de mero, nem o único detentor do saber em sala de aula. Com esta característica básica, o processo de ensino-aprendizagem se torna um modelo 12 que incentiva o desenvolvimento da capacidade de assimilação de conteúdos de maneira autônoma e participativa. A (Figura 3) descreve resumidamente algumas das metodologias ativas. Figura 3: Metodologias ativas Fonte: Próprio autor Neste trabalho as metodologias ativas escolhidas foram a sala de aula invertida e a Gameficação no processo de ensino-aprendizagem: Sala de Aula Invertida - Na sala de aula invertida, o estudante é convidado a conhecer o conteúdo com antecedência, explorar e assimilar esse conhecimento à sua maneira. Como o próprio nome diz, na aula invertida, o que se inverte são os momentos em que os conteúdos serão apresentados aos estudantes. O estudante terá o primeiro contato com o novo conteúdo fora do ambiente escolar, podendo ser em casa, no transporte, no final de semana. Poderá ser acompanhado de atividades que testarão se o estudante está assimilando o conteúdo, de que forma e em que nível, podendo ser, até mesmo, de forma on-line. Posteriormente o estudante irá para aula com suas dúvidas formuladas e com uma bagagem do conteúdo prévio já avaliado pelo próprio estudante, que será abordado em aula. Na aula invertida, os estudantes participam conjuntamente quando em sala, porém, aprendem em seu próprio ritmo. Os alunos que apresentam dificuldade de entendimento perante determinado conteúdo passam a contar mais entre os colegas, trocando seus conhecimentos e respeitando seu tempo de aprendizagem. (OLIVEIRA; ARAUJO; VEIT. 2016) 13 A inversão é muito mais do que uma mudança nos horários e dos espaços físicos. O professor da sala de aula invertida sugere várias abordagens para esclarecer o conteúdo e monitorar o progresso do aluno, precisa modificar sua postura de transmissor do conhecimento nas aulas tradicionais em favor de uma contribuição colaborativa e cooperativa. Essa mudança de postura deve acontecer também com os alunos, que saem de participantes passivos da instrução que é oferecida a eles para participantes ativos. Os alunos tendem a ter um melhor desempenho quando controlam o quando, onde e como eles aprendem. (ANDRADE; SOUZA. 2016) Gamificação - O termo gamificação (gamification ou game thinking) relaciona-se ao uso de elementos e mecanismos de jogos em contextos que não necessariamente envolvem jogos e/ou recursos de mídias digitais consiste em dinamizar componentes de jogos na solução de problemas relacionadas às dificuldades de aprendizagem e motivação. A metodologia por gamificação pode ser baseada em elementos de jogos digitais ou tradicionais. Busca despertar engajamento entre um público específico; intenção de despertar emoções positivas, explorar aptidões pessoais ou atrelar recompensas virtuais ou físicas ao cumprimento de tarefas. Participar de um processo de gamificação não significa necessariamente participar de um jogo, mas sim apoderar-se de seus aspectos mais eficientes( estética, mecânicas e dinâmicas) para emular os benefícios que costumam ser alcançados com eles. As vantagens vão desde a integração com a realidade dos jovens, fazendo parte da vida deles, até a motivação pelos estudos e a aprendizagem. Para utilizar essa metodologia, é necessário que os jogos sejam bem planejados, além de seu elaborador dispor de conhecimento sobre contexto a ser explorado. (VIANNA et al, 2013) Segundo Bruner (1969. p. 89) instruir alguém não é levá-lo a armazenar resultados na mente, e sim ensiná-lo a participar do processo que torna possível a obtenção do conhecimento. Saber é um processo, não um produto. Assim, as metodologias ativas devem mobilizar as competências desejadas, intelectuais, emocionais, pessoais e comunicacionais. A proposta deste trabalho, é utilizar dois tipos de metodologias ativas: a aula invertida e elementos de gameficação. Estratégias ativas de gameficação, tais como o ranking entre as equipes, desafios, bônus, penalidades e também pontuação por participação. Na aula invertida os estudantes deverão acessar o conteúdo a serem abordado na sala de aula, com antecedência, disponível na forma de livros didáticos, web sites ou através da leitura, análise das questões e discussões das respostas, com o objetivo de despertar o interesse nas questões propostas, assentando as bases que sustentarão o processo de ensino aprendizagem que virá posteriormente. A outra metodologia ativa, será a gamificação, em que um jogo, com 14 base no conteúdo já estudado pelos estudantes, será utilizado para aprimorar o conhecimento que os estudantes já possuem ou, até mesmo edificar novos conceitos sobre daqueles que os estudantes adquiriram nas aulas anteriores, tendo, assim, uma experiência extra com os assuntos que serão abordados. As abordagens pedagógicas inclusivas e diversificadas buscam fortalecer esses processos de aprendizagem. Bruner (1969. p. 111) afirma que o jogo é uma ferramenta pedagógica participativa, capaz de estimular através da adivinhação, do estabelecimento de hipóteses de processos; uma representação artificial poderosa da realidade. A utilização de jogos, ou o uso da metodologia baseada em gamificação é promissora para o ensino de qualquer disciplina do currículo escolar, tendo em vista o interesse dos estudantes por este tipo de entretenimento nos dias de hoje. Neste trabalho, será mostrada sua utilização para o ensino de Física, em um tema específico, como mencionado anteriormente. 2.3.2 JOGOS LÚDICOS NO ENSINO DE FÍSICA Segundo a LDB 9394/96, Art. 26, “os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela”. Segundo Moran (2015), os tempos passaram e os costumes mudaram, assim como o jovem vê o mundo ao redor. A educação tradicional está diante de um impasse para atualizar seus processos de ensino e aprendizagem. Com frequência, nossos estudantes nos questionam o motivo de estudar determinados assuntos. Nesta visão frequente do “por quê?”, percebemos essa nova geração com muita informação disponível nos meios eletrônicos, os desafios dos professores cresceram e estão presentes em sala de aula exigindo outras maneiras de se ensinar. São comuns, também, os estudantes dizerem que não gostam de estudar Física, as equações e operações que precisam fazer. Neste contexto, o jogo pode ser um instrumento para estimular sua lógica, seu modo de agir e pensar. Segundo Huizinga (2000), se verificarmos que o jogo se baseia na manipulação de certas imagens, no caso as cartas do produto educacional, numa certa "imaginação" da realidade (ou seja, a transformação da realidade em imagens), nossa preocupação fundamental será, então, 15 captar o valor e o significado dessas imagens e dessa "imaginação". Aplicando dessa forma, também, as ideias propostas por Bruner, observaremos a ação baseada em imagens no próprio jogo, procurando assim compreendê-lo como fator cultural da vida do estudante. Os jogos por outro lado, estão presentes no cotidiano dos estudantes e costuma ser um assunto discutido entre eles, principalmente, se houver desafios e um visual atraente. Eles estão presentes, de certa forma, no âmbito escolar desde as escolas mais antigas. Escola, em sua versão grega significava um “lugar para descanso, repouso, lazer, tempo livre, hora de estudo, ocupação para tempo de ócio, não servil” e em latim “divertimento” ou “recreio”. A atividade lúdica se realiza no jogo. Lúdico, caracteriza-se a qualquer objeto ou atividade que vise mais ao divertimento que a qualquer outro propósito; o que se faz por gosto, sem outro objetivo que o próprio prazer de fazê-lo. (MACEDO et al. 2006, p.35) Segundo MURCIA, “A palavra jogo provém etimologicamente do vocábulo latino iocus, que significa brincadeira, graça, diversão, frivolidade, rapidez, passatempo. Para seu estudo, deve- se considerar também o significado do vocábulo ludus-i: o ato de jogar, o prazer da dificuldade gratuita. O aspecto lúdico é essa atividade secundária relativa ao jogo, que se cultiva unicamente pelo prazer”. MURCIA (2005, p.16): O jogo pode ser uma oportunidade de os estudantes demonstrarem suas habilidades e estratégias e assim estabelecer uma relação positiva na aquisição de novos conhecimentos. O conhecimento, até então visto como algo cansativo e negativo por estudantes com dificuldades de aprendizagem, aos poucos passa a ser visto como uma atividade desafiadora, divertida e interessante. Através dos jogos e suas regras, os estudantes vão reconquistando sua autoconfiança e são estimulados a participarem e corrigirem suas respostas. Assim como, analisar e discutir de forma construtiva seus pontos de vista, cuidando e organizando seus materiais. Segundo Moran (2018, p.18), para o sucesso da aprendizagem, é fundamental que a Metodologia de Gamificação traga desafios, competências adequadas, percursos pessoais com participação significativa em grupos e atividades interativas. O resultado do jogo pode representar um passo na construção do saber, socialização de diferentes níveis cognitivos e desenvolvimento do raciocínio. Ler e interpretar são elementos importantes na construção do jogo, os estudantes não aprendem de forma homogênea e as turmas não costumam ser iguais. Portanto, parece ser razoável que o professor conheça alternativas para abordar novos assuntos. Os modelos 16 educacionais mais inovadores em aprender ativamente devem incluir os jogos, atividades e leituras, combinando tempos individuais e tempos coletivos (MORAN, 2018). Segundo Piaget (1974, apud MACEDO, 2006, p. 36), “realizar é compreender em ação uma dada situação em grau suficiente para atingir os fins propostos, é razoável, portanto, propor o jogo como promotor de realizações, pois nele tudo se resume às respostas e às consequências de cada jogada”. Portanto, os jogos possibilitam o melhoramento dos esquemas de ação, mesmo que não corresponda a uma intenção do sujeito que o realiza. Trabalhos publicados envolvendo jogos no ensino de Física atribuem ao professor um papel secundário, de apoio na resolução de dúvidas, permitindo um canal de mão dupla no diálogo com os estudantes, rompendo uma característica do ensino tradicional. Rangel (2008) sugere o uso de outros recursos à comunicação como forma de tornar a aula mais dinâmica e interessante para o estudante, contribuindo dessa forma, para fixação dos conteúdos. Segundo (MURCIA. 2005 p.125) “aprendizagem cooperativa é eficiente nas duas atribuições que costumam ser dadas às escolas: a aprendizagem de tarefas e destrezas específicas e a socialização dos estudantes.” Os jogos e as aulas roteirizadas com a linguagem de jogos estão cada vez mais presentes no cotidiano escolar. As novas gerações são estimuladas, desde muito jovem, a jogos com desafios, recompensas, competição e cooperação, estimulando assim maior atenção. Porém, é importante salientar que o uso de jogos, ou da metodologia baseada em gamificação, não devem ser exclusivamente, a única ferramenta e/ou metodologia adotada em sala de aula. No processo de ensino e aprendizagem a gamificação se articula como parte de um processo de sinergia, construindo e avaliando as competências cognitivas e socioemocionais. Com isso, a forma de conduzir a aula, fica mais diversificada e, certamente, mais atrativa para o estudante que sempre terá a expectativa de algo novo oferecido pelo professor. 17 3. ELETRICIDADE Entre os estudantes é comum categorizar eletricidade como a corrente elétrica que dispomos nas tomadas de energia elétrica, a luz artificial ou que faz os aparelhos funcionarem, reconhecendo sua importância pelo uso diário. Para entendermos melhor, é necessário rever o contexto passado na história da eletricidade. A eletricidade e o magnetismo eram conhecidos desde a Antiguidade como fenômenos distintos, cujos termos eletricidade e magnetismo derivam do termo elektron e magnetita. As primeiras investigações atribuem a Tales de Mileto a observação que resinas de árvores coníferas, o âmbar (elektron em grego), ao ser friccionado adquiria a capacidade de atrair pequenos objetos como, por exemplo, penas e plumas. Em seus relatos também estão relacionadas o minério, óxido de ferro (magnetita), encontrado em minas na província de Magnésia. Estes materiais eram capazes de se atraírem ou se repelirem, dependendo de como eram posicionados um em relação ao outro e, também tinham a capacidade de atrair o ferro. No oriente, século 3 a.C., os chineses inventaram a bússola graças às propriedades encontradas na magnetita. Muitos séculos se passaram sem muita evolução no conhecimento sobre os fenômenos elétricos e magnéticos. Já no século XIX, o trabalho experimental marcante de Hans Christian Oersted (1777-1851) em 1819 chamara muito atenção e foi historicamente importante. Durante uma apresentação, Oersted observou que, ao passar corrente elétrica em um fio metálico, a agulha de uma bússola próxima se orientava perpendicularmente ao fio. Assim os cientistas estabeleceram que a eletricidade e o magnetismo eram fenômenos relacionados. Em meados de 1830, Michael Faraday, na Inglaterra, e Joseph Henry, nos Estados Unidos, mostraram que, quando se movia um fio condutor perto de um ímã, ou o inverso, uma corrente elétrica era observada no fio, confirmando essa relação eletricidade-magnetismo. Algumas décadas após esses experimentos, outro fato importante para história foi demonstrado pelo genial físico, James Clerk Maxwell Figura (4). Maxwell, baseando-se nessas e em outros experimentos, estabeleceu as leis básicas dos fenômenos eletromagnéticos, contribuindo significativamente para o avanço científico nesta área. 18 Conhecidas como as equações de Maxwell, válidas para campos elétricos e magnéticos no vácuo, estas equações unificaram dois sistemas de características e propriedades diferentes que eram utilizados na época e que contribuíram significativamente para o entendimento do eletromagnetismo (YOUNG; FREEDMAN. 2009, p.356). Apesar de não fazer parte do produto abordado neste trabalho e dada a importância histórica que levou a prever a existência de ondas eletromagnéticas, destacamos abaixo as quatro equações de Maxwell: ∮ �⃗� = 𝑑𝐴 = 𝑄𝑖𝑛𝑡 𝜖0 (lei de Gauss para eletricidade) (1) ∮ �⃗� . 𝑑𝐴 = 0 (lei de Gauss para magnetismo) (2) ∮ �⃗� . 𝑑𝑙 = 𝜇0 (𝑖𝑐 + 𝜖0 𝑑𝛷𝐸 𝑑𝑡 ) (lei de Ampère -Maxwell) (3) ∮ �⃗� . 𝑑𝑙 = − 𝑑𝛷𝐵 𝑑𝑡 (lei de Faraday) (4) Apesar de Maxwell não ter concebido essas equações, ele foi capaz de estabelecer suas relações e significados fundamentais para o eletromagnetismo e fenômenos observados empiricamente, uma teoria que unificou décadas de conhecimento. A equação (1) refere-se à Lei de Gauss para campos elétricos �⃗� , dado pela integral sobre uma superfície fechada para o campo elétrico e a carga envolvida, ou seja estabelece uma Fonte: Young; Freedman, 2009 Figura 3: : James Clerk Maxwell (1831-1879) Figura 4: James Clerk Maxwell (1831-1879) 19 relação entre o campo elétrico e a carga; a equação (2), de acordo com a lei de Gauss para campos magnéticos, o fluxo magnético através da superfície é zero, dessa forma podemos afirmar que não existem monopolos magnéticos; A equação (3) é a lei de Ampère incluindo a corrente de deslocamento. Ela relaciona o campo magnético induzido à variação do fluxo elétrico e à corrente. Essa relação permite entender, por exemplo, a corrente de deslocamento em um capacitor, onde existe um vácuo ente as placas circulares, quando medimos o campo magnético nessa região, verificamos que ele de fato existe e se comporta exatamente como a equação (3), modificada por Maxwell; A equação (4) estabelece a relação entre o campo elétrico induzido à variação do fluxo magnético pelo tempo. Essas equações explicam uma grande variedade de fenômenos relacionados entre campos elétricos, campos magnéticos e suas respectivas fontes. Para chegar a esses resultados foram necessários um longo caminho. No século XVIII, acreditava-se que a eletricidade fosse um fluido presente em todos os corpos, capaz de escorrer para outros corpos. O cientista Benjamin Franklin (1706-1790) afirmava existir somente um tipo de fluido elétrico presente em todos os corpos. Os corpos com excesso desse fluído deveriam ser considerados eletrizados positivamente e corpos com falta desses fluidos seriam considerados como eletrizados negativamente. Hoje, sabemos que não são fluídos, mas que tais fenômenos estão relacionados à estrutura do átomo. As forças elétricas regem praticamente todas as interações, sejam em escala macroscópica ou microscópica como, por exemplo, um sinal no sistema nervoso. Todos os fenômenos eletromagnéticos são, em última instância, manifestações de interações entre cargas elétricas. As partículas positivamente carregadas no interior da matéria são denominadas prótons, e as partículas negativamente carregadas, são os elétrons. Estes, por sua vez, formam o átomo, que podem se atrair e se ligar, formando moléculas. As forças de atração e repulsão dessas moléculas são de natureza elétrica. A principal característica da carga elétrica é a sua capacidade de interagir com outras cargas. Toda carga elétrica possui, a sua volta, um campo elétrico que nunca será desvinculado da mesma. Dizemos que a carga elétrica é uma propriedade intrínseca da matéria. De acordo com princípios estabelecidos pela Física Moderna, o próton é formado por 2 subpartículas denominadas quarks up de carga + 2 3 e, e 1 quark down de carga - 1 3 e, que resulta +e. Essa carga (do próton) somada à carga do elétron, -e, resulta em um valor nulo, zero. Dizemos, portanto que, tanto o elétron, como o próton, possui uma carga cujo valor é absoluto e uma das constantes mais importantes da natureza (HALLIDAY; RESNICK; WALKER, 2013). 20 A princípio, cargas de mesmo sinal deveriam se afastar, porém os prótons com cargas positivas e nêutrons sem carga no núcleo do átomo (centro) se mantêm coesos entre si, graças a uma força chamada força nuclear forte. Ao seu redor, os elétrons estão localizados com maior probabilidade em determinadas regiões graças à força elétrica que existe entre cargas diferentes Quando um corpo possui um número de prótons igual ao número de elétrons, dizemos que o corpo, como um todo, é eletricamente neutro e a soma da carga total (carga líquida) é igual a zero. Para fazermos um corpo neutro ficar com excesso de cargas positivas ou negativas devemos adicionar, ou remover, elétrons do átomo já que a carga positiva no caso, os prótons, estão firmemente posicionados no núcleo do átomo. Assim alguns materiais também são melhores ou piores na capacidade eletrodinâmica. Os materiais classificados como condutores são materiais nos quais as cargas elétricas se deslocam de maneira relativamente livre, por exemplo quando um material condutor, como o cobre forma um sólido, alguns dos elétrons mais afastados do núcleo se tornam mais livres e recebem o nome de elétrons de condução. Já os materiais conhecidos como isolantes, por outro lado, são materiais nos quais as cargas elétricas não se deslocam livremente já que os elétrons estão mais firmemente presos à estrutura eletrônica material. Existem, também, os materiais com propriedades intermediárias entre esses dois extremos, classificado como semicondutores. A propriedade de condutividade elétrica tem origem na mecânica quântica, pois, nos átomos ou moléculas, os elétrons têm energia quantizada, ou seja, sua energia apenas pode ter determinados valores que variam discretamente. Quando os átomos ou moléculas se condensam para formar um material, cada nível de energia dá origem a uma faixa de energias permitidas para o elétron denominadas bandas de energia. Essas bandas de energia formam um contínuo de níveis permitidos para o elétron e entre uma banda e outra de energias permitidas existe uma faixa proibida, ou seja, uma região em que não existem níveis de energia permitida para o elétron, denominada band gap conforme figura (5). A última banda de energia permitida para o elétron é a banda de condução. Nessa banda, em um metal, por exemplo, a banda de condução está parcialmente ocupada por elétrons, permitindo que sejam excitados por um campo elétrico figura (5-a). Em isolantes a banda de condução está completamente vazia, observe a figura (5- b). As propriedades elétricas dos semicondutores podem ser alteradas pela adição de quantidades controladas de determinados elementos aos materiais conforme figura (5-c) (CHAVES. 2007. p. 112). 21 Figura 5: Representação de diagramas de bandas típicas para (a) condutores, p. ex.: metal ;(b) Isolantes e (c) semicondutores. Fonte: ; acesso 28/04/20. Em alguns materiais podemos adicionar ou remover cargas elétricas de um material, em um processo denominado eletrização. Para eletrizar objetos ou um corpo neutro, é preciso, portanto, transferir elétrons de um lugar para outro, que pode ser feito por três formas distintas: por contato, por atrito ou por indução. Eletrização por contato figura (6) ocorre quando um corpo carregado e isolado toca outro corpo inicialmente neutro. Após o contato, as cargas irão se distribuir uniformemente sobre sua superfície, já que cargas de mesmo sinal se repelem. A carga elétrica inicial será dividida por dois, se ambos os corpos tiverem o mesmo tamanho. Figura 6: Transferência de carga por contato de um bastão de plástico carregado para uma esfera metálica através de um fio condutor. Fonte: Young; Freedman, 2009. Na eletrização por atrito figura (7-a), como o próprio nome diz, é preciso que um material tenha sido friccionado em outro material. Após isso, parte dos elétrons passa para o https://wps.prenhall.com/wps/media/objects/948/971633/ch21_05.htm 22 outro corpo e os corpos ficam eletrizados com cargas de sinais opostos, na figura (7-b) os bastões plásticos adquirem a mesma natureza de carga e se repelem. Figura 7: Bastões plásticos atritados com pele(a) carregados com cargas iguais e se repelem (b) Fonte: Young; Freedman, 2009. Na eletrização por indução figura (8) não ocorre o contato. Nela, um objeto previamente carregado chamado de indutor, (no exemplo abaixo com carga negativa) é aproximado de outro objeto denominado induzido, na figura representado por uma esfera metálica apoiada sobre um material isolante figura (8-a). Isso faz com que os elétrons se movam pela superfície do material mesmo não havendo contado. Se o indutor estiver carregado com carga negativa, haverá repulsão dos elétrons livres do induzido, de modo que estes se deslocarão para a região mais afastada, deixando a região mais próxima do indutor com carga positiva figura (8-b). Em cada lado da esfera surgi uma carga induzida. Se ligarmos um fio condutor no lado oposto da esfera do indutor à Terra figura (8-c), podemos transferir cargas e retirando o contato em seguida deixamos a esfera eletrizado positivamente conforme a figura (8) Figura 8: Carregando uma esfera metálica por indução. Fonte: Young; Freedman, 2009. 23 É importante salientar que a lei da conservação da carga observada no fenômeno de fricção, e em outros experimentos mais complexos, não permite gerar uma carga de um tipo sem, ao mesmo tempo, gerar a mesma quantidade de carga do outro tipo. Assim, a soma algébrica de todas as cargas em um sistema isolado nunca se altera. Os materiais eletricamente carregados possuem uma carga elétrica que é um múltiplo inteiro da carga elétrica de um elétron ou próton em módulo, ou seja, 1,6x10-19 Coulomb, também chamada de carga elementar, citada anteriormente como “e”. Quando os elétrons são transferidos de um material para outro material, em um sistema isolado, a carga é conservada, obedecendo a um princípio básico da Física em que nenhum elétron pode ser criado ou destruído. Esse princípio é chamado de Conservação da Unidade de Carga Elétrica (HALLIDAY; RESNICK; WALKER, 2013, p.12). A quantidade de elétrons transferidos, pode ser calculada usando a equação (5). 𝑄 = 𝑛 . 𝑒 (5) Nesta equação, Q corresponde a quantidade de carga, n o número de elétrons e, e é o valor da carga elementar (1,6x10-19C). Em relação a distribuição das cargas sobre a superfície, se o condutor elétrico não for esférico as cargas elétricas não se distribuem igualmente sobre a superfície. Neste caso, as cargas estarão mais próximas nos vértices, pois o campo elétrico é perpendicular à sua superfície. Em um objeto esférico oca condutora em equilíbrio, a carga se distribui por toda a superfície de tal maneira que o campo elétrico é nulo no seu interior (VÁLIO, 2016, p. 33). As cargas elétricas que estão localizadas em corpos com dimensões pequenas ou desprezíveis em comparação com distâncias entre outras cargas, são denominadas cargas puntiformes. Essas cargas são utilizadas para estudar a força elétrica desprezando-se a interferência da massa ou forma. Essa propriedade está implícita no método de cálculo de campo elétrico criado por mais de uma carga, que é baseado no princípio de superposição que abordaremos mais adiante. A partir de vários experimentos de atração e repulsão, surgiu a necessidade de buscar a quantificação das interações entre as cargas elétricas e esta foi estabelecida pela lei de Coulomb. Para isso, foi utilizado um instrumento chamado balança de torção Figura (9), onde se estabelecia uma relação entre o ângulo de torção de um fio conhecido e esferas carregadas eletricamente. Charles Augustin de Coulomb em 1785 inferiu que interações eletrostáticas das partículas eletricamente carregadas, se atraem ou se repelem conforme a natureza da carga 24 elétrica e que a força entre as partículas varia diretamente com o produto de suas cargas e inversamente com o quadrado da distância (YOUNG; FREEDMAN, 2009, p. 7). Figura 9: Balança de torção Fonte: Young; Freedman, 2009 Uma partícula com carga 𝑄₁, no ponto r₁, exerce sobre uma partícula com carga q₂, no ponto r₂ e em repouso em relação à primeira, uma força de intensidade F (módulo da força elétrica), segundo a lei de Coulomb, é determinada pela equação (6). 𝐹 = 𝐾.|𝑄₁|.|𝑞₂| 𝑟2 (lei de Coulomb) (6) A força elétrica exercida pela carga que surge sobre a segunda partícula é diretamente proporcional à constante eletrostática do meio material em que se encontra essa carga e os valores das cargas, dividido pelo quadrado da distância. Na equação (6), k é a constante de Coulomb, que depende do meio onde estão as cargas. Para o vácuo e no S.I., k = 8,99.109 N.m2/C2; A constante k também é escrita como: 𝑘 = 1 4𝜋𝜀₀ A constante ε₀ é conhecida como a permissividade do vácuo, tem o valor = 8,85 x 10-12 C2/N.m2. A força elétrica é uma grandeza vetorial e expressa na forma vetorial pela equação (7). Nessa equação, Q e q são os valores das cargas, em coulomb, que entram em módulo na equação, r é a distância entre as cargas, em metros (HALLIDAY; RESNICK; WALKER, 2013). 25 𝐹 ₁₂ = 1 4𝜋𝜀₀ . 𝑄1.𝑞2 𝑟21 2 ȓ21 (7) Na equação (7), �̂� é um vetor unitário (versor) na direção da reta que liga as duas partículas. A direção da força em uma partícula com carga, depende da localização de outras partículas carregadas vizinhas e do sinal de cada uma. Quando estão presentes mais de duas partículas carregadas, a força resultante sobre qualquer partícula é igual à soma vetorial das forças individuais devidas a todas as outras partículas (SERWAY, JEWETT, 2011.p. 682). Ainda neste contexto, podemos falar do princípio da superposição. Ele é utilizado para analisar o resultado da soma de vários efeitos simultâneos em um corpo ou local. Um dos efeitos simultâneos ocorre pela presença de diversas forças elétricas em um único ponto. Assim, o princípio da superposição é usado para determinar a força elétrica resultante da ação entre uma carga q0 e várias outras cargas próximas q. Em um sistema com n partículas carregadas as partículas interagem independentemente, aos pares, e a força que age sobre cada uma das partículas é dada pela soma vetorial das forças entre a carga de se deseja saber e as outras envolvidas. Dessa forma, podemos expressar a força resultante de um sistema de partículas pela equação (8): 𝐹1 ⃗⃗ ⃗ = 𝐹12 ⃗⃗ ⃗⃗ ⃗ + 𝐹13 ⃗⃗ ⃗⃗ ⃗ + 𝐹14 ⃗⃗ ⃗⃗ ⃗ + ⋯𝐹1𝑛 ⃗⃗ ⃗⃗⃗⃗ (8) Na lei de Coulomb são estudadas diretamente as interações entre as cargas elétricas, ou seja, interação carga (elétrica) e carga (elétrica). Uma outra maneira de estudar as interações é através do conceito de campo elétrico. Vamos imaginar uma região onde nenhuma carga exista. Dizemos que nesta região há um campo neutro. Ao colocar um corpo com carga nessa região, este corpo irá perturbar o espaço ao seu redor, gerando o que chamamos de campo de força. Este campo de força é denominado, então, de campo elétrico e é provocado, portanto, pela ação de cargas elétricas ou por um sistema delas. A Figura (10) representa um sistema onde é gerado um campo elétrico. Note que o corpo com carga é representado pela letra A e o campo elétrico é representado por �⃗� . Ao inserir uma partícula com carga 𝑞0 em ponto (chamada carga de teste), surge uma força 𝐹 que atuará sobre essa partícula, colocada dentro da região de campo elétrico. 26 Figura 10: Um corpo carregado cria um campo elétrico ao redor. Fonte: Young; Freedman, 2009. O conceito de campo elétrico permite o estudo da relação carga (elétrica), campo (elétrico) e carga (elétrica). Enquanto na lei de Coulomb a intensidade força depende do valor da carga, no campo elétrico a intensidade força é dividida pelo valor da carga de prova. Essa definição do campo é dada pela equação (9): �⃗� = 𝐹 𝑞0 (9) Na equação (9), ao substituirmos 𝐹 pela equação (6), da lei de Coulomb, obtemos a definição mais completa para o campo elétrico. O campo elétrico é uma entidade real, capaz de transportar energia e momento. A intensidade do campo elétrico na posição da carga de prova é definida pela equação (10) e sua unidade de medida, no S.I, é N/C. �⃗� = 1 4𝜋𝜀₀ . 𝑄 𝑟2 �̂� (10) Para calcular o campo elétrico em um ponto P devido a um grupo de cargas pontuais, primeiramente calculamos os vetores do campo elétrico em P individualmente e pela soma vetorial de cada carga conforme a relação (11). �⃗� = 𝐹 𝑞´ → 1 4𝜋𝜀₀ ∑ ȓ 𝑞ᵢ 𝑟²ᵢ (11) O termo carga de prova é uma expressão usada para denominar uma carga de valor minúsculo, em que sua presença não irá perturbar a posição das cargas vizinhas. A equação (12) expressa, matematicamente, o conceito de carga de prova. 27 E = lim 𝑞´→0 𝐹(𝑞´) 𝑞´ (12) Nesta equação, nota-se que, na prática, esse limite de q´ tendendo à zero não pode ser tomado rigorosamente, uma vez a carga elétrica é quantizada. Para auxiliar no entendimento de campo elétrico é proposta a utilização das linhas de campo ou de força, conforme Figura (11). Algumas características nos ajudam a ilustrar campo elétrico. São elas, três propriedades fundamentais: i. O vetor campo elétrico é tangente às linhas de campo elétrico em cada ponto; ii. O número de linhas de campo que atravessam a unidade de área perpendicular ao campo é proporcional ao módulo do campo elétrico (intensidade do campo elétrico); iii. As linhas de campo saem de cargas positivas e chegam as cargas negativas e nunca se cruzam (YOUNG; FREEDMAN. 2009, p.24). Figura 11: (a) linhas de campo de uma carga pontual positiva e uma negativa ; (b) cargas positiva e positiva ; observe vetor campo elétrico em um ponto do espaço (a) (b) Fonte: Halliday, Resnick; Walker,2013. Duas placas metálicas retas e paralelas, igualmente espaçadas, podem criar, aproximadamente, um campo elétrico uniforme desde que estejam eletrizadas com cargas de natureza oposta. Próximos ao centro da placa surgem linhas de campo representadas por retas perpendiculares igualmente espaçadas às superfícies das placas. Quando uma partícula de carga q e massa m é colocada em um campo elétrico �⃗� , a força elétrica 𝐹 , exercida sobre a carga é dada pela equação (13). Esta é a única força resultante e a única força exercida sobre a partícula. 𝐹 = 𝑞. �⃗� = 𝑚. 𝑎 (13) 28 Na equação (13), isolando-se a aceleração da partícula temos a equação (14): 𝑎 = q.�⃗� m (14) Note, na equação (14), que, se o campo elétrico �⃗� é uniforme, a aceleração é constante. Umas das aplicações práticas do campo elétrico é criando campos elétricos variáveis. A Figura (12) ilustra uma molécula de água dentro de um forno micro-ondas, onde, por meio de campo elétrico, são geradas forças que atuam em sentidos contrários na molécula de água, devido à sua configuração polar, provocando, por consequência, seu torque. Figura 12: As moléculas de água dos alimentos têm uma carga elétrica diferente em seus polos (dipolo), girando com a polaridade variável (direção) do campo elétrico. Fonte: Acesso 22/04/2020 Uma das formas de simplificar o estudo dos campos elétricos é através da simetria e para isso foi proposto o conceito de fluxo. Fluxo elétrico é o produto da magnitude do campo elétrico �⃗� pela área da superfície, perpendicular ao campo. O fluxo elétrico é uma grandeza proporcional ao número das linhas do campo elétrico que penetram alguma superfície. Essa, é uma maneira de lidar com as linhas do campo elétrico de maneira quantitativa conforme a equação (15) 𝛷𝐸 = �⃗� . 𝐴 (15) http://fisicadomundoreal.blogspot.com/2011/02/como-o-forno-microondas-funciona.html 29 Em situações mais gerais, a magnitude e a direção do campo elétrico podem variar na superfície em questão. Se consideramos uma superfície geral dividida em um grande número de elementos pequenos, cada um com área ΔA, a variação no campo elétrico sobre o elemento pode ser desprezada se o elemento for pequeno o bastante. A lei de Gauss e a lei de Coulomb são maneiras equivalentes de relacionar o campo elétrico com as cargas que o geram. A lei de Coulomb é válida para cargas paradas uma em relação à outra. A lei de Gauss tem caráter geral e é válida para cargas em qualquer regime de movimento. O movimento altera o campo gerado por uma carga e gera outro campo, o campo magnético. Quando a carga se move, as linhas de força não irradiam simetricamente da carga e na direção paralela à velocidade, as linhas se tornam menos densas, ou seja, o campo fica menos intenso do que o campo da carga parada. Nas direções perpendiculares à velocidade, o campo fica mais intenso. A explicação desse fenômeno é dada pela teoria da relatividade restrita, a qual não abordaremos aqui. A lei de Gauss diz que o fluxo elétrico resultante 𝛷𝐸 através de qualquer superfície gaussiana fechada é igual à carga líquida no interior da superfície dividida por ε₀, conforme equação (16). 𝛷𝐸 = ∮ �⃗� . 𝑑𝐴 = 𝑞𝑖𝑛 𝜀0 (lei de Gauss) (16) Na equação (16), 𝑞𝑖𝑛 representa a carga líquida no interior da superfície e �⃗� , o campo elétrico em qualquer ponto sobre a superfície. A lei de Coulomb pode ser obtida a partir da lei de Gauss, porém o inverso não é válido. Veja a relação descrita a seguir. ∮ �⃗� . 𝑑𝐴 = �⃗� 4𝜋𝑟² 𝑞 𝜀₀ → 𝐸 ⃗⃗ ⃗ = 𝑞 4𝜋𝜀₀𝑟² ȓ o campo elétrico de uma carga pontual tem direção radial e varia com o inverso do quadrado da distância (CHAVES, 2007. p. 24). Quando nenhum movimento de carga ocorre dentro do condutor, este está em equilíbrio eletrostático, por exemplo, o cobre, contém cargas (elétrons) com maior mobilidade. Nessa situação de equilíbrio, toda carga no condutor é uma partícula em equilíbrio. Um condutor isolado em equilíbrio eletrostático tem as seguintes propriedades: 30 1. O campo elétrico é nulo em qualquer ponto dentro do condutor, como exemplificado pela blindagem eletrostática mostrada na Figura (13) 2. Se o condutor isolado tiver uma carga líquida, a carga em excesso fica inteiramente sobre a superfície. 3. O campo elétrico imediatamente exterior ao condutor carregado é perpendicular à superfície do condutor e tem uma magnitude σ 𝜀₀ , onde σ é a carga por unidade de área nesse ponto. 4. Em um condutor de forma irregular, a carga por unidade de área é máxima nos locais onde é mínimo o raio de curvatura da superfície (SERWAY, JEWETT, 2011.p. 705). Figura 13: Uma descarga elétrica atinge o automóvel, percorre a superfície e chega à terra através de uma centelha que parte da roda. Fonte: Halliday, Resnick; Walker,2013 Um outro ponto importante no contexto da eletricidade, é a energia potencial elétrica. Para compreender o conceito de energia potencial elétrica, nos remetemos, inicialmente, aos conceitos, já conhecidos, sobre energia potencial gravitacional. Quando estudamos energia potencial gravitacional, aprendemos que em um campo gravitacional, uma partícula em determinado referencial pode ter mais ou menos energia potencial gravitacional dependendo da sua localização no interior desse campo gravitacional. Se uma força 𝐹 atua sobre a partícula que se move de um ponto a até um ponto b o trabalho 𝑊𝑎−𝑏 realizado pela força é dado pela integral de linha, conforme equação (17): 31 𝑊𝑎−𝑏 = ∫ 𝐹 . 𝑑𝑙 𝑏 𝑎 = ∫ 𝐹 cos 𝜃 𝑑𝑙 𝑏 𝑎 (Trabalho realizado por uma força) (17) Na equação (17), 𝑑𝑙 é um deslocamento infinitesimal ao longo da trajetória e θ é o ângulo entre �⃗� e 𝑑𝑙 em cada ponto da trajetória. A mesma analogia podemos fazer em relação à energia potencial elétrica. Um objeto eletrizado possui uma energia potencial em razão de sua localização no interior de um campo elétrico. Considere o movimento de uma partícula com uma pequena carga negativa em direção a uma esfera negativamente carregada. Como as cargas são de mesmo sinal, elas se repelem, e, é necessário gastar energia para vencer a repulsão, ou seja, um trabalho será realizado para trazer a partícula próximo à esfera, aumentando a energia da partícula. Dessa forma, associamos uma energia potencial elétrica (U) à energia que a partícula adquire em virtude do referencial. Se a configuração da partícula muda de um estado inicial (i) para um estado final (f), a força eletrostática realiza um trabalho (W) sobre as partículas, que independe da trajetória ou caminho escolhido, por ser uma força conservativa. Este trabalho é dado pela equação (18). ∆𝑈 = 𝑈𝑓 − 𝑈𝑖= -W (18) Em um sistema onde a força é devida a uma distribuição finita de cargas, convém tomar r infinito como a configuração de referência, tal que U = 0. Com isso, podemos definir a função energia potencial elétrica de U, conforme equação (19). 𝑈𝑟 = −∫ 𝑞0 .�⃗� . 𝑟 ∞ 𝑑𝑙 (19) Observe que U (𝑟 ) representa o negativo do trabalho realizado pela força do campo elétrico sobre a partícula de carga 𝑞0 para trazê-la desde o infinito até r. A energia potencial elétrica (U) de duas cargas puntiformes 𝑞𝑞0, quando a carga 𝑞0 está em um ponto situado a qualquer distância de r de q, é dada, portanto, pela equação (20). 𝑈 = 1 4𝜋𝜖0 . 𝑞𝑞0 𝑟 (energia potencial elétrica de duas cargas) (20) 32 A unidade de medida para essa energia é o Joule. A energia potencial elétrica é positiva quando as cargas possuem o mesmo sinal e negativa quando as cargas possuem sinais contrários. O potencial elétrico, representado pela (V), é nova grandeza que não depende da carga de prova, e sim do campo elétrico e eventualmente da posição. Para encontramos o potencial V de uma única carga puntiforme q, dividimos a equação (20) por 𝑞0, obtendo a equação (21). 𝑉 = 𝑈 𝑞0 = 1 4𝜋𝜖0 . 𝑞 𝑟 (potencial de uma carga puntiforme) (21) Na equação (21), r é a distância entre a carga q e o ponto onde o potencial está sendo calculado. A unidade de medida da diferença de potencial, no S.I. é o volt (V) e 1 V = 1 J/C. Um elétron-volt (eV) é a energia igual ao trabalho necessário para deslocar uma carga elementar através de uma diferença de potencial de um volt. Se tomarmos como referência o potencial 𝑉𝑖 = 0, a função do potencial elétrico em um ponto qualquer é dado pela equação (22). 𝑉𝑟 = −∫ �⃗� . 𝑑𝑙 𝑟 ∞ (22) Nessa equação, o potencial elétrico no ponto (𝑉𝑟 ) é o negativo do trabalho para trazer a carga do infinito a 𝑟 ⃗⃗ nesse campo elétrico. O potencial V pode ser positivo, negativo ou nulo, dependendo do sinal e do valor absoluto de q e 𝑊∞. O potencial elétrico é uma grandeza escalar. No campo elétrico em uma região, a cada ponto do espaço, é associado um potencial elétrico por unidade de carga. O potencial elétrico produzido por uma carga pontual a uma distância r da carga, é dada pela equação (23): V = 1 4𝜋𝜀0 . 𝑞 𝑟 (23) Nesta equação, V tem o mesmo sinal de q e como o potencial elétrico é uma grandeza escalar, se o campo elétrico for gerado por partículas pontuais de cargas 𝑄1 𝑄2 𝑄3, o potencial elétrico total em cada ponto é obtido pela soma algébrica dos potenciais elétrico nesse ponto, em cada uma dessas cargas. Quando as extremidades de um material condutor estão a temperaturas diferentes, a energia térmica flui da extremidade mais quente para a mais fria. A energia flui de uma 33 extremidade para a outra. Analogamente quando as extremidades de condutores estão em diferentes potenciais elétricos a corrente elétrica se manifesta através do movimento relativamente ordenado dos portadores de carga elétrica, em que os elétrons, mediante uma força de origem elétrica, agem sobre cada um dos elétrons livres. O movimento da corrente é no sentido do maior potencial para o menor, como representado na Figura (14) no sentido horário, embora o movimento real seja contrário. Figura 14: (a) Um fio de cobre em equilíbrio eletrostático. (b) Uma bateria gera um campo elétrico que movem as cargas elétricas. Fonte: Halliday, Resnick; Walker,2013 Na Figura (14), em (a), um fio de cobre está em equilíbrio eletrostático. Em (b), uma bateria mantém uma diferença de potencial entre as extremidades. Essa diferença de potencial gera, no interior do condutor, um campo elétrico e esse campo elétrico age sobre as cargas dos elétrons fazendo com que eles se movimentem. Como os íons possuem maior massa e interagem entre si, quase não se movem, enquanto os elétrons livres, mediante o campo elétrico aceleram e produzem o referido movimento ordenado se sobrepondo à agitação térmica. A corrente elétrica pode assumir dois tipos: alternada e contínua. A corrente alternada varia seu sentido conforme o tempo, ou melhor, conforme a variação alternada do campo elétrico. A corrente elétrica é uma grandeza escalar. A intensidade da corrente elétrica (I) tem relação com a quantidade de carga elétrica transportada e, é dada pela razão entre a quantidade Q de carga que atravessa uma secção transversal reta do condutor e o intervalo de tempo, em segundos, ∆t dessa travessia, conforme a equação (24). 𝐼 = 𝑑𝑞 dt (definição de corrente elétrica) (24) Uma carga q que atravessa uma seção do fio em um intervalo de tempo dt pode ser determinada por meio da equação (25). 34 q= ∫𝑑𝑞 = ∫ 𝑖. 𝑑𝑡 𝑡 0 (25) a carga que passa por uma seção conforme equação (25) é a integral da intensidade da corrente elétrica i, em intervalos de tempos muito pequenos. A intensidade da corrente elétrica é dada em C/s, também chamada Ampère (A), sendo 1 A = 1C/s (YOUNG; FREEDMAN; 2009 p. 138). Outra grandeza notável que explora o conceito de conservação de carga, é a densidade de corrente elétrica. Para conceitua-la, observemos a Figura (15). Figura 15: Fio condutor não uniforme de secção irregulares destacados. Fonte: Halliday, Resnick; Walker,2013. A corrente i que atravessa o condutor tem o mesmo valor nos planos aa’, bb’ e cc’. Podemos perceber, entretanto que a área é diferente em cada secção. Essa relação entre corrente e área é chamada de densidade de corrente, representado por 𝐽 . Em consequência disso, em um caso de bifurcação dos caminhos percorridos pelas cargas, ou seja, na divisão de fios condutores, a carga se conserva. Os portadores de carga de um condutor só se deslocam se for estabelecida uma diferença de potencial entre dois pontos desse condutor, como já mencionado. Experimentalmente, a mesma diferença de potencial e campo elétrico geram correntes elétricas de diferentes intensidades em condutores diferentes. Chamamos de resistência elétrica (R) a maior ou menor dificuldade que os materiais condutores oferecem para o movimento dos portadores de carga elétrica. A resistência elétrica pode ser determinada pela equação (26), a qual denominamos primeira lei de Ohm (GASPAR. 2013, p. 116). 𝑅 = 𝑈 𝐼 (definição de R) (26) 35 Na equação (26), U é a diferença de potencial nas extremidades do condutor, medido em volts e, I, é a intensidade da corrente elétrica, em ampère. A unidade de resistência elétrica no S.I. deriva da razão volt/ampere e recebe o nome de ohm (Ω). Uma grandeza própria de que é feita um condutor é chamado de resistividade (ρ). Por definição, a resistividade é a relação que existe no campo elétrico �⃗� , e a sua densidade de corrente (J), conforme a equação (27). 𝜌 = 𝐸 𝐽 (definição de resistividade) (27) É possível verificar na equação (27) que as unidades de (ρ) são (V/m).(A/m²) = (Ω/m). Na figura (16) podemos observar que, à medida que a corrente flui através da diferença de potencial, ocorre perda de energia potencial elétrica, reconhecido como efeito Joule. Figura 16: Condutor uniforme:( v) diferença de potencial;(L) comprimento;(E) Campo elétrico;(I) Corrente;(J) Densidade corrente Fonte: Young; Freedman, 2009. Um exemplo real do efeito Joule seria o processo de aquecimento do secador de cabelo, ou o aquecimento da água por um chuveiro elétrico, figura (17). 36 Figura 17: Chuveiro elétrico; visão em corte. Fonte: Figura adaptada pelo autor, 2020. 37 4. MATERIAIS E MÉTODOS 4.1 ELABORAÇÃO DO JOGO Para a elaboração do jogo, inicialmente, levou-se em consideração o tempo planejado para o professor aplicá-lo em sua aula, ou seja, o jogo foi elaborado para ser aplicado em duas aulas de 50 minutos cada. No jogo, estão contempladas as questões conceituais mais simples até as mais abstratas da Física, na área da eletricidade. Como este tema pertence ao currículo do terceiro ano do Ensino Médio, o jogo é, portanto, mais bem aproveitado por este público alvo. O jogo foi nomeado como “Pokelétron” e consiste em um tabuleiro no qual os participantes podem atuar sozinhos ou em equipes, totalizando 3 participantes ou 3 equipes por tabuleiro. Cada participante/equipe deve percorrer os caminhos do tabuleiro passando por casas que representam questões ou desafios. O tabuleiro, portanto, consiste em uma sequência de casas, formando três trilhas, em que cada casa representa uma fase do jogo, como mostra a Figura 18. Figura 18: Representação do tabuleiro do jogo Pokelétron Fonte: Próprio autor Inicialmente, os estudantes precisam ser divididos em time e eleger um representante para cada time. As cartas precisam ser separadas conforme o desenho de cada fase do tabuleiro. 38 O jogador, para começar o jogo, precisa acertar a pergunta correspondente à casa inicial (Figura 19), que se refere às informações do próprio jogo, como, por exemplo, o nome do jogo. Ele só continuará jogando se acertar a pergunta. Figura 19: Representação do modelo de carta da casa inicial do jogo Fonte: Próprio autor Cada equipe participa uma vez de forma alternada. Todas perguntas e respostas estão em uma mesma carta, que deve ser lida, portanto, por um jogador da equipe oposta, tendo em vista que na própria carta, há a resposta correspondente à pergunta. Assim, quem lê e confere as respostas é sempre o adversário. As cartas são classificadas por cores e símbolos que representam suas casas correspondentes no tabuleiro. Buscou-se trabalhar com questões que estivessem contextualizadas com o cotidiano e conhecimentos dos estudantes, além de permitir que elas proporcionassem um poder argumentativo pautado na proposta da discussão em grupo durante a atividade. A segunda casa do tabuleiro é chamada “alvo”. Ao passar por ela, o jogador recebe uma carta contendo equações (Figura 20) que serão úteis no final do jogo. Portanto, o jogador deverá guardá-la até o final do jogo. Figura 20: Representação do modelo de carta “alvo” 39 Fonte: Próprio autor As casas verdes do tabuleiro, são catalogadas questões com três níveis de dificuldade. Portanto, há casas verdes nível 1, nível 2 (Figura 21) e nível 3. Figura 21: Exemplo de carta de nível 2 Fonte: Próprio autor A casa de “desafio” só poderá ser acessada pelo jogador, após responder corretamente à pergunta de nível 1. As cartas correspondentes à casa “desafio” (Figura 22), contém questões com as opções de resposta “falso” ou “verdadeiro”. Figura 22: Representação do modelo de carta “Desafio” Fonte: Próprio autor No tabuleiro, há a casa de “área de teste” (Figura 23), cujas cartas correspondentes contêm questões ou frases para completar. É interessante que o professor, como mediador do processo, sempre estimule os estudantes a pensarem em grupo antes de responderem às questões, assim como, anotarem as respostas incorretas dos adversários e discutirem as questões. “A terceira técnica é a da participação – especialmente com jogos incorporando as propriedades formais do fenômeno, do qual o jogo é analógico – [...] uma representação artificial, mas geralmente, poderosa, da realidade.” (BRUNER. 1969, p. 111, grifo nosso) 40 Figura 23: Representação do modelo de carta “Área de teste” Fonte: Próprio autor A casa com desenho de um triângulo (Figura 24) simula a interação de três partículas, ou seja, se refere à “atração” ou “repulsão” e tem como objetivo trabalhar o conceito da natureza elétrica de atração ou repulsão que uma carga pode ter de sua natureza. Quando o jogador atinge essa casa, a carta que ele escolher, lhe dará uma missão, que pode ajudá-lo ou atrapalhá-lo no seu percurso rumo ao final do tabuleiro. Figura 24: Representação do modelo de uma carta “Atração” Fonte: Próprio autor Ao alcançar a casa amarela, com a representação de um modelo atômico (Figura 25), o estudante vai se deparar com questões de múltiplas escolhas, contendo três opções de respostas. 41 Figura 25: Representação do modelo de uma carta “Modelo atômico” Fonte: Próprio autor A casa correspondente ao “Megadesafio” (Figura 26) trabalha com questões de resistência, corrente elétrica e choque elétrico. São questões mais elaboradas, que exigem um nível de conhecimento que contemple os temas citados anteriormente. Figura 26: Representação do modelo de uma carta “Megadesafio” Fonte: Próprio autor Na última casa do tabuleiro, é proposto ao(s) jogador(es) um problema para aplicação das equações, como desafio final para “vencer o jogo” (Figura 18). Para resolver o problema proposto, a equipe, ou jogador, deverá usar as equações expressas na carta adquirida na segunda casa do tabuleiro, no início do jogo. Quando alcançada esta casa, os estudantes terão um tempo de 1 a 3 minutos, estabelecido pelo professor, usando papel e lápis para resolver a questão usando aquela carta “de alvo” que foi guardada no início do jogo (Figura 27). 42 Figura 27: Representação do modelo de uma carta “vencer o jogo” Fonte: Próprio autor Vence o jogo, o jogador ou equipe que acertar primeiro a resposta dessa questão e passar essa casa. Todas as regras do jogo foram colocadas em um manual, contendo, inclusive, os objetivos, orientações e recomendações para um melhor desempenho durante sua aplicação. As cartas que compõem cada casa e o tabuleiro estão dispostas no Apêndice 1. As regras do jogo, estão dispostas no Apêndice 2. 4.2 METODOLOGIA DE APLICAÇÃO A linha de pesquisa deste trabalho é de natureza aplicada, quanto a forma de abordagem do problema é qualitativa; quanto aos fins de pesquisa é explicativa; quanto aos procedimentos é um estudo de caso, no qual são empregadas várias técnicas de instrumento, como: entrevista, questionário, vídeos, áudios para análise e avaliação dos resultados. Segundo Prodanov (2013, p. 50) é de natureza aplicada porque tem como objetivo gerar conhecimentos para aplicação prática dirigidas à solução de problemas específicos; qualitativo, porque considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números; explicativa, pois procura explicar os porquês das coisas e suas causas, por meio do registro, da análise, da classificação e da interpretação dos fenômenos observados. Estudo de caso, porque “é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e contexto não estão claramente definidos” O produto pedagógico, jogo educativo denominado “Pokeletron”, foi aplicado em duas escolas em Presidente Prudente. Uma escola particular em uma sala com dezesseis estudantes do terceiro ano do Ensino Médio e uma escola pública estadual (Figura 28) com duas salas do 43 terceiro ano do Ensino Médio com quinze estudantes, totalizando trinta estudantes na escola pública. A aplicação foi realizada pelos professores de Física das respectivas escolas. Todos os professores participantes receberam orientações iniciais sobre a aplicação do jogo em sala de aula. Tais orientações incluíam as regras do jogo (entregues impressas aos professores), os materiais físicos que o compunham (tabuleiro, peças, cartas), possíveis metodologias para desenvolvimento da atividade em sala e os questionários (impressos) que deveriam ser aplicados pós jogo. Ficou ao critério de cada professor atribuir notas de participação durante a aplicação desta atividade em sala. Os professores participantes contribuíram com entrevista sobre a aplicação do jogo, gravação de vídeo e devolutiva do questionário aplicado em sala de aula. O público alvo escolhido foram estudantes do 3º ano do Ensino Médio com disponibilidade de duas aulas de Física, totalizando, aproximadamente, 100 minutos. As etapas necessárias foram: preparar os estudantes para atividade, aplicar o produto e responder a um questionário. Figura 28: Aplicação em Escola pública Fonte: Próprio autor Na escola particular, participaram dezesseis estudantes em uma sala com trinta estudantes. A atividade foi aplicada no contraturno com parte dos estudantes que estavam presentes. Os estudantes que participaram foram divididos em 3 grupos de 5 estudantes, sendo que um estudante ficou como auxiliar do professor. Na escola pública, trinta estudantes participaram da atividade, os estudantes foram divididos em cinco grupos. Cada grupo era composto por seis estudantes que competiram três contra três. Alguns grupos tiveram dificuldades de entender o jogo, assim os professores juntaram as classes e ajudaram na explicação da dinâmica do jogo. Os instrumentos utilizados para a análise dos resultados foram: produto educacional, questionário com perguntas sobre o jogo e sobre o conteúdo na escola pública, entrevista com 44 o professor da escola particular e vídeos. Não houve entrevista com os alunos, porém, durante a fase de planejamento foi possível conversar com os alunos sobre o trabalho. Na escola particular, o produto foi aplicado pelo professor da sala, licenciado em Física. Segundo o professor que aplicou o jogo pedagógico, “os estudantes com mais afinidade com conteúdo de Física foram distribuídos nos grupos para que os times ficassem mais competitivos. Os que sabiam mais, se elegeram líderes do grupo”. Este fato não afetou os resultados já que os líderes tinham a função apenas de coordenar e organizar a dinâmica do jogo. A atividade foi aplicada a todos os estudantes simultaneamente. Inicialmente, foram explicados os propósitos do trabalho, pois os estudantes teriam um questionário ao final da atividade para avaliar a metodologia aplicada e os possíveis impactos na aprendizagem sobre um tema já visto e cujas respostas deveriam ser individuais. Os estudantes tomaram ciência que a participação seria voluntária, sem prejuízo nas atividades escolares. Os professores aplicadores contaram com os manuais dos jogos para poderem aplicar a atividade. As questões procuram seguir as orientações propostas às Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio e à Matriz de referência para o Enem, seguindo os eixos cognitivos, comuns a todas as áreas do conhecimento. Dentre elas, destacamos: • H3 – Confrontar interpretações científicas com interpretações baseadas no senso comum, ao longo do tempo ou em diferentes culturas. • H17 – relacionar informações apresentadas em diferentes formas de linguagem e representação usadas nas ciências Físicas, químicas ou biológicas, como texto discursivo, gráficos, tabelas. • H18 – relacionar propriedades físicas, químicas ou biológicas de produtos, sistemas ou procedimentos tecnológicos às finalidades a que se destinam. • H20 – Caracterizar causas ou efeitos dos movimentos de partículas, substâncias, objetos ou corpos celestes. (Matriz de Referência de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, 2019) A metodologia ativa propõe práticas pedagógicas mais interativas, colaborativas, atribuindo um papel secundário do professor, de mediador de conflitos que eventualmente ocorriam durante as respostas e ajudando a interpretar as perguntas que os estudantes apresentavam mais dificuldades. Esta metodologia foi adotada durante a aplicação da atividade. Neste trabalho foram utilizadas diferentes linguagens (escrita, desenhos, diálogo, símbolos), lembrando os conceitos sugeridos por Bruner durante o processo de aprendizagem 45 que passamos durante a vida. O jogo é uma atividade que propicia a partilha de informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos que encaminhem ao entendimento mútuo. Durante a aplicação na escola particular, o professor explicou que não conseguiu terminar a atividade no seu tempo de aula e mesmo assim a atividade prosseguiu durante a aula de química, contou também que esqueceu de aplicar o questionário. Na escola pública (Figura 29) o questionário foi aplicado e um vídeo da aplicação foi gravado pelos professores, porém conforme podemos verificar no vídeo o questionário foi aplicado antes do término do jogo, possivelmente para que o tempo fosse suficiente para o término. Figura 29: Aplicação em Escola pública Fonte: Próprio autor Um questionário (apêndice 3) foi distribuído na escola pública (figura 29) na aplicação do jogo. Foram respondidos vinte e cinco questionários na escola pública sintezados abaixo. Na escola particular não foi possível aplicar o questionário devido ao tempo de aula ter terminado. Dessa forma a coleta dos dados foram baseados na observação e análise durante aplicação dos testes iniciais, nos vinte e cinco questionários (apêndice 3), um vídeo gravado na integra durante a aplicação na escola pública e uma entrevista com o professor da escola particular (sem roteiro) com perguntas abertas e de opinião. 46 5. RESULTADOS A fase de elaboração do jogo, além de melhorar o jogo, contribuiriam para as primeiras observações dos resultados que posteriormente seriam confrontadas nas aplicações finais, essa fase também contribuiu para elencar os objetivos do trabalho. Os dados analisados são resultados das duas aplicações, como explicado anteriormente, e as conclusões e resultados baseadas em entrevista com o professor que aplicou na escola particular, questionário aplicado na escola pública que geraram vídeos e áudios. Inicialmente registramos as respostas dadas pelo professor da escola particular em uma entrevista com perguntas abertas e de opinião. Os seguintes depoimentos e opiniões foram dados e em seguida fazemos uma inferência nas metodologias abordadas: “Foi muito legal no sentido de quebrar a estrutura da aula e apresentar o conhecimento, o conteúdo de uma outra maneira, sem ser