1 HAYANA RIBEIRO PRESIDENTE PRUDENTE-SP 2023 PERMEABILIDADE E PLANEJAMENTO URBANO CONTRA OS CASOS DE INUNDAÇÃO DO RIBEIRÃO QUILOMBO EM SUMARÉ-SP FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA1 “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” DE PRESIDENTE PRUDENTE-SP 2 HAYANA RIBEIRO TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO NO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DA UNIVERSI- DADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUI- TA FILHO” - UNESP, CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE-SP. ORIENTADOR: DR. LUCIANO ANTONIO FURINI. PRESIDENTE PRUDENTE-SP 2023 PERMEABILIDADE E PLANEJAMENTO URBANO CONTRA OS CASOS DE INUNDAÇÃO DO RIBEIRÃO QUILOMBO EM SUMARÉ-SP FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA1 “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” DE PRESIDENTE PRUDENTE-SP 3 R484p Ribeiro, Hayana Permeabilidade e Planejamento Urbano contra os casos de inundação do Ribeirão Quilombo em Sumaré-SP / Hayana Ribeiro. -- Presidente Prudente, 2023 115 p. : il., tabs., fotos, mapas Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente Orientador: Luciano Antonio Furini 1. Ribeirão Quilombo. 2. Sumaré. 3. Inundação. 4. Planejamento Urbano. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Presidente Prudente. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Hayana Ribeiro Permeabilidade e Planejamento Urbano contra os casos de inundação do Ribeirão Quilombo em Sumaré-SP Trabalho final de Graduação apresentado à universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Ciências e Tecnologia - Câmpus de Presidente Prudente para obtenção do título de Bacharela em Arquitetura e Urbanismo. Área de concentração: Planejamento Urbano Data da defesa: 12/12/2023 Banca Examinadora: Prof. Dr. Luciano Antonio Furini UNESP - Faculdade de Ciências e Tecnologia - Câmpus de Presidente Prudente; Ms. Camila Silva de Oliveira FAU USP - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo; Prof. Dr. Fernando Sergio Okimoto UNESP - Faculdade de Ciências e Tecnologia - Câmpus de Presidente Prudente. 5 Dedico este trabalho à todos os professores que me inspiraram durante a minha vida, aos amigos, à arte e principalmente minha família. Obrigada por me acompanharem durante todo esse processo. 6 Este trabalho aborda os conflitos do espaço livre urbano, na relação entre o ambiente construído de Sumaré-SP e o Ribeirão Quilombo, no qual tal município apresenta dados e notícias de situações corriqueiras de inundações em certos bairros da cidade e a contabilização de habitantes em situação de risco. O estudo busca referências de planejamento urbano integrado, sobretudo iniciativas que esta- belecem uma abordagem mais saudável entre os corpos hídricos e a cidade, tais como o “Water Sen- sitive Urban Design”, “Soluções Baseadas na Natureza” e “Cidade-Esponja” além de trazer o conceito do “Urbanismo Tático”, na importância da participação popular nesses espaços. Embora o Ribeirão Quilombo contenha áreas de outros cinco municípios em sua bacia, o estudo concentra-se em Suma- ré devido a escala de proposição de implantação de medidas socioambientais e por abrigar a maior porcentagem desse curso d’água. O texto apresenta uma caracterização inicial dessas nomenclaturas, do Ribeirão Quilombo, do município de Sumaré e por fim, apresenta como proposta de solução de tal cenário a indicação de um planejamento piloto de um parque linear, ideia antiga e não implantada da prefeitura, incorporando os conceitos discutidos a partir do entendimento que ele seria uma medida compensatória e também um meio para alcançar a transformação do espaço e a melhoria de qualidade de vida da população. Palavras chaves: Ribeirão Quilombo, Sumaré, Inundação e Planejamento Urbano. RESUMO 7 This work approach the conflicts of urban free space, in the relationship between the built environ- ment of Sumaré-SP and Ribeirão Quilombo, in which this municipality presents data and news on com- mon flood situations in certain neighborhoods of the city and the count of inhabitants in situation of risk. The study seeks references for integrated urban planning, especially initiatives that establish a healthier approach between water bodies and the city, such as “Water Sensitive Urban Design”, “Nature-Based Solutions” and “Sponge City”, in addition to bringing the concept of “Tactical Urbanism”, in the importan- ce of popular participation in these spaces. Although Ribeirão Quilombo contains areas from five other municipalities in its basin, the study focuses on Sumaré due to the scale of proposed implementation of socio-environmental measures and because it houses the largest percentage of this watercourse. The text presents an initial characterization of these nomenclatures, of Ribeirão Quilombo, of the munici- pality of Sumaré and finally, presents as a proposed solution for such a scenario the indication of pilot planning for a linear park, an old and unimplemented idea of the city hall, incorporating the concepts discussed based on the understanding that it would be a compensatory measure and also a means to achieve the transformation of space and the improvement of the population’s quality of life. Keywords: Ribeirão Quilombo, Sumaré, Flood e Urban Planning. ABSTRACT 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ESPAÇO LIVRE URBANO A ÁGUA NAS CIDADES PLANOS DIRETORES E DRENAGEM URBANA PLANEJAMENTOS DAS ÁGUAS NAS CIDADES WATER SENSITIVE URBAN DESIGN SOLUÇÕES BASEADAS NA NATUREZA CIDADE-ESPONJA URBANISMO COLABORATIVO (TÁTICO) CONSIDERAÇÕES DO CAPÍTULO RECORTE SOCIOESPACIAL CARACTERIZAÇÃO GERAL DA MICROBACIA DO RIBEIRÃO QUILOMBO SUMARÉ-SP PLANO DIRETOR E DRENAGEM EM SUMARÉ-SP AÇÕES, PLANOS E PROPOSTAS ATUAIS EM SUMARÉ PLANEJAMENTO E INDICAÇÃO DE PILOTO MEDIDAS NÃO ESTRUTURAIS CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DO PARQUE ESCOLHIDA MEDIDAS ESTRUTURAIS APLICADAS A UM PLANEJAMENTO PILOTO CONCLUSÃO REFERÊNCIAS ANEXOS 09 12 16 19 23 24 28 32 35 39 45 47 51 60 77 81 83 86 102 109 112 117 9 INTRODUÇÃO O ideal de cidade e planejamento urbano ul- trapassa diversas épocas, pensadores e civiliza- ções. Do seu surgimento anterior a idade de Cris- to ao início da implantação de praças, da malha ortogonal ou de muralhas como meio de proteção, o debate sobre as cidades passa a ter grande ex- pressão após a revolução industrial, vistos nos fa- mosos planos de Hausmann (1853) em Paris ou do Cerdá (1859) em Barcelona. A partir de tal período tornou-se urgente o pensar da forma urbana e o corpo humano nos espaços, devido às explosões e expansões urbanas, novos meios de produção, transporte e infraestruturas que acompanhavam situações de insalubridade, poluição e má quali- dade de vida. O urbanismo moderno trouxe como proposta planos além de uma cidade, por vezes modos de vida idealizados, mas que contribuíram para o desenvolvimento dos debates atuais. Da idealização das ‘Cidades Lineares’ ou ‘Cidade Jardim’, hoje os estudos percorrem as inovações tecnológicas em busca de ‘Cidades Sustentáveis’ ou, em outra nomenclatura, ‘Cidades Saudáveis’, a fim de lidar com o espaço urbano, que é produ- to e reflexo da sociedade, entendido como algo cumulativo de tempos, desigual e mutável. A contar da fundação da Vila São Vicente em 1532 e desenvol- vimento a partir de fatores políticos e econômicos que dominavam os diferentes períodos, as cidades brasileiras, do ciclo da minera- ção, açúcar, café e industrialização, em sua grande maioria foram concebidas de forma espontânea sendo produto de diversos agentes concretos, como os grandes promotores imobiliários, o Estado ou os grupos sociais excluídos. Apesar das diversas individualizações de processos históricos, as cidades brasileiras testemunham em comum a luta pelo espaço urbano, no qual exibem até hoje, em suas formas e malhas territoriais, a priorização do capital e distribuições desiguais pelo espaço em detrimento ao direito à cidade. E, como resquício, pessoas de diversas cidades têm de conviver com péssimas condi- ções de moradia e acesso a infraestruturas básicas, como transporte, equipamentos ou espaços de lazer, ao mesmo tempo que podem ser atingidas por desastres da natureza provenientes da “falta de plane- jamento urbano” através de deslizamentos em encostas de morros ou enchentes e inundações próximas a leitos de rios que abrigam as ditas cidades informais, por exemplo. A história evidencia, portanto, o desamparo com as classes sociais mais baixas, as minorias sociais, com os povos indígenas e negros por exemplo, no qual omite todo um passado opressor com profundas sequelas, além de inúmeras ações impositivas contra a natureza. Desde 2015, foram estabelecidos 17 Objetivos de Desenvolvimen- to Sustentável (ODS) dentro da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, que visa incentivar a construção e implementação de políticas públicas a favor da humanidade e do meio ambiente. Em meio ao cenário de gestão sustentável das águas no meio urbano, os estudos têm buscado superar a visão racionalista e limitada sobre os 10recursos ambientais, sobretudo nas soluções téc- nicas que querem superar a natureza e não agir a favor dela, em especial nas bacias hidrográfi- cas, onde entende-se que os conflitos entre elas e o espaço urbano não estão limitados apenas às suas margens e sim em toda a sua área de contri- buição e, nas formas de uso e ocupação do solo no seu entorno. O entendimento das práticas a favor do meio ambiente supera também a ingenuidade de pen- sar como as cidades poderiam estar se tivessem seguido outros caminhos durante seu processo de desenvolvimento e constituição, pois buscam atu- ar em quais escolhas podem ser tomadas atual- mente para amenizar os problemas provocados e balancear as emergentes demandas sociais para com a natureza. Por isso, para trabalhar tal espa- ço urbano livre é necessário entender as bacias ou microbacias hidrográficas como um sistema e um ambiente complexo que possui características, condicionantes e limitações próprias e a partir daí atuar com a combinação de medidas estruturais e não estruturais, em diferentes escalas. A atua- ção necessita de planejamentos integrados e “so- luções que permitam um diálogo mais adequado entre os corpos hídricos e a cidade, tomando par- tido das práticas sociais e culturais consolidadas, ou potenciais, que ocorrem em suas margens” (Souza e Macedo, 2014, p.9). Assim, o presente trabalho trata do município de Sumaré-SP que, assim como diversos outros, nasceu dos trilhos de trem e do café ao passo que cresceu e se expandiu, de forma descontínua, graças à rodovia e ao conjunto de fatores físico-territoriais de uma Região Metropolitana. Como resultado a cidade vivencia desde sua fundação uma expansão urbana dispersa e periférica, entendida pela própria prefeitura municipal como polinucleada, e segundo dados e notícias, também enfrenta situações corriqueiras de inundações sobretudo próximo ao Ribeirão Quilombo, que tem uma significativa extensão em seu meio urbano. A metodologia adotada se deu a partir de levantamento bibliográ- fico, elaboração de mapas, visita de campo e conversas com alguns moradores da área estudada. O estudo foi dividido em quatro ca- pítulos, os dois primeiros tratam da fundamentação do espaço livre urbano e das iniciativas de planejamento responsáveis com as águas urbanas e também participativas, no qual necessitou de uma conclu- são parcial, por se tratar de um tema discutido brevemente na gradu- ação a fim de especificar melhor o que foi entendido sobre os quatro conceitos escolhidos, além de trazer alguns pensamentos de outros autores sobre a pauta ambiental em meio às emergências urbanas. O terceiro capítulo caracteriza o Ribeirão Quilombo dentro do muni- cípio de Sumaré-SP, desde sua história, caracterização atual, até o entendimento de como o poder público gere esse curso d’água que frequentemente está envolvido com casos de inundações na cida- de. Enquanto o quarto e último capítulo apresenta como proposta de solução um planejamento piloto de um parque linear ao redor do 11Ribeirão Quilombo, ideia antiga e não implantada da prefeitura, incorporando os ideais e propostas discutidas no segundo capítulo, a partir do enten- dimento que ele seria uma medida compensató- ria dentro das iniciativas estudadas e um meio de melhorar a qualidade de sua própria vida e da po- pulação. 12 ESPAÇO LIVRE URBANO 13 ESPAÇO LIVRE URBANO O espaço urbano em sua totalidade e vivência é entendido como algo “fragmentado, mutável e articulado”, a partir da complexa justaposição de usos da terra entre si e dos fluxos dos carros, de pessoas, cargas, mercadorias, deslocamentos de trabalho, visitas, lazer entre outros (Corrêa, 2004, p.7). Também “reflexo e condicionante da socie- dade”, no qual lida com a complexa circulação de investimentos, decisões, práticas de poder e ideo- logia presentes no passado, presente e futuro das sociedades capitalistas, e “as formas espaciais, desempenham a reprodução das condições de produção e das relações de produção” (ibid., p.9). O espaço urbano capitalista [...] é um pro- duto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e engendradas por agen- tes que produzem e consomem espaço [...] A ação desses agentes é complexa, derivando da dinâmica de acumulação de capital, das necessidades mutáveis de reprodução das re- lações de produção, e dos conflitos de classe que dela emergem (Corrêa, 1995, p.11). Segundo o Corrêa (2004), o espaço urbano é produzido pelos seguintes agentes: “a) Proprietá- rios dos meios de produção, sobretudo grandes industriais; b) Proprietários fundiários; c) Promo- tores imobiliários; d) Estado; e) Grupos sociais excluídos” (Corrêa, 2004, p.12) que em suas eventuais formas de produção do espaço, o modificam através de embates e priorizações, principalmente quando políticas e decisões seguem o interesse dominante de um deles. Desde um passado longínquo com o fim do nomadismo e a fixa- ção do homem no espaço o modificando para produção e consumo, com as primeiras cidades e agora num complexo crescimento urba- no, o entendimento das aglomerações humanas e suas formas de espacialização implicou o surgimento de novos conceitos sobre as di- nâmicas urbanas, como os de ‘fragmentação’ ou ‘segregação socio- espacial’. Atualmente poucos locais podem ser lidos como naturais ou intocados pelo homem, uma vez que “a morfologia da paisagem é a resultante da interação entre a lógica própria dos processos do suporte (sistemas geológico e climático) e a lógica própria dos pro- cessos sociais e culturais (antrópica)” (Magnoli, 2006, p.178). Dos espaços urbanos produzidos, também são encontrados os espaços livres urbanos que podem possuir diversas formas, distribui- ções ou “funções”, que geralmente não se apresentam isoladamen- te, e sim de forma agregada tendo como possibilidade a recreação, proteção ecológica, vistas, reserva, influência na morfologia urbana, entre outros, no qual é percebido pelos indivíduos através do uso, da visão e/ou sensação no cotidiano em diferentes escalas (Magno- li, 2006, p.179). Dentre os conceitos trazidos pela autora, o espaço livre por vezes pode ser caracterizado e distinguido como algo “de serviço” ou “estrutural”, sendo que o primeiro “participa do modelo de urbanização onde raramente é percebido (isso não justifica a falta de proteção para o abastecimento de água, para as inundações, para as 14pistas aéreas, para reservas, porém facilita bas- tante esta falta de proteção”. (ibid, p.179) A qualidade do espaço urbano, um dos fatores da qualidade de vida urbana, é seriamente in- fluenciada pela configuração física do espaço livre: como pode ser simplesmente decorrente do desenho do espaço edificado? O espaço livre público é o espaço da vida comunitária por excelência. O espaço edificado público é só eventualmente tão público quanto o espa- ço livre público. (Magnoli, 2006, p.182) De modo geral, os espaços livres urbanos, pre- sentes nas áreas urbanas, é composto pelas “pra- ças, os parques, as florestas, os rios, as praias, os jardins, os quintais e ainda os vazios urbanos em geral, considerando tanto o espaço intraurba- no quanto àqueles que se encontram nas bordas da urbanização” (Souza e Macedo, 2014, p.4). O conjunto de tais superfícies podem ser considera- dos como um sistema (Sistema de Espaço Livre Urbano ou apenas SEL) cuja análise remete, en- tre outras, a uma série de questões sobre conser- vação ambiental nas cidades, devido ao “conflito entre os usos urbanos e a noção de preservação que ampara as leis ambientais vigentes no país” (ibid., 2014, p.4), além de se remeter aos demais espaços, que não exigem de elementos naturais para serem qualificados, como por exemplo os lar- gos e calçadões. Por se tratar tanto de espaços públicos quanto privados, o espaço livre público, em específico, pode ser entendido como: “o lugar do acesso irrestrito, da ação e das relações do homem” (Queiroga e Macedo, 2020) no qual “diferentes agentes, representando diferentes interesses, atuarão ali, o que inevitavelmente levará a relações de conflito e negociação” (ibid., 2020). Outra autora que aborda o assunto, define os espaços livres “como partes do território não ocupadas pelos assentamentos e pe- las infraestruturas viárias” (Tardin, 2008, p. 17), e complementa com a caracterização de que é um “espaço passível de ser visto, inter- pretado, adaptado e transformado ao longo do tempo” (ibid., p. 17). Entende o espaço livre como oportunidade de projeto, protagonista ativo na intervenção urbana, através da “possibilidade de redirecionar o processo de construção do território e atuar a favor da delimitação das condições de sua consolidação” (TARDIN, 2008, p. 19) baseado na correlação e na interdependência entre o espaço livre e o espaço construído, detentor de valores próprios. [...] O que se pretende é promover a coesão ao invés da separação, misturar, construir o território potencializando uma estreita relação entre espaços ocupados e não ocupados, ao ponto de a própria ocu- pação poder ser decisiva na manutenção de alguns espaços livres, quando da constatação de que as funções urbanas que estes de- sempenham, como a possível articulação entre tecidos, configurem uma condição singular para sua permanência sem ocupação urbana, à parte seus valores biofísicos, perceptivos, entre outros (TARDIN, 2008, p.20). Tardin (2008) trata da importância desse espaço para as diferen- tes paisagens das cidades, por ser contrário da malha urbana rígida, elemento que permanece durante anos, em oposição a este integran- 15te mais flexível no território (SEL), tanto espacial- mente quanto de forma funcional. Apesar da opor- tunidade de transformação, são também as áreas mais frágeis, “já que, podem assumir algumas im- portantes funções, por exemplo, como lugar dos ecossistemas, da percepção da paisagem e como possível lugar para o futuro da ocupação urbana” (Tardin, 2008, p. 44), como descritos anteriormen- te. Outro ponto que a autora levanta é que a sus- tentabilidade, termo presente em diversos de- bates da contemporaneidade acerca dos modos de produzir e pensar a cidade, procedeu de toda essa busca de transformação dos espaços livres marcados por desintegração funcional e espacial, e que, embora possa ser um mito inalcançável, fo- menta projetos importantes. Defende a procura de um sistema de espaços livres como diretriz de pro- jeto, pois assim pode refletir “alguns princípios de atuação sustentável, relativos à manutenção dos espaços livres e a possibilidade de desenvolver novas ocupações urbanas” (Tardin, 2008, p.55). Apesar do termo ser contraditório, se pensado em que tipo de modo de vida queremos “sustentar” dentro do capitalismo, e que o mesmo deve ser entendido além do sentido ecológico e adentrar os problemas propriamente sociais e suas causas, Tardin (2008) ainda defende a sua busca quando diz que. A sustentabilidade, por si mesma, pode ser um objetivo inalcançá- vel, um mito impossível ou cheio de contradições insolúveis, embora permita apontar algumas saídas possíveis, criar ilusões no mínimo saudáveis, instigar a atitude proativa ao se sugerir propostas projetu- ais e não apenas a descrição diante da observação da realidade de nossos territórios (Tardin, p.55) Em alguns projetos e debates de intervenções realizados nas úl- timas décadas por arquitetos e demais profissionais que trabalham com a paisagem e o espaço urbano, diversos profissionais sustentam a participação popular no estabelecimento de decisões de mudança nos espaços livres urbanos, considerando uma importância além da garantia em lei, no Estatuto da Cidade e Planos Diretores, por exem- plo, a fim de não torna-los obsoletos e simplesmente tecnocrático, com a premissa de que a participação possibilita um real uso, afeto e “manutenção” dos espaços por meio dos moradores. Tal ato exerce um papel significativo nas formulações técnicas, visto que a pers- pectiva da população é “imprescindível para conhecer realmente o problema e estabelecer onde existe o interesse local para resolver as questões mais conflitantes” (Tardin, 2008, p.231), e o fomento para isso acontecer pode vir da ampliação de informações “através dos meios mais habituais, convertendo a cidade em notícia nos jornais e nos noticiários televisivos, estimulando a participação nas escolas, nas associações de moradores, nas instituições governamentais e não governamentais” (ibid, p. 231). 16 A ÁGUA NAS CIDADES 17 Entendendo a cidade como produto e produ- tora do modo de vida da sociedade, não é estra- nho que inserida num sistema deslumbrado pelo lucro com prioridades além da qualidade de vida e o direito à cidade das pessoas, precise enfrentar diversos problemas relacionados à moradia, ao transporte e sobretudo à natureza, quando utiliza da mesma de forma exploratória, motivada por princípios econômicos e, na maioria das vezes, a entende como obstáculo e não oportunidade de integração com o cotidiano antrópico. E o que pre- ocupa é que tal ambiente necessita se transfor- mar para continuar atendendo essa demanda da maior parte da população mundial que só tende a aumentar cada vez mais nas próximas décadas, acompanhadas por um declínio no âmbito rural, no qual segundo a ONU (2022), só no Brasil esti- ma-se uma população urbana em 91,1% em 2030. A complexidade do modo de vida nas cidades brasileiras atravessa diversos tempos, decisões e toda uma cadeia econômica mundial superposta por uma ideologia dominante. Tanto que o proble- ma do conflito entre homem e natureza está além A ÁGUA NAS CIDADES da demanda dos recursos para o desenvolvimento e crescimento da população urbana, nele comparece a própria visão exploratória e a “falta de gestão” e equilíbrio entre as cidades e o meio ambiente, o que propicia diversos problemas que atingem desde a qualidade da vida humana a todo um ecossistema. Todavia, não cabe pensar em como as cidades seriam se tivessem seguido outros caminhos, e sim quais escolhas podem ser tomadas atualmente para amenizar os problemas provocados e balancear as emergentes demandas sociais para com a natureza, sobretudo nas cidades ditas informais, que se- gundo Zanandrea e Silveira (2019, p.1196), são as mais prejudicadas em diversos graus e escalas. Segundo Huergo e Vacovski (2015), o tratamento das águas ur- banas passou a ser mais debatido no início do século XX, quando a questão ambiental superou a ideia de proteção de um modo de produção, em específico da propriedade num aspecto econômico, e expôs a questão da importância da natureza como forma da nos- sa própria sobrevivência através de debates na época e das futuras conferências internacionais sobre o meio ambiente, de modo que, no decorrer do tempo foi se incorporando na discussão diferentes visões e objetivos, conforme explicam no trecho a seguir. A evolução do tratamento das águas urbanas passa por três fases. No início do século XX o conceito era baseado no transporte de efluentes urbanos o mais rápido possível para a jusante. No final da década de 60, as políticas de manejo se aprimoraram e houve inves- timentos no tratamento de esgoto e no controle das águas pluviais. Porém, somente no final dos anos 90, a ciência passou a reconhe- cer o papel do solo e da vegetação no controle quali-quantitativo de águas pluviais (Huergo e Vacovski, 2015, p.43) Sobre as conferências, elas também foram responsáveis por pro- 18duzir diversos documentos como tratados, proto- colos ou agendas, que influenciam a preocupação ambiental em todo mundo, apesar de ocorrer em “diferentes formas e níveis de comprometimen- to dos países” (Brümmer, 2010). Na conferência do Rio, em 1992, por exemplo, foi reconhecida a maior parcela de responsabilidade dos países desenvolvidos nos danos causados ao meio am- biente e, simultaneamente, a necessidade de apoio financeiro e tecnológico para os países em desenvolvimento serem capazes de alcançar o então consagrado conceito de desenvolvimento sustentável. Nessa conferência foi criado tam- bém, o documento da Agenda 21, um plano de ação em todas as áreas antrópicas que impactam o meio ambiente, para serem adotadas em esca- la global, nacional e local, considerada como a “mais abrangente tentativa já realizada de orientar para um novo padrão de desenvolvimento para o século XXI, cujo alicerce é a sinergia da susten- tabilidade ambiental, social e econômica” (Brüm- mer, 2010). Porém como tais metas não foram atingidas até tal ano a Organização das Nações Unidas (ONU) “renovou” esse tratado, ao passo que, desde 2015, o mundo se compromete com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) vigentes considerados indispensáveis para o desenvolvimento humano, que “compõem uma agenda mundial para a construção e implementação de políticas pú- blicas que visam guiar a humanidade até 2030” (EMBRAPA, 2023). Como vantagem essa nova agenda procura “reorientar as estraté- gias globais que hoje são, em grande parte, excludentes. Isso signi- fica empreender esforços para que os países signatários considerem temas que não eram considerados antes em suas políticas prioritá- rias” (Oliveira, 2021, p.33), para o autor e alguns outros citados em seu trabalho os ODS são boas intenções e se relacionam uma com as outras, mas não reconhecem “que o crescimento econômico tem sido o principal vetor da degradação ambiental”. (ibid. p.44) Nisso tudo, um dos problemas que aflige o passado e o presente das populações urbanas são os casos de enchentes, inundações e alagamentos, ocasionadas tanto pela vazão natural dos rios quanto pela impermeabilização do solo somadas a um inadequado planeja- mento de drenagem urbana e uma ultrapassada filosofia de engenha- ria, de que quanto mais rápido a água pluvial escoar, melhor (Colom- bo, 2002, p.1). Tal ideia se torna defasada pois, a água em um ritmo acelerado, sobrecarrega as obras de vazão e consequentemente o sistema de macrodrenagem natural, provocando danos materiais e sociais para a população que ocupa seus leitos, devido a custosa necessidade de ocupação. Nguyen (2018, p.148) expõe que devido a rápida urbanização, evento datado particularmente a partir das dé- cadas de 50 e 70 no Brasil, as questões hídricas urbanas abrangem também a superexploração das águas subterrâneas, desperdício de recursos pluviais, escassez e poluição das águas. Enquanto Davecci et al. (2021, p. 220) complementa que o país também tem que lidar frequentemente com deslizamentos de encostas em áreas de ocupa- 19ção e enxurradas. As relações entre cidades e seus rios, fre- quentemente, estão associadas a um estado de permanente conflito. Canalizações, despe- jos de esgoto, enchentes, ocupações irregu- lares em áreas ribeirinhas, entre outros pro- cessos, estão na pauta do debate em torno das bacias urbanas, subsidiando as políticas públicas que, não por acaso, voltam-se para instrumentos cada vez mais rígidos destina- dos à reverter os impactos que a urbanização cria sobre os ecossistemas hídricos. (Souza e Macedo, 2014, P. 9) De modo geral, a gestão de recursos hídricos tornou-se emergente a partir do momento que o aumento populacional se tornou mais expressivo mundialmente, somados a crises de escassez, conflitos de interesses de seu uso e manejo a partir de diferentes formas de produção; gerando inúmeros problemas socioespaciais, tanto a partir desses pontos já citados quanto dos advindos do padrão de vida e construção urbana, além de po- der representar um obstáculo no desenvolvimento econômico dependendo do ponto de vista. A ÁGUA NAS CIDADES PLANOS DIRETORES E DRENAGEM URBANA A partir da década de 70, a problemática da questão ambiental foi institucionalizada como um “foco específico de ação pública”, (Bur- sztyn e Bursztyn, 2013, p.180), envolvendo muito debate e embate entre interessados nos recursos naturais, tanto para os que querem explorá-los, quanto para os que lutam por sua preservação. Além disso, decisões sobre aspectos ambientais envolvem juízo de valor, geralmente se dão sob forte clima político, baseiam-se em conceitos técnicos discutíveis, e se valem de legislações ambíguas, de conhecimentos científicos suscetíveis de amadurecimento e de previsões contestáveis sobre as futuras capacidades tecnológicas. (Bursztyn e Bursztyn, 2013, p.199) Para alguns autores a Constituição Brasileira de 1988 foi um gran- de avanço, tanto em questões dos direitos dos cidadãos brasileiros, quanto para a qualidade de vida nas cidades e do meio ambiente, no qual levantam a caracterização dela como ‘Constituição Verde’. Em questões de planejamento urbano, cabe destaque ao artigo 182, que traz a responsabilidade aos municípios de ordenar seu desen- volvimento e “garantir o bem-estar de seus habitantes” (Brasil, 1988) através do plano diretor, principal instrumento de planejamento urba- no, além de estabelecer outros princípios que seriam essenciais para uma cidade democrática, se fossem aplicados, tal como a noção da função social da propriedade, contra imóveis ociosos ou lotes vazios, regulamentado através do Estatuto da Cidade de 2001. 20O Estatuto da Cidade, foi criado para regula- mentar os artigos 182 e 183 da Constituição Fe- deral e dar mais embasamento para as políticas municipais. Sobre o plano diretor, destacam-se as seguintes regras, que contribuem, quando bem seguidas e com viés para qualidade de vida, para um crescimento e desenvolvimento melhor da ci- dade, tal como a periodização da sua revisão, a necessidade de participação popular e transpa- rência com os documentos públicos. rt. 40. O plano diretor, aprovado por lei mu- nicipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. § 1o O plano diretor é parte integrante do pro- cesso de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas. § 3o A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos. § 4o No processo de elaboração do plano di- retor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: I – a promoção de audiências públicas e de- bates com a participação da população e de associações representativas dos vários seg- mentos da comunidade; II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos; III – o acesso de qualquer interessado aos do- cumentos e informações produzidos. (Brasil, 2001). Segundo alguns autores, a participação popular precisa se dar num processo contínuo a fim de aproximar as pessoas das proble- máticas que assolam o meio urbano e contribuir para uma efetiva educação ambiental, no caso para os corpos d’água discutidos neste trabalho e diversas outras complexas áreas da cidade. Todavia, num contexto de mobilidade urbana desacertada, cotidianos restritos ao trabalho e poucos momentos de lazer para a maior parte da popula- ção, é difícil pensar em que momento as pessoas teriam tempo ou paciência de discutir sobre a cidade que estão vivendo. O que faz in- dispensável “pensar uma política pública de participação popular que incorpore a gestão democrática de forma concreta e não seja, sim- plesmente mero cumprimento de formalidade” (Coelho, 2015, p.73) Para Raíssa Pignoni dos Santos¹ (2023) – Assessora na Secreta- ria de Habitação e Regularização Fundiária da Prefeitura de Franco da Rocha - não são apenas as obras que serão capazes de adaptar a mudança climática, uma vez que é necessário um olhar sistémico e integrado do risco preparando a população sobre ele, e sobretudo antes, é necessário preparar os gestores públicos e técnicos. Enten- de a gestão de risco como fio condutor de políticas públicas e que ele é algo socialmente construído, por isso a necessidade de olhar para a população, o perfil de renda, saúde, emprego e educação, que tam- bém, em más condições, representam outros riscos, ou seja, esse fio condutor também é capaz de chegar em outras pautas urbanas e sociais. ¹ Raíssa Pignoni dos Santos, Ciclo De Conversas: Urbanismo/Patrimônio (Palestra). FCT UNESP, 31 de maio de 2023. 21Outras regulamentações que o Estatuto da Ci- dade traz, como importante para a questão am- biental e sobre o risco de inundações, está contido no Artigo 42-A, no qual é apresentada a necessi- dade de mapeamento, planejamento de ações de intervenção, além do cuidado com as ocupações em situação de risco e a compatibilidade com ou- tras leis que abordam do assunto. Art. 42-A. Além do conteúdo previsto no art. 42, o plano diretor dos Municípios incluídos no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou pro- cessos geológicos ou hidrológicos correlatos deverá conter: (Incluído pela Lei nº 12.608, de 2012) I - parâmetros de parcelamento, uso e ocupa- ção do solo, de modo a promover a diversida- de de usos e a contribuir para a geração de emprego e renda; (Incluído pela Lei nº 12.608, de 2012) II - mapeamento contendo as áreas suscetí- veis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos; III - planejamento de ações de intervenção preventiva e realocação de população de áre- as de risco de desastre; IV - medidas de drenagem urbana necessá- rias à prevenção e à mitigação de impactos de desastres; e V - diretrizes para a regularização fundiária de assentamentos urbanos irregulares, se hou- ver, observadas a Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009, e demais normas federais e estaduais pertinentes, e previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas es- peciais de interesse social e de outros instrumentos de política urba- na, onde o uso habitacional for permitido. VI - identificação e diretrizes para a preservação e ocupação das áreas verdes municipais, quando for o caso, com vistas à redução da impermeabilização das cidades. § 1o A identificação e o mapeamento de áreas de risco levarão em conta as cartas geotécnicas. § 2o O conteúdo do plano diretor deverá ser compatível com as dis- posições insertas nos planos de recursos hídricos, formulados con- soante a Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997. (Brasil, 2001) Especificamente sobre a gestão do meio ambiente ainda, no país, algumas políticas foram e ainda são essenciais em torno do debate em constante evolução e questionamentos, principalmente depen- dendo de quem assume a liderança de alguns deles. O país conta com a Política Nacional do Meio Ambiente, através da Lei 6938 de 1981, com destaque para o estudo do impacto ambiental; a atua- ção do CONAMA, órgão consultivo e deliberativo para padrões de qualidade ambiental; o Ministério do Meio Ambiente, que supervisio- na o órgão Federal e legisla; os mais conhecidos órgãos executores IBAMA e ICMBIO (2007), que aplicam a política nacional do meio ambiente através de licenciamento, controle de qualidade, unidade de conservação entre outros, além disso, o país em outras escalas menores conta com programas, projetos e a fiscalização através de secretarias do meio ambiente municipais, que conhece mais profun- damente a realidade de suas área. Ainda que, por seu caráter de política pública, as políticas ambientais sejam da responsabilidade do poder público, elas envolvem, neces- sariamente, outros setores da sociedade, notadamente as atividades 22produtivas e as associações e organizações sociais. Pelo seu caráter transversal, às políti- cas ambientais devem estar capilarizadas em diferentes atividades governamentais, seja como parâmetro de regulação (como é o caso da compatibilização das políticas fundiária e agrícola com os dispositivos regulamentares ambientais), seja como missão (caso da edu- cação ambiental, de responsabilidade das escolas e universidades), ou como parcerias de diversas naturezas, envolvendo setores governamentais e não governamentais. (Bur- sztyn e Bursztyn, 2013, p.182) Outra lei mais ‘recente’ que lida com a ques- tão ambiental, especificamente com o saneamen- to básico, compreendido pelos resíduos sólidos, abastecimento de água, esgoto e drenagem ur- bana é o Marco do Saneamento, ou Lei de nº 14.026/2020. É entendida como uma atualização das antigas leis, no qual seus artigos trazem algu- mas alterações como novos termos de concessão e prestação de serviços públicos de saneamento básico, motivo de controvérsias entre estudiosos por permitir que empresas privadas prestem servi- ço ao município, pois “a preponderância da inicia- tiva privada no setor não significa necessariamen- te o alcance da efetividade das políticas oficiais para o saneamento básico” (Leite, Neto e Bezerra, 2022, p.1044). A lei também trouxe a necessidade de revisão periódicas dos planos, exigências de visão de melhoramento de futuro para a empresa privada ou estatal que estiver prestando serviço e prazos para os municípios adequarem os destinos de seus rejeitos produzidos (ma- teriais que já não conseguem ser reaproveitados ou reciclados) para uma disposição final ambientalmente adequada, ou seja, o fim dos lixões nas cidades. Na prática, o gerenciamento da drenagem urbana no país fica a cargo dos municípios, conforme artigo 30 da constituição Federal de 1988, mas segundo Nunes (2011, p. 7) “não há ainda uma visão multi- disciplinar na atuação dos órgãos de gestão pública que integre esse gerenciamento ao planejamento urbano”, sobretudo por também ser uma das pautas mais recentes, da gestão nas bacias hidrográficas, apesar das águas no meio urbano se configurarem como um forte agente de transformação da paisagem, em razão da sua capacidade de erosão, transporte e deposição, sobretudo em ambientes de ele- vada precipitação e disponibilidade hídrica. A título compreensão dos termos utilizados e outros que ainda aparecerão, dos problemas causados pela falta de uma drenagem eficiente segundo Morais (2023), a enchente diz respeito ao aumento temporário natural do nível da água até o limite do seu canal, que antecede a inundação, quando nesta segunda há de fato o trans- bordamento da água para suas áreas marginais, ambas motivadas pelo aumento da vazão de água provindas de intensas chuvas por exemplo, enquanto que alagamento é o acúmulo de água nas vias e perímetros urbanos mediante insuficiência de drenagem, que essa, por fim, tem como característica “conduzir a destinação das águas pluviais, desde o sistema de microdrenagem até o de macrodrena- gem” (MENEZES et al., 2022, p. 2), ou seja, dos dispositivos urbanos, 23contempla as sarjetas e bocas de lobo até à rede natural composta pelos córregos, riachos e rios nos fundos de vales. Todavia vale ressaltar que as enchentes podem afetar os cidadãos quando o leito maior dos rios, ou seja sua área prevista de cheia, estiver ocupada por vias e habitações. Sobre isso, a ocorrência de ocupação por pes- soas em leitos de rios advém de inúmeros moti- vos, mas dentre eles estão principalmente a falta de acesso a renda e moradia digna. “Os efeitos da crise ambiental se manifestam de forma terri- torialmente desigual, impactando desproporcio- nalmente as populações a depender do seu grau de vulnerabilidade e, consequentemente, da sua capacidade de resiliência” (Instituto Pólis, 2022), e historicamente devido a escravização de pes- soas e ainda um modo de exploração predatório, emerge o debate sobre ‘injustiça socioambiental’ e ‘racismo ambiental’, no qual “padrões de renda, nível de escolaridade, raça/cor da pele, gênero e local em que se vive definem quem são as popu- lações mais vulnerabilizadas e mais impactadas” (ibid. 2022). Por isso, a necessidade de dar mais atenção às áreas mais desassistidas da cidade, tanto para melhorar a qualidade de vida das pessoas em ris- co, quanto para tornar a cidade mais democrática A partir dos problemas ambientais e da urgência de se repensar a gestão, planejamento e produção das cidades com os recursos na- turais, surgiram diversas manifestações e estudos para intervir nes- sa pauta. Segundo Huergo e Vacovski (2015, p.43) os sistemas que mais se sobressaem no cenário da gestão sustentável das águas urbanas, por exemplo, são o Low Impact Development, o Water Sen- sitive Urban Design e o Sustainable Drainage Systems. No qual ainda complementam que no Brasil há demanda por implementação de pro- gramas de gestão sustentável das águas urbanas com o conceito de planejamento integrado, como exemplo dos Estados Unidos, Austrá- A ÁGUA NAS CIDADES PLANEJAMENTOS DAS ÁGUAS NAS CIDADES e que se relacione de uma melhor forma com a natureza e condições já postas, de modo que isso impacte beneficamente toda a popula- ção, uma vez que também As ações de repressão ou de reparação (quando isto é possível são frequentemente mais complexas do ponto de vista ecológico e dis- pendiosas do ponto de vista financeiro. Portanto, é muito mais inte- ressante prevenir os danos ambientais do que remediá-los posterior- mente. (Bursztyn e Bursztyn, 2013, p.191) Os próximos capítulos, portanto, tratara de como o planejamen- to urbano aliado ao meio ambiente ou as pessoas podem melhorar tanto a qualidade de vida da população, quanto beneficiar ecologica- mente e economicamente as cidades pelo mundo. 24lia, ou demais países europeus. Enquanto outros autores citam iniciativas como a Cidade-Esponja, Best Management Practices, Técnicas compen- satórias em Drenagem Urbana, Integrated Urban Water Cycle Management, entre outras, mas de modo geral pode se concluir que “todas estas su- pracitadas têm ao final o mesmo objetivo que é de minimizar os efeitos da ação humana sobre o am- biente natural, especialmente sobre os recursos hídricos” (Nunes, 2011, p.12). Assim, para emba- samento neste trabalho, foram escolhidas as ini- ciativas do Water Sensitive Urban Design, Solu- ções Baseadas na Natureza e Cidades-Esponjas, por proximidade com a proposta do projeto e para análise breve de como se configuram e trabalham a fim de entendê-las em sua organização, possível hierarquia para ser sugerida no projeto realizado no município em estudo, além de trazer o termo urbanismo colaborativo, por entender a importân- cia de trazer as pessoas que utilizam dos espaços livres urbanos para discussão, mesmo que esse não seja focado na questão das águas. WATER SENSITIVE URBAN DESIGN Conforme Huergo e Vacovski (2015, p.46) o Water Sensitive Ur- ban Design – WSUD australiano - ou apenas cidade sensível à água, é classificado como um planejamento alternativo para o desenvolvi- mento urbano que atua nas três esferas da sustentabilidade - eco- nômica, social e ambiental - por, respectivamente, tratar do reuso e utilização de características naturais da cidade a fim de gerar um sistema eficiente; melhorar a qualidade de vida humana e por tratar, essencialmente, das questões relacionadas à água, áreas verdes e saneamento urbano. O Water Sensitive Urban Design foi uma evolução das estratégias em gestão de águas pluviais que ocorreram na Austrália desde os anos 60, ou seja, desde as metas iniciais de redução de escoamento superficial; incorporação de valorização das questões estéticas e re- creativas mais tarde, tratamento e qualidade da água com mitigação dos impactos da poluição nos anos 90 para, enfim, nos anos 2000 debater e introduzir na prática sobre “reúso, integração com o dese- nho urbano e preservação da saúde do ecossistema” (Nunes, 2011, p.36). Supõem que o termo foi utilizado pela primeira vez em 1994 quando o Departamento de planejamento e desenvolvimento urbano de Western apresentou um guia para novos loteamentos residenciais voltados para manutenção dos ambientes aquáticos, através de pla- nos estruturais que possuía diversos objetivos de gestão das águas pluviais e identificação de oportunidades para desenhos e projetos na paisagem urbana que poderiam ser ligados a infraestrutura de 25drenagem. Nunes (2011) traz que as práticas e tecnologias do WSUD buscam controlar o fluxo do escoamento superficial contra inundações e enchentes; coletar, tratar e reutilizar as águas plu- viais e/ou efluentes; reduzir custos nos sistemas de drenagem e infraestrutura em geral, integrar sistemas de tratamento; valorizar a estética do espaço urbano; além de tratar os próprios corpos hídricos para controle e manutenção de qualida- de. Algo que, sintetizando, segundo o Centro de Pesquisa Cooperativa para Cidades Sensíveis à Água (2021) para uma cidade se tornar sensível à água, a mesma deve “fornecer a segurança hí- drica essencial para a prosperidade econômica por meio do uso eficiente dos diversos recursos disponíveis”, “melhorar e proteger a saúde dos cursos de água e das zonas húmidas, das bacias hidrográficas que as rodeiam, da costa e das ba- ías”, “mitigar o risco de inundação e danos” além de “criar espaços públicos que coletam, limpam e reciclam a água”. Num amplo contexto, WSUD abrange todos os aspectos da gestão do ciclo hidrológico urbano, incluindo as fontes de abastecimento d’água, esgotamento sanitário e águas plu- viais. Isto representa uma significativa mu- dança na forma de tratar os recursos naturais, em especial à água, considerando a infraes- trutura de engenharia de recursos hídricos no planejamento e desenho das cidades, em todas as escalas e sob qualquer densidade urbana. (Nunes, 2011, p.37) Nunes (2011) cita um dos documentos elaborados na região me- tropolitana de Melbourne (2004) que especificam três elementos cha- ves para conduzir a gestão: sendo eles o Planejamento do uso do solo; a Proteção Ambiental, a partir do uso do sistema legal e me- canismos para prevenir a poluição, e, por fim, a Gestão das águas urbanas, através de uma ordenação política para proveito susten- tável da água. Porém, é válido destacar, que segundo os autores citados por ela, tais ações resultam do levantamento das proprieda- des e limitações do sítio, da bacia e paisagem urbana, de questões técnicas sobre engenharias de drenagem, entre outros, ao passo que de modo geral, para ser efetiva, a prática depende de “tecnologia e design”, “estrutura legal”, “custos e avaliações”, além de “marketing e aceitação” (Nunes, 2011, p.39). O WSUD está além de meramente implantar um alagado construído, deriva de uma hierarquia de Polí- ticas, planejamento e projeto, seguido por controle na fonte e enfim medidas de gestão do sistema. São frutos provindos de leis, política e desenho urbano; fundos, custos institucionais, liderança, fiscaliza- ção, educação ambiental, medidas de desempenho, gestão, opera- ção e manutenção. Dentre essas medidas, no terceiro nível da hierarquia, estão um amplo conjunto de tecnologias, conhecidas como medidas estru- turais, conforme a lista a seguir, no qual podem ser divididos entre “dispositivos de primeira triagem, sistemas de detenção ou retenção, sistemas não-vegetados de infiltração, faixa vegetadas de filtração e sistemas vegetados de filtração” (Nunes, 2011, p.43) a serem utili- 26zados de acordo com diferentes especificidades, onde por exemplo o pavimento poroso que se en- caixa no “não-vegetado de infiltração”². Gradeamento; Bacias de Sedimentação; Valas Vegetadas; Sistemas de Biorretenção ou biofiltração; Filtro de Areia; Alagados Construídos (Wetlands); Bacias de Detenção ou Retenção; Sistemas de Infiltração; Pavimento Poroso; Cisterna de Chuva; Recuperação de Aquífero; Telhados Verdes. (NUNES, 2011, p.43) Huergo e Vacovski, (2015, p.51) relatam que o WSUD pode se deparar com desafios a serem superados, tais como espaços limitados, conta- minantes que podem sobrecarregar tecnologias implantadas, limites de recuperação do sistema, além da própria limitação, resistência e fiscaliza- ção das novas políticas públicas a serem feitas. E citam uma série de ferramentas que procuram avaliar o grau de sustentabilidade dos projetos que derivam dos siste- mas apresentados, como o Dashboard of Sustainability, ou a Agenda 21, (agora agenda 2030) que utilizam de indicadores que medem as mudanças no âmbito econômico, social e ambiental. Como esperado, dentre as referências que utilizam do WSUD, a Austrália está à frente na gestão de suas águas pluviais, exibindo resultados positivos ao redor do mundo. Huergo e Vacovski (2015, p.50) declaram que isso decorre dos diversos programas no país que divulgam as práticas de WSUD com o objetivo de orientar profissio- nais e a população em geral, através dos próprios estados, sem de- pender da liderança do Governo Nacional, apesar da ressalva que a construção e manutenção dos sistemas são identificados como obs- táculos usuais para a satisfação das práticas da medida. Um dos diversos exemplos da implantação dos sistemas pode ser encontrado na publicação Enhancing Bungalook Creek in Heath- mont (Melbourne Water, 2022), de autoria do governo Vitoriano que gerencia 25.000 km de rios e riachos, além das principais redes de água, esgoto e drenagem, junto da companhia de água e conselho local. Nessa publicação ainda há um exemplo de transparência com a atualização de como estão na gestão, os projetos em andamentos e até os problemas, como ruídos, que podem causar na vizinhança, necessário para entender a complexa escala ampla e integrada de como pensam a água. No mapa a seguir, o órgão explica o que está melhorando no riacho Bungalook Creek em Heathmont, uma ação de remoção de ervas daninhas ao longo dele com a substituição delas por 10.000 plantas nativas variáveis benéficas para o ecossistema. E, ainda explicam que para não ter perturbação o processo está se dan- ²Apesar da classificação, a lista que se sucede não está categorizada a partir das divisões descritas, são apenas os nomes das medidas estruturais mais conhecidas cita- das pela autora 27 Figura 1: Imagem da projeção de atuação na área do Bungalook Creek. Fonte: Melbourne Water, 2022. do de forma gradual, as metas para cada fase e o tempo estimado de três anos para sua conclusão, tudo isso de forma simples e bem ilustrada. 28 SOLUÇÕES BASEADAS NA NATUREZA Para autoras e autores estudados neste tópi- co, como Rodrigues (2018) e Gadda et al. (2019), o conceito Soluções Baseadas na natureza (SbN), ou Nature-Based Solutions diferentemente do WSUD pode ser entendido tal qual um meio de mi- tigar problemas ambientais, econômicos e sociais, a partir do apoio e inspiração na própria natureza, uma vez que propõe que o conhecimento conti- do na mesma, tem capacidade de ensinar novos meios de superar problemáticas socioambientais da atualidade, apesar de ser em escalas meno- res, cabe como destaque devido sua ideologia. É um conceito amplo, sem consenso de conceito comum de terminologia, como explícito na citação a seguir, mas deve ser pensado quando estiver na procura de resoluções para desafios contando com qual benefício tal ação poderá promover para o ecossistema, de forma que ele tenha capacida- de de se regenerar e se recompor. O termo NBS é um conceito abrangente em emergência com potencial de pesquisa e de- senvolvimento de vertentes múltiplas. A termi- nologia ainda não solidificou um conceito de consenso comum, dificultando a dissemina- ção. A análise realizada não esgota a temáti- ca proposta, mas serve de base para apoiar, incentivar e aprofundar posteriores estudos. (Gadda et al., 2019, p. 70). Comparado a outros conceitos, a SbN é mais recente na ordem cronológica de Florestas Urbanas, Serviços ecossistêmicos e infra- estrutura verde, e tem ganhado agendas de grandes órgãos multila- terais a partir dos anos 2000, mas ainda é pouco utilizado no Brasil. Gadda et al. (2019, p. 63) destaca que o motivo de tais quantidades de termos, que utilizam de componentes naturais nas cidades, se deve ao ganho de popularidade de forma rápida e acelerada, que eventualmente caem para desuso. De maneira geral, as soluções baseadas na natureza seguem sete princípios que podem ser descritos em: Entregar uma solução efetiva para um desafio global utilizando a na- tureza; Fornecer benefícios da biodiversidade em termos de diversidade e ecossistemas bem manejados; Apresentar a melhor relação custo-efetividade quando comparada com outras soluções; Ser comunicada de maneira simples e convincente; Poder ser medida, verificada e replicada; Respeitar e reforçar os direitos das comunidades sobre os recursos naturais; Atrelar fontes de financiamento público e privadas (FGV EAESP, 2017) Os objetivos correspondem principalmente nos problemas rela- cionados com o ciclo da água, o manejo das águas em áreas urba- nas, entendidos como elementos fundamentais na construção das cidades, e na substituição das intervenções antrópicas poluidoras ou ambientalmente destrutivas por “práticas ecológicas, inspiradas em 29ecossistemas saudáveis” (Davecchi et al., 2020, p. 219). Podem ser entendidos como exemplos de SbN, ações como manutenção de planícies alu- viais e traçados fluviais originais, arborização ur- bana, sistema de áreas verdes vinculados a pai- sagens com água, infraestrutura verde e azul, além de paredes e telhados verdes. Todavia, ou- tros autores citados defendem que as SbN são um “conceito guarda-chuva”, “edificado em princípios que abrangem abordagens práticas, de domínio científico e do contexto político” (Davecchi et al., 2020, p. 219), por tratar de normas de conserva- ção e princípios da natureza e que dependem dos cenários naturais e culturais específicos de cada região, aplicadas desde escalas paisagística de projetos-pilotos pontuais até escala de bairros ou estruturantes, que atinjam, pelo menos, a exten- são do município. Já outros autores trazem a distinção da abor- dagem em três níveis. O primeiro, de intervenção mínima ligada ao conceito de reserva de biosfera, que procura manter os ecossistemas, através da proteção a determinadas áreas ambientais, como manguezais na costa, algo que afeta tanto a bio- diversidade como, em específico, a população de pescadores. O segundo trata da “implementação de abordagens de gestão, sendo está ligada ao conceito de agricul- tura de sistemas naturais, agroecologia e silvicultura orientada para a agricultura” (Rodrigues, 2018, p.22) que funciona através do pla- nejamento inovador de paisagens ou meios para melhorar espécies de árvores, por exemplo. E, por último, no terceiro nível de aborda- gem, se apresenta maior utilização de engenharia e gestão, por até criar ecossistemas, ligado a conceitos como “infraestruturas verdes e azuis, e objetivos como restauração de áreas degradadas ou até mesmo poluídas” (ibid., p.22). Dentre as oportunidades da aplicação dessas intervenções está a de reaproximar de forma saudável o ci- clo d’água na área urbana, com o aumento das áreas de infiltração e evapotranspiração e a proposição de soluções para os problemas de poluição difusa e de drenagem, sobretudo em áreas ribeirinhas e associadas a lagos ou parques podendo superar a construção de piscinões, que podem causar diversos problemas da estrutura cons- truída que, assim como as cisternas, apesar de serem um tipo de solução, por não gerar “benefícios” para o ecossistema, por não se utilizar da própria natureza como solução a fim de trazer resultados mútuos, não se configuram como uma solução baseada na natureza. A adoção de inúmeras infraestruturas verdes potencializa a atu- ação das SbN em escala local, especialmente quando inseridas em iniciativas políticas não estruturais em um planejamento urbano apro- priado, tais como a drenagem na fonte com jardins de chuva, poço de infiltração ou pavimento poroso integradas a um plano diretor estra- tégico. Porém, alguns limites podem ocorrer, por exemplo, com a im- plantação de telhados verdes, por possuir pouca efetividade quando instalados isoladamente, necessitando da sua aplicação em escala maior de uma área da cidade para reduzir significativamente a imper- 30meabilização e prover estoque adicional de água pluvial. E, em uma escala maior, algo que também auxilia a drenagem no território, seria as zonas úmidas artificiais, ou wetlands, responsáveis tam- bém pela biodegradação ou bloqueio do volume poluente da água, que além de trazer benefícios para regulação climática serve de espaço recrea- tivo e turístico (Davecchi et al., 2020, p.228). No Brasil, devido a tradição de soluções es- truturais de drenagem na engenharia, ainda há muita resistência na aplicação desse tipo de ins- trumento, apesar de ser uma oportunidade de mudança de paradigma na gestão de águas em meio a lógicas de expansão urbana indiscrimina- das. A viabilidade operacional das SbN se dá no equilíbrio da dinâmica urbana e na identificação das oportunidades existentes no sítio, para o qual são necessários planos que se combinem ações estruturais e não estruturais, utilizando como su- porte, de ambas as medidas, as áreas verdes do município; e também elaborar projetos-piloto que contem com o apoio e participação comunitária, além de “capacitar os corpos técnicos das prefei- turas, de modo que se sintam aptos a receber e avaliar os projetos” (Davecchi et al., 2021, p. 230). Por fim, dentre algumas referências de projetos que utilizaram das soluções baseadas na nature- za está o projeto demonstrativo no Lago Cabrinha, localizado na cida- de de Londrina - Paraná, uma iniciativa do INTERACT-Bio do ICLEI América do Sul, no qual o projeto utilizou da realocação de pedras para a formação de degraus em diferentes níveis, a fim de dissipar a energia das águas que ali desaguam e de diminuir a quantidade de lixo e assoreamento, e para as margens do seu leito, diversas espé- cies de plantas foram implantadas, com o objetivo de formarem uma biomanta de contenção, também responsáveis pela fitorremediação da água, ou seja, utilizaram de espécies vegetais capazes de realizar a purificação da água contra agentes poluentes. “Para a elaboração dessas medidas demonstrativas, a empresa paulista Guajava Arqui- tetura da Paisagem e Urbanismo foi contratada pelo ICLEI América do Sul para desenhar o projeto” (Hedler, 2021), algo que custou mais de 250 mil reais, mas que conseguiram ser viabilizadas pelo próprio ICLEI (Governos Locais pela Sustentabilidade)³ junto ao Ministério do Meio Ambiente e da Proteção da Natureza e Segurança Nuclear do Governo Alemão. ³“Além de Londrina, outras duas cidades fazem parte do ICLEI, sendo elas Campinas e Belo Horizonte. Em Londrina, a iniciativa é conduzida pela Secretaria Municipal de Ambiente (SEMA) e pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina (IPPUL)”. (HEDLER, 2021) 31 Figura 2: Projeto demonstrativo de “Soluções Baseadas na Natureza”, no Lago Cabrinha, em Londrina-PR. Fonte: Blog Londrina. Foto: Vivian Honorato, 2021 32 CIDADE-ESPONJA Um dos termos mais recentes do debate tra- ta da Sponge City, ou Cidade-Esponja, uma outra medida, entendida num macro conceito, aplicada para a gestão de recursos urbanos hídricos, no qual a própria definição já enuncia a vontade de transformar a cidade em uma esponja, de modo que a mesma seja capaz de absorver, armazenar, filtrar, purificar e liberar a água precipitada, seme- lhante a uma esponja, através de entre outros ins- trumentos as “soluções baseadas na natureza a fim de mitigar o escoamento superficial em áreas urbanas” (Andrea et al., 2022, p. 26), e ainda que pode ser considerada exemplo de implementação da estratégia WSUD (Menezes et al., 2022, p.2). A sua origem também pertence ao processo de evolução do desenvolvimento das técnicas de drenagem urbana, desde os períodos do mundo antigo, passando por períodos como o do império romano, da era pós-romana até o século XIX, que tinham entre os objetivos evitar as inundações e coletar água da chuva. Recentemente, mais espe- cificamente em 2015 e 2016, a China buscou criar um tipo de sistema de gestão de águas através de muitos programas-pilotos em suas cidades, a par- tir do qual o governo declara que aproximadamente 70% das águas pluviais seria reciclada, e que o plano, até 2030, seria atingir 80% das áreas da cidade, porém ainda assim o autor traz o cuidado de considerar que há implicações práticas para os países em desenvol- vimento (NGUYEN, 2018, p.149). De acordo com os autores Menezes et al. (2022, p.8) o interesse por parte da China se deve à rápida urbanização da sua população nos últimos 40 anos e expectativas futuras. Tal fato fez o Governo Chinês lançar, através do Ministério da Habitação e Construção Ur- bano-Rural, em novembro de 2014, uma campanha nacional, com a divulgação de diretrizes técnicas para construção de Cidades-Es- ponjas, mediante a uma política de melhoramento e adaptação das cidades contra as enchentes pluviais, o que mostra o motivo de es- tar mais relacionado a este país, apesar de apresentar a crítica de ser um “termo novo para um conceito já existente, não sendo este termo adotado pela comunidade científica mundial” (ANDREA et al., 2022,p.28) A cidade-esponja também tem como objetivo incorporar a gestão de risco de inundação urbana minimizando os impactos da urbani- zação nos processos hidrológicos, reaproveitando a água das chu- vas contra impactos da escassez, além de melhorar a convivência da comunidade com as águas. De modo geral se busca uma cidade mais harmônica e mais próxima do ciclo hidrológico natural possível, tornando a cidade capaz de absorver, armazenar, purificar, infiltrar, gerenciar e drenar a água, através de espaço e tempo e não da forma rápida como já funciona, aplicando em diversas escalas desde local a diferentes regiões de um país. E, para isso, se utiliza de medidas 33compensatórias não estruturais ou estruturais. Nos artigos analisados por Menezes et al. (2022), dentre as medidas não estruturais citadas, a “preservação de áreas verdes e controle am- biental” é o que mais tinha adesão pelos autores, acima de “desenvolvimento colaborativo com ges- tão pública ou com participação social” que por sua vez estavam acima de “medidas de gerencia- mento ou implementação de programas”. Enquan- to as medidas estruturais, apresentavam adesão nessa ordem crescente de: “sistemas de melhoria da qualidade da água”; “reabilitação de áreas ur- banas e áreas verdes”; “valas, trincheiras e áreas verdes de infiltração”; “reservatórios de águas plu- viais”; “sistemas de detenção ou retenção (bacias ou reservatórios)”; “telhado verde”; “pavimento permeável” e no topo “sistema de biorretenção” (Menezes et al., 2022, p.10); provavelmente moti- vado pela complexidade de cada um. Conforme a revisão bibliográfica sobre o as- sunto, os autores revelam que as medidas es- truturais aparentam chamar mais o interesse dos artigos do que as medidas não estruturais. Os de- safios para implantação estão ligados, principal- mente, com a “falta de experiência humana para lidar com as mudanças no clima”, “equipes com experiência multidisciplinar”, “em recursos huma- nos inadequados, baixo orçamento e menos autonomia na gestão do risco pela dependência das autoridades governamentais” (MENE- ZES et al. 2022, p.10). Como exemplo, Médici e Macedo (2020), trazem o parque alagá- vel na cidade Taizhou localizada na China e, mais especificamente no Rio Yongningantes, no qual se configura como uma boa alternativa contra os piscinões, pois são espaços desenhados para funcionar tanto em período de cheia quanto seca, através de passarelas sus- pensas, e vegetações que auxiliam o ecossistema. 34 Figura 3: Parque alagável em Taizhou, China. Fonte: G1, 2020. Foto: Turenscape/Divulgação. 35 URBANISMO COLABORATIVO (TÁTICO) Por último, cabe falar do urbanismo colabo- rativo, tático ou acupuntural, nomenclatura mais recente de origem colombiana, que adveio das iniciativas experimentais de “movimentos sociais urbanos, aliados ou não as instituições do estado que buscam novos modelos para uma melhor re- presentatividade na produção dos espaços urba- nos” (Falcão e Silveira, 2022, p.233), através de “intervenções e políticas de curto prazo e baixo custo que permitam a imediata recuperação, re- desenho ou reprogramação do espaço público, visando verificações e futuras transformações” (Sansão, Pina e Paiva, 2021, p.13). O urbanismo social não se trata de um movi- mento ou de uma corrente de pensamento ou um modelo a ser seguido, mas sim de possibi- lidades de transformação urbana, vistas como uma sucessão de processos que são sentidos e percebidos através do tempo (Falcão e Sil- veira, 2022, p.235). Nos textos de referências, os autores apresen- tam que o termo pode ser entendido como algo bom à favor da comunidade, como algo ligado ao neoliberalismo num discurso de solucionismo, ou ainda algo limitado que não atinge “fatores verda- deiramente estruturais e de múltiplas escalas que modificariam verdadeiramente a produção da degradação ambiental em escala mundial” (Falcão e Silveira, 2022, p.234), ou seja, apesar dos benefícios para o local a sua prática não altera as estruturas que reproduzem as desigualdades presentes nas cidades e os exemplos, segundo os autores, “acontecem, em sua maioria, em áreas de so- ciabilidade e de lazer dos centros das cidades e, poucas vezes, nas periferias desassistidas, onde as iniciativas acontecem muitas vezes por meio de mutirões comunitários” (Ibid, p.237) As propostas [...] são consideradas louváveis e de aparente impacto positivo nas comunidades nas quais se inserem, todavia, não é pos- sível a assertiva de efetivação positiva desses resultados sem uma cuidada avaliação dos alcances obtidos. As vertentes adotadas por estas iniciativas estão vinculadas, quase sempre, a metodologias de apropriação, autogestão e, muitas vezes, com baixo orçamento ou apoiados na parceria privada (Nogueira e Portinari, 2016 apud Fal- cão e Silveira, 2022, p.237). Diferentemente das outras nomenclaturas citadas no capítulo, o foco apesar de não se restringir a uma problemática ou questão nas cidades, no caso destacado sobre a água, torna-se relevante por priorizar a vivência das pessoas no espaço, uma vez entendido que são as pessoas ao redor de um curso d’água por exemplo que vão usufruir e se beneficiar, ou não, de qualquer projeto ou decisão política para tal área. A representação social é considerada como fer- ramenta básica para a elaboração e gestão dos projetos, sobretudo através da pluralidade de atores e pensamentos, projetados numa visão tripartida da relação entre as pessoas com o meio inseridas, nos estímulos percebidos; dos “processos de percepção conscientes e inconscientes e, os comportamentos, originados pelas ações e prá- ticas sociais” (Falcão e Silveira, 2022, p.235) 36As possibilidades de transformação se baseiam nos conceitos de espaço vivido, participação so- cial e o entendimento de um urbanismo dinâmi- co interpretado por meio de contextos individuais. Trata-se de uma abordagem que ainda está sendo elaborada, mas que compreende ações de escala reduzida e sustentam a necessidade de auxílio da “educação e formação comunitária dos atores par- ticipantes, não com viés de padronização cultural, mas no sentido do despertar da consciência e da conveniência dos espaços públicos das cidades” (Falcão e Silveira, 2022, p.235), que servirá de base para construção de diagnósticos e confiança entre os envolvidos. Dentre seus desafios é citado a questão da real aplicabilidade dos objetivos propostos pelos planos, a descontinuidade de gestão para man- ter os projetos a médio e longo prazo, casos de fracas participações e possíveis erros das capa- cidades de gestores e corpos técnicos. Além do lembrete de que o Estado não deve se eximir da responsabilidade “enquanto instituição capaz de agir e colaborar para essas mudanças” (Falcão e Silveira, 2022, p.240) Enquanto sua característica marcante está em realizar testes de intervenções que conseguem avaliar os seus impactos e aceitação gerados, por trabalhar em fases e a primeira corresponde justamente a ideias de baixo custo que possam proporcionar melhorias imediatas, “permi- tindo a observação dos resultados e a alteração do projeto definitivo. Essas ações podem ser realizadas por cidadãos, pelo poder público ou por meio de parcerias entre a sociedade civil e o governo” (San- são, Pina e Paiva, 2021, p.14). O Urbanismo Tático pode ser dividido em quatro fases, na primei- ra, conhecida como ‘Preparatória’ há uma aproximação e encontros com a população para entender as demandas ou ainda com oficinas e capacitação para os atuantes na intervenção; A segunda, ‘Efêmera’, corresponde a fase experimental, das potencialidades do local que se pretende ativar. A terceira, ‘Temporária’, corresponde a implantação e observação dos impactos em alguns meses; e, por último, a ‘Per- manente’ quando a intervenção é produzida de maneira definitiva. No qual pode contemplar, ainda, “diversos espaços públicos tradicionais (ruas, calçadas e praças); espaços residuais; lotes vazios; e até mes- mo espaços privados (estacionamentos e edifícios abandonados)” (Sansão, Pina e Paiva, 2021, p.21). Os autores ainda comentam a relação do significado de tático em relação ao termo estratégia, no qual o primeiro faz referência a “arte do fraco”, devido à ausência de poder, enquanto o segundo é ordena- do pelo postulado de um. As táticas predominantes são encontradas em “fechamento de ruas; criação de praças; redesenho viário; insta- lação de parklets ; plantio de hortas; e criação de ciclovias” (Sansão, Pina e Paiva, 2021, p.32), através da análise do local dividida como a “situação preexistente; objetivos; tipos de espaço-suporte; atores; programa e elementos de ativação; e espacialização” (Ibidem, p.32). 37No qual pode apresentar, por exemplo, a situação preexistente na falta de áreas verdes ou prioriza- ção de automóveis; o lote vazio, praças, interse- ção viária como espaço-suporte; os atores através do poder público, ongs, instituições de ensino, as- sociação, entre outros. E também destacam que é importante a participação não se restringir apenas a coleta de dados na fase diagnóstica, no qual a população deve ter o direito, não a obrigação, de compor todo um ciclo aberto em conjunto com os agentes técnicos com base em uma comunicação efetiva. De forma geral, entende-se nessa possibilida- de de transformação do urbanismo colaborativo a real aproximação da população e o afeto que pos- suem no espaço. Oliveira e Albuquerque (2019) trazem toda uma metodologia chamada ‘desper- tar’ interessada no assunto, que como destaque pode-se exaltar a tentativa de perceber o espaço através dos sentidos das pessoas, nas memórias, sons, do sentimento e sensação que o local pode trazer, dos cheiros, sabores e visões que a área proporciona. Enquanto Junior e Souza (2020) complementam que esse processo de diálogo e escuta deve ser repensado para além de reuniões e audiências, que comecem estabelecendo uma relação de confiança, e nos dias que precisarem de tais formalidades seja pensado o horário de trabalho das pessoas, a relação de precisar cuidar de crianças, en- volver vários segmentos e classes para se ouvirem e promover um debate, entre outros Como exemplo de urbanismo colaborativo tem-se no Brasil o pro- jeto Parquinho Vitória, em Belo Horizonte/MG, vinculado a um pro- jeto da UFMG, denominado ‘Agroecologia na periferia’. Segundo o COURB (2019) o espaço contempla uma nascente e os “córregos ainda conservados que abastecem o Córrego dos Macacos e o Ribei- rão da Izidora” no qual os moradores têm-se apropriado para criação de um espaço de lazer ao mesmo tempo que contemple a proteção ambiental do local. Em publicação nas redes sociais de 2019 tem-se o convite para a população construir um projeto e debater sobre o es- paço, no qual trazem a intenção de ter atividades tanto para adultos quanto para crianças e a seguinte afirmação sobre o direito ao meio ambiente e a qualidade de vida descrita no artigo 225 da constituição federal de 1988. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (Brasil, 1988) 38 Figura 4: Exemplo de planejamento de Urbanismo Colaborativo Fonte: Agroecologia na Periferia, 2019. 39 A “falta de planejamento” é um problema real, mas deve-se entender suas causas institucionais, econômicas e culturais para superar tal fato, uma vez que a cidade não depende apenas de ‘bons planejamentos’ e ‘bastante planejamento’, “é pre- ciso saber até que ponto os planejadores profis- sionais estão preparados” (Souza, 2005, p.107) para se abraçar uma perspectiva proposta, e que os mesmos “são funcionários a serviço de um aparelho administrativo, no qual o que conta [...] são injunções políticas e interesses econômicos” (ibid., p.107), fora a falta de recursos para inves- timento, sobretudo na escala municipal. É neces- sário sim ‘mais’ e ‘melhor’ planejamento, todavia, esse não significa estritamente ser em um sentido tecnocrático. E, a respeito da vontade política por mudança, o autor defende não se tratar apenas, “das inclinações e virtudes individuais, mas dos papéis sociais que os indivíduos são chamados a desempenhar, e das instituições sociais que dão sentido a esses papéis” (Souza, 2005, p. 109) e que a cobrança pode sim existir, individualmente falando, mas é preciso entender que tais “institui- ções (e papéis sociais) precisam ser transforma- dos ou eliminados”. Caso contrário, no Brasil propriamente falando, o governo continuará a ser chamado a resolver problemas que não consegue devido às “restrições econômicas, institucionais e (no caso conservadoras) político-ideológicas” (ibid., p. 109). Sobre as iniciativas de gestão das águas no meio urbano, em par- ticular, conforme a citação a seguir certamente não há como recons- truir as cidades do zero, mas há o que fazer para minimizar os im- pactos de um processo natural que aconteceria caso não houvesse pessoas ao redor de um curso d’água, mas devido ações antrópicas se agravou situações que coloca em risco pessoas em vulnerabilida- de. É impossível cessar o crescimento das cidades. No entanto, é pos- sível se estudar, planejar e implementar projetos urbanísticos e de infraestrutura urbana de modo que visem minimizar o impacto sobre o ambiente natural, em especial, sobre as bacias hidrográficas e so- bre o balanço hídrico local. (Nunes, 2011, p.14). Apesar das semelhanças e das similaridades das técnicas sus- tentáveis em Drenagem Urbana, as particularidades que cada um carrega são notórias, desde a pesquisa de definição para equiparar com o exterior, até o próprio planejamento e gestão de seus ideais e abrangência. Todas as propostas demandam um corpo multidisci- plinar e liderança com força de engajamento e implementação. São ações mais complexas do que apenas a implantação das medidas estruturais, como exposto no Water Sensitive Urban Design, ou no cuidado com o ecossistema das Soluções Baseadas na Natureza. Não tratam de distinção de localidades, pois, ao contrário, reconhe- cem a estrutura toda como direito dos cidadãos e não um privilégio. A ÁGUA NAS CIDADES CONSIDERAÇÕES DO CAPÍTULO 40De forma indireta elas expõem também a di- ficuldade de interdisciplinaridade atual, devido possivelmente a um ensino superior restrito à sua área de atuação sem visão ampla advinda do mo- delo de sociedade criada, além da importância de independência de gestão dos estados para com autoridades governamentais em posições mais altas, algo que funciona na Austrália e é um em- pecilho na China, por não terem tanta autonomia, por exemplo. O breve estudo expõe a necessida- de de se trabalhar com outros profissionais num corpo técnico para elaboração do planejamento, o que pode limitar a profundidade da elaboração e indicação de diretrizes para esse trabalho, po- rém serve de base para apoiar e incentivar futuros estudos, no qual, assim como sugerido por Mene- zes et al. (2022, p.11), “relacionem, numa análise quantitativa, o quanto as medidas compensatórias individuais colaboram introduzidas ao contexto global das Cidades-Esponjas”, por exemplo. De modo geral, a seguinte figura busca sinte- tizar o entendimento sobre as três primeiras ini- ciativas discutidas nos parágrafos anteriores, com seus objetivos e desafios em comum, no qual po- de-se concluir que para alcançar uma gestão res- ponsável da água no meio urbano, é necessário planejamento do uso do solo, proteção ambiental em áreas de preservação permanente ou áreas que ainda possuem resquícios da mata atlântica, por exemplo, meios para gestão das águas urbanas através das medidas compensató- rias, para se atingir uma eficiência na drenagem sem prejudicar a biodiversidade, e a busca de uso e afeto por parte da população para que se possa reabilitar ou renovar possíveis áreas com maior preci- são das necessidades das pessoas. Tanto o “Water Sensitive Urban Design” e a “cidade esponja”, trabalharam com esses pontos, apesar de uma prioridade diferente. A perspectiva das “soluções baseadas na natureza” foi entendida como um exemplo mais direto de se traba- lhar com a proteção ambiental e a gestão das águas urbanas apenas, apesar de necessitar de um planejamento e vontade de qualquer po- der para implementá-la também. E como conclusão também, o urba- nismo colaborativo, outra possibilidade de transformação urbana que não tem um foco tão delimitado sobre algum elemento urbano, como o problema de drenagem, mas a partir da sua ideologia, consegue estabelecer um canal de conversa com a população e entender e tra- balhar suas necessidades através de etapas e experimentações de projetos no espaço que possibilitem impactos positivos numa escala local. 41 Figura 5: Diagrama sobre os conceitos WSUD, SbN e Cidade-Esponja. Fonte: A autora, 2023, adaptado de Rodrigues (2018); Gadda et al. (2019); Andrea et al. (2022), Menezes et al. (2022), Nguyen (2018) Davecchi et al. (2020); Huergo e Vacovski (2015) e Nunes (2011). A respeito das medidas compensatórias em específico, que estão dentro da gestão das águas urbanas, o quadro a seguir traz uma sistematização das principais medidas estruturais compensatórias citadas pelos autores e utilizadas pelas iniciativas, em particular por Nunes (2011, p.44 e 45) e Colombo (2002, p.32), onde pode-se ter uma relação geral das vantagens, desvantagens e área de aplicação de cada uma. 42 43 Quadro 1: Vantagens, desvantagens e áreas de aplicação das medidas estruturais compensatórias. Fonte: A autora, adaptado de Nunes (2011, p.44 e 45) e Colombo (2002, p.32). Colombo (2002) explica que as medidas não estruturais - regulamento do uso e ocupação do solo, zoneamento de áreas inundáveis, seguro e construções a prova de enchentes - em conjunto com as medidas estruturais expostas acima, tem potencial de reduzir significativamente os danos com um gasto menor, no qual complementa esse custo atacar direta ou indiretamente toda uma so- ciedade. E ainda atenta o leitor de que a ordena- ção do uso e ocupação do solo é uma “medida preventiva aplicável a áreas em processo de urba- nização ou reurbanização” (Colombo, 2002, p.35), enquanto para as já consolidadas seria de caráter emergencial, já que dependem mais da credibilidade dos seus resultados para os agentes envolvidos. Outro adendo importante do autor, é que as medidas estruturais podem criar uma falsa sensação de segurança, com significativos danos futuros se permitirem a ampliação da ocupação de áreas inun- dáveis, e que também podem ser extremamente caras, pois algumas necessitam de grandes espaços livres, e desocupar margens dos cursos, além de ser algo improvável é algo oneroso (Colombo, 2002, p.2), e ainda ultrapassa a questão complexa de falta de acesso à moradia digna nas cidades, um problema que não pode ser resolvido 44simplesmente com desapropriação e realocação. De modo geral, segundo Colombo (2002) pode- -se sintetizar na seguinte o que é necessário para analisar e trabalhar com a drenagem urbana. O principal instrumento para analisar uma si- tuação importante de drenagem passa pelo desenvolvimento de novas propostas de en- genharia, através de soluções não estruturais e estruturais, conjuntamente [...] A elaboração de projetos de drenagem urbana exige uma normalização e uma programação de obras, pondo a prova os critérios e os modelos de situações reais que constituem a drenagem urbana. Todas essas soluções passam, ne- cessariamente, pelo planejamento integrado do crescimento urbano e do desenvolvimen- to de sua infraestrutura, tarefas do urbanista. (Colombo, 2002, p. 2) Portanto, nos próximos capítulos será apre- sentado um estudo sobre a relação entre espaços públicos e bacias hidrográficas, mais especifica- mente do recorte do Ribeirão Quilombo em Su- maré-SP, percorrendo um contexto histórico de uso e ocupação do espaço e seus impactos para o meio-ambiente, como os casos de inundações que trazem prejuízos sociais, ambientais e eco- nômicos. 45 RECORTE SOCIOESPACIAL 46 O presente capítulo expõe sobre o espaço li- vre do Ribeirão Quilombo, mais especificamente sobre sua presença na área urbana do munici- pio de Sumaré-SP, no conflito existente em toda sua microbacia nos limites da cidade, advindos da própria formação do espaço urbano em seus modelos de uso e ocupação do solo. Sumaré, em particular, além de ter a “Transposição do Ribeirão Quilombo e demais cursos d’água que seccionam o território” (SEPLAN, 2019, p.9), como problema relativo à mobilidade urbana, tem que lidar com re- correntes inundações em alguns dos seus bairros, que inclusive, em um recorte, serão mais bem es- tudados a fim de caracterizá-los e entender suas demandas frente a esse expressivo curso d’água. RECORTE SOCIOESPACIAL Figura 6: Localização da cidade de estudo (sem escala) Fonte: A autora, 2023 47 Figura 7: Localização de Sumaré-SP em re- lação a região das bacias dos rios Piracica- ba, Capivari e Jundiaí (Bacias PCJ) Fonte: Agência das bacias PCJ, 2023 SUMARÉ Desconhecida a real origem do seu nome, a microbacia do Ribeirão Quilombo, afluente do Rio Piracicaba, está inserida na região da Unidade Hidrográfica de Gerenciamento de Recursos Hí- dricos do Estado de São Paulo – UGRHI – 5, de- nominada por Bacia do Rio Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), segundo a Lei Estadual nº 7663 de 30/12/91. A microbacia em si compreende um total de seis municípios - Americana, Nova Odessa, Sumaré, Hortolândia e parte dos municípios de Paulínia e Campinas - no qual seu curso d’água percorre 50 km desde sua nascente em Campinas até seu final em Americana, onde então deságua no Rio Piracicaba, conforme evidenciado na seguinte figura 7,8 e no quadro 2, onde é possível notar que Sumaré é sua maior representante, e no geral “estes municípios compõem 77,3% da bacia” (Souza, 2015, p.9). RECORTE SOCIOESPACIAL CARACTERIZAÇÃO GERAL DA MICRO- BACIA DO RIBEIRÃO QUILOMBO 48 Figura 8: Delimitação aproximada da Microbacia do Ribeirão Quilombo ⁴ em relação aos Municípios que contempla. Fonte: Adaptado de DAEE, 2002 e Filho et al., 2006. (2002, p.32). Quadro 2: Municípios Represen- tantes da Bacia do Ribeirão Qui- lombo. Fonte: Adaptado de Souza, 2015, p.6. ⁴ Apesar do Ribeirão Quilombo não ser apenas uma “linha” tal figura foi baseada na fonte citada, de for- ma a exemplificar superficialmente como se encon- tra das cidades pertencentes 49Quilombo lembra um grupo de negros fugidos da escravidão. Existiram centenas de quilom- bos no Brasil e em Campinas houve também vários quilombos. É possível que Ribeirão Quilombo tenha esse nome por causa de al- gum grupo de escravos fugidos das fazendas vizinhas. Mas não se sabe com certeza. Até os anos 60 o Quilombo era limpo e cheio de peixes. Muita gente pescava nele, os meninos nadavam pelados em suas águas, animais matavam a sede. Hoje ele está totalmente po- luído (História do Pró-Memória, 2023). O fato de Sumaré ser um dos seus maiores representantes é também causa de preocupação entre as medidas e ações já tomadas ou em de- senvolvimento pelo consórcio/ agência da bacia do PCJ. Um dos motivos é que as demais cidades apresentam de 88% a 98% do tratamento de esgo- to (exceto Americana, apesar de já estar mudando esse quadro), enquanto Sumaré, possui “apenas 32% do esgoto tratado”, apesar de taxas serem cobradas já a cinco anos pela empresa privada BRK Ambiental que faz esse serviço, o que com- promete todo o trabalho das demais cidades para melhorar a qualidade da água do curso d’água (Câmara municipal de Sumaré, 2023). De modo geral, o Ribeirão apresenta largura de dois até doze metros e profundidade média que varia entre dois e quatro metros e, segundo Souza (2015, p. 6), a bacia consiste numa conver- gência com área de aproximadamente 39 mil ha, caracterizada por uma ocupação predominantemente urbana, de modo que é comum cenários em que a Área de Proteção Permanente (APP) possui edifi- cações onde deveria ser reservado apenas à vegetação ciliar, segun- do o código florestal, de tal modo que contribuíram para a poluição e quantidade de dejetos oriundos de esgoto, construção civil e lixo, classificando-o no passado como um dos cursos d’água mais poluí- dos do estado de São Paulo. A variedade de tipos de materiais presentes na várzea e dentro do ribeirão é inerente a atual situação de contaminação das águas, evi- denciando um uso inadequado do solo e de um curso d’água que beira áreas de moradias precárias, que sofrem com eventuais en- chentes, alagamentos e mau cheiro da água (Souza, 2015, p. 6). Sua caracterização física é apresentada do seguinte modo: A bacia do Quilombo possui 85% de sua área constituída por colinas amplas, com interflúvios a partir de 4 km², com seus topos extensos e de forma aplainadas, com vertentes retilíneas ou convexas. A dre- nagem se desenha seguindo a topografia, sendo de forma dendrítica de baixa densidade, vales abertos e planícies aluviais restritas com fios d’água finos e curtos [...]. O percentual restante, 15% da área da bacia, situada na sua porção sudeste, apresenta morrotes alongados e espigões, topos angulosos a achatados, vertentes ravinadas, vales fechados, densidade de drenagem média a alta. O relevo da bacia hidrográfica do Ribeirão Quilombo varia de 560 a 720 metros de altura, sendo que as maiores altitudes se situam na porção Leste da bacia e acompanham a drenagem na direção No- roeste. O relevo de forma geral é suave ou pouco acidentado, apre- sentando cota média de elevação em torno de 600 metros. A área é constituída de colinas amplas, com interflúvios superiores a 4 km², topos extensos e aplainados, vertentes retilíneas a convexas, dre- nagem subdendrítica de baixa densidade, vales abertos e planícies 50aluviais restritas. (Souza, 2015, p. 16). Enquanto, a respeito da vegetação, fica descri- ta segundo a seguinte citação: A região que compreende a bacia hidrográfi- ca do Ribeirão Quilombo era coberta por flo- restas densas e com árvores altas de troncos retilíneos, pertencentes ao bioma Mata Atlân- tica. Entre as florestas havia formações com árvores de médio e alto porte, espaçadas e com troncos tortuosos, ou, árvores espaçadas de pequeno porte, formações pertencentes ao bioma Cerrado. Além dessas formações, exis- tiam áreas de campos, apenas com vegeta- ção herbácea, denominada campo cerrado ou campo limpo. Sendo assim, a área está dividi- da em dois biomas principais: Mata Atlântica e Cerrado. Atualmente, o predomínio é quase sempre com pastagens, inserido em áreas de cerrados e campos cerrados muito pobres e áreas apropriadas para plantação de cana- -de-açúcar (Souza, p. 18, 2015). Nas planícies de inundação do Ribeirão Qui- lombo, é comum a ocorrência de campos de várzea, constituídos por formações não flo- restais de fisionomia basicamente herbáceo- -arbustiva, que têm um papel fundamental no balanço hídrico da bacia, agindo como espon- jas absorvendo e filtrando água para o solo. Porém, mesmo que as áreas de APP não se- jam respeitadas e o limite urbano tenha avan- çado sobre este, a superfície da área urbana impermeabilizada faz maior escoamento de água superficial, que justifica as constantes inundações do Ribeirão Quilombo em certos pontos. O volume de água escoada por efeito da impermeabilização aumenta a quantidade de água que chega ao ribeirão e sua várzea, caracterizando a ocorrência de solos hidromórficos. (SOUZA, p. 18, 2015). Ou, seja conforme as citações é percebido que a microbacia re- mete seu nome a importantes resistencias sociais de comunidades, apesar de não ser confirmado nos materiais utilizados de referência, e que num geral, como caracteríticas físicas apresenta muitos des- níveis, de forma suave e pouco acidentada, uma drenagem de baixa densidade e um histórico de mudança significativo de sua paisagem com a ocupação urbana que através da alta taxa de impermeabiliza- ção colabora para as ocorrências de inundações atualmete. 51 Pertencente ao estado de São Paulo, a 103 km da capital, e à região metropolitana de Cam- pinas, assim como outras diversas cidades des- se estado, Sumaré nasceu dos trilhos de trem, do café e da emancipação de Campinas, ao passo que cresceu e se expandiu, de forma descontí- nua, graças à rodovia e ao conjunto de fatores fí- sico-territoriais de uma Região Metropolitana. Há diversas abordagens sobre seu surgimento, mas, para esse trabalho, se considera o processo que é somente após a construção da Estação Rebou- ças, que passa a ter uma malha urbana capaz de concentrar moradores no seu entorno, uma vez que antigamente a localização era constituída de casas, sítios e fazendas, e também conhecida como região do Quilombo devido à proximidade do “Rio Quilombo”, no qual a localização da esta- ção foi posta por fim estratégico, de cruzamento de diversas rotas comerciais entre outras cidades já existentes (Oliveira, 2008, p. 58), e possivel- mente, também pode explicar a poluição futura na bacia, devido a toda uma ocupação territorial de moradias, indústrias e transporte. Local de passagem para tropeiros no século XVIII e produtora de café desde o século XIX, en- tre os principais eventos que marcam sua história tem-se a data de 26 de julho de 1868 quando é dado o marco de fundação da região do Quilombo, com a construção de uma capela dedicada à Nossa Senhora de Sant’Ana. Segundo a história disponibilizada pela Prefei- tura do município, a inauguração da estação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro em 1875, permitiu ao povoado crescer rapida- mente ao passo que o até então distrito de Campinas passou a se chamar Rebouças, em homenagem a um engenheiro brasileiro, An- tonio Pereira Rebouças Filho. Em 1920 a área passou a contar com Infraestruturas e serviços, como energia elétrica, iluminação pública, posto policial, escola, pronto socorro, entre outros, e inauguração do serviço de abastecimento de água em 1934, importante pois até en- tão dependiam do Ribeirão Quilombo para afazeres domésticos. A consolidação final do nome Sumaré se deu em 1945, inspirado em uma orquídea originária desta região, pois na época não poderia ter dois povoados com o mesmo nome e no Paraná, já havia um cha- mado Rebouças, enquanto a independência político administrativa de Campinas e a elevação à categoria de município se deu no dia 1° de janeiro de 1953. Em relação a sua população, até 1950, era formada basicamente por imigrantes portugueses e italianos, e após esse ano, migrantes de todos os estados do Brasil, no qual em “1907 o povoado tinha perto de 300 habitantes, em 1912 pouco mais de 400, em 1940 o distrito tinha perto de 5.000 e em 1950 chegava a 6.000” (Prefeitura de Sumaré, 2023), no qual após tal período pas- sou a crescer de maneira vertiginosa por efeito da industrialização do Sudeste. Na figura a seguir é possível visualizar a malha urbana inicial da cidade, no recorrente padrão ortogonal, com algumas vias na diagonal, além da linha férrea na área inferior e a igreja matriz no RECORTE SOCIOESPACIAL SUMARÉ-SP 52 Figura 9: Vista aérea da cidade de Sumaré em 1975. Fonte: Biblioteca IBGE, 2023. meio, que hoje ainda corresponde à área central. De efeito legislativo, segundo o IBGE (2023), até 1991 o município era constituído por três distritos, antes da emancipação de Hortolândia, porém ainda continua com a divisão com os outros dois distritos: Sumaré e Nova Ve- neza (criado em 1959). Segundo a associação pró-me- mória de Sumaré, o crescimento rápido da cidade, con- juntamente com a falta de condição de trabalho e casa própria, levou ao surgimento de muitas favelas, nas quais em 1997 o número de famílias era de aproximadamente 7.108. Ao que tudo indica, o sistema de transporte foi uma das peculiaridades mais marcantes em seu crescimento, de modo que a partir da década de 70, intensificou, jun- Figura 10: Divisão dos Distritos e Administrações regionais de Sumaré-SP Fonte: A autora, adaptado da SEPLAN, 2023. to ao processo de industrialização massivamente ao longo da Rodovia Anhanguera (que liga a ci- dade à metrópole Campinas-SP), a aprovação e “implantação de novos loteamentos, em sua gran- de maioria populares, caracterizando uma urba- nização periférica” (SEPLAN, 2019, p. 11), o que resultou em uma caracterização de “periferização e segregação social como marca dominante de ocupação do município” (SEPLAN, 2019, p. 170) [...] e dessa ocupação dispersa tornar o “Municí- pio polinucleado” [...] que “caminha para, cada vez mais se configurar como Cidade-Dormitório” (ibid., p. 170). 53 Figura 11: Expansão urbana do Município, desde seu núcleo inicial até 2019. Fonte: A autora adaptado da SEPLAN, 2019. 54Hoje, Sumaré conta com uma área territorial de 153,465Km² e uma população de 279.546 pes- soas, de acordo com o último censo de 2022. O município possui “95.1% de domicílios com es- gotamento sanitário adequado, 91.5% de domi- cílios urbanos em vias públicas com arborização” no qual desses 45.8% estão de forma adequada “(presença de bueiro, calçada, pavimentação e meio-fio” (IBGE, 2023). E, mais precisamente so- bre a Microbacia do Ribeirão Quilombo, a mesma contempla “48% do total de domicílios em assen- tamentos precários no município de Sumaré” (SE- PLAN, 2019, p. 149). Dentre seus habitantes, o município apresen- tava até 2010, segundo o censo do IBGE, a divi- são de 238.599 habitantes na zona urbana para 2.838 na zona rural, com característica de forte exclusão socioespacial, com a população de bai- xa renda postas em áreas da cidade afastada do núcleo central, “nas periferias dos centros polinu- cleados do território” (SEPLAN, 2019, p.19), o que dificulta o acesso a equipamentos urbanos e in- fraestruturas em geral, no qual propicia inúmeros problemas urbanos distanciando das perspectivas de direito à cidade. Sumaré é inclusive palco de um dos exemplos mais famosos da América Lati- na de ocupação e luta por regularização fundiária, com a Vila Soma, que teve início em 2012 em ter- ras que não cumpriam sua função social há mais de 20 anos, e hoje “representa 3,78% da população total do Município” (SEPLAN, 2019, p. 146) com mais de 10.598 mil habitantes. Pertencente ao bioma da mata atlântica, no que tange suas ca- racterísticas naturais, o município possui ventos predominantemente leste, um clima quente e temperado, caracterizado como subtropical de inverno seco (com temperaturas inferiores a 18°C) e verão quente (com temperaturas superiores a 22°C), com média anual pluviomé- trica de 1.371,8 mm, distribuído em uma diferença sazonal intensa, com foco nos últimos e primeiros meses do ano, conforme demons- trado na figura 13, da média mensal no município nos últimos cinco anos. Em adição, ostenta três notáveis categorias de solo: “Podzólico Vermelho Amarelo Laras, Podzólico com cascalho e o Latossolo Ver- melho Amarelo fase Arenosa” (SEPLAN, 2019, p. 53) que, “apesar de chuvas abundantes, dado o clima tropical, o solo extremamente are- noso é responsável por uma rede de drenagem de densidade baixa a média tipo sub-dendrítica e sub-retangular” (ibid., p. 53), e ainda a característica de, Apesar de apresentar alta densidade demográfica e parque industrial diversificado, apresenta sérias dificuldades para sua ocupação, devi- do à pobreza e fragilidade do solo que se reflete intensamente pelo pequeno potencial de produtividade, da necessidade de irrigação no caso das culturas agrícolas e a necessidade de obras de engenharia custosas para fixação e fundamentação nos espaços urbanos (SE- PLAN, 2019, p. 53). 55 Figura 12: Solos próximos do Ribeirão Quilombo. Fonte: SEPLAN, 2019. Figura 13: Média Mensal de Chuva no município de Sumaré- SP de 2017 a 2022. Fonte: DAEE Hidrologia Banco de Dados Hidrológicos, 2023. 56No turismo, a modalidade em maior expansão é o “Turismo de Negócios”, mas são significativos os outros pontos turísticos espalhados pelo muni- cípio, como a Igreja Matriz de Sant’Ana no centro, que aparece na figura 9 ou o Horto Florestal pró- ximo a principal represa que abastece o município e também conta com práticas de lazer e educação ambiental (SEPLAN, 2019, v.1, p.44) Sobre a mobilidade urbana, que está relacio- nada com os padrões de acessibilidade, transpor- te e os diferentes modais e respectiva interação entre eles, nota-se um conjunto de fatores que li- mitam a qualidade, em que é possível perceber os problemas advindos da priorização da rodovia e uma expansão dispersa pelo espaço, que além de intensificar o trânsito limita iniciativas e implanta- ção de outros meios de locomoção: Basicamente, a estrutura do sistema viário principal do Município é predominantemente radial e, com exceção das Rodovias Anhan- guera (SP330) e dos Bandeirantes (SP348), todas as vias integram-se em corredores vi- ários que convergem para a Área Central de Sumaré. Os principais problemas relativos à