UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro ENTRE TRADIÇÃO E MODERNIDADE: O lugar das comunidades faxinalenses de Taquari dos Ribeiros (Rio Azul - PR) e Anta Gorda (Prudentópolis – PR). Cecilia Hauresko Orientador: Prof. Dr. Enéas Rente Ferreira Tese de Doutorado elaborada junto ao Curso de Pós- Graduação em Geografia, Área de Concentração em Organização do Espaço, para obtenção do Título de Doutor em Geografia. Rio Claro (SP) 2009� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � BANCA EXAMINADORA Professor Dr. Eneas Rente Ferreira – Orientador IGCE/UNESP/Rio Claro (SP) Profa. Dra. Darlene Aparecida de Oliveira Ferreira FCL/UNESP/Araraquara (SP) Profa. Dra. Bernadete Aparecida Caprioglio de Castro Oliveira IGCE/UNESP/Rio Claro (SP) Profa. Dra. Cicilian Luiza Löwen Sahr Universidade Estadual de Ponta Grossa / Ponta Grossa (PR). Prof. Dr. José Gilberto de Souza FCAV/UNESP/Jaboticabal (SP) Rio Claro, 27 de outubro de 2009 Resultado: Aprovada �������� �� �� � � ��� ��� �������� ����� ����� ������������������ � ����������������� �� �� ����������� ���� ��� ����� ���������� � � ����� �� ��� ������ ������ ����������� � ������� ��� ���������������� ���������� ����� ��������������� �� �������� ����� �������� ��� ������ ���� ��� �� ��� ��������� ������ ������������ ������ �������� ������� � � ��!� "���������������� � ��� � ����� ������������ ����������������� ������������ ��������� � ��������� ������������� ����������������� �#�� ���� �� ������� ������ �����������$���������� � ������ � � ����� ������� ������ ��� ��������!� %����&� �������� ��� ����������������������� �� ��� � � � ��� ����� � ���� �� �� ���!����� AGRADECIMENTOS Ao concluir este trabalho não poderia deixar de agradecer à todas as pessoas que contribuíram para a elaboração deste. À minha gratidão ao corpo docente do Departamento de Geografia, pela aprovação do afastamento integral para cursar doutorado, em particular ao colega professor Pierre Alves Costa, que se propôs a assumir as minhas aulas na Graduação, caso fosse necessário. À UNICENTRO, pela concessão do afastamento, permitindo dedicação integral à pesquisa. Este período foi essencial para a elaboração da tese. Agradecimento à todos os integrantes da Rede Faxinal Pesquisa, em especial aos professores Cicilian Luiza Lowen Sahr e Wolf Dietrich Sahr, que me estenderam o convite para integrar o grupo de pesquisadores da rede. Ao meu orientador, Eneas Rente Ferreira, por compartilhar seu saber acadêmico e especialmente por me dar oportunidade de crescer enquanto pessoa ao observar seus atos de solidariedade e presteza para com o ser humano. À Meroslava Krevey pela apoio à mim prestado por inúmeras vezes, me socorrendo sempre com o seu conhecimento e colocando a minha disposição todo o acervo existente no Museu do Milênio em Prudentópolis. Pela energia positiva que transmitiu ao longo desse meu percurso. À Cecilia Strechar pela paciência em procurar e selecionar algumas fotos que constam neste trabalho Aos professores membros da Banca Examinadora, pela leitura do trabalho e pelas valiosas contribuições e sugestões, para esse e para os próximos trabalhos. Á todas as famílias faxinalenses moradoras das comunidades de Faxinal Taquari dos Ribeiros localizada no município de Rio Azul e Faxinal Anta Gorda localizada no município de Prudentópolis, por permitirem que adentrássemos suas casas e nos deram as informações que buscávamos. A Ricardo pela paciência e compreensão. A minha mãe, Rafaela, meus irmãos e minhas irmãs, Marlene, Alceu, Julia, Nelson e Elza pelo incondicional apoio prestado em mais esta caminhada. SUMÁRIO Lista de Figuras xi Lista de Quadros xii Resumo xiii Abstract xiv INTRODUÇÃO 14 PARTE I - O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA PESQUISA � CAPÍTULO 1 - Construção da situação problema e objeto de estudo: o trajeto até a temática 19 CAPITULO 2 - As comunidades faxinalenses de Anta Gorda e Taquari dos Ribeiros: áreas objeto da pesquisa � 28 CAPITULO 3 – As noções de Lugar, Tradição e Modernidade que embasam a pesquisa 42 PARTE II - OS PRIMEIROS TEMPOS NA REGIÃO DAS MATAS DO PARANÁ � CAPITULO 4 - O contexto local e o povoamento das áreas de mata do interior do Paraná 55 CAPITULO 5 - O Colono na região das matas de araucárias: propriedade da terra, família e trabalho 65 CAPITULO 6 - As origens do sistema faxinal e a permuta cultural entre colonos e caboclos PARTE III – A COMUNIDADE FAXINALENSE: O LUGAR 87 CAPITULO 7 - As comunidades faxinalenses na época dos primeiros imigrantes europeus � 101 CAPITULO 8 - Os ímpetos modernizadores e as práticas agrícolas nas comunidades faxinalenses 115 PARTE IV – O LUGAR DAS COMUNIDADES FAXINALENSES DE ANTA GORDA E TAQUARI DOS RIBEIROS � CAPITULO 9 – As Terras de moradia das comunidades faxinalenses 129 CAPITULO 10 - Terras de Criação do sistema faxinal 149 CAPITULO 11 - Terras de Plantação: a preservação de práticas tradicionais e incorporação de elementos modernos � 155 CAPÍTULO 12 – Morar, Rezar, Passear: Como vivem os faxinalenses? 180 CONSIDERAÇÕES FINAIS 204 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEXO 210 220 LISTA DE FIGURAS Nº Página 1 Mapa de localização do faxinal Taquari dos Ribeiros em Rio Azul – PR 32 2 Vista da vegetação mista, no Faxinal Taquari dos Ribeiros 33 3 Mapa da distribuição das residências no Faxina l Taquari dos Ribeiros. 34 4 Morfologia do relevo das terras de plantar da comunidade de Taquari dos Ribeiros. 35 5 Classificação do Uso e Cobertura do Solo do Faxinal Taquari dos Ribeiros. 35 6 Traços europeus dos moradores. 36 7 Traços caboclos dos moradores. 36 8 Estrada de acesso à Comunidade Faxinalense de Anta Gorda 37 9 Localização do município de Prudentópolis, PR. � 38 10 Mapa de solos do Faxinal Anta Gorda� 39 11 Mapa de uso da terra no criadouro comunitário do Faxinal Paraná Anta Gorda, Prudentópolis 39 12 O casal formado por descendentes de imigrantes ucranianos e poloneses 40 13 Filho de pai e mãe, descendentes de imigrantes ucranianos. 41 14 Divisão do Estado do Paraná em áreas histórico-culturais 56 15 Mapa da Região Centro-Sul do Paraná, área de distribuição das matas mistas com ocorrência de Faxinais. 57 16 Os caboclos que habitaram a região das matas 58 17 Medição do lotes para instalação dos colonos em Prudentópolis – PR 73 18 Participação dos imigrantes na abertura de estradas 74 19 Imigrantes ( homens e mulheres) trabalhando na abertura de estrada 75 20 As carroças introduzidas no Paraná pelos imigrantes poloneses e ucranianos 77 21 O transporte da erva - mate de Prudentopolis às estações da Estrada de 77 22 Preparação de um feixe de erva mate sapecada, a ser transportada para o barbaquá 81 23 Trecho de erval do Snr Paulino Sebastião da Silva na época da colheita. 81 24 Mapa da Floresta de araucárias e região ervateira paranaense 83 25 Imagens do início da instalação dos colonos. 86 26 Municípios destacados pela produção do mate e pela presença de comunidades faxinalenses 91 27 Barbaquá do tipo paraguaio, utilizado pelos colonos nos faxinais para secagem e moagem da erva-mate. 91 28 Perfil Esquemático da alocação das terras por uso do sistema faxinal 94 29 Disposição esquemática da alocação das terras de Faxinal 95 30 O início da vida dos colonos em Prudentópolis 98 31 Caminhos percorridos pela erva-mate produzida na região dos faxinais 103 32 As casas dos imigrantes construídas com varas trançadas com palha de centeio cobertas com folhas de palmeira 106 33 As colônias dos imigrantes europeus 106 34 A paisagem das colônias de imigrantes no Paraná. 107 35 Distribuição dos Faxinais no Paraná – Situação Atual 121 36 Abrangência dos Faxinais na Região Sul. 122 37 Disposição esquemática da distribuição das partes que formam o sistema faxinal 123 38 Partes constitutivas das terras de moradia dos faxinalenses 130 39 Uma das casas mais antigas que encontramos na comunidade de Anta Gorda 131 40 Tipos de casas onde vivem os faxinalenses da Comunidade de Anta Gorda 132 41 Tipos de casas onde vivem os faxinalenses da Comunidade de Taquari dos Ribeiros 133 42 Condição das Residências do Faxinal Taquari dos Ribeiros 133 43 A cozinha e o conforto técnico 135 44 A cozinha faxinalense: Entre o tradicional e moderno. 136 45 Fontes de renda mais citadas pelas famílias do Faxinal Anta Gorda. 138 46 Fontes de renda que foram citadas pelos faxinalenses da Comunidade Taquari dos Ribeiros. 138 47 Meios de comunicação e audiovisuais adquiridos pelos faxinalenses da comunidade de Taquari dos Ribeiros 140 48 Meios de comunicação e audiovisuais adquiridos pelos faxinalenses da comunidade de Taquari dos Ribeiros 140 49 Preparo do macarrão caseiro pela faxinalense da comunidade de Anta Gorda 142 50 Número de famílias que possuem eletrodomésticos na comunidade de Faxinal Taquari dos Ribeiros 143 51 Número de famílias que possuem e não possuem eletrodomésticos na comunidade do Faxinal Anta Gorda 144 52 Conservação da carne suína frita em pedaços, na gordura derretida (banha), em latas. 144 53 Espaços de obtenção dos alimentos pelos faxinalenses 147 54 Tamanho das terras destinadas para criadouro comunitário, pelas famílias da comunidade Taquari dos Ribeiros 149 55 Tamanho das terras destinadas para criação pelas famílias da comunidade Anta Gorda 150 56 A criação reunida (no entorno da área de moradia) para a alimentação complementar 151 57 Inseminação artificial nas comunidades de faxinais 153 58 Quantidade de terras destinadas para a plantação pelos moradores da Comunidade de Faxinal Anta Gorda 156 59 Quantidade de terras destinadas para a agricultura pelas famílias da comunidade de Taquari dos Ribeiros 157 60 Relações de trabalho na comunidade de Anta Gorda 159 � 61 Contratação de mão-de-obra pelas famílias da comunidade de Taquari dos Ribeiros 160 62 Ferramenta agrícola utilizada pelas comunidades para limpar as roças 162 63 Plantação de fumo – Faxinal Anta Gorda 167 64 Preparo do fumo para a secagem no Faxinal Anta Gorda 168 65 66 Estufa de fumo e terreno preparado para o plantio – Faxinal Taquari dos Ribeiros Relação dos implementos agrícolas utilizados pelos faxinalenses da Comunidade Taquari dos Ribeiros 169 174 67 Relação dos implementos agrícolas utilizados pelos faxinalenses da Comunidade do Faxinal Anta Gorda 174 68 Arado tração animal, que pode ser utilizado como carpideira e aterrador 175 69 Discos utilizados para formação de terraços na lavoura 176 70 A prática da policultura no sistema de roça (lavoura no toco) por famílias do faxinal Anta Gorda 177 71 Asas (quando acopladas ao equipamento utilizadas para revolver ou arar a terra. 178 72 Plantadeira manual. Conhecida também como matraca. 178 73 Pulverizador Costal 179 74 Núcleo central da comunidade de Linha Esperança 181 75 Igreja Nossa Senhora do Patrocínio do Rio ucraíno-católico – comunidade Linha Esperança 181 76 Imagens da infraestrutura social – área core da comunidade de Taquari dos Ribeiros 183 77 Faxinalenses da comunidade de Taquari dos Ribeiros que possuem telefone comunitário com ramais e/ou telefone móvel.. 184 78 Altar construído para os santos de devoção – Comunidade Taquari dos Ribeiros 185 79 Altar construído para os santos de devoção – Comunidade Anta Gorda 186 � 80 81 82 83 84 85 Visita dominical – Comunidade Anta Gorda Festa religiosa “Domingos de Ramos” – Igreja de Linha Esperança Igreja Católica de São Sebastião – Faxinal Taquari dos Ribeiros Encontro dos faxinalenses do Paraná Anta Gorda – inauguração da sede da Associação Profissões e Ocupações dos Faxinalenses da Comunidade de Taquari dos Ribeiros Profissões e Ocupações dos Faxinalenses da Comunidade de Anta Gorda 188 189 190 192 196 196 � LISTA DE QUADROS Nº Página 1 Produtos alimentares cultivados mais citados pelos faxinalenses da comunidade do Faxinal Anta Gorda e os produtos básicos comprados na cidade. 164 2 Produtos alimentares mais citados, cultivados pelos faxinalenses da comunidade do Faxinal Taquari dos Ribeiros e os produtos básicos comprados na cidade. 165 3 Relação das cidades para onde migraram os filhos das sete famílias do Faxinal Anta Gorda. 197 4 Número de membros familiares que trabalham em atividades não-agrícolas. 198 � RESUMO Nesta pesquisa realizamos uma análise das comunidades tradicionais faxinalenses na contemporaneidade. No trabalho enfatizamos a organização sócio-espacial destes lugares e os elementos que possibilitam compreender a dinâmica das comunidades tradicionais inseridas na sociedade moderna. O conceito utilizado considera o lugar, tanto como produto de um movimento que é singular, ou seja, resultante de características históricas e culturais próprias ao seu processo de formação, quanto como uma expressão da globalidade. Igualmente, este conceito possui uma importante dimensão explicativa que possibilita compreender os efeitos, no lugar, do chamado mundo moderno. As comunidades faxinalenses são tomadas como lugares, caracterizadas em dois momentos históricos: na época do estabelecimento dos imigrantes europeus no interior do Paraná, século XIX e XX e o período atual, onde apontamos as transformações sofridas pelas mesmas com a introdução dos novos sistemas de objetos e ações. A análise pauta-se em duas comunidades faxinalenses: Comunidade do Faxinal Anta Gorda no município de Prudentópolis e Comunidade do Faxinal Taquari dos Ribeiros no município de Rio Azul, no Estado do Paraná. As questões centrais, norteadoras do trabalho são: Em que medida, as comunidades faxinalenses, reconhecidas como comunidades tradicionais, se (re)produzem, no mundo contemporâneo, ligadas à tradição? Serão ou não, os objetos e as ações chamados de tradicionais, os elementos que definem o lugar dos faxinalenses na contemporaneidade? A busca de resposta a essas interrogações constitui o principal foco dessa pesquisa, cuja problemática está centrada na análise das comunidades faxinalenses e suas respectivas formas de apropriação do espaço e organização social. Palavras chave: tradição; modernidade; lugar; comunidades faxinalenses; Rio Azul; Prudentópolis; Paraná ABSTRACT In this research we carried out an analysis about the traditional faxinalenses communities at the contemporaneity. In this paper, we emphasized the socio-space organization of these places and the elements that enable to comprehend the dynamic of the traditional communities inserted in the modern society. The used concept considers the place, as a product of a singular movement, in other words, resultant of the historic and cultural characteristics, proper of its formation process, as an expression of the whole. Equally, this concept has an important dimension of explanation that we can comprehend the effects, on the place, of what we call modern world. The faxinalenses communities are known as places, characterized in two historic moments: the time of the European immigrants’ establishment in the countryside of Paraná, at the end of the nineteenth century and beginning of the twentieth century and the current period, where we pointed the transformations occurred by them with the introduction of new systems of objects and actions. The analysis interlines in two rural faxinalenses communities: Community of Anta Gorda Faxinal, in the town of Prudentópolis and the Community of Taquari dos Ribeiros Faxinal, in the town of Rio Azul, in the state of Paraná. The central issues, the basis of the paper are: In which measurements, the faxinalenses communities, produce or reproduce themselves, in the contemporary world, linked to the tradition? Will they be or not, the objects and the actions called traditional, the elements that define the faxinalenses’ place at the contemporaneity? The search of answering to these interrogations is the principal focus of this research, whose the problem is focused on the analysis of faxinalenses communities and their respective way of appropriation of the space and social organization. Key – words: tradition; modernity; place; faxinalenses communities; Rio Azul; Prudentópolis; Paraná INTRODUÇÃO � A temática que desenvolvemos refere-se às formas de apropriação do espaço e organização social estabelecidas no movimento de estruturação do lugar pelos faxinalenses, especificamente nas comunidades faxinalenses de Anta Gorda no município de Prudentópolis e Taquari dos Ribeiros no município de Rio Azul, Estado do Paraná. Ao abordarmos estes lugares, estamos trabalhando em torno da proposição de que, o mundo precisa dos lugares para deixar de ser uma abstração e concretizar-se. Assumindo como um pressuposto teórico os ensinamentos do professor Milton Santos, consideramos que todos os lugares na contemporaneidade recebem as determinações do mundo através das quais novos sistemas de objetos e de ações (SANTOS, 2008a), comandados por uma lógica externa, inserem-se até a escala do cotidiano, redefinindo o espaço, a comunidade, a cultura, os valores, as tradições, os costumes, ou seja, as singularidades do lugar. Dessa forma, um determinado lugar não é somente parte do mundo, mas o próprio mundo localizado, onde as ações, as práticas humanas se concretizam. Entendemos que a complexidade do mundo está nos lugares e isto faz com que compreendamos a totalidade do mundo a partir deles. Nesse sentido, a busca pela compreensão do lugar exige o entendimento das contradições tomando como bases os pares dialéticos: o interno e o externo, o novo e o velho, o tradicional e o moderno. No que tange aos aspectos teóricos, nosso trabalho analisa a construção do lugar pelos faxinalenses reconhecidos recentemente como comunidades tradicionais1. “A existência de uma história e uma cultura próprias, a preservação e o respeito às suas tradições e aos seus costumes, bem como a vivência comunitária, solidária e de união, transformou essas comunidades, que hoje estão inseridas numa sociedade moderna, no que se convencionou chamar de Comunidades Tradicionais” (LÖWEN SAHR, 2008, p. 214). Estas foram reconhecidas por reproduzirem o sistema faxinal, que se constitui em uma organização social existente na região centro-sul do Paraná. Esse caminho nos leva a pensar e observar a formação destes lugares como manifestação da complexidade do mundo pretérito e contemporâneo, em que a coexistência entre elementos tradicionais e elementos modernos acontece. Com base em Löwen Sahr (2008, p. 214), “tais comunidades, de um lado mantêm fragmentos das tradições do seu passado de vários séculos, mas de outro, revelam adaptações flexíveis a processos externos e modernizadores.” ���������������������������������������� �������� 1 Reconhecidas pelo governo federal em 2006, pelo Decreto Presidencial de 13 de julho.� � � �� A tradição pouco tem ocupado os teóricos, enquanto a modernização tem sido tema de muitos estudiosos (GIDDENS, 2007). Não somente na Geografia, mas também em outras ciências afins, uma quantidade considerável de estudos aborda fatos e dinâmicas na perspectiva da modernidade, enquanto a tradição tem carecido de debates. Além disso, o trabalho teve sua origem em duas inquietações: uma delas, de caráter intelectual, que surgiu depois do mestrado, passou esquecida durante um período de tempo relativamente longo, sendo retomada durante o doutorado; a outra, de caráter pessoal, determinou a decisão de que parte das minhas pesquisas abordaria questões sobre o meio rural, espaço onde nasci e passei a maior parte da minha vida. A questão intelectual refere-se à tradição na contemporaneidade. Em Giddens (2007, p.48), a seguinte frase chama a atenção: “Há infindáveis discussões sobre a modernização e sobre o que significa ser moderno, mas poucos realmente sobre tradição.” Logo, comecei a refletir sobre estas palavras e em especial sobre a Tradição, buscando obras completas ou artigos acadêmicos que abordassem-na. De fato, como bem disse Giddens, são poucos estudiosos que se dedicam à estudar a Tradição. Assim nasceu a idéia de realizar uma exploração acerca da tradição no mundo contemporâneo, a partir de um estudo de comunidades tradicionais faxinalenses. Na discussão sobre a tradição nos apoiamos bastante em Veneziani (2005), que como Giddens, nos encorajou, ao dizer que faltava um ensaio que enfrentasse a Tradição como um recurso do presente e do futuro, por meio da comparação com as tendências e as mentalidades de hoje. Veneziani (2005, p.14) também afirma que: Quanto mais firme e vigente a Tradição, menos é evocada. Quando é viva, não tem necessidade de ser lembrada como tradição; é como o ar, que invocamos somente quando se rarefaz ou quando vem a faltar, porque não percebemos sua presença, mas sua ausência. Assim é a Tradição. È mais nomeada quando é mais ameaçada. É precisamente o nosso caso e o nosso tempo. No trabalho estamos entendendo Tradição não como culto ao passado, ou a nostalgia de um tempo que não existe mais. De acordo como Veneziani (2005), é insensato referir-se ativamente a uma tradição que não seja viva, pois sem vida não há tradição, ainda que a Tradição não se esgote na dimensão da vida. Veneziani, porém, não será o único interlocutor, fizemos uso de outras referências úteis para a nossa análise. É importante, ainda, esclarecer que o objeto de estudo, aqui definido, não é a discussão teórica sobre a “Tradição”, e que a ênfase deste trabalho é na pesquisa empírica em comunidades tradicionais e não no debate teórico. � � �� Para tanto, inicialmente, abordamos o processo de construção do lugar faxinalense, tomando como ponto de partida os anos finais do século XIX e os primeiros anos do séc. XX, período em que, segundo Chang (1988), acontece a consolidação do sistema faxinal no Paraná. A consolidação se dá, segundo a mesma autora, com a vinda dos imigrantes europeus à região. Fazemos um retorno ao início do século XIX quando a maior preocupação da província paranaense era povoar o seu território a fim de assegurá-lo política e administrativamente, trazer mão-de-obra para desbravar as matas, desenvolver a agricultura de alimentos, além de buscar colonos para a construção de ferrovias e rodovias. Na sequência, tratamos das transformações pelas quais passaram as comunidades estudadas, a partir dos anos 1970, quando aconteceu a modernização da agricultura no Brasil e no Paraná. Nesta parte, serão abordadas as formas de incorporação dos novos sistemas de objetos e ações nas comunidades faxinalenses enfatizando a integração dos faxinalenses à indústria do fumo. A busca pelo entendimento dos novos significados e papéis que estas comunidades alcançaram neste século passa necessariamente pelo estudo das modificações que o sistema técnico utilizado pelos faxinalenses sofreu. Assim, busca-se apreender como, e em que momentos, os faxinalenses se valem da tradição e se os elementos tradicionais mantêm a centralidade (ou não) em suas condutas diárias. Entendemos que a cultura e a vida local dessas comunidades não se encontram subordinadas às intervenções culturais estrangeiras (ucranianos e poloneses). Estas são concebidas como flexíveis e adaptáveis às novidades que a sociedade contemporânea e a modernidade possam trazer e, assim o Lugar engloba novos significados, fatos, imagens de outras culturas sem perder o seu caráter local e suas características essenciais que o diferenciam das demais comunidades rurais. A mediação do tradicional (todo conhecimento ou prática proveniente da transmissão oral ou de hábitos acostumados, transmitidos no lugar, nas comunidades) e do contemporâneo (o que vem da sociedade atual, de um espaço mais amplo, global), possibilita tomarmos o lugar e o mundo em sua unidade. O moderno expresso pelo novo que chega até a comunidade não pode ser tomado apenas sob o ponto de vista negativo, como desarticulador de antigas formas e funções sociais, que em um processo linear destrói o tradicional, substituindo-o pelo moderno. Adicionalmente, a expansão do sistema de informação e comunicação entre os lugares e por conseqüência com o mundo permite trazer à luz novas formas de sociabilidade, � � �� articuladas em função do processo contemporâneo de revalorização das paisagens, da cultura, das práticas humanas ditas tradicionais. Esse movimento, ao invés de contrapor o tradicional ao moderno, o natural ao artificial, o lugar ao mundo, impulsiona a reestruturação das relações do lugar com o mundo. Tomando como referência empírica as comunidades faxinalenses dos municípios de Prudentópolis e Rio Azul localizados na região centro-sul paranaense, busca-se evidenciar os elementos de permanência que possam evidenciar o “mundo tradicional” (LÖWËN SAHR, 2008) e as redefinições sócio-espaciais no lugar, desencadeadas pela incorporação de elementos modernos, externos às comunidades faxinalenses. Esta tese compõe-se de cinco partes. Na primeira parte, relatamos todo o trajeto realizado até chegar à temática proposta. Na segunda parte, abordamos o contexto local e regional das comunidades analisadas, descrevendo o processo de povoamento da província do Paraná e a política de colonização de suas terras, por imigrantes europeus. Nesta ainda, falamos da interação e do intercambio sócio-cultural entre os colonos e caboclos. Na terceira parte, enfocamos a construção do lugar nos primeiros tempos e a criação das comunidades faxinalenses. Na quarta parte, são analisados os aspectos da dinâmica socioeconômica e cultural das comunidades faxinalenses da atualidade, enfatizando os elementos tradicionais que fazem parte da história dos faxinalenses e representam uma instância singular e os elementos modernos incorporados pelas comunidades da sociedade. Na quinta e última parte, desenvolvemos as considerações finais. � � �� � �������� � ��� ��� ���� ������ ���� �������� � � �� CAPÍTULO 1 - Construção da situação problema e objeto de estudo: o trajeto até a temática O trajeto percorrido para chegar à temática desenvolvida foi deveras longo. Entre muitas dúvidas e dificuldades na escolha do melhor caminho teórico-metodológico, o tempo parecia passar muito rápido e o projeto da tese parecia andar a passos muito lentos. Se fossem somados os dias necessários para definir o caminho que seria percorrido, certamente não acreditaríamos na extensão de tempo transcorrido. Passado esse tempo, nos encorajamos a enfrentar o desafio de estudar as comunidades faxinalenses. O conceito de comunidade utilizado nesta pesquisa compreende um grupo humano que reside em uma mesma localidade territorialmente limitada, em que várias famílias e indivíduos interagem entre si, possibilitando a manutenção de instituições coletivas, como é, por exemplo, a preservação do criadouro comunitário (através da união de forças das famílias da comunidade), a igreja, as associações, entre outras. Entende-se que a comunidade é a estrutura fundamental da sociabilidade faxinalense e consiste no agrupamento de famílias mais ou menos vinculadas pelo sentimento de localidade, pela convivência, pelas práticas de auxílio mútuo e pelas atividades lúdico-religiosas. Há muitas obrigações morais firmadas entre as famílias e uma série de propriedades rurais interligadas, por laços de parentesco, compadrio, amizade, formando um grupo social definido, conhecido como comunidade faxinalense. “Além de designar um agregado humano, “comunidade” também se refere a um processo de interação social que dá origem a atitudes e práticas de colaboração, cooperação e uniformização” (DURHAM, 2004, p. 224). De início pensamos em outros caminhos empíricos e teóricos, aos quais chegamos a percorrer por alguns meses, mas retornamos refazendo os trajetos, refletindo, observando, dialogando com estudiosos do assunto e com pessoas comuns, em especial com moradores de comunidades faxinalenses. E foi neste retorno que o encontro com a problemática do trabalho e a decisão de enfrentar os desafios e as dificuldades aconteceu, certos de que a compreensão está entre caminhos cheios de encruzilhadas. Foi nestas circunstâncias que o interesse em investigar o sistema faxinal brotou, com a clareza de que enfrentaríamos inúmeros obstáculos e que, o amadurecimento da opção trilhada viria em meio às dificuldades. Foi assim que aconteceu a construção da pesquisa que apresentamos, passa a passo. Depois do Estado da Arte, tomamos como referência empírica as formas contemporâneas de (re) produção e apropriação dos faxinais dos municípios de Prudentópolis e Rio Azul localizados na região centro-sul paranaense. Esta breve investigação pôs em � � evidência algumas mudanças e redefinições sócio-espaciais que ocorreram nas comunidades faxinalenses de Anta Gorda e Taquari dos Ribeiros. Em estudos iniciais sobre essas comunidades observamos que elas se (re) produziam, articuladas ao processo contemporâneo de vida e de trabalho, sem deixar de lado as práticas tradicionais herdadas de seus antepassados. Constatamos também que, com os recentes contatos das comunidades faxinalenses com o poder público estatal - escolas, universidades, ONGs, etc. - estas revelavam uma dinâmica que mantém parcialmente a herança de seus antepassados e de forma crescente estabelece vínculos com a modernidade, modificando suas práticas. É oportuno dizer que na medida em que o lugar se articula com outros, modifica a sua composição e o seu conteúdo. Seguindo com essa prévia e breve investigação, elaboramos um histórico com base nas informações que levantamos sobre as comunidades faxinalenses, em geral. A abordagem desse histórico revelou os novos contornos, dinâmicas e novas territorialidades presentes nestas comunidades, sendo resultantes do envolvimento e dos contatos com outros faxinais, universidades, instituições estatais ligadas ao meio rural, ONGs dentre outros. Em 1997 os faxinais paranaenses tornaram-se via Decreto Estadual 3.446/1997 Áreas Especiais de Uso Regulamentado – ARESUR2; Em 2004 foi criada a Rede Faxinal, que no mesmo ano organizou o 1º Encontro dos Povos de Faxinais com o objetivo de promover maior articulação e troca de experiências entre as comunidades faxinalenses. Durante o 1º Encontro Nacional de Comunidades Tradicionais, que aconteceu em agosto de 2005, em Brasília, as comunidades de faxinais foram inseridas na Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais. O Encontro, além de outras conquistas, resultou, em 2006, no reconhecimento dos faxinalenses pelo governo federal como comunidades tradicionais. A intervenção promovida nos faxinais pelos governos federal e estadual, ONGs, universidades, foi um dos vetores de valorização das relações sociais e práticas mantidas pelas comunidades faxinalenses, além de estimular a organização em forma de associações e maior articulação entre faxinalenses de todo o Estado do Paraná. A articulação entre essas comunidades resultou no movimento dos faxinalenses de toda a região centro-sul, chamado de ���������������������������������������� �������� � Os municípios que possuem Faxinais tem o direito de receber, pela Lei do ICMS Ecológico (Lei Complementar n. 59/1991), um maior percentual na distribuição dos recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que são repassados pelo Estado. Atualmente, 20 dos 44 Faxinais remanescentes encontram-se cadastrados como ARESUR e recebem recursos do ICMS Ecológico. (LÖWEN SAHR, 2009).� � � � Articulação-Puxirão3. Em 2008 aconteceu também o reconhecimento dos faxinalenses como povos tradicionais pelo Estado do Paraná. Deparamo-nos, durante este caminho exploratório, com a existência de relações sociais, atividades culturais historicamente representativas da cultura tradicional faxinalense e, adiante aquelas produzidas contemporaneamente (as chácaras de fins de semana ou de férias, o estabelecimento de novos moradores, as mudanças nas atividades agrícolas, enfim a reestruturação social, cultural e econômica das famílias faxinalenses), em que ocorre a produção de novas subjetividades relacionadas ao descanso, às férias e ao culto da natureza e à introdução de objetos modernos4 no cotidiano das famílias. São subjetividades que não faziam parte do cotidiano faxinalense, até mais ou menos a década de 1990. As “exigências” colocadas aos grupos pela legislação ambiental, em especial a partir da transformação pelo Decreto Estadual N.º 3.446/97, das comunidades faxinalenses remanescentes, em Áreas Especiais de Uso Regulamentado (ARESUR), alteraram alguns hábitos rotineiros. Isso pode ser observado via novos objetos materiais comprados para a construção das casas, ou parte delas, provenientes não mais das matas, mas da indústria (compensados, vidros, plásticos dentre outros produtos industriais). A não utilização da madeira da floresta está expressa nas mobílias que encontramos na maioria das casas, a maior parte feita com produtos advindos da indústria que são pouco duráveis, mas “bonitos” segundo as falas das senhoras faxinalenses. A mobília das casas denuncia o uso do “material” industrializado e o relativo “abandono” da utilização, para estes fins, da madeira extraída da floresta nativa. Ao caminharmos pelas comunidades observamos os novos “adereços” utilizados pelos faxinalenses nas casas, o vestuário principalmente dos jovens e adolescentes5 que pouco difere do jovem morador da cidade, atividades agrícolas que sofreram alterações com o aumento expressivo do uso de produtos químicos nas lavouras e tantas outras mudanças ocorridas nas comunidades. ���������������������������������������� �������� 3 Puxirão tem o mesmo significado de mutirão. O termo mutirão é o nome dado às mobilizações coletivas para lograr um fim, baseando-se na ajuda mútua prestada gratuitamente. É uma expressão usada originalmente para o trabalho no campo ou especificamente para atividades agropecuárias, em que todos os participantes são beneficiários. Com relação ao movimento citado, este movimento de organização dos faxinalenses criado no ano de 2006, intitulado “Articulação Puxirão dos Povos de Faxinais”, traz como principal reivindicação o acesso a seus direitos territoriais resultantes de sua identidade étnica. “Os antecedentes dessa criação encontram-se na Rede Faxinal – constituída pelo poder público, organizações não-governamentais e faxinalenses – criada em 2004, que proporcionou o I Encontro de Povos de Faxinais em agosto de 2005, e que teve sua seqüência em agosto de 2007, com seu II Encontro”. (LÖWEN SAHR, 2008, p. 220). 4 O termo moderno é utilizado para algo que é novo, pertence a uma época relativamente recente. 5 Em relação aos jovens faxinalenses, as escolhas de imagens e signos “modernos”, parece que ajudam a negar a imagem do jovem rural atrasado e do rural como espaço do atraso. � � Assim, se pressupõe que estes novos eventos envolvendo os faxinais implicam em novas formas de espacialização das práticas sociais na contemporaneidade, por meio das quais novas formas de sociabilidade, mais híbridas e menos “fechadas” começam a se fazer presentes. Entretanto, decidimos trabalhar com a hipótese que, nestas comunidades, os “velhos” sistemas convivem com os novos sistemas de objetos e ações. Os movimentos entre o velho e o novo impulsionam a relação desse lugar com o mundo. Entende-se que a identidade do lugar não é a cristalização do passado (VENEZIANNI, 2005), ela é constantemente recriada internamente e, em sua interconexão com o mundo, com outros lugares. Afinal, se um lugar é sempre dito em relação a outros, e se é produto das relações e demandas sociais que fazem as interconexões entre o mundo e o lugar, então, o “novo” lugar representa esta identidade híbrida da sociedade contemporânea, para a qual a partilha do lugar entre objetos e elementos de origem diversa, tradicionais e modernos tem papel fundamental. Embora isso possa ser entendido como um desafio para a integração sociocultural da população faxinalense, não podemos negar os ganhos sociais, econômicos e políticos que as populações ditas tradicionais alcançaram na contemporaneidade. Até mesmo os termos pejorativamente utilizados para caracterizar essas populações, como conservadoras, ultrapassadas, antigas, velhas, residuais entre outros, perderam poder explicativo e de adjetivação do modo de vida das comunidades tradicionais. Diante deste cenário, em que o tradicional e o moderno impulsionam e estendem as relações destes lugares com outros, é que nos propomos a encontrar as respostas às nossas questões. 1.1. A problemática da tese As questões centrais, norteadoras da tese levam a discutir em que medida os faxinalenses, reconhecidos como povos tradicionais, se (re) produzem, no mundo contemporâneo, ligados à tradição. Serão, ou não, os elementos tradicionais os que definem o lugar dos faxinalenses na contemporaneidade? A busca da resposta a essas interrogações constitui o foco da pesquisa. A escolha do conceito de lugar partiu do entendimento de que este permite análises mais localizadas, no tempo e no espaço. Essas análises podem proporcionar respostas mais claras, pois o conceito de lugar representa a dimensão do espaço mais próximo tanto para o indivíduo quanto para a coletividade. De acordo com Silva (2007), o lugar é experienciado por uma população local, embora envolto por uma trama, progressivamente, regional, � � � nacional e global. Partimos do lugar/local, analisando as particularidades históricas do mesmo e os efeitos da modernidade sobre ele. “É pelo lugar que revemos o mundo e ajustamos nossa interpretação, pois nele, o recôndito, o permanente, o real triunfam, afinal, sobre o movimento, o passageiro, o imposto de fora” (SANTOS 2008a, p. 33). Para o trabalho empírico, escolhemos as comunidades do Faxinal Anta Gorda e Faxinal Taquari dos Ribeiros, de municípios diferentes em razão de algumas especificidades observadas no início do projeto de pesquisa, que são: estilo arquitetônico das casas, tipo de cultivo agrícola predominante e descendência étnica dos moradores, constituindo, no nosso entendimento, um material rico para o estudo em questão. O faxinal Anta Gorda é uma comunidade que nos é familiar6, dados os contatos que fizemos quando cursávamos o mestrado entre os anos de 1999 e 2000 e elaborávamos a dissertação que abordou o plantio do fumo pelos agricultores ucraíno-brasileiros em Prudentópolis. Neste e, em vários outros contatos, desenvolvemos uma observação mais detalhada da realidade faxinalense desvendando “novos” e “velhos” elementos que a compunham. A escolha do Faxinal Taquari dos Ribeiros se deve principalmente à prévia observação, da presença intensa da plantação de fumo via vínculos contratuais com as indústrias fumageiras. Nesta comunidade buscamos compreender como as novas formas e relações de produção, geradas pelo elo entre os faxinalenses e a indústria, contribuem para mudar as relações da atividade econômica tradicional e o cotidiano das famílias desta comunidade. Neste contexto, buscamos compreender como se dá a organização social dessas comunidades denominadas tradicionais no período atual, com o objetivo de mostrar como o processo de modernização incorpora e é incorporado diferentemente em e por cada lugar. O caminho tomado deverá refutar ou confirmar a hipótese de que, em cada comunidade faxinalense, se manifesta a complexidade do mundo atual, onde em menor ou maior grau ocorre a convivência da tradição e da modernidade. ���������������������������������������� �������� 6 Durante grande parte da minha vida estive em contato direto com a comunidade faxinalense de Anta Gorda, pois meus avôs maternos são faxinalenses, descendentes de pai e mãe vindos da Ucrânia nos anos de 1890. Foram mais de 20 anos de convivência com este modo de vida que me levaram a voltar a esta terra e a partir dos relatos dos moradores, registrar a história de uma comunidade que é o meu lugar. Este que marcou a minha infância a tal ponto que quando lembro, ouço o tilintar dos sinos presos aos pescoços dos cavalos que pastavam em meio as matas e sinto o cheiro do faxinal.O meu contato com o espaço rural vem de longa data e está ligado à vivência neste meio, na condição de neta de faxinalenses e como moradora e agricultora durante aproximadamente 18 anos de minha permanência no campo. Após este período, os contatos se mantiveram, porém de forma indireta, já que deixei de ser membro ativo da família de pequenos agricultores que éramos. Sou, também, participante do processo de migração temporária de jovens rurais para a cidade, da década de 1980, pois íamos trabalhar e estudar e retornávamos nas férias, época de maior necessidade de força de trabalho na agricultura. � � � � 1.2. A Construção metodológica: breves considerações Para entender as especificidades do modo de vida nas comunidades faxinalenses, foi realizada uma integração de instrumentos de pesquisa: questionários, depoimentos de histórias da comunidade por membros mais idosos, diários de campo e conversas informais por ocasião da aplicação dos questionários às famílias. O método de trabalho de campo consistiu em fazer uma etnografia, a descrição de um povo e seu modo de vida específico em relação ao meio em que vive, com a pretensão de abarcar as dimensões da vida do grupo como organização familiar, divisão do trabalho, dos costumes, da produção de bens, da religião e do lazer. Para compreendermos melhor esta população, nos embasamos em Bernardi (1974) que destaca os fatores essenciais da cultura, o homem na sua realidade individual e pessoal, o que o autor denomina o anthropos; comunidade ou povo entendido como associação estruturada de indivíduos chamada de ethos; o ambiente natural e cósmico dentro do qual o homem se encontra a atuar, o oikos; o tempo, condição ao longo do qual, em continuidade de sucessão, se desenvolve a atividade humana, o chronos. O autor ainda acrescenta que um fator por si só não constitui a cultura, mas a ação dos quatro fatores é uma constante no processo cultural. Cada ação do indivíduo único estaria destinada a perder-se ou apagar-se se não fosse apropriada pela coletividade, articulada num conjunto orgânico e transmitida como parte do patrimônio comum. Considerando esses fatores foi possível analisar e rever estratégias de vida que cobriram várias décadas. Isso permitiu entender melhor as mudanças no uso e ocupação do espaço das comunidades em tempos recentes. a) O trabalho de campo O trabalho de campo, para Herkovits (1963), consiste em ir ao povo que se quer estudar, conhecer, ouvir as conversas, visitar os lares, assistir aos ritos, observar o comportamento habitual, perguntar sobre as tradições para obter, mediante o conhecimento direto dos modos de vida, uma visão de conjunto da cultura. Os dados obtidos lançarão luz sobre os problemas essenciais da natureza e funcionamento da cultura e do comportamento social humano. Somente uma ampla base de dados descritivos será capaz de fornecer a primazia da cultura na modelagem da conduta. Ir a campo significou, no contexto da presente pesquisa, perder parcialmente a condição de quem vê de fora a vida cotidiana dos faxinalenses. Significou, de certa forma, “adentrar” o universo de significados dos sujeitos. Os contatos com os faxinalenses se deram � � � em suas residências, locais de trabalho ou de vivências coletivas como a escola ou a igreja. Um trabalho lento, demorado, porém, intenso, já que a proposta era investir no trabalho empírico e este teria um lugar proeminente na pesquisa. Evidentemente que as conversas, as entrevistas e os questionários realizados, não recuperaram a memória dos fatos “exatamente” como eles aconteceram, mas fornecem uma reconstrução/invenção do passado carregado de subjetividades. E são estas subjetividades o maior potencial dos relatos orais, pois permitem entender valores, representações e práticas que orientaram as trajetórias dos faxinalenses. A pesquisa de campo foi realizada com base em duas metodologias. No Faxinal Anta Gorda a pesquisa de campo foi individual. Percorri a comunidade toda dialogando com as famílias, durante o ano de 2007 e início de 2008. No início de 2008, quando me preparava para iniciar a pesquisa no Faxinal Taquari dos Ribeiros, fui convidada a desenvolver a minha pesquisa juntamente a um grupo participante da Rede Faxinal Pesquisa sob coordenação da professora Dra Cicilian Luíza Löwen Sahr da Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG. A experiência de trabalhar com um grupo de pesquisadores de diferentes áreas da ciência foi de alto valor para o trabalho desenvolvido. b) Questionários Os questionários foram utilizados como instrumentos de coleta de dados quantitativos e qualitativos. Foram realizados com base num roteiro previamente preparado, porém a sua aplicação transcorreu como uma "conversa", em que os entrevistados também expunham livremente suas idéias, embora sutilmente conduzidos, com base no roteiro, de forma a não fugir do tema. Os entrevistados foram verdadeiros colaboradores, falaram com ânimo de suas vidas e das transformações ocorridas na sua comunidade. A técnica foi utilizada com vistas a atingir o maior número de famílias faxinalenses e, para melhor caracterizar quantitativa e qualitativamente o sistema faxinal das comunidades, objetos deste trabalho. Na comunidade de Taquari dos Ribeiros foram aplicados 81 questionários, cobrindo o total de famílias residentes. No Faxinal Anta Gorda foram aplicados 41 questionários, cobrindo o total de famílias moradoras na comunidade. Os depoimentos coletados com as pessoas mais idosas de ambas as comunidades, somaram um total aproximado de 21, sendo 09 no Faxinal Anta Anta Gorda e 12 depoimentos no Faxinal Taquari dos Ribeiros. Na comunidade Taquari dos Ribeiros, a coleta dos depoimentos foi realizada em uma reunião realizada pela Rede Faxinal Pesquisa, na escola da comunidade. A reunião teve como objetivo levantar dados sobre a memória da comunidade e para tanto foi dada preferência para os depoimentos de moradores � � � mais antigos. No Faxinal Anta Gorda, os informantes foram moradores que possuíam mais de 70 anos de idade. c) Análise documental Compreender as relações que se estabelecem entre os moradores e um lugar requer, necessariamente, a compreensão do lugar, da sua história e das motivações importantes para a sua transformação. Nesse sentido, a análise de documentos históricos e os mais recentes foi de fundamental importância. d) Fotografias As imagens obtidas através de fotografias possuem um caráter ilustrativo e auxiliam na interpretação dos dados, pois podem revelar aquilo que as palavras não podem representar de modo suficiente. Entretanto, a fotografia é um meio que o pesquisador encontra de registrar, de guardar somente o que para ele “vale a pena”, o que ele quer que fique. Martins (2008, p.43) diz que a “fotografia diz menos do que o acontecido”. Embora tenha me empenhado em fotografar as pessoas “como elas são”, como viviam, percebi que este não era o desejo delas, isso aconteceu repetidas vezes no faxinal Anta Gorda, quando durante as minhas pesquisas de campo, perguntava aos entrevistados se me autorizavam a tirar uma foto deles, estes imediatamente respondiam que sim, mas que em primeiro lugar teriam que colocar uma roupa mais apresentável, mais bonita, para serem fotografados. Depois entendi que o que estes desejavam era ter fotos nas quais olhassem a sua imagem bonita e não na situação que o pesquisador desejava. Afinal, a foto é um registro de um momento que fica para ser lembrado e guardado, admirado, apreciado e por isso os faxinalenses não queriam que os apresentasse como eles acham que não são, conforme lembra Martins (2008). Uma das entrevistadas disse: “Eu quero tirar uma foto pra lembrança, mas vou tirar esta roupa de serviço, pentear o cabelo, calçar os sapatos para a foto ficar bonita7” 1.3. A Estruturação do Trabalho Estruturamos o trabalho em 5 partes. Na primeira, relatamos os passos que seguimos para o desenvolvimento do trabalho. Na segunda, buscamos traçar alguns aspectos do povoamento e ocupação da região de matas do interior do Paraná Tradicional, não com o objetivo de reconstituir a história completa sobre a colonização e povoamento do Paraná, mas ���������������������������������������� �������� 7 Entrevista realizada com Dona N. K. (68 anos), moradora do Faxinal Anta Gorda.� � � � para mostrar o contexto em que se inserem as comunidades faxinalenses. Para tanto, traçamos brevemente alguns elementos do processo de colonização do Paraná com o intuito de localizar e contextualizar o objeto e o espaço em estudo. Isso, porque entendemos ser necessário fazê- lo, vislumbrando uma análise processual, mais localizada enfatizando a construção do sistema faxinal. Neste também buscamos retratar, via memória oral dos faxinalenses e com base nos escritos da/sobre a época, os processos de estruturação sócio-espacial dos faxinalenses. Fizemos uma periodização de processos gerais atuantes na região dos faxinais, em uma sucessão de quadros particulares que revelam o espaço local em sua dinâmica histórica. Na terceira parte, abordamos o lugar das comunidades faxinalenses, revelando os elementos fundantes de sua formação sócio-espacial. Descendente de uma mistura de povos: europeus, indígenas e caboclos, a população faxinalense distingue-se culturalmente por ter se fixado e construído um lugar que apresenta uma sociabilidade ímpar, repassada de geração em geração. A preocupação com a descrição da organização sócio-espacial das comunidades faxinalenses dá-se em face da tentativa de deixar bem clara a estruturação das mesmas, no sentido de permitir o entendimento das mudanças que foram acontecendo, desde a sua origem até os tempos atuais. Na quarta parte, desenvolvemos a análise das comunidades faxinalenses hoje. Nestes capítulos enveredamos para o lado mais empírico do trabalho, sendo nossa preocupação enfocar o sistema faxinal na atualidade, retratando as principais mudanças ocorridas nas comunidades, enfatizando como a incorporação de novos objetos técnicos que tende a fragmentar, a individualizar, processos e relações, pode se imbricar com uma dimensão que prima pelo conjunto, pelo trabalho comunitário, como estruturadores do sistema faxinal. A posição que defendemos é a seguinte: a articulação do lugar com o mundo moderno não implica na homogeneização da cultura e no desaparecimento das diferenças dos hábitos, dos costumes das culturas tradicionais, ao contrário, observa-se a presença de uma heterogeneização de produtos, idéias, imagens, possibilidades trazidas pelo aumento do fluxo entre culturas. Tentamos mostrar que a cultura do lugar não poderá ser completamente massificada porque ela recria significados para serem atribuídos a essas “novidades”, que podem ser bem diferentes daqueles dados pela cultura que “exportou” esses elementos. Por exemplo, alguns elementos importados da cultura urbano-industrial pelos faxinalenses não os torna iguais aos citadinos. Na quinta e última parte, desenvolvemos as considerações finais abordando as inquietações que surgiram no decorrer do trabalho de pesquisa e das perspectivas vislumbradas para as comunidades faxinalenses. � � � CAPITULO 2 - As comunidades faxinalenses de Anta Gorda e Taquari dos Ribeiros: áreas objeto da pesquisa A partir dos últimos anos da década de 1980, vários pesquisadores passaram a se dedicar às comunidades faxinalenses que habitavam o centro-sul paranaense. Dentre os autores que descreveram minuciosamente as comunidades faxinalenses e os faxinais no Estado do Paraná sob focos diferenciados, destacam-se na década de 1980, como pioneiro Carvalho (1984) que aborda a origem e as particularidades da comunidade de Faxinal do Rio do Couro no município de Irati. Chang (1985) também faz parte deste pioneirismo nos estudos sobre os faxinais no Estado do Paraná. A autora desenvolveu, naquele ano, seu trabalho de mestrado, tratando do sistema faxinal como forma de organização camponesa no Centro-Sul do Paraná buscando, sobretudo, compreender o processo de desagregação dos faxinais. Em 1988, a mesma autora descreve minuciosamente os faxinais, tratando do histórico da formação dos faxinais no Paraná, destacando a localização geográfica no Paraná, a disposição física, os mecanismos internos de funcionamento e por fim aponta o processo de desagregação dos faxinais paranaenses. Gevard Filho (1986) desenvolve uma análise desta forma comunal e peculiar de exploração da terra, o compáscuo ou faxinal, traçando seu perfil histórico e jurídico. Gubert Filho (1987) realiza um trabalho abordando o Faxinal da Barra dos Andrades, situado no município de Rebouças, sob diversos aspectos, o ecológico, o econômico, social e o político. Na década de 1990, o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social - IPARDES (1994) realiza um trabalho tratando o faxinal como modelo de desenvolvimento auto-sustentado, dimensionando a importância do sistema faxinal do ponto de vista ambiental. Nos anos de 2000, Nerone (2000), em sua tese de doutorado, faz outro estudo de caso no Faxinal Marmeleiro de Baixo no município de Rebouças. O trabalho trata, sobretudo, da origem dos faxinais, destacando o sistema faxinal como herança cultural da forma de ocupação da terra trazida para a região pelos padres jesuítas, as reduções jesuíticas. Souza (2001), tomando o caso do Faxinal Saudade Santa Anita, destaca as fases pelas quais passou o faxinal, destacando os fatores propulsores da desagregação. Marques (2004) realiza um levantamento preliminar sobre o sistema faxinal no Estado do Paraná, apontando as condições em que se encontravam os faxinais no Estado. Löwen Sahr e Igelski (2003) desenvolvem um estudo no Faxinal Sete Saltos de Baixo no município de Ponta Grossa. Löwen Sahr e Cunha (2005), destacam as comunidades faxinalenses como possuidoras de um patrimônio impar e por isso mesmo, tendem ao ressurgimento. Löwen Sahr (2006) vê os faxinais como locais � � � dinâmicos, flexíveis e integrativos. A autora argumenta que a discussão no âmbito do “'Desenvolvimento Sustentável', enfatizando os sistemas de uso integrado, transformou o faxinal, até então desconsiderado pela política de modernização, em um sistema agroecológico importante na atualidade. Löwen Sahr (2007) discute os faxinais como um sistema complexo de produção e vivência, dinâmicos, flexíveis e integrativos, por terem passado, no percurso de mais de 300 anos, por diferentes fases e modificações do sistema social e econômico hegemônico, salienta a autora. Barbosa (2007) busca entender as relações do território e suas recorrentes territorialidades estabelecidas pelos membros da comunidade Faxinal Taquari dos Ribeiros no município de Rio Azul. Em 2007, foi criado o laboratório de história e cultura dos faxinais vinculado ao Departamento de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná, Campus de Irati. Um espaço destinado a arquivar trabalhos produzidos por acadêmicos e professores que pesquisam os faxinais da Região Sul do Paraná. O laboratório abriga fontes iconográficas, escritas e orais uma vez que os pesquisadores vinculados privilegiam metodologicamente a história da leitura e a história oral. Seu maior objetivo é funcionar como um local de encontros, discussões e trocas de experiências que possibilitem a produção do conhecimento historiográfico sobre os povos tradicionais, especialmente, os faxinalenses. Löwen Sahr (2008) aborda a forma de inserção das populações tradicionais no espaço social brasileiro. Para tanto, a autora se apóia nas reflexões teóricas propostas por Tönnies, Weber e Giddens sobre a relação entre comunidade e sociedade. Ferreira (2008), em seu trabalho, avalia o turismo comunitário como meio de contribuir para a conservação cultural e melhoria da qualidade de vida dos povos tradicionais, bem como para a manutenção da biodiversidade de seus territórios. A autora utilizou como referência os povos e terras de faxinais das comunidades dos Faxinais Lageado de Baixo, no município de Mallet, e Lageado dos Mello, no município de Rio Azul. Barreto (2008), em seus trabalhos discute a lógica camponesa e a lógica capitalista na extração da erva-mate nas comunidades de faxinais do Centro-Sul do Paraná. Tavares (2008) desenvolveu sua tese de doutoramento abordando o campesinato e os faxinais do Paraná, tendo com objetivo a interpretação da trajetória histórica dessa fração do campesinato e seu território. Löwen Sahr e Sahr (2009) publicam Territórios – faxinais – espaços: a problemática espaço/território na formação social brasileira. Há, sem dúvida, um número muito maior de trabalhos e de pesquisadores que desenvolveram importantes problemáticas envolvendo os faxinais no Paraná, mas devido às limitações do tempo acabamos nos desencontrando. � � � Foi a partir da década de 1990 que os estudos sobre os faxinais começam a ganhar força resultando em uma projeção maior destas comunidades rurais no âmbito do Paraná e Brasil. A organização social neles presente, reproduzida por uma expressiva parcela de famílias, despertou o interesse dos pesquisadores e professores de instituições educacionais e de pesquisa, e organizações não governamentais, a tal ponto que os anos de 2000 acabaram sendo marcados pela crescente quantidade de importantes estudos acadêmicos que tomaram por objeto a realidade dos faxinais do Estado do Paraná. Para compreender o sistema faxinal, vários autores dedicaram-se a investigá-los a partir de diferentes abordagens nos diversos municípios, em especial, naqueles onde ainda podem ser encontradas comunidades faxinalenses remanescentes, que mantêm parcialmente as características originais. Neste capítulo, buscamos caracterizar os locais da nossa investigação: Faxinal Taquari dos Ribeiros e Faxinal Anta Gorda. Estas duas comunidades, eleitas para realização da pesquisa de campo, foram fundamentais para o desvendamento de várias questões que se colocavam em relação à estes grupos humanos e, importante para o debate sobre a diversidade sócio-cultural, em um momento onde se discute com afinco o processo de homogeneização cultural, no mundo todo. Acreditamos que, nada mais certo para verificar essa diversidade cultural e sair de uma discussão abstrata de homogeneidade cultural, é estudar os casos reais que permitem a observação e a compreensão “in loco”. É verdade que as comunidades são lugares, vinculados a culturas próprias, com tradições, costumes, espaços geográficos delimitados onde os faxinalenses têm contatos (simples e autênticos) pessoais e diários e, parte de suas tarefas estão atreladas às rotinas, práticas e atitudes marcadas pelo tempo, o que confere a seus moradores status de comunidades tradicionais. Porém, ao contrário do que se pensa, as culturas locais dividem espaço com alguns elementos da cultura global, ocorrendo um entrelaçamento entre saberes tradicionais e modernos. 2.1 Taquari dos Ribeiros: características gerais O Faxinal Taquari dos Ribeiros localiza-se na área rural do município de Rio Azul, este que se localiza no Segundo Planalto Paranaense, mantendo limites com os municípios de Cruz Machado, Inácio Martins, Irati, Mallet, Rebouças e São Mateus do Sul. A população estimada para 2008 era de 13.702 habitantes (IBGE, 2000). De acordo com o Censo demográfico do IBGE (2000) a população urbana era de 4.334 habitantes e a população rural � � �� com 8.689 habitantes. Com relação à comunidade de Taquari dos Ribeiros, a área total compreendendo o criadouro e as terras de plantação, é de 234, 84 hectares. Esta comunidade está localizada a mais ou menos 20 quilômetros da área urbana do município (Figura 01). Com base em informações colhidas durante as pesquisas de campo, esta comunidade foi criada no ano de 1900. Seus primeiros moradores foram: Antonio José Ribeiro, Clemente Maurício dos Santos e José dos Santos (BARBOSA, 2007). A origem do nome Taquari está vinculada aos marcantes aspectos da vegetação da área, sobretudo pela presença de taquaras. Taquari (taquaras), somado ao nome de um dos pioneiros, Antonio José Ribeiro, deu origem ao segundo nome do Faxinal, Taquari dos Ribeiros. Barbosa (2007) assinala que, inicialmente, este faxinal mantinha as características genuínas, porém, ao longo dos anos, entretanto, a comunidade foi se distanciando em alguns aspectos daquelas características encontradas em sua gênese. Essas características são refletidas, sobretudo, pela mudança no modo de produção e nas atividades culturais tradicionais (BARBOSA, 2007, p.39). O território do Criadouro Taquari é servido por três principais cursos de água que complementam a paisagem visual: Rio Cachoeira, Rio Taquari e o Arroio do Boles. Há uma via de acesso – estrada principal – que liga a comunidade ao centro urbano de Taquari e aos municípios limítrofes. Neste criadouro as características naturais se mantém relativamente preservadas, fato que pode ser atribuído à lei de proteção ambiental mais rigorosa aplicada às comunidades faxinalenses que se cadastraram como ARESUR (Áreas Especiais de Uso Regulamentado), que é caso do faxinal em questão e, à tradição de manter, quando possível, parte do legado deixado pelos seus antepassados. A morfologia do relevo também chama a atenção (Figuras 02 e 04). As formas do relevo em áreas de plantar também são bastante planas, fator que favorece a expansão da mecanização agrícola nesta comunidade. A ocupação do território do criadouro é bem distribuída, ali estão estabelecidas 85 residências (Figuras 03 e 05), onde residem um total de 120 famílias, totalizando 350 faxinalenses. As famílias moram em casas próprias, com exceção dos agregados e pessoas sem terra que vivem em casas cedidas pelas famílias com as quais trabalham. A força produtiva do faxinal Taquari dos Ribeiros é hoje amparada pela cultura do fumo. A fumicultura é a principal atividade e a principal fonte de renda dos faxinalenses, o que não quer dizer que estes deixaram de produzir outros cultivares como milho, feijão, mandioca, ba- � � � F ig ur a 01 – M ap a de lo ca li za çã o do f ax in al T aq ua ri d os R ib ei ro s em R io A zu l – P R Fo nt e: B A R B O SA , 2 00 7. � � �� Figura 02 - Vista da vegetação mista, no Faxinal Taquari dos Ribeiros. Fonte: Rede Faxinal Pesquisa, 2008 tata, cebola, alho, etc. A adesão de aproximadamente 95% dos destas famílias à cultura do fumo indica que esta se apresenta como mais atrativa do ponto de vista econômico, pois é realizada via contratos com indústrias do fumo, as quais garantem a compra da matéria-prima (fumo). Ao alterar as suas formas de produção e de trabalho, a partir da integração à indústria do fumo, os faxinalenses convivem com novas dinâmicas e rotinas de trabalho. O Faxinal Taquari dos Ribeiros tem presença forte da religiosidade, pois encontramos na comunidade duas instituições religiosas: A igreja São Sebastião de culto católico e a igreja Pentecostal Assembléia de Deus. Em número de fiéis, 80% dos faxinalenses são católicos e 20% evangélicos (BARBOSA, 2007). � � �� Fi gu ra 0 3 - M ap a da d is tr ib ui çã o da s re si dê nc ia s n o Fa xi na l T aq ua ri d os R ib ei ro s. Fo nt e: B A R B O SA , 2 00 7. � � �� Figura 04 – Morfologia do relevo das terras de plantar da comunidade de Taquari dos Ribeiros. Fonte: Rede Faxinal de Pesquisa, 2007. Figura 05: Classificação do Uso e Cobertura do Solo do Faxinal Taquari dos Ribeiro, Rio Azul – PR. Fonte: Gomes; Ribeiro 2008 apud PEREIRA, T. K. et al 2009. � � �� Nesta, observamos melhor o processo de miscigenação, pois encontramos pessoas com traços europeus e caboclos. (Figuras 06 e 07). Figura 06 - Traços europeus dos moradores da comunidade de Taquari dos Ribeiros Fonte: Rede Faxinal de Pesquisa, 2008. Figura 07 - Traços caboclos dos moradores da comunidade de Taquari dos Ribeiros, 2008 Fonte: Rede Faxinal Pesquisa, 2008. � � �� 2.2 Faxinal Anta Gorda: características gerais A comunidade do Faxinal Anta Gorda (Figura 08) localiza-se na zona rural do município de Prudentópolis (Figura 09), este que limita com os municípios de Candido de Abreu, Imbituva, Irati, Ivaí, Guamiranga, Guarapuava e Turvo, no segundo planalto paranaense. Sua população total era de 48.708 habitanes, segundo a contagem do IBGE (2007). Os dados censitários do IBGE(2000), registram uma população urbana de 18.276 habitantes e a população rural com 28.070 habitantes. A área total da comunidade de Anta Gorda é de 252 hectares. Com relação ao nome da comunidade, os faxinalenses não souberam informar sobre. Alguns arriscavam palpites, falando da possível relação com o principal rio da região e que separa parte do criadouro das terras de plantar. Nesta comunidade vivem 41 famílias somando um total de 139 moradores da comunidade. Figura 08 – Estrada de acesso à Comunidade Faxinalense de Anta Gorda. Fonte: Pesquisa de Campo, 2008. Foto: A autora, 2008. Esta área em alguns aspectos se diferencia do faxinal Taquari dos Ribeiros, principalmente em relação à densidade florestal, ao uso do solo e à descendência dos � � �� faxinalenses. Quanto às edificações do entorno das casas, a maioria das casas e todas as demais edificações são feitos de madeira, ao contrário, do que se verifica no Faxinal Taquari dos Ribeiros, onde as casas, depósitos de mantimentos e ferramentas agrícolas, galinheiro, estábulos, em sua maioria, são de alvenaria. Quanto à expressividade dos rios, nesta comunidade há o Anta Gorda que dentre outras funções, serve de obstáculo ou (“cerca corrente”), ao impedir a passagem de animais do criadouro para as áreas de roças, denominadas Barras8. No interior do criadouro, temos pequenos córregos que deságuam no Rio Anta Gorda. Estes córregos matam a sede dos animais do criadouro e em algumas moradias abastecem os tanques de lavar roupas. Figura 09 - Localização do município de Prudentópolis, PR. Fonte: DYKSTRA, 2007. Os solos ocorrentes no criadouro comum são do tipo hidromórfico gleyzado, podzólico vermelho-amarelo (arg), podzólico vermelho-amarelo e podzólico vermelho amarelo (pp), conforme (Figura 10). ���������������������������������������� �������� 8 Esse termo foi “criado há muito tempo” e os faxinalenses disseram que não tem certeza, do significado, mas pensam que o nome expressa “a dureza de trabalhar na agricultura”, em especial em áreas de relevo íngreme. � � � �� O criadouro comum do Faxinal Paraná Anta Gorda possui amplas áreas de floresta densa (Figura 11) ocupando uma extensa área do faxinal. Além dessas, tem-se as áreas de floresta mais limpa, áreas de vegetação rasteira, áreas de várzea e uma pequena área de terra cultivável. Figura 10 – Mapa de solos do Anta Gorda Fonte: EGGER, 2006. � Figura 11- Mapa de uso da terra no criadouro comunitário do Faxinal Paraná Anta Gorda, Prudentópolis. Org.: EGGER, 2006. Obs.: Os pontos pretos correspondem às residências dos faxinalenses. � � � Nesta comunidade convivem famílias descendentes de ucranianos e poloneses (Figuras 12 e 13). Trata-se de uma comunidade mais homogênea culturalmente. Figura 12 – O casal formado por descendente de imigrantes ucranianos e poloneses. Fonte: Pesquisa de Campo, 2008. Foto: A autora, 2008 Com base nas informações coletadas durante a pesquisa de campo, os caboclos que ali viveram antes do estabelecimento de colonos se dedicavam à extração da erva-mate e da madeira, servindo como mão-de-obra extrativista ou mais tarde passaram a se empregar em serrarias. Para concluir este capítulo, queremos dizer que o que teve peso maior na escolha destas comunidades foram as individualidades diferenciadoras, entre o Faxinal Anta Gorda e Taquari dos Ribeiros. Estes espaços correspondem cada qual a um lugar com individualidades como: aspectos físico-ambientais, localização, tipo de atividade econômica predominante, a língua, o modelo arquitetônico das construções e seu entorno e, por isso de grande riqueza e relevância para uma abordagem sobre o lugar. Lugar, enquanto espaço em que se territorializam os sistemas de objetos e ações, na escala mais próxima à racionalidade faxinalense. � � �� Figura 13 –. Filho de pai e mãe, descendentes de imigrantes ucranianos. Fonte: Pesquisa de Campo, 2008. Foto: A autora, 2008 Entendemos que o lugar é a materialização das relações sociais e espaciais sob a perspectiva do local, ou seja, do mais próximo, embora também se constitua de relações numa escala de tempo e espaço mais amplos, obedecendo à uma racionalidade moderna. Cada lugar se diferencia de outros lugares por apresentar características e um modo próprio de organização. Cada lugar é um lugar diferente, com respostas e operadores distintos, com tempos de respostas e de ação próprios em relação ao conjunto social. Para Santos (1988), a definição do lugar está condicionada a esse conjunto de especificidades e o lugar é considerado tanto como um produto de uma dinâmica que é única, ou seja, resultante de características históricas e culturais intrínsecas ao seu processo de formação, quanto como uma expressão das influencias externas, não-locais. � � � CAPITULO 3 – As noções de Lugar, Tradição e Modernidade que embasam a pesquisa � As bases teóricas que fundamentam o desenvolvimento da temática acompanham toda a estruturação do nosso trabalho, porém, faremos neste capítulo uma apresentação das idéias que representam os principais pilares do estudo. Primeiramente, trata-se da definição de Lugar. Na Geografia, podemos interpretar o Lugar tomando como referência duas distintas abordagens. A primeira no ramo da Geografia Humanista, que valoriza o caráter experiencial e afetivo, pelo qual um grupo humano ou indivíduo estabelece laços de identidade com determinada porção do espaço, pela vivência. A segunda no ramo da Geografia Crítica, que considera o lugar como conceito fundamental para o entendimento das transformações provocadas pelo processo de globalização. Esta abordagem está vinculada a geógrafos da corrente crítica, e neste trabalho daremos destaque à Milton Santos e Ana Fani Carlos. A problemática particular de nossa pesquisa será pensada a partir das contribuições desses importantes nomes da ciência geográfica. Observa-se que, com a aceleração contemporânea, são muitas as análises que têm priorizado temas bastante abrangentes como mundialização ou globalização, modernidade- mundo, dentre outras temáticas que são estudadas visando compreender os fenômenos para além das situações localizadas, que apresentam uma visão macro e questões de significativa amplitude. Não menos interessantes, são os fenômenos que se apresentam em pontos específicos, concretizam-se em localidades específicas, dentre as quais, a cidade, o campo, um bairro, uma comunidade rural. Do lugar é possível entender o mundo com suas variadas dimensões (CARLOS, 2001). É verdade, porém, que nos perguntamos sobre a possibilidade de se apreender o mundo tomando como ponto de partida objetos de estudo situados numa escala menor, cuja força e importância talvez não se façam sentir de imediato, ou cuja, repercussão não atinja outros níveis mais abrangentes, mas com certeza têm sentido em seus devidos contextos. Partimos então, com o conceito de lugar, palavra chave no nosso estudo, por permitir análises mais localizadas, no tempo e no espaço, e proporcionar respostas mais claras, pois é ele que representa a dimensão do espaço mais próxima seja para o indivíduo, seja para a coletividade. O lugar continua sendo experienciado por uma população local, embora como afirma Silva (2007, p. 20), “envolto por uma trama, progressivamente, regional, internacional, global. ��� � Para falar das comunidades faxinalenses como lugar e nos elementos internos e elementos externos que as estruturam, nos apoiamos nos complexos pensamentos de Milton Santos e Ana Fani Carlos. Ao abordar o Lugar, o professor Milton Santos nos coloca uma série de questões e faz pensar como o mesmo modo de produção se reproduz diferentemente em distintos lugares do globo. Essa reprodução acontece de forma desigual, justifica Santos (2008a), porque cada novo objeto, nova ação que chegam ao lugar encontram uma estrutura preexistente, com a qual eles interagem modificando o lugar e sendo modificados por ele. Santos (2008c, p. 54), afirma que: um mesmo elemento, terá impactos diferentes em áreas distintas de um país ou do planeta. Para isso concorrerão a história do lugar, as condições existentes no momento da internalização (quando o que é externo a uma área se torna interno) e o jogo de relações que se estabelecerá entre o que chega e o que preexiste. È esse conjunto de coisas que fará com que um mesmo processo de escala mundial tenha resultados distintos, particulares, segundo os lugares. Como se sabe, “As pessoas vivenciam apenas uma pequena porção do espaço geográfico, que é exatamente o lugar. Ninguém vive na escala do mundo nem na escala da nação ou da região, todos vivemos no lugar” (SENE, 2007, p.136). Entretanto, segundo Santos (2008, p.272), “Cada lugar é, à sua maneira, o mundo.” (SANTOS, 2008a, p.314) “a ordem global busca impor, a todos os lugares, uma única racionalidade. E os lugares respondem ao Mundo segundo os diversos modos de sua própria racionalidade”. Diante disso, impõe-se, ao mesmo tempo, “a necessidade de, revisitando o lugar no mundo atual, encontrar os seus novos significados”. (SANTOS, 2008a, p. 315). Desse modo, não é possível pensar, o chamado processo de globalização como sinônimo de homogeneização, porque, mesmo que o lugar esteja articulado em relações ao todo, as combinações locais são muito diferentes. São, justamente, essas combinações locais somadas com a organização específica do lugar que formam o diferencial e, é isso que torna o lugar único e singular. Evidentemente, é no lugar que as pessoas vivem e interagem verdadeiramente entre si e com a paisagem; é onde ocorrem as relações de cooperação e de conflito, é onde se dão as relações de co-presença. (SENE, 2007, p.165). Essas observações mostram, que no lugar ocorre a união dos homens pela diferença e pela cooperação (SANTOS, 2008), apesar da existência cotidiana de conflitos. ��� � Com base em Santos (2008a) e Carlos (2001), pensamos o Lugar como um conceito híbrido, formado a partir de dentro, mas também de fora. Neste sentido, entendemos que o lugar vai sendo construído também com o que lhe é externo. A lista de forças que agem no lugar é longa, porém, neste trabalho estamos tratando apenas dos elementos internos e externos que agem no lugar, ou seja, as variáveis internas movidas pela tradição, que chamamos de elementos tradicionais e as variáveis externas movidas pelas inovações incorporadas da sociedade, que chamamos de elementos modernos. Com base em Santos (2008c, p. 104), o interno é tudo o que, num momento dado, está já presente num lugar determinado. No interno, as variáveis do lugar têm a mesma dimensão do lugar, as dimensões se superpõem delimitadas pelo lugar. O interno é aquilo que, num momento aparece como local. A escala do lugar confunde-se com sua própria existência... O externo é tudo isso cuja sede é fora do lugar e tem uma escala de ação maior do que o lugar, muito embora incida sobre ele. Tratamos dos elementos internos e externos ao lugar, tomando também por base a definição de Santos (1985, p. 77), que afirma: “externo não é forçosamente exterior, exceto quando a escala de estudo ou da variável é o país tomado como um todo.”. Como no nosso caso, se trata de uma comunidade rural, o externo é dado pela região, pelo Estado, pela Nação, como nos coloca Santos (1985). Em relação ao interno, pode ser definido como “um conjunto de variáveis tais qual estão presentes na área em questão. Aqui se impõe claramente a diferença, já por nós apontada, entre escala do lugar e escala de estudo das variáveis a ele concernente” (SANTOS, 1985, p. 76). Cada lugar, pois se caracteriza por um certo arranjo de variáveis, arranjo espacialmente localizado e, de certa maneira, espacialmente determinado. Esta é uma das formas como os lugares se distinguem uns dos outros. Mas, esses arranjos estão sempre mudando, com ou sem influxo de fatores externos. As combinações localizadas são dinâmicas e se fosse possível conceber um ponto isolado do espaço global, ele continuaria a evoluir e, dentro de algum tempo, não mais seria o mesmo. O interno não é, pois um conceito imutável. (SANTOS, 1985, p. 77). O conceito de interno se equipara, segundo Milton Santos, ao conceito de quadro preexistente, “isto é, de campo para a ação transformadora do homem, que tanto pode ser a natureza “natural” ou considerada como tal, como a natureza transformadora, socializada, mais ou menos tecnicizada.”(Ibid, p.77). É, sobretudo, no espaço transformado, o interno aparece como a internalização do externo ressalta. Santos salienta que: Dentro do modo de produção capitalista, e agora, sobretudo, onde as técnicas são importadas dos países do centro, é rara a transformação que não inclui ��� � um fator exógeno, seja demográfico, social, econômico, ideológico, político ou meramente técnico. Assim, uma fração da população, das atividades, do capital etc., são, em nossos dias, fatores externos. (SANTOS, 1985, p. 77). Entretanto, não podemos esquecer um fato importante, o de que, uma vez localizadas essas frações do capital e de trabalho, elas se arranjam segundo uma modalidade específica, numa espécie de combinação, onde as características originais cedem lugar a outra coisa, que é própria da combinação localizada e a distingue das demais. A eficácia do mesmo elemento externo varia segundo os lugares, os valores internos a estes. Assim, com base em Santos (2008c, p. 106), “os lugares se diferenciam pela maneira pela qual os fatores internos resistem aos externos, determinando as modalidades do impacto sobre a organização preexistente”. O externo, porém, nem sempre se internaliza completamente, na medida em que representam muito mais os interesses externos que os internos. Todavia, tais necessidades ou interesses externos nem sempre coadunam com os interesses ou condições internas à área. Por isso, as forças internas frequentemente exercem papel de oposição ou de reação à difusão dos fatores externos. A própria “autonomia” de evolução dos fatores internos localmente amalgamados pode constituir uma barreira, mais ou menos eficaz, às transformações de origem não-local. Outro ponto importante a se considerar nesta discussão são as desiguais possibilidades de conexão dos lugares, ou seja, existem lugares mais conectados com o mundo, que outros, porque de acordo com Sene (2007, p. 137) “a capacidade de conexão das pessoas é mediada pelo acesso à renda e à tecnologia. Muitas pessoas não podem aproveitar o aparato técnico da mobilidade e informação e vivem ainda bastante restritas ao lugar.” Giddens (1991) diz que: “Em condições de modernidade, o lugar se torna cada vez mais fantasmagórico: isto é, os locais são completamente penetrados e moldados em termos de influências sociais bem distantes deles. Sob uma outra perspectiva, Sene (2007), entende que a relação entre o lugar e o global depende muito da disponibilidade de objetos técnicos no lugar. Para Santos (2008), o lugar não é apenas um quadro de vida, mas um espaço vivido, ou melhor, o espaço da experiência que se transforma, pois não é estática. Visto desta perspectiva, o lugar se constitui num intermediário entre o mundo e o indivíduo. O autor dá ênfase ao papel do lugar, diante das forças homogeneizantes da globalização. Coloca a centralidade do lugar, ou melhor, o lugar dos lugares, num contexto ampliado, opondo-se à autores que tem se preocupado com o aumento vertiginoso dos intercâmbios, da fluidez e dos ��� � universalismos, bem como se opõe aos argumentos teóricos, às teorias que tratam sobre o fim da geografia, da história, do trabalho, do Estado-Nação, dos territórios e dos lugares. De acordo com Santos (2008a), a história concreta atual recoloca a questão do lugar numa posição central. Por isso, o autor sugere revisitar o debate sobre o lugar no mundo atual, para encontrar os novos significados, a partir da dimensão do cotidiano. A redefinição do lugar é colocada como uma necessidade perante as mudanças que acontecem nos dias atuais de forma muito mais visível e acelerada que em outros momentos da história. “Dentro desse processo de redefinição, o mundo – que visto como um todo é nosso estranho – tem sua existência revelada pelo lugar – nosso próximo.” (SANTOS, 2009, p. 34). A leitura de Milton Santos, revela a relação dialética entre o lugar e mundo. Para o autor, os processos de “globalização”, ou de “mundialização” não destroem as especificidades, ao contrário, reafirmam-nas. “Cada lugar é, à sua maneira, o mundo. Mas também cada lugar, irrecusavelmente imerso numa comunhão com o mundo, torna-se exponencialmente diferente dos demais”. (SANTOS 2008a p. 314). Cada um dos lugares, é concomitantemente, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente. A abordagem acerca da relação dialética entre o mundo e o lugar, ajuda na compreensão da centralidade do lugar, não só enquanto fenômeno, mas também enquanto categoria geográfica de análise importante e atual. A contribuição de Carlos (2001), também se insere nas transformações recentes engendradas pela globalização. Entretanto, a autora argumenta que é necessário acrescentar também o papel da história particular de cada lugar, que se realiza através da prática cotidiana e em função da cultura, da tradição, da língua e dos hábitos internos. Ou melhor, o lugar na concepção da autora, deve ser entendido por intermédio de uma dimensão interna, vinculada a sua história, e uma dimensão externa, que se impõe, através do processo de globalização. Significa pensar a história particular de cada lugar se desenvolvendo ou melhor se realizando em função de uma cultura/tradição/língua/hábitos que lhe são próprios, construídos ao longo da história e o que vem de fora, isto é o que vai construindo e se impondo como conseqüência do processo de constituição do mundial.(CARLOS, 2001, p.17) . Neste âmbito, acreditamos que é possível pensar o lugar enquanto singularidade, ou seja, que mantém suas individualidades, mesmo envolto nesta trama globalizante. Para Santos (ibid. p.34) “cada Lugar se define tanto por sua existência corpórea, quanto por sua existência ��� � relacional.” As individualidades diferenciam um lugar de outro porque cada grupo social elabora e constrói as condições necessárias à reprodução de formas diferentes. De acordo com Santos (2008c, p.106) Cada lugar combina variáveis de tempos diferentes. Não existe um lugar onde tudo seja novo ou onde tudo seja velho. A situação é uma combinação de elementos com idades diferentes. O arranjo de um lugar, através da aceitação ou rejeição do novo, vai depender da ação dos fatores de organização existentes nesse lugar, quais sejam o espaço, a política, a economia, o social, o cultural. Tanto o novo quanto o velho são dados permanentes da história e encontram-se em todas as situações. A chegada do novo, de acordo com Santos (2008c, p. 106), não acontece no mesmo instante em todos os lugares ou o novo não chega em todos os lugares e, quando chega, não é no mesmo momento; por isso o novo nem sempre chega quando é absolutamente novo. O lugar é produzido localmente, entretanto, como nos diz Becker (1988), é alvo e campo de estratégias tanto locais quanto, progressivamente, externas. Refletir acerca disso significa buscar o entendimento das relações entre os homens e o meio e as complexas tramas que se desenham a partir das relações que envolvem estes sujeitos sociais, os quais desenvolvem práticas sócio-espaciais que se consolidam referenciadas em tradições e modernidade. Entretanto, de acordo com Santos (2008a, p.59), “Os lugares, já vimos, redefinem as técnicas. Cada objeto ou ação que se instala, insere-se num tecido preexistente e seu valor real é encontrado no funcionamento concreto do conjunto. Sua presença também modifica os valores preexistentes”. Para o autor, “é o lugar que atribui às técnicas o princípio de realidade histórica, relativizando o seu uso, integrando-as num conjunto de vida, retirando-as de sua abstração empírica e lhes atribuindo efetividade histórica”.(Ibid.,p. 59). Assim, estudar o lugar é revelar em cada objeto geográfico (por exemplo uma cidade, um estrada de rodagem, uma floresta, uma plantação, uma montanha, um lago) o sistema de objetos e ações à ele ligado, nos ensina Santos(2008a). 3.1 Modernidade e Tradição: bases teóricas da pesquisa Acredita-se que as reflexões em torno da Tradição e Modernidade permitem mostrar como e quando acontece a reestruturação do lugar, tomando como base, o que nos fala Relph (1976) ao dizer que o lugar passa por mutabilidade através dos tempos, e, em virtude disso, perde e ganha significados. Muitas vezes estes significados desaparecem, devido às mudanças ��� � econômicas, sociais ou culturais e outros assumem, ganham novos significados. No entanto, o restabelecimento e a permanência de lugares são reforçados por rituais e tradições. Sem isso, sua mutabilidade e efemeridade se ampliariam, segundo o autor. Adicionalmente, essas reflexões objetivam subsidiar a compreensão das comunidades faxinalenses com Lugares considerando a sua história e cultura próprias, acompanhadas das inovações técnicas, oriundas da sociedade moderna. A ênfase é dada na percepção das trajetórias e racionalidades dos faxinalenses de hoje, com o intuito de mostrar como estes tentam, com as formas que lhes são possíveis, incorporar os ditames da sociedade moderna, na agricultura, na criação de animais, no espaço doméstico, sem se desfazer das racionalidades tradicionais e, sobretudo, onde e em que momento, no cotidiano dos faxinalenses se nota a integração da tradição e modernidade. O termo tradição que utilizamos, no seu sentido etimológico, deriva do latim traditio, verbo tradire que significa entregar. Segundo Godoi (1998), alguns estudiosos referem-se à relação do verbo tradire como o conhecimento oral e escrito. Dessa forma, através do elemento dito ou escrito, algo é entregue, ou melhor, é passado de geração a geração. Giddens (2007) argumenta que as raízes lingüísticas da palavra “tradição” são antigas. A palavra inglesa “tradition” tem origem no termo latino tradere, que significa transmitir, ou confiar algo à guarda de alguém. Um exemplo bastante esclarecedor sobre Tradere é citado por Giddens. Esta palavra foi originalmente usada no contexto do direito romano, em que se referia às leis da herança. Considerava-se que uma propriedade que passava de uma geração para outra era dada em confiança – o herdeiro tinha obrigação de protegê-la e promovê-la. Para o autor, foi o Iluminismo do século XVIII na Europa que depreciou a tradição, e por isso poucas são as discussões que tratam da tradição. Pouco ou quase nada se falou ou se pensou sobre o papel da tradição na sociedade. Para muitos a tradição representa tão somente o lado sombrio da modernidade, e que pode ser facilmente descartada. Giddens lembra que o termo “tradição” como é usado hoje, é na verdade um produto dos últimos dois séculos na Europa. A noção geral de tradição não existia nos tempos medievais, dado que não era necessária, pois estava em toda parte. Assim, a idéia de tradição salienta Giddens (2007, p. 50) “é ela própria uma criação da modernidade”. Mas o que efetivamente é Tradição, quais são as suas marcas? Por tradição, entende-se tudo aquilo o que mantém as ordens sociais em sociedades pré-modernas. “Na tradição a noção de tempo é fundamental, considerando que a tradição é uma orientação para o passado, de tal forma que o passado tem uma pesada influência ou, mais precisamente, é constituído para ter uma pesada influência sobre o presente” ��� � (GIDDENS, 2001, p. 31). O futuro também não fica de fora deste processo e é através da repetição que ele é organizado. Há, então, inscrita à tradição uma noção de persistência e de memória coletiva com uma força de agregação tanto moral quanto emocional. Com isso o passado não pode ser considerado em sentido de preservação, mas em constante reconstrução, parcialmente individual, mas fundamentalmente social ou coletiva. Por isso, podemos dizer que a tradição é um meio organizador da memória coletiva (GIDDENS, 2001, p. 32). Nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais por sua vez são estruturados por práticas sociais recorrentes (Giddens, 1991, p.37-38) O autor ressalta que “sociedade tradicional é aquela em que a tradição exerce um papel dominante. (Ibid p. 35) Segundo Eliot (1985), a Tradição é uma espécie de transmissão de algo entre os homens, que assegura o movimento conjunto, definindo os contornos de um todo. É o conjunto de elementos transmitidos, formando padrões que se impõem ao pensamento ou ao comportamento. A forma de abordagem que utilizamos para compreender as comunidades tradicionais faxinalenses, não permite juízos atemporais e, possibilita o questionamento de tudo o que corresponde à idéias que geralmente remetem a tradição como por exemplo: “Sempre foi assim”. “Eles sempre viveram assim”. “Assim é até hoje”. Frases assim negam a geograficidade de qualquer grupo humano, isto é a relação deste com a sociedade, com o modo de sua existência, que vão aos poucos sendo alterados e, a sua historicidade, ao invocar a imutabilidade das tradições. O conceito de tradição adotado, não se refere ao mero consentimento ou cópia de procedimentos utilizados pelas gerações precedentes. A tradição, contrariamente à idéia fixista que se tem dela, não poderia ser a repetição das mesmas sequências; não poderia traduzir um estado imóvel da cultura que se transmite de uma geração para outra. A atividade e a mudança estão na base do conceito de tradição. (AGUESSY, 1980, p.105-6). A deturpação que a tradição pode sofrer cria para ela faces indesejáveis, ou seja, da imobilidade e da imutabilidade que ocultam as outras. E o homem, com esta imagem equivocada da tradição, nega-a como suporte para sua vida, seu trabalho diário. De acordo com Braoios (2009), a tradição é, uma longa corda que une fortemente os diversos componentes de um grupo, mas sem uma força tal que os impossibilite de se mover. � � � Ela é, pois, o resultado das diversas ações aceitas e reproduzidas por grupos humanos e prolonga-se até onde a conveniência social permitir. É constituída com respeito à manutenção das experiências positivas dos mais idosos e dos que já morreram, validadas pelo bom senso que não deixa que ela se enrijeça e, assim permite eliminar o que não é mais sustentável para incorporar novas ações ou inovações. � Ao refletirmos sobre comunidades tradicionais e sobre a tradição, não pensamos em identidades, em estilos de vida que foram sendo repassadas de geração para geração, num processo maquinal e repetitivo. Por isso, nos pareceu necessário ir mais longe e, indagar de que se fala, quando se diz que os faxinalenses foram reconhecidos como comunidades tradicionais, porque mantém um modo de vida, uma organização sócio-espacial, específica. Igualmente, com análise realizada nas duas comunidades faxinalenses, estamos levando em conta, o intercâmbio entre os povos que povoaram esta região, da “cópia”, assimilação que um fez das práticas, atitudes, valores etc., do outro e o “mimetismo”, exemplificado, por Leo Waibel (1979) quando falava da “acaboclização” do europeu no Paraná. Esses são fatos que demonstram uma complexidade social especial presente nestas comunidades, o que torna difícil o traçado preciso das rotas de influências passadas. Temos a mesma dificuldade, em traçar as rotas de influências presentes, dado o emaranhado de elementos modernos que dividem espaço com as tradições, os costumes mantidos pelos faxinalenses. De acordo com Giddens (2007) grande parte dos valores relacionados à tradição permanece e se reproduz no âmbito da comunidade local. Já a modernidade expressa a ruptura com a idéia de comunidade (una e corporificada no dirigente) e passagem à idéia de sociedade, onde nada mais é harmônico, os interesses são conflitantes, as classes são antagônicas e os grupos diversificados. Para Giddens (1991) as relações sociais das sociedades tradicionais ou pré-modernas são encaixadas no tempo e espaço. Isto se dá pela proximidade que o trabalhador tem da natureza, pela confiança do trabalhador na agricultura como meio de subsistência. O tempo para este trabalhador é cíclico (baseado em estações) e local. O autor afirma também que o status de tal trabalhador é inerte, porque tem pouco contato com noções do que os modernos chamam de “carreira” e “ascensão social”. O autor salienta que nos tempos pré modernos, para a maioria da população, o senso de espaço geográfico era estreito. Para tais populações, as idéias de espaço eram fixas, e sugere que nós deveríamos descrever tais trabalhadores como encaixados em suas comunidades locais. Também aponta a invenção do relógio como um marco importante para a transição das sociedades tradicionais para as modernas. O relógio ��� � não é baseado no tempo sazonal, mas num tempo social e artificial. O relógio permite uma medida de tempo universal e não, como era o caso, de noções tradicionais de tempo, para uma definição um tanto rústica. O processo de modernização “distanciou” os indivíduos e as comunidades tradicionais destas noções estreitas de tempo, espaço e status. A modernização “desencaixou” o indivíduo de sua identidade fixa no tempo e no espaço. Resumindo, Giddens diz que a modernidade é baseada em um processo, segundo o qual uma idéia fixa e estreita de “lugar” e “espaço” (que prevalece nos tempos pré-modernos) é gradualmente destruída por um conceito de “tempo universal”. Giddens descreve isso como uma chave para o processo de desencaixe. Para Giddens (1991, p.11), a modernidade rompe com o referencial protetor da pequena comunidade e da tradição, substituindo-as por organizações muito maiores e impessoais. “O indivíduo se sente privado e só, num mundo em que lhe falta o apoio psicológico e o sentido de segurança oferecido em ambientes mais tradicionais”(GIDDENS, 2002, p. 38). Não obstante, a modernidade não rompe totalmente com esse referencial que a comunidade tem como refúgio, apoio e segurança, entendida neste trabalho como Lugar, que se constrói por uma vivência comunitária onde as pessoas estão ligadas a sistemas tradicionais como família, vizinhança. Assim acontece a demonstração que a tradição não desapareceu, mas “sobrevive como pano de fundo” (VENEZIANI, 2005, p.08). E esses vínculos, familiar, de vizinhança, são exemplos de que mesmo inseridos na sociedade moderna, buscamos vínculo ao sistema tradicional, nos momentos mais significativos ou mais difíceis da vida. Em relação à modernidade, a tendência da maior parte dos textos que tratam da Modernidade é iniciar sua reflexão partindo e reafirmando o seu caráter de ruptura. Sob este ponto de vista, o moderno rompe uma ordem que constitui o passado e inicia uma nova ordem, que constitui o presente. Entretanto, encontramos reflexões que buscam outra forma de compreender o período que vivenciamos. � Estaríamos na modernidade? Na pós-modernidade? Ou seríamos uma sociedade pós- tradicional? Teríamos uma sucessão desses períodos, mediante a anulação do precedente com o advento do próximo? Ou quem sabe poderíamos pensar na permanência de alguns aspectos de cada período e a anulação daqueles que não se ajustaram às ordens sociais vigentes? � Entretanto, é inegável, que “qualquer simples comparação entre a vida da década de 1890 e a vida na década de 1990, mostra muitíssimos progressos tecnológicos e