UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS – RIO CLARO unesp PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS (ZOOLOGIA) Fisiologia térmica e balanço hídrico em anfíbios anuros RAFAEL PARELLI BOVO Tese apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Ciências Biológicas (Zoologia). Maio - 2015 RAFAEL PARELLI BOVO             Fisiologia térmica e balanço hídrico em anfíbios anuros Orientador: Denis Otávio Vieira de Andrade Co-orientador: Carlos Arturo Navas Rio Claro 2015   Tese apresentada ao Instituto de Biociências do Câmpus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Ciências Biológicas (Zoologia). Bovo, Rafael Parelli Fisiologia térmica e balanço hídrico em anfíbios anuros / Rafael Parelli Bovo. - Rio Claro, 2015 135 f. : il., figs., tabs. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: Denis Otavio Vieira de Andrade Coorientador: Carlos Arturo Navas 1. Anfíbios. 2. Ecofisiologia. 3. Altitude. 4. Quitridiomicose. 5. Atividade diurna. 6. Tolerância térmica. I. Título. 597.6 B783f Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP Dedico esta tese aos meus pais, José e Maria. “O mundo não está interessado nas tempestades que você encontrou. Querem saber se trouxe o navio de volta.” —William McFee AGRADECIMENTOS Muitas pessoas contribuíram para que eu pudesse cumprir todas as etapas deste Doutorado, incluindo a redação da presente tese. Agradeço primeiramente aos meus pais por tudo. Faltam palavras para descrever o apoio, suporte e amor incondicionais que recebi da minha família (incluindo minha irmã), os quais garantiram tranquilidade suficiente para me dedicar a este trabalho nestes últimos quatro anos. O novo membro familiar, meu sobrinho Caio, também foi combustível motivacional nessa jornada, trazendo luz e alegria para nossas vidas, minha e de minha família. Ao Denis Andrade pela amizade, oportunidade, supervisão, confiança depositada, inspiração, paciência e motivação fundamentais em cada etapa deste trabalho. Sua conduta correta, coerente, e o dinamismo em solucionar problemas são exemplo para todos a sua volta. Ao Carlos Navas pelas discussões que invariavelmente abrem novas percepções sobre os paradigmas envolvendo os assuntos abordados. Ao Célio Haddad pelas portas sempre abertas de seu laboratório e pelo empréstimo de parte da sala de manutenção dos animais, essenciais para a realização deste estudo. Ao Itamar Martins, que prontamente se dispôs a auxiliar nos trabalhos de campo na Serra da Mantiqueira e foi fundamental para a coleta de diversos espécimes. Ao Guilherme Becker pela oportunidade de trabalharmos juntos, possibilitando pesquisa e aprendizado em um novo tema relacionado ao balanço hídrico dos anfíbios no decorrer desta tese. Ao Guilherme Gomes pelo tempo dispendido na discussão das diversas formas de análise dos dados desta tese. Agradeço também a Thais Condez, que me auxiliou bastante nesta etapa. Ao Ariovaldo Neto pelo tempo dispensado em auxiliar nas discussões sobre filogenia e análise dos dados. Ao Braz Titon Jr. pelas discussões ao longo do último ano. Ao Barry Sinervo pela oportunidade de trabalhar no Sinervo’s Lab, oferecendo-me a oportunidade de conhecer pessoas incríveis que me ajudaram muito dentro e fora da Universidade da Califórnia durante minha estadia nos EUA, em especial Pauline, Mary, Nadj, Carla, Diana e Rob Cooper. Ao Sidney Gouveia que embarcou mais tardiamente nessa aventura, mas comprou a ideia, esteve sempre disponível em “tempo real” discutindo diversos dos meus resultados, o que me forneceu motivação extra quando eu já estava sem gás. Ao Rodrigo Penapolense pelos auxílios “informáticos”, colaborações diversas (papers, cafeteira, afanar comida em certa sala do lab., churrascos, etc.) e por discussões acadêmicas e não-acadêmicas (conforme os anos passam, vamos ficando mais ranzinzas, pelo menos eu, e tenho ciência que sobrecarreguei ele em alguns momentos com diversas reclamações sobre muita gente que passou pelo Jacarezário atravancando o cotidiano do lab.). Agradeço a todos que me ajudaram imensamente no trabalho de campo: Denis Andrade (ajudou pra caramba!), Itamar Martins, Ailton Cascão Neto, Thais Condez, Lucas Azeitona Bandeira, Vanessa Cunha, Eliziane Garcia, Glenn Tattersall, Michel Garey, Lilian Sayuri, Lucas Santos, e mais alguém que eu possa ter esquecido. Aos colegas do Laboratório de Fisiologia Comparada (vulgo Jacalab), Rodrigo Penapolense, Adriana Fuga, Fernanda Centeno, Jussara Chaves, Rodolfo Muzambinho, Ailton Cascão, e mais recentemente Luá e Juliana. Aos colegas de Rio Claro, são muitos, me vem à cabeça por agora Renato Filogonio e Manuel Fourcade. Batutas sempre batutas, amigos ad eternum. Ao Brutus Nobreza e Coragem, pelo companheirismo em nossas caminhadas semanais, mas que infelizmente se foi no ano passado deixando saudade eterna. À Letícia Sueiro por me ensinar constantemente o que é amizade. À Susan Michelz, companheira dos últimos anos que me desafia diariamente para eu ser uma pessoa melhor. Peço desculpas se esqueci de agradecer a alguém nominalmente. Por fim, agradeço à FAPESP pelo suporte financeiro, Bolsa no País (Proc. 10/20061-6) e Bolsa no Exterior (Proc. 14/05624-5). Obrigado e “vamo que vamo”! SUMÁRIO Página RESUMO ........................................................................................................ 9 ABSTRACT ...................................................................................................10 CONCLUDING REMARKS ...........................................................................11 CAPITULO I – FISIOLOGIA TÉRMICA EM ANFÍBIOS ..............................12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................48 CAPÍTULO II – CLIMBING THE ATLANTIC FOREST MOUNTAINS: DO PHYSIOLOGICAL TRAITS OF AMPHIBIANS VARY ALONG ELEVATIONAL GRADIENTS ? ....................................................... 65 ABSTRACT ........................................................................................ 66 INTRODUCTION .................................................................................67 MATERIAL AND METHODS............................................................... 69 RESULTS ........................................................................................... 75 DISCUSSION ..................................................................................... 77 LITERATURE CITED ..........................................................................82 TABLES .............................................................................................. 89 FIGURES ............................................................................................92 CAPÍTULO III – RESPONSES OF BRAZILIAN AMPHIBIANS TO AN ENZOOTIC INFECTION OF THE FROG KILLING FUNGUS...........101 ABSTRACT....................................................................................... 102 INTRODUCTION .............................................................................. 102 MATERIAL AND METHODS..............................................................102 RESULTS ..........................................................................................106 DISCUSSION ....................................................................................107 LITERATURE CITED.........................................................................109 TABLES .............................................................................................113 FIGURE .............................................................................................114 CAPÍTULO IV – IS THE DIURNAL ACTIVITY OF DISPERSING JUVENILE BURROWING FROGS CORRELATED WITH CHANGES IN PHYSIOLOGICAL TRAITS ? ..........................................................115 ABSTRACT........................................................................................116 INTRODUCTION ...............................................................................117 MATERIAL AND METHODS .............................................................118 RESULTS ......................................................................................... 121 DISCUSSION ....................................................................................121 LITERATURE CITED ........................................................................124 TABLE................................................................................................131 FIGURES...........................................................................................132 CONCLUSÕES GERAIS..............................................................................134   9   RESUMO Temperatura e disponibilidade de água são fatores que afetam importantemente a ecologia, a fisiologia e o comportamento de anfíbios. Nesse sentido, estes animais necessitam apresentar uma série de características ecofisiológicas que permita a eles lidarem potencialmente com aspectos ambientais desafiadores. Na presente tese, objetivei explorar diferentes tópicos (gradientes ecológicos, doenças e atividade) enfocando a fisiologia térmica e o balanço hídrico de anfíbios. O primeiro capítulo apresenta uma introdução geral abordando um dos temas centrais da presente tese, a fisiologia térmica de anfíbios. Entretanto, este capítulo também explora a inter-relação entre regulação da temperatura corpórea e balanço de água. O segundo capítulo investiga se parâmetros fisiológicos associados à tolerância térmica e ao balanço hídrico, em cinco espécies de anfíbios anuros, variam ao longo de gradientes altitudinais em duas cadeias montanhosas, Serra do Mar e Serra da Mantiqueira, da Floresta Atlântica. O terceiro capítulo examina os potenciais efeitos da quitridiomicose – uma doença emergente causada por fungo, considerada responsável por declínios populacionais e extinções de anfíbios em todo o mundo devido a alterações osmorregulatórias cutâneas – sobre o balanço hídrico e mortalidade de espécies de anfíbios anuros do Brasil. O quarto capítulo investiga se a atividade de dispersão diurna em juvenis do sapo Dermatonotus muelleri estaria correlacionada com parâmetros fisiológicos associados à fisiologia térmica e balanço hídrico. PALAVRAS-CHAVE: ecofisiologia, perda evaporativa de água, resistência ao efluxo de água, reidratação, tolerância térmica, temperaturas críticas, altitude, quitridiomicose, atividade diurna.   10   ABSTRACT Temperature and water availability are factors that affect, importantly, the ecology, physiology, and behavior of amphibians. In this sense, these animals need to present a number of ecophysiological characteristics that allows them to cope with potentially challenging environmental features. In this thesis, I aimed to explore different topics (ecological gradients, diseases, and activity) focusing on the thermal physiology and water balance of anuran amphibians. The first chapter presents a general introduction focused on one of the central themes of this thesis, the thermal physiology of amphibians. However, this chapter also explores the inter-relationship between body temperature regulation and water balance. The second chapter investigates whether or not physiological traits associated to thermal tolerances and water balance, in five anuran amphibians, vary along elevational gradients along two mountain ranges, Serra do Mar and Serra da Mantiqueira, in the Brazilian Atlantic Forest. The third chapter examines the potential effects of chytridomycosis – an emerging fungal disease claimed to cause amphibian population declines and extinctions worldwide due to cutaneous osmoregulatory disorders – on the water balance and mortality of anuran species from Brazil. The fourth chapter investigates whether or not the diurnal activity of dispersing juveniles of the burrowing frog, Dermatonotus muelleri, might be correlated with physiological traits associated to thermal physiology and water balance. KEYWORDS: ecophysiology, evaporative water loss, resistance to water efflux, water uptake, thermal tolerance, critical temperatures, altitude, chytridiomycosis, diurnal activity.   11   INTRODUÇÃO GERAL O primeiro capítulo desta tese foi idealizado como sendo parte constituinte do livro texto “Fisiologia Térmica de Vertebrados” (em preparação). O objetivo foi realizar uma breve introdução geral aos efeitos da temperatura sobre o grupo dos anfíbios. Uma vez que é praticamente impossível discutir a fisiologia térmica em anfíbios de maneira dissociada da manutenção de um balanço de água adequado, redigir aqui neste espaço uma introdução geral seria, em suma, redundante. Portanto, o Capítulo 1 em si já oferece uma introdução geral ao tema central desta tese de doutorado. O Capítulo 2 investigou se parâmetros fisiológicos associados à tolerância térmica (temperatura crítica mínima e máxima, CTMin e CTMax, respectivamente) e ao balanço hídrico (perda evaporativa de água, resistência da pele e reidratação), em cinco espécies de anfíbios anuros, variam ao longo de gradientes altitudinais em duas cadeias montanhosas, Serra do Mar e Serra da Mantiqueira, da Floresta Atlântica. O Capítulo 3 examinou os potenciais efeitos da quitridiomicose – uma doença emergente causada por fungo, considerada responsável por declínios populacionais e extinções de anfíbios em todo o mundo devido a alterações osmorregulatórias cutâneas – sobre a mortalidade e o balanço hídrico de três espécies de anfíbios anuros do Brasil. O capítulo 4, por fim, investigou se a atividade de dispersão diurna em juvenis do sapo Dermatonotus muelleri, cujos adultos são noturnos, estaria correlacionada com parâmetros fisiológicos associados à fisiologia térmica (tolerância e metabolismo) e balanço hídrico (perda evaporativa de água, resistência da pele e reidratação).   12   CAPITULO I FISIOLOGIA TÉRMICA EM ANFÍBIOS Rafael P. Bovo1, Tiana Kohlsdorf2 & Denis V. Andrade1 1 Departamento de Zoologia, Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP. 2 Departamento de Biologia, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. Origem, evolução e diversidade dos anfíbios Todos os anfíbios atuais, ou Lissamphibia, compartilham um ancestral comum e exclusivo e, portanto, formam um clado monofilético. Os primeiros representantes da linhagem da qual os anfíbios modernos, bem como todos os Tetrapoda, evoluíram aparecem no registro fóssil durante o Devoniano, há aproximadamente 400 milhões de anos, a partir de ancestrais sarcopterigeos (peixes de nadadeiras lobadas). Com características intermediárias entre estes e os Tetrapoda primitivos, os panderichthyideos são apontados como o grupo ancestral provável na base da posterior diversificação dos tetrápodes. Ainda no Devoniano há o aparecimento de formas como Acanthostega e Ichthyostega com características definitivamente mais derivadas em direção àquelas posteriormente exibidas pelos anfíbios, mas, muito provavelmente, representando linhagens independentes e paralelas àquelas deste grupo. Já no final do Carbonífero, há aproximadamente 328 milhões de anos, houve uma enorme diversificação das linhagens de Tetrapoda e o surgimento dos Lepospondyli, grupo no qual os Lissamphibia tiveram sua origem. Embora ainda exista bastante controvérsia sobre estas relações basais, é certo que naquele momento os anfíbios já constituíam um clado separado dos restantes (amniota) tetrápodes. Ou seja, a visão largamente difundida dos anfíbios como um grupo transicional entre um ancestral pisciforme e os répteis, embora possa ser válida sob determinadas perspectivas funcionais, é altamente incorreta em termos evolutivos. Anfíbios e demais tetrápodes amniotas (répteis, aves e mamíferos) formam agrupamentos separados experimentando trajetórias evolutivas totalmente distintas há pelo menos 300 milhões de anos (Pyron, 2011).   13   A diversificação dos grupos modernos de Lissamphibia (i.e., Gymnophiona, Caudata e Salientia) é estimada como tendo ocorrido em um período relativamente curto após o surgimento deste grupo no final do Carbonífero. Neste cenário, os Gymnophiona divergiram basalmente das demais linhagens do grupo por volta de 240 milhões de anos atrás e, logo a seguir, por volta de 230 milhões de anos atrás, os Anura divergiram dos Caudata. Em linhas gerais, estas formas ancestrais já apresentavam características e modo de vida similares aos anfíbios modernos e eram igualmente dependentes do meio aquático, em especial para a reprodução. De fato, a dependência dos anfíbios do meio aquático para a reprodução, com algumas poucas exceções, é uma característica definidora desse grupo como um todo, podendo ser atribuída à ausência do ovo cledóico (kleidos = fechado). Em contraste, répteis, aves e mamíferos encapsulam o embrião dentro de um micro-cosmos fechado, o ovo, provido de um anexo embrionário, o âmnio, o qual permite que o embrião possa se desenvolver com relativa independência das condições ambientais. Estes amniotas, portanto, podem agora fazer frente ao risco potencial de dessecação no meio terrestre ficando definitivamente livres da dependência do meio aquático para a reprodução, diferentemente do que ocorre com os anfíbios. Outras características que impõem restrições à conquista absoluta do meio terrestre pelos anfíbios incluem a pele altamente permeável à água (também a íons e gases) e, portanto a alta susceptibilidade à perda de água evaporativa (ver Tracy et al., 2014), além da incapacidade dos rins em concentrar a urina acima da concentração osmótica do plasma (implicando na impossibilidade de economizar a água utilizada para a excreção). Desta forma, é lugar comum que os anfíbios sejam apontados como os invasores do meio terrestre (dentre os vertebrados), enquanto a conquista definitiva de tal meio só ocorrerá com o aparecimento dos ancestrais das demais linhagens dos Tetrapoda e o advento do ovo amniótico e dos anexos epidérmicos que permitiram a impermeabilização eficaz do tegumento. Desta forma, os anfíbios representam uma aproximação à vida no ambiente terrestre intrinsicamente diferente das possibilidades exploradas por répteis, aves e mamíferos. Ademais, eles nos fornecem uma janela ímpar para apreciar os problemas potenciais enfrentados pelos primeiros vertebrados a se aventurarem no meio terrestre.   14   Características gerais Grosso modo, os vertebrados podem ser divididos (sem rigor filogenético) em ecto (peixes, anfíbios e répteis) ou endotérmicos (aves e mamíferos), na dependência da origem do calor utilizado na regulação da temperatura corpórea (Tc). Animais ectotérmicos dependem primordialmente de fontes externas de calor e de ajustes comportamentais para a regulação da Tc. Isto difere daquilo que ocorre em aves e mamíferos, nos quais a produção metabólica de calor é um dos fatores centrais na regulação da Tc. Duas consequências básicas podem ser relacionadas ao modo de termorregulação: 1 – ectotérmicos apresentam níveis metabólicos que são substancialmente menores do que aqueles apresentados por endotérmicos e; 2 – ectotérmicos podem ter suas atividades restringidas por limitações espaciais e/ou temporais de nichos térmicos adequados. Ademais, em consonância com a menor demanda energética, o sistema cardiorrespiratório dos vertebrados ectotérmicos é menos eficiente em termos de transporte rápido de quantidades grandes dos gases respiratórios e é maior sua dependência da geração anaeróbica de energia para suportar o requerimento ocasional de níveis elevados de atividade (Bennet, 1978; Gatten et al., 1992; Pough, 1980, 1983; Pough et al., 2001). Pela rica diversidade de espécies encontradas em praticamente todos os habitat do planeta e modos de vida ricamente diversificados, é quase inegável que os anfíbios constituem um grupo ainda pouco explorado, porém, com enorme potencial para estudos em biologia térmica. Ademais, uma vez que a temperatura exerce efeitos importantes sobre virtualmente todos os aspectos da vida dos anfíbios (bem como sobre qualquer outro organismo, vide este livro), o estudo das relações térmicas destes animais é essencial para o entendimento de suas interações ecológicas, de seu comportamento e de suas respostas fisiológicas. A regulação da Tc em anfíbios é obviamente regida pelas leis da termodinâmica comuns a qualquer processo no qual ocorra troca de calor. Porém, a forma como diferentes espécies, muitas vezes encontradas em ambientes com propriedades térmicas díspares, modulam esta troca de calor resulta em uma riqueza estonteante de especializações, muitas das quais insuspeitas ou mesmo ainda desconhecidas (Hutchison e Dupré, 1992). Dentro de uma abordagem taxonômica ampla, excelentes revisões sobre a biologia térmica dos anfíbios podem ser encontradas em Feder e Burggren (1992), Hillman et al. (2009) e Wells (2007), enquanto Angilletta (2009) oferece um panorama teórico e empírico muito útil para situar   15   estudos sobre biologia térmica. No presente capítulo, buscamos o modesto objetivo de oferecer uma apreciação ampla e introdutória sobre a diversidade e a complexidade das relações térmicas dos anfíbios, sem pretensão de esgotar este tema. Em complemento a esta abordagem, o outro ponto focal deste capítulo será direcionado às consequências da variação da Tc sobre diferentes funções relevantes para aptidão dos anfíbios. Balanço térmico e trocas de calor A temperatura corpórea de um animal resulta do balanço térmico entre o animal e o ambiente, o qual pode levar tanto ao ganho quanto à perda de energia térmica, acrescido do calor metabolicamente produzido (i.e., termogênese). A troca de calor entre dois corpos pode ocorrer por condução, condução combinada com convecção, radiação e evaporação ou condensação, i.e., mudanças de fase (Figura 1). Porém, a importância relativa de cada uma destas formas de troca de calor irá variar na dependência das características particulares dos animais e do ambiente em consideração. Assim, abaixo, examinamos cada um dos componentes do balanço térmico destacando sua potencial contribuição para a regulação da Tc dos anfíbios. Calor metabólico Como comentado anteriormente, ectotermia e patamares relativamente modestos de atividade metabólica ocorrem de maneira indissociável e possuem implicações importantes para o balanço térmico dos anfíbios. Anfíbios possuem taxas metabólicas próximas daquelas de peixes e répteis, as quais são ordens de magnitude menor do que as encontradas nas aves e nos mamíferos (Gatten et al., 1992; Gillooly et al., 2001; White et al., 2006). Como consequência, a produção de calor metabólico pelos anfíbios pode ser considerada desprezível em termos de potencial para modificar a Tc destes animais (Fromm, 1956; Hillman et al., 2009). No entanto, eventuais incrementos transitórios da taxa metabólica podem aumentar a contribuição da produção endógena de calor a ponto de influenciar a Tc de um animal ectotérmico. Em répteis, por exemplo, a digestão e a incubação dos ovos por algumas espécies de serpentes, pode levar ao aumento da Tc por termogênese (Hutchison et al., 1966; Tattersall et al., 2004). Nos anfíbios, a atividade que   16   sabidamente implica em aumentos extremos da taxa metabólica é a vocalização: na rã Hyla versicolor, por exemplo, os animais podem experimentar aumentos estimados em até 30 vezes acima da taxa metabólica de repouso (Wells e Taigen, 1986). No entanto, incrementos da taxa metabólica devido à vocalização parecem não impactar a Tc dos anfíbios. Por exemplo, embora machos vocalizantes da rã Hyperolius marmoratus exibam uma Tc cerca de 3oC acima da temperatura do ar, esta mesma diferença é também encontrada para as fêmeas não-vocalizantes. Ou seja, este diferencial térmico entre o animal e o ambiente não está relacionado à produção metabólica de calor, mas muito provavelmente deve envolver diferenças na dinâmica da troca de calor entre os animais e os vários elementos do seu entorno (ver Passmore e Malherbe, 1985). Figura 1. Modos de troca de calor e comentários sobre a importância relativa de cada via para os anfíbios, em geral.   17   Mudança de fase: condensação e evaporação Outro aspecto bastante particular dos anfíbios no que tange ao balanço térmico e troca de calor está intimamente associado ao tegumento altamente permeável e susceptível à perda evaporativa de água. A água, ao ser vaporizada na superfície da pele permanentemente úmida dos anfíbios, na verdade sobre qualquer superfície, requer o aporte de calor para que a mudança de fase, líquido para gás, ocorra. Este calor latente é removido do próprio líquido e dos corpos em contato com ele promovendo um resfriamento evaporativo que faz com que a temperatura superficial dos anfíbios esteja, quase sempre, algo abaixo da temperatura ambiente (Figura 2a) . Portanto, a perda de água por meio da evaporação na superfície do corpo constitui uma importante, ainda que incidental, via de perda de calor para a maioria dos anfíbios. Esta perda evaporativa de água e concomitante resfriamento é uma função tanto da temperatura quanto da umidade relativa do ambiente. Quanto maior a temperatura e menor a umidade relativa, maior o potencial para evaporação/resfriamento (ver Wygoda, 1989; Wygoda e Kersten, 2013). Por outro lado, se um anfíbio for capaz de se expor a mudanças de temperaturas apropriadas em ambientes com alta umidade, há a possibilidade de ocorrer uma mudança de fase na direção contrária da evaporação, ou seja, do vapor de água ser condensado. Recentemente uma resposta deste tipo foi descrita em Litoria caerulea, uma espécie de perereca que habita zonas tropicais da Austrália e permanece ativa durante a estação seca do ano. A Tc de L. caerulea diminui enquanto o animal encontra-se expostodiferença de temperatura entre o animal e o abrigo promove a condensação de água sobre a superfície corpórea da perereca, a qual é absorvida e irá contribuir para a manutenção de um balanço de água adequado. Estima-se que a condensação pode contribuir por ganhos de água de aproximadamente 0,9% da massa corpórea de L. caerulea e ser uma importante via de aquisição de água em regiões onde não há disponibilidade de água livre por longos intervalos de tempo durante o ano (Tracy et al., 2011). Embora caso em atividade durante a fase noturna, porém, após o cessar das atividades, ela busca abrigo em troncos ocos, nos quais a temperatura e a umidade são mais elevadas. Nestas condições, a s similares ao de L. caerulea não tenham sido ainda registrados, a condensação na paisagem ocorre de maneira rotineira em muitos biomas, pela formação do orvalho. Ao cair da noite e sob determinadas condições   18   climáticas, elementos do ambiente podem experimentar uma queda de temperatura mais rápida do que o ar, resultando na formação de orvalho sobre tais elementos (ver Agam e Berliner, 2006), o que pode constituir uma importante via de aquisição de água para pequenos animais. Por exemplo, a perereca Bokermannohyla alvarengai é encontrada em campos rochosos da Serra do Cipó, em Minas Gerais, por vezes muito distantes de qualquer fonte de água livre. No entanto, durante a noite a paisagem desta região serrana é coberta por abundante orvalho, o qual, suspeitamos, é de crucial importância para a manutenção do balanço de água desta espécie (Centeno e Andrade, obs. pessoal). Ademais, como B. alvarengai possui o hábito de se expor ao sol durante o dia (Figura 2b), situação potencialmente estressante do ponto de vista hídrico, a água ganha do orvalho durante a noite pode ser de crucial importância para um adequado balanço térmico durante o dia. Estudos quantitativos sobre a importância da condensação para o balanço de água e as relações térmicas dos anfíbios são claramente necessários. Radiação O alto potencial para resfriamento evaporativo devido ao tegumento úmido dos anfíbios também cria conflitos para o ganho de calor pela exposição direta à radiação solar. Este comportamento de assoalhar constitui uma via importante para ganho de calor para os répteis, em especial para os lagartos. No entanto, a exposição ao sol de um animal de pele úmida resultaria em um aumento do risco de desidratação e, devido ao resfriamento evaporativo, pouco (ou nenhum) ganho de calor ocorreria (Figura 2a). Desta forma, apenas um grupo bastante restrito de anfíbios é conhecido por fazer uso do comportamento de assoalhar. Em todos estes casos, o assoalhamento é sempre acompanhado por uma redução significativa das taxas de perda de água evaporativa diminuindo ou cancelando o conflito entre resfriamento evaporativo e ganho de calor, descrito acima (ver Tracy et al., 2010) (Figura 2b). Na perereca Phyllomedusa sauvagii, por exemplo, a pele é impermeabilizada por uma cera produzida por glândulas lipídicas da pele, a qual o animal espalha com os pés e mãos por todo o corpo em um comportamento bastante elaborado chamado de “whipping” (Blaylock et al., 1976). Assim, uma vez impermeabilizada, P. sauvagii pode ganhar calor rapidamente do meio, no entanto, conforme a temperatura aumenta, o problema agora pode ser o risco de hipertermia. Como o animal agora encontra-se impermeabilizado, ele não pode ser resfriado pela   19   evaporação na pele, e como os anfíbios não tem glândulas sudoríparas eles também não podem transpirar e tampouco são conhecidos por ofegarem (mecanismos que outros animais empregam para diminuir a Tc). Porém, conforme a Tc aumenta acima dos 35–37ºC, glândulas presentes na pele destas pererecas, possivelmente glândulas mucosas, começam a produzir uma secreção que coalesce em gotículas de água sobre a superfície da pele e são rapidamente evaporadas (ver Lillywhite e Licht, 1975). Desta forma, a perda de água evaporativa, nestas situações de altas temperaturas, sofre um aumento abrupto acompanhado de uma diminuição nas taxas de ganho de calor. Ou seja, o animal sacrifica a economia de água para prevenir um aumento descontrolado da Tc de maneira análoga à nossa transpiração. Além de P. sauvagii, tais respostas foram ainda descritas para P. azurae, Chiromantis xerampelina (ver Figuras 5 e 6 de Shoemaker et al., 1987) e Hyperolius viridiflavus (Geise e Linsenmair, 1986). Figura 2. Imagem termográfica (a) de uma rã, Leptodactylus latrans, susceptível a alta taxa de evaporação cutânea tipicamente encontrada nos anfíbios e (b) de uma perereca, Bokermannohyla alvarengai, espécie conhecida pelo hábito de assoalhar e pela baixa permeabilidade da pele. Repare que o resfriamento evaporativo torna L. latrans mais fria que o ambiente no entorno; por outro lado, as baixas taxas de evaporação de B. alvarengai permitem o ganho de calor durante o assoalhamento. Insets indicam o contorno e a posição dos animais na figura maior. Como cerca de 50% da energia radiante do sol que atinge o nosso planeta cai dentro do espectro visível, a quantidade de energia eletromagnética absorvida/refletida por um animal assoalhando será influenciada por sua coloração. Em linhas gerais, cores mais escuras possuem maior capacidade de absorção em comparação com cores mais claras. Desta forma, a magnitude da absorção de calor   20   durante a exposição ao sol pode ser modulada pela mudança fisiológica na coloração da pele. Esta resposta foi descrita em Hyla versicolor (Edgren, 1954), Rana clamitans (Porter, 1972), Agalychnis dacnicolor (Iga e Bagnara, 1975) e Bokermannohyla alvarengai (Tattersall et al., 2006), e em todas elas os animais tornam-se marcadamente embranquecidos quando expostos ao sol. Em B. alvarengai, a mudança fisiológica de cor ocorre em antecipação a qualquer alteração de temperatura parecendo ser uma resposta primariamente mediada pela exposição à luz e pouco influenciada pela coloração de fundo (Tattersall et al. 2006, Figura 3). Embora a mudança fisiológica de cor seja comumente associada à termorregulação, outros fatores podem estar envolvidos. Por exemplo, em Hyperolius viridiflavus, ocorre uma aceleração na deposição dos iridóforos presentes na pele quando os animais são privados de água. Como os iridóforos são primariamente constituídos de guanina (80-90%), a sua deposição além de melhorar as propriedades de reflexão de luz da pele, pode ter também um papel relevante como forma de acúmulo de produtos de excreção (Withers et al., 1982; Kobelt e Linsenmair, 1986; Schmuck e Linsenmair, 1988). Em outras espécies, a alteração de cor pode ser um componente importante para a reprodução e/ou conferir camuflagem contra predadores visualmente orientados (ver Rudh e Qvarnström, 2013). Em algumas espécies que assoalham sobre rochas, a coloração do animal, escura ou clara, o confunde com a coloração de fundo, rochas ou liquens, respectivamente, encontrados no ambiente (Tattersall et al., 2006; Figura 3). O comportamento de assoalhar parece ser particularmente comum em espécies encontradas em regiões de altitude auxiliando-as no alcance de temperaturas compatíveis com a atividade, a despeito das temperaturas relativamente frias destes ambientes (veja Wells, 2007), embora não seja totalmente imprescindível para sua ocupação (Navas, 1996a; 2003). Já no ambiente arbóreo, algumas espécies de pererecas de coloração verde possuem um pigmento bastante incomum denominado de pterodina (pterorhodin) o qual causa um escurecimento da pele na faixa do visível ao mesmo tempo em que reflete fortemente os comprimentos de onda na faixa do infravermelho próximo (Bagnara et al., 1978). Desta forma, estes animais conseguem conjugar a camuflagem tanto na faixa do visível como no infravermelho próximo, uma vez que as plantas ocupadas por eles apresentam perfil de reflectância bastante similar, ao mesmo tempo em que evitam a absorção excessiva de energia radiante na faixa do infravermelho próximo (Buttermer et.al., 1996). Por outro lado, um animal que   21   usasse o pigmento mais comumente encontrado para o escurecimento da pele, a melanina, poderia tornar-se conspícuo na faixa do infravermelho próximo e obrigatoriamente absorveria a maior parte da energia radiante desta faixa de comprimentos de onda. Figura 3. Mudança fisiológica de cor na perereca Bokermannohyla alvarengai. Em a) indivíduo assoalhando exibindo coloração esbranquiçada. Em b) indivíduo exibindo coloração cinza mosqueada. Em ambos os casos, o animal encontra-se igualmente bem camuflado. Se a troca de calor via exposição direta à radiação solar é pouco importante para a maioria dos anfíbios (também pelo fato deles geralmente passarem o dia abrigados e serem ativos durante a noite), a troca inescapável de calor radiativo entre o animal e os outros elementos do ambiente constitui uma importante determinante da Tc dos anfíbios. Qualquer corpo com temperatura acima do zero absoluto (-273oC) emite radiação eletromagnética em razão de sua temperatura superficial à quarta potência e emissividade (ver Capítulo 2). Ou seja, a todo momento, um anfíbio qualquer estará ao mesmo tempo emitindo e recebendo energia radiante de outros corpos ao seu redor, podendo resultar em ganho ou perda de calor. A emissividade (e a absortividade) de materiais biológicos, também válida para os anfíbios, varia de 0,95 a 1, significando que de 95 a 100% da radiação infravermelha emitida tem como origem o próprio animal (e não o reflexo da radiação incidente originada em outros corpos/objetos do ambiente) e também que 95 a 100% da radiação IR incidente é absorvida pelos animais. Como nas temperaturas   22   experimentadas pelos animais toda a emissão de radiação eletromagnética ocorre na faixa do infravermelho e, portanto fora do espectro visível, a cor da pele obviamente não possui relação com a emissividade dos animais (ver Nussear et al., 2000). A troca de calor por radiação na faixa do infravermelho é influenciada pela presença de água na atmosfera, na forma de gotículas ou vapor, a qual atenua consideravelmente a propagação da radiação infravermelha através do ambiente. Por exemplo, um anfíbio exposto no ambiente em uma noite clara, sem nuvens, experimentará uma troca de calor radiativo com as camadas mais distantes da atmosfera, o que, nestas condições, pode se traduzir em comprimentos de onda equivalentes a aproximadamente 20oC abaixo da temperatura do ar ao redor do animal. Porém, para a mesma temperatura do ar, em uma noite com nuvens ou com muita neblina, esta diferença pode cair para entre 10 e 5oC apenas (Gates, 1980). Para anfíbios em atividade sob uma área florestada ou sob outros elementos do ambiente que bloqueiem a exposição direta ao firmamento, as trocas de calor radiativo ocorrerão na dependência da temperatura superficial destes elementos. Via de regra, como as temperaturas destes elementos são mais elevadas que a do firmamento, em geral próximas da temperatura do ar, isto pode representar uma diminuição da perda de calor radiativo. Enfim, a atividade em noites mais úmidas, na proximidade de corpos de água ou em locais abrigados, diminui não apenas o risco de perda excessiva de água pela evaporação cutânea, fator sempre relevante para os anfíbios, mas pode também contribuir para minimizar a perda de calor através da radiação para camadas mais distantes (e frias) da atmosfera. Condução A próxima avenida de troca de calor importante para os anfíbios é a transferência direta da energia cinética entre as partículas constituintes de dois corpos em contato, ou seja, pela condução. Esta via é conceitualmente bastante simples e depende da área de superfície em contato, do gradiente térmico entre os corpos em contato e da facilidade com que o calor é transmitido pelos diferentes tipos de materiais, ou seja da condutibilidade (ver capítulo 2). Como a transferência de calor por condução depende da interação direta entre partículas adjacentes, materiais cujas partículas constituintes estejam mais próximas entre si, i.e., materiais de maior densidade conduzirão calor com maior facilidade. Desta forma, em termos   23   gerais, a condutibilidade dos sólidos é maior do que a dos fluídos que por sua vez é maior que a dos gases. Além da densidade, a condutibilidade térmica ainda é afetada pela temperatura per se e pela natureza das ligações moleculares dos materiais. A troca de calor por condução pode ocorrer entre o animal e o substrato (solo, vegetação, etc.), entre o animal e água, no caso de espécies aquáticas, e entre o animal e o ar. Assim, pelos motivos comentados acima, anfíbios aquáticos possuem poucas possibilidades de controlar a Tc em valores diferentes daquele da água circundante. De fato, a troca de calor por condução na água ocorre cerca de 24 vezes mais rapidamente do que no ar, sob as mesmas condições. Ademais, esta situação pode ser ainda mais acentuada em ambientes de água corrente como riachos, nos quais a troca de calor por condução é conjugada com a convecção do meio. De modo similar ao que ocorre no meio aquático, a troca de calor de anfíbios com hábito fossorial também é dominada pela condução e deve resultar em Tc’s diferindo minimamente da temperatura ambiente. É fato, porém, que o comportamento termorregulador e a dinâmica da troca de calor em espécies de anfíbios aquáticos e fossoriais permanecem praticamente desconhecidos (Spotila et al., 1992). Uma situação totalmente dominada pelas trocas de calor por condução e na qual a regulação da Tc assume importância vital é o caso de espécies aquáticas ou semi-aquáticas, as quais atravessam o inverno aprisionadas sob uma camada de gelo em lagos nas regiões de alta latitude da América do Norte. Nestas situações, os animais enfrentam uma série de desafios importantes como a baixa disponibilidade (hipóxia) ou mesmo a total ausência (anóxia) de oxigênio, o risco fatal de congelamento, a necessidade de regular o balanço energético e considerações ecológicas, por exemplo, risco de predação. Durante o tempo gasto sob o gelo, os animais devem integrar todos estes fatores de forma a garantir a sobrevivência até o degelo na primavera. Por exemplo, a exposição à hipóxia faz com que rãs, bem como outros animais, busquem ambientes mais frios, uma resposta comumente referida como queda regulada da Tc induzida por hipóxia. Em rãs submersas na água, esta resposta pode resultar em uma queda de até 5oC na Tc o que, por sua vez, representa uma redução da ordem de 70% da taxa metabólica (Tattersall e Boutilier, 1997). Assim, a simples escolha de um ambiente mais frio permite uma redução do gasto energético altamente relevante para animais com reservas energéticas finitas e que não são renovadas durante o intervalo de tempo sob o   24   gelo. Ademais, a redução do gasto metabólico também reduz a necessidade em potencial dos animais incorrerem em anaerobiose. Embora estas considerações façam sentido em termos funcionais e tenham sido demonstradas de forma convincente em estudos realizados em laboratório, é ainda bastante discutível até que ponto a queda de Tc induzida pela hipóxia constitui uma resposta primariamente termorreguladora ou represente uma mera consequência da busca por concentrações adequadas de oxigênio, pelo menos em anfíbios. Ademais, a relevância desta resposta termorreguladora sob estas condições de aprisionamento sob o gelo invernal é igualmente questionável (Tattersall e Ultsch, 2008). De fato, as variáveis ambientais e as respostas das rãs podem ser bem mais complexas sob condições naturais do que aquelas simuladas em laboratório. Por exemplo, mesmo aprisionadas sob o gelo invernal, as rãs tendem a se locomover em direção a áreas de temperatura mais elevada, o que parece não fazer sentido com os resultados e considerações energéticas comentados acima. Porém, estas áreas mais quentes são também presumivelmente as áreas de melhor oxigenação, sendo novamente difícil de separar uma resposta puramente termorreguladora daquela associada à disponibilidade do oxigênio. Ademais, vários aspectos ecologicamente relevantes podem ser favorecidos pela tendência em buscar temperaturas mais quentes. Em primeiro lugar, como as espécies que atravessam o inverno sob o gelo, no meio aquático, não são tolerantes ao congelamento, é de vital importância que elas evitem o risco potencial de congelamento e, obviamente, este risco será menor quanto maior for a temperatura. Em segundo lugar, águas mais quentes podem servir como pistas ambientais de áreas de degelo servindo de orientação para a retomada das atividades pelos animais no início da primavera. Finalmente, temperaturas mais elevadas podem favorecer o desempenho das rãs em resposta a fatores externos como risco de predação, por exemplo (Tattersall e Boutilier, 1999; Tattersall e Ultsch, 2008). Balanço térmico e balanço de água Dentre os vertebrados ectotérmicos, os anfíbios foram tradicionalmente relegados a um plano secundário em comparação com os répteis, especialmente os lagartos, em estudos de biologia térmica. Em grande parte devido a sua labilidade no controle da Tc, a termorregulação dos anfíbios pode passar uma primeira impressão de ser desinteressante, pois, em geral, uma regulação ativa da Tc não é   25   aparente e sua temperatura é, quase sempre, pouco diferente da temperatura do ambiente. A regulação da Tc em anfíbios, porém, envolve a interação com outras funções absolutamente relevantes de forma muito mais íntima do que pode ser encontrada em outros grupos animais. Por exemplo, os casos ilustrados acima e discutidos adiante deixam claro que é impossível pensar em termorregulação em anfíbios de maneira dissociada da manutenção de um balanço de água adequado. Interações deste tipo adicionam uma dimensão de complexidade cientificamente estimulante que, associada à alta diversidade de espécies e modos de vida encontrados neste grupo, apontam para o fato de que o potencial para estudos em biologia térmica em anfíbios tem sido largamente subestimado. Situação que, felizmente, vem sendo revertida em anos recentes. Termorregulação Desenvolvimento conceitual Os vertebrados endotérmicos, aves e mamíferos, tratados em outras seções deste livro, normalmente mantém uma Tc relativamente alta e constante. Em contraste, vertebrados ectotérmicos, anfíbios incluídos, dependem primariamente da exploração de fontes externas de calor e, por este motivo, geralmente experimentam uma variação bastante ampla da Tc. Esta variação pode ocorrer ao longo do ciclo circadiano, sazonalmente, ou mesmo no decurso de algumas poucas horas e é largamente ditado por contingências ambientais, i.e., disponibilidade de nichos térmicos. Por estes motivos, historicamente acreditou-se que os animais ectotérmicos, os então chamados animais de sangue-frio, não apresentavam qualquer mecanismo para a regulação da Tc. Tal paradigma permaneceu vigente até que os estudos pioneiros de Cowles e Bogert (1944) demonstraram que répteis encontrados em zonas áridas da América do Norte eram capazes de regular a Tc, primariamente por meio do comportamento. Esta quebra de paradigma conduziu a duas derivações lógicas que logo começaram a ser exploradas com crescente rigor científico: 1- se os animais investem tempo e energia na regulação da Tc é porque sua temperatura deve afetar de maneira importante funções ecologicamente relevantes e, em última instância, a aptidão (tema retomado em seção adiante) e; 2 – se existe uma regulação da Tc, isso pressupõe a existência de um ponto de ajuste (setpoint) para o qual os mecanismos de regulação da Tc devem convergir. Este   26   ponto de ajuste é comumente referido em termos de preferência térmica, temperatura preferencial, ou mais comumente como temperatura corpórea preferida (Hutchison e Dupré, 1992), geralmente determinada em um ambiente artificial onde o custo termorregulador seja inexistente, i.e., em um gradiente térmico. Neste gradiente, os animais são monitorados quanto a sua preferência térmica e o cálculo das Tc’s mais frequentes ou mais apropriadamente o intervalo determinado entre um valor mínimo e máximo, é denominado como a temperatura corpórea preferida (Tpref). A Tpref fornece um parâmetro balizador contra o qual as temperaturas experimentadas pelos animais na natureza podem ser comparadas. Ademais, ela consiste em um atributo organismal consistente que emerge de um controle neural subjacente aos mecanismos de regulação da Tc e independente (idealmente) de contingências externas. A Tpref constitui, portanto, um caráter de enorme relevância para o entendimento da biologia térmica sob uma perspectiva ecológica e evolutiva (Hertz et al., 1993). Em um primeiro momento após a contribuição de Cowles e Bogert (1944), os estudos dedicados à termorregulação em vertebrados ectotérmicos consistiram de um acúmulo enciclopédico de valores de Tc de diferentes espécies, em sua maioria répteis Squamata, registrados quase sempre de maneira pouco criteriosa (para os padrões atuais) e, quando muito, equacionadas contra a temperatura do ar. Foram necessários mais 20 anos para que Heath (1964) demonstrasse que as propriedades físicas de diferentes materiais (e.g., ar, lagartos, sapos, ou no caso do estudo de Heath, latas de cerveja cheias de água) podem gerar diferenças significativas em temperatura que não necessariamente implicam na existência de uma regulação da temperatura (como obviamente era o caso das latas de cerveja). Esta contribuição de Heath culminou na adoção de modelos térmicos que simulam as propriedades físicas envolvidas na troca de calor entre o animal em estudo e o ambiente. Desta forma, o ambiente térmico pode ser amostrado de maneira independente de vieses externos ao organismo em estudo, ou seja, podemos determinar a temperatura operativa que determinado animal teria sob um determinado conjunto de condições no caso de não estar termorregulando. Ademais, a distribuição de frequência de temperaturas operativas amostradas de maneira sistemática e não direcionada em campo fornecem um modelo nulo sobre o qual os valores de Tc dos animais podem ser comparados. Dentro dessa abordagem, quanto maior o desvio entre a distribuição de frequência das temperaturas corpóreas   27   dos animais da distribuição de frequência da temperatura operativa, mais forte é a evidência de que os animais estão termorregulando ativamente. Mas quão bem eles estão termorregulando? Qual a acurácia, precisão e a efetividade da termorregulação? Estas questões apenas recentemente puderam ser abordadas pelo desenvolvimento dos índices térmicos por Hertz et al., (1993) e posteriores modificações (e.g., Christian e Weavers, 1996; Blouin-Demers e Weatherhead, 2001). Não iremos aqui explorar os detalhes destes índices e a racionalização por trás do seu desenvolvimento (ver Hertz et al., 1993). Basta aqui destacar que estes autores foram capazes de situar a Tc dos animais amostrada na natureza dentro de um sistema elegante, biologicamente relevante e matematicamente sólido que incorpora valores de temperatura corpórea preferida e temperatura operativa. Com estes índices passou a ser possível expressar a qualidade térmica do ambiente, a efetividade e a acurácia da termorregulação por meio de indicadores que podem ser objetivamente comparados entre diferentes espécies e situações. O desenvolvimento dos índices termorregulatórios certamente nos fornece o paradigma mais robusto no qual podemos situar estudos de biologia térmica. Este desenvolvimento histórico dos estudos em biologia térmica que acabamos de comentar brevemente, muito possivelmente estaria melhor situado no próximo capítulo deste livro, naquele dedicado aos répteis. Grupo este que, de fato, serviu como a matéria prima fundamental para que esse desenvolvimento ocorresse. Sob muitos aspectos, os estudos sobre a termorregulação em anfíbios ainda consistem na coleção de valores de Tc, por vezes registrados de maneira isolada, pouco criteriosa e desacompanhada de informações úteis para contextualizar os registros. Mais surpreendentemente ainda é constatar que mesmo valores isolados de Tc estão disponíveis apenas para um grupo bastante restrito de espécies. Incrivelmente, apenas há pouco mais de 10 anos, e quase 40 após o trabalho de Heath (1964), foi proposto o uso de modelos para a amostragem de temperaturas operativas de anfíbios (Navas e Araújo, 2000). Não há, até o momento, um único estudo que tenha abordado a biologia térmica de uma espécie de anfíbio no contexto dos índices termorreguladores. A termorregulação, portanto, permanece como um terreno singularmente pouco explorado nos anfíbios.   28   Determinantes da termorregulação Em termos mecanísticos, a regulação da Tc envolve a coleta de informações sobre o ambiente térmico (termossensibilidade), a integração destas informações, geralmente envolvendo algum processamento neural, e a coordenação das respostas efetoras adequadas (Hutchison e Dupré, 1992). Em uma abordagem mais integrativa, porém, a regulação da Tc em determinado nível ou intervalo pode ser pensada a partir da contextualização teórica de um modelo de otimização (ver Angilletta et al., 2002 para uma discussão aprofundada deste tema). Simplificando este modelo ao seu cerne, temos que os animais devem regular a sua Tc em algum ponto onde os custos associados à termorregulação sejam minimizados e os benefícios maximizados. Portanto, por um lado temos que a regulação da Tc em determinado nível deve estar associada a alguma vantagem adaptativa de seus efeitos sobre as funções de desempenho. Enquanto, por outro lado, a regulação da temperatura nestes níveis ótimos é comprometida pela existência de conflitos que podem ser internos (características morfológicas e fisiológicas do animal em estudo) e/ou externos (fatores climáticos, risco de predação ou outras interações ecológicas). Em qualquer momento, os animais buscarão a maximização da melhora do desempenho enquanto minimizam os custos associados. Simples em sua concepção, este arcabouço teórico pode ser desdobrado em uma complexidade absoluta de possibilidades (Angilletta, 2009). De fato, benefícios e custos associados à termorregulação resvalam em praticamente todo e qualquer aspecto da história de vida de um animal. Ademais, a relação entre custos e benefícios associados à regulação da Tc pode variar entre diferentes espécies, em função do ambiente, da época do ano, do estágio de desenvolvimento, do estado fisiológico, etc. Esta variação nos custos/benefícios pode ser traduzida em variações intraespecíficas, geográficas, sazonais, ontogenéticas, associadas à reprodução, alimentação, etc. nos padrões de regulação da temperatura corpórea. Finalmente, coroando esta complexidade, fatores históricos podem influenciar consideravelmente a biologia térmica de um animal, tanto que padrões detectados no presente podem refletir não apenas compromissos atuais, mas também aspectos relacionados ao histórico evolutivo dos animais (Angilletta e Werner, 1998; Angilletta, 2009, Kohlsdorf e Navas, 2006). Em termos de custos envolvidos com a regulação da Tc em anfíbios, talvez o mais relevante seja, de fato, o risco de perda evaporativa de água em excesso. Este   29   é um risco real que certamente permeia a biologia térmica da maioria absoluta dos anfíbios. Por exemplo, apenas em alguns casos muito particulares de anuros arbóreos ou de regiões de altitude, o uso do assoalhamento para ganho de calor assume importância como via de ganho de calor. Porém, nestes casos, uma série de modificações morfológicas, comportamentais e fisiológicas entram em cena para minimizar o conflito potencial entre perda de água e termorregulação (ver Shoemaker et al., 1987; Shoemaker et al., 1992; Wells, 2007). O assoalhamento (exposição ao sol), que pode implicar ainda em riscos ecológicos, uma vez que ao buscarem lugares expostos à radiação solar, aumenta a probabilidade dos animais serem detectados por predadores visualmente orientados. Riscos aumentados de desidratação e/ou predação podem ser computados como custos potencialmente associados à termorregulação, os quais comprometem diretamente a sobrevivência dos animais. No entanto, há outros custos menos óbvios que, apesar de não comprometerem diretamente a sobrevivência dos animais, podem ter consequências importantes para aptidão. Tais custos podem ser computados como compromissos de investimento, de energia e tempo. A energia gasta por um animal para se locomover para/de um microambiente frio/quente com o objetivo de diminuir/aumentar a Tc (shuttling behavior) não pode, obviamente, ser investida em outras atividades ecologicamente relevantes como, por exemplo, produção de ovos. Da mesma forma, o tempo investido na termorregulação pode representar a perda de oportunidades de reprodução ou aquisição de alimento. Equilibrando os custos envolvidos com a regulação da Tc, há os benefícios. E eles podem ser consideráveis. Desempenho motor e sensorial de animais ectotérmicos sabidamente são afetados pela temperatura, e a regulação da mesma em níveis que melhorem tais funções pode ser traduzido em maiores taxas de sucesso na captura de presas, fuga de predadores, interações sociais, atividade reprodutiva, etc. Do mesmo modo, a eficiência de processos celulares e bioquímicos também sofre forte influência da temperatura. Por exemplo, a termorregulação pode melhorar a digestão do alimento e, por consequência, as taxas de crescimento e a energia disponível para investimento em outras atividades ecologicamente relevantes. Neste contexto, uma resposta comumente exibida por animais ectotérmicos (Regal, 1966; Marcellini e Peters, 1982; Brown e Roberts, 2008) incluindo anfibíos anuros (Witters e Sievert, 2001; Gvoždík, 2003), é o aumento da Tc por meio da seleção de locais mais quentes após a ingestão do alimento,   30   geralmente referido como resposta termofílica pós-prandial. O aumento da temperatura corpórea durante a digestão pode otimizar a razão entre quebra enzimática e absorção (Logan et al., 2002), melhorar a motilidade intestinal (Dandrifosse, 1974; Skoczylas, 1978; Stevenson et al., 1985), aumentar a taxa de secreção de ácido gástrico (Diefenbach, 1975a,b; Skoczylas, 1970a,b) e a atividade das enzimas digestivas (Licht, 1964) levando ao aumento da eficiência digestiva (Andrade et al., 2005). A temperatura corpórea pode também afetar a imunocompetência e a capacidade dos animais em combater processos infecciosos. De fato, recentemente, Rowley e Alford (2013) encontraram que o grau de prevalência do fungo Batrachochytrium dendrobatidis, doença emergente implicada em diversos casos de declínios populacionais de anfíbios ao redor do mundo, parece ser afetada por diferenças na Tc de atividade de três espécies de anuros australianos. Entre estas espécies, aquelas com Tc´s mantidas frequentemente acima de 25oC exibiram uma diminuição na probabilidades de infestação pelo fungo (Rowley e Alford, 2013). Resultados similares foram também reportados por Catenazzi et al., (2014) para espécies de anuros encontradas ao longo de um gradiente altitudinal nos Andes peruanos. Em ambos os casos, os resultados podem ser explicados pelo fato de que B. dendrobatidis tem o seu crescimento comprometido em temperaturas fora do intervalo de 17 a 25oC (Piotrowski et. al., 2004). Finalmente, uma mesma espécie de anfíbio pode apresentar um aumento transitório da Tc devido a causas patogênicas, ou seja, uma resposta frequentemente denominada como febre comportamental. Por exemplo, Richards-Zawacki (2010) encontrou que a população de uma espécie de anuro do Panamá alterou sua preferência térmica (produzindo uma febre comportamental) após o aparecimento da infecção pelo mesmo fungo B. dendrobatidis nesta população. Embora a febre em ectotérmicos, incluindo anfíbios (ver Kluger, 1977; Myhre et al., 1977; Bicego-Nahas et al., 2000), seja funcionalmente análoga àquela exibida pelos animais endotérmicos, nos ectotérmicos ela é primariamente sustentada pelo comportamento. Em todo caso, acredita-se que os benefícios da febre envolvam tanto o aumento da imunocompetência do animal infectado como a diminuição da patogenicidade dos agentes infectantes (Kluger et al., 1998; ver também Woodhams et al., 2003). Tanto o aumento da temperatura em resposta à ingestão do alimento como em resposta a algum agente infeccioso ilustram com perfeição como os custos e   31   benefícios associados à regulação da Tc em determinado nível podem ser alterados em função do estado fisiológico. Ademais, devemos considerar que a identificação dos custos e benefícios associados à termorregulação nem sempre é clara e que uma mesma função biológica pode ser impactada de maneira benéfica ou detrimental, na dependência das condições consideradas. Por exemplo, como mencionado anteriormente, o tempo e a energia dedicados à termorregulação podem representar um compromisso de investimento para a produção de gametas ou outros parâmetros quaisquer associados à reprodução. Por outro lado, a regulação da Tc em níveis adequados pode também ser essencial para a maturação dos gametas, o adequado transcorrer do ciclo reprodutivo e exibição eficaz dos comportamentos reprodutivos (ver Browne e Zippel, 2007). Mais adiante, ao revisarmos os efeitos da temperatura sobre diferentes funções em anfíbios, ficará evidente que, muito embora tenhamos um bom volume de dados sobre o assunto, em nenhum caso houve a contextualização explícita de um estudo em particular dentro de um modelo de otimização da termorregulação. Temperatura corpórea Os limites de tolerância térmica, delimitados pelos críticos térmicos mínimo e máximo, normalmente são determinados experimentalmente e serão discutidos posteriormente. O intervalo térmico no qual os anfíbios estão em atividade encontra- se contido dentro do intervalo de tolerância normalmente deslocado em direção à temperatura crítica máxima. Ou seja, tanto Tpref como as temperaturas de atividade encontram-se geralmente mais próximas da temperatura crítica máxima (TcritMAX) do que da critica mínima (TcritMIN) (Duellman e Trueb, 1986; Hillman et al., 2009). A Tc dos anfíbios, registrada para animais ativos na natureza, pode variar de valores negativos em alguns anuros, como Lithobates sylvaticus, e salamandras, como Hydromantes platycephalus (Brattstrom, 1963; 1968), até acima de 40ºC em outras espécies, como juvenis de Rhinella granulosa (Navas et al., 2008) ou adultos de Hyperolius viridiflavus (Kobelt e Linsenmair, 1992) e Tlalocohyla smithii (Brattstrom, 1963; 1968) (Tabela 1-A). A coletânea de dados sobre a Tc de anfíbios na natureza revela, como seria esperado para organismos ectotérmicos, que padrões gerais de variação deste parâmetro são fortemente influenciados pela temperatura ambiental. No entanto, esta relação é também sobreposta a fatores filogenéticos. Por exemplo, o grupo dos Caudata (as salamandras) tem temperaturas corpóreas   32   consideravelmente menores do que Anura (sapos, rãs e pererecas) (Brattstrom, 1963; Feder et al., 1982). Porém, essa diferença pode também estar associada ao fato de que salamandras são majoritariamente encontradas em regiões temperadas com temperaturas tipicamente mais amenas do que nos trópicos, onde encontramos a maioria dos anuros. A relação entre temperatura corpórea e ambiental também pode ser identificada para um mesmo grupo taxonômico. Por exemplo, salamandras das famílias Ambystomatidae e Plethodontidae encontradas em regiões temperadas experimentam temperaturas mínimas mais frias do que os representantes destas mesmas famílias encontrados em regiões tropicais (Feder e Lynch, 1982). O que coincide com o padrão encontrado por Brattstrom (1968; 1970) para diferenças no regime térmico entre anuros de regiões temperadas e tropicais. A relação entre temperatura ambiental e corpórea tanto para salamandras (Feder e Lynch, 1982) como para anuros (Brattstrom, 1968; 1970) também pode ser identificada em função da altitude, com espécies de regiões elevadas experimentando temperaturas menores e regime térmico diário mais amplo (e.g., Tabela 1-B; Carey, 1978; Duellman e Trueb, 1986; Navas, 1996a; 1997). Finalmente, diferenças de hábito e consequentes alterações na dinâmica de troca de calor podem afetar a relação entre temperatura ambiente e corpórea. Por exemplo, em regiões de elevada altitude, salamandras aquáticas exibem Tc’s mais elevadas do que espécies terrestres, provavelmente refletindo a maior estabilidade térmica da água em relação ao ar (Feder e Lynch, 1982).   33   Tabela 1. (A) Temperatura corpórea (Tc) média, e mínima e máxima voluntárias de diversos grupos de anfíbios anuros (modificado de Vitt e Caldwell, 2009). (B) Tc média (± erro padrão) e amplitude de três gêneros de anuros ativos presentes em três elevações diferentes (m) (Modificado de Navas, 1996b). (A)     Mínimo   voluntário  (oC)   Máximo   voluntário  (oC)   Média   (oC)   Número  de   espécies   CAUDATA           Cryptobranchidae   9,8   28,0   —   1   Sirenidae   8,0   26,0   24,0   3   Amphiumidae   —   —   24,0   1   Salamandridae   4,5   28,4   16,0   4   Ambystomatideos   de  regiões   temperadas   1,0   26,7   14,5   9   Ambystomatideos   de  regiões  tropicais   10,5   30,0   19,0   12   Plethodontideos   aquáticos  de   regiões   temperadas   2,0   22,0   11,3   9   Plethodontideos   terrestres  de   regiões   temperadas   -­‐  2,0   26,3   13,5   28   Plethodontideos  de   regiões  tropicais   1,8   30,0   14,2   43   ANURA           Ascaphus   4,4   14,0   10,0   1   Pelobatidae   12,2   25,0   21,4   2   Leptodactylidae   22,0   28,0   24,7   5   Rhinella   3,0   33,7   24,0   17   Hylidae   3,8   33,7   23,7   14   Gastrophryne   15,5   35,7   26,5   2   Lithobates   4,0   34,7   21,3   12     (B)   Espécie   Localidade   Elevação  (m)   Número  de   indivíduos   Tc  (oC)   Amplitude   (oC)   C.  subpunctatus     Colômbia   3500   28   12,6  ±  0,48   7,2  -­‐  19,9   C.  subpunctatus     Colômbia   2900   30   14,3  ±  0,44   10,1  -­‐  19,9   C.  talamancae     Panamá   90   18   26,3  ±  0,12   25,5  -­‐  27,7   C.  flotator     Panamá   90   17   26,6  ±  0,26   24,3  -­‐  27,9   E.  bogotensis     Colômbia   3500   16   6,8  ±  0,45   2,4  -­‐  10,8   E.  bogotensis     Colômbia   2900   29   8,9  ±  0,25   6,8  -­‐  11,9   E.  diastema     Panamá   90   15   24,3  ±  0,21   23,3  -­‐  25,6   H.  labialis     Colômbia   3500   12   11,1  ±  0,22   10,0  -­‐  12,7   H.  labialis     Colômbia   2900   9   12,4  ±  0,40   10,5  -­‐  14,8   H.  microcephala     Panamá   90   16   25,8  ±  0,37   24,1  -­‐  25,8   H.  ebraccata     Panamá   90   16   24,8  ±  0,28   23,4  -­‐  27,1         34   Aclimatação/Aclimatização Térmica A aclimatação constitui o conjunto de respostas e ajustes exibidos por um organismo quando sujeitado experimentalmente a uma mudança de regime térmico (ver Rome et al., 1992). Por outro lado, o conjunto de respostas e ajustes exibidos por um organismo em decorrência de alterações naturais do regime térmico (por exemplo, sazonalmente) é denominado de aclimatização (Pough et al., 1992; Rome et al., 1992). A influência da aclimatação sobre taxa metabólica, tolerância térmica, fisiologia da locomoção e vocalização estão entre os temas mais estudados em anfíbios. Dentre os diferentes grupos, a aclimatação tem sido extensamente estudada em anuros e urodelos, mas não em cecílias. Se por um lado a aclimatação (quando existente/detectada) permite um animal funcionar mais efetivamente em determinada temperatura (Rome et al., 1992), por outro, os fatores e mecanismos envolvidos na aclimatação térmica são complexos e variáveis. Por exemplo, aclimatação não parece afetar a performance locomotora de anuros terrestres adultos (Rome et al., 1992), talvez devido à variabilidade térmica do ambiente terrestre (Temple e Johnston, 1998; Wilson e Franklin, 2000). Balanço hídrico, fotoperíodo, variação sazonal da temperatura ambiental são fatores que podem afetar significativamente a TcritMIN e TcritMAX (tolerância térmica discutida na seção a seguir) e Tpref (Hutchison e Hill, 1976), enquanto o tamanho corpóreo não parece ter influência sobre a aclimatação térmica. Já o estágio de desenvolvimento pode influenciar a tolerância térmica e a aclimatação em algumas espécies, como em Rana pipiens, em que os indivíduos de maior porte apresentam TcritMAX mais altas (Seibel, 1970), mas não em outras, como em Ambystoma tigrinum, em que larvas e adultos apresentam magnitudes e taxas de aclimatação térmica similares (Nietfelt et al., 1980). Girinos e adultos de anuros completamente aquáticos (Wilson e Franklin, 2000) e girinos de anuros com adultos terrestres (Wilson e Franklin, 2000) apresentam melhora significativa na natação em temperaturas baixas devido à aclimatação. Contudo, independente do grupo anfíbio, um padrão geral pode ser traçado da seguinte maneira: TcritMAX aumenta em temperaturas de aclimatação altas e TcritMIN diminui em temperaturas baixas (e.g., Figura 4), além do que a exposição a temperaturas mais baixas resultam na diminuição da TcritMIN. Ainda, a taxa de aclimatação ao frio geralmente é mais lenta do que aclimatação a temperaturas mais altas. Todavia, a magnitude da resposta varia, podendo não ocorrer compensação térmica completa ou a mesma, caso   35   ocorra, prolongar-se por dias ou semanas (Rome et al., 1992). Enquanto salamandras usualmente aclimatam entre 24 e 72 horas, alguns anuros possuem capacidade de aclimatação limitada ou inexistente. Nestes últimos casos, tais espécies apresentam distribuição geográfica restrita e devem, portanto, experimentar mudanças mínimas em seus ambientes térmicos como, por exemplo, anuros encontrados em topos de montanha no leste da Austrália (Brattstrom, 1968; 1970) ou em certas regiões tropicais (Christian et al., 1988). Brattstrom (1968) e Brattstrom e Lawrence (1962) trabalhando com anuros e salamandras na América do Norte e Central chegaram a diversas generalizações a respeito da aclimatação em anfíbios: (i) o regime térmico completo de aclimatação em anuros tropicais é mais amplo comparado a espécies de zonas temperadas; (ii) espécies com distribuição geográfica restrita possuem habilidade restrita de aclimatação; (iii) espécies de zonas de altitude de antigas montanhas dos Estados Unidos e do México são similares às espécies temperadas de latitudes térmicas equivalentes; (iv) espécies de altas altitudes de montanhas mais recentes da América Central são basicamente tipos tropicais de baixas altitudes cuja plasticidade fisiológica é limitada (porém, ver Navas, 1997). Snyder e Weathers (1975) reanalisaram dados de Brattstrom (1968; 1970) sobre tolerância térmica em anfíbios fornecendo duas conclusões similares: (i) populações congêneres e coespecíficas em diferentes habitat possuem caminhos evolutivos parcialmente independentes (i.e., diferenças na TcritMAX ao longo de um transecto altitudinal são esperadas); e (ii) espécies tropicais apresentam menores amplitudes de tolerância que espécies de zonas temperadas.   36     Figura 4. Temperatura crítica máxima (TcritMAX) em função da temperatura de aclimatação em diversas famílias de anfíbios anuros. Modificado de Navas et al., 2008 (com permissão). Dados retirados de Brattstrom, 1968; Mahoney e Hutchison, 1969; Claussen, 1973. Tolerância térmica Existe uma temperatura voluntária mínima e uma voluntária máxima que definem a amplitude de temperaturas que um anfíbio tolerará voluntariamente, por exemplo em um gradiente térmico em laboratório ou na natureza. Este intervalo de temperaturas é denominado de amplitude de tolerância, e animais submetidos, independente se de modo estático ou dinâmico (ver Lutterschmidt e Hutchison, 1997a; Tabela 2), à temperaturas acima ou abaixo dela apresentarão um comprometimento na realização de suas funções. Quanto maior o distanciamento da temperatura em relação à amplitude de tolerância, maior será esse comprometimento (Hillman et al., 2009). Os intervalos térmicos acima ou abaixo dos limites da amplitude de tolerância são chamados de zonas de resistência, estes sendo delimitados pelas temperaturas letais, inferior e superior (porém ver Sunday et al., 2014). Muitos trabalhos denominaram tais limites letais como crítico térmico mínimo e máximo (TcritMIN e TcritMAX), respectivamente. Tais temperaturas críticas demarcariam então os limites térmicos, mínimo e máximo, além dos quais os   37   animais morrem rapidamente, podendo então ser mensurados experimentalmente determinando a mortalidade dos animais em função da variação da temperatura. No entanto, uma abordagem metodológica mais comumente empregada assume que TcritMIN e TcritMAX sejam definidas com base nas temperaturas nas quais os animais perdem a funcionalidade mínima necessária para assegurar sua sobrevivência. Neste estado, que pode ser indicado, por exemplo, pela incapacidade do animal de endireitar o corpo quando virado com o ventre para cima, ocorrência de espasmos ou rigidez muscular, assume-se que o individuo estaria “ecologicamente morto”. É relevante salientar a existência de diferentes métodos para determinação da tolerância térmica, sendo Em revisão sobre o assunto, Lutterschmidt e Hutchison (1997b) recomendam o início de espasmos como ponto limite padrão em conjunção com a perda da resposta motora. Entretanto, algumas espécies de anuros neotropicais não exibem espasmos durante medições tanto de sua TcritMIN quanto da TcritMAX (Navas et al., 2007; Bovo, obs. pessoal). Finalmente, os valores de Tcrit podem ser também utilizados no cálculo de outros parâmetros relevantes para a tolerância térmica, como: (i) “margem de segurança térmica”, dada pela diferença entre a temperatura ótima para desempenho fisiológico (ver Huey e Stevenson, 1979) e a temperatura ambiental média (ou máxima); e, (ii) “tolerância ao aquecimento”, dada pela diferença entre a TcritMAX e a temperatura ambiental máxima (sensu Deutsch et al. 2008; Huey et al., 2009). Na literatura recente há uma discussão vigorosa acerca da tolerância térmica, considerando questões como sua relevância ecológica, protocolos experimentais e validade e confiabilidade de tais medições em laboratório e no campo (e.g., Tabela 2; Chown et al., 2009, 2010; Terblanche et al., 2007, 2011; Rezende e Santos 2012; Ribeiro et al., 2012; Tejedo et al., 2012).   38   Tabela 2. Medições de tolerância térmica aguda em ectotérmicos*. Limite  medido     Descrição   Estresse  dinâmico‡  ou   estático#  usualmente   aplicado   Exemplo   Sobrevivência     Sobrevivência  de  imaturos  ou   adultos  (ou  eclosão/pupação)   após  estresse.   Para  temperaturas  baixas,  =   ponto  de  morte  devido  ao  frio   (cold-­‐death  point,  sensu   Mellanby,  1939)   Uma  ou  outra   abordagem   Brebs  e  Loeschcke,  1999;   Hammond  e  Hofmann,  2010     Perda  de  movimento  ou   atividade     Organismos  tornam-­‐se  inativos   ou  perdem  a  resposta  de   endireitamento  corporal   conforme  a  temperatura  muda.   Temperatura  limite  para  o   movimento  espontâneo    (sensu  Mellanby,  1939)   Dinâmico     Klok  e  Chown,  1997;  Hazell   et  al.,  2008;  Yang  et  al.,   2008   Recuperação     Habilidade  ou  tempo  para   recuperar  a  atividade   locomotora  ou  outra   característica  como  fertilidade   após  estresse  térmico.  Chill   coma  tolerance  (sensu  Gibert  e   Huey,  2001)   Estático     Gibert  e  Huey,  2001   Temperatura  de   recuperação     Temperatura  na  qual  o  animal   recupera  a  habilidade  motora   após  uma  temperatura  de   estresse  total.     Mais  frequentemente  aplicado  a   testes  dinâmicos  em   temperaturas  baixas  (e.g.,  chill   coma  recovery)   Dinâmico       Klok  e  Chown,  2001   Temperatura  de   “knockdown”   Temperatura  na  qual  os  animais   são  derrubados  (=knockdown).     Para  baixas  temperaturas  =  chill   coma  temperature  (sensu   Mellanby,  1939)   Dinâmico     Huey  et  al.,  1992;  Mitchell  e   Hoffmann,  2010   Tempo  de  “knockdown”   Tempo  para  o  knockdown  após   exposição  ao  estresse  térmico     Uma  ou  outra   abordagem   McColl  et  al.,  1996;  Mitchell   e  Hoffmann,  2010   Mudança  na  taxa   metabólica   Mudança  súbita  na  taxa   metabólica  conforme  o  limite   térmico  é  atingido   Dinâmico     Lighton  e  Turner,  2004;   Sinclair  et  al.,  2004;  Stevens   et  al.,  2010   Temperatura  crítica  ou   ponto  de  super-­‐ resfriamento   Exotermia  associada  com  o  calor   latente  de  cristalização   Uma  ou  outra   abordagem   Lee  e  Denlinger,  1991   *Tabela  modificada  de  Terblanche  et  al.,  2011.   ‡  “Dinâmico”  denota  mudança  gradual  de  temperatura,  geralmente  programada  em  taxas  conhecidas.     #  “Estático”  denota  teste  em  temperatura  constante  medindo  o  tempo  até  a  morte  do  animal.     Muitas espécies de anfíbios já tiveram suas tolerâncias térmicas mínima e máxima (letais e ecológicas) mensuradas (e.g., Figura 5; Brattstrom, 1963; 1968; Kobelt e Linsenmair, 1992; Navas et al., 2008). As TcritMIN e a TcritMAX de anfíbios tendem a estar fora da amplitude das Tc’s registradas em campo existindo claramente um considerável “fator de segurança” entre as temperaturas letais e a   39   amplitude térmica (porém, ver Sunday et al., 2014). Por exemplo, o bufonídeo Rhinella marina (anteriormente conhecido como Bufo marinus) apresenta TcritMIN de 11oC e TcritMAX de 41,8oC, enquanto as Tc’s de animais ativos no campo variam de 22oC a 27oC (Brattstrom, 1963). Similarmente, Lillywhite (1970) registrou, para Lithobates catesbeianus (rã touro, anteriormente conhecida como Rana catesbeiana), Tc’s de atividade entre 26ºC e 33ºC na natureza e Tcritmax de 38,2ºC. Navas et al. (2008) registraram juvenis de R. granulosa com Tc’s em campo entre 24ºC e 37,5ºC e Tcritmax de 44.2ºC. Assim como para Tc’s de atividade, padrões de tolerância térmica em anfíbios podem variar em função da altitude e/ou latitude. Por exemplo, Anaxyrus cognatus, habitante de latitudes baixas, apresenta TcritMAX 2,34ºC maior que Anaxyrus hemiophrys de latitudes altas (Schmid, 1965). De maneira geral, anfíbios amplamente distribuídos possuem correlação negativa entre elevação e TcritMAX (Brattstrom 1968, 1970; Snyder e Weathers, 1975; Miller e Packard, 1977), e anfíbios de altitudes elevadas possuem menores TcritMAX (Brattstrom 1968), embora existam diversas exceções (Brattstrom, 1968; Heatwole et al., 1968; Christian et al., 1988). Finalmente, cabe destacar que a tolerância termal, a despeito de sua importância, é apenas um dos fatores envolvidos na determinação do nicho de uma espécie em particular e de sua distribuição geográfica (ver Gouveia et al., 2013).     Figura 5. Temperatura crítica máxima (TcritMAX) mensurada em diversas famílias de anfíbios anuros. Modificado de Navas et al., 2008 (com permissão). Dados retirados de Brattstrom, 1968; Mahoney e Hutchison, 1969; Claussen, 1973.   40   Tolerância a temperaturas baixas Poucos anfíbios são ativos em temperaturas próximas a 0oC. No entanto, algumas salamandras dos gêneros Hydromantes podem ser encontradas ativas a - 2oC, Eurycea a 0oC e Ambystoma a <1oC (Brattstrom, 1963; Ireland, 1976; Feder et al., 1982). Em temperaturas levemente mais altas, algumas espécies de anuros são encontradas em atividade como, por exemplo, Anaxyrus boreas a 3oC (Brattstrom, 1963) e Incilius bocourti a 3,5oC (Stuart, 1951). Quando inativos, uma das estratégias empregadas por diferentes animais para tolerar temperaturas abaixo do ponto de congelamento consiste na diminuição cuidadosa da temperatura corpórea abaixo do ponto de congelamento dos fluidos corpóreos, ou seja, do super- resfriamento. Esta estratégia é bastante arriscada pois qualquer perturbação do sistema, por exemplo, a inoculação por um cristal de gelo do ambiente, promoveria um congelamento imediato, descontrolado e fatal dos animais. Anfíbios possuem uma capacidade baixa de super-resfriamento (geralmente de -2 ou -3oC, apenas) uma vez que seu tegumento altamente permeável à água fornece uma via de inoculação por cristais de gelo do ambiente e, portanto, de congelamento (Storey e Storey, 1986, 1987; Swanson e Graves, 1995; Pinder et al., 1992). Desta forma, em ambientes onde a temperatura ambiente cai abaixo do ponto de congelamento, os anfíbios podem lançar mão de apenas duas estratégias: (i) buscar refúgios termicamente mais amenos e, desta forma, evitar as temperaturas de congelamento; e, (ii) tolerar o congelamento. A primeira estratégia é largamente empregada por diversas espécies de anfíbios conhecidas por hibernar durante os meses frios de inverno. Em geral, estes animais buscam enterrar-se abaixo da linha de congelamento (frost line) ficando, desta forma, protegidos do risco de congelar. Embora esta estratégia de evitar o congelamento não implique em nenhum ajuste funcional importante, em invernos especialmente rigorosos, é possível que ela não seja suficiente para garantir a sobrevivência dos animais (Petranka, 1979; Smith, 1969; Kuzmin, 1999). A tolerância ao congelamento, por outro lado, permite a sobrevivência dos anfíbios em temperaturas abaixo do ponto de congelamento dos fluidos corpóreos (geralmente entre -3 a -6oC) e foi documentada, até o momento, em seis espécies de anuros norte-americanos (Lithobates sylvaticus, Pseudacris crucifer, P. triseriata, P. regilla, Hyla versicolor e H. chrysoscelis) e em uma espécie de salamandra siberiana (Salamandrella keyserlingii) (Schmid, 1982; Wells, 2007;   41   Hillman et al., 2009), a qual parece ser capaz de sobreviver congelada em temperaturas abaixo de -35oC por até 90 anos (Shcherbak e Novalyukh, 1973; Berman et al., 1984). A tolerância ao congelamento depende da produção e acúmulo de crioprotetores (anticongelantes) no espaço intracelular, incluindo glicerol (em Hyla versicolor), glicose (em Pseudacris crucifer, P. triseriata, Lithobates sylvaticus) ou ambos (em Salamandrella keyserlingii). Estes crioprotetores desempenham papéis de grande importância na orquestração dos eventos bioquímicos envolvidos na tolerância ao congelamento. Em primeiro lugar, eles diminuem o ponto de congelamento dos fluidos intracelulares, de forma que o congelamento seja iniciado no espaço extracelular. De fato, o início do congelamento no espaço extracelular é também favorecido pela presença de proteínas nucleadoras, restritas a este compartimento, que promovem o início da formação dos cristais de gelo em temperaturas próximas ao ponto de congelamento dos fluidos corpóreos (evitando, portanto, os riscos associados ao super-resfriamento). Os crioprotetores intracelulares também contribuem para o aumento da concentração osmótica do meio intracelular e, portanto, ajudam a controlar a desidratação das células durante o congelamento. De fato, conforme o congelamento prossegue, a célula tende a perder água osmoticamente para o meio extracelular, onde os cristais de gelo estão sendo formados, e o aumento da concentração osmótica do meio intracelular devido ao acúmulo de crioprotetores ajuda a controlar este processo. Finalmente, os crioprotetores atuam assegurando a integridade estrutural de organelas sub- celulares durante o estado de desidratação osmótica causado pelo congelamento (Storey e Storey, 1988). Quando congelados, respiração, fluxo sanguíneo e batimentos cardíacos dos anfíbios são suspensos (Storey e Storey, 1988; 1992; Ramløv, 2000) e, assim, a capacidade de depressão metabólica e tolerância à isquemia são também cruciais durante o congelamento. Em geral, as espécies de anuros tolerantes ao congelamento toleram a conversão de até 35-45% da água corporal total em gelo, no entanto, Lithobates sylvaticus pode tolerar taxas de até 65% (Storey e Storey, 1992). Durante o inverno, os anfíbios podem experimentar ciclos de congelamento/descongelamento associados à variação na temperatura ambiente. Tais ciclos são importantes, pois a maioria das espécies tolerantes ao congelamento não sobrevive neste estado por intervalos de tempo superiores a algumas semanas.   42   Em geral, a produção de crioprotetores pelos anfíbios não ocorre em antecipação ao inverno. Na verdade, o próprio início do processo de congelamento funciona como sinal para a mobilização do glicogênio hepático e sua distribuição para os tecidos, em geral dentro de algumas horas (Storey e Storey, 1986). Ou seja, para ser tolerado, a taxa de congelamento deve ser relativamente lenta, permitindo a produção e distribuição de crioprotectores por todo o corpo antes que qualquer dano possa ocorrer (Storey e Storey, 1988). Embora não haja acúmulo de crioprotetores no meio intracelular em antecipação ao congelamento, a quantidade de glicogênio acumulada no fígado no início da hibernação afeta a sobrevivência dos animais (Jenkins e Swanson, 2005). Finalmente, há um aumento de cerca de seis vezes na taxa de transporte de glicose pelas membranas celulares de anuros coletados no outono em comparação com animais coletados na primavera (King et al., 1995). A tolerância ao congelamento estende-se até o início da primavera, época em que os animais iniciam as atividades reprodutivas. Para Pseudacris crucifer e Lithobates sylvaticus, os quais reproduzem-se no início da primavera, essa tolerância estendida permite a sobrevivência sob temperaturas altamente variáveis e ocasionalmente abaixo de zero, as quais ocorrem durante o final do inverno e o início da estação reprodutiva na primavera. A tolerância ao congelamento diminui após a emergência da hibernação, especialmente após o início da alimentação (Storey e Storey, 1987). No entanto, a capacidade de tolerar o congelamento é retida mesmo após a emergência, embora limitada pela diminuição das reservas de glicogênio e das taxas de transporte de glicose através da membrana celular. É possível que a tolerância ao congelamento tenha evoluído nos anfíbios de maneira independente por pelo menos três vezes (Wells, 2007) a partir de modificações de respostas fisiológicas pré-existentes associadas à dessecação (Constanzo et al., 1993; Churchill e Storey, 1995). Efeitos da temperatura Toda e qualquer função orgânica sofre os efeitos da temperatura e a cobertura completa deste universo de informação esta além do objetivo desta revisão. Aqui, nós optamos por abordar algumas funções integrativas selecionadas que julgamos como sendo mais ecologicamente relevantes e possivelmente mais impactantes para a aptidão dos anfíbios. Portanto, abaixo iremos discutir   43   brevemente os efeitos da temperatura sobre o metabolismo energético, alimentação e digestão, balanço hídrico, parâmetros associados à locomoção, reprodução, crescimento e desenvolvimento. Possivelmente a variável fisiológica mais integrativa de todas aquelas estudadas com certa regularidade seja a taxa metabólica. A taxa metabólica integra a troca de energia entre os animais e o ambiente físico e, portanto, possui enorme relevância ecológica. Como em outros ectotérmicos, a taxa metabólica dos anfíbios sofre um efeito direto da Tc. Ademais, como em todos os outros organismos, a taxa metabólica dos anfíbios é também afetada pela massa corpórea. A variação entre massa corpórea (M) e taxa metabólica de repouso (TMR) em anfíbios pode ser descrita pela equação alométrica TMR = aMb, onde “a” é o intercepto da regressão alométrica e “b” corresponde ao expoente de massa. Ou seja, o valor de b indica a magnitude de variação da TMR em razão da variação na massa corpórea. Um valor de b igual a 1, por exemplo, corresponde a uma perfeita proporcionalidade entre as variáveis (isometria). No entanto, a taxa metabólica sabidamente varia em relação à massa, inter e intraespecificamente, em valores abaixo da proporcionalidade exata (b< 1, geralmente em valores entre 0,66 e 0,75), significando que animais maiores possuem taxa metabólica massa específica proporcionalmente menor do que animais menores. Em anuros e urodelos, a taxa metabólica aumenta com a massa corpórea na razão de 0,8, aproximadamente, parecendo não diferir consideravelmente entre grupos e tampouco com a temperatura (Gatten et al., 1992). Cecílias, porém, aparentemente possuem taxas metabólicas mais baixas do que anuros e urodelos (Smits e Flanagin, 1994; Stiffler e Talbot, 2000). Se por um lado, a variação da temperatura exerce pouca influência na inclinação da variação alométrica das taxas metabólicas dos anfíbios (valor de b), o intercepto desta relação (valor de a) varia consideravelmente em função da temperatura. Em valores médios, um aumento de 10oC da temperatura resulta em uma duplicação da taxa metabólica, ou seja, em média, o valor do Q10 para a taxa metabólica dos anfíbios gira em torno de 2, embora possa existir considerável variação (de 0,5 a 5, geralmente) (Gatten et al., 1992). A magnitude do Q10 não parece diferir significativamente entre diferentes linhagens e intervalos térmicos, pelo menos na faixa compreendida entre 5oC e 30oC (Gatten et al., 1992). Por outro lado, a sensibilidade da taxa metabólica dos anfíbios às variações de temperatura pode sofrer considerável influência devido à aclimatação (Fitzpatrick, 1973; Dunlap, 1980;   44   Feder, 1982) ou à variação sazonal (Pinder et al., 1992; Withers, 1993; Abe, 1995). A base funcional envolvida na determinação de um valor específico do expoente de massa, ou mesmo a viabilidade da existência de uma base qualquer, constitui um dos temas mais controversos da fisiologia e discussões mais profundas e recentes sobre o tema podem ser encontradas em White e Kearney (2013) e Konarzewski e Ksiazek (2013). As alterações metabólicas decorrentes das variações da temperatura são atendidas por ajustes envolvendo a troca e transporte de gases respiratórios (i.e,. O2 e CO2) pelo sistema cardiorrespiratório. Desse modo, há relatos de que aumentos/reduções na Tc levam a aumento/redução na ventilação pulmonar, na pressão arterial e na frequência cardíaca de algumas espécies de anuros (Pinder et al., 1992), além de alterar diretamente as respostas respiratórias à hipóxia e hipercapnia (Branco et al., 1992). A alimentação dos anfíbios é afetada de forma significativa pela temperatura. A temperatura é conhecida por afetar: (i) a (taxa de) ingestão de alimento; (ii) o episódio da alimentação em si (detecção sensorial da presa, motivação comportamental e desempenho muscular para captura da presa) e; (iii) a digestão. De maneira geral, a ingestão é positivamente correlacionada com a temperatura, existindo naturalmente um intervalo ótimo pra tal. Contudo, dependendo do grupo/espécie estudado/a, diferentes intervalos de temperatura, época do ano, tipo de alimento e duração do experimento influenciam os resultados tanto de ingestão como das demais etapas do processo alimentar (Wells, 2007). A digestão do alimento é acompanhada por um aumento transitório da taxa metabólica, frequentemente referido como Ação Dinâmica Específica (ver Secor, 2009), o qual é causado pelos custos associados à digestão, absorção e assimilação do alimento. Este aumento metabólico pós-prandial nos anfíbios, assim como em outros organismos ectotérmicos, é fortemente afetado pela temperatura. Em anuros, o aumento da Tc causa maiores incrementos das taxas metabólicas pós-prandiais e a concomitante redução da duração da digestão, porém, sem grandes efeitos sobre os custos energéticos do processo (Freed, 1980; Secor et. al., 2007; Secor e Faulkner, 2002, Powell et al., 1999). Portanto, temperaturas mais altas durante a digestão parecem redundar em vantagens de cunho ecológico basicamente pela diminuição do tempo investido nesta atividade. O fato de algumas espécies de anfíbios (salamandras e anuros) exibirem uma preferência por temperaturas mais altas após a alimentação (Lillywhite et al., 1973; Freed, 1980; Feder, 1982; Witters e Sievert,   45   2001) pode indicar que esta resposta termofílica pós-prandial, de fato, redunda em vantagens adaptativas importantes. Finalmente, esta resposta é também frequentemente encontrada nos répteis (Dorcas et. al., 1997; Sievert e Andreadis, 1999; Peterson et al., 1993; Regal 1966; McGinnis e Moore, 1969; Touzeau e Sievert, 1993; ver Capitulo 6). A taxa de perda evaporativa de água em anfíbios varia em função de diversos fatores, dentre eles (i) a pressão de vapor de água no ambiente, a qual é modificada pela (ii) temperatura, (iii) a umidade relativa, (iv) a ocorrência de movimentos de convecção de massa, i.e., correntes de ar, (v) a resistência imposta à evaporação pelo tegumento, e (vi) a área de superfície corpórea exposta (Hillman et al., 2009). A temperatura afeta a perda de água evaporativa exponencialmente via sua influência também exponencial sobre a variação na pressão do vapor de água. Desta forma, a termorregulação encontra-se intrínseca e intimamente associada à regulação do balanço hídrico em anfíbios. Porém, essa relação entre temperatura e balanço de água começou a ficar mais clara (empiricamente) apenas nas últimas décadas (Pitkin, 1978; Warburg e Degani, 1979; Brown et al., 1986; Segura et al., 1987; Dinno e Nagel, 1988). Embora a perda evaporativa de água possibilite evitar o superaquecimento, a consequência disso para o animal, i.e. a desidratação, causa a perda do desempenho que pode, em última instância, ocasionar sua morte (Angilletta, 2009). De modo geral, animais desidratados tipicamente preferem temperaturas menores do que animais hidratados, o que é válido tanto para anfíbios (Shoemaker et al., 1989; Willians e Wygoda, 1993; Dohm et al., 2001), como para outros vertebrados ectotérmicos, como lagartos (Crowley, 1987) e serpentes (Ladyman e Bradshaw, 2003). No tocante aos efeitos da temperatura sobre a locomoção (salto, natação, rastejamento, etc.), é extensa a lista dos estudos analisando as causas, consequências e interação de fatores que afetam o desempenho locomotor dos anfíbios. Este parâmetro organismal é relativamente fácil de ser quantificado, possui relação direta com a fisiologia muscular e pode ser diretamente associado com a aptidão podendo, portanto, ser adequadamente contextualizado em um cenário ecológico e evolutivo (e.g., Feder e Burggren, 1992). De fato, ao afetar o desempenho locomotor, a temperatura afeta toda e qualquer atividade dependente da locomoção como, por exemplo, o forrageio, a fuga de predadores, corte/cópula, construção de ninhos, etc. Além disso, o efeito que a temperatura impõe sobre a   46   locomoção de anfíbios não deriva em uma correlação simples e direta (p.ex., piora ou melhora ou indiferença do desempenho locomotor), uma vez que essa resposta pode variar dependendo da anatomia (estrutura e organização) muscular e a bioquímica envolvida, as quais vão depender da função cardiorrespiratória, estado de saúde/digestivo/reprodutivo/etc. da espécie considerada (ver Rome et al., 1992 e Gatten et al., 1992). A despeito desta miríade de fontes de variação, é possível identificar alguns padrões gerais da influência da temperatura sobre o desempenho locomotor de anfíbios anuros: (i) o desempenho diminui em temperaturas baixas e; (ii) melhora em temperaturas ecologicamente relevantes; (iii) funções de desempenho sofreram adaptações evolutivas em seus ambientes térmicos (ver Figura 3 em Navas et al., 2008). A variação da temperatura afeta significativamente a reprodução de anfíbios e, certamente, está envolvida na evolução das características reprodutivas deste grupo. A começar pelos ciclos reprodutivos de diversas espécies, os quais são afetados, pelo menos em parte, pela variação da temperatura (John-Alder et al., 1988; Parmesan, 2007). Por exemplo, a época de desova na rã Rana esculenta e o tempo de chegada aos corpos d’água pela salamandra Triturus vulgaris têm sido antecipados em cerca de 9 a 10 dias pelo aumento de 1oC na temperatura do ar na Grã-Bretanha (Beebe, 1995). Prosseguindo, encontramos que praticamente todas as etapas envolvidas na reprodução dos anfíbios são impactadas pela temperatura. Por exemplo, a variação da temperatura é conhecida por afetar o comportamento de corte (Denoel et al., 2005), vocalização (Gerhardt, 1994 e referências nele contidas; Navas, 1996c), oviposição (Caldwell, 1986), desenvolvimento embrionário (Moore, 1939; Smith-Gill e Berven, 1979) e mesmo provocar a reversão sexual (Dournon et al., 1990; Wallace et al., 1999). Em relação ao desenvolvimento dos embriões, o aumento da temperatura causa, dentro de certos limites, uma aceleração do processo (Moore, 1939; Bradford, 1990). Contudo, embora espécies adaptadas a regiões mais frias possuam taxas de desenvolvimento mais rápidas em temperaturas frias do que espécies de regiões mais quentes, estas últimas possuem taxas de desenvolvimento absolutas mais rápidas em temperaturas habitualmente encontradas durante a estação reprodutiva (Moore, 1939; Bachmann, 1969). Além da temperatura, a filogenia também é importante: ovos de anuros se desenvolvem mais rapidamente do que de salamandras, mesmo que a temperatura e o tamanho dos ovos sejam os mesmos (Bradford, 1990), provavelmente devido à diferenças   47   nas estratégias de história de vida entre os grupos. Diferenciação (mudança/passagem de um estágio de desenvolvimento para outro) e crescimento (produção de novos tecidos) também são dependentes da temperatura, embora o último seja menos sensível a ela (Wells, 2007). Enquanto o crescimento continua em baixas temperaturas, mesmo que em taxas muito lentas, a difer