UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro Um estudo da localização das últimas curvas invariantes e de tempos característicos em mapeamentos Hamiltonianos bidimensionais Joelson Dayvison Veloso Hermes Rio Claro 2022 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro Um estudo da localização das últimas curvas invariantes e de tempos característicos em mapeamentos Hamiltonianos bidimensionais Joelson Dayvison Veloso Hermes Tese apresentada ao Instituto de Ge- ociências e Ciências Exatas da Uni- versidade Estadual Paulista, câm- pus de Rio Claro como requisito par- cial para a obtenção do título de Doutor em Física. Orientador: Prof. Dr. Edson Denis Leonel Coorientador: Prof. Dr. Iberê Luiz Caldas Rio Claro 2022 H553e Hermes, Joelson Dayvison Veloso Um estudo da localização das últimas curvas invariantes e de tempos característicos em mapeamentos Hamiltonianos bidimensionais / Joelson Dayvison Veloso Hermes. -- Rio Claro, 2022 92 p. : il., tabs. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientador: Edson Denis Leonel Coorientador: Iberê Luiz Caldas 1. Sistemas não lineares. 2. Sistemas dinâmicos. 3. Mapeamentos Bidimensionais. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro Joelson Dayvison Veloso Hermes Um estudo da localização das últimas curvas invariantes e de tempos característicos em mapeamentos Hamiltonianos bidimensionais Tese apresentada ao Instituto de Ge- ociências e Ciências Exatas da Uni- versidade Estadual Paulista, câm- pus de Rio Claro como requisito par- cial para a obtenção do título de Doutor em Física. Comissão Examinadora Prof. Dr. Edson Denis Leonel Prof. Dr. Diego Fregolent M. de Oliveira Prof. Dr. José Danilo Szezech Junior Prof. Dr. Rene Orlando Medrano Torricos Prof. Dr. Ricardo Luiz Viana Conceito: Aprovado Rio Claro, 18 de Novembro de 2022. iv Dedico esta tese de doutoramento à minha família. v Agradecimentos Agradeço primeiramente a Deus por me permitir chegar até aqui. A minha esposa Carina, a meus filhos Júllia Maria e João Lucas que com carinho e paciência foram essenciais para o sucesso desta etapa. Obrigado pelo incentivo e compre- ensão nos momentos de ausência. Aos meus pais, José e Derly, pois deram a vida para que eu pudesse estudar. Ao meu irmão, Kennedy, pelas conversar e sonhos que planejamos juntos. A minha sogra, Dona Hélia (in memoriam), cuja força, coragem e bondade me inspi- raram. Obrigado por sempre se orgulhar de mim. Ao meu orientador e amigo, o professor Edson Denis Leonel, pela enorme ajuda e também por acreditar e confiar no meu potencial. Com o senhor aprendi muito mais que física e sistemas dinâmicos. Ao meu coorientador professor Iberê Luiz Caldas, com o qual tive o prazer de conviver e aprender muito nesses últimos anos. Aos amigos Cadu, Flávio e Valdir por todo apoio e amizade de sempre. Além de muitas risadas! Aos amigos do Grupo de Investigação em Sistemas Complexos e Dinâmica Não Linear da UNESP de Rio Claro por todas as contribuições. Em especial a Célia, Yoná e Diogo por todas as discussões e parcerias nesses últimos anos. A todos os professores que fizeram parte da minha formação desde a educação básica, em especial o amigo e professor Góis e a inesquecível Dona Diana, que me inspiraram e sempre me incentivaram a estudar. A todos os professores do Programa de Pós-graduação em Física da UNESP por todos os ensinamentos e suporte. Agradeço ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais - IFSULDEMINAS, campus Inconfidentes, por possibilitar que eu me dedicasse integralmente ao doutorado. Por fim, agradeço a todos que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho e peço desculpas àqueles que não foram citados neste momento por mera limitação da minha memória, mas estarão sempre guardados no meu coração. vi Resumo O tempo de recorrência de Poincaré e o tempo de Lyapunov fornecem informações im- portantes sobre a complexidade do sistema e estão relacionados a medidas interessantes como a dimensão fractal e o expoente de difusão. Dessa forma, esses tempos caracterís- ticos foram medidos para o mapa padrão e também para o modelo Fermi-Ulam e com isso confirmamos que o tempo de recorrência médio depende do tamanho do intervalo de recorrência escolhido e também da região onde foram tomadas as condições iniciais. Além disso, a dimensão fractal da região foi determinada através da inclinação da curva no gráfico do tempo de recorrência de Poincaré médio em função do tamanho do intervalo de recorrência, para diferentes regiões do espaço de fases. Uma vez que a dimensão fractal está relacionada ao expoente de difusão 𝜇, encontramos para ambos mapeamentos 𝜇 = 1 para as regiões caóticas e longe das ilhas de estabilidade, condizendo com a difusão normal. O tempo de Lyapunov também foi medido para os diferentes domínios dos espaços de fases através de uma determinação direta do expoente de Lyapunov, já que ele é definido como seu inverso. Estudamos o teorema de Slater, o qual está relacionado aos tempos de recorrência. Através dele foi possível localizar a última curva invariante spanning do Mapa Padrão com alta precisão e também determinar o parâmetro crítico responsável pela destruição dessa curva. Investigamos, para o modelo Fermi-Ulam, a localização de curvas invariantes que separam áreas caóticas no espaço de fase. Aplicando o teorema de Slater verificamos que o mapeamento apresenta uma família de curvas invariantes spanning com número de rotação cuja expansão em frações contínuas possui uma cauda infinita de 1’s, atuando como barreiras locais de transporte. Determinamos a destruição de tais curvas e encontramos os parâmetros críticos para isso. A determinação do número de rotação na vizinhança de uma das curvas invariantes permitiu compreender a dinâmica nas proximidades da curva considerada, tanto antes como depois da criticidade. O perfil do número de rotação nos mostrou o caráter fractal da região próximo à curva, pois este perfil possui uma estrutura semelhante a uma “Escadaria do Diabo”. Palavras-chave: Caos; Teorema de Slater; Difusão; Recorrência de Poincaré. vii Abstract Poincaré’s recurrence time and Lyapunov’s time give important information about the complexity of the system and are related to interesting measures such as the fractal dimension and the diffusion coefficient. Thus, these characteristic times were measured for the standard map and also for the Fermi-Ulam model and we confirm that thus the mean recurrence time depends on the size of the chosen recurrence interval and also on the region where the initial conditions were taken. In addition, the fractal dimension of the region was determined by the slope of the curve in the graph of the mean Poincaré recurrence time as a function of the size of the recurrence interval, for different regions of the phase space. Since the fractal dimension is related to the diffusion coefficient 𝜇, we find for both mappings 𝜇 = 1 for the chaotic regions and far from the islands of stability matching the normal diffusion. Lyapunov time was also measured for the different domains of the phase space through a direct determination of the Lyapunov exponent, since it is defined as its inverse. We studied Slater’s theorem, which is related to recurrence times. Through it, it was possible to locate the last invariant spanning curve of the Standard Map with high precision and also to determine the critical parameter responsible for the destruction of this curve. We investigate, for the Fermi-Ulam model, the location of invariant curves that separate chaotic areas in phase space. Applying Slater’s theorem, we verify that the mapping presents a family of invariant spanning curves with rotation number whose expansion in continued fractions has an infinite tail of 1’s, acting as local transport barriers. We determined the destruction of such curves and found the critical parameters for it. The determination of the rotation number in the vicinity of one of the invariant curves made it possible to understand the dynamics in the vicinity of the considered curve, both before and after criticality. The rotation number profile showed us the fractal character of the region close to the curve, as this profile has a structure similar to a “Devil’s Staircase”. Keywords: Chaos; Slater’s Theorem; Diffusion; Poincaré Recurrence. LISTA DE FIGURAS 1.1 Trajetórias no espaço de fases. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 1.2 Representação esquemática da seção de Poincaré. (a) Trajetória “furando” a seção de Poincaré. (b) Primeiras interseções da trajetória com a seção. . 12 1.3 Interseção de uma trajetória situada na superfície de energia com a super- fície de seção 𝑆 definida por 𝜃1 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒. (a) Curva invariante gerada por sucessivas interseções da trajetória com 𝑆. (b) Ressonância primária mostrando as 7 primeiras interseções da trajetória com 𝑆. (c) Ilhas primá- rias em torno dos pontos fixos. (d) Ressonância secundária com três etapas em torno da ressonância primária. (e) Camada caótica situada entre duas curvas invariantes. (f) Camada caótica limitada pelas curvas invariantes primária e secundária. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 1.4 Movimento de um ponto no espaço de fases para um sistema integrável com dois graus de liberdade (a) O movimento está em um toro com 𝐽1 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡., 𝐽2 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡. (b) Desenho esquemático das interseções da trajetória com a superfície de seção 𝜃2 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡. depois de um grande número de interseções. Figura adaptada de Lichtenberg e Lieberman 1992. . . . . . . . 22 2.1 Representação esquemática da recorrência de uma órbita ao intervalo 𝐼 do espaço de fases. Figura adaptada de Altmann 2004. . . . . . . . . . . . . . 29 viii ix Lista de Figuras 2.2 Espaço de fases para o mapa padrão com 𝑘 = 0,8. São destacadas quatro regiões para as quais serão analisadas os tempos característicos definidos nas seções 2.2 e 2.1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.3 Evolução temporal do Expoente de Lyapunov positivo para as regiões in- dicadas no espaço de fases da Figura 2.2. O parâmetro de controle usado foi 𝑘 = 0,8. Cada condição inicial foi evoluída até 𝑛 = 108. . . . . . . . . . 32 2.4 Gráfico do valor numérico de 𝑡𝐿 em função de 𝑘 medido para uma região caótica do espaço de fase. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 2.5 Tempo de recorrência de Poincaré médio em função do intervalo de recor- rência 𝛿 para as diferentes regiões indicadas no espaço de fases apresentado na Figura 2.2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.6 (a) Espaço de fases para o mapa padrão com 𝑘 = 0,8. (b) Gráfico da mesma região de (a) com a escala de cores representando em escala logarítmica o tempo de recorrência de Poincaré médio ⟨𝑡𝑟⟩. . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 2.7 Representação esquemática do Modelo Fermi-Ulam. O movimento da parede móvel é dado por 𝑥𝑤(𝑡) = 𝜖𝑐𝑜𝑠(𝜔𝑡). A parede fixa está localizada em 𝑥 = 𝐿. 35 2.8 Representação gráfica do espaço de fase para o modelo Fermi-Ulam com a aproximação de paredes fixas. O parâmetro de controle usado foi 𝜀 = 10−3. 37 2.9 O gráfico ilustra a evolução temporal do expoente Lyapunov positivo para as regiões marcadas no espaço de fase da Figura 2.8. O parâmetro de controle usado foi 𝜀 = 10−3. Cada condição inicial foi evoluída até 𝑛 = 108 colisões com as paredes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 2.10 Gráfico do valor numérico de 𝑡𝐿 em função de 𝜀 medido para uma região caótica do espaço de fase. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.11 (a) Gráfico de uma região ampliada do espaço de fases mostrado na Figura 2.8 onde duas grandes ilhas são observadas, uma acima e outra abaixo da primeira curva invariante. (b) Gráfico da mesma região de (a) com a escala de cores representando em escala logarítmica o tempo de recorrência de Poincaré médio ⟨𝑡𝑟⟩. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 x Lista de Figuras 2.12 Gráfico do tempo de recorrência de Poincaré médio ⟨𝑡𝑟⟩ em função do tamanho do intervalo de recorrência 𝛿, para as diferentes regiões indicadas na Figura 2.8. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 3.1 Esboço do espaço de fases para o mapa padrão mostrando a transição de caos local para caos global, considerando os seguinte parâmetros: (a) 𝑘 = 0,50; (b) 𝑘 = 0,75; (c) 𝑘 = 0,97; e (d) 𝑘 = 2,00. . . . . . . . . . . . . . 47 3.2 (a) Espaço de fases para o Mapa Padrão dado pela equação 3.5 com 𝑘 = 0,97. A curva invariante spanning encontrada pelo teorema de Slater está destacada em vermelho. (b) Ampliação do espaço de fases de (a), nas proximidades da curva invariante. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.3 Espaço de fases para o Modelo Fermi-Ulam dado pela equação (3.7) com a curva invariante encontrada pelo teorema de Slater destacada em vermelho (curva 1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 3.4 Ampliação do espaço de fases na vizinhança da curva 1 (curva vermelha). As curvas em azul satisfazem ao Teorema de Slater. (a) 𝜖 = 5 · 10−4 e (b) 𝜖 = 𝜖𝑐 = 5,652 · 10−4. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 3.5 (a) Espaço de fase para o Modelo de Fermi-Ulam com 𝜀 = 5 ·10−4. Todas as curvas invariantes encontradas pelo Teorema de Slater são destacadas. (b) Ampliação da região abaixo da primeira curva invariante spanning (curva vermelha). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 3.6 Gráfico de 𝑉 𝑣𝑠. 𝜀𝑐. Um ajuste em lei de potência nos dá 𝛼 = 0,4987(1). . 57 3.7 Gráfico de 𝜔 𝑣𝑠. 𝑉 . Um ajuste em lei de potência nos dá 𝜔 = 0,31879·𝑉 −0,99909. 59 3.8 Detalhe do espaço de fases na vizinhança da curva 1 (curva vermelha), (a) 𝜖 = 5 · 10−4 e (b) 𝜖 = 𝜖𝑐 = 5,652 · 10−4. (c,d) A mesma região de (a) e (b) onde a escala de cor corresponde a parte decimal do número de rotação. . . 60 3.9 (a) Detalhe do espaço de fase nas proximidades da curva 1 (curva vermelha). (b) Perfil do número de rotação calculado ao longo da linha azul destacada em (a), alguns valores do número de rotação são indicados na figura e uma ampliação é feita na região próxima à curva invariante. . . . . . . . . . . . 61 LISTA DE TABELAS 2.1 Valores numéricos para 𝜆 e 𝑡𝐿 para as regiões indicadas no espaço de fases da Figura 2.2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 2.2 Valores numéricos para 𝜆 e 𝑡𝐿 para as regiões indicadas no espaço de fases da Figura 2.8. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 3.1 Representação em frações contínuas do irracional 1/𝛾 assim como algumas de suas convergentes obtidas pelo truncamento da expansão. . . . . . . . . 46 3.2 Representação em frações contínuas do irracional (1 − 1/𝛾) assim como algumas de suas convergentes obtidas pelo truncamento da expansão. . . . 49 3.3 Valor de 𝜀 crítico para cada uma das curvas da Figura 3.4. . . . . . . . . . 56 3.4 Números de rotação encontrados para cada uma das curvas da Figura 3.5. A coluna 1 identifica a curva. A coluna 2 fornece o número de rotação obtido da equação (3.10), cujo valor numérico está muito próximo do resultado analítico mostrado na coluna 3 e previsto da expansão apresentada na coluna 4. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 A.1 Representação em frações contínuas do número 𝜋 assim como algumas de suas convergentes obtidas por truncamentos das expansões por frações contínuas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 xi SUMÁRIO Introdução 1 1 Conceitos Fundamentais 5 1.1 Sistemas Hamiltonianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 1.1.1 Transformações Canônicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 1.1.2 Movimento no espaço de fases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 1.1.3 Seção de Poincaré . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 1.1.4 Variáveis Ângulo Ação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 1.2 Sistemas Integráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 1.3 Sistemas Quase Integráveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 1.4 Sistemas Hamiltonianos como mapeamentos canônicos . . . . . . . . . . . 20 2 Tempos Característicos 26 2.1 O Tempo de Lyapunov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 2.2 O Tempo de Recorrência de Poincaré . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 2.3 Tempos Característicos para o Mapa Padrão . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 2.4 Tempos Característicos para o Modelo Fermi-Ulam . . . . . . . . . . . . . 35 3 Localização de Curvas Invariantes do tipo Spanning 43 3.1 O Teorema de Slater . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 xii xiii SUMÁRIO 3.2 A última curva invariante do mapa padrão . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 3.3 Curvas invariantes no Modelo Fermi-Ulam . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 3.3.1 Uma análise dos números de rotação . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 Considerações Finais e Perspectivas 63 A Aproximações por frações contínuas 66 Referências Bibliográficas 70 INTRODUÇÃO Tradicionalmente os estudos em sistemas dinâmicos remetem-se a uma grande variedade de pesquisadores, um deles é Henri-Poincaré, que, através de problemas de Mecânica Celeste [1] conseguiu perceber a utilidade nos estudos de estruturas topológicas no espaço de fases de trajetórias dinâmicas, que posteriormente viriam receber contribuições de G. P. Birkhoff [2], principalmente no que se refere à teoria ergódica e fundamentos de Mecânica Estatística, fortalecendo as bases teóricas iniciadas por Poincaré. Enquanto isso, na Rússia, Alexander Lyapunov estudava a transição de estabilidade de um conjunto compacto. Ele tentava encontrar números que representassem essa transição de ordem para o caos. Mais tarde, mesmo com um certo ceticismo na época, com relação à teoria do caos, entre os anos 1960 e 1970 o estudo sobre o movimento caótico foi impulsionado pelo início das simulações computacionais e a partir de então começou a ser desvendado. Nesse contexto, Lorenz [3], com a finalidade de estudar problemas relacionados à previsão meteorológica para tempos longos, analisou as equações associadas a processos físicos envolvendo convecção térmica bidimensional e percebeu a impraticabilidade de tal previsão devido às imprecisões na determinação das condições iniciais. Surge então a introdução dos conceitos de atrator estranho e de sensibilidade às condições iniciais [4, 5]. Porém, levou algum tempo para que essa área de estudos se estabelecesse, seu desen- volvimento se deu em várias frentes. Uma delas se refere à classe de sistemas integráveis. Outra vertente estava relacionada com sistemas quase integráveis, a qual está associada ao 1 chamado teorema KAM (enunciado por Kolmogorov, demonstrado para fluxos por Arnold e para mapas por Moser) [6, 7, 8, 9]. Tal teorema estabelece que sistemas obtidos por perturbações suficientemente pequenas de um sistema integrável, terão trajetórias sobre os toros invariantes dos respectivos sistemas integráveis. Assim, esses toros invariantes são destruídos por perturbações suficientemente grandes. Complementarmente, Chirikov em [10] apresentou um método para se estimar a amplitude perturbativa necessária para a destruição dessas superfícies invariantes. Atualmente o estudo de sistemas que apresentam comportamento caótico vem ocor- rendo em várias vertentes. Uma parte importante no estudo de sistemas caóticos está relacionada ao fenômeno de difusão. A difusão de partículas tem intrigado cientistas de diferentes áreas ao longo dos anos. As aplicações são as mais amplas possíveis, desde medicinal [11], onde uma droga médica ou química específica se difunde no sangue para alcançar seu destino, infiltração de água [12] na superfície do planeta, difusão de pólen de plantas [13], poluição do ar [14] ou da água [15] e muitas outras. Em sistemas dinâmicos a difusão pode ser tratada pela solução da equação da difusão [16] levando a resultados comprovando invariância de escala em sistemas caóticos [17]. Em sistemas Hamiltonianos, entretanto, o fenômeno de difusão está relacionado também à recorrência de Poincaré [18], definida como o tempo que uma partícula gasta se movendo ao longo do espaço de fase para retornar a uma região específica de onde ela partiu. Sabe-se que esse tempo obedece a leis específicas [19, 20, 21, 22] que confirmam a existência de stickiness, ou seja, aprisionamento de trajetórias [23, 24, 25, 26, 27, 28, 29], portanto, difusão anômala1 [30, 31, 32, 33] e difusão normal [34, 35, 36]. Além disso, o estudo de sistemas Hamiltonianos bidimensionais conecta várias áreas, isso se deve a capacidade do formalismo Hamiltoniano em descrever uma grande variedade de modelos. Esse formalismo é aplicado em fluxos [37, 38], propriedades de transporte [39, 40, 41], linhas de campos magnéticos [42, 43], guias de ondas [44, 45], aceleração de Fermi [46, 47] entre outros [48, 49]. Para esse tipo de sistemas, o teorema KAM garante que 1Difusão anômala é um termo usado para descrever um processo de difusão com uma relação não linear ao tempo, em contraste ao típico processo de difusão (difusão normal), no qual o deslocamento quadrático médio de uma partícula é uma função linear do tempo. para perturbações suficientemente pequenas alguns toros invariantes (curvas invariantes) ainda persistem, os quais atuam como barreira de transporte, limitando o tamanho do mar de caos. Esta propriedade é válida apenas no espaço de fase bidimensional porque a dimensão da superfície invariante difere em uma unidade do espaço. Caso contrário, superfícies invariantes em sistemas de alta dimensão não dividem o espaço de fase e, portanto, não representam barreiras para as trajetórias caóticas. Nessas circunstâncias, essas curvas exercem um papel crucial no estudo das propriedades de transporte, difusão e escalas no mar de caos, entre outras aplicações. Em física, é importante prever a quebra de curvas invariantes porque, em dois graus de liberdade, tais curvas representam barreiras no espaço de fase, desempenhando um papel crucial para o confinamento e transporte de partículas. Isto posto, nosso objetivo principal é investigar as condições que levam à destruição dessas curvas em mapeamentos Hamiltonianos bidimensionais, particularmente aplicando o teorema de Slater [50]. Assim como investigar algumas propriedades dos tempos característicos, sendo eles o tempo de recorrência 𝑡𝑟 e o tempo de Lyapunov 𝑡𝐿. Sobre esta tese Esta presente tese de doutoramento é resultado de estudos realizados no Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) durante o período de fevereiro de 2019 a novembro de 2022 sob orientação do Prof. Dr. Edson Denis Leonel e coorientação do Prof. Dr. Iberê Luiz Caldas. Parte dos resultados obtidos estão publicados nos seguintes artigos: - Characteristic Times for the Fermi–Ulam Model. Joelson D. V. Hermes and Edson D. Leonel. International Journal of Bifurcation and Chaos - World Scientific Publishing Company, Vol. 31:2130004, No. 2 (2021). - Break-up of invariant curves in the Fermi-Ulam model. Joelson D.V. Hermes, Marcelo A. dos Reis, Iberê L. Caldas, Edson D. Leonel. Chaos, Solitons and Fractals, Vol. 162:112410 (2022). - Application of the Slater criteria to localize invariant tori in Hamiltonian mappings. Yoná H. Huggler, Joelson D. V. Hermes, Edson D. Leonel. Chaos 32:093125, (2022). A organização desta tese ocorre da seguinte forma. No capítulo 1, apresentamos um resumo de alguns conceitos básicos de mecânica Hamiltoniana. O capítulo 2 apresenta uma análise sobre os tempos característicos, sendo eles o tempo de Lyapunov 𝑡𝐿 e o tempo de recorrência de Poincaré 𝑡𝑟. Primeiramente analisamos esses tempos para o Mapa Padrão recuperando alguns resultados presentes na literatura e na sequência repetimos o estudo para o modelo Fermi-Ulam, o que possibilitou uma comparação com os resultados já conhecidos para outros mapeamentos, principalmente com o Mapa Padrão. Tal estudo nos permitiu relacionar o tempo de recorrência de Poincaré ao conceito de dimensão fractal, assim como, ao fenômeno de difusão, sendo possível classificar as diferentes regiões do espaço de fases desses mapeamentos com relação a estes conceitos. No capítulo 3, exploramos o teorema de Slater para estudar o comportamento de curvas invariantes e com isso prever o valor da perturbação para o qual essas curvas são destruídas. Tal estudo nos possibilitou recuperar o bem conhecido parâmetro crítico, 𝑘𝑐 = 0,971635..., para o Mapa Padrão, além de encontrarmos uma família de curvas invariantes bastante robustas no Modelo Fermi-Ulam. No último capítulo trazemos nossas considerações finais e perspectivas de trabalhos futuros. Um estudo mais detalhado sobre frações contínuas onde apresentamos uma definição formal e algumas propriedades para esse tipo de frações estão no apêndice A. CAPÍTULO 1 CONCEITOS FUNDAMENTAIS Neste capítulo revisaremos brevemente alguns conceitos da mecânica Hamiltoniana, os quais são mais pertinentes ao tratamento de problemas de dinâmica no espaço de fases. 1.1 Sistemas Hamiltonianos 1.1.1 Transformações Canônicas As equações de movimento podem ser obtidas de várias formas [51], uma delas é através da introdução de um função Lagrangiana 𝐿 𝐿(𝑞,𝑞,𝑡) = 𝑇 (𝑞,𝑞) − 𝑈(𝑞,𝑡), (1.1) onde 𝑞 e 𝑞 são respectivamente vetores coordenada generalizada e velocidade generalizada, 𝑇 é a energia cinética, 𝑈 é a energia potencial e quaisquer restrições são consideradas independentes do tempo. Em termos de 𝐿 as equações de movimento são 𝑑 𝑑𝑡 𝜕𝐿 𝜕𝑞𝑖 − 𝜕𝐿 𝜕𝑞𝑖 = 0, (1.2) 5 6 1.1. Sistemas Hamiltonianos isso para cada variável 𝑞𝑖. A equação (1.2) pode ser derivada do princípio variacional ou então simplesmente por uma comparação direta com as leis do movimento de Newton. Dessa forma, a Hamiltoniana 𝐻 pode ser definida como: 𝐻(𝑝,𝑞,𝑡) = 𝑛∑︁ 𝑖=1 𝑞𝑖𝑝𝑖 − 𝐿(𝑞, 𝑞, 𝑡), (1.3) onde 𝑞 é considerado uma função de 𝑞 e 𝑝, assim, se tomarmos a diferencial de 𝐻 temos 𝑑𝐻 = 𝑛∑︁ 𝑖=1 𝜕𝐻 𝜕𝑞𝑖 𝑑𝑞𝑖 + 𝑛∑︁ 𝑖=1 𝜕𝐻 𝜕𝑝𝑖 𝑑𝑝𝑖 + 𝜕𝐻 𝜕𝑡 𝑑𝑡 = 𝑛∑︁ 𝑖=1 𝑝𝑖𝑑𝑞𝑖 + 𝑛∑︁ 𝑖=1 𝑞𝑖𝑑𝑝𝑖 − 𝑛∑︁ 𝑖=1 [︃ 𝜕𝐿 𝜕𝑞𝑖 𝑑𝑞𝑖 + 𝜕𝐿 𝜕𝑞𝑖 𝑑𝑞𝑖 ]︃ − 𝜕𝐿 𝜕𝑡 𝑑𝑡. (1.4) A equação (1.4) pode ser satisfeita se 𝑝𝑖 for definido da seguinte forma 𝑝𝑖 ≡ 𝜕𝐿 𝜕𝑞𝑖 , (1.5) com isso o primeiro somatório se anula e as equações do movimento são obtidas envolvendo apenas as primeiras derivadas �̇�𝑖 = −𝜕𝐻 𝜕𝑞𝑖 , (1.6) 𝑞𝑖 = 𝜕𝐻 𝜕𝑝𝑖 , (1.7) 𝜕𝐿 𝜕𝑡 = −𝜕𝐻 𝜕𝑡 , (1.8) o conjunto de 𝑝 e 𝑞 é conhecido como momentum e coordenadas generalizadas e as equações (1.6), (1.7) e (1.8) são as equações de Hamilton. Um conjunto de variáveis 𝑝 e 𝑞 que satisfazem (1.6) e (1.7) é dito canônico e as variáveis 𝑝 e 𝑞 são conjugadas [52]. Se desejarmos transformar o conjunto de variáveis canônicas 𝑝 e 𝑞 em um novo conjunto 𝑝 e 𝑞, podemos relacioná-las por uma função 𝐹 , assim teríamos a nova Hamiltoniana �̄�(𝑝, 𝑞, 𝑡) = 𝐻(𝑝,𝑞,𝑡) + 𝜕 𝜕𝑡 𝐹 (𝑞, 𝑞,𝑡). (1.9) 7 1.1. Sistemas Hamiltonianos Existem dois casos de interesse, um com uma Hamiltoniana como uma função explícita do tempo, e outro com a Hamiltoniana não explícita do tempo, chamado de autônomo. No primeiro caso, �̄� ≡ 0, isto é equivalente a obter novas coordenadas generalizadas cujas derivadas no tempo são zero, a partir das equações canônicas de movimento. As novas coordenadas são constantes que podem ser interpretadas como valores iniciais das coordenadas não transformadas. Assim, as equações de transformação são as soluções que fornecem a posição e o momentum a qualquer instante em termos dos valores iniciais, como se segue 𝐻 (︃ 𝜕𝐹 𝜕𝑞 , 𝑞,𝑡 )︃ + 𝜕𝐹 𝜕𝑡 = 0. (1.10) Para o segundo caso no qual 𝐻 é independente do tempo, precisamos apenas definir �̄� igual a uma constante e com isso 𝐻 (︃ 𝜕𝐹 𝜕𝑞 , 𝑞 )︃ = 𝐸, (1.11) a qual é conhecida como equação de Hamilton-Jacobi. Aliado a esses conceitos, surge uma importante quantidade dinâmica, o parênteses de Poisson, definido da seguinte forma [𝑢,𝑣] = 𝑛∑︁ 𝑘 (︃ 𝜕𝑢 𝜕𝑞𝑘 𝜕𝑣 𝜕𝑝𝑘 − 𝜕𝑣 𝜕𝑞𝑘 𝜕𝑢 𝜕𝑝𝑘 )︃ , (1.12) onde 𝑢 e 𝑣 são funções arbitrárias de coordenadas generalizadas. As equações de movimento podem ser escritas no formato de parênteses de Poisson, escolhendo 𝑢 como coordenada e 𝑣 como Hamiltoniana, [𝑞𝑖,𝐻] = 𝑛∑︁ 𝑘 (︃ 𝜕𝑞𝑖 𝜕𝑞𝑘 𝜕𝐻 𝜕𝑝𝑘 − 𝜕𝐻 𝜕𝑞𝑘 𝜕𝑞𝑖 𝜕𝑝𝑘 )︃ = 𝜕𝐻 𝜕𝑝𝑖 . (1.13) Comparando com as equações de Hamilton, temos 𝑞𝑖 = [𝑞𝑖,𝐻], (1.14) 8 1.1. Sistemas Hamiltonianos e, de forma análoga �̇�𝑖 = [𝑝𝑖,𝐻]. (1.15) Usando as equações de Hamilton para �̇� e 𝑞 a derivada total de uma função arbitrária 𝐺 = 𝐺(𝑝,𝑞,𝑡) pode ser escrita da seguinte forma 𝑑𝐺 𝑑𝑡 = 𝑛∑︁ 𝑖 (︃ 𝜕𝐺 𝜕𝑞𝑖 𝜕𝐻 𝜕𝑝𝑖 − 𝜕𝐺 𝜕𝑝𝑖 𝜕𝐻 𝜕𝑞𝑖 )︃ + 𝜕𝐺 𝜕𝑡 = [𝐺,𝐻] + 𝜕𝐺 𝜕𝑡 . (1.16) Para 𝐺 sendo uma função que não depende explicitamente do tempo, 𝜕𝐺/𝜕𝑡 = 0, e se os parênteses de Poisson [𝐺,𝐻] se cancelam, dizemos que 𝐺 comuta com 𝐻 e 𝐺 é uma constante do movimento. Temos ainda que, se a Hamiltoniana não é uma função explícita do tempo, então ela é uma constante, assim, se escolhemos a função 𝐺 como uma das variáveis de momentum da coordenada conjugada, isto é 𝜕𝐻/𝜕𝑞𝑖 = 0, obtemos de (1.16) que 𝑑𝑝𝑖/𝑑𝑡 = 0, e assim 𝑝𝑖 é uma constante de movimento 𝑝𝑖 = 𝛼𝑖 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒, (1.17) 𝑞𝑖 = 𝜕𝐻 𝜕𝛼𝑖 = 𝜔𝑖. (1.18) Se 𝜕𝐻/𝜕𝛼𝑖 é uma função apenas de 𝛼𝑖, então 𝜔𝑖 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒 e, integrando (1.18) temos 𝑞𝑖 = 𝜔𝑖𝑡+ 𝛽𝑖, (1.19) a qual fornece uma solução para as variáveis dependentes do tempo. Logo, se for possível encontrar uma transformação canônica que transforme todo momentum em constante, (1.19) e (1.17) são soluções do sistema de coordenadas transformadas e a transformação inversa nos dá a solução nas coordenadas originais, logo para determinarmos a solução da equação de Hamilton-Jacobi precisamos fornecer a função geradora necessária para a transformação. É importante notar que a utilidade de uma transformação de variáveis está em escolher bem a transformação: ela pode facilitar tanto a resolução do sistema quanto a análise e 9 1.1. Sistemas Hamiltonianos interpretação física. Devemos lembrar que a transformação canônica não introduz nova física ao problema, ou seja, as propriedades inerentes ao problema permanecem as mesmas tanto nas variáveis antigas quanto nas novas. 1.1.2 Movimento no espaço de fases Se considerarmos que conseguimos resolver as equações de movimento de Hamilton apresentadas na seção anterior, teríamos 𝑁 graus de liberdade, dado que 𝑖 vai de 1 até 𝑁 . Além disso, com estas equações temos 2𝑁 equações de movimento que são as coordenadas e momenta iniciais nos 𝑁 graus de liberdade. Essas constantes determinam univocamente o movimento subsequente, o qual também pode ser pensado como o movimento de um ponto através de um espaço 2𝑁 -dimensional. Assumindo que resolvemos as equações de Hamilton para 𝑝 e 𝑞 como função do tempo, no espaço 2𝑁 -dimensional com coordenadas 𝑝 e 𝑞, nós poderíamos seguir as trajetórias a partir de um ponto 𝑡1, correspondente às coordenadas iniciais 𝑝1 e 𝑞1, até um tempo 𝑡2. Este espaço 𝑝 − 𝑞 é chamado de espaço de fases do sistema [18]. A Figura 1.1 mostra a trajetória de algumas condições iniciais, onde representamos o espaço de fases em duas dimensões com o momentum 𝑝 ao longo da ordenada e as posições 𝑞 ao longo da abscissa. Lichtenberg e Lieberman em [18] destacam que existem três importantes propriedades desse espaço de fases, que são as seguintes: i. Em nenhum instante de tempo as trajetórias do espaço de fases se cruzam, uma vez que as condições iniciais determinam univocamente o estado subsequente. Caso esse cruzamento ocorresse, essas trajetórias teriam, nesse instante, os mesmos valores de 𝑝 e 𝑞 e logicamente o movimento subsequente seria idêntico ou indeterminado. Para o caso em que a Hamiltoniana é independente do tempo, as trajetórias no espaço de fases também são, e com isso não podem se cruzar no espaço de fases. ii. Uma fronteira 𝐶1 no espaço de fases, a qual limita um grupo de condições iniciais em 𝑡1, se transformará em uma fronteira 𝐶2 em 𝑡2, que limita o mesmo número de condições iniciais. Essa segunda propriedade segue diretamente da primeira, uma vez 10 1.1. Sistemas Hamiltonianos Figura 1.1: Trajetórias no espaço de fases. que qualquer movimento no interior da fronteira, ao se aproximar dela, deve então ter as mesmas condições iniciais para o movimento subsequente que a fronteira e, assim, mover-se de forma idêntica a ela. Tal propriedade é dita de longo alcance, pois uma quantidade grande de condições iniciais, no interior, segue um número bem menor de condições iniciais da fronteira. iii. Considere um ensemble de condições iniciais, cada uma delas representando um possível estado do sistema. Nós expressamos a probabilidade de um dado ensemble ou distribuição de densidade de pontos do sistema no espaço de fases como 𝜏 = 𝜏(𝑝,𝑞,𝑡). (1.20) Se normalizarmos 𝜏 de forma que ∫︁ 𝜏 ∏︁ 𝑖 𝑑𝑝𝑖𝑑𝑞𝑖 = 1, (1.21) então 𝑑𝒩 = 𝜏 ∏︀ 𝑖 𝑑𝑝𝑖𝑑𝑞𝑖 é a probabilidade de que, no momento 𝑡, o conjunto tenha uma condição inicial associada a 𝑖-ésima coordenada com posição entre 𝑞𝑖 e 𝑞𝑖 + 𝑑𝑞𝑖 e momento entre 𝑝𝑖 e 𝑝𝑖 + 𝑑𝑝𝑖. A taxa de variação do número de pontos de fase 𝑑𝒩 , 11 1.1. Sistemas Hamiltonianos dentro do volume infinitesimal do espaço de fases ∏︁ 𝑖 𝑑𝑝𝑖𝑑𝑞𝑖, (1.22) é obtida pela equação de continuidade 𝜕 𝜕𝑡 𝑑𝒩 + ∑︁ 𝑖 (︃ 𝜕 𝜕𝑝𝑖 (𝑑𝒩 �̇�𝑖) + 𝜕 𝜕𝑞𝑖 (𝑑𝒩 𝑞𝑖) )︃ = 0. (1.23) Se dividirmos a equação anterior pelo volume, nós obtemos a taxa de variação de densidade para uma posição fixa no espaço de fases: 𝜕𝜏 𝜕𝑡 + ∑︁ 𝑖 (︃ �̇�𝑖 𝜕𝜏 𝜕𝑝𝑖 + 𝜏 𝜕�̇�𝑖 𝜕𝑝𝑖 + 𝑞𝑖 𝜕𝜏 𝜕𝑞𝑖 + 𝜏 𝜕𝑞𝑖 𝜕𝑞𝑖 )︃ = 0. (1.24) Das equações de Hamilton para �̇�𝑖 e 𝑞, o segundo e quarto termos de (1.24) se cancelam e obtemos ∑︁ 𝑖 (︃ �̇�𝑖 𝜕𝜏 𝜕𝑝𝑖 + 𝑞𝑖 𝜕𝜏 𝜕𝑞𝑖 )︃ + 𝜕𝜏 𝜕𝑡 = 0, (1.25) que é a comprovação da incompressibilidade do fluxo no espaço de fases. Este resultado é conhecido como teorema de Liouville e é uma poderosa ferramenta para examinar a dinâmica de um sistema. 1.1.3 Seção de Poincaré Sistemas com muitos graus de liberdade podem ser bastante difíceis de se tratar devido à dimensão do espaço de fases, haja vista que um sistema autônomo com 𝑁 graus de liberdade teria um espaço de fases 2𝑁 -dimensional. No entanto, esses sistemas são de grande interesse físico, além da possibilidade de apresentar um comportamento caótico. Dentre os sistemas autônomos, os mais simples que teriam a possibilidade de apresentar caos, são aqueles de dois graus de liberdade, cujo correspondente espaço de fases tem 4 dimensões, e a visualização do movimento é muito complicada. Porém, como a energia total permanece constante durante o movimento, tem-se de fato 3 variáveis independentes, limitando o movimento a uma superfície tridimensional chamada de superfície de energia. 12 1.1. Sistemas Hamiltonianos Se fixarmos um plano transversal a essa superfície e marcarmos a posição de uma dada órbita toda vez que ela “furar” esse plano, podemos observar as características do movimento olhando “a dinâmica desses furos” nesta seção transversal, a qual é conhecida como Seção de Poincaré [18, 53]. O conceito de uma seção de Poincaré está no cerne do tratamento dos sistemas Hamiltonianos. A Figura (1.2) ilustra este conceito, onde tomamos o plano (𝑋1, 𝑃1) definido por 𝑋2 = 0 e 𝑃1 > 0, então toda vez que uma órbita passa por 𝑋1 e tiver, por exemplo, 𝑃1 > 0 coletamos os valores de 𝑋1 e 𝑃1. Este procedimento gera o “mapa de Poincaré” na seção de Poincaré [53]. (a) (b) Figura 1.2: Representação esquemática da seção de Poincaré. (a) Trajetória “furando” a seção de Poincaré. (b) Primeiras interseções da trajetória com a seção. Dessa forma, passamos de uma dinâmica contínua no espaço de fases para uma dinâmica discreta na seção de Poincaré, e caso seja possível relacionar os pontos 𝑌0, 𝑌1, 𝑌2, ... formalmente por equações para 𝑝𝑘 e 𝑞𝑘, definimos então um “Mapa” ou “Aplicação”. Assim, o movimento pode ser observado na seção de Poincaré através de sucessivas iterações do mapa, o que geralmente é mais simples do que integrar numericamente as equações do movimento. 1.1.4 Variáveis Ângulo Ação Vimos até agora que para Hamiltonianas independentes do tempo, com um grau de liberdade existe uma constante de movimento. Para Hamiltonianas independentes do tempo, com 𝑁 graus de liberdade, é possível encontrar 𝑁 constantes do movimento 13 1.1. Sistemas Hamiltonianos que desacoplam os 𝑁 graus de liberdade desde que a equação de Hamilton-Jacobi seja completamente separável em algum sistema de coordenadas [18]. Substituindo a função geradora 𝐹 pela notação comum 𝑆, nós assumimos uma solução separada 𝑆 = ∑︁ 𝑖 𝑆𝑖(𝑞𝑖, 𝛼1, ..., 𝛼𝑛), (1.26) onde os 𝛼′𝑠 são os novosmomenta associados com as 𝑁 constantes do movimento. Se agora a Hamiltoniana pode ser escrita na forma separada 𝐻 = ∑︁ 𝑖 𝐻𝑖 (︃ 𝜕𝑆𝑖 𝜕𝑞𝑖 , 𝑞𝑖 )︃ , (1.27) então a equação de Hamilton-Jacobi divide em 𝑁 equações: 𝐻𝑖 (︃ 𝜕𝑆𝑖 𝜕𝑞𝑖 , 𝑞𝑖 )︃ = 𝛼𝑖, (1.28) já que as 𝑞𝑖 são coordenadas independentes. Nós podemos então resolver para 𝑆𝑖 em termos de 𝑞𝑖. Os novos momenta 𝛼𝑖 são, portanto as constantes de separação da equação de Hamilton-Jacobi que satisfazem ∑︁ 𝑖 𝛼𝑖 = 𝐻0. (1.29) A relação entre as antigas e as novas coordenadas já foi vista anteriormente e a nova Hamiltoniana 𝐻 é uma função apenas dos momenta 𝛼𝑖, com isso as equações de Hamilton podem ser resolvidas. A escolha das constantes de separação 𝛼𝑖 como o novo momentum é arbitrária. Pode-se também escolher como novos momenta qualquer 𝑁 quantidades 𝐽𝑖, as quais são funções independentes de 𝛼𝑖: 𝐽𝑖 = 𝐽𝑖(𝛼). (1.30) 14 1.1. Sistemas Hamiltonianos Se essas 𝑁 equações são invertidas 𝛼𝑖 = 𝛼𝑖(𝐽), (1.31) e inserindo em (1.26), então a função geradora para o novo momentum 𝐽𝑖 é encontrada como 𝑆(𝑞,𝐽) = 𝑆(𝑞, 𝛼(𝐽)), (1.32) com a nova Hamiltoniana �̄� = ∑︁ 𝑖 𝛼𝑖(𝐽), (1.33) e novamente as equações de Hamilton podem ser resolvidas trivialmente. Para sistemas periódicos completamente separáveis, uma escolha especial dos 𝐽 ′𝑠 como funções dos 𝛼′𝑠 é muito útil. Por sistemas periódicos queremos dizer aqueles para os quais, em cada grau de liberdade, 𝑃𝑖 e 𝑞𝑖 são funções periódicas do tempo com o mesmo período, ou então, 𝑃𝑖 é uma função periódica de 𝑞𝑖 [18]. O primeiro caso é geralmente conhecido como libração e o segundo como rotação. A variável ação (𝐽) é definida como 𝐽𝑖 = 1 2𝜋 ∮︁ 𝑝𝑖𝑑𝑞𝑖, (1.34) onde os 𝐽𝑖...𝐽𝑛 são os novos momenta. A variável 𝜃𝑖 conjugada é dada por 𝜃𝑖 = 𝜔𝑖𝑡+ 𝛽𝑖, (1.35) onde 𝜔𝑖 e 𝛽𝑖 são constantes. Integrando 𝜃𝑖 durante um período de oscilação completa 𝑇 , temos 𝜃𝑖 = ∫︁ 𝑡+𝑇 𝑡 𝑑𝜃𝑖 = 𝜔𝑖𝑇, (1.36) mas 𝑑𝜃𝑖 = 𝜕 𝜕𝑞𝑖 𝜕𝑆 𝜕𝐽𝑖 𝑑𝑞𝑖, (1.37) 15 1.2. Sistemas Integráveis e substituindo em (1.36) e integrando sobre o ciclo completo, Δ𝜃𝑖 = 𝜕 𝜕𝐽𝑖 ∮︁ 𝜕𝑆 𝜕𝑞𝑖 𝑑𝑞𝑖 = 𝜕 𝜕𝐽𝑖 ∮︁ 𝑝𝑖𝑑𝑞𝑖 = 2𝜋. (1.38) Comparando (1.36) com (1.38), nós vemos que 𝜔𝑖𝑇 = 2𝜋, (1.39) isto é, a constante 𝜔𝑖 é a frequência de oscilação. Essa formulação é conhecida como ângulo- ação e fornece uma maneira conveniente de obter as frequências de oscilação sem resolver os detalhes do movimento. Ao descrever o movimento de sistemas quase integráveis, quase sempre se faz uma transformação preparatória em variáveis ângulo-ação da parte integrável do sistema em questão. 1.2 Sistemas Integráveis Considerando um sistema Hamiltoniano com 𝑁 graus de liberdade, se a equação de Hamilton-Jacobi é separável em 𝑁 equações independentes, uma para cada grau de liberdade, então dizemos que a Hamiltoniana e o movimento resultante dela são integráveis. As constantes de separação 𝛼𝑖 são conhecidas como integrais isolantes ou integrais globais do movimento, uma vez que cada invariante isola um grau de liberdade pela propriedade 𝜕𝐻/𝜕𝑝𝑖 = 𝑓(𝑞𝑖) em alguns sistemas de coordenadas canônicas. Um Hamiltoniano com 𝑁 graus de liberdade é integrável se e somente se existirem 𝑁 integrais de isolamento independentes. Por outro lado, é suficiente que as 𝑁 integrais independentes estejam em involução, ou seja, seus colchetes de Poisson [𝛼𝑖, 𝛼𝑗] = 0. Isso garante que os 𝛼′𝑠 sejam um conjunto completo de novos momenta em algum sistema de coordenadas transformado [18]. Em sistemas com um grau de liberdade com 𝐻 explicitamente independente do tempo, nós vimos que 𝐻(𝑝,𝑞) = 𝐸, (1.40) 16 1.3. Sistemas Quase Integráveis é uma constante do movimento. Assim, todas essas Hamiltonianas são integráveis, com o momentum 𝑝 determinado com uma função apenas de 𝑞, independente do tempo, isto é, 𝑝 = 𝑝(𝑞,𝐸). (1.41) A solução completa para 𝑝 e 𝑞 como uma função do tempo pode ser obtida da segunda equação de Hamilton, logo 𝑑𝑡 = 𝑑𝑞 𝜕𝐻/𝜕𝑝 , (1.42) e integrando temos 𝑡 = ∫︁ 𝑞 𝑞0 𝑑𝑞 𝜕𝐻/𝜕𝑝 . (1.43) Como 𝜕𝐻/𝜕𝑝 é uma função apenas das variáveis 𝑝 e 𝑞, e elas estão relacionadas através da equação (1.41), reduzimos a equação de movimento a quadraturas. No entanto, a integral geralmente só pode ser resolvida numericamente. Para sistemas com mais de um grau de liberdade, a equação (1.42) pode ser generalizada da seguinte forma 𝑑𝑡 = 𝑑𝑞1 𝜕𝐻/𝜕𝑝1 = 𝑑𝑞2 𝜕𝐻/𝜕𝑝2 = · · · = 𝑑𝑞𝑁 𝜕𝐻/𝜕𝑝𝑁 . (1.44) Em geral, devemos resolver todo o conjunto de equações deferenciais simultaneamente para obter uma solução completa. Porém, se outras constantes do movimento existirem além da Hamiltoniana, o número de equações simultâneas poderá ser reduzido. 1.3 Sistemas Quase Integráveis Sistemas quase integráveis são sistemas Hamiltonianos genéricos que podem ser tra- tados como perturbações de sistemas integráveis. A característica principal dos sistemas quase integráveis é a presença simultânea de regiões caóticas, intimamente misturadas, com regiões regulares separando estas regiões. As trajetórias caóticas são uma consequência autogeradas do movimento induzido pelas equações de Hamilton, que são determinísticas e não contém forças caóticas adicionais. Um exemplo que ilustra bem esse comportamento 17 1.3. Sistemas Quase Integráveis é a aceleração de Fermi [54]. No entanto, para sistemas autônomos com mais de dois graus de liberdade, trajetórias regulares não separam mais as regiões caóticas, as quais se unem em uma “rede” de estocasticidade, o que leva ao fenômeno de difusão de Arnold1 [55]. Consideremos um sistema autônomo periódico quase integrável com dois graus de liberdade, o qual pode ser aproximado com uma Hamiltoniana da forma 𝐻(𝐽1,𝐽2,𝜃1, 𝜃2) = 𝐻0(𝐽1,𝐽2) + 𝜖𝐻1(𝐽1,𝐽2,𝜃1, 𝜃2), (1.45) onde 𝐽 e 𝜃 são variáveis ângulo-ação do movimento não perturbado, a perturbação 𝜖 é pequena, 𝐻0 é uma função apenas das ações e 𝐻1 é uma função periódica dos 𝜃′𝑠. Tais sistemas são agora bastante compreendidos, no que diz respeito ao caráter genérico do movimento, onde as trajetórias estão na superfície tridimensional constante 𝐻 do espaço de fases quadrimensional. Tal região apresenta uma fração finita de trajetórias regulares, isto é, associadas as primeiras integrais do movimento. As trajetórias regulares dependem descontinuamente da escolha das condições iniciais. Sua presença não implica na existência de uma integral isolante global ou na simetria do sistema. No entanto, quando essas trajetórias regulares existem, representam invariantes exatos do movimento. Tais trajetórias são condicionalmente periódicas nas variáveis angu- lares, cobrindo densamente uma superfície toroidal de ação constante, na qual as variáveis angulares percorrem as duas direções da superfície com frequências incomensuráveis, ou são curvas fechadas periódicas percorrendo em torno do toro um número inteiro de voltas. Vários tipos de trajetórias regulares e suas interseções com uma superfície de seção 𝜃1 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡. são ilustradas na Figura 1.3, a qual mostra em coordenadas polares a superfície 𝐽2, 𝜃2 para uma Hamiltoniana com dois graus de liberdade. O caso (a) é uma trajetória genérica que cobre a superfície do toro, o movimento ao redor do eixo principal do toro é periódico em 𝜃1 com período 2𝜋. As sucessivas interseções da trajetória com a superfície de seção com valores de 𝜃2 = 𝜃21, 𝜃22, 𝜃23 . . . localizam-se sobre uma curva invariante fechada e cobre densamente a curva após um longo intervalo de tempo. O caso (b) é um exemplo 1A difusão de Arnold tem sido usada para descrever a difusão lenta que ocorre no espaço das ações em sistemas dinâmicos não lineares hamiltonianos com três ou mais graus de liberdade. 18 1.3. Sistemas Quase Integráveis de ressonância 𝑘𝜔1(𝐽) + 𝑙𝜔2(𝐽) = 0, (1.46) com 𝜔1 = 𝜃1, 𝜔2 = 𝜃2, 𝑘 e 𝑙 inteiros. A trajetória ressonante é fechada e periódica em 𝜃1 e 𝜃2. Para 𝑘 = 5, 𝑙 = 2, mostrada no caso (b), as interseções sucessivas dessa trajetória com a superfície de seção situam-se em cinco pontos distintos chamados pontos fixos ou pontos periódicos do movimento, conhecidos como ressonâncias primárias: eles tem uma trajetória fechada da Hamiltoniana como 𝐻0 sem perturbação. A ressonância é um caso especial de uma curva invariante, para a qual o número de “enrolamento” 𝑘/𝑙 é racional. As ressonâncias e suas interações desempenham um papel crucial na aparência do movimento caótico em sistemas quase integráveis. O caso (c) mostra a superfície de seção de uma trajetória genérica na vizinhança de uma ressonância primária da figura (b). As sucessivas interseções de uma trajetória com a superfície de seção estão sobre um conjunto de cinco curvas suaves e fechadas, denominadas ilhas primárias, circundando os pontos fixos do caso (b). A figura (d) mostra a complexidade dos possíveis movimentos na superfície de seção para uma trajetória periódica fechada que percorre três vezes a ressonância primária 𝑘 = 5, 𝑙 = 2 em 15 circuitos de 𝜃1. Este é um exemplo de ressonância secundária, acoplando o movimento periódico sem perturbação. As ressonâncias secundárias são produzidas pela perturbação Hamiltoniana 𝐻1 e, no que lhe concerne, são cercadas por ilhas secundárias. Percebe-se então que, as ressonâncias primárias dão origem a ilhas primárias, que dão origem a ressonâncias secundárias e suas ilhas e assim por diante. Com relação às regiões caóticas, elas preenchem uma porção finita da superfície de energia no espaço de fases. As sucessivas interseções de uma única trajetória caótica com a superfície de seção preenchem uma área finita. Na figura ilustramos duas trajetórias caóticas, o caso (e) mostra uma camada anular de estocasticidade preenchida por uma única trajetória situada ente duas invariantes. Existem trajetórias periódicas nessa região, mas as trajetórias próximas a elas não se movem em ilhas estáveis em torno de um ponto fixo, ou as ilhas são pequenas demais para serem visíveis. O caso (f) mostra uma camada caótica preenchida por uma única trajetória perto das ilhas no caso (c). 19 1.3. Sistemas Quase Integráveis (a) (b) (c) (d) (e) (f) Figura 1.3: Interseção de uma trajetória situada na superfície de energia com a superfície de seção 𝑆 definida por 𝜃1 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡𝑎𝑛𝑡𝑒. (a) Curva invariante gerada por sucessivas interseções da trajetória com 𝑆. (b) Ressonância primária mostrando as 7 primeiras interseções da trajetória com 𝑆. (c) Ilhas primárias em torno dos pontos fixos. (d) Ressonância secundária com três etapas em torno da ressonância primária. (e) Camada caótica situada entre duas curvas invariantes. (f) Camada caótica limitada pelas curvas invariantes primária e secundária. 20 1.4. Sistemas Hamiltonianos como mapeamentos canônicos O movimento caótico sempre ocorre próximo a separatrizes que separam curvas invari- antes de ilhas. Perto de uma separatriz, a frequência de oscilação da ilha 𝜔, se aproxima de zero. A condição de ressonância com a oscilação sem perturbação na frequência 𝜔0 𝑘𝜔 − 𝜔0 = 0, (1.47) leva então a uma separação entre as ações das ressonâncias vizinhas, que tendem a zero quando a separatriz é abordada. A região caótica que se forma perto de uma separatriz é a camada de ressonância. Para uma pequena perturbação 𝜖, com dois graus de liberdade, essas camadas são finas separadas por curvas invariantes. As camadas são isoladas uma da outra, sendo proibido o movimento de uma para outra. À medida que 𝜖 aumenta, as curvas invariantes que separam as cadeias vizinhas de ilhas com suas camadas de ressonância são fortemente perturbadas e finalmente destruídas. Quando a última curva invariante que separa as camadas que circundam as cadeias de ilhas adjacentes é destruída, faz com que as camadas se fundem. A fusão das camadas de ressonância primária leva ao aparecimento de estocasticidade global, ou forte, no movimento [56]. 1.4 Sistemas Hamiltonianos como mapeamentos canô- nicos Consideremos um oscilador com 2 graus de liberdade com uma Hamiltoniana inde- pendente no tempo. Assumindo que 𝐻 é integrável, ele pode ser expresso em variáveis ângulo-ação como 𝐻(𝐽1,𝐽2) = 𝐸, (1.48) onde 𝐸 é a energia do sistema, a qual é constante, e 𝐽1 e 𝐽2 são constantes do movimento. O fato de a energia ser constante permite que o movimento no espaço de fases seja reduzido de quatro para três dimensões. Caso uma ação qualquer seja constante, o espaço de energia constante tridimensional pode ser reduzido para uma superfície bidimensional. Nessa superfície o movimento angular é parametrizado pelas frequências associadas a cada 21 1.4. Sistemas Hamiltonianos como mapeamentos canônicos grau de liberdade: 𝜃1 = 𝜔1𝑡+ 𝜃10, 𝜃2 = 𝜔2𝑡+ 𝜃20, onde cada variável ângulo é periódica com período 2𝜋. Uma maneira de descrever o movimento, o qual pode ser generalizado para mais de dois graus de liberdade, é o movimento em um toro no espaço de fases [18]. Assumindo uma dada energia 𝐸 e examinando um dos dois graus de liberdade, então 𝐽1 parametriza a superfície como raios de centros concêntricos com o ângulo 𝜃1 em torno de cada ciclo. A superfície completa é especificada pela adição de 𝜃2, perpendicularmente a 𝜃1, formando o toro, como mostrado na Figura 1.4 (a). Escolhendo um dado 𝐸 e fixando 𝐽1 também fixa 𝐽2. Como 𝜔1 = 𝜔1(𝐽) e 𝜔2 = 𝜔2(𝐽), a razão 𝛼 = 𝜔1 𝜔2 , (1.49) é fixa também. Para 𝛼 = 𝑟/𝑠 com 𝑟 e 𝑠 inteiros e primos entre si, as duas frequências são comensuráveis e o movimento resulta na trajetória periódica de uma curva unidimensional no toro, que se fecha após 𝑟 revoluções em 𝜃1 e 𝑠 revoluções em 𝜃2. Geralmente 𝛼 será irra- cional e, nesse caso, uma trajetória é mapeada para toda a superfície. Tal comportamento é ilustrado na Figura 1.4 (b). Como 𝑟 e 𝑠 podem ser ambos muito grandes, as órbitas periódicas são arbitrariamente próximas uma da outra no espaço de ação. O conceito de movimento em um toro é particularmente útil, pois pode ser generalizado para sistemas com mais de dois graus de liberdade [53]. Cada ação constante reduz a dimensionalidade do espaço de fases da trajetória em uma unidade, tal que para um sistema com 𝑁 graus de liberdade com 𝑁 ações constantes o movimento é reduzido a uma superfície 𝑁 -dimensional, ou variedade, na qual as 𝑁 variáveis de ângulo são executadas. As propriedades topológicas da superfície são aquelas de um toro 𝑁 -dimensional que é análogo ao da Figura 1.4, as 𝑁 variáveis de fase são ortogonais uma a outra e com período 2𝜋, e a superfície é parametrizada pelas variáveis de ação. Uma importante consequência da discussão anterior é que o movimento integrável em 22 1.4. Sistemas Hamiltonianos como mapeamentos canônicos Figura 1.4: Movimento de um ponto no espaço de fases para um sistema integrável com dois graus de liberdade (a) O movimento está em um toro com 𝐽1 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡., 𝐽2 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡. (b) Desenho esquemático das interseções da trajetória com a superfície de seção 𝜃2 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡. depois de um grande número de interseções. Figura adaptada de Lichtenberg e Lieberman 1992. algum espaço canônico 𝑝 = 𝑝(𝐽,𝜃) e 𝑞 = 𝑞(𝐽,𝜃) terá período 𝑇 = 2𝜋 𝜔0 = 2𝜋𝑛𝑖 𝜔𝑖 , (1.50) onde 𝑛 é o número de circuitos requeridos para o 𝑖-ésimo grau de liberdade com frequência angular 𝜔𝑖. Um caminho conveniente para estudar trajetórias no espaço de fases, particularmente em problemas com dois graus de liberdade, é por meio de uma superfície de seção [18]. Para a Hamiltoniana (1.48) existem duas escolhas usuais para uma superfície de seção: 23 1.4. Sistemas Hamiltonianos como mapeamentos canônicos o plano 𝐽1 − 𝜃1 (𝜃2 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡.) e o plano 𝐽2 − 𝜃2 (𝜃1 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡.). Escolhendo o primeiro, por exemplo, examinamos as interseções da trajetória com a superfície de seção 𝐽1 − 𝜃1. Sucessivas interseções tem 𝐽 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡. e separadas por um tempo Δ𝑡 = 2𝜋/𝜔2. Durante este intervalo, 𝜃1 avança 𝜔1Δ𝑡 = 2𝜋𝛼(𝐽1), onde 𝛼 é o número de rotação. Sendo assim, desde que 𝐽2 = 𝐽2(𝐽1, 𝐸), para um dado 𝐸, 𝛼 pode ser considerado uma função de 𝐽1 apenas. Eliminado o subscrito 1 por razões notacionais, temos equações que descrevem o movimento da 𝑛-ésima para (𝑛+ 1)-ésima interseção: 𝐽𝑛+1 = 𝐽𝑛, 𝜃𝑛+1 = 𝜃𝑛 + 2𝜋𝛼(𝐽𝑛+1), (1.51) onde, por conveniência, nós escrevemos 𝛼 como uma função de 𝐽𝑛+1. O mapa dado por (1.51) é chamado de Mapa Twist em que os círculos são mapeados em círculos, mas com número de rotação geralmente dependente do raio do círculo. Para 𝛼 irracional, qualquer condição inicial em um círculo preenche uniformemente o círculo quando 𝑛 → ∞. Para 𝛼 = 𝑟/𝑠 racional, 𝑠 e 𝑟 primos entre si, temos os pontos fixos do mapeamento, para o qual qualquer condição inicial se repete após exatamente 𝑠 interseções [18]. Por outro lado, para sistemas quase-integráveis vamos considerar um sistema integrável ligeiramente perturbado, de modo que o Hamiltoniano é uma função dos ângulos 𝐻(𝐽,𝜃) = 𝐻0(𝐽) + 𝜖𝐻1(𝐽,𝜃). (1.52) Na superfície de seção 𝐽1 − 𝜃1 com 𝜃2 = 𝑐𝑜𝑛𝑠𝑡. (𝑚𝑜𝑑 2𝜋), esperamos que o mapeamento twist mude para o mapeamento twist perturbado 𝐽𝑛+1 = 𝐽𝑛 + 𝜖𝑓(𝐽𝑛+1, 𝜃𝑛), 𝜃𝑛+1 = 𝜃𝑛 + 2𝜋𝛼(𝐽𝑛+1) + 𝜖𝑔(𝐽𝑛+1, 𝜃𝑛), (1.53) onde 𝑓 e 𝑔 são periódicas em 𝜃. Para muitos mapeamentos 𝑓 é independente de 𝐽 e 𝑔 ≡ 0, então temos a forma de um 24 1.4. Sistemas Hamiltonianos como mapeamentos canônicos mapeamento twist radial 𝐽𝑛+1 = 𝐽𝑛 + 𝜖𝑓(𝜃𝑛), 𝜃𝑛+1 = 𝜃𝑛 + 2𝜋𝛼(𝐽𝑛+1). (1.54) Se linearizarmos 𝜃𝑛+1 próximo a um ponto fixo, 𝐽𝑛+1 = 𝐽𝑛 = 𝐽0, para o qual 𝛼(𝐽0) é um inteiro, então para uma ação próxima 𝐽𝑛 = 𝐽0 + Δ𝐽𝑛, (1.55) a substituição de uma nova ação 𝐼𝑛 = 2𝜋𝛼′Δ𝐽𝑛, (1.56) converte (1.54) no mapa padrão generalizado 𝐼𝑛+1 = 𝐼𝑛 + 𝑘𝑓 *(𝜃𝑛), 𝜃𝑛+1 = 𝜃𝑛 + 𝐼𝑛+1, 𝑚𝑜𝑑(2𝜋) (1.57) aqui 𝑘 = 2𝜋𝛼′𝜖𝑓𝑚𝑎𝑥, (1.58) e 𝑓 * = 𝑓/𝑓𝑚𝑎𝑥 é o salto na ação, normalizado para um valor máximo de unidade. Assim, o mapeamento generalizado é localmente equivalente (em 𝐽) a qualquer mapeamento twist radial. Para 𝑓 * = sen𝜃𝑛, (1.54) se torna o mapa padrão também conhecido por mapa de Chirikov-Taylor [57] 𝐼𝑛+1 = 𝐼𝑛 + 𝑘sen𝜃𝑛, 𝜃𝑛+1 = 𝜃𝑛 + 𝐼𝑛+1, 𝑚𝑜𝑑(2𝜋) (1.59) o qual foi usado por Chirikov e Greene para estimar a transição de movimento regular 25 1.4. Sistemas Hamiltonianos como mapeamentos canônicos para caótico [58]. CAPÍTULO 2 TEMPOS CARACTERÍSTICOS Nesse capítulo apresentaremos alguns resultados para os tempos característicos, sendo eles o tempo de Lyapunov e o tempo de recorrência de Poincaré, primeiramente para o mapa padrão e na sequência para o modelo Fermi-Ulam. Parte dos resultados encontrados estão publicados em [59]. 2.1 O Tempo de Lyapunov Para medir a taxa de divergência de trajetórias e, portanto, quantificar a dependência sensitiva às condições iniciais utilizam-se os expoentes de Lyapunov 𝜆 [56, 60, 61, 62, 63], uma vez que o expoente de Lyapunov é uma medida comum para estimar quão caótico é uma órbita do sistema (a definição rigorosa para os expoentes de Lyapunov pode ser encontrada em [64]). O tempo característico de Lyapunov é definido como o inverso do expoente de Lyapunov positivo, 𝑡𝐿 = 1/𝜆. Tal tempo representa o quão rápido se dá o afastamento exponencial entre duas condições iniciais próximas, nesse sentido, tempos de Lyapunov pequenos representam que o afastamento exponencial ocorre rapidamente, ao passo que tempos de Lyapunov grandes indicam que o afastamento exponencial é mais demorado. É possível encontrar algumas aplicações interessantes na 26 27 2.1. O Tempo de Lyapunov literatura para esse tempo característico em mapeamentos e sistemas Hamiltonianos. Podemos destacar suas aplicações em Mecânica Celeste, tanto no estudo do problema de três corpos [65], como órbitas de asteroides [66]. Um expoente Lyapunov positivo reflete um afastamento exponencial de duas condições iniciais muito próximas no espaço de fase. Para mapeamentos bidimensionais nós podemos obtê-lo usando a expressão 𝜆𝑗 = lim 𝑛→∞ 1 𝑛 ln |Λ(𝑗) 𝑛 |, (2.1) com 𝑗 = 1,2 onde Λ(𝑗) 𝑛 corresponde aos autovalores da matriz 𝑀 , com 𝑀 = Π𝑛 𝑖=1𝐽𝑖(𝑉𝑖,𝜑𝑖) = 𝐽𝑛𝐽𝑛−1𝐽𝑛−2 . . . 𝐽2𝐽1, sendo 𝐽𝑖 a matriz Jacobiana do mapeamento na i-ésima iteração. Como a convergência do expoente de Lyapunov é observada em grande escala de 𝑛, o acúmulo do produto das matrizes 𝐽𝑖 pode levar ao crescimento muito rápido de seus coeficientes, dificultando a estimativa de 𝜆. O algoritmo de triangularização evita esse problema [4]. Tal algoritmo consiste em reescrever 𝐽 com 𝐽 = Θ𝑇 com Θ sendo uma matriz ortogonal que obedece à propriedade de Θ−1 = Θ𝑇 e 𝑇 é uma matriz triangular. Portanto, isso leva a Θ = ⎛⎜⎜⎝ cos(𝜃) −sen(𝜃) sen(𝜃) cos(𝜃) ⎞⎟⎟⎠ , com 𝑇 = ⎛⎜⎜⎝ 𝑇11 𝑇12 0 𝑇22 ⎞⎟⎟⎠ . Notamos que a matriz 𝑀 pode ser escrita como 𝑀 = 𝐽𝑛𝐽𝑛−1𝐽𝑛−2 . . . 𝐽2𝐽1, = 𝐽𝑛𝐽𝑛−1𝐽𝑛−2 . . . 𝐽2Θ1Θ−1 1 𝐽1. (2.2) Definindo 𝑇1 = Θ−1 1 𝐽1 e 𝐽2 = 𝐽2Θ1 os coeficientes de 𝑇1 são ⎛⎜⎜⎝ 𝑇11 𝑇12 0 𝑇22 ⎞⎟⎟⎠ = ⎛⎜⎜⎝ cos(𝜃) sen(𝜃) −sen(𝜃) cos(𝜃) ⎞⎟⎟⎠ ⎛⎜⎜⎝ 𝑗11 𝑗12 𝑗21 𝑗22 ⎞⎟⎟⎠ . 28 2.1. O Tempo de Lyapunov De 𝑇21 = 0 acabamos com 0 = −𝑗11sen(𝜃) + 𝑗21 cos(𝜃) levando a 𝑗21 𝑗11 = sen(𝜃) cos(𝜃) . (2.3) em vez de usar 𝜃 = arctg(𝑗21/𝑗11), que é uma função numérica bastante cara computacio- nalmente, usamos as expressões de sen(𝜃) e cos(𝜃) diretamente de 𝐽 , daí cos(𝜃) = 𝑗11√︁ 𝑗2 11 + 𝑗2 21 , (2.4) sen(𝜃) = 𝑗21√︁ 𝑗2 11 + 𝑗2 21 . (2.5) As expressões de 𝑇11 e 𝑇22 podem ser escritas como 𝑇11 = 𝑗11 cos(𝜃) + 𝑗21sen(𝜃) e também 𝑇22 = −𝑗12sen(𝜃) + 𝑗22 cos(𝜃) produzindo a seguinte expressão 𝑇11 = 𝑗2 11 + 𝑗2 21√︁ 𝑗2 11 + 𝑗2 21 , (2.6) 𝑇22 = 𝑗11𝑗22 − 𝑗12𝑗21√︁ 𝑗2 11 + 𝑗2 21 . (2.7) Depois que 𝑇11 e 𝑇22 são conhecidos, a matriz 𝐽2 é dada por 𝐽2 = 𝐽2Θ1 ⎛⎜⎜⎝ �̃�11 �̃�12 �̃�21 �̃�22 ⎞⎟⎟⎠ = ⎛⎜⎜⎝ 𝑗11 𝑗12 𝑗21 𝑗22 ⎞⎟⎟⎠ ⎛⎜⎜⎝ cos(𝜃) −sen(𝜃) sen(𝜃) cos(𝜃) ⎞⎟⎟⎠ . O procedimento é então repetido para a segunda iteração e a terceira e qualquer iteração adicional do mapeamento até que a série completa de matrizes esteja esgotada. Os expoentes de Lyapunov são então dados por 𝜆𝑗 = lim 𝑛→∞ 1 𝑛 𝑛∑︁ 𝑖=1 ln |𝑇 (𝑖) 𝑗𝑗 |, 𝑗 = 1, 2. (2.8) Nas próximas seções aplicaremos esse método em dois mapeamentos, ilustrando assim tanto o método apresentado quanto os conceitos referentes ao tempo de Lyapunov. 29 2.2. O Tempo de Recorrência de Poincaré 2.2 O Tempo de Recorrência de Poincaré Nos diversos ramos da física, matemática e filosofia da ciência, a ideia de estudar as recorrências de um sistema dinâmico deve-se ao francês Henri Poincaré [67]. O intuito de Poincaré foi observar as recorrências (retornos) das órbitas a uma mesma configuração, isto é, a uma mesma região 𝐼 no espaço de fases. O sentido estrito de recorrência é satisfeito dentre sistemas determinísticos somente no caso de trajetórias periódicas, uma vez que, sendo a regra de evolução fixa e unívoca, um mesmo ponto evolui sempre da mesma forma. Entretanto, o sentido da recorrência de Poincaré consiste em verificar se uma órbita retorna a um ponto 𝛿-próximo à condição inicial [19, 20, 21, 22], conforme ilustrado na Figura 2.1. Figura 2.1: Representação esquemática da recorrência de uma órbita ao intervalo 𝐼 do espaço de fases. Figura adaptada de Altmann 2004. Uma órbita no espaço de fases é dita recorrente a um intervalo 𝐼𝛿 se, uma vez iniciada no ponto −→𝑥 0 ∈ 𝐼𝛿, ∀𝛿 existir um tempo 𝑡* tal que, após 𝑡*, a trajetória encontra-se a uma distância |−→𝑥 𝑡* − −→𝑥 0| ≤ 𝛿, ou seja, −→𝑥 𝑡* ∈ 𝐼𝛿 [68]. Com isso, Poincaré demonstrou que a recorrência não se restringe aos casos triviais de sistemas periódicos e quasi-periódicos, pois tal recorrência está associada ao retorno a um intervalo infinitesimal no espaço de fases. Medir o tempo de recorrência de Poincaré pode nos dar informações sobre a dimensão da região analisada, uma vez que um ajuste em lei de potência do gráfico do tempo de recorrência médio ⟨𝑡𝑟⟩ em função do tamanho da caixa selecionada 𝛿 nos dá o expoente 𝜏 , o qual em valor absoluto converge para a dimensão 𝑑𝑤 quando 𝛿 → 0 [69]. Em geral, a 30 2.3. Tempos Característicos para o Mapa Padrão relação entre ⟨𝑡𝑟⟩ e a região escolhida é dada da seguinte forma: ⟨𝑡𝑟⟩ = 1 𝛿𝑑𝑤 , (2.9) onde 𝑑𝑤 é a dimensão da interseção da trajetória com o plano de Poincaré e 𝛿 o lado da caixa. Além disso, a dimensão 𝑑𝑤 está relacionada com o expoente de difusão1 𝜇 por meio da seguinte equação 𝑑𝑤 = 2 𝜇 , (2.10) a qual foi introduzida inicialmente em [70, 69]. No caso em que a dimensão 𝑑𝑤 é inteira, recupera-se o conceito euclidiano de dimensão dos casos usuais. Por outro lado, as dimen- sões fracionárias permitem a generalização desse conceito para conjuntos mais complexos, sendo conhecidas como dimensões fractais, denominação dada por Mandelbrot [71]. É importante ressaltar que esses tempos característicos apresentam dependência às condições iniciais. Veremos que, se escolhermos um conjunto de condições iniciais situadas na região de stickiness extremo, em torno das ilhas de estabilidade, as órbitas apresentarão o mesmo comportamento de outra órbita dentro da ilha, isso por um certo intervalo de tempo. Após um tempo suficientemente longo essas condições iniciais se comportarão como órbitas caóticas exibindo difusão normal. Dessa forma, os tempos característicos podem nos ajudar a compreender essa complexidade estrutural da órbita. Nas próximas seções estudaremos esses tempos característicos para dois mapeamentos bastante conhecidos na literatura, os quais possuem um papel importante na área de sistemas dinâmicos. O primeiro deles será o Mapa Padrão, também conhecido como Mapa de Chirikov-Taylor, e na sequência o Modelo Fermi-Ulam. 2.3 Tempos Característicos para o Mapa Padrão O mapa padrão foi introduzido na seção 1.4, de onde vimos que o mesmo é um mapeamento não linear escrito em termos de duas variáveis dinâmicas cuja não linearidade 1O expoente de difusão 𝜇 está relacionado com o desvio quadrático médio ⟨︀ (𝑦 − 𝑦0)2⟩︀ e o coeficiente de difusão 𝐷, através da seguinte expressão, ⟨︀ (𝑦 − 𝑦0)2⟩︀ = 𝐷𝑛𝜇, onde 𝑛 é o número de iterações. 31 2.3. Tempos Característicos para o Mapa Padrão é dada pela função seno da seguinte forma 𝐼𝑛+1 = 𝐼𝑛 + 𝑘sen𝜃𝑛 𝜃𝑛+1 = 𝜃𝑛 + 𝐼𝑛+1, 𝑚𝑜𝑑(2𝜋) (2.11) em que 𝑘 é o parâmetro que controla a transição de integrável para não integrável, uma vez que para 𝑘 = 0 a variável 𝐼 se preserva, pois 𝐼𝑛+1 = 𝐼𝑛 e dessa forma o mapeamento é integrável. Por outro lado, se 𝑘 ̸= 0 a variável 𝐼 se relaciona diretamente à não linearidade do mapeamento e com isso o mapeamento é não integrável. −4 −3 −2 −1 0 1 2 3 4 0 1 2 3 4 5 6 I θ R1 R2 R3 R4 Figura 2.2: Espaço de fases para o mapa padrão com 𝑘 = 0,8. São destacadas quatro regiões para as quais serão analisadas os tempos característicos definidos nas seções 2.2 e 2.1. A fim de estudarmos os tempos característicos definidos na seção anterior, esboçamos na Figura 2.2 o espaço de fases para o Mapa padrão. Nessa figura destacamos quatro regiões para as quais calcularemos o tempo de recorrência de Poincaré médio ⟨𝑡𝑟⟩ e o tempo de Lyapunov 𝑡𝐿. As regiões vermelha (𝑅1) e azul (𝑅2) estão imersas no caos, já as regiões verde (𝑅3) e rosa (𝑅4) foram escolhidas dentro das ilhas de estabilidade e ao longo das curvas invariantes spanning. Primeiramente calculamos o expoente de Lyapunov para as diferentes regiões indicadas 32 2.3. Tempos Característicos para o Mapa Padrão na Figura 2.2 usando o algoritmo discutido na seção 2.1. A Figura 2.3 mostra a convergência do expoente positivo de Lyapunov e os resultados encontrados são apresentados na Tabela 2.1, tanto o expoente de Lyapunov 𝜆 quanto o tempo de Lyapunov 𝑡𝐿 = 1/𝜆. Figura 2.3: Evolução temporal do Expoente de Lyapunov positivo para as regiões indicadas no espaço de fases da Figura 2.2. O parâmetro de controle usado foi 𝑘 = 0,8. Cada condição inicial foi evoluída até 𝑛 = 108. Tabela 2.1: Valores numéricos para 𝜆 e 𝑡𝐿 para as regiões indicadas no espaço de fases da Figura 2.2. Regiões 𝜆 𝑡𝐿 = 1/𝜆 𝑅1 0,101(7) 10,4(5) 𝑅2 0,042(2) 23,2(4) 𝑅3 1,231(2) × 10−5 8,12(2) × 104 𝑅4 1,576(3) × 10−6 6,35(3) × 105 Percebe-se que em 𝑅3 e 𝑅4 𝜆 → 0 e consequentemente 𝑡𝐿 → ∞, indicando a ausência de caos. Por outro lado, para 𝑅1 e 𝑅2 o tempo de Lyapunov 𝑡𝐿 é relativamente pequeno, indicando que a trajetória de duas condições iniciais tomadas muito próximas divergem exponencialmente após poucas iterações. Trazemos na Figura 2.4 o gráfico de 𝑡𝐿 em função de 𝑘, é fácil perceber que o valor de 𝑡𝐿 decresce a medida que aumentamos o valor do parâmetro de não linearidade 𝑘. Isso se deve ao fato de que no mapa padrão, à medida que aumentamos o valor de 𝑘, as estruturas periódicas e curvas invariantes vão sendo destruídas e o caos domina todo o sistema. 33 2.3. Tempos Característicos para o Mapa Padrão Figura 2.4: Gráfico do valor numérico de 𝑡𝐿 em função de 𝑘 medido para uma região caótica do espaço de fase. Com relação ao tempo de recorrência de Poincaré médio ⟨𝑡𝑟⟩, a Figura 2.5 mostra o gráfico de ⟨𝑡𝑟⟩ em função do tamanho da caixa 𝛿 para as diferentes regiões destacadas no espaço de fases da Figura 2.2 para um número de aproximadamente 105 condições iniciais. As curvas verde e rosa correspondem ao movimento regular, ou seja, com condições iniciais tomadas dentro das ilhas de estabilidade. As outras curvas, azul e vermelha, correspondem às regiões caóticas, percebe-se que elas têm a mesma inclinação, porém, com valores de tempo de recorrência médios diferentes, tais valores estão relacionados com a área caótica disponível [69]. Como vimos na seção 2.2, os valores absolutos das inclinações do gráfico de ⟨𝑡𝑟⟩ em funções de 𝛿 convergem para a dimensão fractal 𝑑𝑤 a medida que 𝛿 → 0. Dessa forma, a inclinação para as regiões caóticas resulta em 𝑑𝑤 = 2, igual a dimensão do mapeamento, enquanto para as condições iniciais tomadas dentro das ilhas de estabilidade nos leva à 𝑑𝑤 = 1, assim como as curvas KAM dentro das ilhas de estabilidade que são objetos de dimensão 1. Lembrando que a dimensão fractal 𝑑𝑤 se relaciona com o expoente de difusão 𝜇 através da expressão 𝜇 = 2/𝑑𝑤, temos que para as condições iniciais tomadas no domínio caótico e longe das ilhas de estabilidade 𝜇 = 1, que corresponde a difusão normal. Por outro lado, a dinâmica próxima às ilhas de estabilidade é bastante complicada, isso se deve ao fenômeno de stickiness, além disso, ele afeta a difusão das órbitas, pois as órbitas ficam 34 2.3. Tempos Característicos para o Mapa Padrão Figura 2.5: Tempo de recorrência de Poincaré médio em função do intervalo de recorrência 𝛿 para as diferentes regiões indicadas no espaço de fases apresentado na Figura 2.2. presas próxima às ilhas por longos períodos de tempo até escaparem. Na Figura 2.6 (a) apresentamos novamente o espaço de fases para 𝑘 = 0,8 e na Figura 2.6 (b) a mesma região, porém a escala de cores dada pelo tempo de recorrência de Poincaré médio em escala logarítmica. É possível notar que o fenômeno de stickiness também afeta o tempo de recorrência como pode ser confirmado pela Figura 2.6 (b) onde vemos que perto das ilhas o tempo de recorrência é maior comparado com outras regiões, claramente distinguível pela escala de cores. −4 −3 −2 −1 0 1 2 3 4 0 1 2 3 4 5 6 0 1 2 3 4 5 6 θ I (a) θ 1 1, 5 2 2, 5 3 3, 5 4 4, 5 5 (b) Figura 2.6: (a) Espaço de fases para o mapa padrão com 𝑘 = 0,8. (b) Gráfico da mesma região de (a) com a escala de cores representando em escala logarítmica o tempo de recorrência de Poincaré médio ⟨𝑡𝑟⟩. 35 2.4. Tempos Característicos para o Modelo Fermi-Ulam 2.4 Tempos Característicos para o Modelo Fermi-Ulam O modelo Fermi-Ulam é composto de uma partícula clássica confinada, que move entre duas paredes rígidas como ilustrado na Figura 2.7. Uma é considerada fixa em 𝑥 = 𝐿 enquanto a outra move periodicamente no tempo e sua posição é dada por 𝑥𝑤(𝑡) = 𝑋0𝑐𝑜𝑠(𝜔𝑡) onde 𝑋0 é a amplitude de movimento e 𝜔 é a frequência de oscilação. A partícula experimenta apenas colisões elásticas com a parede. A dinâmica da partícula é dada por um mapeamento bidimensional, não linear e preserva a área no espaço de fases, descrevendo como a velocidade da partícula e a fase da parede móvel se transformam do impacto 𝑛 para o impacto 𝑛+ 1. Figura 2.7: Representação esquemática do Modelo Fermi-Ulam. O movimento da parede móvel é dado por 𝑥𝑤(𝑡) = 𝜖𝑐𝑜𝑠(𝜔𝑡). A parede fixa está localizada em 𝑥 = 𝐿. A versão do modelo que consideramos aqui é chamada de simplificada ou de paredes fixas [18]. Essa versão assume que, devido ao pequeno intervalo de valores considerados para o parâmetro de controle 𝑋0, ambas as paredes são consideradas fixas. Entretanto, quando a partícula colide com a parede da esquerda ela sofre uma troca de energia e momentum, como se a parede estivesse movendo. Esta versão do modelo retrata a maioria das propriedades da versão completa onde a parede móvel é considerada, incluindo a localização das regiões periódicas, determinação da posição de curvas invariantes spanning e escalas produzidas por ela [72]. No entanto, há a enorme vantagem de acelerar as simulações numéricas que a aproximação da parede estática possui em comparação com o 36 2.4. Tempos Característicos para o Modelo Fermi-Ulam modelo completo, onde as equações transcendentais são obrigatórias para serem resolvidas. Considerando um conjunto de variáveis adimensionais como 𝜀 = 𝑋0/𝐿, 𝑉𝑛 = 𝑣𝑛/(𝜔𝐿) com 𝑣𝑛 representando a velocidade da partícula e 𝜑 = 𝜔𝑡, o mapeamento que descreve a dinâmica do modelo é escrito como 𝑇 : ⎧⎪⎪⎨⎪⎪⎩ 𝜑𝑛+1 = [︁ 𝜑𝑛 + 2 𝑉𝑛 ]︁ mod 2𝜋 𝑉𝑛+1 = |𝑉𝑛 − 2𝜀sen(𝜑𝑛+1)| , (2.12) onde o valor absoluto na segunda equação foi introduzido como uma forma de evitar que, após a colisão, a partícula tenha velocidade negativa [73]. O espaço de fases do modelo é mostrado na Figura 2.8 para o parâmetro de controle 𝜀 = 10−3. É fácil notar uma estrutura mista, incluindo a presença de uma grande região caótica coexistindo com estruturas periódicas como ilhas elípticas e também curvas inva- riantes. Existem quatro regiões no espaço de fases identificadas na Figura 2.8, as quais correspondem aos domínios os quais investigaremos nas próximas seções, ou seja, 𝑅1 e 𝑅4 nas regiões caóticas e 𝑅2 e 𝑅3 ao longo das curvas invariantes e ilhas de estabilidade. O tamanho do mar caótico é marcado pela região mínima como a menor velocidade da parede, enquanto o limite superior é determinado pela curva invariante de menor energia da velocidade. Acima dessa curva, observa-se o caos local, enquanto abaixo dela existe o caos global. Uma estimativa da posição da curva invariante de menor energia (primeira curva inva- riante spanning) para o modelo Fermi-Ulam pode ser obtida através de uma comparação com o mapa padrão. Assim, nas proximidades da curva invariante a segunda equação do mapeamento referente ao modelo Fermi-Ulam é escrita como 𝑉𝑛+1 = 𝑉 + Δ𝑉𝑛+1, onde 𝑉 nos dá um valor típico ao longo da curva invariante spanning e Δ𝑉 é a perturbação de 𝑉 que satisfaz a condição Δ𝑉/𝑉 ≪ 1. Agora, a segunda equação do mapa (2.12) pode ser reescrita como Δ𝑉𝑛+1 = Δ𝑉𝑛 − 2𝜀 sin(𝜑𝑛+1). Usando então a primeira equação do mapa 37 2.4. Tempos Característicos para o Modelo Fermi-Ulam 0 0, 02 0, 04 0, 06 0, 08 0, 1 0 1 2 3 4 5 6 φ V R1 R2 R3 R4 Figura 2.8: Representação gráfica do espaço de fase para o modelo Fermi-Ulam com a aproximação de paredes fixas. O parâmetro de controle usado foi 𝜀 = 10−3. (2.12), temos 𝜑𝑛+1 = 𝜑𝑛 + 2 𝑉 (︁ 1 + Δ𝑉𝑛 𝑉 )︁ , = 𝜑𝑛 + 2 𝑉 (︃ 1 + Δ𝑉𝑛 𝑉 )︃−1 . (2.13) Uma vez que Δ𝑉/𝑉 ≪ 1, uma expansão em Taylor da Eq. (2.13) nos dá 𝜑𝑛+1 = 𝜑𝑛 + 2 𝑉 − 2Δ𝑉𝑛 𝑉 2 . (2.14) 38 2.4. Tempos Característicos para o Modelo Fermi-Ulam Definindo 𝐽𝑛 = 2 𝑉 [︃ 1 − Δ𝑉𝑛 𝑉 ]︃ , (2.15) encontramos que 𝜑𝑛+1 = 𝜑𝑛 + 𝐽𝑛. Fazendo a álgebra apropriada, acabamos com − 2 𝑉 2 Δ𝑉𝑛+1 + 2 𝑉 = − 2 𝑉 2 Δ𝑉𝑛 + 2 𝑉 + 4𝜀 𝑉 2 sin(𝜑𝑛+1), 𝐽𝑛+1 = 𝐽𝑛 +𝐾𝑒𝑓 sin(𝜑𝑛+1). (2.16) A equação (2.16) é dependente de um parâmetro efetivo 𝐾𝑒𝑓 e uma conexão com o mapa padrão é feita quando 𝜃𝑛+1 = 𝜑𝑛 levando a 𝑇𝑓𝑖𝑠𝑐 : ⎧⎪⎪⎨⎪⎪⎩ 𝜃𝑛+1 = [𝜃𝑛 + 𝐽𝑛] mod 2𝜋 𝐽𝑛+1 = 𝐽𝑛 +𝐾𝑒𝑓 sin(𝜃𝑛+1) . (2.17) Como o mapeamento padrão fornece uma transição do caos local para o global em 𝐾𝑐 ∼= 0,9716 . . ., uma estimativa da localização da primeira curva invariante spanning é dada por 𝑉 = 2 √︃ 𝜀 𝐾𝑒𝑓 , 𝑉 = 2√ 0,9716 . . . √ 𝜀, (2.18) 𝑉 ∼ √ 𝜀 = 𝜀1/2. (2.19) O expoente com 𝜀 desempenha um papel importante no regime de crescimento e saturação das curvas para a velocidade média. Conforme discutido em [72], o expoente da curva de 𝑉sat ∝ 𝜀𝛼 com 𝛼 = 1/2 é um dos três expoentes críticos. O expoente que marca a difusão para baixa velocidade é 𝑉 ∝ (𝑛𝜖2)𝛽 com 𝛽 = 1/2. O último expoente é obtido pela lei de escala 𝑧 = 𝛼/𝛽 − 2, logo 𝑧 = −1. A Figura 2.9 mostra a convergência do expoente de Lyapunov positivo, usando o algoritmo apresentado anteriormente, para regiões específicas definidas no espaço de fases. A região 𝑅1 está marcada na cor vermelha na figura e evoluída a partir da condição inicial (𝜑0 = 1,000, 𝑉0 = 0,025), enquanto a região 𝑅2 em verde é para (𝜑0 = 1,000, 𝑉0 = 0,090), 39 2.4. Tempos Característicos para o Modelo Fermi-Ulam azul é para a região 𝑅3 com (𝜑0 = 3,170, 𝑉0 = 0,080) e finalmente rosa é a região 𝑅4 obtida para (𝜑0 = 0,200, 𝑉0 = 0,080). Um domínio caótico leva a uma convergência de 𝜆 = 1,665(3), enquanto regiões periódicas levam o expoente Lyapunov a convergir para o valor nulo. Figura 2.9: O gráfico ilustra a evolução temporal do expoente Lyapunov positivo para as regiões marcadas no espaço de fase da Figura 2.8. O parâmetro de controle usado foi 𝜀 = 10−3. Cada condição inicial foi evoluída até 𝑛 = 108 colisões com as paredes. A tabela 2.2 resume o expoente Lyapunov e o tempo Lyapunov, definido como o inverso do expoente Lyapunov 𝑡𝐿 = 1/𝜆. É importante notar que para as regiões caóticas (𝑅1 e 𝑅4) o tempo de Lyapunov é relativamente curto, portanto, voltando ao conceito de tempo de Lyapunov, fica claro que para essas regiões o mapa mostra rapidamente um comportamento caótico. No entanto, para as regiões dentro das ilhas de estabilidade e ao longo das curvas invariantes (𝑅2 e 𝑅3), o tempo de Lyapunov é significativamente grande, indicando ausência de caos. Ressaltamos que 𝜆 e 𝑡𝐿 foram calculados para um número finito de iterações de 108. A Figura 2.10 mostra um gráfico de 𝑡𝐿 𝑣𝑠. 𝜀. Cada ponto da curva foi obtido após uma longa simulação de iterações de 108 para o cálculo de 𝜆. Vê-se que 𝑡𝐿 aumenta em média com o aumento de 𝜀. O regime de crescimento para 𝑡𝐿 é lento no início e acelera para 𝜀 > 10−1. Na última janela do parâmetro de controle, entre 10−1 e 100, a aproximação da parede estática, tem sérias limitações, já que o movimento da parede dependente do 40 2.4. Tempos Característicos para o Modelo Fermi-Ulam Tabela 2.2: Valores numéricos para 𝜆 e 𝑡𝐿 para as regiões indicadas no espaço de fases da Figura 2.8. Regiões 𝜆 𝑡𝐿 = 1/𝜆 𝑅1 1,665(3) 0,600(1) 𝑅2 1,598(1) × 10−6 62(5) × 105 𝑅3 4,258(3) × 10−7 2348(4) × 103 𝑅4 6,627(4) × 10−2 15,089(9) tempo afetaria, de fato, o formato do espaço de fase, levando a frequentes situações não físicas. Figura 2.10: Gráfico do valor numérico de 𝑡𝐿 em função de 𝜀 medido para uma região caótica do espaço de fase. Diferentemente do que acontece no mapa padrão, onde o tempo de Lyapunov 𝑡𝐿 é decrescente em relação ao parâmetro de não linearidade [69], para o modelo Fermi-Ulam 𝑡𝐿 cresce a medida que aumentamos o parâmetro de não linearidade. Isso se deve ao fato de que, no mapa padrão, o aumento no parâmetro não linearidade faz com que as curvas invariantes e as estruturas estáveis sejam destruídas e o caos domine o sistema, enquanto no modelo Fermi-Ulam, mesmo com o aumento da não linearidade, curvas invariantes continuarão existindo. O limite superior do mar de caos está escalando com a localização da primeira curva invariante spanning, portanto, do tipo 𝑉 ∝ √ 𝜖. Discutiremos agora o tempo de recorrência de Poincaré definido na seção 2.2, mas agora para o modelo Fermi-Ulam também definido anteriormente. A Figura 2.11 (a) mostra 41 2.4. Tempos Característicos para o Modelo Fermi-Ulam uma ampliação do espaço de fases representado na Figura 2.8, onde duas ilhas de período 1 estão presentes, sendo uma acima e outra abaixo da primeira curva invariante spanning. Notamos também que entre as ilhas existe uma cadeia de ilhas menores e algumas regiões caóticas ao redor de cada uma delas, uma característica de um espaço de fases misto. Na Figura 2.11 (b) mostramos a mesma região da Figura 2.11 (a) mas com o esquema de cores representando o tempo de recorrência de Poincaré médio ⟨𝑡𝑟⟩ plotado em escala logarítmica. Pela Figura 2.11 (b) é possível notar a separação de duas regiões do espaço de fases, uma em azul indicando que ⟨𝑡𝑟⟩ está entre 105 e 106 enquanto na segunda, em laranja, indicando que ⟨𝑡𝑟⟩ está entre 103 e 104 iterações. Vale ressaltar que o fenômeno de stickiness pode afetar o tempo de recorrência. Isso ocorre porque a órbita fica presa em determinada região do espaço de fases até escapar desse domínio e, eventualmente, retorna a uma posição próxima à condição inicial. Isso pode ser confirmado observando a Figura 2.11 (b) e observando que perto das ilhas, onde o stickiness ocorre, o tempo de recorrência é maior em comparação com outras regiões e claramente identificado na escala de cores. 0, 06 0, 08 0 1 2 3 4 5 6 0 1 2 3 4 5 6 φ V (a) φ 2 2, 5 3 3, 5 4 4, 5 5 5, 5 6 6, 5 7 (b) Figura 2.11: (a) Gráfico de uma região ampliada do espaço de fases mostrado na Figura 2.8 onde duas grandes ilhas são observadas, uma acima e outra abaixo da primeira curva invariante. (b) Gráfico da mesma região de (a) com a escala de cores representando em escala logarítmica o tempo de recorrência de Poincaré médio ⟨𝑡𝑟⟩. Assim como foi feito para o mapa padrão, podemos determinar a dimensão fractal através do tempo de recorrência de Poincaré médio. A Figura 2.12 mostra o gráfico 42 2.4. Tempos Característicos para o Modelo Fermi-Ulam Figura 2.12: Gráfico do tempo de recorrência de Poincaré médio ⟨𝑡𝑟⟩ em função do tamanho do intervalo de recorrência 𝛿, para as diferentes regiões indicadas na Figura 2.8. de ⟨𝑡𝑟⟩ em função de 𝜖 onde dois comportamentos distintos são observados. Para as curvas relacionadas às condições iniciais tomadas nas regiões caóticas um ajuste em lei de potência nos revelou 𝜏 ≈ −2, enquanto para as condições iniciais tomadas dentro das ilhas de estabilidade e ao longo das curvas invariantes o ajuste nos forneceu 𝜏 ≈ −1. Vimos também que a dimensão fractal 𝑑𝑤 está relacionada com o expoente de difusão 𝜇 através da equação 2.10, logo, para condições iniciais tomadas nas regiões caóticas, 𝑑𝑤 = 2 levando a 𝜇 = 1, que se refere a uma difusão normal [34, 35, 36]. CAPÍTULO 3 LOCALIZAÇÃO DE CURVAS INVARIANTES DO TIPO SPANNING Nesse capítulo utilizaremos o critério de Slater para determinarmos a localização de curvas invariantes Spanning, assim como o parâmetro crítico a partir do qual tais curvas são destruídas. Parte dos resultados encontrados estão publicados em [74] e [75]. 3.1 O Teorema de Slater Várias técnicas têm sido propostas para investigar o comportamento de curvas invari- antes, algumas analíticas [76] e outras numéricas [77, 78, 58]. Dentre elas, uma que vale a pena destacar é o método proposto por Greene [58] dado a sua alta precisão. No entanto, os métodos citados apresentam uma matemática complexa ou possuem uma implemen- tação numérica difícil e cara do ponto de vista computacional. Assim, nossa proposta é usar um método alternativo baseado no Teorema de Slater, como em [79] e [80]. Sua implementação é relativamente simples e o custo computacional é baixo, se comparado aos outros métodos. E mesmo assim, esse método permite localizar essas curvas no espaço de fases com alta precisão. Além disso, é possível determinar o valor do parâmetro crítico 43 44 3.1. O Teorema de Slater relacionado à destruição dessas curvas. Para isso, considere um círculo unitário e um irracional 𝜔 (onde {𝑥} representa a parte fracionária de 𝑥) de tal forma que {𝑁𝜔}, com 𝑁 inteiro, particiona o círculo em segmentos. Surpreendentemente, não importa qual 𝜔 e o número de passos 𝑁 que se escolha, existirão apenas três tamanhos distintos desses seguimentos. De acordo com Slater [81, 50], como consequência dos três segmentos, se considerarmos o tempo (iterações) entre a saída e o primeiro retorno ao intervalo conectado 𝛿 < 1, isto é, {𝑁𝜔} < 𝛿, no máximo três diferentes tempos de retorno são esperados e fazem parte da expansão por frações contínuas do irracional 𝜔, 𝜔 = [𝑎0; 𝑎1,𝑎2,𝑎3, ...] ≡ 𝑎0 + 1 𝑎1 + 1 𝑎2 + 1 𝑎3 + 1 . . . . (3.1) Nesse caso, [𝑎0; 𝑎1,𝑎2, ..., 𝑎𝑠] = 𝑃𝑠 𝑄𝑠 representa uma aproximação de ordem 𝑠 para esse irracional sendo chamada de convergente (Para mais detalhes veja o Apêndice A). Para resolver o problema de distribuição da sequência {𝑁𝜔} < 𝛿, Slater começou mostrando que um número 𝛿 entre 0 e 1 pode ser escrito unicamente da seguinte forma, 𝛿 = (𝑛+ 1)𝜂𝑠 + 𝜂𝑠+1 + 𝜓 (0 < 𝜓 ≤ 𝜂𝑠), (3.2) onde 𝑛 é inteiro e 𝜂𝑠 é a sequência decrescente 𝜂𝑠 = (−1)𝑠−1 (𝜔𝑄𝑠−1 − 𝑃𝑠−1) , (3.3) com 𝜂𝑠 > 0, 𝜂1 = 𝜔 e 𝜂0 = 1. Além disso, dado um irracional 𝜔 e o intervalo 𝛿, existe um único par (𝑛,𝑠) que satisfaz a equação (3.2). De acordo com Slater, as três recorrências, tal que {𝑁𝜔} < 𝛿, onde 𝜔 é irracional, são 45 3.1. O Teorema de Slater dadas por Γ1 = 𝑄𝑠−1, Γ2 = 𝑄𝑠 − (𝑛+ 1)𝑄𝑠−1, Γ3 = 𝑄𝑠 − 𝑛𝑄𝑠−1, (3.4) onde 𝑛 e 𝑠 são encontrados resolvendo a equação (3.2). Assim, a distribuição da sequência {𝑁𝜔} < 𝛿 apresenta no máximo três tempos de recorrência, os quais são expressos pelos denominadores 𝑄𝑠 da expansão em frações contínuas do número 𝜔. É possível perceber que um dos tempos de recorrência é sempre igual a soma dos outros dois, ou seja, Γ3 = Γ1 + Γ2 e ainda que tais tempos vão sempre depender do valor de 𝛿, que no caso equivale ao intervalo de recorrência. Dessa foma, o teorema de Slater pode ser enunciado como se segue. Teorema 1 Para qualquer intervalo de tamanho 𝛿 de uma trajetória quase-periódica, existem no máximo três diferentes tempos de recorrência: Γ1 , Γ2 e Γ3 = Γ1 + Γ2. Como um exemplo, considere o irracional 1 𝛾 = √ 5−1 2 = 0,618033988... (inverso do número de ouro 𝛾 = √ 5+1 2 ) o qual tem expansão em frações contínuas mostrada na Tabela 3.1. Tomando 𝛿 = 0,01, encontramos que a única solução da equação (3.2) é dada por 𝑛 = 0 e 𝑠 = 11. Dessa forma, de acordo com (3.4), para {𝑁 (1/𝛾)} < 0,01 temos (𝑄10, 𝑄11, 𝑄11 −𝑄10) = (89, 144, 55) não importando quão grande seja o valor de 𝑁 . No entanto, tais tempos dependem do valor de 𝛿, ou seja, se tomarmos agora 𝛿 = 0,001 a solução de (3.2) ocorre para 𝑛 = 0 e 𝑠 = 16 levando a (𝑄15, 𝑄16, 𝑄16 −𝑄15) = (987, 1597, 610). Isso significa que a constante de translação de 1/𝛾 em um círculo unitário retorna para um intervalo conectado de tamanho 0,001 apenas depois de, 987, 1597 ou 610 iterações e quanto menor o valor de 𝛿 maior serão os tempos de retorno relacionados a esse irracional. Os resultados apresentados até aqui possuem uma conexão direta com sistemas dinâmi- cos pois, a parte regular do espaço de fases de mapas que preservam área são um conjunto de órbitas quase periódicas, as chamadas curvas invariantes. Além disso, tais curvas têm 46 3.2. A última curva invariante do mapa padrão Tabela 3.1: Representação em frações contínuas do irracional 1/𝛾 assim como algumas de suas convergentes obtidas pelo truncamento da expansão. 𝑠 𝑎𝑠 Fração Contínua Convergente 𝑃𝑠 𝑄𝑠 1 1 [0;1] 1/1 2 1 [0;1,1] 1/2 3 1 [0;1,1,1] 2/3 4 1 [0;1,1,1,1] 3/5 5 1 [0;1,1,1,1,1] 5/8 ... ... ... ... 10 1 [0;1,1,1,1,1,1,1,1,1,1] 55/89 11 1 [0;1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1] 89/144 12 1 [0;1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1] 144/233 13 1 [0;1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1] 233/377 14 1 [0;1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1] 377/610 15 1 [0;1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1] 610/987 16 1 [0;1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1] 987/1597 ... ... ... ... rotação irracional no espaço de fases, podendo ser relacionadas com uma simples rotação de um círculo. A diferença é que a rotação dos pontos que compõem as curvas invariantes no espaço de fase não são uniformemente distribuídas como a rotação sobre o círculo descrito anteriormente. Sendo assim, buscaremos nas próximas seções aplicar o teorema de Slater no estudo de curvas invariantes para diferentes mapeamentos que preservam área. 3.2 A última curva invariante do mapa padrão Consideremos novamente o mapa padrão dado pela equação, 𝐼𝑛+1 = 𝐼𝑛 + 𝑘sen𝜃𝑛 𝜃𝑛+1 = 𝜃𝑛 + 𝐼𝑛+1, 𝑚𝑜𝑑(2𝜋) (3.5) como pode ser observado na Figura 3.1, para 𝑘 = 0,5 o espaço de fases é basicamente com- posto por curvas invariantes, onde algumas são ilhas periódicas e outras curvas invariantes spanning. À medida que aumentamos o valor de 𝑘 algumas dessas estruturas vão sendo destruídas dando lugar ao caos, por exemplo, para 𝑘 = 0,75 e 𝑘 = 0,97. Para 𝑘 = 2,0 o 47 3.2. A última curva invariante do mapa padrão −4 −3 −2 −1 0 1 2 3 4 −4 −3 −2 −1 0 1 2 3 4 0 1 2 3 4 5 6 0 1 2 3 4 5 6 I (a) θ I ( ) (b) θ(d) Figura 3.1: Esboço do espaço de fases para o mapa padrão mostrando a transição de caos local para caos global, considerando os seguinte parâmetros: (a) 𝑘 = 0,50; (b) 𝑘 = 0,75; (c) 𝑘 = 0,97; e (d) 𝑘 = 2,00. espaço de fases mostra a completa ausência de curvas invariantes spanning e o caos deixa de ser local e passa a ser global [18]. Diante disso, fica claro que deve existir um valor crítico de 𝑘 que marca essa passagem de caos local para caos global. Ao longo dos anos diversos pesquisadores têm se dedicado a estudar esse valor crítico de 𝑘, dentre eles podemos destacar Herman [82] que determinou o limite inferior necessário para a existência de curvas invariantes spanning de 𝑘 = 1/34, embora esse resultado seja muito melhor que as estimativas anteriores a ele, ainda está claramente abaixo do valor crítico de 𝑘 mais preciso. Destacamos ainda Liberman e Lichtenberg [83], eles mostraram 48 3.2. A última curva invariante do mapa padrão que para 𝑘 = 2 nenhuma curva invariante é observada. Mais tarde Mather [84] conseguiu melhorar esse resultado chegando a 𝑘 = 4/3. Mackay e Percival [76] usando a técnica de Mather obtiveram 𝑘 = 63/64 ≈ 0,9844. Este resultado é bem próximo da estimativa mais precisa para o valor de 𝑘, que é de 𝑘 = 0,971635... obtida por Greene [85, 58]. Mais recentemente, a fim de estudar o rompimento da última curva invariante span- ning com alta precisão, os autores em [80] utilizaram os três tempos de recorrência de Slater para determinar o valor crítico de 𝑘. Nossa proposta é utilizar a mesma técnica, primeiramente para o mapa padrão, recuperando alguns resultados presentes na literatura e posteriormente para outros modelos. Consoante a teoria KAM, curvas invariantes com número de rotação suficientemente irracional persistem quando a perturbação é suficientemente pequena. Alternativamente, quando a perturbação é grande o suficiente, todas as curvas invariantes são destruídas. Greene [58] conjecturou que a última curva invariante para o Mapa Padrão tem número de rotação o mais irracional possível, ou seja, aquele que possui a convergência mais lenta em sua expansão em frações contínuas. Isso ocorre quando os elementos 𝑎𝑖 da expansão são iguais a 1, como ocorre para 1/𝛾 = √ 5−1 2 = [0; 1,1,1,...]. Porém, a formulação que estamos usando para o mapa padrão é modulada em 2𝜋, e nesse caso o mapa padrão não apresenta curvas invariantes com número de rotação igual a 1/𝛾 = √ 5−1 2 como acontece quando as equações do modelo estão moduladas em 1. No entanto, (1 − 1/𝛾) = [0; 2,1,1,1,...] tem a mesma cauda de fração contínua que 1/𝛾 e esse número de rotação aparece no mapa padrão [86]. Na Tabela 3.2 mostramos a expansão em frações contínuas de (1−1/𝛾), assim como suas convergentes 𝑃𝑠 𝑄𝑠 . Note que 𝑄𝑠 satisfaz a seguinte equação de recorrência 𝑄𝑠 = 𝑄𝑠−2 +𝑄𝑠−1, (3.6) para 𝑠 = 3,4,... com 𝑄1 = 2 e 𝑄2 = 3, gerando a tão conhecida sequência de Fibonacci, da mesma que forma que ocorria para a expansão de 1/𝛾. Então, baseado no Teorema de Slater, os tempos de retorno para uma curva com número de rotação 𝜔 = (1 − 1/𝛾) são números consecutivos da sequência de Fibonacci. Conforme definimos na seção 2.2, o tempo de recorrência é definido pelo tempo que 49 3.2. A última curva invariante do mapa padrão Tabela 3.2: Representação em frações contínuas do irracional (1 − 1/𝛾) assim como algumas de suas convergentes obtidas pelo truncamento da expansão. 𝑠 𝑎𝑠 Fração Contínua Convergente 𝑃𝑠 𝑄𝑠 1 2 [0;2] 1/2 2 1 [0;2,1] 1/3 3 1 [0;2,1,1] 2/5 4 1 [0;2,1,1,1] 3/8 5 1 [0;2,1,1,1,1] 5/13 ... ... ... ... 10 1 [0;2,1,1,1,1,1,1,1,1,1] 55/144 11 1 [0;2,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1] 89/233 12 1 [0;2,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1,1] 144/377 ... ... ... ... uma trajetória leva entre a saída do intervalo 𝛿 e o primeiro retorno. Dessa forma, conforme o teorema de Slater [50], para qualquer intervalo 𝛿 de uma curva invariante, temos no máximo três diferentes tempos de recorrência, sendo o maior deles a soma dos outros dois. Sendo assim, o método consiste em procurar a curva que apresente apenas três tempos de recorrência e que esses três tempos sejam números consecutivos na sequência de Fibonacci. Para iniciar nosso procedimento e determinar a localização da curva com número de rotação 𝜔 = (1 − 1/𝛾) no espaço de fases, tomamos condições iniciais ao longo da linha 𝜃 = 3,0 (Figura 3.2). Cada condição inicial é considerada o centro de um quadrado de lado 𝛿, as quais iteramos um número grande de vezes até encontrarmos os tempos de recorrência. A condição inicial que possuir tempos que sejam iguais a três denominadores consecutivos da expansão em frações contínuas do irracional 𝜔, ou seja, que apresente apenas três tempos de recorrência e que esses tempos sejam números consecutivos da sequência de Fibonacci, pertence à curva invariante procurada. Nosso procedimento começa para 𝑘 = 0,97 com intervalo de recorrência 𝛿 = 10−3 iterando cada condição inicial 105 vezes. Nesse caso, a primeira condição inicial que satisfez as condições do teorema é (𝜃 = 3,0; 𝐼 = 2,476126567) e com tempos de recorrência Γ1 = 6765, Γ2 = 10946 e Γ3 = 17711. Para esses parâmetros, 𝑃𝑠 𝑄𝑠 = 6765 17711 = 0,38196600982, que corresponde a uma aproximação do número de rotação 𝜔 = (1 − 1/𝛾) = 0,3819660112501051... . A fim de melhor nossa estimativa, diminuímos o tamanho do intervalo de recorrência para 50 3.2. A última curva invariante do mapa padrão −4 −3 −2 −1 0 1 2 3 4 0 1 2 3 4 5 6 1, 8 2, 3 2, 8 0 1 2 3 4 5 6 θ I (a) θ(b) Figura 3.2: (a) Espaço de fases para o Mapa Padrão dado pela equação 3.5 com 𝑘 = 0,97. A curva invariante spanning encontrada pelo teorema de Slater está destacada em vermelho. (b) Ampliação do espaço de fases de (a), nas proximidades da curva invariante. 𝛿 = 10−4 com 106 iterações, onde obtemos (𝜃 = 3,0; 𝐼 = 2,47612656927), Γ1 = 121393, Γ2 = 196418, Γ3 = 317811 e 𝑃𝑠 𝑄𝑠 = 121393 317811 = 0,38196601124 que é ainda mais próximo do valor exato de 𝜔. Note que quanto menor o valor de 𝛿 maiores são os tempos de recorrência e consequentemente mais próximos do valor exato de 𝜔 nos encontramos, porém, deve-se ter cuidado na escolha de 𝛿, pois quanto maiores os tempos de recorrência maior deve ser o número de iterações para conseguirmos observar tais tempos e isso pode ficar caro do ponto de vista computacional. Agora para determinar o parâmetro crítico 𝑘𝑐 para a curva encontrada, repetimos o processo discutido anteriormente mudando sutilmente o valor do parâmetro 𝑘 até que os três tempos não sejam mais observados. Lembrando que não são quaisquer tempos, pois como afirma o teorema de Slater, tais tempos devem fazer parte da expansão em frações contínuas do número de rotação 𝜔, mais precisamente que eles sejam denominadores consecutivos das convergentes de 𝜔. Além disso, segundo o teorema, não pode ocorrer a quarta recorrência. Seguindo esse procedimento encontramos como parâmetro crítico 𝑘𝑐 = 0,97163506, o qual é muito próximo do resultado 𝑘𝑐 = 0,971635... encontrado por Greene [58]. 51 3.3. Curvas invariantes no Modelo Fermi-Ulam 3.3 Curvas invariantes no Modelo Fermi-Ulam Retomemos agora o modelo Fermi-Ulam visto na seção (2.4) e dado pelo mapeamento 𝑇 : ⎧⎪⎪⎨⎪⎪⎩ 𝜑𝑛+1 = [︁ 𝜑𝑛 + 2 𝑉𝑛 ]︁ mod 2𝜋 𝑉𝑛+1 = |𝑉𝑛 − 2𝜀sen(𝜑𝑛+1)| . (3.7) Vimos que esse modelo também apresenta um espaço de fases do tipo misto, através do qual é possível notar a presença de um grande mar de caos coexistindo com ilhas de estabilidade e curvas invariantes do tipo spanning, além disso, a posição dessas curvas variam de acordo com o parâmetro 𝜖. A diferença é que o modelo Fermi-Ulam sempre apresenta curvas invariantes spanning independente do valor do parâmetro de não linearidade. Ao longo dos anos há uma grande variedade de trabalhos envolvendo tal modelo, nos quais cientistas procuram compreender e explorar suas propriedades. Isso se deve a relevância que ele tem na área de sistemas dinâmicos e dinâmica não linear. Entre esses trabalhos, é importante destacar a pesquisa de Lieberman e Lichtenberg em [83], onde os autores reduziram o problema de Fermi a forma Hamiltoniana e usando essa técnica eles estimaram a localização de barreiras no espaço de fases do sistema. No entanto, a determinação dessas barreiras com alta precisão ainda é pouco explorada para esse modelo. Trabalhos como [87] e [88] apenas confirmam a existência dessas curvas, mas não mostram suas posições no espaço de fases, nem preveem o parâmetro a partir do qual essas curvas são destruídas. Dessa forma, nossa proposta é fazer um estudo dessas curvas com a utilização do teorema de Slater, assim como foi feito para o Mapa Padrão. O primeiro passo para iniciarmos o estudo das curvas invariantes para o modelo Fermi- Ulam, utilizando o teorema de Slater, é definir o número de rotação a ser investigado. John Greene em [58] conjecturou que curvas invariantes com número de rotação nobre são localmente robustas. Um número irracional 𝜔 é dito nobre se sua expansão em frações contínuas possui uma sequência infinita de 1′𝑠 a partir de algum ponto, isto é, 𝜔 ≡[︁ 𝑎0; 𝑎1, 𝑎2, ..., 𝑎𝑛, 1̄ ]︁ . Complementarmente a teoria de Greene, Fox em [89] mostrou que curvas invariantes com números nobres são localmente mais robustas mesmo para modelos diferentes do Mapa Padrão. MacKay e Stark em [90] apresentaram fortes evidências 52 3.3. Curvas invariantes no Modelo Fermi-Ulam numéricas a respeito da robustez de curvas com número de rotação nobre, onde eles evidenciaram a robustez de curvas com números de rotação nobre em vários modelos padrões generalizados. Assim, nossa proposta é analisar uma família de curvas invariantes com número de rotação do tipo 𝜔 = [𝑎0; 1̄]. Números nobres desse tipo são considerados os mais irracionais, no sentido de que eles são menos facilmente aproximados por racionais e, portanto, têm uma convergência mais lenta em suas expansões em frações contínuas. Em vista disso, acreditamos que curvas com números de rotação desse tipo são mais robustas, pelo menos, localmente. Assim, determinaremos com alta precisão a posição de algumas dessas curvas e estudaremos a destruição delas encontrando o parâmetro crítico 𝜖𝑐 a partir do qual tais curvas são destruídas. Começamos nossa investigação com o número de rotação igual à média dourada 𝛾 = [1; 1̄] ou algum deslocamento inteiro desse valor 𝜔 = [𝑎0; 1̄], dessa forma, a sequência gerada pelos denominadores das convergentes (𝑄𝑛) será sempre a mesma e gerará a sequência de Fibonacci. Então fixamos o valor da variável angular em 𝜑 = 3,0 e variamos o valor da ação 𝑉 . Para cada par (𝜑0,𝑉0) aplicamos o teorema de Slater, ou seja, calculamos o número de iterações que uma órbita leva para retornar a um intervalo 𝛿 próximo de onde ela partiu (𝜑0,𝑉0). Uma vez calculado esses tempos, se existem apenas três tempos distintos, pelo teorema de Slater é possível concluir que o ponto (𝜑0,𝑉0) pertence a uma curva invariante. Se, além disso, esses três tempos são números consecutivos na sequência de Fibonacci, isso significa que essa curva invariante é robusta. Se não, nós damos um passo Δ𝑉 na variável ação e repetimos o procedimen