unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara – SP ADRIANA ZANON BENE ATOS RACISTAS DA JUSTIÇA NOTICIADOS POR DUAS MÍDIAS JORNALÍSTICAS: uma análise dialógica do discurso ARARAQUARA – S.P. 2023 ADRIANA ZANON BENE ATOS RACISTAS DA JUSTIÇA NOTICIADOS POR DUAS MÍDIAS JORNALÍSTICAS: uma análise dialógica do discurso Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Letras, da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Letras. Orientadora: Marina Célia Mendonça ARARAQUARA – S.P. 2023 Adriana Zanon Bene ATOS RACISTAS DA JUSTIÇA NOTICIADOS POR DUAS MÍDIAS JORNALÍSTICAS: uma análise dialógica do discurso Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Letras, da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Letras. Orientadora: Marina Célia Mendonça Data da defesa/entrega: 17/01/2023 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Marina Célia Mendonça, Doutora em Linguística Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Membro Titular: Marina Totina de Almeida Lara, Doutora em Linguística e Língua Portuguesa Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Membro Titular: Kamila Gonçalves, Mestra em Linguística e Língua Portuguesa Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara Àqueles que sempre me apoiaram e me incentivaram nesta jornada. AGRADECIMENTOS Ao meu marido, Rafael, por sempre me apoiar, me inspirar, acreditar nas minhas realizações e me incentivar a refletir a respeito do racismo que permeia a nossa sociedade. Aos meus pais, Marcia e Airton, por confiarem e incentivarem as minhas escolhas. À minha sogra, Teresinha, por me acolher com tanto amor e sempre me apoiar ao longo da graduação. A todos os meus familiares, pelo incentivo à minha carreira acadêmica. À minha orientadora, por confiar na minha pesquisa, pela atenção, carinho e cuidado durante todo este percurso e pelos ensinamentos acadêmicos. À UNESP, por proporcionar uma formação que possibilitasse a realização da presente pesquisa. “[...] Dizem que paremos de lutar,/pois querem paz e podem/nos alimentar. Não é fome, é sede./Sede de justiça, liberdade,/igualdade racial.[...] Se não há justiça, não pode haver/paz./Não há revolta sem luta” Alessandra Martins (2021, p.17-18) RESUMO O racismo consiste em um processo histórico e político que contribui para a perpetuação das desigualdades e da violência voltadas para a população vítima desse comportamento. Vale colocar que o racismo é sempre estrutural, sendo um elemento que integra diferentes esferas da sociedade brasileira. Assim, no Brasil, a representação social racista do sujeito negro como violento e agressivo gera mortes físicas e o encarceramento em massa. O objetivo geral do presente trabalho é comparar como atos racistas da justiça são noticiados por duas mídias jornalísticas brasileiras. Os objetivos específicos são os seguintes: refletir sobre como o autor se manifesta nesses enunciados (seu tom enunciativo, seu projeto de dizer, os aspectos ideológicos que se manifestam no seu discurso); refletir sobre a imagem do destinatário desses enunciados. O corpus é composto por duas reportagens, uma de cada mídia selecionada, que versam exatamente sobre o mesmo ato racista da justiça, o caso de um jovem negro que foi preso injustamente enquanto estava num ponto de ônibus. As matérias foram retiradas de duas mídias jornalísticas online: “Alma Preta Jornalismo” e “Ponte Jornalismo”. Como suporte teórico-metodológico é utilizada a análise dialógica do discurso, com enfoque nos conceitos de diálogo, relação de alteridade, signo ideológico, gênero discursivo e enunciado verbo-visual. Como resultados tem-se que os autores das duas reportagens se identificam com os interlocutores presumidos, pessoas negras e/ou periféricas, sendo que a “Alma Preta” afirma seu projeto de dizer a partir de um lugar negro e periférico e tem como autor um homem negro, enquanto a “Ponte” reforça essa identificação ao escolher uma mulher negra e engajada com os direitos humanos como autora da reportagem. Ademais, o projeto de dizer da “Alma Preta” é voltado para um discurso antirracista, ao passo que a “Ponte” afirma um discurso mais pautado em questões jurídicas. Quanto ao gênero discursivo “reportagem”, ambas as mídias colocam tanto o ponto de vista dos familiares da vítima e da advogada de defesa, que trazem uma versão do caso que aponta para a inocência da vítima, quanto o ponto de vista dos policiais e da testemunha, que tentam colocá-la como culpada pelo assalto. Apesar disso, o intuito das reportagens é denunciar que houve injustiça no caso de prisão do jovem. Conclui-se que apesar de ambas as mídias denunciarem atos racistas da justiça, a “Alma Preta” aborda mais explicitamente a questão racial envolvida na prisão injusta noticiada, bem como enfatiza a inocência do jovem negro. Espera-se que o trabalho tenha contribuído para uma discussão sobre o racismo, em especial aquele praticado pelo sistema judicial brasileiro, bem como para uma reflexão acerca de uma formação docente crítica, que tem a possibilidade de abordar o racismo juntamente com o gênero discursivo “reportagem” no contexto de sala de aula. Palavras-chave: racismo; mídias jornalísticas; análise dialógica do discurso; encarceramento em massa. ABSTRACT Racism consists in a historical and political process that contributes to the perpetuation of inequalities and violence against the victim population of this behavior. It is worth mentioning that racism is always structural, being an element that integrates different spheres of Brazilian society. Thus, in Brazil, the racist social representation of the black subject as violent and aggressive generates physical deaths and mass incarceration. The general objective of the present work is to compare how racist acts of justice are reported by two Brazilian journalistic media. The specific objectives are the following ones: to reflect on how the author manifests himself in these statements (his enunciative tone, his project of saying, the ideological aspects that are manifested in his speech); reflect on the image of the recipient of these statements. The corpus is composed by two reports, one from each selected media, which deal with the same racist act of justice, the case of a young black man who was unfairly arrested while he was at a bus stop. The articles were taken from two online journalistic media: “Alma Preta Jornalismo” and “Ponte Jornalismo”. Dialogic discourse analysis is used as a theoretical-methodological support, focusing on the concepts of dialogue, relationship of otherness, ideological sign, discursive genre, and verbal-visual statement. As results, the authors of the two reports identify themselves with the presumed interlocutors, black and/or peripheral people, and “Alma Preta” affirms its project of saying from a black and peripheral place and has as its author a black man, while “Ponte” reinforces this identification by choosing a black woman who is committed to human rights as the author of the report. In addition, the project of saying of “Alma Preta” is focused on an anti-racist discourse, while “Ponte” affirms a discourse more based on legal issues. As for the discursive genre "report", both media present both the point of view of the victim's relatives and the defense lawyer, who bring a version of the case that points to Gabriel's innocence, and the point of view of the police and the witness, who try to place the young man as guilty of the robbery. Despite this, the purpose of the reports is to denounce that there was injustice in the case of the arrest of the young man. It is concluded that although both media denounce racist acts of justice, “Alma Preta” more explicitly addresses the racial issue involved in the wrongful arrest reported, as well as emphasizes the innocence of the young black man. It is hoped that the work has contributed to a discussion about racism, especially that practiced by the Brazilian judicial system, as well as to a reflection on critical teacher training, which has the possibility of addressing racism together with the discursive genre " reporting” in the classroom context. Keywords: racism; journalistic media; dialogic discourse analysis; mass incarceration. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Temáticas do site da Alma Preta ......................................................................... 21 Figura 2 - Notícia presente nas categorias "política" e "cultura" ..................................... 21 Figura 3 - Notícia presente na categoria “África&Diáspora” ............................................ 22 Figura 4 - Notícia presente na categoria “África&Diáspora” ............................................ 23 Figura 5 - Notícia presente na categoria “África&Diáspora” ............................................ 23 Figura 6 - Temáticas do site da Ponte Jornalismo ............................................................... 24 Figura 7 - notícia presente na categoria “prisões” .............................................................. 25 Figura 8 - notícia presente na categoria “prisões” .............................................................. 25 Figura 9 - notícia presente na categoria “raça” ................................................................... 26 Figura 10 - notícia presente na categoria “raça” ................................................................. 26 Figura 11 - Manchete e subtítulo da reportagem da “Alma Preta Jornalismo” .............. 28 Figura 12 - Manchete e subtítulo da reportagem da “Ponte Jornalismo” ........................ 29 Figura 13 - Trecho da reportagem: fala da tia de Gabriel ................................................. 29 Figura 14 - Trecho da reportagem: fala do irmão de Gabriel sobre a falha da justiça ... 30 Figura 15 - Trecho da reportagem: fala do irmão de Gabriel sobre o ocorrido .............. 31 Figura 16 - Trecho da reportagem: citação indireta do discurso da testemunha ............ 32 Figura 17 - Trecho da reportagem: citação direta e indireta do discurso da advogada de defesa ....................................................................................................................................... 32 Figura 18 - Trecho da reportagem: citação direta do discurso da polícia civil ................ 32 Figura 19 -Trecho da reportagem: citação direta do discurso da polícia civil ................. 33 Figura 20 - Trecho da reportagem: citação direta e indireta do discurso da advogada de defesa ....................................................................................................................................... 33 Figura 21 - Trecho da reportagem: citação direta e indireta do discurso do advogado especialista ............................................................................................................................... 33 Figura 22 - Imagem do jovem negro preso injustamente ................................................... 35 Figura 23 - Imagem do jovem negro preso injustamente ................................................... 36 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579954 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579955 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579956 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579957 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579958 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579960 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579962 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579963 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579964 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579965 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579966 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579967 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579968 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579969 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579971 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579972 file:///D:/Letras/Monografia%20I/monografia%20abnt%20certo%20final.docx%23_Toc124579975 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10 2 SUPORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO .................................................................... 12 2.1 Enunciado, diálogo, relação de alteridade e signo ideológico ....................................... 12 2.2 Gênero discursivo e o gênero reportagem ...................................................................... 15 3 RACISMO ESTRUTURAL, MÍDIA E ENCARCERAMENTO DE PESSOAS NEGRAS NO BRASIL ........................................................................................................... 18 3.1 Racismo estrutural no Brasil: o imaginário social do homem negro, o genocídio e o encarceramento em massa ..................................................................................................... 18 3.2 Mídias jornalísticas: “alma preta jornalismo” e “ponte jornalismo” ......................... 20 4 MÍDIA E RACISMO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRISÃO INJUSTA DE UM JOVEM NEGRO EM DUAS REPORTAGENS ................................................................. 27 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 38 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 41 10 1 INTRODUÇÃO O racismo consiste em um processo histórico e político que contribui para a perpetuação das desigualdades e da violência, impedindo o exercício de direitos (ALMEIDA, 2019). Ainda, pensando especificamente no racismo voltado para a população negra, a representação social racista desses sujeitos como violentos e agressivos gera tanto mortes simbólicas, como o epistemicídio e a aculturação, quanto mortes físicas, como torturas, além do encarceramento (BORGES, 2019), atitudes que, muitas vezes, tentam ocultar a opressão racial envolvida em tais atos. Dessa forma, entende-se que o racismo é um ato de violência muitas vezes velado por uma sociedade que se diz miscigenada e sem preconceitos, devendo ser reconhecido e combatido. Assim, esta pesquisa se justifica pelo fato de o racismo ainda ser recorrente na sociedade brasileira atual, não apenas por meio de atitudes escancaradamente racistas, como ofensas pessoais, mas, também, por comportamentos que infringem os direitos humanos e privam os sujeitos de liberdade, o que acontece, por exemplo, com o encarceramento em massa da população negra, utilizado como estratégia alimentada pelo racismo. Tendo isso em vista, o presente trabalho aborda como as mídias jornalísticas noticiam atos racistas da justiça, como forma de denúncia ao racismo estrutural presente na sociedade brasileira. As matérias analisadas versam a respeito de pessoas negras que foram presas injustamente. Interessante notar que esse tipo de matéria é encontrado em poucas mídias jornalísticas, estando presente, com maior frequência, nas mídias antirracistas, ativistas e/ou que afirmam seu compromisso com a defesa dos direitos humanos e ampliação das vozes subalternizadas. Por isso, o corpus é composto por matérias contidas em duas mídias jornalísticas online: a “Alma Preta” (https://almapreta.com) e a “Ponte Jornalismo” (https://ponte.org). A “Alma Preta” consiste em um meio de comunicação social que tem o objetivo de informar a realidade social, considerando “as desigualdades de raça, gênero, sexualidade, classe, território”, além de divulgar e valorizar a cultura negra, a partir de uma visão racial negra e periférica (ALMA PRETA, 2022). Em uma perspectiva semelhante, a “Ponte Jornalismo” é uma organização que debate temáticas relacionadas aos direitos humanos, levando em conta as questões de raça, gênero e classe, com o objetivo de ampliar as vozes marginalizadas e manter a democracia da sociedade brasileira (PONTE, 2022). 11 Considerando isso, a presente pesquisa tem como objetivo geral comparar como atos racistas da justiça são noticiados por duas mídias jornalísticas brasileiras. Os objetivos específicos são os seguintes: refletir sobre como o autor se manifesta nesses enunciados (seu tom enunciativo, seu projeto de dizer, os aspectos ideológicos que se manifestam no seu discurso); refletir sobre a imagem do destinatário desses enunciados. Para isso, a análise dialógica do discurso é utilizada como suporte teórico-metodológico, com enfoque nos conceitos de diálogo, enunciado, relação de alteridade, signo ideológico, gênero discursivo e enunciado verbo-visual. Alguns dos estudos relevantes para o trabalho são: Bakhtin (1997); Brait (2006); Brait (2005); Fiorin (2011); Sobral (2009); Volóchinov (2018); Miotello (2005). Essa monografia se estrutura em quatro seções. A primeira seção consiste no suporte teórico-metodológico, em que são descritos os conceitos relacionados à análise dialógica do discurso relevantes para o presente estudo, citados no parágrafo anterior, bem como é discutido a respeito do gênero reportagem, o qual compõe o corpus do presente trabalho. A segunda seção discorre sobre o racismo no Brasil, com foco nos conceitos de racismo estrutural, construção do imaginário social do homem negro, genocídio e encarceramento em massa da população negra. Além disso, a referida seção apresenta as mídias selecionadas para análise do corpus, no que se refere ao surgimento das mídias em questão, ao compromisso e objetivos das mesmas, bem como a origem de seus nomes. A terceira seção compreende a análise do corpus, composto por duas reportagens, uma de cada mídia online selecionada, em que as matérias são analisadas e comparadas, a partir da análise dialógica do discurso. A quarta e última sessão engloba as considerações finais, em que são apontadas as principais reflexões acerca desta pesquisa. Com o presente trabalho, espera-se contribuir com uma discussão sobre o racismo no Brasil, especialmente quando realizado pelo próprio Estado, por meio, por exemplo, de atos de prisões injustas da população negra. 12 2 SUPORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO As reflexões acerca do corpus do presente trabalho apresentam como suporte teórico- metodológico a análise dialógica do discurso, proposta por Bakhtin e o Círculo. Para os autores, o discurso é sempre atravessado por outros e está inserido em um contexto extralinguístico, com especificidades históricas, sociais e culturais (BRAIT, 2006). Neste capítulo serão discutidos os seguintes conceitos propostos pelo Círculo e que são relevantes para o desenvolvimento da análise do corpus: diálogo, enunciado, relação de alteridade, signo ideológico e gênero discursivo. Ainda, juntamente com o conceito de gênero discursivo, serão apresentadas considerações teóricas sobre o gênero jornalístico reportagem. 2.1 Enunciado, diálogo, relação de alteridade e signo ideológico Primeiramente, a fim de compreender e discutir o corpus em questão a partir da análise dialógica do discurso, é relevante destacar um conceito fundamental para Bakhtin e o Círculo: o enunciado. Segundo essa perspectiva, o enunciado não é sinônimo de frase, ou seja, não se trata de uma sequência de palavras, proferidas ou escritas fora de contexto. Pelo contrário, o enunciado, para o Círculo, consiste em uma unidade de significação, a qual está inserida em um contexto histórico, social e cultural (BRAIT, 2005). Ainda, o enunciado, segundo a perspectiva de Bakhtin e o Círculo, consiste em um todo de sentido. Isso significa dizer que o sentido total do enunciado comporta um juízo de valor e “implica uma compreensão responsiva” (BAKHTIN, 1997a, p. 356). Também, é preciso considerar que o enunciado, em sua manifestação, é multissemiótico, podendo ser constituído por diferentes linguagens, as quais se complementam para formar a totalidade de sentido (MENDONÇA, 2022). Tendo em vista o corpus do presente estudo, as linguagens verbal e imagética se complementam, no sentido de a imagem, no caso a fotografia da pessoa que sofreu racismo, reafirmar a temática do racismo abordada pelas reportagens, redigidas em língua portuguesa. Ademais, é relevante considerar o enunciado como um todo de sentido no que se refere a sua inserção em um contexto extraverbal, identificado, por exemplo, por relações dialógicas e por aspectos avaliativos do autor (MENDONÇA, 2022). Nas reportagens selecionadas é possível observar que o autor dialoga com outros discursos, no caso, os discursos racistas, bem como traz aspectos avaliativos diante dessas atitudes. Dessa forma, atentando para o fato de o enunciado estar inserido em um contexto e consistir em um todo de sentido, apesar de 13 atravessado pelo discurso do outro ele é único e seu sentido dependente do contexto em que o mesmo está inserido (SOBRAL, 2009; BRAIT, 2005). Além disso, deve-se considerar que o enunciado, segundo a análise dialógica, é produzido por um autor e direcionado a um destinatário. Nesse caso, autor e destinatário dialogam na interação discursiva, bem como dialogam com outros enunciados. Assim, no enunciado estão presentes vestígios de outros enunciados, com os quais o autor pode refutar, concordar e/ou completar (FIORIN, 2011). Assim, pode-se dizer que no corpus em estudo o autor refuta os atos racistas e defende um combate antirracista e contra hegemônico, dirigindo seu enunciado para um interlocutor constituído por ideologias semelhantes e que possivelmente faz parte da população marginalizada e injustiçada pela sociedade brasileira. Dessa forma, para Bakhtin e o Círculo todos os enunciados são dialógicos. Isso significa dizer que, mesmo que as vozes sociais de outros discursos não estejam manifestas textualmente, elas estão presentes no discurso do autor, que rebate ou reafirma determinados discursos (FIORIN, 2011). Vale destacar, também, que a noção de diálogo não se restringe à relação direta entre os interlocutores, como se tem no diálogo face a face, mas inclui a relação dialógica do enunciador com destinatários e superdestinatário previstos. Segundo a perspectiva de Bakhtin, o destinatário seria a segunda pessoa, não no sentido aritmético, mas um interlocutor “de quem o autor da produção verbal espera e presume uma compreensão responsiva”. Por sua vez, o superdestinatário constitui a terceira pessoa, “cuja compreensão responsiva absolutamente exata é pressuposta”, ou seja, o superdestinatário representa o interlocutor ideal, que compreende a mensagem que o autor quer passar, bem como responde da maneira esperada (BAKHTIN, 1997a, p. 356). Dessa forma, consideraremos no corpus da presente pesquisa os superdestinatários, bem como os destinatários que constituem o leitor do Brasil do momento presente. Retomando a noção de diálogo, Fiorin (2011) destaca tipos de dialogismos, a partir da leitura que o autor faz do Círculo: o dialogismo constitutivo, o qual consiste na relação entre os enunciados, que não se manifesta na estrutura textual, e o dialogismo presente na forma composicional (estrutura do texto), em que aparece de modo visível o discurso de outras vozes, como é o caso das citações direta ou indireta, por exemplo. Tendo em vista o corpus da atual pesquisa, é possível afirmar, como se verá na seção quatro, que os tipos de dialogismos resgatados por Fiorin (2011) estão presentes, uma vez que os autores trazem a voz do outro por meio de citações diretas e indiretas, bem como rebatem 14 discursos presentes na sociedade. Além disso, no corpus é considerada a relação do autor com seus destinatários e superdestinatário. Partindo do conceito de dialogismo discutido anteriormente, é relevante abordar a questão da relação de alteridade presente no enunciado. Sobral (2009), ao retomar os conceitos propostos por Bakhtin e o Círculo, afirma que o dialogismo consiste na relação entre enunciados, sendo que um enunciado proferido é uma resposta ao que já foi dito e ao que será produzido no futuro, já que se espera uma réplica do outro/interlocutor, tido como parceiro ativo nessa relação (BAKHTIN, 1997b). A respeito do autor, Bakhtin (1997b) afirma que, ao proferir um enunciado, o autor manifesta sua expressividade e, por isso, um enunciado não pode ser considerado totalmente neutro. Dessa forma, “a relação valorativa [que o autor apresenta] com o objeto do discurso [...] determina a escolha dos recursos lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado” (BAKHTIN, 1997b, p. 309). Com relação ao interlocutor, Bakhtin (1997b) coloca a importância de considerar o ouvinte como sujeito ativo no processo discursivo e não apenas um mero receptor da informação, uma vez que o ouvinte concorda ou discorda com o que foi posto pelo autor, ou mesmo completa o discurso do outro, tornando-se também autor em determinado momento da interação. Resgatando as ideias propostas por Bakhtin e o Círculo, Sobral (2009, p. 95) afirma que: Na qualidade de locutor, todo sujeito recorre a significações fixadas no sistema linguístico e a valorações (a sua e a dos interlocutores a que se dirige) que não estão no sistema, mas nas circunstâncias de uso da língua; e é a união entre significações e valoração que cria sentidos nas circunstâncias históricas e sociais dadas de enunciação. Dessa forma, pode-se dizer que a relação de alteridade presente no enunciado envolve a consideração, pelo locutor, do contexto enunciativo, bem como a previsão de um destinatário e suas reações concretas ou sua resposta presumida, sendo que o locutor adapta seu tom valorativo de acordo com o seu interlocutor (SOBRAL, 2009). Tendo isso em vista, tem-se que na concepção dialógica “antes mesmo de falar, o locutor altera, ‘modula’ sua fala, seu modo de dizer, de acordo com a ‘imagem presumida’ que cria de interlocutores típicos” (SOBRAL, 2009, p. 39). Essa definição tem relação com o tom avaliativo, com o projeto enunciativo do locutor, definidos como a “intencionalidade do sujeito ao enunciar aquilo que ele pretende dizer” (SOBRAL, 2009, p. 38). 15 Ainda é importante dizer que logo no início da obra “Marxismo e filosofia da linguagem”, Volóchinov aborda o conceito de ideologia, sendo esse relevante para seus estudiosos, bem como para o presente trabalho. O autor afirma que Qualquer produto ideológico é não apenas uma parte da realidade natural e social [...] – mas também [...] reflete e refrata outra realidade que se encontra fora dos seus limites. Tudo o que é ideológico possui uma significação: ele representa e substitui algo encontrado fora dele, ou seja, ele é um signo. Onde não há signo também não há ideologia. (VOLÓCHINOV, 2018, p. 91, grifos do autor) Com isso, o autor entende que o signo ideológico tem uma significação que é construída por um grupo organizado socialmente, em uma situação de interrelação (VOLÓCHINOV, 2018), rompendo com a ideia de que a ideologia é subjetiva, individual, interiorizada e algo dado previamente à interrelação social (MIOTELLO, 2005). Ainda, segundo essa perspectiva, todo signo, além de possuir um sentido físico-material e um sentido sócio-histórico, “representa a realidade a partir de um lugar valorativo”, em que determinado signo é visto de diferentes maneiras, a depender do ponto de vista de cada grupo ideológico (MIOTELLO, 2005, p. 170). Dessa forma, para Bakhtin e o Círculo, em cada relação social, os signos assumem sentidos conforme os interesses de determinado grupo. Em uma sociedade hegemônica capitalista, para a classe dominante e opressora é conveniente que os sentidos do signo ideológico sejam voltados para seus interesses (MIOTELLO, 2005) – podemos dizer que essa sociedade hegemônica capitalista, no caso do Brasil, permeada pelo racismo, desigualdades sociais e machismo, defende, por exemplo, a ideologia da democracia racial, a qual dissemina a ideia de que no Brasil não há discriminação racial e de que todos possuem os mesmos direitos. Ter em mente que o signo é ideológico e que cada grupo social propaga o sentido que lhe é mais vantajoso é de suma importância para a presente pesquisa, já que possibilita refletir sobre como a ideologia da democracia racial é falha. Por meio da análise das reportagens selecionadas para o estudo, as quais versam sobre pessoas negras que foram presas injustamente, mostra-se como o racismo ainda se perpetua na sociedade brasileira e como essa questão é discutida no corpus a partir de uma ideologia antirracista. 2.2 Gênero discursivo e o Gênero Reportagem Segundo Bakhtin (1997b, p. 285), os gêneros do discurso são formas típicas de enunciado relativamente estáveis “do ponto de vista temático, composicional e estilístico”. Isso significa dizer que cada gênero discursivo possui uma estrutura regular e conserva traços que o 16 caracterizam como estável, ao mesmo tempo que traz uma singularidade, uma vez que está em constante transformação (SOBRAL, 2009). Em relação às unidades composicionais, entende-se as mesmas como a materialidade e as estruturas textuais que especificam determinado gênero, bem como o tipo de relação estabelecida entre locutor e os demais parceiros do discurso, como o leitor e o discurso do outro (BAKHTIN, 1997b). Referindo-se ao Círculo, Sobral (1997) explica que é na relação com o outro que o locutor estabelece o tom do discurso. Outro ponto relevante destacado por Machado (2005, p. 158), considerando as ideias propostas por Bakhtin, é o fato de os gêneros discursivos consistirem em dispositivos “de organização, troca, divulgação, armazenamento, transmissão e, sobretudo, de criação de mensagens em contextos culturais específicos” e, portanto, inseridos em uma dimensão espaço-temporal. O gênero discursivo a ser discutido no presente trabalho é a reportagem. Lage (2001) aponta em seu trabalho o surgimento do repórter e do referido gênero, afirmando que, com a revolução industrial, as condições em que ocorria o jornalismo se modificaram, já que houve uma ampliação do público leitor e, consequentemente, o aumento na produção de exemplares dos jornais, bem como uma mudança nos estilos das matérias publicadas, as quais deveriam envolver o público-alvo. Lage (2001, p. 5) afirma que “A retórica do jornalismo publicista era impenetrável para os novos leitores, herdeiros de uma tradição de cultura popular muito mais objetiva”. Com isso, Lage (2001, p. 6) coloca que “para cumprir a função sociabilizadora, educativa, devia-se atingir o público, envolvê-lo para que lesse até o fim e se emocionasse. [...] A realidade deveria ser tão fascinante quanto a ficção e, se não fosse, era preciso fazê-la ser”. Assim nasce a reportagem e o repórter. Esse profissional era acionado para cobrir fatos sociais, desde crimes até debates políticos, sendo que, muitas vezes, desmentia uma história tida como oficial (LAGE, 2001). Partindo do contexto em que surge a figura do repórter e a reportagem, bem como sua função social, pode-se pensar que esse papel se mantém até os dias atuais. Tendo em consideração o corpus da pesquisa, nota-se reportagens que, além de informativas, trazem o ponto de vista do autor, bem como denunciam um ato racista que é distorcido pela sociedade em que estamos inseridos, colocando a vítima como criminosa. Outro ponto a destacar é o fato de a reportagem se diferenciar da notícia. A notícia envolve a cobertura de fatos ou acontecimentos com caráter inédito e atual que os tornam relevantes, como acompanhar os desdobramentos de determinado evento. Ainda, a notícia 17 independe das intenções do jornalista, além de ser mais breve e tratar o assunto com menos profundidade quando comparada à reportagem (LAGE, 2001). Por sua vez, a reportagem é mais extensa e completa, bem como aborda determinado assunto a partir de uma visão jornalística dos fatos. O intuito do gênero em questão não é apenas acompanhar o desdobramento de um evento, mas “explorar suas implicações, levantar antecedentes – em suma, investigar e interpretar”. Além disso, a reportagem permite a revelação de uma realidade que contém aspectos que poderiam passar despercebidos (LAGE, 2001, p. 17). Vale destacar, portanto, que, apesar de a reportagem tentar manter o estilo do gênero jornalístico, que visa uma objetividade, ela acaba por trazer determinado ponto de vista, uma vez que, diferente da notícia, a reportagem geralmente é assinada pelo repórter. Ademais, um recurso frequente nesse gênero discursivo é o uso dos discursos direto e indireto que, ao dar voz ao discurso do outro, procura trazer objetividade ao texto (SILVA, 2012). Considerando o uso do discurso do outro, Saraiva (2016 apud DITTRICH, 2003) aponta que a reportagem pode ou não trazer mais de uma perspectiva, um ponto de vista, e quando o faz, abre espaço para contestação. O autor explica que a reportagem pode constituir ou promover uma discussão a partir de diferentes perspectivas de um mesmo fato apresentadas no texto ao leitor. Algumas reportagens e seus grupos editoriais [...] incluem opiniões e contrapõem ideias; em outros casos ainda, há o aproveitamento de senso comum para reafirmar verdades “indiscutidas” e “indiscutíveis”. Tudo isso vai depender de questões hegemônicas e/ou ideológicas, histórico-social-políticas que constituem os grupos editoriais controladores do veículo de comunicação (SARAIVA, 2016, p. 105 apud DITTRICH, 2003). No corpus da presente pesquisa, será observado, na seção de análise, se se faz uso do contraditório, o que nos parece difícil em matérias cuja temática seja o racismo, já que a posição racista, tendo em vista aspectos jurídicos e éticos vividos pela sociedade brasileira atual, seria “indizível”. 18 3 RACISMO ESTRUTURAL, MÍDIA E ENCARCERAMENTO DE PESSOAS NEGRAS NO BRASIL Na presente seção, inicialmente será discorrido a respeito do racismo no Brasil, com foco nos conceitos de racismo estrutural, construção do imaginário social do homem negro, genocídio e encarceramento em massa da população negra. Na sequência, serão apresentadas as mídias selecionadas para análise do corpus, as quais se mostram comprometidas com um fazer jornalístico crítico, antirracista, que defende os direitos humanos e visibiliza as vozes de pessoas histórica e socialmente marginalizadas. Vale ressaltar a relevância e amplitude da discussão sobre racismo e mídia, as quais podem ser voltadas para a análise de publicações em redes sociais, de telenovelas, de propagandas, entre outros. Neste trabalho interessa a abordagem do tema pelas mídias jornalísticas. A título de exemplo, há o caso recente de um adolescente branco que entrou atirando, em novembro de 2022, em duas escolas na cidade de Aracruz (ES), sendo responsável pela morte de quatro pessoas e a internação de doze. O fato foi divulgado por diversas mídias, mas o que chamou atenção foi o fato de a redação do jornal “O Estado de S. Paulo” ter escolhido a imagem de uma mão negra segurando uma arma para representar a notícia. Essa questão enfatiza a importância das discussões sobre racismo e mídia em diferentes âmbitos (PAZ, 2022). Diante da abrangência de possibilidades, na presente pesquisa, a autora optou por discorrer a respeito de como mídias jornalísticas comprometidas com uma ideologia antirracista noticiam casos de racismo da justiça, análise realizada na seção quatro. 3.1 Racismo estrutural no brasil: o imaginário social do homem negro, o genocídio e o encarceramento em massa Em seu livro Racismo Estrutural, Almeida (2019, p. 24-25, grifos do autor) traz logo no início a ideia de que o racismo é sempre estrutural, ou seja, [...] ele é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade. [...] O racismo fornece o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução das formas de desigualdade e violência que moldam a vida social contemporânea. O autor fala especificamente de pessoas negras e acrescenta que o racismo consiste em um processo histórico e político que cria condições sociais para que essas pessoas sejam 19 discriminadas de forma sistemática, ou seja, não se trata de casos isolados, mas de atitudes e olhares construídos ao longo da história e que estão enraizados na sociedade (ALMEIDA, 2019). A respeito disso, Lélia Gonzalez discute em seus escritos a relação do racismo com as situações de opressão e subalternização, afirmando que o racismo é uma forma de internalizar e naturalizar a “superioridade” de pessoas brancas (GONZALEZ, 2020). Tendo isso em vista, pode-se afirmar que o racismo é um processo político que impede que as pessoas negras exerçam seus direitos como cidadãs, uma vez que esses sujeitos perdem vagas de emprego por serem negros, têm sua capacidade intelectual questionada e são “suspeitos” de atos criminosos devido à cor da pele (ALMEIDA, 2019). Atrelado às questões supracitadas, Fanon (2020) expõe o imaginário social e historicamente construído em torno, especificamente, do homem negro1, julgado como violento, perigoso, agressivo, alguém que suscita o medo. Ademais, Borges (2019, p. 41) acrescenta que O Estado no Brasil é o que formula, corrobora e aplica um discurso e políticas de que negros são indivíduos pelos quais deve se nutrir medo e, portanto, sujeitos à repressão. A sociedade, imbuída de medo por esse discurso e pano de fundo ideológico, corrobora e incentiva a violência, a tortura, as prisões e o genocídio. Quanto ao conceito de genocídio, o mesmo é abordado por Nascimento (2016) e descrito pelo Webster’s Third New International Dictionary of the English Language como O uso de medidas deliberadas e sistemáticas (como morte, injúria corporal e mental, impossíveis condições de vida, prevenção de nascimentos), calculadas para o extermínio de um grupo racial, político ou cultural ou para destruir a língua, a religião ou a cultura de um grupo. Diante disso, entende-se que as prisões injustas de pessoas negras estão intimamente ligadas ao conceito de genocídio e à construção social e histórica da imagem da população em questão, fatores que contribuem para a perpetuação da lógica de exclusão e extermínio dos negros. Isso significa dizer que o poder sobre os corpos negros, a partir da representação social do sujeito negro como violento e agressivo, tem como consequências tanto as mortes simbólicas, como o epistemicídio e a aculturação, quanto as mortes físicas, como tortura, além de contribuir para encarceramento em massa da população negra (BORGES, 2019). 1 Fanon fala especificamente sobre o homem negro. Como a pesquisa retrata dois jovens negros do sexo masculino que foram presos injustamente, optou-se por trazer a construção do imaginário do homem negro, mas, ao longo do trabalho, utiliza-se “população negra”. Sabe-se da importância sobre as discussões acerca de gênero e sexualidade atrelada ao racismo, no entanto este não é o foco do presente estudo. 20 Voltando-se especificamente para o sistema judicial, Borges (2019, p. 56) afirma que A sociedade é compelida a acreditar que o sistema de justiça criminal surge para garantir normas e leis que assegurarão segurança para seus indivíduos. Mas, na verdade, trata-se de um sistema que surge já com uma repressão que cria o alvo que intenta reprimir. Tendo em vista o exposto anteriormente, pode-se afirmar que a opressão da população negra e o impedimento do exercício de seus direitos são situações que perpetuam na atual sociedade brasileira, tendo como uma de suas estratégias o encarceramento em massa desses sujeitos. Por isso, a presente pesquisa apresenta como objetivo geral comparar como atos racistas da justiça são noticiados por duas mídias jornalísticas brasileiras. Os objetivos específicos são os seguintes: refletir sobre como o autor se manifesta nesses enunciados (seu tom enunciativo, seu projeto de dizer, os aspectos ideológicos que se manifestam no seu discurso); refletir sobre a imagem do destinatário desses enunciados. Para isso, na próxima subseção são apresentadas as duas mídias jornalísticas selecionadas. 3.2 Mídias jornalísticas: “alma preta jornalismo” e “ponte jornalismo” Foram selecionadas para este trabalho duas mídias jornalísticas digitais: a “Alma Preta Jornalismo” e a “Ponte Jornalismo”, disponíveis, respectivamente, em https://almapreta.com/ e https://ponte.org/. A Alma Preta Jornalismo foi criada em 2015 por estudantes de comunicação da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), campus de Bauru. A idealização do projeto teve início em 2013, em meio a protestos em favor da adesão ao sistema de cotas raciais pelas universidades públicas, além de denúncias de diversos casos de racismo dentro da universidade. Diante desses dois ocorridos, Pedro Borges “teve a ideia de criar um veículo na internet para tratar das questões raciais, discutidas pelos alunos negros da universidade nas reuniões do coletivo [Coletivo Negro Kimpa]” (PINHEIRO, 2019, p. 137). O nome Alma Preta foi escolhido com o intuito de rebater a expressão racista “preto de alma branca”, construída sócio-historicamente para se referir a pessoas negras que não carregavam os estigmas negativos impostos pelo racismo, expressão que perdura até os dias atuais. Além disso, esse sintagma nominal é uma das formas racistas de colocar a branquitude como um modelo positivo e de humanidade para as pessoas negras. Quanto ao propósito da mídia Alma Preta, o principal objetivo da mesma é a luta contra o racismo. Pinheiro (2019, p. https://almapreta.com/ https://ponte.org/ 21 139), ao citar uma entrevista com Pedro Borges, um dos idealizadores da Alma Preta, afirma que “a ideia era fazer um jornalismo posicionado, não imparcial [...], e que ajudasse a enriquecer o debate racial na comunicação, auxiliando as pessoas negras a se verem na mídia”. Quanto ao site do Alma Preta, o mesmo é dividido por temáticas, conforme observado na figura 1: Fonte: site Alma Preta Jornalismo (https://almapreta.com/) Observa-se que há tanto assuntos relacionados a diferentes âmbitos de conhecimento, como “cotidiano”, “política”, “cultura” e “literatura”, quanto a questões diretamente ligadas à visibilidade de vozes marginalizadas, as quais correspondem aos autores da mídia em questão e aos interlocutores previstos, como é o caso das categorias “quilombo” e “África&Diáspora”. Apesar dessa visibilidade estar explicitada apenas nesses dois conteúdos, nota-se que, ao longo de todos os assuntos, a população negra é colocada em destaque, corroborando os propósitos da Alma Preta apontados anteriormente. A título de exemplo, tem-se na figura 2 manchete, subtítulo e imagens encontrados nas categorias “política” e “cultura”: Fonte: site Alma Preta Jornalismo (https://almapreta.com/) Figura 1 - Temáticas do site da Alma Preta Figura 2 - Notícia presente nas categorias "política" e "cultura" 22 Nota-se que, mesmo localizada nas categorias supracitadas, a matéria versa sobre artistas negros. Além disso, é possível constatar a interseccionalidade entre política e cultura presente no conteúdo, por trazer pessoas do meio artístico e se tratar de uma posse presidencial. Quanto ao conteúdo “África&Diáspora”, por exemplo, também se verifica a interseccionalidade entre diferentes âmbitos do conhecimento dentro de notícias atuais, como apontado nas figuras 3, 4 e 5: Fonte: site Alma Preta Jornalismo (https://almapreta.com/) Figura 3 - – Notícia presente na categoria “África&Diáspora” https://almapreta.com/ 23 Fonte: site Alma Preta Jornalismo (https://almapreta.com/) Fonte: site Alma Preta Jornalismo (https://almapreta.com/) Figura 4 - Notícia presente na categoria “África&Diáspora” Figura 5 - Notícia presente na categoria “África&Diáspora” 24 Nas reportagens das figuras 3, 4 e 5, evidencia-se a imagem de pessoas negras e a abordagem de diferentes assuntos, como a copa do mundo e o meio ambiente, relacionados ao continente africano ou a pessoas negras que estão em diferentes partes do mundo que não nos países africanos. Em relação à Ponte Jornalismo, trata-se de um coletivo criado em 2014, após as manifestações de 2013, em que a população ocupou as ruas em ondas de protestos contra a corrupção na política, o aumento do desemprego e das desigualdades sociais, bem como a elevação dos casos de violência contra grupos marginalizados, como as pessoas negras, LGBTQIA+ e indígenas (CABRAL FILHO; BASTOS, 2021). Dessa forma, é possível notar que ambas as mídias surgiram em épocas bem próximas e sua criação foi motivada por questões sociais que estavam sendo debatidas e precisavam ser noticiadas a partir de um ponto de vista não hegemônico, o qual levasse em conta a visão das vítimas do sistema político brasileiro. O nome Ponte Jornalismo “faz uma alusão à música Da ponte pra cá, dos Racionais MC’s. A letra evidencia as diferenças entre o ‘asfalto’ e a periferia, tomando como referência a favela do Capão Redondo, na capital paulista” (CABRAL FILHO; BASTOS, 2021, p. 184). Ainda, o nome está relacionado à expressão “fazer uma ponte”, ou seja, fazer uma ligação, no caso, entre “as questões da periferia e a sociedade de forma geral”, sendo que o compromisso da mídia é trazer, primeiramente, as vozes das pessoas que foram vítimas do ocorrido para, posteriormente, evocar os relatos de fontes oficiais. O propósito da mídia em questão é produzir conteúdos na área de direitos humanos, com foco na segurança pública, expondo questões de violência de Estado, racismo e preconceito de gênero, de modo a se contrapor à mídia tradicional (CABRAL FILHO; BASTOS, 2021, p. 184). Quanto ao site da Ponte Jornalismo, o mesmo, assim como o site da Alma Preta, também é dividido por temáticas. No entanto, nota-se que os assuntos são mais voltados para questões da justiça, como é o caso de “violência de estado” e “prisões”. Há, ainda, as categorias “cultura”, “raça” e “gênero”, como pode ser observado na figura 6: Figura 6 - Temáticas do site da Ponte Jornalismo Fonte: site Ponte Jornalismo (https://ponte.org/) 25 Ao considerar determinadas manchetes, subtítulos e imagens presentes no site, nota-se a abordagem da raça em algumas delas, apesar de não ser tão recorrente quanto no site da Alma Preta. A título de exemplo, tem-se as figuras 7 e 8: Fonte: site Ponte Jornalismo (https://ponte.org/) Figura 8 - notícia presente na categoria “prisões” Fonte: site Ponte Jornalismo (https://ponte.org/) Na figura 7, há, no subtítulo, a especificação da raça da pessoa cadeirante, identificada como negra e reforçada pela imagem. Trata-se de um caso de negligência ao estado de saúde do cadeirante negro, deixando subentendido que há relação entre a falta de assistência e o fato do aprisionado ser negro. Em relação à figura 8, não fica explícita a raça do comerciante nas manchetes e subtítulos, ficando a cargo da imagem passar essa informação. A notícia versa sobre um comerciante nigeriano que foi preso injustamente, sugerindo que há relação entre a injustiça na prisão e a raça do sujeito envolvido. Figura 7 - notícia presente na categoria “prisões” 26 Em relação à categoria “raça”, é possível notar notícias que explicitam casos de racismo, bem como discorrem sobre os movimentos de combate ao racismo, como observado nas figuras 9 e 10: Fonte: site Ponte Jornalismo (https://ponte.org/) Fonte: site Ponte Jornalismo (https://ponte.org/) Como se vê, os dois sites mostram-se comprometidos com as pautas raciais e com a denúncia do racismo em diferentes situações sociais, justificando a escolha das mídias supracitadas no presente trabalho, o qual analisa, na próxima seção, duas reportagens que versam sobre um caso de racismo em relação a um jovem negro. Figura 9 - notícia presente na categoria “raça” Figura 10 - notícia presente na categoria “raça” 27 4 MÍDIA E RACISMO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRISÃO INJUSTA DE UM JOVEM NEGRO EM DUAS REPORTAGENS O corpus do presente trabalho é composto por duas reportagens, uma de cada mídia jornalística selecionada, que versam exatamente sobre o mesmo ato racista da justiça. Trata-se de um jovem negro que foi preso injustamente enquanto estava em um ponto de ônibus. Na sequência, as reportagens são analisadas de modo comparativo a partir de pressupostos teóricos propostos por Bakhtin e o Círculo, já explicitados anteriormente. Primeiramente, vale destacar a noção de diálogo proposta por Bakhtin e o Círculo no que concerne à relação entre sujeitos na interação verbal. Na mídia “Alma Preta Jornalismo”, tem-se que o autor, Juca Guimarães, é um repórter negro, criado na periferia de São Paulo e que atua na área jornalística desde 1999. Ademais, o profissional foi homenageado, em 2014, pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e Comissão da Verdade (PORTAL DOS JORNALISTAS, 2017). Dessa forma, além de o site reforçar aspectos de representatividade racial, dando a palavra a um jornalista negro para discutir pautas relativas a essa população, nota-se o comprometimento do repórter com os direitos humanos, bem como sua identificação com os destinatários previstos, ou seja, as pessoas negras e periféricas, histórica e socialmente marginalizadas e silenciadas. Essa identificação fica evidente no próprio site do jornal, o qual afirma que o intuito é “informar a sociedade a partir da perspectiva racial negra e periférica” (ALMA PRETA, 2022). Como será visto com mais detalhe a seguir, essa confluência de valores entre o autor e seus destinatários fica evidente na seleção de falas citadas e de foto do jovem vítima de racismo. Da mesma maneira, na mídia “Ponte Jornalismo”, tem-se que a autora, Beatriz Drague Ramos, é uma repórter negra, formada na área de jornalismo em 2019, tendo atuado na cobertura de protestos e cultura em São Paulo, além de, atualmente, abordar temas relacionados às políticas públicas e aos direitos humanos. Assim, percebe-se o compromisso da profissional com os direitos humanos, bem como sua identificação com os destinatários previstos, ou seja, as pessoas “marginalizadas pelas opressões de classe, raça e gênero” (PONTE, 2022), além do fato de a autora ser uma mulher negra. Visto que, conforme indica o site da “Ponte”, a equipe de jornalistas é composta por vários profissionais, sendo somente três pessoas negras, entre elas duas mulheres, nota-se que a escolha da autora para a cobertura da reportagem é intencional e enfatiza a identificação da mesma com os destinatários previstos. No que concerne à relação do autor com os superdestinatários, pode-se considerar como superdestinatários de ambas as mídias os leitores da sociedade brasileira atual que têm interesse 28 em acessar mídias engajadas com a representatividade da população vulnerável e com a defesa dos direitos humanos. Pensando nisso, as mídias comprometidas com essas questões se preocupam em colocar essa representatividade não apenas no corpo da matéria, mas também na figura do autor, justamente por se tratar de alguém que se identifica com as vítimas da reportagem, tendo propriedade para falar sobre o assunto. Quanto à noção de diálogo, no que diz respeito à relação entre discursos, ambas as mídias apresentam ideologias antirracistas e anticlassistas, as quais rebatem discursos racistas e classistas. Vale colocar que, ao ter em conta apenas as reportagens selecionadas, é possível notar, como as análises que seguem mostram, uma ideologia antirracista de modo mais acentuado na mídia “Alma Preta Jornalismo”, enquanto o discurso da “Ponte Jornalismo” é mais voltado para uma pauta jurídica e para uma ideologia anticlassista. Voltando-se para as reportagens, especificamente para as manchetes e subtítulos, a figura 11 corresponde ao que se encontra na “Alma Preta Jornalismo”: Fonte: site Alma Preta Jornalismo (https://almapreta.com/) Na manchete, fica evidente que o jovem preso é inocente, já que o autor afirma que o entregador não pegou o ônibus em que ocorreu o assalto. Do mesmo modo, o subtítulo reforça a suposta inocência de Gabriel, por meio dos ditos “sem antecedentes criminais e com endereço fixo” relacionados ao jovem. Com isso, nota-se que o projeto de dizer do autor consiste em assumir o discurso da inocência de Gabriel, se identificando com ele e com seu interlocutor presumido. Por fim, tem-se que o autor deixa explícito o motivo pelo qual Gabriel foi preso, que seria o fato de ser um jovem negro, uma vez que a raça é evidenciada em dois momentos: uma na manchete e outra no subtítulo da reportagem. Dessa forma, entende-se que o projeto de dizer do autor é voltado para uma ideologia antirracista, a qual denuncia atos racistas cometidos pela justiça brasileira. Figura 11 - Manchete e subtítulo da reportagem da “Alma Preta Jornalismo” 29 Por sua vez, na figura 12 tem-se a manchete e subtítulo do mesmo ato racista da justiça noticiado pela “Ponte Jornalismo”: Fonte: site Ponte Jornalismo (https://ponte.org/) Nota-se que, em nenhum momento, é apontada a questão da raça da vítima, e os motivos por Gabriel ser preso são outros: o fato de estar usando um casaco preto parecido com o do suspeito do crime e por estar próximo ao ponto de ônibus onde ocorreu o roubo, discurso declarado pelos policiais que prenderam Gabriel. Ainda, quando a autora aborda a falha da justiça do país, emprega o dialogismo composicional, trazendo o discurso do irmão de Gabriel entre aspas, mostrando certa distância da vítima, bem como do interlocutor previsto. Vale lembrar que o dialogismo composicional, comentado por Fiorin (2011) a partir das ideias de Bakhtin e o Círculo, consiste no emprego do discurso de outras vozes de modo visível no texto, como é o caso das citações direta ou indireta, por exemplo. Diante do exposto, nota-se que, nesse momento, o projeto de dizer da autora não enfatiza a inocência de Gabriel, mas aponta a falha da justiça brasileira por meio da voz da família do acusado, evidenciando apenas a questão de classe e não de raça. Ainda em relação ao dialogismo composicional, ao longo das reportagens percebe-se que ambas as mídias trazem a voz dos familiares das vítimas, para que possam expressar seu ponto de vista acerca do ocorrido. Na figura 13, destaca-se a fala da tia de Gabriel na reportagem da “Alma Preta”: Fonte: site Alma Preta Jornalismo (https://almapreta.com/) Figura 12 - Manchete e subtítulo da reportagem da “Ponte Jornalismo” Figura 13 -Trecho da reportagem: fala da tia de Gabriel https://ponte.org/ 30 Nota-se que a fala da tia de Gabriel enfatiza o discurso da inocência dele, por meio do emprego de palavras como “transtornado” ou da expressão “não sabia o que fazia naquele lugar, que não tinha feito nada, que não era bandido”. Na figura 14, a reportagem da “Ponte” traz tanto uma citação indireta quanto direta da fala do irmão de Gabriel: Fonte: site Ponte Jornalismo (https://ponte.org/) Observa-se que a citação indireta da fala de Daniel, irmão da vítima, é voltada para apontar a falha da justiça diante de um caso específico: a prisão de Gabriel. Na sequência, a reportagem aborda de forma direta a fala de Daniel, a qual denuncia o sistema judicial brasileiro, que não trata da mesma forma pessoas pobres e ricas, sendo muito mais rígido e injusto com as primeiras. Interessante notar que, novamente, apenas a questão de classe é envolvida no caso, não sendo destacado o fato de Gabriel ser um jovem negro, fator que também contribui para os casos de prisões injustas no país. Ainda, a “Ponte Jornalismo”, ao citar outra fala de Daniel, traz o ponto de vista do familiar a respeito do ocorrido, como nota-se na figura 15: Figura 14 - Trecho da reportagem: fala do irmão de Gabriel sobre a falha da justiça 31 Fonte: site Ponte Jornalismo (https://ponte.org/) É possível afirmar que ambos os relatos do irmão de Gabriel têm o intuito de reforçar a inocência da vítima: primeiro ao denunciar a falha do sistema judicial brasileiro e depois ao afirmar que as informações fornecidas pelos policiais não condizem com o que realmente aconteceu. Diante do exposto, é interessante notar que o fato de as mídias trazerem de forma direta e indireta a voz do outro condiz com o propósito dessas mídias jornalísticas, que têm o intuito de dar voz àquelas pessoas subalternizadas e silenciadas pela sociedade racista, as quais, no caso das reportagens em questão, foram injustiçadas e a elas foi negado o direito de serem ouvidas. Além disso, ao comparar os discursos dos familiares trazidos pelas reportagens, nota-se que na “Alma Preta” a voz da tia de Gabriel apresenta um teor mais emocional, que carrega o sofrimento dos familiares diante da prisão injusta. Já na “Ponte”, o discurso do irmão de Gabriel é mais voltado para o campo jurídico, com vistas a denunciar a falha no referido sistema. Assim, o modo como as vozes são trazidas para dentro das reportagens reflete as características de cada mídia jornalística, em que a “Ponte” afirma seu compromisso com os direitos humanos e em expor questões de violência do Estado, enquanto a “Alma Preta” se preocupa em dar voz às pessoas negras e periféricas e combater o racismo. Ainda em relação ao dialogismo composicional, ambas as mídias trazem outras vozes sociais para dentro da reportagem. A “Alma Preta” faz uma citação indireta do discurso da Figura 15 - Trecho da reportagem: fala do irmão de Gabriel sobre o ocorrido 32 testemunha que identificou Gabriel como suspeito do roubo e, logo em seguida, o rebate, como observado na figura 16: Fonte: site Alma Preta Jornalismo (https://almapreta.com/) No trecho supracitado, é possível observar que a mídia rebate o discurso da testemunha, uma vez que, apesar da testemunha afirmar que foi Gabriel quem roubou sua carteira e seu relógio, o jovem não portava nenhum dos pertences da possível vítima. Assim, essa citação indireta é mais uma maneira de reafirmar a inocência de Gabriel. Ademais, na reportagem da “Alma Preta” encontra-se o discurso da advogada de defesa de Gabriel e da polícia civil, como apontado nas figuras 17 e 18: Figura 17 - Trecho da reportagem: citação direta e indireta do discurso da advogada de defesa Fonte: site Alma Preta Jornalismo (https://almapreta.com/) Fonte: site Alma Preta Jornalismo (https://almapreta.com/) Na figura 17, a fala da advogada de defesa reforça a injustiça na prisão de Gabriel, uma vez que sua prisão não foi feita dentro dos termos legais, não havendo uma investigação minuciosa para comprovar os relatos das testemunhas e o reconhecimento do assaltante. Também, a figura 18, por meio da fala da polícia civil, salienta o descaso na investigação, já Figura 16 - Trecho da reportagem: citação indireta do discurso da testemunha Figura 18 - Trecho da reportagem: citação direta do discurso da polícia civil 33 que o discurso que acusa Gabriel traz provas superficiais, pautadas em supostas informações desencontradas e em um mero reconhecimento no corredor pela vítima do roubo. Quanto à reportagem da “Ponte”, há o relato dos policiais responsáveis pela prisão de Gabriel, da advogada de defesa do jovem, além de diversas citações dos relatos de um advogado especialista em direito penal. Nas figuras 19, 20 e 21 são destacados, a título de exemplo, um trecho do discurso de cada uma dessas vozes: Fonte: site Ponte Jornalismo (https://ponte.org/) Figura 20 - Trecho da reportagem: citação direta e indireta do discurso da advogada de defesa Fonte: site Ponte Jornalismo (https://ponte.org/) Figura 21 - Trecho da reportagem: citação direta e indireta do discurso do advogado especialista Fonte: site Ponte Jornalismo (https://ponte.org/) Figura 19 -Trecho da reportagem: citação direta do discurso da polícia civil 34 A figura 19 indica um discurso da polícia civil bem próximo ao que foi selecionado pela “Alma Preta”, que traz provas pouco consistentes para justificar a prisão de Gabriel, o que aponta para a inocência do jovem. Em relação à figura 20, tem-se o discurso da advogada de defesa de Gabriel, que reforça sua inocência e denuncia a falha na investigação do caso, já que a pessoa que identificou Gabriel não faz parte das vítimas de denúncia. Quanto à figura 21, o discurso do advogado especialista em direito penal reafirma a falha e o preconceito que permeia o sistema de justiça criminal, o qual visa o extermínio de pobres e negros. Interessante notar que a última fala deixa evidente que o sistema judicial brasileiro é racista, mas a matéria não destaca que o racismo da justiça se aplica ao caso noticiado. Diante do exposto em relação às vozes trazidas nas reportagens, infere-se que, apesar da “Alma Preta” abordar com maior ênfase a pauta racial que permeia o caso de prisão injusta, ambas as mídias estão comprometidas em trazer tanto as vozes histórica e socialmente subalternizadas quanto as vozes de especialistas da justiça, com vistas a denunciar o preconceito presente no sistema judicial brasileiro. No que concerne ao gênero discursivo “reportagem”, vale lembrar que, segundo Lage (2001), desde o nascimento da reportagem, o repórter era acionado para cobrir fatos sociais e, muitas vezes, desmentia uma história tida como oficial. Tendo isso em vista, é possível notar que ambas as mídias seguem essa definição, uma vez que os autores discursam a respeito de um fato social recorrente (a prisão de jovens negros, no caso da “Alma Preta”, e de pobres, na “Ponte”) e o denunciam, ou seja, há injustiças nessas prisões, permeadas pelo racismo e/ou classismo, desmentindo, assim, a culpabilidade das reais vítimas, os jovens negros e/ou pobres acusados injustamente. Dessa forma, a reportagem não apenas relata os fatos, mas os investiga e os interpreta, de modo a revelar uma realidade que contém aspectos que poderiam passar despercebidos (LAGE, 2001). Considerando isso, tem-se que as reportagens selecionadas exploram e trazem diferentes vozes sociais para o texto que confirmam a inocência do jovem negro. Assim, chega-se a um último ponto a respeito do gênero “reportagem”: o uso dos discursos direto e indireto. Muitas vezes, dar voz ao discurso do outro nesse tipo de gênero discursivo tem o intuito de trazer objetividade ao texto (SILVA, 2012). No entanto, no caso do corpus do presente trabalho nota-se, como apontado anteriormente, que o uso dos discursos diretos e indiretos vai além. Esse recurso enfatiza o compromisso das mídias em trazer as vozes dos familiares da vítima da situação de racismo, bem como de vozes sociais de autoridade, que confirmem a injustiça no ato de prisão. 35 Além disso, considerando o uso do discurso do outro, Saraiva (2016 apud DITTRICH, 2003) aponta que a reportagem pode ou não trazer mais de um ponto de vista, e quando o faz, abre espaço para contestação. No caso das reportagens em questão, há tanto o ponto de vista dos familiares da vítima e da advogada de defesa, que trazem uma versão do caso que aponta para a inocência de Gabriel, quanto o ponto de vista dos policiais e da testemunha, que tentam colocar Gabriel como culpado pelo assalto. É interessante apontar que, apesar das mídias trazerem dois pontos de vistas distintos, ao longo da reportagem fica claro que as mídias estão denunciando um ato de prisão injusta, sendo que a “Alma Preta” enfatiza o racismo envolvido no caso, enquanto a “Ponte” não o faz. Por fim, no que diz respeito ao enunciado verbo-visual, vale retomar que o enunciado consiste em um todo de sentido, em que diferentes linguagens, como as imagens e os destaques dados ao texto, se complementam (MENDONÇA, 2022). Na figura 22, tem-se a imagem utilizada na reportagem da mídia “Alma Preta”: Fonte: site Alma Preta Jornalismo (https://almapreta.com/) A imagem é do jovem que sofreu o ato racista da justiça apontado pela reportagem, enfatizando que a injustiça foi direcionada a um jovem negro. Além disso, percebe-se que, na imagem, ele apresenta um semblante de tristeza e cansaço, representando alguém que é vítima da sociedade racista brasileira. Dessa forma, a imagem reforça os propósitos da mídia “Alma Preta” e a mensagem transmitida pela reportagem, ou seja, o racismo ainda é muito presente na sociedade brasileira e responsável pelo encarceramento em massa da população negra, com consequente cerceamento de seus direitos. Figura 22 - Imagem do jovem negro preso injustamente https://almapreta.com/ 36 A “Ponte Jornalismo” traz duas imagens de Gabriel, destacadas nas figuras 23 e 24: Figura 23 - Imagem do jovem negro preso injustamente Fonte: site Ponte Jornalismo (https://ponte.org/) Figura 24 – Imagem do jovem negro preso injustamente com uma de suas filhas Fonte: site Ponte Jornalismo (https://ponte.org/) Na figura 23, o jovem está tirando uma self e sorrindo, sugerindo que o foco da imagem utilizada pela mídia “Ponte” não foi reforçar Gabriel como uma vítima do ocorrido. Uma possível análise da escolha da imagem consiste na intenção de retratar alguém que estaria usufruindo de seus direitos e liberdade caso não tivesse sido preso injustamente, tendo em vista os propósitos da mídia em questão, voltados para a defesa dos direitos humanos. 37 Em relação à figura 24, há o retrato de Gabriel com o semblante mais sério, acompanhado de uma de suas filhas. A imagem mostra um jovem responsável, que tem uma família e contribui para sustento de seus membros, fato relatado na reportagem. Assim, nota-se que as imagens complementam o sentido da reportagem, voltada para o relato de um ato de injustiça cometido pelo sistema judicial brasileiro, o qual restringe os direitos de pessoas pobres e negras. Diante do exposto na análise, percebe-se que ambas as mídias são coerentes com seus propósitos, estando preocupadas em dar voz às pessoas histórica e socialmente silenciadas e denunciar casos de injustiça direcionados a pessoas pobres e/ou negras. Nota-se que a “Alma Preta” apresenta um discurso antirracista bastante evidente, enquanto o discurso da “Ponte Jornalismo”, na reportagem analisada, é mais voltado para questões jurídicas e rebate um discurso classista. Em relação aos autores das reportagens, percebe-se sua identificação com os destinatários previstos, pessoas negras e/ou pobres. A “Alma Preta” afirma que noticia as matérias a partir de um lugar negro e periférico, sendo o autor da reportagem um homem negro que cresceu na periferia de São Paulo. Da mesma forma, a autora da “Ponte” é uma mulher negra engajada com a defesa dos direitos humanos, sendo uma das poucas jornalistas negras que compõem a equipe da “Ponte”, inferindo-se que foi escolhida para reportar o caso. Por fim, tem-se que o superdestinatário compõe os leitores da sociedade brasileira atual que esperam representatividade tanto no corpo da reportagem quanto na figura do autor que a noticia. 38 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O interesse pela temática do presente trabalho surgiu devido às crescentes discussões sobre o racismo presente na sociedade brasileira atual e a partir de uma reflexão pessoal acerca da importância desse assunto no que concerne ao modo como o racismo afeta a saúde física e psíquica, bem como os direitos das pessoas negras, interferindo em diferentes aspectos de suas vidas. Ao pesquisar sobre prisões injustas de pessoas negras, situação recorrente na sociedade brasileira, notou-se que poucas mídias noticiam esse tipo de acontecimento. Após exploração em diferentes mídias jornalísticas digitais, encontrou-se que as mídias “Alma Preta Jornalismo” e “Ponte Jornalismo” trazem com frequência a temática do racismo e matérias que versam sobre prisões injustas de pessoas negras. Por isso, as duas mídias foram selecionadas para a análise da presente pesquisa. Este estudo partiu da hipótese de que ambas as reportagens selecionadas trariam a temática do racismo e a voz de pessoas histórica e socialmente silenciadas, de modo a denunciar o racismo que permeia o sistema judicial brasileiro. Desse modo, a atual pesquisa teve como objetivo geral comparar como atos racistas da justiça são noticiados por duas mídias jornalísticas brasileiras, e como objetivos específicos: refletir sobre como o enunciador se manifesta nesses enunciados (seu tom enunciativo, seu projeto de dizer, os aspectos ideológicos que se manifestam no seu discurso); refletir sobre a imagem do destinatário desses enunciados. Para isso, foram selecionadas duas reportagens, uma de cada mídia jornalística, que versam exatamente sobre o mesmo ato racista da justiça, o caso de um jovem negro que foi preso injustamente enquanto estava num ponto de ônibus. A partir da análise das reportagens, foi possível notar que os autores das duas reportagens se identificam com os destinatários presumidos, pessoas negras e/ou periféricas, sendo que a “Alma Preta Jornalismo” enfatiza seu compromisso com a visibilidade de vozes silenciadas e subalternizadas histórica e socialmente, além de enunciar a partir de uma voz negra e integrante de população vulnerável, já que a autora é uma mulher. Por sua vez, a “Ponte Jornalismo” seleciona uma autora negra comprometida com a defesa dos direitos humanos para reportar o caso, sendo uma das poucas negras que compõe a equipe de jornalistas. Percebeu-se, no decorrer da análise, que o projeto de dizer da “Alma Preta” é voltado para um discurso antirracista, o qual rebate e denuncia os discursos e atos racistas presentes na sociedade brasileira. Em contrapartida, a “Ponte Jornalismo”, na reportagem em questão, assume um discurso anticlassista, o qual rebate os discursos classistas e foca nas questões jurídicas, voltadas para os direitos humanos. 39 Além disso, o autor da “Alma Preta” apresenta um projeto de dizer que assume o discurso da inocência de Gabriel, o jovem preso injustamente, deixando evidente, também, que o jovem foi preso pelo fato de ser negro. Já na “Ponte”, o projeto de dizer da autora não é voltado para enfatizar a inocência de Gabriel, mas para apontar a falha da justiça brasileira por meio da voz da família do acusado, evidenciando apenas a questão de classe e não de raça. Em relação ao dialogismo composicional, ao comparar os discursos dos familiares trazidos pelas reportagens, nota-se que na “Alma Preta” a voz da tia de Gabriel apresenta um teor mais emocional, que carrega o sofrimento dos familiares diante da prisão injusta. Já na “Ponte”, o discurso do irmão de Gabriel é mais voltado para o campo jurídico, com vistas a denunciar a falha no referido sistema. Apesar dessa diferença, ambas as mídias têm o compromisso em trazer as vozes de pessoas subalternizadas e silenciadas pela sociedade racista. No que concerne ao gênero discursivo “reportagem”, ambas trazem dois pontos de vistas distintos em relação aos fatos ocorridos: o lado que aponta para a inocência de Gabriel, trazido pelos familiares do jovem e pela advogada de defesa, bem com o ponto de vista que afirma a culpa do jovem negro, trazido pelas falas da testemunha e da polícia. Apesar das mídias abordarem dois pontos de vista no que se refere à prisão de Gabriel, ambas visam denunciar a injustiça cometida na prisão do jovem. Vale destacar que em nenhum momento é exposto um ponto de vista racista nas vozes citadas nas reportagens, uma vez que se trata de um assunto em que esse contraditório (assumir o discurso racista em oposição à crítica ao discurso racista) é indizível. As reportagens são retiradas de mídias antirracistas, que têm o compromisso com os direitos humanos e com a denúncia de atos racistas que são silenciados pela sociedade e, por isso, não podem ser questionados. O racismo é um ato velado e violento que permeia a sociedade brasileira hegemônica há séculos e deve ser denunciado e combatido, papel que as mídias em questão procuram assumir. Quanto ao enunciado verbo-visual, foi possível notar que a imagem escolhida pela “Alma Preta” traz Gabriel com um semblante de tristeza e cansaço, representando alguém que é vítima da sociedade racista brasileira, a qual tem sido apontada como responsável pelo encarceramento em massa da população negra, com consequente cerceamento de seus direitos. Por sua vez, as duas imagens selecionadas pela “Ponte” não reforçam Gabriel como vítima, mas como alguém que poderia estar usufruindo de seus direitos e liberdade caso não tivesse sido preso injustamente. A partir dos resultados do presente trabalho, conclui-se que os objetivos foram atingidos, sendo possível enfatizar as semelhanças e diferenças com que o ato racista da justiça é abordado. Pode-se inferir que a “Alma Preta” aborda com maior ênfase o racismo por ser uma 40 mídia direcionada para esse intuito e que deixa explícito o seu compromisso com a denúncia do racismo, bem como com a visibilidade das vozes de pessoas negras e periféricas. Por sua vez, a “Ponte Jornalismo”, na reportagem selecionada, não destaca o racismo envolvido na prisão, provavelmente por ser uma mídia voltada para questões jurídicas. Apesar disso, em outras reportagens presentes no site da referida mídia, o racismo em prisões injustas é bastante enfatizado. Por isso, é importante esclarecer que as conclusões aqui abordadas são pautadas exclusivamente nas reportagens que compõem o corpus. Diante disso, espera-se que o trabalho tenha contribuído para uma discussão acerca do racismo, em especial aquele praticado pelo sistema judicial brasileiro. Ainda, espera-se que a pesquisa tenha apontado para uma possibilidade de trabalho docente em instituições de ensino superior, nos cursos de letras, trabalho voltado para a discussão do racismo, dentro do gênero discursivo “reportagem” e em outros gêneros, temáticas pouco abordadas nesse contexto, mas de muita relevância para a formação de professores, tendo em vista a proposta de desenvolvimento, em contexto escolar, de competências relacionadas à leitura de gêneros do campo jornalístico e a proposta de formação crítica e cidadã, com reforço da valorização das diferenças. Por fim, espera-se que o estudo incentive o desenvolvido de futuras pesquisas acerca do racismo e mídia, pois muito ainda precisa ser discutido a respeito desse assunto, como, por exemplo, o racismo presente nas telenovelas, nas redes sociais e em propagandas, além da análise do modo como os atos racistas são veiculados em diferentes gêneros do discurso jornalísticos presentes nas mídias digitais, como foi proposto no atual trabalho. 41 REFERÊNCIAS ALMA PRETA. Quem somos. Disponível em: . Acesso em: 15 jan 2022. ALMEIDA, S. Raça e racismo. IN:______. Racismo estrutural. 1 ed. São Paulo: Jandaíra, 2019. BAKHTIN, M. O problema do texto. IN: ______. Estética da criação verbal. Tradução feita a partir do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997a. p. 328-359. BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. IN:______. Estética da criação verbal. Tradução feita a partir do francês por Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1997b. p. 277-327. 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