CLAUBER RIBEIRO CRUZ
A COLEÇÃO DE AUTORES AFRICANOS DA EDITORA ÁTICA:
as literaturas africanas no Brasil
ASSIS
2018
CLAUBER RIBEIRO CRUZ
A COLEÇÃO DE AUTORES AFRICANOS DA EDITORA ÁTICA:
as literaturas africanas no Brasil
Tese apresentada à Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis, para
a obtenção do título de Doutor em Letras (Área de
Conhecimento: Literatura e Vida Social)
Orientador: Dr. Márcio Roberto Pereira
Bolsista: FAPESP/CAPES
(Processo nº: 2014/22424-0)
ASSIS
2018
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Biblioteca da F.C.L. – Assis – Unesp
C957c
Cruz, Clauber Ribeiro
A coleção de autores africanos da editora Ática: as litera-
turas africanas no Brasil / Clauber Ribeiro Cruz. Assis,
2018.
317 p. : il.
Tese de Doutorado – Universidade Estadual Paulista
(UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis
Orientador: Dr. Márcio Roberto Pereira
1. Literatura africana. 2. Escritores africanos. 3. Editora
Ática. 4. Mourão, Fernando Augusto Albuquerque, 1934- I.
Título.
CDD 896.09
AGRADECIMENTOS
A realização desta pesquisa ocorreu em virtude do apoio de pessoas
imprescindíveis, as quais gostaria de prestar-lhes meus sinceros agradecimentos:
Ao saudoso Professor Dr. Fernando Augusto Albuquerque Mourão, que tive a
honra de conhecer, por meio de histórias e palavras de sabedoria em seu sítio, na tão
familiar Caucaia do Alto. Agradeço a paciência e o cuidado na condução das
informações e ideias que formulamos para a composição desta tese, abrindo o seu baú
de memórias e o seu rico acervo pessoal. O privilégio de estar ao seu lado foi
inestimável, meus agradecimentos. Espero que esta pesquisa possa homenageá-lo.
Ao Professor Dr. Márcio Roberto Pereira, o meu orientador, que desde a
graduação acompanhou o meu percurso acadêmico, com cuidado, atenção e incentivo.
Finalizamos uma etapa, porém, eternizamos uma parceria. Meus sinceros
agradecimentos.
À Professora Dr.ª Sandra Aparecida Ferreira e ao Professor Dr. Rubens Pereira
dos Santos pelas valiosas observações a minha pesquisa durante o exame de
qualificação e pelo acompanhamento da minha trajetória acadêmica desde a graduação.
Aos professores e ex-integrantes do grupo Ática que, com seus depoimentos e
materiais, fortaleceram a realização desta tese, muitos deles abriram literalmente a porta
de suas casas, me acolhendo com entusiasmo, são eles: Dr. Benjamin Abdala Júnior,
Dr.ª Tania Celestino de Macêdo, Dr.ª Rita de Cássia Natal Chaves, Professor Wander
Soares, Paulo Anderson Fernandes Dias, Mário Cafiero, Jiro Takahashi e Antônio
Rocha do Amaral - esses dois últimos me ajudaram inúmeras vezes, por meio de trocas
de informações cruciais para o desenvolvimento desta pesquisa, sem nunca hesitar.
Aos meus familiares, especialmente meus pais, Maria Helena e Cláudio; meus
avós, Maria Aparecida e Reinaldo; meu irmão, Cleber; e meus amigos: Tiago Barros,
Letícia Rosa, Adriana Marcon, Karina Uehara, Ana Maria e Bruna Almeida, os quais
sempre torceram pela minha trajetória. E, claro, ao Barthô, meu cãopanheiro.
Ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Faculdade de Ciências e Letras da
UNESP de Assis. Aos funcionários do Escritório de Pesquisa, bem como os da
Biblioteca "Acácio José Santa Rosa".
À FAPESP, processo n.º 2014/22424-0, Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo, e à CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - Brasil - pelo financiamento e avaliação científica, possibilitando a
minha dedicação integral à pesquisa.
CRUZ, Clauber Ribeiro. A Coleção de Autores Africanos da Editora Ática: as
literaturas africanas no Brasil. 2018. 317 p. Tese (Doutorado em Letras). -
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Assis, 2018.
RESUMO
Esta pesquisa tem como finalidade analisar a formação, o desenvolvimento e a recepção
da Coleção de Autores Africanos (1979-1991), uma vez que foi o primeiro projeto
literário orgânico acerca das literaturas africanas publicado no Brasil. Esta série literária
foi produzida pela Ática, sob a gestão de Anderson Fernandes Dias e a coordenação do
professor Dr. Fernando Augusto Albuquerque Mourão. Assim, de modo a tratarmos dos
núcleos contextuais, literários e editoriais referentes à Coleção, no primeiro capítulo,
averiguamos os dados que dizem respeito à gênese da antologia, destacando as inter-
relações históricas e literárias que a compuseram. No segundo capítulo, evidenciamos a
presença das literaturas africanas no Brasil, bem como a sua conexão com a literatura
brasileira em face da composição de um sistema literário. No terceiro capítulo,
salientamos a origem da Ática atrelada aos bastidores da produção, tal como a análise
de documentos acerca das obras que foram preparadas mas que não foram lançadas. No
quarto e último capítulo, apuramos os elementos estéticos do projeto gráfico da
Coleção, visto que auxiliaram na construção de sua identidade editorial. Ademais,
demonstramos como os prefácios de alguns dos títulos atuaram na inserção do leitor a
este recém-universo ficcional e, também, destacamos o primeiro momento da crítica
literária brasileira sobre as obras africanas. Para a realização desses capítulos,
recorremos ao aporte teórico vinculado a pesquisas e livros da crítica e da história
literária africana e brasileira. No que tange à metodologia, realizamos entrevistas e
colhemos depoimentos com especialistas e ex-membros do grupo Ática, como o próprio
Fernando Mourão; analisamos diversos periódicos, entre eles o Jornal do Brasil e o
Jornal de Angola; estudamos as 27 obras da antologia; acessamos o acervo pessoal de
Mourão, com a recolha e análise de materiais pertencentes à coletânea, tais como
folders, cartas e documentos diversos. Assim sendo, com o desenvolvimento desta
pesquisa, notamos que a publicação desta série contribuiu para a disseminação de obras
e autores africanos no Brasil, além de propiciar um maior envolvimento acadêmico com
a área, haja vista que houve tanto o fortalecimento dos estudos africanos diante da
formação de uma massa crítica especializada, quanto o surgimento de departamentos e
centros de estudos. Por fim, enfatizamos que a parceria estabelecida entre Anderson
Dias, Fernando Mourão e o grupo Ática culminou na concepção de uma série seminal
para os estudos literários africanos no Brasil.
Palavras-Chave: Coleção de Autores Africanos. Editora Ática. Fernando Mourão.
Literaturas Africanas.
CRUZ, Clauber Ribeiro. Collection of African Writers of Ática publishing house:
the African literatures in Brazil. 2018. 317p. Doctorate (Doctor in
Literature/Language). São Paulo State University (UNESP), School of Sciences,
Humanities and Languages, Assis, 2018.
ABSTRACT
This research aims to analyse the formation, the development and the acknowledgement
of Collection of African Writers (1979-1991), once it was the first systematic literary
project about African literatures in Brazil. This literary anthology was created by Ática
publishing house, under the management of Anderson Fernandes Dias, and the
coordination of the PhD. Professor Fernando Augusto Albuquerque Mourão. Thus, in
order to cope with the contextual, literary and editorial elements of Collection, in the
first chapter, we verify the data concerned with the origin of the anthology, highlighting
its historical and literary interrelationships. In the second chapter, we demonstrate the
presence of the African literatures in Brazil, as well as their connection with the
Brazilian literature before the development of a literary system. In the third chapter, we
emphasize the origin of Ática related to the backstage of the production, such as the
analysis of some documents about the books that were prepared but were not released.
In the fourth and final chapter, we study the graphic features of the Collection, because
they support the editorial identity of the project. Furthermore, we show how was the
importance of some books’ prefaces regarding the reader, once these literatures brought
a new fictional universe. Besides, we also deal with the first moment of the Brazilian
literary criticism on African works. Taking all these ideas into consideration, the
chapters were accomplished through the theoretical contribution linked to researches
and books of criticism connected to the African and Brazilian literary history.
Concerning the methodology, we performed interviews with some experts and former
members of Ática, such as the own Fernando Mourão; we studied a wide range of
newspapers, such as Jornal do Brasil and Jornal de Angola; we also read the
anthology’s 27 books; we researched at the personal collection of Fernando Mourão,
where it was found relevant materials belonging to the Collection, for instance, folders,
letters and various documents. Hence, through the development of this thesis, we
figured out that the Collection contributed with the acknowledgment of the African
writers in Brazil, in addition, it also provided greater academic involvement, because
the African studies field was empowered before the formation of a critical mass, as well
as the emergence of departments and study centers. Finally, we emphasize that the
partnership between Anderson Dias, Fernando Mourão and Ática culminated in the
conception of a seminal series for African literary studies in Brazil.
Keywords: Collection of African Writers. Ática publishing house. Fernando Mourão.
African Literatures.
A COLEÇÃO DE AUTORESAFRICANOS DA EDITORA ÁTICA:
as literaturas africanas no Brasil
L
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO: “o renascimento literário” ................................................................ 12
CAPÍTULO 1. A gênese da Coleção de Autores Africanos da Editora Ática ............. 20
1.1.Trajetórias e inter-relações de Fernando Augusto Albuquerque Mourão ............... 30
1.2. O Centro de Estudos Africanos: um difusor científico-cultural ............................. 48
1.3. A Coleção de Autores Africanos: “tempos de subversão cultural” ........................ 59
CAPÍTULO 2. “Entre as duas margens do Atlântico”: as literaturas africanas no Brasil
........................................................................................................................................ 77
2.1. Pelas margens literárias: entre Brasil e África ........................................................ 92
2.2. A Coleção de Autores Africanos: um mapa da África literária ............................ 109
2.3. A construção de um sistema literário: entre o real e o ficcional ........................... 134
CAPÍTULO 3. A Editora Ática e a Coleção de Autores Africanos: “por detrás dos
livros” .......................................................................................................................... 145
3.1. A Coleção de Autores Africanos: um legado literário ......................................... 153
3.2. A Coleção que não existiu .................................................................................... 170
CAPÍTULO 4. A construção da identidade editorial ................................................. 183
4.1. “Fazendo do novo o velho”: os prefácios da Coleção de Autores Africanos ....... 229
CONCLUSÃO: o silêncio permanece? ...................................................................... 244
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 253
ANEXOS ..................................................................................................................... 264
ANEXO I: entrevistas com Dr. Benjamin Abdala, Drª. Tania Macêdo, Drª Rita Chaves,
Wander Soares e Paulo Dias ........................................................................................ 265
ANEXO II: Coleção de Autores Africanos: folders de divulgação ............................ 301
ANEXO III: a Coleção que não existiu: documentos ................................................ 307
12
Introdução: “o renascimento literário”
Durante os anos de 1930, quando surgiu a ideia da Negritude liderada, entre
outros, por Léopold Sédar Senghor, a revalorização do homem negro começou a deixar
a lateralidade para ganhar o centro das atenções nos setores políticos, sociais e culturais,
uma vez que este movimento buscou a (re)construção das identidades das populações
africanas em virtude das transformações ocorridas no continente durante o período da
colonização.
Deste modo, uma parcela significativa da elite política e cultural africana
percebeu que o (re)conhecimento de suas culturas seria um instrumento determinante
para a mudança da situação colonial, sendo uma reação às medidas de assimilação.
Assim, após a Segunda Guerra Mundial, já nos anos de 1950, as primeiras
bandeiras anticolonialistas surgiram, demonstrando que a África também existia; que
existia uma arte africana; uma literatura africana; um teatro africano; uma filosofia
africana; enfim, uma cultura africana viva.
Desta maneira, a partir da formação dos centros culturais europeus, as produções
de alguns autores africanos foram lançadas paulatinamente, haja vista que surgiram
como uma forma de resistência1 cultural diante das medidas de assimilação aplicadas às
ex-colônias.
Entre as atividades realizadas pelos centros culturais, no ano de 1953 foi lançado
em Lisboa o Caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa, uma iniciativa do
intelectual Mário Pinto de Andrade e Francisco José Tenreiro. Já em 1959, quando
Mário de Andrade estava integrado à revista Présence Africaine em Paris, foi publicada
pela editora Oswald Jean Pierre a Antologia de Poesia Negra, que se tornou em um
trabalho referencial.
Por sua vez, durante a primeira metade dos anos de 1950, essas duas obras
tornaram-se materiais fundamentais para o Centro de Estudos Africanos que funcionava
em Lisboa, sem contar que este espaço era formado por um grupo pioneiro: Agostinho
Neto, Mário Pinto de Andrade, Amílcar Cabral, Francisco José Tenreiro, Alfredo
Margarido, entre outros.
1 Quando nos referirmos ao termo resistência, como destacaremos em alguns momentos da tese,
dialogaremos com o livro Literatura e Resistência (2002), de Alfredo Bosi, na parte Narrativa e
Resistência (p. 118-135). Acerca do termo re-existência, em virtude do período colonial, as literaturas
africanas reinventaram-se a fim de continuarem a existir. Portanto, luta e palavra uniram-se para assim re-
existirem e renascerem diante da opressão instaurada.
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Ainda durante aquele período, o Centro de Estudos Africanos foi retomado pela
Casa dos Estudantes do Império, com as sedes nas cidades de Coimbra, Lisboa e Porto,
e com a criação de um setor de estudos africanos, dando início, portanto, às atividades
editoriais por meio das intervenções de Costa Andrade e Carlos Ervedosa.
Assim sendo, as obras de diversos outros autores começaram a circular, tais
como: Luandino Vieira, António Jacinto, Viriato da Cruz, Mário António, Arnaldo
Santos, António Cardoso, Manuel Lima, Henrique Abranches, Noémia de Sousa e
outros.
No ano de 1975, durante o processo de independência das ex-colônias, Mário de
Andrade publicou a Antologia temática de poesia africana, volume I – Na noite grávida
dos punhais, e em 1979 o volume II – O canto armado, de uma série de três volumes.
Ainda em 1975, o escritor cabo-verdiano Manuel Ferreira lançou a antologia poética No
reino de Caliban: Antologia panorâmica da poesia africana de expressão portuguesa,
volume I – Cabo Verde a Guiné-Bissau. E em 1976, publicou o volume III –
Moçambique.
Com isso, percebemos algumas das movimentações que ocorriam entorno das
produções africanas, mesmo que ainda sob a administração dos líderes dos Centros de
Estudos. Além disso, em virtude desta atividade próspera, algumas editoras europeias
fomentaram o lançamento de livros de autores africanos gradativamente, como a
Edições 70, Ulisseia, Vértice, William Heinemann, Seghers, Julliard, Stock, Dakers,
entre outras.
Diante deste panorama, a partir dos anos de 1950 em diante, houve a presença de
algumas produções africanas no Brasil, sobretudo de países africanos de língua
portuguesa, bem como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e
Moçambique.
Esse fato ganhou maior realce devido ao surgimento de movimentos políticos
em prol da libertação dos países africanos, tal como o MABLA – Movimento Afro-
Brasileiro Pró-Libertação de Angola -, do qual Fernando Augusto Albuquerque Mourão
e o seu amigo José Maria Nunes Pereira foram um dos líderes.
Ademais, com o processo de descolonização dos países africanos, e mesmo com
o desenvolvimento da política de distensão no Brasil, a visibilidade à África no Brasil
aumentava aos poucos.
Desta maneira, algumas produções de autores africanos começaram a chegar ao
país, entre elas houve a divulgação de poemas de Jorge Barbosa e Tomaz Martins na
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página literária do jornal O Estado de Santa Catarina nos anos de 1950; poemas nas
edições da revista Sul, dirigida por Salim Miguel, dos escritores Jorge Barbosa, Orlando
Mendes, Augusto Abranches, António Jacinto, Nóemia de Sousa, Viriato da Cruz,
Francisco José Tenreiro, entre outros. Vale ressaltar que a edição número 30 da revista
Sul publicou um conto de José Luandino Vieira, O homem e a terra.
Já a partir da década de 1970, surgiram algumas publicações esporádicas
lançadas por editoras brasileiras, entre elas a Nova Fronteira, a Codecri e a Civilização
Brasileira. No entanto, não alcançaram uma repercussão significativa devido ao grande
desconhecimento destas recém-chegadas literaturas ao país.
Desta maneira, no ano de 1979 a Ática começou a desenvolver o que
consolidou-se no primeiro projeto literário orgânico das literaturas africanas no Brasil,
isto é, a Coleção de Autores Africanos (CAA), coordenada pelo professor Dr. Fernando
Augusto Albuquerque Mourão, em uma parceria realizada entre o presidente da empresa
na época, o professor Anderson Fernandes Dias.
Esta série literária pioneira foi de grande importância para a disseminação
sistêmica das produções africanas no Brasil e, por sua vez, para o surgimento da área de
estudos, visto que a antologia primou pela qualidade dos textos e pela construção de um
projeto editorial diferenciado, pois os elementos paratextuais, como prefácios,
glossários, notas de rodapé, bibliografia, biografia e ilustrações, foram essenciais no que
diz respeito à inserção do leitor a este então recém-universo literário que chegava ao
país.
Ao total, foram publicadas 27 obras que compuseram um panorama significativo
do que de melhor se havia produzido em termos literários na época. Autores como
Pepetela, Manuel Lopes, Chinua Achebe, Chems Nadir, Arnaldo Santos, Boaventura
Cardoso, Cyprian Ekwensi, Nurrudin Farah, Djibril Tamsir Niane, Sembème Ousmane,
Teixeira de Sousa, Baltasar Lopes, entre outros, tiveram suas obras lançadas pela
primeira vez no Brasil por meio desta antologia.
Para tanto, nesta pesquisa, em face da relevância desta série literária, almejamos
analisar as etapas de formação, desenvolvimento e recepção da Coleção de Autores
Africanos, visto que foi a primeira antologia orgânica acerca das literaturas africanas
editada no país.
Assim sendo, em virtude da gênese da CAA ter envolvido diversos núcleos
formativos, e de modo a termos uma melhor compreensão sobre esses espaços até a
realização da Coleção factualmente, organizamos a tese da seguinte maneira:
15
Deste modo, diante dessas 3 partes divisórias, isto é, a gênese da Coleção e o seu
contexto, as relações literárias entre Brasil e África e os aspectos estéticos/editoriais do
projeto Autores Africanos, almejamos traçar o perfil ideológico e estrutural da
antologia. Ademais, como podemos notar, todas essas esferas tiveram a CAA como
centro de análise.
Com isso em vista, na primeira parte da pesquisa, apresentamos as relações
contextuais que estiveram na gênese da formação da CAA, cuja interligação integrou-se
à formação de Fernando Mourão, visto que as suas experiências com expoentes das
literaturas africanas, sobretudo os de língua portuguesa, foram cruciais na constituição
da antologia.
As efetivas relações de Fernando Mourão com este espaço iniciaram-se com a
sua vivência com autores e personalidades africanas durante sua experiência na Casa
dos Estudantes do Império nos anos de 1950. Portanto, no Capítulo 1, A gênese da
Coleção de Autores Africanos da Editora Ática, subdividido em 3 partes, abordamos
as etapas de composição da antologia diante de uma perspectiva geral para que, de
modo progressivo, possamos acompanhar as nuances da realização desta série pioneira.
Para tanto, no subcapítulo1.1., Trajetórias e inter-relações de Fernando
Augusto Albuquerque Mourão, os percursos realizados pelo coordenador da CAA são
analisados a partir de sua formação na Casa dos Estudantes do Império, uma vez que
esta experiência determinou-se fundamental no conhecimento de diversos autores e
estimulou Mourão a realizar algo semelhante quando retornou ao Brasil. Ademais, as
Coleção de
Autores
Africanos
CAPÍTULO 1:
gênese da
antologia:
contexto
CAPÍTULO 2:
as literaturas
africanas no
Brasil:
contexto
literário
CAPÍTULOS
3 e 4:
projeto
estético e
editorial
16
influências deste período foram determinantes para a composição da CAA no que tange
à seleção dos autores e mesmo às linhas temáticas/ideológicas que compuseram a série.
Seguindo a ordem cronológica dos fatos, no início dos anos de 1960 Mourão
retornou ao Brasil, com isso, salientamos algumas investidas desempenhadas pelo
intelectual no país, com o objetivo de perceber, também, como esses núcleos atuaram na
gênese da antologia.
Para isso, no subcapítulo 1.2, O Centro de Estudos Africanos: um difusor
científico-cultural, observamos a relevância do surgimento de um centro de estudos
que se tornou uma espécie de catalisador de pesquisas e de divulgador dos autores
africanos no Brasil, o qual teve o professor Mourão como um de seus fundadores.
Após esta etapa formativa, na qual demonstramos os espaços de interconexão
empenhados por Mourão, no subcapítulo 1.3., A Coleção de Autores Africanos:
“tempos de subversão cultural”, discutimos as relações contextuais e editoriais do
momento da origem da Coleção desenvolvida pela Ática, haja vista que esses dados nos
forneceram importantes elementos para a compreensão dos fatores que levaram uma
editora brasileira a compor um projeto literário africano.
Embora essas etapas estejam organizadas em seções separadas, elas fazem parte
de um grande corpo articulado, tal como exposto no organograma anteriormente, ou
seja, as relações desenvolvidas por Fernando Mourão apontavam como epicentro a
gênese da Coleção de Autores Africanos, haja vista a tentativa de aproximar o Brasil da
África e a África do Brasil.
Por mais que esta sequência pareça um tanto quanto tautológica, já que
apresentamos os fatos brevemente e depois o retomamos com maior aprofundamento,
justificamos esta organização textual pelo fato da formação da Coleção ter sido gerada
dentro deste esquema não linear, isto é, como a gênese da antologia integrou-se à vida
de Fernando Mourão, que foi uma pessoa de muitas influências e relações, logo a
antologia africana também compôs-se desta peculiaridade. Além disso, os contextos que
envolveram a antologia a inseriram em um quadro ainda mais dinâmico e com perfil
cosmopolita.
Na sequência, no segundo bloco da tese, no qual exploramos os aspectos
literários/contextuais, apresentamos como as literaturas africanas chegaram ao Brasil e
como atuaram na formação de uma massa crítica recém especializada, visto o objetivo
de salientar essa troca cultural estabelecida.
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Vale salientar que assim como indicado no título e subtítulo da tese, A Coleção
de Autores Africanos da Editora Ática: as literaturas africanas no Brasil, na
primeira parte desta pesquisa discorremos sobre a gênese da Coleção e, posteriormente,
sobre a presença das literaturas africanas no Brasil, a qual perpassou e desaguou na
formação da antologia dirigida por Mourão.
Assim sendo, diante desta sequência de ideias, chegamos à Coleção
factualmente, com enfoque à descrição de suas linhas temáticas e outras informações
relevantes. Vale ainda ressaltar que nesta parte, assim como na anterior, a organização
textual mantém o formato progressivo, visto que os fatos encadeiam-se numa ordem
crescente, até que se chegue ao seu ápice no subcapítulo 2.2. Desta maneira, com os
elementos precedentes, objetivamos a compreensão da formação da antologia de modo
mais completo.
Para tanto, o Capítulo 2, “Entre as duas margens do Atlântico”: as
literaturas africanas no Brasil, subdividido em três partes, destacamos as vias do
trânsito literário realizadas entre África e Brasil até culminar na consolidação da CAA.
Desta maneira, no subcapítulo 2.1., Pelas margens literárias: entre Brasil e
África, a ênfase é colocada sobre a recepção das literaturas africanas no Brasil e vice-
versa, salientando de que modo a presença dessas produções auxiliou na formação de
uma massa crítica de pesquisadores no país e mesmo na difusão das obras e dos autores.
A partir do subcapítulo 2.2., A Coleção de Autores Africanos: “um mapa da
África literária”, a análise acerca da CAA é centralizada, com destaque às obras que a
compuseram e às informações que contribuíram para um melhor entendimento da
elaboração da série literária.
Já no subcapítulo 2.3., A construção de um sistema literário: entre o real e o
ficcional, destacamos a possível realização de um sistema literário africano construído a
partir da reunião das 27 obras da CAA por Fernando Mourão, tendo em vista que os
temas que percorrem os textos foram pautados pelo contexto histórico dos países
africanos, os quais se libertavam do período colonial em busca da independência de suas
nações e narrações.
E, por fim, no terceiro bloco da tese, no qual tratamos das relações entre os
aspectos estéticos e editoriais, exploramos os bastidores da realização da CAA, tais
como a equipe de trabalho, curiosidades sobre a confecção dos exemplares, conectando
tanto elementos de ordem estética quanto as relações do mercado livreiro da época.
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Assim sendo, no Capítulo 3, A Editora Ática e a Coleção de Autores
Africanos: “por detrás dos livros”, subdividido em duas partes, mostramos os dados
referentes ao surgimento da Ática atrelados à construção de projetos literários,
especialmente ao CAA.
O fato de colocarmos uma apresentação da origem da Ática somente neste
momento justifica-se pela razão de que nesta parte estabelecemos um diálogo entre a
formação da editora e a composição dos projetos literários da empresa. Com isso, o
vínculo de análise desses dados em relação à CAA é mais efetivo, uma vez que a
construção textual da tese referente ao contexto histórico e literário já foi apresentado.
Ainda nesta parte, evidenciamos os bastidores da produção, reiterando a ideia de
que a Coleção foi o resultado de um trabalho feito em equipe, que uniu desde a
presidência da empresa até os membros que compuseram o grupo editorial.
Para tanto, no subcapítulo 3.1., A Coleção de Autores Africanos: um legado
literário, verificamos os dados referentes ao legado deixado pela realização da CAA,
com depoimentos dos próprios ex-participantes do projeto, como Wander Soares e
Antônio Rocha do Amaral.
No subcapítulo 3.2., A Coleção que não existiu, com o acesso ao acervo
pessoal de Fernando Mourão, encontramos documentos que nos evidenciaram o total de
obras e autores que seriam lançados pela CAA caso o projeto tivesse perpetuado. Deste
modo, nos centralizamos na análise desses arquivos, uma vez que disponibilizavam
importantes nuances em relação às histórias contadas “por detrás dos livros”.
Já no Capítulo 4, A construção da identidade editorial, subdividido em uma
parte, salientamos os elementos que dizem respeito à composição gráfica da série
literária, integrados à identificação para com o público leitor, isto é, ressaltamos o
trabalho realizado com os componentes paratextuais, como prefácios, glossários, notas
de rodapé, biografias, bibliografias, ilustrações, os quais auxiliaram na identificação da
antologia uma vez que contribuíram para a elaboração identitária do projeto.
E no subcapítulo 4.1., “Fazendo do novo o velho”: os prefácios da Coleção
de Autores Africanos, realizamos a análise dos prefácios feitos em algumas das edições
das obras, haja vista que essas introduções, além de apresentar os livros da Coleção,
discutiam a representação do homem africano em face das transformações causadas
pelo encontro entre colonos e colonizadores. Sem contar que ainda é possível verificar o
primeiro momento da crítica literária brasileira sobre as obras africanas.
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A pesquisa ainda apresenta no Anexo I uma série de 5 entrevistas realizadas
com 3 pesquisadores da área de estudos e 2 componentes da Ática na época em que a
CAA foi desenvolvida, os quais nos ajudaram na interpretação e mesmo no
entendimento desta coletânea seminal de obras, são eles: Dr. Benjamin Abdala Júnior,
Drª. Tania Celestino de Macêdo, Drª. Rita de Cássia Natal Chaves, o Professor Wander
Soares e Paulo Anderson Fernandes Dias respectivamente.
No Anexo II, apresentamos alguns folders que foram lançados durante a
divulgação da CAA. Já no Anexo III, há fotocópias dos documentos referentes à fase
de composição das obras que foram publicadas e dos títulos que não foram lançados.
Salientamos que a aquisição desses materiais só foi possível devido ao acesso ao acervo
pessoal de Fernando A. A. Mourão.
Deste modo, com esta pesquisa, almejamos lançar luz sobre a Coleção de
Autores Africanos, recuperando a sua memória literária, a qual esteve integrada aos
percursos e inter-relações do Professor Fernando Mourão. Diante disso, temos a
expectativa de que esta tese possa iluminar o conjunto de autores e livros fundamentais
selecionados por esta antologia e mesmo contribuir com os estudos das literaturas
africanas no Brasil e os estudos brasileiros sobre África.
20
CAPÍTULO 1.
A gênese da Coleção de Autores Africanos da Editora Ática
A Voz de um Povo
A literatura africana é hoje um dos instrumentos mais ricos para
revelar e recuperar a verdadeira identidade da cultura africana com
seus mitos, ritos e costumes. Através da literatura será possível
retornar num tempo novo as raízes autênticas da África, a partir de
uma visão própria de seu povo, representada pelos autores africanos.
Fernando Augusto Albuquerque Mourão2
O continente africano passou por um longo período de transformações de ordem
política, cultural e social decorrentes, sobretudo, das ações coloniais europeias. Como
uma das consequências, ocorreram diversas mobilizações anticoloniais, as quais
resultaram no processo de independência de vários países.
Diante deste quadro, a produção literária “alimentou-se” desse panorama por
meio de características compostas pela resistência e pela autovalorização das
identidades africanas, uma vez que esses denominadores mostraram-se/mostram-se
como elementos intrínsecos a uma parte expressiva das criações literárias concebidas.
Assim sendo, a epígrafe em destaque corrobora a importância das literaturas
africanas no sentido de revelar a sua verdadeira cultura, visto que após um longo
período de desmantelamentos, a escrita representada por seus próprios escritores foi
desenvolvida por elementos que estabeleceram uma poética de re-existência. Isto é, este
fenômeno surgiu como um elemento interno do foco narrativo, atando o sujeito com o
seu contexto existencial e histórico (BOSI, 2002, p. 134).
Com base nessa premissa, a Ática lançou em 1979 o primeiro projeto literário
sistêmico acerca das literaturas africanas no Brasil, ou seja, a Coleção de Autores
Africanos, cuja organicidade possibilitou uma melhor representatividade das produções
no país.
Durante este período, a Ática teve como diretor-presidente o professor Anderson
Fernandes Dias (1932-1988), e na coordenação da antologia africana o Professor Dr.
Fernando Augusto Albuquerque Mourão (1934-2017), docente titular do curso de
2 Nota presente no folder de lançamento da CAA, pertencente ao acervo pessoal de Fernando A. A.
Mourão. Este material está disponível no Anexo II.
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ciências sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo.
A produção da antologia permaneceu parcialmente ativa até o ano de 1991, visto
que alguns hiatos ocorreram durante os doze anos de sua vigência, os quais estiveram
relacionados com as mudanças ocorridas na empresa e com a sua receptividade no
mercado editorial brasileiro que, embora fosse um setor em potencial, não alcançou o
objetivo de perpetuá-la.
Como veremos ao longo deste capítulo, a gênese da CAA agregou uma série de
situações e espaços que perpassaram as histórias e trajetórias do sociólogo Fernando
Mourão, isto é, a formação do projeto Autores Africanos teve sua origem interligada às
relações estabelecidas por Mourão, as quais se vincularam aos diversos contextos e
personalidades que fizeram parte de sua rede de contatos.
O começo da trajetória de Mourão integrada ao cenário africano iniciou-se na
Casa dos Estudantes do Império em Portugal nos anos de 1950, quando tornou-se aluno
do curso de direito da Universidade de Coimbra. Neste espaço, fomentou uma série de
atividades vinculas à divulgação das produções africanas, tal como em sua relação com
o editor, à época, da revista Présence Africaine em Paris, Mário Pinto de Andrade.
De volta ao Brasil já nos anos de 1960, deu continuidade a sua formação
acadêmica no curso de ciências sociais pela Universidade de São Paulo e, inspirado pela
dinâmica desenvolvida na Casa dos Estudantes do Império, liderou a criação do Centro
de Estudos Africanos na mesma instituição, com o objetivo de fomentar pesquisas e
publicações sobre África.
Dentro deste cenário, no ano de 1979, Mourão integrou e coordenou o primeiro
projeto literário orgânico acerca das literaturas africanas no Brasil pela Ática, visto a sua
interligação com os movimentos culturais e políticos africanos e, também, com
escritores, ativistas, intelectuais africanos e africanistas.
Como podemos notar, a gênese da CAA vinculou-se a grandes eixos contextuais,
os quais dialogavam com vários outros espaços, evidenciando, deste modo, as múltiplas
relações desenvolvidas por Mourão. Assim, o DNA da antologia é realçado, isto é, o seu
caráter cosmopolita.
Com isso em vista, não poderíamos deixar de levar em consideração essas
relações ao analisarmos esta série literária, sendo que a gestão deste projeto esteve
integrada intimamente à vida de Fernando Mourão.
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A fim de visualizarmos alguns dos caminhos e confluências da formação de
Mourão/CAA, organizamos, a seguir, um organograma que ilustra esses espaços e
contextos, os quais agiram na configuração temática e ideológica da CAA:
Como é possível notar, a multiplicidade do projeto o inseriu em um plano de
inter-relações diversos, sendo, desta maneira, improvável buscar por respostas que
contemplassem uma única possibilidade no que concerne à gênese/organização da
antologia.
Assim, pelo fato da CAA se traduzir como parte integrada à vida de Fernando
Mourão, como resultado, temos uma produção literária que se vinculou a contextos
históricos, políticos, ideológicos, literários e editoriais inúmeros.
Portanto, a organização textual desta tese percorre os fluxos dessas relações, os
quais são dinâmicos e não lineares. Mesmo que ao centro esteja a produção da CAA,
temos ao seu redor espaços que atuaram ora diretamente ora indiretamente na
formulação do projeto, por isso, é necessário perceber que diante de um cenário
complexo, o esclarecimento da formulação da CAA ocorrerá por vezes de modo não
sistêmico.
A CAA foi um empreendimento editorial que se inseriu no catálogo da Ática por
meio de uma trajetória que já havia se iniciado em 1974 com a coleção Ensaios,
Coleção de
Autores
Africanos/
Fernando
Mourão
Centro de
Estudos
Africanos/
USP
Casa dos
Estudantes
do Império/
Europa
ÁfricaÁtica
Brasil/
MABLA
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coordenada pelo jornalista José Adolfo Granville Ponce; com a Coleção Grandes
Cientistas Sociais, coordenada pelo professor Florestan Fernandes; com a Coleção
Nosso Tempo e a Coleção de Autores Brasileiros, dirigida por Jiro Takahashi. Todas
essas produções estavam integradas a uma linha engajada da editora, muito em virtude
do período de distensão política pelo qual o Brasil passava – de 1974 a 1985.
Assim como já mencionado, embora a CAA estivesse vinculada à proposta
engajada das coleções que a precederam, a direção do projeto coordenada pelo professor
Mourão também incutiu características relacionadas a sua trajetória pessoal, visto que
foi um ativo articulista cultural da Casa dos Estudantes do Império, em Portugal, e um
divulgador das produções/relações africanas fora e dentro do meio acadêmico brasileiro.
Desta maneira, constatamos que a CAA recebeu influências de duas esferas,
primeira: vinculou-se às propostas ideológicas de algumas coleções desenvolvidas
anteriormente pela Ática, as quais já estavam conectadas ao meio sócio-político
brasileiro; segunda: integrou-se às inter-relações e trajetórias de Fernando Mourão,
enquanto esteve na Europa e na África, as quais agiram diretamente na seleção dos
autores e na perspectiva ideológica da antologia.
Como resultado, a CAA foi um projeto da Ática integrado ao contexto histórico
brasileiro, europeu e africano, pois, de um lado, tínhamos o período da considerada
abertura política brasileira; e do outro, o contexto da descolonização africana.
Deste modo, o projeto Autores Africanos vinculou-se naturalmente ao catálogo
de produções da editora, pois as criações da série literária apresentavam/apresentam
uma temática pujante, isto é: uma literatura de re-existência:
Assim, será proporcionada ao leitor a oportunidade de conhecer o
mundo africano, com todo o seu imaginário, na luta pela afirmação
nacional. É urgente conhecer os autores africanos e a sua literatura.
Nela está contida a voz de um povo que agora está escolhendo seu
próprio destino.3
Vale ressaltar que essas áreas de confluências estavam integradas e agiram
conjuntamente, ou seja, tanto no setor editorial, articulado com a frente de resistência
cultural da Ática, quanto nos eixos temáticos das obras da CAA propostas por Fernando
Mourão, os quais dialogavam com as representações literárias dos escritores africanos.
Com isso, Mourão organizou uma coleção com autores expressivos das
principais épocas que marcaram a história da África, desde a literatura oral,
3 Nota presente no folder A voz de um povo, pertencente ao acervo pessoal de Fernando Mourão. Este
material está disponível no Anexo II.
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fundamentada no registro de mitos e lendas, até a “literatura de combate”, desenvolvida
a partir da luta de independência. No entanto, a ênfase foi direcionada às literaturas
modernas africanas, as quais contribuíram para o renascimento de suas culturas, tal
como o romance que a inaugurou simbolicamente, A vida verdadeira de Domingos
Xavier (1979), do escritor angolano José Luandino Vieira, no qual a luta pela resistência
simboliza o poder do colonizado diante do opressor.
Como uma espécie de plano inicial de trabalho, Mourão organizou um conjunto
de obras pertencentes a cinco linhas temáticas. Na primeira, selecionou livros que
tratassem do aspecto colonial; na segunda, trouxe títulos que remetessem aos problemas
sociais; na terceira, livros que se vincularam com a “literatura de combate”. Já na
quarta, priorizou autores que lidassem com os problemas linguísticos decorrentes da
colonização. E, por fim, na quinta e última, destacou as obras que ofereciam um
panorama acerca do período da descolonização.
Assim sendo, como veremos mais detalhadamente nesta pesquisa, a gênese da
antologia Autores Africanos esteve articulada com essas esferas contextuais,
englobando ora relações internacionais, entre a Europa e a África, ora movimentações
nacionais.
De ordem internacional, ocorreram as inter-relações estabelecidas pelo professor
Mourão em Portugal e na França principalmente, locais onde participou como articulista
cultural, bem como intervenções feitas em alguns países africanos integrados ao
contexto da descolonização.
Já no Brasil, em virtude da abertura política, algumas editoras já estavam
publicando obras de caráter engajado, tal como a própria Ática. Ademais, no setor
político, Mourão foi um dos fundadores do Movimento Afro-Brasileiro Pró-Libertação
de Angola, o MABLA, como veremos com mais detalhes posteriormente.
Todas essas relações, ao ter o professor Mourão como diretor da CAA, incidiram
diretamente no DNA da antologia, visto que Mourão tinha o desejo de fazer no Brasil o
que tinha feito em Portugal pela Casa dos Estudantes do Império: divulgar as produções
africanas. Com a proposta engajada da Ática em consonância com o contexto sócio-
político-brasileiro, a editora tornou-se um espaço natural para a realização deste
trabalho.
Assim, percebemos os motivos que estariam por detrás das linhas de trabalho
feitas por Mourão e na escolha dos autores para a antologia, isto é, ao dividir as
temáticas entre obras que realçaram o período colonial, os aspectos sociais, as
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“literaturas de combate”, os problemas linguísticos e o processo de descolonização,
além de estarem associadas ao contexto africano, observamos a integração com o
período vivido no Brasil, sendo um projeto literário com uma clara proposta de
engajamento político e social.
Apesar de a antologia ter se vinculado a uma editora brasileira, a seleção dos
autores não se restringiu somente aos escritores de países africanos que produziam
literatura em língua portuguesa, houve traduções das literaturas africanas feitas para o
português de língua inglesa e de língua francesa. Isso ocorreu, sobretudo, pelo fato de
Mourão ter sido membro do Comitê Científico da UNESCO na confecção dos 8
volumes do livro História Geral da África, onde conheceu muitos escritores e
intelectuais africanos de renome internacional.
Portanto, de 1979 a 1991, 27 livros compuseram um panorama literário
significativo no país, estabelecendo uma espécie de “mapa literário africano”. Para
tanto, a seguir, destacamos a lista completa das publicações:
Obras: Autores:
A vida verdadeira de Domingos Xavier
(1979)
Luandino Vieira
Os flagelados do vento leste (1979) Manuel Lopes
As aventuras de Ngunga (1980) Pepetela
Nós matamos o Cão-Tinhoso (1980) Luís B. Honwana
Estórias do musseque (1980) Jofre Rocha
Hora di bai (1980) Manuel Ferreira
O belo imundo (1981) Valentin Y. Mudimbe
Kinaxixe e outras prosas (1981) Arnaldo Santos
Portagem (1981) Orlando Mendes
Luuanda (1982) Luandino Vieira
De uma costela torta (1982) Nuruddin Farah
Climbiê (1982) Bernard B. Dadié
Aventura ambígua (1982) Cheikh H. Kane
Mayombe (1982) Pepetela
Sundjata ou a epopeia Mandinga (1982) Djibril T. Niane
Dizanga dia muenhu (1982) Boaventura Cardoso
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O mundo se despedaça (1983) Chinua Achebe
O astrolábio do mar (1983) Chems Nadir
Gente da cidade (1983) Cyprian Ekwensi
A ordem de pagamento e Branca gênese
(1984)
Sembène Ousmane
Ilhéu de contenda (1984) Teixeira de Sousa
“Mestre” Tamoda e Kahitu (1984) Uanhenga Xitu
Yaka (1984) Pepetela
Sagrada esperança (1985) Agostinho Neto
Chiquinho (1986) Baltasar Lopes
Dumba nengue: histórias trágicas de
banditismo (1990)
Lina Magaia
Nós, os do Makulusu (1991) Luandino Vieira
Entre as 27 obras selecionadas para esta antologia, percebemos a presença de
determinadas características comuns que se articularam entre os títulos, entre elas há a
representação do sujeito colonizado como elemento central das narrativas, haja vista que
os autores buscavam, entre outras coisas, a desconstrução da gênese de que o homem
africano era desprovido de cultura e que precisava ser civilizado. Deste modo, esta
unidade temática percorreu boa parte da Coleção, uma vez que retomou a busca pela
identidade africana por meio de os seus próprios escritores.
Essa ideia já era defendida por Mourão ao longo de suas pesquisas, tanto que na
sua dissertação de mestrado - A Sociedade Angolana através da Literatura, publicada
pela Ática em 1978 na coleção Ensaios -, o pesquisador já havia analisado a obra do
escritor angolano Fernando Monteiro de Castro Soromenho, considerando-a como um
documento literário que refletia a sociedade angolana, sobretudo, nos anos de 1930 a
1950:
A obra literária de Castro Soromenho constitui-se num dos primeiros
documentos literários em divulgação em que se coloca a problemática
colonial com maior precisão. Seu grande e maior mérito foi o de ter
mostrado o africano, mais precisamente o lunda, como portador de
uma cultura própria, num momento em que se admitia ainda que o
africano necessitava de ser “civilizado”. Soromenho bate-se pela
especificidade da cultura africana. Esta orientação, central de sua obra,
apresenta, contudo, algumas nuances refletindo sua época.
(MOURÃO, 1978, p. 9)
27
Para tanto, como já ressaltado, por um lado, o caminho construído para a
configuração da CAA foi traçado através das intervenções feitas pelo gestor da ideia,
que, ao elaborar o perfil e identidade desta coletânea de obras, percorreu parte de sua
história anterior à produção desta série, uma vez que o envolvimento com intelectuais,
escritores e personalidades da época propiciaram elementos essenciais para a
composição da lista de livros e mesmo para a base humanista que envolveu a gênese da
Coleção.
Por outro lado, a CAA integrou-se à linha de coleções engajadas da Ática, que
tinha o objetivo de propiciar um espaço cultural de resistência à ditadura militar, tendo
em vista o contexto brasileiro, que, à época, passava pelo processo de redemocratização.
Vale apontar que a gênese da antologia africana não ocorreu de modo
sistemático, isto é, com planos bem definidos e com uma configuração ideológica que
levasse em conta explicitamente todas essas nuances. Na verdade, a formatação desta
série teve um plano de trabalho inicial, contudo, ocorreu espontaneamente, haja vista
que o ambiente engajado da Ática, mais a experiência de Mourão formavam os
elementos essenciais deste projeto, isto é, a divulgação dos autores africanos no Brasil
em um empreendimento de qualidade editorial e literária seminal.
No que diz respeito à base ideológica humanística inerente à seleção das obras,
em uma das entrevistas feitas com Mourão4, ele afirmou que a CAA era contida de um
humanismo, isto é, não que ela tenha sido criada para mostrar o lado humano do
africano, nem tampouco este foi um objetivo específico, mas sim dar visibilidade à
percepção humanística exercida nas relações de entrechoque entre o colonizador e o
colonizado, ou mesmo no despertar para a independência diante dos valores incutidos
durante a fase colonial. Para assim, sobressair-se uma leitura humanística da literatura e
do homem.
Além disso, Mourão formulou este conceito centrado em um pensamento que
auxiliasse na dissipação das incompreensões construídas entre Europa e África,
buscando um caminho de diálogo humanista entre esses polos. Tal como aponta
Francisco José Tenreiro em seu ensaio Acerca da literatura negra, presente no Boletim
da Casa dos Estudantes do Império - Mensagem: “[...] a literatura negra, desde a
4 Entre os anos de 2015, 2016 e 2017, fizemos algumas visitas à casa do Professor Mourão, em Caucaia
do Alto/Cotia-SP, para colher informações, documentos e histórias sobre a gênese da Coleção de Autores
Africanos. Com isso, diversos relatos presentes nesta pesquisa estão embasados nessas conversas.
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tradicional à da negritude, ajudará, tal como a aurora, a dissolver os monstros da
incompreensão” (1963, p. 33).
Assim sendo, nesta parte da pesquisa apresentamos as nuances das relações que
envolveram a formação da CAA, para que assim, progressivamente, nos familiarizemos
com os núcleos que englobaram as origens desta série. Já nos subitens seguintes,
teremos uma retomada dessas relações, para que, ao final, haja uma apreensão holística
da antologia africana.
Para tanto, partiremos do ponto que consideramos como o núcleo inspirador da
CAA, isto é, a Casa dos Estudantes do Império. Deste modo, organizamos textualmente
e contextualmente este capítulo seguindo os percursos de Mourão, ou seja, desde a fase
dos anos de 1950, até o seu retorno ao Brasil em 1960 para a realização da antologia a
partir de 1979.
Reiteramos a origem indireta da CAA à Casa dos Estudantes do Império pelo
fato de neste período Mourão ter feito uma série de contatos com escritores de Angola,
Cabo Verde e São Tomé principalmente, conhecendo, portanto, muitas de suas
produções e estabelecendo uma rede de conexões com diversos autores, os quais
encaminharam suas obras para apreciação e publicação por Mourão na CAA.
Deste modo, de antemão, Mourão nos alertou que houve um turbilhão de
relações que de algum modo culminaram na formação da CAA, principalmente na
seleção de escritores e obras.
Como exemplo, o seu contato inicial em Portugal foi com Francisco José
Tenreiro, Tomás de Medeiros e Manuel Lima. Posteriormente, ampliou a sua
convivência com Carlos Ervedosa, Costa Andrade e Tomás de Andrade, os quais
almejavam dar visibilidade à África com criação da CEI5, ou mesmo utilizando um
termo reiterado por Mourão: era necessário reinventar a roda, ou seja, mostrar que os
africanos tinham uma produção (literária) de qualidade.
Assim sendo, Mourão tornou-se bibliotecário da CEI em Coimbra e,
consequentemente, encontrou diversos livros que foram publicados oficialmente pelo
governo português. Desta maneira, segundo seus critérios, colocou em evidência
somente os livros mais importantes.
De férias em Paris, costumava trazer as novidades das publicações da revista
Présence Africaine para Coimbra, por isso, encheu a biblioteca de livros sobre a África,
5 De agora em diante, usaremos esta sigla para nos referirmos à Casa dos Estudantes do Império.
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sempre tomando os devidos cuidados para não ser parado pela PIDE - Polícia
Internacional e de Defesa do Estado:
[...] As sucessivas viagens a Paris permitiram o enriquecimento dessa
pequena Biblioteca que, face ao perigo de uma intervenção das
autoridades da época, teve boa parte de seus títulos mais
representativos transferida para a sede do Clube Atheneu de Coimbra,
graças às amizades de Fernando Costa Campos, nos permitiram por
salvo um bom número de obras literárias, políticas e no campo das
ciências sociais. [...] (MOURÃO, 1991/1992, p. 61)
Somente com este breve panorama, notamos os espaços pelos quais o então
estudante/professor e intelectual Fernando Mourão transitou, culminando
posteriormente na formação da CAA, uma vez que a gênese deste projeto literário
passou necessariamente por essas intensas relações entre Europa, África e Brasil.
Assim sendo, traçando o percurso do intelectual desde sua experiência em
Portugal até o seu retorno ao Brasil, apresentaremos os dados referentes à origem da
CAA vinculados aos seguintes tópicos de análise: subcapítulo 1.1. - Trajetórias e
inter-relações de Fernando Mourão; subcapítulo 1.2. - O Centro de Estudos
Africanos: um difusor científico-cultural; subcapítulo 1.3. - A Coleção de Autores
Africanos: “tempos de subversão cultural”, haja vista que no primeiro item
destacamos as intervenções de Mourão na CEI e o seu retorno ao Brasil inspirado por
este ambiente. Já no segundo item, enfatizamos as nuances referentes à formação do
Centro de Estudos Africanos da USP, o qual foi um importante propagador de pesquisas
e espaço de discussões acerca de assuntos referentes à África. E, por fim, interligamos
esses núcleos com o contexto brasileiro e o trabalho desempenhado na Ática para a
formação da CAA.
Seguindo este percurso, almejamos perceber de que modo as trajetórias de
Mourão atuaram na configuração temática e ideológica da CAA, visto que a junção
dessas três partes esclarecerem os caminhos que desaguaram neste projeto literário.
Desta maneira, apresentaremos a Coleção propriamente dita de modo mais
contextualizado, podendo, a partir deste ponto, articular a sua origem, o seu
desenvolvimento e os seus desdobramentos.
30
1.1. Trajetórias e inter-relações de Fernando Augusto Albuquerque Mourão
Foram anos de descobertas da terra ausente. E dos
anseios de mudança. Conversas na Casa dos
Estudantes do Império, onde se reunia a juventude de
África. Conferências e palestras sobre a realidade das
colónias. As primeiras leituras de poemas e contos que
apontavam para uma ordem diferente. (PEPETELA,
2013, p. 11)
O percurso de formação de Fernando
Augusto Albuquerque Mourão iniciou-se ainda
jovem, ao lado de seu avô, Augusto Albuquerque,
que lia e contava histórias cercadas pelos
conhecimentos da filosofia. Em virtude dessa e
outras experiências, Mourão construiu uma trajetória
de muitos caminhos e inter-relações, dividindo-se
entre as conexões humanísticas e institucionais.
A vivência educacional com o seu avô foi tão significativa que, em forma de
agradecimento, decidiu colocá-la como fonte bibliográfica em uma de suas pesquisas,
visto que essas histórias/conversas eram uma espécie de “Serões de Camarate”,
circunscritas entre o período de 1943-1957. Embora este material não tivesse uma
catalogação formalizada, já que seu avô não era um acadêmico, Mourão fez questão de
inseri-la nas referências:
Em virtude da minha formação, que devo à educação que me deu meu
velho avô, no sentido de um distanciamento entre a pessoa e a
instituição, acabei por talvez não ter sido mais enfático na defesa dos
estudos africanos no plano institucional.
Certo que os fatos, por sua objetividade, têm maior importância e que
o seu julgamento não me cabe nesta passagem da minha vida
acadêmica, passo a relacionar as minhas principais atividades em
vários campos. (MOURÃO, 1988, p. 15)
Após a finalização dos estudos nos ensinos fundamental e médio, Mourão
cursou dois anos de filosofia e latim. Posteriormente, foi para Portugal para estudar
direito na Universidade de Coimbra por volta do início dos anos de 1950. Foi nessa fase
Figura 1: Professor Dr. Fernando
Augusto Albuquerque Mourão
Fonte:
Acesso em: 5 jan. 2016.
31
que o seu interesse pela área das ciências sociais surgiu, já então focalizado pelo viés
dos estudos africanos, uma vez que iniciou o seu contato com os membros da CEI.6
Em face dos movimentos de independência africana e mesmo da democratização
no sul da Europa, Mourão envolveu-se tanto no plano político quanto no intelectual
deste período, muito em virtude dos debates internacionalistas europeus que estavam
em efervescência durante os anos de 1960.
Assim, o entrelaçamento com os assuntos vinculados à África, especialmente
diante das relações mundiais sobre o colonialismo, tornou-se elemento fundamental
para as áreas de pesquisa que Fernando Mourão desenvolveu pioneiramente no Brasil,
isto é, no campo dos estudos africanos, das relações internacionais e até mesmo no
espaço editorial.
Neste período de formação, Mourão já escrevia matérias sobre a temática
africana e encarregou-se de organizar um setor de estudos africanos. Quando entrava de
férias, costumava frequentar alguns centros especializados, como o Museu da Sociedade
de Geografia de Lisboa, o Museu do Homem, o Museu das Colônias Francesas em
Paris, no Institut Français de l’Afrique Noire. Com isso, o gosto pelas ciências sociais ia
sobrepondo-se ao gosto pelas ciências jurídicas.
Após uma fase bastante intensa com os membros da CEI, em virtude das
pressões do governo português, Fernando Mourão retornou ao Brasil em 1960, e toda a
vivência adquirida nesses importantes anos na Europa o direcionaram para continuar a
luta pela libertação dos povos africanos.
Desta maneira, iniciou os estudos na área das ciências sociais, na Universidade
de São Paulo, onde completou toda a sua formação acadêmica: curso de graduação, pós-
graduação, mestrado e doutorado, sob a orientação do professor Ruy Galvão de Andrada
Coelho, ambos com nota 10 e distinção, e livre-docência.
Desde a graduação já era orientado pelo professor Ruy Coelho, além de apoio e
ensinamentos de outros profissionais e áreas de estudos, tais como da política e da
economia. Já na sua pesquisa de mestrado, A sociedade angolana através da literatura,
o material de análise pautou-se no levantamento literário, histórico e político africano,
levando-o, portanto, à área da sociologia da literatura.
Já o seu doutoramento foi realizado em outra área de pesquisa - houve a
tentativa de seguir na mesma linha de desenvolvimento, contudo, não foi possível.
6 Em virtude de uma melhor concentração dos dados biográficos de Fernando Mourão, retomaremos mais
adiante as informações referentes à Casa dos Estudantes do Império.
32
Nesta, dedicou-se ao estudo das populações de pescadores do litoral sul do estado de
São Paulo: “[...] O ponto central de ambos os trabalhos reside no surpreender os
sentidos da mudança” (MOURÃO, 1988, p. 4).
Dentro da universidade, começou sua carreira como docente ministrando, por
alguns anos, o curso de Organização Social, em substituição ao professor Ruy Coelho,
na antiga cadeira de sociologia II. Após alguns anos, responsabilizou-se por esta
disciplina, levando-o a oferecer o curso sobre Sociologia Teórica.
Mais tarde, em razão das demais atividades profissionais que exercia, interessou-
se pelos estudos demográficos. Nesse período, trabalhou com o professor Daniel Kubat,
da Universidade da Flórida. Por conta desta experiência, criou a disciplina sobre
Sociologia Demográfica no curso de ciências sociais da USP, que durante anos foi o
responsável por ministrá-la.
O interesse pelos estudos africanos não foram colocados no segundo plano, pelo
contrário, o entusiasmo permaneceu por todo este período, visto que só foi interrompido
em face da necessidade de sistematizar a sua formação na universidade.
Paralelamente, o pesquisador ministrava uma disciplina chamada Sociologia da
África Negra para os alunos da graduação e pós-graduação, sendo o coordenador do
programa de pós-graduação no início de sua implantação, cuja indicação partiu do
próprio professor Florestan Fernandes.
Ademais, vinculou-se à Faculdade de Direito do Largo São Francisco,
ministrando a disciplina de sociologia. E, também, foi pioneiro na implementação da
disciplina e dos estudos na área das relações internacionais, visto que por meio dela
fomentou diversas parcerias com a África, já evidenciando a necessidade de discutir as
relações africanas no âmbito internacional:
Em sua trajetória como usuário pioneiro dos instrumentos e temáticas
da nova disciplina Relações Internacionais, em face de implementação
no Brasil, o professor Mourão exerceu importante papel para inspirar
toda uma nova geração de analistas internacionais, além de disseminar
a temática através de sua produção acadêmica. (PANDOVANI, 2012,
p. 98)
Para tanto, realizou uma série de visitas ao continente africano e a centros
especializados, sobretudo na França, levando-o a debruçar-se sobre a análise da
evolução da cidade de Luanda, desde 1882 até a ruptura com o colonialismo. Nessa
época, contou com a orientação científica do professor Georges Balandier, da Sorbonne.
33
A fim de obter uma maior integração acadêmica, foi convidado a orientar
pesquisas nas áreas da antropologia social e ciência política. Assim, passou a oferecer as
seguintes disciplinas na pós-graduação: Sociologia da África Negra: transição rural-
urbana; Sociologia da África Negra I: a formação da classe média urbana no contexto da
sociedade colonial; Antropologia da África Negra; Poder e política da África Negra:
Nessa fase orientei várias dissertações de mestrado e teses de
Doutoramento de alunos brasileiros e africanos que, posteriormente,
em sua maioria, passaram a lecionar em universidades brasileiras e
africanas; alguns optaram pelo jornalismo, sendo dois atualmente
diretores de grandes jornais; outros, pela carreira diplomática.
(MOURÃO, 1988, p. 10)
Paralelamente ao trabalho científico, Mourão também integrou-se aos
movimentos políticos de apoio à libertação dos países africanos, especialmente à
Angola. Deste modo, Fernando Mourão e outros membros, como José Maria Nunes
Pereira da Conceição, formaram um movimento brasileiro em prol da libertação
angolana, cujas metas almejavam sensibilizar a opinião pública nacional acerca dos
problemas enfrentados pelas então colônias portuguesas no continente africano.
Por sua vez, foi formado em São Paulo no ano de 1961, em apoio ao MPLA -
Movimento Popular de Libertação de Angola -, o MABLA - Movimento Afro-
Brasileiro Pró-Libertação de Angola -, que vigorou de 1961 a 1970.
Com este movimento, buscava-se atingir o apoio do Estado Brasileiro sem o
objetivo de fazer ligações partidárias, pois o MABLA não tinha a intenção de ser um
partido, tampouco uma organização exclusiva. Assim, constitui-se uma organização
diversificada e plural. Segundo José Francisco dos Santos (2010, p. 48), o envolvimento
ia desde o Partido Comunista Brasileiro - PCB - até a União Democrática Nacional -
UDN.
Coincidentemente, o então presidente brasileiro na época, Jânio Quadros, havia
implantado o programa de Política Externa Independente - PEI-, que tinha como meta
aproximar as relações entre o continente africano e o Brasil, especialmente os países de
língua portuguesa (SANTOS, 2010, p. 47):
Declarando que o Brasil era um país anticolonial e não votaria
conjuntamente com Portugal, no que se referissem as colônias
africanas, Jânio Quadros ainda estabeleceu uma política de bolsas a
estudantes africanos, no Brasil. Com essa gradual mudança de postura,
que culminou no seu mandato presidencial, pode-se inferir que acabou
dando subsídio para a formação de grupos contrários à colonização
portuguesa na África. (SANTOS, 2010, p. 48)
34
Neste cenário, a ideia se multiplicou ao ganhar núcleos em outros estados, como
no Rio de Janeiro, aumentando, assim, o apoio à independência de Angola, que ocorreu
em 1975. Consequentemente, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência
angolana.
Por fim, notamos que os núcleos que Fernando Mourão se envolveu estiveram
interligados com o objetivo de dar visibilidade ao um continente até então pouco
conhecido pela população brasileira e por boa parte do globo. Além do mais, havia uma
preocupação com a integração do Brasil a esta realidade.
Ao retomarmos as inter-relações de Mourão com os membros da CEI, notamos
que a partir dos anos de 1940, houve uma presença representativa de estudantes
africanos provenientes de uma camada pertencente à pequena-burguesia colonial
africana na Europa que frequentou as instituições de ensino superior dos países
europeus, sobretudo em Portugal.
Deste modo, percebemos esta foi uma fase em que a elite econômica e
intelectual veio à metrópole para continuar os estudos após a conclusão do liceu. Este
caminho foi um espaço importante para o repensar da história dos povos africanos e
mesmo para provocar uma maior conscientização do homem negro na sociedade e na
“desalienação de sua cultura”.
Diante de um contexto histórico alimentado pelos movimentos de libertação dos
países africanos colonizados - tais como as lutas anticolonialistas, as organizações
nacionalistas, o movimento da Negritude e o Pan-africanismo7 -, observou-se a
necessidade de compreender criticamente a realidade dos países de origem desses
jovens. Para tanto, o agrupamento de intelectuais, escritores, artistas, e outros, tornou-se
imprescindível.
O local para o qual esses indivíduos foram encaminhados ficou conhecido como
a CEI, espaço que surgiu com o objetivo de instituir um maior controle do regime
salazarista aos estudantes africanos que vieram residir em Portugal. Isto é, ao concentrar
este grupo nesta “Casa”, a monitoração pelos órgãos responsáveis ficaria mais visível
em face das atividades que poderiam ser organizadas.
Como era de se esperar, a CEI logo se tornou na “casa dos estudantes contra o
império”, ou seja, os membros da CEI não se tornariam nos “estudantes do império”,
7 No subcapítulo 1. 3., veremos algumas informações acerca desses movimentos.
35
pelo contrário, estavam ali para redescobrirem-se, para buscarem novas formas
identitárias e de representação do negro na sociedade.
No prefácio feito por Manuel Ferreira, Metamorfose e Premonição, no livro
Poesia Negra de Expressão Portuguesa (1982), o pesquisador fez um panorama sobre a
formação das CEI, dos Centros de Estudos e das primeiras produções editadas pelos
ativistas culturais que residiam em Portugal e em África. Entre as colocações, Ferreira
afirmou que primeiramente foi fundada a Casa de África, em 1925, sendo subsidiada
pelo Ministério das Colônias e, por sua vez, supervisionada pelo Estado (p. 17).
Além disso, recuperando uma conversa entre Amílcar Cabral e Vasco Cabral (p.
19-20), averiguamos que ambos tinham o desejo de criar um Centro de Estudos com um
fomento expressivo à cultura africana no mesmo espaço da Casa de África. Contudo, o
objetivo não se efetivou.
Dentro deste quadro, surgiu a proposta de criação da CEI em Lisboa por volta
dos anos de 1940. Inocência Mata relatou (2015, p. 7) que esta iniciativa foi uma
herança de outras Casas de Estudantes do “Ultramar”, como as de Angola,
Moçambique, Cabo Verde, Macau e Timor, que se fundiram com a Casa de África.
Como uma espécie de desdobramentos da Casa de África, no ano de 1941 surgiu
em Coimbra um grupo de estudantes moçambicanos que formaram a Casa dos
Estudantes de Moçambique. No ano seguinte, em 1942, o mesmo ocorreu com os
estudantes angolanos com a formação da Casa dos Estudantes de Angola.
Sobre a Casa de Angola, Carlos Ervedosa, no texto Talvez não saibas que...,
presente no livro Mensagem: Boletim da Casa dos Estudantes do Império (1963),
constatou que por volta de 1942 um grupo de estudantes angolanos lançou a ideia de
formar uma casa de estudantes, visto que haviam vários angolanos dispersos em Lisboa.
Agregá-los, portanto, seria um passo muito importante para mantê-los
focalizados em objetivos comuns: “A ideia cria corpo, surge uma Comissão
Organizadora da Casa dos Estudantes de Angola e, finalmente, em 1944, mercê do
entusiasmo dos estudantes angolanos, a associação desejada é uma realidade”
(ERVEDOSA, 1963, p. 52). Por sua vez, esta ideia serviu de exemplo para os outros
estudantes das chamadas Províncias Ultramarinas, tal como um grupo de Macau.
Deste modo, em dezembro de 1944, surgiu a Casa que agregou todas as outras, a
CEI, inaugurada somente em fevereiro do ano seguinte por meio de uma assembleia
geral das Casas de Angola, Moçambique e Cabo Verde (LARANJEIRA,1996, p.
XXVII).
36
Com esta nova sede, a discussão sobre parte do patrimônio cultural africano
deixado pelas gerações antecedentes foi colocada com uma de suas prioridades, criando
meios para recuperá-la e divulgá-la. Por fim, era necessário traçar um percurso que
levasse ao conhecimento da África aos africanos e, consequentemente, expandisse essa
informação para os cantos do mundo:
Na década de 50, estudantes africanos se reuniram na Casa dos
Estudantes do Império. Conferências, seminários, divulgação das
obras e da revista “Présence Africaine”, influência dos intelectuais do
movimento da negritude reunidos ainda em boa parte em Paris, se
fizeram sentir. Quando de férias ou na volta, terminando o curso,
fizeram compreender aos antigos companheiros a necessidade de
estudar as culturas africanas para assim compreenderem seus irmãos
de cor que, na verdade, foram melhor entendidos por esta geração
mais jovem do que pela geração de “Mensagem”. Alguns jovens
contistas, que apenas fizeram o liceu e passaram a trabalhar, vêm
passar férias em Lisboa, onde entram em contato com as atividades
culturais da Casa dos Estudantes do Império. (MOURÃO, 1978, p. 44)
Mourão8 declarou que esta foi uma época em que era necessário conhecerem-se
a si mesmos, isto é, revisitando espaços, histórias e ideias provenientes do próprio
continente africano. Essa iniciativa auxiliou na formação dos jovens recém-chegados
das colônias, dando continuidade ao trabalho iniciado no Centro de Estudos Africanos
em Lisboa, que na época era liderado por Agostinho Neto, Mário Pinto de Andrade,
Amílcar Cabral e Francisco José Tenreiro.
A existência dos núcleos de organização africana em Portugal possibilitou maior
visibilidade à África, principalmente entre os próprios africanos, que, envolvidos nesses
grupos, rearticularam o (re)conhecimento da produção cultural de seus países.
Posteriormente, este movimento contribuiu para uma (re)visão do lugar da
África entre as relações até então estabelecidas, tal como as integradas ao colonialismo.
Como mesmo Mourão relatou na entrevista feita com Américo Gonçalves para o Jornal
de Angola: era necessário “reafricanizar” os próprios africanos e ao mesmo tempo
conseguir um lugar de destaque à África (p. 5, 1983a).
Desta maneira, parte desses alunos se reunia para discutir os caminhos políticos,
sociais, literários etc., de seus respectivos países. Na verdade, inicialmente, como havia
muito pouco registro sobre suas próprias histórias, essas conversas fomentavam uma
análise mais particular das realidades das quais eram oriundos. Ou seja, com a
8 GONÇALVES, Américo. Fernando Mourão e com se dá a conhecer África no Brasil. Jornal de Angola.
Luanda, 14 a 21 agosto. 1983a. Suplemento Cultural Vida e Cultura, p. 5 e p. 8.
37
necessidade de melhor compreenderem-se, compartilhavam suas experiências ao
recordar a história de seus povos, além de desenvolverem atividades culturais e cívicas
com vista ao enrijecimento da convivência e perpetuação das tradições:
Nesses tempos, viveram em Portugal estudantes, jovens intelectuais,
escritores, artistas e políticos como Agostinho Neto, Marcelino dos
Santos, Amílcar Cabral, Francisco José Tenreiro (vivendo desde a
mais tenra idade, em Portugal), Carlos Ervedosa, Pepetela, Manuel
dos Santos Lima, Mário de Andrade, Manuel Duarte, Eduardo
Mondlane, Henrique Abranches, Vasco Cabral, Tomás de Medeiros,
Ernesto Lara Filho, Jonas Savimbe, Jorge Valentim, Pedro Pires,
Paulo Jorge (Teixeira), Jorge Querido, Onésimo Silveira, Carlos
Serrano, José Maria Nunes Pereira, Fernando Morgado, Gualter
Soares, Veiga Pereira, Ivo Lóio, Ruy Pereira, José Óscar Monteiro,
Álvaro Mateus (Dalas), Fernando da Costa Campos, João Dias, Victor
Matos e Sá, Fernando Bettencourt Rosa, Roxo Leão, Virgílio Moreira,
Fernando Moreira, etc., que estudavam e mancomunavam contra o
Império. As jovens estudantes, embora em número menor, como era
de tradição na altura, participam também na CEI, desde Alda Lara,
Alda Espírito Santo, Maria Manuela Margarido e Noémia de Sousa, a
Inácia de Oliveira, Vitória de Sousa ou Eugénia Cruz, algumas delas
tendo sido presas. Participaram, entre outros, o brasileiro Fernando
Mourão (muito activo na secção cultural a partir de 1958) e os
portugueses Eduardo Medeiros e Alfredo Margarido, que cita José
Ilídio Cruz e José Manuel Vilar como denodados participantes na
produção literária e política. (LARANJEIRA, 1996, p. XVI-XVII;
grifo nosso)
Como já destacado, entre os membros da CEI havia alunos brasileiros, como
Fernando Mourão, que estudou direito em Coimbra e, posteriormente, tornou-se um
ativista cultural da CEI; e José Maria Nunes Pereira da Conceição, que estudou
medicina na cidade do Porto. Salientamos que José Maria, ao retornar ao Brasil, foi um
dos líderes na formação do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, da Universidade Cândido
Mendes, no Rio de Janeiro.
Mourão participou desses núcleos de relações culturais e políticas ativamente, ao
passo que, mais tarde, essas experiências alimentaram a sua trajetória ao retornar ao
Brasil, motivando-o a construir no país um panorama muito semelhante ao vivenciado
na Europa, visto que foi fortemente envolvido por um espírito de influências das CEI de
Coimbra, Porto e Lisboa.
Retomando as ocorrências em Portugal com o grupo de ativistas envolvidos com
a CEI, entre agosto de 1951 e o segundo semestre de 1953, formou-se o Centro de
Estudos Africanos em Portugal, que funcionava aos domingos em um formato de
seminário, na casa de Arlindo Espírito Santo, de São Tomé e Príncipe.
38
Francisco José Tenreiro e Mário Pinto de Andrade foram os responsáveis pela
coordenação dos programas de atividades do Centro. O Caderno de Poesia Negra de
Expressão Portuguesa (1953), organizado pelos autores supracitados, foi uma proposta
do Centro de Estudos. “Alfredo Margarido cita também como criadores António
Domingues, Julieta Espírito Santo, Arlindo Espírito Santo e Noémia de Sousa”
(LARANJEIRA, 1996, p. XXIV). E sobre a publicação do Caderno de Poesia, Mourão
acrescenta:
Essa publicação marcou uma posição contra a ideologia de
assimilação cultural, objetivo da política cultural portuguesa em
África, dentro do plano de unificação da língua Portuguesa. O
movimento da negritude de Léopold Senghor e Aimé Cesaire - no
momento uma forma de reação contra a corrente assimilacionista da
França colonial - fazia escola entre alguns jovens intelectuais das
colônias portuguesas que se defrontavam com problemas semelhantes,
embora os dois processos tivessem apresentado características
específicas. Mário de Andrade utiliza inicialmente a negritude como
processo estético até que, já em Paris, se distancia do movimento,
enquanto Francisco José Tenreiro, um dos mais notáveis poetas de
São Tomé, permaneceu relativamente ligado a essa corrente (1979, p.
4-5).
Enquanto o Centro de Estudos estava em andamento, a CEI manteve as suas
atividades em progresso paralelamente. Para tanto, de modo a visualizarmos o seu
desenvolvimento cronologicamente, Pires Laranjeira dividiu o período de existência
ativa da CEI em quatro fases: a primeira foi de 1944 até 1952, na qual se desenvolveu
atividades culturais, recreativas, assistenciais, exposições, recitais de poesia e palestras.
Já a segunda, entre 1952 e 1957, uma administração política ligada ao poder
tomou à frente da sede, uma vez que a CEI ganhava traços mais marcantes como Casa
dos Estudantes Africanos e não mais Imperiais. De 1944 a 1957, a CEI passou a
funcionar por blocos e este modelo foi mantido até o seu término.
Na terceira fase, de 1957 a 1961, houve uma grande mobilização de atividades
culturais, visto que os associados foram recuperados, tanto que a publicação de
Mensagem, agora em formato de Boletim da Casa dos Estudantes do Império, foi
reestabelecida. “Esta fase foi de relançamento e reconstrução da CEI, abalada pela
interferência salazarista, como aparecimento de um movimento editorial relativamente
pujante (atendendo às dificuldades económicas e políticas)” (LARAJEIRA, 1996, p.
XXVI).
A partir da vigência da quarta etapa, de 1961 a 1965, uma comissão
administrativa retornou à liderança da Casa e, devido a motivos políticos e de grandes
39
dificuldades, ocorreu o fechamento definitivo, haja vista que esta se tornou cada vez
mais envolvida com a política independentista, ao ponto de muitos jovens abandonarem
a sede para lutar na guerrilha junto aos seus países.
Ademais, com o início dos anos de 1960, o regime salazarista enrijeceu, com
isso, as investigações tanto à CEI quanto aos seus membros ficaram mais intensas,
resultando em interrogatórios e prisões.
Destacamos, na imagem a seguir, uma das sedes da CEI, que ora serviu como
espaço permanente, ora como ambiente de reuniões secretas:
]
Figura 2: Casa dos Estudantes do Império em Lisboa.
Fonte: . Acesso em: 22 nov. 2017.
A partir da ativação das Casas e dos Centros de Estudos, a produção africana
ganhou destaque, tanto que a publicação das obras intermediada pelos ativistas
culturais, e mesmo a percepção do negro na sociedade, foram (re)formuladas
gradativamente.
Por isso, durante este momento divulgou-se parte das produções dos escritores
africanos mediadas pelos centros de estudo e por revistas. Inocência Mata (2015, p. 14-
15) afirmou que nos anos 1950 foram publicados em diversos números de Mensagem
poemas de António Jacinto, José Craveirinha, Alda do Espírito Santo, Marcelino dos
Santos, Manuel Lima, Agostinho Neto, Tomás Medeiros e outros.
https://www.publico.pt/2014/06/16/politica/noticia/os-50-anos-do-fecho-da-casa-dos-estudantes-do-imperio-vao-ser-assinalados-a-partir-de-outubro-1639989
https://www.publico.pt/2014/06/16/politica/noticia/os-50-anos-do-fecho-da-casa-dos-estudantes-do-imperio-vao-ser-assinalados-a-partir-de-outubro-1639989
40
Entre as produções que foram lançadas durante este período, temos a Antologia
da Poesia Negra de Expressão Portuguesa (1958), organizada por Mário Pinto de
Andrade e lançada pela editora Pierre Jean Oswald, em Paris. Esta antologia, antes de
ser impressa, circulou em Portugal em uma versão mimeografada, que logo foi proibida
pela Polícia de Controle de Estado. Com a primeira edição não foi diferente, a antologia
foi perseguida nas colônias, todavia, passou de mãos em mãos e escapou da vigilância
colonialista (FIGUEIREDO, 1978, p.121).
Para tanto, a seguir, destacamos a da capa antologia:
Figura 3: Capa da Antologia da Poesia Negra de Expressão Portuguesa.
Fonte: Acesso em: 01 set. de 2016.
Esta obra tornou-se obrigatória aos estudantes africanos em Portugal, pois ali se
encontrava a ponta de lança para revelar ao mundo considerado ocidental a existência
de uma literatura negra presente nas colônias portuguesas (MOURÃO, 1979, p. 5).
Na sequência, também disponibilizamos a capa e o sumário de uma das edições
de Mensagem -, publicada em Lisboa, em junho de 1963, cuja direção foi feita por
Carlos Ervedosa. Nesta edição, apresentaram-se ensaios, contos e poemas de Francisco
José Tenreiro, Alfredo Margarido, Luandino Vieira, António Jacinto, Alda do Espírito
Santo, entre outros:
https://www.olx.pt/anuncio/antologia-da-poesia-negra-de-expresso-portuguesa-mrio-de-andrade-IDvqNqs.html
https://www.olx.pt/anuncio/antologia-da-poesia-negra-de-expresso-portuguesa-mrio-de-andrade-IDvqNqs.html
41
Figura 4: Capa do livro Mensagem - Boletim da Casa dos Estudantes do Império, publicado em
Lisboa, em junho de 1963.
Fonte: Acervo pessoal de Fernando Augusto Albuquerque Mourão.
As antologias citadas anteriormente estiveram no âmago do Centro de Estudos
que funcionou em Lisboa, reunindo membros notáveis daquele período: Agostinho
Neto, Mário de Andrade, Amílcar Cabral, Francisco José Tenreiro, Alda do Espírito
Santo etc.
A partir da segunda metade dos anos 50, o programa da CEI foi retomado com
três sedes: em Lisboa, em Coimbra e no Porto, mais o Centro de Estudos Africanos. A
atividade editorial desta nova ala, segundo Mourão (1979, p. 6), articulou-se por um
trabalho incansável de Fernando Costa Andrade - poeta - e Carlos Ervedosa - ensaísta.
Em virtude dessas movimentações editoriais, outros autores ganharam
visibilidade por meio de os lançamentos das antologias, tais como: Mário António,
António Jacinto, Luandino Vieira, Costa Andrade, Tomás Medeiros, Ovídio Martins,
42
Gabriel Mariano, Viriato da Cruz, Arnaldo Santos, Henrique Guerra e outros
(MOURÃO, 1978, p. 44).
A CEI também lançou uma coleção chamada Autores Ultramarinos, composta
por 22 títulos, entre os quais há uma série de autores e obras que representaram a
literatura produzida nos países africanos de língua portuguesa. A coleção contém livros
de contos, poesias e ensaios.
A seguir, colocamos em destaque nomes dos 22 títulos lançados e seus
respectivos autores:
Obras: Autores:
1- Linha do Horizonte Aguinaldo Fonseca
1- 2- Godido e Outros Contos João Dias
2- 3- Amor Mário António
3- 4- Fuga Arnaldo Santos
4- 5- A cidade e a Infância Luandino Vieira
5- 6- Poemas Viriato da Cruz
6- 7- Poemas de Circunstância António Cardoso
7- 8- Terra de Acácias Rubras Costa Andrade
8- 9- Kissange Manuel dos Santos Lima
9- 10- Poemas Agostinho Neto
11- Poemas António Jacinto
12- Poesia Alexandre Dáskalos
13- Poesia angolana Tomaz Vieira da Cruz
14- Diálogo Henrique Abranches
15- Caminhada Ovídio Martins
16- Chibugo José Craveirinha
17- Quinaxixe Arnaldo Santos
18- Cancioneiro Popular Angolano Gonzaga Lambo
19 - A Literatura Angolana Carlos Ervedosa
20 - Consciencialização na Literatura
Cabo-verdiana
Onésimo Silveira
21- Negritude e Humanismo Alfredo Margarido
22- Canções Populares de Nova Lisboa Alfredo Margarido
43
Esta mesma coleção foi reeditada no ano de 2015 pela União das Cidades
Capitais de Língua Portuguesa - UCCLA -9, com o nome de Coleção Autores da Casa
dos Estudantes do Império. No dia 18 de junho de 2015, a instituição distribuiu
milhares de exemplares gratuitamente em Lisboa.
Com a publicação desses autores, Mourão afirmou que era preciso fazer algo
semelhante no Brasil. Portanto, aqui temos outra constatação que reforça a nossa ideia
piloto: a Coleção da Ática foi gestada, também, por meio das experiências e das
incursões de Mourão entre os núcleos que participou na Europa e na África.
Ademais, alguns autores que foram publicados nesta antologia da CEI estão
presentes na CAA, mostrando a influência deste projeto literário na seleção que o
pesquisador fez para a série brasileira. Somente para destacarmos, os autores Luandino
Vieira, Agostinho Neto e Arnaldo Santos são nomes que se repetiram nas duas coleções.
Ademais, bem como apresenta a Coleção Ultramarina, os últimos títulos são de
assuntos relacionados a ensaios, a CAA também teve esta intenção, alguns livros sobre
crítica literária foram projetados para publicação. Contudo, não houve tempo de serem
lançados, bem como veremos mais adiante no subcapítulo 3.2.
O setor editorial não foi o único que se destacou, alguns congressos também
surgiram com a finalidade de oferecer visibilidade à cultura negra. Só para constarmos,
no ano de 1956 ocorreu o I Congresso de Artistas e Escritores Negros, realizado pela
Sociedade Africana de Cultura, na Sorbonne.
Este evento foi relembrado por Mourão numa reportagem feita pelo Jornal do
Brasil (1977, p. 4-5) com o jornalista Roberto Pontual, que acompanhou o II Festival
Mundial de Arte e Cultura Negra Africana, na cidade de Lagos, na Nigéria, no ano de
1977, entre os dias 15 de janeiro a 12 fevereiro do corrente.
Neste festival foram realizadas apresentações musicais, de dança, de teatro,
projeções cinematográficas e mostras de artes visuais. Como o desconhecimento sobre o
continente africano e sua produção cultural ainda eram muito grandes, o jornalista
convidou Fernando Mourão para uma entrevista após seu retorno do Festival a fim de
esclarecer o impacto e a importância deste evento.
Com o subtítulo Fernando Mourão: O Brasil na presença africana, a conversa
apresenta um breve panorama acerca do caminho percorrido até chegar-se a esta fase.
Para isso, Mourão relembrou o I Congresso de Artistas e Escritores Negros, realizado
9 Informações presentes no site . Acesso em: 07 ago. 2015.
http://www.portugaldigital.com.br/lusofonia/ver/20095147-casa-dos-estudantes-do-imperio-oferece-milhares-de-livros
http://www.portugaldigital.com.br/lusofonia/ver/20095147-casa-dos-estudantes-do-imperio-oferece-milhares-de-livros
44
pela Sociedade Africana de Cultura, na Sorbonne, em 1956, durante o qual se vivia um
momento de plena luta anticolonial:
[...] E qual era uma das justificativas mais usadas pelos países
colonizadores para negar ou retardar a concessão da independência? A
de que, na falta de uma civilização detectável, se havia primeiro que
levar esses povos a níveis civilizatórios próximos ou idênticos aos das
metrópoles - o que significa encaminhá-los até a imagem que eles
faziam do conceito de civilização [...] (PONTUAL, 1977, p. 5).
Ao ser indagado se este Congresso teria sido o elemento que propulsionou a
conquista das independências, Mourão voltou um pouco na história, mais precisamente
para 1930, demonstrando que os ideais emancipatórios/nacionalistas para uma África
livre do controle das metrópoles surgiu de mobilizações muito mais complexas, tal
como o caso do movimento da Negritude, liderado, entre outros, pelo senegalês Léopold
Senghor.
O pesquisador afirmou que os seguidores da Negritude preocupavam-se também
com a situação dos africanos na Europa, uma vez que se distanciavam de suas origens
ao imergirem numa “cultura de assimilados”:
[...] De início, a negritude foi como uma técnica psicanalítica, um
tratamento desalienante. Não era uma ideia para as massas: visava à
formação de futuros quadros dirigentes, através das elites intelectuais,
melhor dizendo, estudantis, então fora da África [...] (PONTUAL,
1977, p. 5).
Para tanto, a criação do Centro de Estudos Africanos e a CEI, em Portugal,
enrijeceram a proposta de formação da jovem elite africana em contraponto com uma
“cultura de assimilados”. A partir dessas movimentações, foram acrescentadas às
atividades editoriais as produções dos escritores africanos paulatinamente, haja vista
que alguns integrantes já faziam parte destas empresas, como o caso de Mário Pinto de
Andrade, que era editor-chefe da revista Présence Africaine.
Além disso, o incentivo a outros encontros foi selado, tanto que 1966 foi
realizado em Dacar o I Festival Mundial de Artes Negras, sendo impulsionado por
Senghor, que já era presidente do Senegal.
De volta ao II Festival, por meio da coordenação de Fernando Mourão, o Brasil
teve uma participação relevante no evento. De acordo com Mourão (1977, p. 5),
pretendia-se apresentar o negro no Brasil fora de suas marcas estereotipadas, que,
muitas vezes, esteve integrado à religião, à música, à cozinha, à sensualidade etc.
45
Para tanto, Mourão convidou Ieda de Castro, de Salvador, para apresentar sua
tese sobre A influência da África no linguajar da Bahia; foi lido um ensaio de Clarival
Valladares sobre artes acerca da Influência do africano somando-se à do europeu e do
índio na constituição da arte brasileira; René Ribeiro, da Universidade de Pernambuco,
apresentou uma pesquisa sobre A evolução de concepções religiosas entre o
catolicismo, o protestantismo, a umbanda e o candomblé; Jorge Alakija falou sobre a
erradicação do considerado primitivismo africano à luz da psiquiatria; e Fernando
Mourão, na área da consciência histórica, trouxe um estudo sobre comportamentos
comuns que aproximam brasileiros e africanos.
A participação brasileira no festival de algum modo salientou a relevância do
fortalecimento dos laços entre Brasil e África, uma vez que a área de estudos acerca da
presença do negro na cultura brasileira ganhava, aos poucos, maior atenção das
pesquisas acadêmicas. Por outro lado, a visibilidade de nossas atividades levadas à
África aguçou o interesse dos africanos pela produção nacional.
Por fim, notamos que esses encontros foram importantes para o resgate do valor
do negro na sociedade, pois ao colocarem-se em foco as questões que envolveram a
cultura negra, uma maior evidência foi projetada às diversas situações que convergiram
para o centro dos debates. Ademais, mesmo com a relevância dos festivais, desde o
primeiro encontro na Sorbonne em 1956, a base ideológica alimentava-se pela presença
dos ideais da Negritude.
Retomando a consolidação da CEI, no que diz respeito à produção literária e
mesmo à divulgação deste material mediado pela Casa, discutia-se sobre a busca de uma
autonomia diante do quadro colonial, tentando desconstruir as amarras que a
designaram por muitos anos como um elo de dependência do sistema português. Além
do mais, aquela juventude africana em Portugal compartilhava as suas indagações diante
de um cenário propício ao debate e à (re)criação cultural.
Com isso, a presença deste grupo iniciou a busca por uma representação
diferente do negro africano, que até então era estigmatizada como exótica. Mourão
relatou que em 1940, em Lisboa, foi feita uma das últimas exposições do mundo
colonial negro aos brancos portugueses, visto que era comum ocorrerem algumas
exibições pagas na cidade com a finalidade de apresentar o negro como um ser
selvagem.
Além disso, Mourão declarou que ajudou Mário de Andrade a montar algumas
das antologias de poesias, muitas delas ele mesmo copiava e as mandava para o Mário
46
escolher e editar. Alfredo Margarido - primo de Mourão - também auxiliou com a
escritura de alguns prefácios para os cadernos literários.
Deste modo, com essas iniciativas, parte das literaturas africanas distinguiram-se
do termo assimilacionista, pois pelo fato da população ter sido inserida neste
entrechoque de culturas, manter a identidade era uma necessidade elementar. Com isso,
encontrou-se na literatura um espaço no qual a resistência/re-existência foi fortalecida
por meio da representação de seus próprios escritores.
E sobre este assunto, Manuel Ferreira (1982, p. 15) relatou que neste período -
de 1947 a 1955 - foi construída uma importante fase, tanto no que concerniu à atividade
literária e cultural africanas, que alimentou o nascimento de uma literatura moderna de
língua portuguesa, quanto uma maior consciência orientada pela formação de uma
identidade nacional.
Apesar de uma produção relativamente ativa liderada pelos núcleos africanos em
Portugal, e mesmo com o surgimento dos congressos que deram apoio à visibilidade
africana, sobretudo na Europa, o fim da CEI já era dado como certo. Tanto que a prisão
de alguns associados em 1965, como: Henrique Guerra, Agostinho Neto, Fernando
Mourão, Gualter Soares, José Bernardino, Alfredo Margarido, Maria Manuela
Margarido, Guilherme Espírito Santo, Álvaro Sequeira Santos, entre outros,
enfraqueceram ainda mais a continuidade deste projeto (LARANJEIRA,1996, p. XXX;
grifo nosso).
Assim, o desejo alimentado por alguns pioneiros da CEI de retornar à terra natal
sem nenhum tipo de restrição ficou cada vez mais difícil. Com isso, não conseguiram
viver na terra prometida o sonho de uma nova nação.
Desta maneira, percebemos que Fernando Mourão foi um intelectual que
carregou na sua formação duas características que compuseram um papel distinto em
suas ações: ele desenvolveu um grau de intelectualidade em meio ao campo social,
cultural e moral, junto a um índice de envolvimento com a população menos favorecida:
“[...] Sua sociologia do direito é para o pobre, para o negro, para o discriminado, para o
africano, para o imigrante” (MASCARO, 2012, p. 264).
Edward Said, nos estudos desenvolvidos no livro Representações do Intelectual
(2005), declarou que um dos objetivos dos intelectuais seria diminuir as barreiras
estereotípicas e determinados reducionismos presentes na sociedade humana como um
todo (p. 10). Para tanto, percebe-se que a imagem do intelectual não poderia vincular-se
47
a um grupo partidário específico ou mesmo exercer práticas dogmáticas, mas sim, ser
dotado de flexibilidade e pensamentos visionários.
Sabemos que há determinadas situações nas quais a vinculação da figura do
intelectual é, muitas vezes, associada às camadas políticas e do poder. Contudo, o que
frisamos é justamente a importância da busca pela independência intelectual, mesmo
que parcialmente. E, sobretudo, evidenciar a verdade ao poder, desnudando as situações
escamoteadas pela própria vigência de certas práticas da organização social.
Por sua vez, o intelectual é um ser que pode construir relações que se unam à
libertação de ideias, evidenciando a sua posição filosófica/ideológica e sua atitude
diante das inúmeras situações que o circundam. Além disso, pode emitir uma voz
referente a certo grupo social, lutando por sua autonomia e por melhores condições:
Assim, o intelectual age com base em princípios universais: que todos
os seres humanos têm direito de contar com padrões de
comportamento decentes quanto à liberdade e à justiça da parte dos
poderes ou nações do mundo, e que as violações deliberadas ou
inadvertidas desses padrões têm de ser corajosamente denunciadas e
combatidas. (SAID, 2005, p. 26)
Portanto, com ousadia, certa dose de risco e vulnerabilidade, o intelectual
atuante insere-se na sociedade por meio de práticas que vislumbrem por melhores
condições humanitárias. Fernando Mourão esteve vinculado a essas classificações, visto
que entre as preocupações que centralizaram a sua carreira estiveram as estratégias
construídas para a aproximação entre o Brasil e a África, sobretudo no que se referiu à
visibilidade da história do continente africano diante das lutas de libertação.
Um dos objetivos do intelectual, para tanto, seria promover a liberdade humana
e do conhecimento, auxiliando na identificação de uma determinada população com a
sua cultura, ou melhor, fazê-la sentir-se pertencente a este espaço ao destacar pontos
comuns e divergentes oriundos à construção de sua identidade.
Deste modo, até este momento da pesquisa, evidenciamos alguns contextos que
atuaram na formação pessoal/acadêmica do professor Mourão, os quais, posteriormente,
agiram na configuração ideológica e temática da antologia Autores Africanos.
Para tanto, na sequência, seguindo os percursos e inter-relações de Mourão, já de
volta ao Brasil, enfatizaremos a formação do Centro de Estudos Africanos da USP, visto
que este espaço foi importante para a difusão dos estudos relacionados à África no país,
sobretudo para a própria disseminação da CAA, uma vez que Fernando Mourão era
docente da instituição e foi um dos incentivadores para a criação deste local.
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1.2. O Centro de Estudos Africanos: um difusor científico-cultural
Em face das relações travadas pelo professor Fernando Mourão, desde a sua
experiência na Europa até o seu retorno ao Brasil, observamos que houve a necessidade
da criação de um centro de estudos que se tornasse referência para o desenvolvimento
de pesquisas e mesmo para abrigar um acervo sobre as literaturas africanas no país.
Desta maneira, antes mesmo da criação do Centro de Estudos Africanos da
Universidade de São Paulo, em setembro de 1959 foi fundado o Centro de Estudos
Afro-Orientais, na Universidade Federal da Bahia. Em 1961, surgiu o Instituto
Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos (IBEAA).10 E em 1963, o Centro de Estudos
Africanos iniciava as suas atividades em São Paulo.
Com este projeto em vista, em 1965 foi inaugurado o Centro de Estudos de
Cultura Africana, o CECA, uma entidade privada sem fins lucrativos que teve uma sede
provisória vinculada à Faculdade de Ciências Econômicas e Administração da USP,
funcionando, também, junto à cadeira de sociologia II, do professor Ruy Galvão de
Andrade Coelho, da então Faculdade de Filosofia e Letras da USP. Segundo o professor
Mourão (s.d., p.1), era necessária a criação de um centro de estudos que perpetuasse a
conscientização das pesquisas e conhecimento do continente africano.
O CECA foi mantido até o ano de 1968, porque Fernando Mourão, junto a
Eurípedes Simões de Paula, Paul Etamé Ewané, Ruy Galvão de Andrada Coelho, entre
outros, fundaram o que viria a ser um dos centros referenciais de pesquisa sobre Á