0 ANA SUELLEN MARTINS UM ESTUDO INTRODUTÓRIO DA LITERATURA DE JOÃO CARLOS MARINHO ASSIS 2013 1 ANA SUELLEN MARTINS UM ESTUDO INTRODUTÓRIO DA LITERATURA DE JOÃO CARLOS MARINHO Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista para a obtenção do título de Mestra em Letras (Área de Conhecimento: Literatura e vida social). Orientador: Prof. Dr. João Luís Cardoso Tápias Ceccantini. ASSIS 2013 0 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca da F.C.L. – Assis – UNESP Martins, Ana Suellen M386e Um estudo introdutório da literatura de João Carlos Marinho / Ana Suellen Martins. Assis, 2013 245 f. : il. Dissertação de Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis - Universidade Estadual Paulista. Orientador: Dr. João Luís Cardoso Tápias Ceccantini 1. Marinho, João Carlos, 1935- 2. Literatura infanto-juvenil. 3. História infanto - juvenis. I. Título. CDD J028.5 1 ANA SUELLEN MARTINS UM ESTUDO INTRODUTÓRIO DA LITERATURA DE JOÃO CARLOS MARINHO Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP – Universidade Estadual Paulista para a obtenção do título de Mestre em Letras (Área de Conhecimento: Literatura e vida social). Data da aprovação: 16/12/13 COMISSÃO EXAMINADORA Presidente: PROF. DR. JOÃO LUÍS CARDOSO T. CECCANTINI – UNESP/ASSIS Membros: PROF. DR. JOSÉ NICOLAU GREGORIN FILHO – USP/SÃO PAULO PROFA. DRA. SANDRA APARECIDA FERREIRA – UNESP/ASSIS ASSIS 2013 2 Aos meus pais, José Roberto Severino Martins e Gelma Severino Martins, e aos meus irmãos, Júnior e Bruno. 3 AGRADECIMENTOS A Deus pelo dom da vida e pela oportunidade de realizar mais uma etapa em minha vida. A minha família pelo apoio nos momentos mais difíceis dessa caminhada, sendo um porto seguro em meio ao mar de incertezas. Ao professor João Luís Ceccantini pelas orientações durante a realização da pesquisa e pela paciência em cada etapa. Ao escritor João Carlos Marinho que, tão gentilmente, esclareceu minhas dúvidas e sempre se mostrou disposto a me ajudar, compartilhando um conhecimento que vai além dos livros. À professora Sandra Aparecida Ferreira pelas sugestões no exame de qualificação e pelo título de um dos capítulos deste trabalho. Ao professor Marcio Roberto Pereira pelos apontamentos durante o exame de qualificação. Ao professor José Nicolau Gregorin Filho pela disposição com que atendeu ao convite e por disponibilizar seu tempo para leitura deste trabalho. À professora Alice Aurea Penteado Martha por aceitar fazer parte da composição da banca. À professora Rosa Maria Manzoni pela orientação quando me decidi enveredar pelo caminho das Letras. Aos amigos da Aliança Bíblica Universitária de Assis pelo suporte em cada etapa deste trabalho e por suas orações. À CAPES pelo financiamento da pesquisa, permitindo a dedicação exclusiva na reta final da escrita da dissertação. Aos funcionários da Seção de Pós-Graduação pelo auxilio durante todo o processo de participação do mestrado. Às secretárias: Roseli Pinheiro Santili, do Departamento de Literatura, e Sônia Regina Moraes, do Departamento de Linguística, pela gentileza e disposição com que sempre me atenderam. Aos funcionários da Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras de Assis por toda ajuda prestada durante a realização do mestrado. A todos os envolvidos neste processo que se iniciou antes do ingresso no Programa de Pós- Graduação, que, mesmo não nomeados, possuem a minha sincera gratidão. 4 O homem é o único animal que ri e é rindo que ele mostra o animal que realmente é. Millôr Fernandes 5 MARTINS, Ana Suellen. Um estudo introdutório da literatura de João Carlos Marinho. 2013. 245 f. Dissertação (Mestrado em Letras). – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Paulista, Assis, 2013. RESUMO João Carlos Marinho (1935-) é um dos grandes nomes da literatura infantil e juvenil brasileira, ainda em atividade. Embora sua produção literária seja legitimada por vários estudiosos da área, não há um estudo panorâmico de suas obras voltadas para o público infantil. Busca-se com este trabalho, assim, realizar um estudo introdutório da produção infantojuvenil do escritor com destaque para a série criada por Marinho, com a Turma do Gordo, que compreende doze narrativas: O gênio do crime (1969), O caneco de prata (1971), Sangue fresco (1982), O livro da Berenice (1984), Berenice detetive (1987), Berenice contra o maníaco janeloso (1990), Cascata de cuspe (1992), O conde Futreson (1994), O Disco (1996), A catástrofe do Planeta Ebulidor (1998), O gordo contra os pedófilos (2001) e Assassinato na literatura infantil (2005). É objetivo do trabalho também fazer um resgate da fortuna crítica sobre a obra do escritor, bem como compilar entrevistas dadas por Marinho em diversas mídias. Foram cotejadas as várias edições lançadas pelo autor a fim de identificar as mudanças ocorridas nos projetos gráfico-editoriais de cada livro e também alterações no conteúdo do enredo. Para compreender a produção de Marinho no cenário literário brasileiro, especificadamente, o infantojuvenil, enquanto processo de renovação do texto para crianças e jovens foram utilizados estudos de Regina Zilberman, Marisa Lajolo, Nelly Novaes Coelho, Edmir Perrotti, dentre outros pesquisadores da área. Foi possível perceber que Marinho, em sua obra, soube valorizar o contexto histórico em que se insere a ação narrativa, revelando sua percepção da realidade social, mas sem deixar em segundo plano a especificidade da literatura, enfatizando o caráter estético da obra literária. Palavras-chave: João Carlos Marinho. Turma do Gordo. Literatura infantojuvenil. Literatura infantil. Literatura juvenil. Narrativa. 6 MARTINS, Ana Suellen. Um estudo introdutório da literatura de João Carlos Marinho. 2013. 245 f. Dissertação (Mestrado em Letras). – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Paulista, Assis, 2013. ABSTRACT João Carlos Marinho (1935-) is one of the greats of children's literature in Brazil, still in activity. Although his writing is legitimized by various scholars in the field, there is no overview study of his works aimed at children. Searching with this work, so make an introductory study of the production infantile-juvenile writer highlighting the series created by Marinho, the Fat‟s Gang, which includes twelve narratives: O gênio do crime (1969 ), O caneco de prata (1971), Sangue fresco (1982 ), O livro da Berenice (1984 ), Berenice detetive (1987), Berenice contra o maníaco janeloso (1990), Cascata de cuspe (1992), Conde Futreson (1994), O Disco ( 1996), A catástrofe do Planeta Ebulidor (1998), O gordo contra os pedófilos (2001) and Assassinato na literatura infantil (2005). Objective of the work is also making a rescue of critical fortune of the author's work, as well as compiling interviews given by Marinho in various mediums. Were collated the various editions released by the author in order to identify the changes in graph - editorial projects of each book and also changes in the content of the plot . To understand the production of the literary scene brazilian of Marinho, specifically the infantile-juvenile while renewal process text for children and youth were used studies of Regina Zilberman, Marisa Lajolo, Nelly Novaes Coelho, Edmir Perrotti, among other researchers. It could be observed that Marinho, in his work, learned to value the historical context in which it appears the narrative action, revealing their perception of social reality, but in the background without leaving the specificity of literature, emphasizing the aesthetic character of the literary work. Keywords: João Carlos Marinho. Fat's Gang. Infantile-juvenile literature. Children's literature. Youthful literature. Narrative. . 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 10 1. DO DIREITO À LITERATURA .......................................................................................... 13 2. COTEJO DAS EDIÇÕES .................................................................................................... 27 2.1 O GÊNIO DO CRIME (1969) E O CANECO DE PRATA (1971) ................................ 28 2.1.1 O gênio do crime ..................................................................................................... 28 2.1.2 O caneco de prata ................................................................................................... 34 2.2 DÉCADA DE 80: SANGUE FRESCO (1982), O LIVRO DA BERENICE (1984) E BERENICE DETETIVE (1987) ........................................................................................... 40 2.2.1 Sangue Fresco ......................................................................................................... 40 2.2.2 O livro da Berenice .................................................................................................. 46 2.2.3 Berenice Detetive ..................................................................................................... 50 2.3 DÉCADA DE 90: BERENICE CONTRA O MANÍACO JANELOSO (1990), CASCATA DE CUSPE (1992), O CONDE FUTRESON (1994), O DISCO I (1996), O DISCO II (1998) ................................................................................................................... 53 2.3.1 Berenice contra o maníaco janeloso ....................................................................... 53 2.3.2 Cascata de cuspe ..................................................................................................... 57 2.3.3 O conde Futreson .................................................................................................... 62 2.3.4 O disco I .................................................................................................................. 66 2.3.5 O disco II ................................................................................................................. 69 2.4 DÉCADA DE 2000: O GORDO CONTRA OS PEDÓFILOS (2001) E ASSASSINATO NA LITERATURA INFANTIL (2005) ................................................... 72 2.4.1 O Gordo contra os pedófilos ................................................................................... 72 2.4.2 Assassinato na literatura infantil ............................................................................ 74 3. UM TARANTINO DA LITERATURA INFANTIL ............................................................ 79 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 91 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 93 ANEXOS .................................................................................................................................. 97 ANEXO A: QUADRO COMPARATIVO DAS EDIÇÕES POR DÉCADA .......................... 98 ANEXO B: ALTERAÇÕES PRESENTES NO CONTEÚDO DAS OBRAS ....................... 102 ANEXO C: APÊNDICES PRESENTES NAS OBRAS DE JOÃO CARLOS MARINHO .. 161 ANEXO D: INFORMAÇÕES FORNECIDAS POR JOÃO CARLOS MARINHO NA SUA PÁGINA NA GLOBAL EDITORA. ...................................................................................... 176 8 ANEXO E: ENTREVISTAS CONCEDIDAS POR MARINHO A REVISTAS, PROGRAMAS E JORNAIS. ................................................................................................. 193 ANEXO F: PREFÁCIO DE FANNY ABRAMOVICH À PRIMEIRA EDIÇÃO DE SANGUE FRESCO ................................................................................................................................. 209 ANEXO G: REPORTAGENS EM JORNAIS SOBRE OS LIVROS DE MARINHO .......... 211 ANEXO H: ENTREVISTA COM JOÃO CARLOS MARINHO CONCEDIDA PARA ESTA PESQUISA (JANEIRO DE 2013) .......................................................................................... 217 ANEXO I: RESENHA DE LAURA SANDRONI ................................................................. 231 10 INTRODUÇÃO A formação do leitor e as práticas de leitura realizadas em sala de aula me inquietam desde a graduação no curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências (UNESP), campus de Bauru. Ao estudar o tema, foi possível perceber que essas questões envolvem outras maiores como a própria formação do professor, mediador no processo de leitura, e o acesso, por parte dos docentes, a obras literárias que não se limitem àquelas mais difundidas pelas editoras ou às distribuídas, gratuitamente, nas escolas pelos programas de incentivo à leitura. Muitos escritores nacionais de literatura infantil e juvenil não são conhecidos por grande parte dos profissionais responsáveis pela formação do leitor e também, mesmo quando reconhecidos por teóricos da área, ainda não possuem um estudo panorâmico de suas obras. Um desses autores é João Carlos Marinho, criador da Turma do Gordo 1 . O primeiro contato com a obra do autor se deu durante a graduação nas aulas de Metodologia do ensino de língua portuguesa, quando a Profª Drª Rosa Maria Manzoni, ao indicar vários livros e autores da literatura infantil, destacava a qualidade literária de Sangue fresco (1982), terceiro livro da coleção criada por Marinho. Após o levantamento dos referenciais teóricos, foi possível perceber que João Carlos Marinho se distingue na produção de livros para crianças pela qualidade estética de seus textos e ainda consegue ser um fenômeno de vendas, tendo grande aceitação pelo público a quem se dirige. Apesar disso, não havia um estudo que abordasse a produção infantojuvenil do autor, englobando as doze narrativas: O gênio do crime (1969), O caneco de prata (1971); Sangue fresco (1982); O livro da Berenice (1984); Berenice detetive (1987); Berenice contra o maníaco janeloso (1990); Cascata de cuspe (1992); O conde Futreson (1994); O Disco (1996); A catástrofe do Planeta Ebulidor (1998); O gordo contra os pedófilos (2001) e Assassinato na literatura infantil (2005). O grupo de crianças é constituído, inicialmente, por Gordo, também conhecido como Bolacha ou Bolachão, por Berenice, Edmundo e Pituca. Nas narrativas seguintes, essas personagens são mantidas e outras são inseridas, como a Mariazinha, a Silvia, o Godofredo, o Zé Tavares, o Biquinha e o Hugo Ciências, completando a turma. Além das crianças, há a presença de adultos como o mordomo Abreu, o frade João, a professora Jandira, doutor Marcelo e dona Celeste, pais do Gordo. 1 No presente trabalho, será grafado Gordo com letra maiúscula. Apenas nos trechos transcritos das narrativas, será mantida a grafia usada por Marinho, que escreve o nome de sua personagem em minúscula. 11 Embora Marinho seja um escritor reconhecido por vários estudiosos da literatura infantil e juvenil brasileira devido à qualidade de sua produção para crianças e jovens, há poucas pesquisas a respeito de sua obra, cuja abordagem abranja a coleção por ele criada e pela qual é mais conhecido. As teses e dissertações sobre João Carlos Marinho, geralmente, abordam um tema específico ou a uma análise comparativa das obras, destacando a questão da violência ou dos expedientes do romance policial. Optou-se por trabalhar, numa primeira instância, com as obras que compõem a série das aventuras da Turma do Gordo, que compreende um período de 36 anos entre a primeira obra, em 1969, e a última, em 2005, sendo a produção que mais se destaca pela crítica positiva e pelos prêmios recebidos. João Carlos Marinho também é autor de livros para adultos, que não tiveram, porém, o mesmo sucesso de vendas que os infantojuvenis, não passando das primeiras edições. São objetivos estabelecidos para o estudo, portanto:  Levantar a fortuna crítica sobre a obra de João Carlos Marinho presente em livros, revistas, artigos científicos, dissertações, teses etc.  Encontrar o maior número possível de entrevistas concedidas pelo autor e reportagens sobre ele;  Levantar todas as obras da série A Turma do Gordo;  Identificar as mudanças editoriais realizadas nas obras voltadas para as crianças e jovens;  Fazer um estudo introdutório da produção infantojuvenil de João Carlos Marinho. Assim, busca-se disponibilizar para futuros estudiosos um material de pesquisa e suscitar novos trabalhos referentes à obra de João Carlos Marinho, que se diferencia pela originalidade e inovação na produção de textos para o público infantojuvenil. Para Nelly Novaes Coelho (2006, p.360), “é um dos nomes que atuou de maneira fecunda no processo de construção da literatura infantil e juvenil contemporânea, valor confirmado pelos vários prêmios ou distinções que lhe têm sido atribuídos como Prêmio Mercedes-Benz de Literatura Infantil e Juvenil de 1988 e Grande Prêmio da Crítica em Literatura Juvenil de 1982, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).” Os dados apresentados referem-se à comparação da primeira edição com a última de cada obra que compõe a Turma do Gordo. O caneco de prata (1971) foi a obra que mais sofreu alterações no conteúdo, que segundo o próprio escritor, ocorreram com o intuito de deixá-la menos abstrata e dar maior enfoque ao campeonato de futebol. Por isso, nesse 12 primeiro plano, houve essa análise mais atenta da obra, cotejando as duas primeiras edições (1971 e 1973) e a última (2007). Foram extraídas informações sobre Marinho e o período em que se dá a sua produção para crianças nas obras críticas de Regina Zilberman, Marisa Lajolo, Nelly Novaes Coelho, Edmir Perrotti entre outros teóricos. O presente trabalho divide-se em três capítulos. O primeiro capítulo, Do direito à literatura, traz a biografia de João Carlos Marinho como a sua produção para crianças e adultos juntamente com um balanço dos referencias teóricos sobre a literatura infantil e juvenil, com destaque às referências ao autor estudado nesta pesquisa. No capítulo seguinte, Cotejo das edições, destacam-se as principais alterações nas obras da série decorrentes da mudança de editora e da adequação ao formato de coleção nesta última edição pela Global Editora. No capítulo intitulado “Um Tarantino da literatura infantil”, é feito um estudo introdutório de um dos aspectos que se destacam na produção do autor como o humor, principal característica apontada como inovação na sua produção para crianças e jovens, ressaltando o exagero empregado para descrever as cenas de violência, além do nonsense. 13 1. DO DIREITO À LITERATURA João Carlos Marinho Homem de Mello é conhecido no cenário literário como J.C. Marinho Silva, João Carlos Marinho Silva ou, simplesmente, João Carlos Marinho, nome que adota, ultimamente, em suas publicações. Nascido no Rio de Janeiro, em 25 de Setembro de 1935, filho de Roberto Silva e Hortense Marinho, aos cinco anos muda com a família para Santos, no litoral paulista. Terminado o primário no Ateneu Progresso Brasileiro, dá continuidade aos seus estudos em São Paulo, onde realiza o admissão e o ginásio como interno no Instituto Mackenzie, retornando nos finais de semana e nas férias para Santos. Aos treze anos, Marinho perde seu pai e passa a ser externo do instituto e a viver com seus avós maternos, doutor João Marinho de Azevedo e dona Cecília do Val Marinho em São Paulo. Em 1952, continua seus estudos na Suíça, cursando o colegial de janeiro desse ano até abril de 1956, quando adquire o certificado de Maturité Fédérale Suisse, exame que possibilitava o prosseguimento nos estudos universitários. Retornando ao Brasil, no ano seguinte, passa no vestibular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Concluído o curso, em fins de 1961 passa a advogar em Guarulhos, inicialmente, em sindicados e depois em escritório próprio. Em outubro de 1962, casa-se com Marisa, com quem tem três filhos, Roberto, Cecília e Alex. Ainda trabalhando como advogado, começa a escrever O gênio do crime, em meados de 1965, terminando três anos depois e sendo, em 1969, publicado pela Editora Brasiliense na coleção "Jovens do mundo todo", destinada à juventude, organizada por Yolanda Cerquinho da Silva Prado, nos anos 60. Depois de dois anos, o escritor e advogado carioca publica a segunda obra que dá continuidade à turma criada. Marinho comenta em sua autobiografia 2 que desde criança tinha o sonho de ser escritor: "Publicando o Gênio do Crime eu senti que havia alcançado a minha verdadeira vocação, aquela com que eu sonhava quando era criança". A partir de 1987, passa viver exclusivamente dos direitos autorais de seus livros, deixando de advogar e se consolidando como escritor. Ganhou vários prêmios com sua produção voltada para o público infanto- juvenil, sendo reconhecido pela crítica pela originalidade de suas obras. Sua produção também compreende dois romances Professor Albuquerque (1973); Pedro Soldador (1976), um livro de contos, Pai Mental e Outras Histórias (1983), um de 2 As informações biográficas foram retiradas da página que o escritor possui na Editora Global, escrita por ele mesmo e disponibilizada na íntegra no Anexo D. 14 poesia, Anjo de Camisola (1988) e Dueto de gatos (e outros contos), publicado em 2012. Marinho, grande admirador e leitor de Monteiro Lobato, também escreveu, em 1978, por ocasião dos trinta anos da morte de Lobato, um ensaio sobre a obra do escritor, publicado, originalmente, pela Editora Obelisco 3 no mesmo ano e, depois, aparecendo em uma das edições de O gênio do crime. João Carlos Marinho surge no cenário literário em 1969, com a publicação de O gênio de crime, que se torna um best-seller e apresenta a Turma do Gordo. Dois anos depois, em O caneco de prata, a turma formada, inicialmente, pelo Gordo (Bolacha), Berenice, Edmundo e Pituca é acrescida de novas personagens como Silvia, Mariazinha, Biquinha, Godofredo e Zé Tavares. A partir de Sangue fresco, a turma conta com a presença de Hugo Ciências que se transfere para a Escola Três Bandeiras, onde os amigos do Gordo estudam. Suas obras foram premiadas com o prêmio Jabuti (1982) e o prêmio APCA (1982), além do Prêmio Mercedes-Benz em 1988 e tendo obras consideradas altamente recomendáveis pela Fundação Nacional (FNLIJ), sendo o mais recente o deste ano, pelo livro Dueto de gatos (e outros contos), publicado no ano passado. O período em que Marinho surge no cenário literário é de grande incentivo aos escritores nacionais para atender aos programas de incentivo à leitura, criados pelo governo: Multiplicam-se, nos anos 60, instituições e programas voltadas para o fomento da leitura e a discussão da literatura infantil. É por essa época que nascem instituições como a Fundação do Livro Escolar (1966), a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (1968), o Centro de Estudos de Literatura Infantil e Juvenil (1973), as várias Associações de Professores de Língua e Literatura, além da Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil, criada em São Paulo, em 1979. (ZILBERMAN e LAJOLO, 2005, p.123) Em o Panorama histórico da literatura infantil e juvenil, Nelly Novaes Coelho (1991, p.254) acredita que a produção literária para crianças e jovens nos anos 60 foi um momento em que permitiu preparar o terreno para o grande surto criativo que ocorreria na década seguinte. Tal autora considera os anos 70 a 90 como os que foram de grande importância para a literatura infantil e juvenil no Brasil, importância que vai além fronteiras como o Prêmio Internacional Hans Christian Andersen concedido à obra de Lygia Bojunga Nunes, em 1983. Ainda sobre o período, Coelho (1991) afirma que a palavra de ordem no período era: 3 SILVA, João Carlos Marinho. Conversando de Monteiro Lobato. São Paulo: Obelisco, 1978. 15 [...] o experimentalismo com a linguagem, com a estrutura narrativa e com o visualismo do texto; substituição da literatura confiante/segura por uma literatura inquietante/questionadora, que põe em causa as relações convencionais existentes entre a criança e o mundo em que ela vive; questionando também os valores sobre os quais a nossa Sociedade está assentada. (COELHO, 1991, p.259). (Grifos da autora) Pensando nessa inovação no texto para crianças, a obra de Marinho com seus primeiros livros demonstram essa preocupação com o novo. A estrutura de O caneco de prata, por exemplo, envolve o trabalho entre texto e imagem, obra em que esse experimentalismo à que se refere Coelho (1991) fica mais evidente. Dentro desse período, Edmir Perrotti (1986), em sua obra O texto sedutor na literatura infantil, destaca a obra de Marinho, O caneco de prata, por marcar a crise do discurso utilitário na literatura infantil brasileira: "Na verdade, O caneco de prata, dadas as suas características internas e o momento em que surgiu, pode ser tomado como verdadeiro divisor de águas na literatura brasileira para crianças e jovens." (PERROTTI, 1986, p.12). Para este autor, o que caracteriza o discurso utilitário é a intenção precípua de ensinar, instruir, deixando de lado o valor estético, que caracteriza a obra de arte. Marinho, em O caneco de prata, foi capaz de romper com o utilitarismo tão comum no texto para crianças e conferir à literatura infantil, após o fenômeno Monteiro Lobato, um valor estético: Assim, se a invenção estética é condição exigida à literatura para crianças por um Lourenço Filho, Fernando Azevedo, uma Lucia Miguel Pereira, uma Cecilia Meireles, parece que, com o tempo, tal ideia foi ganhando novos adeptos, abrindo espaço para a instituição de uma nova tendência discursiva na literatura brasileira para crianças e jovens: a do discurso “estético”. E, mais que uma nova tendência, cinquenta anos depois do primeiro Lobato, finalmente, colocaríamos em crise uma outra forma de discurso: o discurso “utilitário”. O exemplo mais radical da negação desta última forma foi – e talvez continue sendo – O caneco de prata, obra de João Carlos Marinho Silva, publicada em 1971, e que trazia um subtítulo indicativo: “epopeia dodecafônica”. (PERROTTI, 1986, p. 79) O caneco de prata (1971) rompe com a estrutura comum às narrativas tradicionais às crianças, em que há linearidade no desenrolar dos acontecimentos, e adota uma postura comum à obra modernista Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade. Assim, como a história oswaldiana, os capítulo aparentemente não possuem relação entre si, sendo possível acompanhar a evolução da narrativa, que no caso da obra de Marinho é o campeonato. Para Nelly Novaes Coelho (1995), em O dicionário crítico de literatura infantil e juvenil brasileira: séculos XIX e XX, afirma que na tentativa de inovar, Marinho acabou 16 exagerando e dificultando assim a compreensão do enredo pelo leitor mirim. Segundo a autora, o leitor a quem se dirige o livro ainda não tem maturidade intelectual necessária para compreender os recursos estilísticos utilizados, que, para ela, funciona bem com o leitor adulto. Coelho (1995), diferente de Perrotti (1986), analisa a obra a partir da recepção, pensando na compreensão do público. Essa questão de a obra ser muito abstrata para o público a que se refere, foi percebida por Marinho quando foi feita a segunda edição em 1973, em que retira alguns capítulos, na tentativa de deixar o campeonato mais em evidência. Na última edição, a obra passou por mais alterações, havendo a supressão de mais capítulos. Tal postura da autora em julgar o livro como inapropriado ao público a que se dirige à obra, além de ser polêmica, é muito taxativa, ao nivelar por baixo os leitores. Ainda mais que a autora classifica como público leitor da obra crianças a partir de 12 anos, faixa etária em que a própria autora classifica o leitor como crítico, no qual já possui: “Fase de total domínio da leitura, da linguagem escrita, capacidade de reflexão em maior profundidade, podendo ir mais fundo no texto e atingir a visão-de-mundo ali presente...” (COELHO, 1995, p. 19). Se o leitor a quem Coelho (1995) classifica como crítico possui estas competências, muitos dos pontos colocados como impedimento à compreensão da obra de Marinho não se justificariam. Perrotti (1986) compreende O caneco de prata dentro do contexto literário, quando faz o contraponto entre o discurso estético e o utilitário na literatura infantil brasileira, considerando um marco na literatura infantil pós-Monteiro Lobato, como explicita abaixo: Rompendo completamente com a tradição retórica vigente, herdada dos centros europeus, e que postulava, explicitamente ou não, a estruturação da narrativa a partir de critérios alheios à dinâmica interna da própria obra, João Carlos Marinho Silva inscreve, com O caneco de prata, o discurso literário produzido no país para o público infanto-juvenil não somente no âmbito da contemporaneidade estética, como também o eleva à condição artística, tal como a compreendemos hoje. Isto é: como realização “autônoma”, estruturada “de dentro”, dotada de coesão interna, resultante de sua auto- regulação. (PERROTTI, 1986, p.12). O autor, ao analisar o discurso na obra de Marinho, afirma que “O caneco de prata é não só exemplo acabado, mas certamente, a mais radical tentativa de renovação de nossa literatura para crianças e jovens, no período: pela primeira vez a concepção representativa da literatura é efetivamente colocada em crise.” (PERROTTI, 1986, p. 84). Ainda ressalta, diferente de Nelly Novaes Coelho, o modo como a narrativa foi construída é que destaca a 17 obra pela valorização do discurso estético, em que várias instâncias, das mais diversas, unem- se ao enredo principal do campeonato de futebol. O caneco de prata, portanto, é a obra que mais difere das demais da coleção pela sua estrutura, em que Marinho intercala no desenvolvimento do campeonato, que acontece linearmente, situações marcadas pelo nonsense, apresentadas em microcapítulos, num ritmo semelhante a flashes cinematográficos, como no capítulo 24, em que os fatos apresentados pelo narrador mostram-se sem sentido em relação ao que acontece antes e depois do episódio: A ARANHA ESTRABOSCÓPICA deu um pulo e comeu o mosquito. E assim termina a rapidíssima participação da ARANHA ESTRABOSCÓPICA nessa minha história. (MARINHO, 1971, cap.24) No capítulo 41, a narração é feita por meio de onomatopeias, contendo a intervenção direta do narrador ao demonstrar a sua euforia diante da cena mostrada: Vestiário do Três Bandeiras depois da partida barulho do chuveiro CHHH CHHH CH barulho do biquinha se ensaboando: COC vapor da água quente: FUIM FUIM FUIM eco das vozes no vestiário: Ô Ô Ô Ô Ô grito do godofredo: Passa o sabão! porta se abrindo: CRAC corrente de ar: ZUUUUUM ZUUUUUM grito do massagista: Olha a PORTA! arrepio na pele dos jogadores: PRRRRRRRRR porta batendo: PLAN metabolismo desintoxicante: UUUF UUUUUUF ainda os efeitos da corrente de ar: ATCHIM! uma piada: RA RA RA barulho da toalha sobre as costas: FLAP esconderam meu sapato: POXA! inveja da alegria sobre o massagista: como eu gostaria de ser criança e estar tomando banho nessa festa. REPÓRTER DE CAMPO: Posso entrar? resposta espirituosa: RA RA RA alguém disse: Meu pai está de carro, quem vai para o lado do Jardim América? cheiro gostoso de sabão no ar: MUF MUF MUF Como Machado de Assis no capítulo LV de Memórias póstumas de Brás Cubas, intitulado O velho diálogo de Adão e Eva, em que há apenas a pontuação, indicando o transcorrer da ação, Marinho presta uma homenagem a um dos grandes nomes da literatura 18 nacional brasileira, incorporando essa estrutura no texto infantil. O autor se vale dos recursos linguísticos para compor a narrativa, destacando a preocupação com o seu caráter estético. Do mesmo modo que a organização interna da obra assemelha-se à obra oswaldiana já mencionada, esse capítulo remete ao do escritor de Memórias de Póstumas de Brás Cubas. Marinho cria um universo literário em que as mais diversas produções humanas circulam em suas histórias, desde a mitologia grega com a sucuri que lembra à Fedra, passando por um frade descendente de Frére Jean, personagem de Rabelais até às músicas populares nacionais e propagandas, além das referências às personagens criadas por Monteiro Lobato como o Jeca Tatu, o doutor Caramujo e o Visconde de Sabugosa. Atualmente, a Turma do Gordo é composta por doze narrativas com a abordagem de temas dos mais variados como futebol, pedofilia, sequestros, tortura, consumo, cultura de massa, venda de sangue infantil, assassinatos, viagens espaciais, vampiros, sempre com um toque de humor, ironia, nonsense e crítica social. A postura adotada por Marinho não visa transmitir valores com cunho pedagógico ou moralista, mas o de promover a reflexão por meio do humor com situações do dia a dia comuns às crianças e atento aos acontecimentos do país e do mundo. Marinho aborda, em seus livros, as contradições comuns nas relações sociais e, sobretudo, a questão do avanço tecnológico e os relacionamentos humanos. À medida que a sociedade avança tecnologicamente, as relações humanas tornam-se mais superficiais e desiguais. No início do capítulo intitulado O direito à literatura, Antônio Candido (2004) analisa as contradições da sociedade humana em que o máximo da racionalidade não foi capaz de acabar com a barbárie tampouco acabar com as desigualdades sociais. Candido também observa que mesmo que a barbárie ainda exista, ela não é propalada como um êxito ou uma conquista como antigamente, sendo que a sociedade reconhece que deva ser algo a ser ocultado. Apesar dessa consciência, a violência e a desigualdade ainda existem por mais que o avanço tecnológico e científico tenha atingindo um patamar considerável na sociedade contemporânea. Nesse contexto, o autor reflete sobre os direitos humanos e na sua relatividade: será que reconheço como indispensável ao outro aquilo que considero para mim? Assim, Candido compreende a literatura como um direito inalienável do sujeito a qual ajuda a desenvolver características essenciais ao homem: [...] como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a 19 quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CANDIDO, 2004, p.180) Além do caráter humanizador da literatura, Candido também ressalta o papel do texto literário como instrumento de desmascaramento das contradições sociais existentes. Valendo de suas reflexões, é possível encontrar na obra de Marinho a postura crítica acerca do período histórico e dos comportamentos humanos. Em meio a uma sociedade marcada pela repressão política como a brasileira do início da década de 60, como valer-se do presente sem cair na barbárie? Como a literatura poderia despertar a reflexão nos leitores sem perder a sua especificidade? Para isso, o criador da Turma do Gordo, valeu-se do humor para desvelar esse mundo e promover o questionamento do status quo. Dentro desse contexto de inovação, Vera Maria Tietzmann Silva (1995), em Literatura infanto-juvenil: poesia e prosa, no capítulo "O suspense juvenil", afirma que Marinho é representante da vertente inovadora do gênero policial quando se refere ao universo infantil. Sobre o gênero, Silva (1995) afirma que as narrativas juvenis situam-se entre o terceiro tipo de romance policial, o de suspense, situada entre o romance de enigma e o negro, no qual a autora se vale da definição dada por Todorov (1970): Do romance de enigma ela conserva o mistério e as duas histórias, a do passado e a do presente; recusa-se a reduzir a segunda a uma simples detecção da verdade. Como no romance negro, é essa segunda história que toma aqui o lugar central. O leitor está interessado não só no que aconteceu, mas também no que acontecerá mais tarde, interroga-se tanto sobre o futuro quanto sobre o passado. Os dois tipos de interesse se acham, pois, aqui reunidos: existe a curiosidade de saber como explicam os acontecimentos já passados; e há também o suspense: que vai acontecer às personagens principais? Essas personagens gozavam de imunidade (...) no romance de enigma; aqui elas arriscam constantemente a vida. O mistério tem uma função diferente daquela que tinha no romance de enigma: é antes um ponto de partida, e o interesse principal vem da segunda história, a que se desenrola no presente. (TODOROV, 1970, p.102) Em Como e porque ler a literatura infantil brasileira, no capítulo intitulado "Detetives Mirins", Regina Zilberman (2005) ressalta a inovação na escolha da narrativa policial. A autora afirma que esse tipo de gênero exige um cuidado redobrado para o escritor de literatura infantil quando sua obra se destina aos leitores mirins: ele precisa relacionar ao universo da criança para prender a sua atenção e garantir que chegue até o fim. Diante desse impasse: 20 Marinho resolve a questão com maestria em O Gênio do Crime, logo no capítulo de abertura, o narrador enfatiza que uma “mania” tomara conta da criançada paulista: o “concurso das figurinhas de futebol”, que conquistou os meninos, levando-os a completar os álbuns a serem trocados por um jogo de camisetas do clube predileto do colecionador. O assunto, próprio à faixa etária visada pelo livro, captura de imediato a atenção, alimentada pelo acontecimento seguinte: os vencedores não recebem o premio, porque o fabricante das figurinhas não da conta dos pedidos; revoltados, os torcedores mirins depredam a fábrica promotora do concurso. (ZILBERMAN, 2005, p. 111) Em relação às narrativas policiais para crianças e jovens, Zilberman (2005) destaca ainda que as posturas adotadas nos livros de Marinho refletem os processos pelos quais passa a sociedade como a presença feminina nas histórias policiais, sendo as garotas policiais o que também se reflete em outras narrativas do período como as de Marcos Rey e Pedro Bandeira. Enfim, conclui: “O gênero policial que nasceu para divertir crianças e adolescentes leva-os igualmente a refletir sobre a sua condição e posição na sociedade, proporcionando leitura agradável, mas também conhecimento e reflexão.” (ZILBERMAN, 2005, p.126). A participação de Berenice na resolução dos crimes é destacada pelo autor desde a primeira obra, em que com sua inteligência descobre o disfarce do Gordo, além de valer-se da sua intuição. A trama construída por Marinho subverte os expedientes do gênero policial ao colocar crianças na resolução do problema, sendo que neste caso nem sempre o crime seja assassinatos, como em O gênio do crime, em que se busca encontrar a fábrica clandestina de figurinhas. As crianças se tornam peças fundamentais na investigação, sendo capazes de identificar pistas ignoradas pela polícia como em Berenice detetive, em que a garota que dá nome ao livro, suspeita de que a escritora, cuja morte será motivo de investigação, tenha sido assassinada. Em Ao longo do caminho, Laura Sandroni (2003) selecionou algumas resenhas suas publicadas no Jornal O Globo, nos anos de 1975 a 2002 no Caderno Família. Neste livro, as obras O Gênio do crime e Sangue fresco apareceram analisadas pela escritora. Na resenha escrita em 8 de Agosto de 1982, referente ao livro publicado naquele mesmo ano, Sangue fresco, Sandroni afirma: Outro aspecto marcante da obra de João Carlos Marinho é seu espírito crítico onipresente. Nada resiste à sua visão devastadora – para ele, nada é sagrado. A linguagem coloquial, eivada de gírias, remete constantemente a fatos, pessoas e locais conhecidos, especialmente do leitor paulista. Leitura que 21 prende, faz rir, leva à reflexão e mostra que João Carlos Marinho está de volta com força total. (SANDRONI, 2003, p.114) Nessa mesma obra, há outra resenha feita pela autora a respeito da reedição de O gênio do crime, que, a partir de 1986, passa a ser editado pela Global, com ilustrações do Estúdio Gepp e Maia. Destacando a questão da criatividade no universo literário infantil, a escritora destaca as reedições: Mas a produção literária para crianças e jovens comporta também muitas reedições. Entre elas, e talvez o título mais vezes reeditado de autor contemporâneo, O Gênio do crime, de João Carlos Marinho, em 32ª edição. Lançado em 1969, o sucesso imediato deveu-se principalmente a dois fatores que permanecem e marcam a obra: enredo rocambolesco em cima de um tema “quente” e uma linguagem coloquial e ágil. A notar-se ainda a influência assimilada de formas modernas de comunicação, como o cinema e os quadrinhos. Em O Gênio do crime ele desenvolve, com muito talento, uma trama recheada de suspense e aventura em torno da turma que colecionava figurinhas de futebol. Esta edição, da Global, é valorizada pelas ilustrações do Estúdio Gepp e Maia. (SANDRONI, 2003, p.201) Embora Sandroni destaque as ilustrações como um fato de valorização da obra, é possível identificar que as ilustrações trazem informações que discordam do texto. No primeiro capítulo, por exemplo, o narrador relata que o gordo estava com cola no polegar, mas na imagem mostra no dedo indicador. Embora se mantenha um projeto geral, percebe-se que há mudança de ilustrador quando se compara as imagens. Na obra Sangue fresco também é a mesma equipe que faz as ilustrações e apresenta a mesma situação como aponta Ceccantini (2000) ao analisar essa obra. Há variações no estilo das imagens e em determinadas situações, as ilustrações contradizem o texto verbal: “Um exemplo é o fato de o texto verbal reiterar que todas as crianças vivem no acampamento só de calção, sem camisa e sem sapato, e as ilustrações insistirem em representa-las vestidas e calçadas.” (p.139). Os teóricos apresentados concordam entre si sobre o caráter inovador da obra de Marinho e a sua participação na renovação da literatura infantil. Coelho (1991) apresenta opinião divergente em relação ao livro O caneco de prata quanto à recepção da obra pelo leitor jovem. O estilo de Marinho é marcado pelo ritmo vertiginoso e bem humorado das situações cotidianas de São Paulo, cenário principal de suas histórias. Além de que Marinho, na esteira da renovação da literatura infantil, produz um texto livre da preocupação pedagógica. Seus personagens possuem as mais variadas atitudes, muitas delas egoístas e 22 impulsivas, mas sem perder o bom humor que confere à obra uma visão crítica das atitudes e sentimentos humanos. Nota-se que a crítica às obras de Marinho são referentes às primeiras em que há detalhamento dos aspectos da narrativa como é possível identificar em Dicionário crítico da literatura infantil, Nelly Novaes Coelho apresenta de modo sucinto as últimas narrativas, não emitindo sua opinião crítica: Depois de algum tempo em silêncio, João Carlos Marinho reaparece com a mesma Turma do Gordo e uma nova linha novelesca, a da ficção científica: o Disco 1 – A viagem (1997) e o Disco 2 – A Catástrofe do Planeta Ebulidor (1998). Em 2001, volta à linha policial-satírica com nova aventura da Turma do Gordo: O Gordo contra os Pedófilos. Em 2005, Assassinato na literatura Infantil. Trama de crime e mistério, que começa com um concurso de literatura infantil, cujo resultado ia ser definido, quando o último jurado (que iria resolver o impasse) é morto com um tiro. A Turma do Gordo entra em ação para ajudar a polícia. P. 365 As últimas obras são analisadas em artigos apresentados em eventos científicos ou em jornais. Grande parte da crítica refere-se, portanto, às primeiras obras que conquistaram os leitores e a crítica. O estilo de Marinho é o mesmo em todas as narrativas, embora a quantidade de sangue tenha diminuído, pois longe das cabeças decapitadas e miolos estourando, em sua última obra, há apenas um fio de sangue escorrendo. Em artigo ao Jornal da Tarde, em 13 de Abril de 2001, Geraldo Galvão Ferraz comenta sobre o lançamento de O gordo contra os pedófilos em que mais uma vez Marinho usa uma situação real e preocupante que é a exploração infantil por meio da pornografia. Impróprio para menores? Contudo, familiarizados com a Internet e informados do que acontece, para eles pornografia e pedofilia é um dado da realidade, e Marinho trata do tema assim, com naturalidade e sensibilidade. O gordo contra os pedófilos pode ser visto até como um alerta para os jovens. (FERRAZ, 2001) Em meio aos horrores sofridos e diante da iminência da morte, Berenice elabora um plano, mostrando a naturalidade e sensibilidade referida por Ferraz nessa mesma obra: O cérebro da Berenice está desenvolvendo um plano um pouco sinistro, um pouco cruel, mas que se apresentava como a única solução possível. O plano era de escrever em um papel a descrição física do chefe, do Alicate e da mulher dele e fazer um pacto com a Denise, a Célia e a Maria. 23 O pacto seria assim: a primeira menina a ser mandada embora para morrer levaria o papel embaixo da roupa. A polícia descobriria o papel no corpo da primeira que fosse assassinada. [...] Se conseguisse executar esse plano, a próxima vítima seria a última e morreria com um consolo: a morte era certa mas desta vez não seria uma morte inútil. (MARINHO, 2001, p. 79) Embora as crianças sejam vítimas de adultos mal intencionados como no caso de Sangue fresco e nesta obra, são elas que investigam e descobrem os criminosos. Abordando um tema polêmico, Marinho o faz de forma bem humorada, mas sem perder a veia crítica. Meninas são sequestradas, drogadas e usadas para vídeos pornográficos que serão vendidos para a Europa. Em condições desumanas no cativeiro, as meninas adoecem: “Andaram pelo corredor, inspecionando todas as celas através do olho mágico. Em algumas celas o chefe se demorava mais. Numa das celas uma menina, estendida no chão, tossia sem parar e cuspia sangue. Baratas passavam por cima do corpo dela, indo e vindo.” (MARINHO, 2001, p.47). O fim de cada menina era o estrangulamento feito por um dos integrantes da quadrilha e o corpo abandonado em algum matagal da cidade de São Paulo. A descoberta do crime se dá pela dedução do Gordo, a partir da palavra flor pronunciada por Dorotéia, responsável por raptar as meninas, antes de morrer. As deduções do gordo levaram a turma a descobrir o cativeiro onde Berenice estava. Desconfiados do envolvimento de algum agente da delegacia, as crianças resolvem por si só encontrar o cativeiro onde Berenice está. Temas polêmicos presentes nas narrativas juvenis de João Carlos Marinho, artigo de Érica Antonia Caetano, apresentado durante 4º Colóquio de Estudos Linguísticos e Literários realizado na Universidade Estadual de Maringá (UEM), é um artigo que analisa as duas últimas obras de Marinho. Destaca o modo como são mostradas as cenas de violência em cada obra, inclusive, a abordagem de temas nas obras infanto-juvenis como a pedofilia e a morte. Temas como esses já foram abordados em outros autores infantis como Lygia Bojunga Nunes ao falar sobre a morte dos pais em Corda bamba (1979) ou tratar do tema do suicídio em O meu amigo pintor (1987). São assuntos que passaram a ser tratados entre os leitores mais jovens por fazerem parte do seu cotidiano, ainda mais quando a violência está presente em todos os lugares e temas até então não imaginados passam a compor as páginas da literatura infantil. Vera Teixeira de Aguiar, em A morte na literatura: da tradição ao mundo infantil (2010) afirma que: A literatura tem sido, através dos tempos, um dos modos de registro da experiência humana. Nesse sentido, tem fixado os sentimentos mais profundos por intermédio do depoimento do artista, que externa sua 24 inquietação diante das questões vitais como o amor, o ódio, a violência, a solidariedade, a amizade, a fé e a morte. (AGUIAR, 2010, p.23) Por mais que a literatura vá abordar temas presentes nas manchetes dos jornais ou dos telejornais, o modo como isso será feito requer uma abordagem diferente, pois contará com a sensibilidade do autor como fez Lygia Bojunga Nunes ou Marinho. Embora em estilos bem diferentes, ambos os escritores conseguiram abordar temas polêmicos com poeticidade, levando o leitor à reflexão e à compreensão do mundo e de si mesmo. Após esse levantamento, foi realizada uma pesquisa no banco de dados da CAPES e na Plataforma Lattes de dissertações e teses a respeito da obra de João Carlos Marinho, sendo encontrados apenas três trabalhos que abordam pelo menos uma obra de Marinho: duas dissertações de mestrado e uma tese de doutorado. Em "A construção do romance policial em O caso da estranha fotografia, Berenice detetive e Droga de Americana!", dissertação de mestrado apresentada por Adriana Pereira de Jesus, em 2008, ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em que faz uma análise comparativa entre a obra de Stella Carr, de João Carlos Marinho e de Pedro Bandeira, respectivamente. A primeira obra foi publicada em 1977, a de Marinho, em 1987 e a última, em 1999. A escolha dessas três obras se dá pelo ano de publicação, atingindo, portanto três décadas diferentes. O destaque é para os expedientes que compõem as três narrativas caracterizando-as como do gênero policial e a construção desse tipo de obra para o público infantil e juvenil. São analisados o crime, as vítimas e a investigação e como esses expedientes do gênero policial são construídos na literatura infanto-juvenil. Em "Violência e práxis na literatura infantil e juvenil: uma análise comparativista", dissertação de Tatiana Colla Argeiro, apresentada ao Programa de Pós-Graduação da USP, na área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, há o estudo da obra Sangue fresco, de João Carlos Marinho e Sofia, a desastrada e Meninas exemplares, ambos da escritora russa Condessa de Ségur e De mãos atadas, de Álvaro Cardoso Gomes. Respectivamente, as obras foram publicadas em 1982; 1856 e 1859; e a última em 2006. Na sua análise, a violência na obra de Marinho é marcada por um distanciamento do real, do cotidiano das crianças por não ser realizável. Situa a violência no maniqueísmo entre as forças opressoras de Ship O'Connors e das crianças. É possível perceber que a autora, ao analisar, Sangue fresco vale-se de vários fatos externos à obra para tentar justificar seu ponto de vista, sendo que o conteúdo do texto não dá margem a certas interpretações. Na conclusão, afirma: 25 "Como percebemos durante a análise deste livro, sua intenção é representar a violência não somente do período contextualizado, mas como instrumento de quebra de paradigmas, especialmente com a alusão aos guerrilheiros do Araguaia." (ARGEIRO, 2008, p.90). No corpo do texto, não é possível inferir à guerrilha do Araguaia, sendo este um dado referido por João Carlos Marinho para explicar como conseguiu dar um desfecho verossímil ao livro ao se valer do conhecimento de José Genoíno sobre como sobreviver na mata quando este guiava os militantes durante o conflito no Araguaia. O contexto histórico está presente na obra de Marinho, como é possível perceber nas demais narrativas da série, mas o texto em si não permite fazer esse tipo de inferência. Em sua tese de doutorado, intitulada "João Carlos Marinho e Pepetela: dois escritores em ponto de bala - o gênero policial em Berenice detetive e James Bunda, agente secreto", Luci Regina Chamlian quis identificar aspectos presentes nas duas obras que as classificassem como do gênero policial. Embora pertencentes a sistemas literários distintos, um sendo pertencente ao universo infanto-juvenil e o outro, ao adulto e também sendo autores de nacionalidades diferentes: Marinho é brasileiro e Pepetela, angolano, Chamlian justifica a abordagem dessas duas obras por possuírem semelhanças entre si a respeito do gênero policial. A investigação consistiu em analisar à luz das teorias sobre o gênero policial, aspectos que confirmassem ou não a inclusão dessas duas obras no gênero mencionado. A autora pôde concluir que Berenice detetive possui expedientes do romance policial. Quando se analisam as obras de Marinho, dois temas são comumente estudados: a violência e o gênero policial. A série é composta por algumas narrativas que tem como fio condutor a resolução de um crime em que envolve um assassinato como em Berenice detetive, Berenice contra o maníaco janeloso ou Assassinato na literatura infantil, mesmo aquelas cuja ênfase é a aventura, há sempre uma situação a ser resolvida seja numa vertente surrealista como em O caneco de prata ou de ficção científica em O disco I e O Disco II. É no gênero policial que Marinho se destaca como pode se confirmar nos prêmios ganhos com as obras Berenice detetive e Assassinato na literatura infantil, sendo O gênio do crime que projeta o escritor no cenário literário. Mesmo que Sangue fresco seja a obra mais premiada do autor, ele é sempre lembrado pelo gênero policial. É possível encontrar muita semelhança entre o modo de narrar de Lobato e Marinho: uso do falar brasileiro coloquial e familiar em equilíbrio com os clássicos da literatura mundial e nacional. Além da discussão de temas da contemporaneidade com as crianças, sem menosprezá-las ou julgá-las frágeis em relação a um mundo hostil. Em entrevista para O Estadão, em 29 de Abril de 2001, Marinho afirma que “Criança é forte pra burro” quando 26 questionado sobre o fato de abordar em O Gordo contra os pedófilos o tema da pornografia infantil numa obra para o público jovem. Mesmo envolvidas nas mais diversas situações adversas, as crianças conseguem resolvê-las e saírem delas com naturalidade. A violência sofrida ao longo das aventuras deixam traumas e Marinho a descreve de um modo exagerado, beirando o absurdo e o cômico como em Sangue fresco. Como nos livros policias infantis, a turma do Gordo sempre luta contra as ações dos adultos, assim: [...] o papel de vilão é sempre reservado a adultos. Assim, o desvendamento do mistério por um protagonista criança representa uma espécie de confronto entre o universo adulto e o infantil; e a vitória da criança sublinha sua argúcia frente ao mundo dos grandes, o que sem dúvida é gratificante para os leitores que se identificam com os heróis dessas histórias. (LAJOLO e ZILBERMAN, 1999, p.139) Desse modo, Marinho soube valer-se dos expedientes do gênero policial, das histórias de aventura e das influências de Monteiro Lobato, como a linguagem próxima à da criança e adotar uma postura ausente de preconceitos para atingir crianças e jovens. Muitos dos primeiros leitores de O gênio do crime, já adultos, ainda se encantam com a obra, como exemplo, a escritora Fanny Abramovich que relata sua experiência com as obras do autor em O estranho mundo que se mostra às crianças (1983): Ora, quando se fala de literatura – e se é boa! – é boa para qualquer idade... Eu mesma, acabei de ler O Caneco de Prata e O Gênio do Crime do João Carlos Marinho, saboreando o seu humor, a sua irreverência, com o mesmo olhar deliciado de qualquer jovem ao qual ele (teoricamente) se destina... (ABRAMOVICH, 1983, p.56) Com “altas doses de originalidade, de humor e sátira” é assim que Maria Antonieta Antunes Cunha (1998) caracteriza a obra de Marinho, no capítulo intitulado "Balanço dos anos 60/70", presente no livro 30 anos de literatura para crianças e jovens: algumas leituras. Sendo o humor um dos aspectos marcantes na produção de Marinho, foi abordada, no terceiro capítulo deste trabalho, a forma como ele se dá nas obras do autor. 27 2. COTEJO DAS EDIÇÕES Neste capítulo, foram analisadas as obras que compõem a Turma do Gordo, sendo organizadas por décadas. O gênio do crime e O caneco de prata foram colocadas juntas por serem as únicas obras da década de 60 e 70 do século passado. Segue a divisão: 1969-1971: O gênio do crime (1969) e O caneco de prata (1971); Década de 80: Sangue fresco (1982); O livro da Berenice (1984); Berenice detetive (1987); Década de 90: Berenice contra o maníaco janeloso (1990); Cascata de cuspe (1992); O conde Futreson (1994); O Disco (1996); A catástrofe do Planeta Ebulidor (1998); Década de 2000: O gordo contra os pedófilo (2001) e Assassinato na literatura infantil (2005). Desde 1986, seus livros passam a ser publicados pela Global Editora. Também publicou um livro pela Editora Moderna, Cascata de cuspe (1992), na Coleção Veredas e O disco (1996) pela Cia das Letras. Esses dois títulos também foram publicados pela Global Editora. A coleção criada por Marinho há mais de quatro décadas, era composta, inicialmente, por Edmundo, Pituca e Bolachão, aparecendo no final de O gênio do crime, a personagem Berenice. A partir das demais narrativas, a este grupo de crianças foram acrescentadas novas personagens infantis: Biquinha, Godofredo, Mariazinha, Silvia, Hugo Ciências e Zé Tavares. São crianças com idade entre nove e dez anos, como é possível perceber ao longo das histórias. Personagens adultos também foram incorporados à trama e mantidos ao longo das narrativas: Frade João, Professora Jandira, Mordomo Abreu, Doutor Paixão, Dona Belinha, Doutor Marcelo e Dona Celeste, pais do Gordo. Pancho, pastor alemão do Gordo, pode ser considerado um membro importante da turma, pois está sempre presente nas aventuras, auxiliando na busca devido ao seu faro refinado, resultado do treinamento feito pelo Bolachão e socorrendo o herói dos bandidos. Pancho veio substituir o Pirata morto durante a ação dos capangas de Ship O‟Connors em Sangue fresco. Foram comparadas a primeira e a última edição de cada livro, caso houvesse mais de uma, atentando-se para o projeto gráfico, mudança de editora, alteração no conteúdo do texto ou presença de paratextos. O caneco de prata é a obra de Marinho que mais passou por transformações tanto na parte gráfica quanto no seu conteúdo. Segundo o próprio autor, algumas mudanças ocorreram devido ao fato que alguns termos estavam muito abstratos como foi discutido no capítulo I. Devido a esta quantidade de alterações, foram analisadas três edições. No anexo A, consta um quadro com as obras analisadas em que são separadas por período, constando a assinatura adotada pelo autor e as mudanças de editora, como formato dos livros. 28 Segue o quadro com as obras que compõem as Aventuras da Turma do Gordo, de João Carlos Marinho e as editoras em que foram lançadas cada livro: Quadro 1: Editoras que publicaram livros de João Carlos Marinho de 1969 a 2005. No anexo B desta dissertação, estão identificadas as alterações no conteúdo das quatro primeiras obras da coleção como substituição de um termo ou expressão, síntese, supressão ou acréscimo de trechos. 2.1 O GÊNIO DO CRIME (1969) E O CANECO DE PRATA (1971) 2.1.1 O gênio do crime 5 João Carlos Marinho iniciou sua carreira como escritor na Editora Brasiliense, sendo que seu primeiro livro, O gênio do crime, já está na sua 65ª edição desde a sua primeira 4 O gênio do crime e O caneco de prata foram publicados juntos em um único volume pela Editora Círculo do Livro numa edição em capa dura. 5 Em 1973, O gênio do crime foi levado ao cinema com o nome de O Detetive Bolacha contra o Gênio do Crime, direção de Tito Teijido. O primeiro livro da coleção também foi traduzido para o espanhol, em 2006, com o título El genio del crimen. Obra Editora O gênio do crime (1969) Brasiliense Círculo do livro 4 Parma Ediouro Global O caneco de prata (1971) Obelisco Círculo do livro Global Sangue fresco (1982) Obelisco Global Global O livro da Berenice (1894) Parma Global Berenice detetive (1987) Global Berenice contra o maníaco janeloso (1990) Global Cascata de cuspe (1992) Moderna Global O conde Futreson (1994) Global O disco I: a viagem (1996) Cia das Letras Global O disco II: a catástrofe no planeta Ebulidor (1998) Global O gordo contra os pedófilos (2001) Global Assassinato na literatura infantil (2005) Global 29 publicação em 1969. A primeira edição de O gênio do crime foi publicada pela Editora Brasiliense na coleção "Jovens do mundo todo" organizada por Yolanda Cerquinho da Silva Prado. O gênio do crime é dividido em 40 capítulos, não nomeados, apenas numerados, esta obra se refere à descoberta do falsificador de figurinhas de futebol da fábrica do seu Tomé. Como há a falsificação, o dono da fábrica não consegue dar os prêmios a todos os ganhadores que preenchem seu álbum, visto que um cambista adquire qualquer tipo de figurinha, principalmente, as mais difíceis. Um dos ganhadores é Edmundo, que vai retirar seu prêmio: uma bola e um jogo completo de camisas do time que escolhesse. No entanto, devido à fraude, ele e outras crianças não conseguem receber os prêmios, e estas tentam depredar o prédio da fábrica, mas são impedidas por Edmundo. Seu Tomé pede ajuda a ele, mas os pais do menino não gostam da ideia de ver o filho envolvido numa investigação tão perigosa. Edmundo decide ajudar na descoberta do "gênio do crime" como fica conhecido o falsificador. Junto ao menino, mais dois amigos participam: Gordo e Pituca. As crianças passam a investigar o cambista que vendeu as figurinhas. O Gordo tem a brilhante ideia de seguir o vendedor pelo avesso e revirado, que permite que cheguem até a casa dele e ajude a desvendar o mistério. Há a contratação de um detetive escocês chamado Mister John Smith Peter Tony para ajudar na investigação. O detetive invicto, como é conhecido, por nunca ter falhado em uma investigação, conta com a ajuda de seu ajudante Jonas. As crianças e Mister John passam a competir para saber quem descobre primeiro o falsificador, colocando à prova o título de detetive invicto. O Gordo, por sua vez descobre o esconderijo do gênio do crime e o local onde fabrica as figurinhas, mas é preso pelos bandidos. O mistério já poderia parar por aqui, pois já se sabe onde é a fábrica, mas o suspense se mantém: será que o gordo conseguirá escapar dos bandidos? Negando-se a confessar como conseguiu encontrar a fábrica clandestina, o Gordo é torturado a fim de que conte: O peludão abriu a estante e pegou o alicate de ponta fina. _Arranque a unha dele – ordenou o chefe. Almeidinha segurou forte o gordo. Bolachão quis se livrar mas o grandão tinha mão de pilão e atarraxou o gordo na cadeira. Atlas enfiou o alicate na unha do gordo, a do dedão, apertou e foi puxando para cima. Dor assim o gordo nunca tinha sentido; a vista escureceu tudo e ele gritou: _Chega! Eu falo. (MARINHO, 2009, p.101) 30 O leitor acompanha o Gordo desde o momento em que este segue o homem que anota os pedidos de figurinha do filho do cambista até o instante em que conta como chegou ao gênio do crime. A narrativa passa a contar o que aconteceu nesse meio tempo, enquanto o Gordo saiu da escola em que se infiltrara para investigar o filho do cambista. O menino seria dissolvido numa banheira com ácido para não deixar nenhum vestígio, o corpo poderia até ser enterrado no terreno da fábrica, mas poderia ser descoberto posteriormente como diz o gênio do crime: _Nada de afoitezas Almeidinha. Costumo fazer as coisas perfeitas, sem deixar pistas. Vamos dissolver o gordo num banho de ácido para não deixar traço nenhum. A coisa mais difícil num assassinato não é matar, é esconder o defunto; por mais que se pique e se enterre sempre escapa um ossinho por aí. (MARINHO, 2006, p.90) Faltando pouco para o Gordo ser colocado na banheira, o Mister John chega ao esconderijo e consegue evitar que o Bolachão fosse morto pelos bandidos. Segue uma luta entre o detetive e os bandidos: Os grandões já vinham ferozes para cima do Mister, e vou te contar, luta como essa nunca teve e nuca terá: era soco, cabeçada, mordida, dentada, rasteira, cotovelada, joelhada, karatê, judoca, rabo de arraia, beliscão, barrigada, chave de perna, gravata fura-olho, pé de ouvido, upercute, sanduíche, unhada, pescoção, cama de gato, coice de mula, capoeira do pastinha, trança-pé, paulistinha e daí para mais. (MARINHO, 2009, p. 132) Após a briga com os capangas do anão, gênio do crime, o caso estava resolvido e o Bolachão salvo. Mister John se despede da turma e retira as letras DI, que significavam detetive invicto, de seu helicóptero, pois o Gordo descobrira a fábrica clandestina de figurinhas. O gênio do crime é a obra mais vendida de João Carlos Marinho, correspondendo à metade das vendas dos livros da série conforme informa o próprio escritor. O livro já teve uma versão de bolso pela Ediouro, na coleção Edijovem e pelo Círculo do livro, uma edição de capa dura em que foi publicado junto com O caneco de prata. Nesta edição em que as duas obras estão juntas, não há ilustração em O gênio do crime. Apenas é mencionado o nome do capista, José Geraldo Degasperi. Alguns trechos da obra passaram por alterações, como é mostrado na comparação entre a primeira e a última edição do livro. Para facilitar a visualização, as alterações foram 31 divididas em acréscimos feitos, supressões ou sínteses do enredo original e trocas de expressões ou colocação pronominal que está no anexo B deste trabalho. Comparando a primeira edição com a última de O gênio do crime, à nível estrutural da obra, esta se manteve com a mesma quantidade de capítulos. As alterações se dão no corpo texto como se pode observar no uso de expressões mais atuais: 1ª edição de O gênio do crime (1969) 60ª edição de O gênio do crime (2009) [...] sair por aí de pires na mão, ser chamado de caloteiro, o que que é. (p.16) [...] ser chamado de caloteiro, o que que é. (p.16) _Este ser Jonas, o minha auxiliar. Ter esse cara non parecer nada, mas Jonas ser fogo [...] (p.54) _Este ser Jonas, o minha auxiliar. Ter esse cara aí de inofensivo, mas Jonas ser eficientíssima [...] (p.59) Bolachão fez cara de bocó [...] (p.71) Bolachão fez cara de perturbado mental [...] (p.76) Bolachão chegou perto, de manso, para assuntar, mas tinha um garoto pulando o muro e o zelador foi lá dar um pito nele. (p.72) Bolachão aproximou-se cautelosamente para tentar ouvir algum pedaço, mas como um menino pulava o muro, o zelador afastou-se para repreendê-lo. (p.77) Quadro 2: Alterações nos termos ou expressões em O gênio do crime. Embora em algumas possa ter melhorado a compreensão para o leitor mais jovemcomo a substituição de “sair aí de pires na mão” por “ser chamado de caloteiro”, em outro houve a perda da expressão. Se a postura adotada pelo narrador visa uma linguagem mais coloquial, próxima do falar cotidiano, ao substituir uma gíria como “bocó” por “perturbardo mental” confere um status mais formal à narrativa. Há uma perda no fluxo narrativo próximo da oralidade e da linguagem infantil que é próprio do estilo de Marinho. Inclusive, houve a mudança para o uso dos pronomes conforme a norma padrão, até mesmo na fala das crianças como no exemplo seguinte. Na primeira edição, temos “_Sim, senhor, seu lambão! Por que não foi encontrar a gente na cidade hoje?”, já na última: “_Sim, senhor, seu lambão! Por que não foi encontrar-nos na cidade hoje?”. Ao longo da narrativa, é possível perceber essas alterações em que há a adequação ao discurso escolar, ainda mais quando o livro passa ser veiculado nessa instituição. 32 O próprio autor, na primeira edição, justifica o modo como escreve sua história, sobretudo, pelo estilo adotado, valendo-se para isso de exemplos de grandes autores brasileiros como Guimarães Rosa e Manuel Bandeira que também se valeram do coloquialismo, intitulando como Conversa com professores e adultos preocupados com o bom português 6 : Escrevi este livro para divertir adolescentes e meninos, sem nenhuma preocupação didática, mas a Coleção Jovens do Mundo Todo tem um convênio didático com escola secundárias e por causa disso achei bom dizer umas palavras para justificar o moderado informalismo gramatical que meu livro tem. Para muitos e muitos professores o que vou dizer não tem nada original porque o ensino de hoje vai indo para se libertar dos formalismos e se preocupa em estimular a criatividade do aluno, o que é certo e prático; há cada vez mais profissões em que espontaneidade de criação é fundamental e a obsessão de um purismo gramatical escolástico, além de fazer muito aluno escrever carta sem graça para a namorada, pode lhe tirar a oportunidade de bons empregos. Procuro um estilo que traduza a mobilidade e a autenticidade do pensamento brasileiro, escrevi uma história e não um relatório, e é pelo estilo que o escritor faz o enredo penetrar na sensibilidade do leitor – a formulação de frases tem de obedecer a uma intuição e a um ritmo de comunicação afetiva, sinão o que falamos bate na razão do leitor e fica congelado. (MARINHO, 1969, p.133) Esse respeito ao ritmo próprio da oralidade é limitado pelas alterações feitas, principalmente quando se há a preocupação do uso correto dos pronomes, remetendo-se a uma linguagem artificial dentro do estilo do livro. As mudanças ocorridas no projeto gráfico dos livros são justificáveis pela alteração de editora e pelo alinhamento ao mercado editorial. Nessa última edição, todos os livros da coleção, exceto O gordo contra os pedófilos, possuem o mesmo projeto de capa. Os livros passam do formato 14 x 21 para o de 15,5 x 23 o que melhora a disposição do texto na página e a sua visualização pelo leitor. A partir do momento que faz parte da Global Editora, todos os livros passam a ser editados seguindo o mesmo padrão gráfico, sendo o projeto de capa dessa última edição de Camila Mesquita. Na primeira edição, há na capa o destaque às principais personagens da história, o Bolacha, o Pituca, o Edmundo e o detetive Mister John, em que tem se a transcrição de uma de suas falas. Já na última versão, é possível perceber certo mistério numa mão que se apresenta ao leitor, mantendo o suspense no leitor. 6 O texto na íntegra está no anexo C deste trabalho. 33 Figura 1: Primeira edição de O gênio do crime (1969), capa e ilustrações de Alice Prado. Figura 2: Projeto de capa de Camila Mesquita e ilustrações de Mauricio Negro. 34 2.1.2 O caneco de prata Dois anos após publicar O gênio do crime, Marinho lança O caneco de prata, valendo- se de alguns personagens que apareceram anteriormente como Gordo, Berenice, Pituca e Edmundo. Assim, dava-se continuidade às aventuras da Turma do Gordo como passaria a ser chamada a série criada. Numa linguagem cinematográfica, flashes são apresentados ao leitor, além do fantástico que permeia obra e seu teor surrealista. As alterações ocorridas na obra são bem nítidas, sobretudo no subtítulo da obra em que “Epopeia dodecafônica” é substituída por “Literatura infantil” na sua segunda edição. Na última edição, pela Editora Global, todos os livros apresentam-se como Uma aventura da Turma do Gordo. Como mencionado no primeiro capítulo, esta obra de Marinho gerou algumas divergências em relação à estrutura da obra e ao público a quem se destina como apontou Nelly Novaes Coelho ao considerá-la exagerada e sem sentido para a criança: Como sabemos esse processo "funciona" muito bem com o espírito adulto, mas já não se pode dizer o mesmo em relação à mente imatura da meninada... E se for exagerado, como acontece neste O CANECO DE PRATA, falha totalmente; pois a mente infantil é muito mais dirigida pela fantasia, pelas relações "ilógicas" da realidade do que pela lógica convencional (resultante da completa adaptação do ser ao sistema cultura a que pertence). (COELHO, 1995, p.389) (Grifos da autora) O subtítulo já traz uma mistura de gêneros artísticos, a literatura e a música, e o desenrolar da história revela a aparente construção caótica da narrativa. A primeira edição contém 127 microcapítulos, apenas numerados, sendo que alguns, nem numeração apresentam. Também não há números de página, característica presente nas três obras analisadas neste trabalho. Além do desenrolar do campeonato de futebol, o leitor acompanha a troca de correspondências entre Berenice e a inglesa Jane, um marciano que gosta de morangos com chantilly e toma uísque, o juiz MM João Lambão que é internado em um hospício, o suicídio de um psicanalista que gostaria de aparecer na televisão, o esquadrão da morte engolido pelo leopardo verde. O Giovani é diretor da escola primária Garibaldi do Cambuci, fanático por futebol, tendo o time de futebol da escola ganhado o campeonato sete vezes: “Isto porque o professor Giovanni era diretor do Garibaldi do Cambuci” (Capítulo 4). Os alunos da escola Três Bandeiras, na qual o Gordo estuda, decidem que dessa vez irão conquistar o caneco de prata. 35 O leitor acompanha as etapas da competição por meio da tabela que vai sendo preenchida ao longo do livro. Em meio ao campeonato, o leitor acompanha o treino dos dois times. O professor Giovanni ao assistir os vídeo-tapes dos jogadores da Escola Três Bandeiras, fica preocupado, pois as crianças jogam bem, e planeja algo para prejudicá-las. Assim, contrata um alemão para colocar uma bomba bacteriológica na concentração do time adversário, que, às pressas, vê-se obrigado a escalar o time reserva: O Garibaldi do Cambuci iria enfrentar na final um adversário formado de desnutridos e intelectuais, primeiros da classe, pernetas, enfim, toda essa corja de imbecis que por uma neurose qualquer inexplicavelmente nunca jogaram bola na vida. (MARINHO, 1971, Capítulo 109). Diante da situação do time principal, Mariazinha e Berenice pedem ajuda ao Gordo, que, mesmo não gostando de futebol e ainda a Berenice namorando o capitão do time, decide ajudá-las. Para isso, conta com a ajuda de um equipamento tecnológico vindo dos Estados Unidos em que consegue controlar a trajetória da bola. A escola Três Bandeiras, com a ajuda da tecnologia, vence o campeonato e o professor Giovanni morre quando seu coração estoura de tanta raiva. Segue a imagem do último capítulo: De uma forma divertida e bem humorada, Marinho aborda situações do dia a dia da época de forma crítica. O Brasil, no ano anterior a publicação de O caneco de prata, ganha a Copa do Mundo de Futebol e o país comemora essa conquista. Além do mais, há uma ditadura instaurada e os direitos reprimidos pelo AI-5. O milagre econômico ameniza os conflitos ao mostrar um país do futuro. Inclusive, consta nas duas primeiras edições o seguinte trecho, suprimido na última edição: _Operário não entra em lanchonete – disse a Berenice. – Por que será que operário não gosta de lanchonete? _Eu acho que operário não gosta de cachorro quente com mostarda – disse o Biquinha. (MARINHO, 1971, Cap. 6) A observação de Berenice suscita uma reflexão acerca da economia no Brasil em que o “milagre econômico brasileiro” desvelava uma sociedade marcada pela desigualdade social, em que os da classe rica beneficiaram-se com as vantagens financeiras do período enquanto maior parte da população sofria com a inflação. Pensando nesse contexto, qual será o real motivo do operário não entrar em uma lanchonete? Será que suas condições de vida permitiam que ele vá a uma lanchonete, num ambiente de convívio social das classes mais ricas? Esse viés crítico tão comum à obra de Marinho, principalmente, em O caneco de prata, 36 perdeu um pouco esse peso quando suprimido esses trechos em que o autor de modo irônico desvela as contradições presentes na sociedade. Marinho retrata bem o ufanismo gerado pelo futebol numa paródia ao que o país vivera em 1970. O professor Giovanni só consegue pensar em futebol e na necessidade de ganhar mais uma vez o caneco de prata, a ponto de valer-se de artifícios para poder ganhar. Quando seu sonho é frustrado, seu coração não aguenta e explode. Perrotti (1986), ao analisar o discurso da obra de Marinho, afirma que “O caneco de prata é não só exemplo acabado, mas certamente, a mais radical tentativa de renovação de nossa literatura para crianças e jovens, no período: pela primeira vez a concepção representativa da literatura é efetivamente colocada em crise.” (PERROTTI, 1986, p. 84) Ainda, para tal autor, diferente de Nelly Novaes Coelho, o modo como a narrativa foi construída é que destaca a obra: Como se vê, a primeira vista, O caneco de prata poderia ser um livro comum, com um desenvolvimento simples, onde maniqueisticamente o mal é vencido pelo bem e é dada ao leitor uma lição sobre o comportamento moral que deve nortear seus passos. Todavia, o que poderia ser um exemplo acabado de discurso utilitário não o é, graças a intervenção de outras instâncias narrativas que se juntam ao eixo da disputa do campeonato, fazendo da obra em questão um marco decisivo do movimento que tenta abandonar o discurso utilitário, adotando o discurso estético. (PERROTTI, 1986, p. 85) O caneco de prata é a obra de Marinho que mais passou por alterações no conteúdo, com a supressão e acréscimo de capítulos. A primeira edição contém 127 microcapítulos dispostos em 126 páginas. Já na segunda, com a retirada de alguns, tem-se 104 capítulos distribuídos em 116 páginas e, na última edição pela Editora Global, há 99 capítulos num total de 112 páginas. Alguns capítulos, embora mantidos, foram modificados como a correspondência, que aparece ao longo da narrativa, entre a Jane, amiga inglesa, e a Berenice: 1ª edição (1971) 2ª edição (1973) ÚLTIMA CARTA DA INGLESINHA Nossa querida amiga Fumei muita maconha e porisso vomitei meu fígado e pulmão. O médico disse que eu só tenho quinze segundos de vida. É muito pouco não acha? ÚLTIMA CARTA DA INGLESINHA Nossa querida amiga Por exemplo, das Sinfonias de Beethoven, gosto da Heróica, a que ele ia dedicar a Napoleão e depois sofreu aquela desilusão. Eu não, continuo adorando Napoleão. Compre a Sonata Kreutzer; diz a lenda que 37 Bom, meus quinze segundos estão acabando. Tchau um homem ficou louco ao ouvi-la. Eu fiquei. De Chopin, o Opus Dez, e se você quiser comprar o Tríplice Concerto de Beethoven, procure a gravação do Walter Hendi no piano, John Corigliano no violino e Léonard Rose no celo. Nada de Paganini e seu melifluoso virtuosismo zingaresco. Quanto aos livros, comece pelas "Conféssions d'un Enfant du Siécle" de Musset. Como música de fundo, enquanto estiver namorando o Biquinha (back- gound-music) é inevitável que ponha o Concerto de Schumann para piano ou aquele de Mendelssohn para violino, não se fez coisa melhor até hoje para jovens enamorados. Aqui me despeço, para sempre JANE Quadro 3: Comparação entre a primeira e a segunda edição de O caneco de prata. Já na última edição, o conteúdo é totalmente reformulado: Querida Berê, Descobri o que é o Brasil, sim, é uma bomba de chocolate cheia de percevejo, colete camafeu e gorro lilás, subindo o barranco e buzinando muito. Adeus para sempre. Jane O conteúdo das correspondências foram as que mais sofreram alterações em seu sentido. Na carta presente na primeira edição, pode causar um choque pela naturalidade em que é narrada uma morte por overdose, ainda mais que o público é o infantil a quem a obra se destina. Também fica visível as escolhas feitas pelo autor para que a história pudesse ficar mais próxima do universo do leitor, por meio da adoção das palavras “bomba de chocolate”, “percevejo”, “colete”, “camafeu”, “gorro”. A organização da obra se manteve, sendo as alterações realizadas à nível de conteúdo. Assim como foi destacado a principal alteração nas cartas trocadas entre Berenice e a inglesa Jane, observa-se toda a referência ao que o movimento hippie representava no momento em relação ao mundo pelo Festival de Woodstock ocorrido em 1969. Na primeira edição, Jane é chamada de “inglesinha hippie” e há a perseguição das caravanas de hippies pelo esquadrão da morte. Essa influência começava a fazer parte do universo das crianças como a apontada por Berenice: “Pois ele me deu três discos do JIMI HENDRIX. Com as caixas acústicas novas que eu comprei fica uma coisa.” 38 No intuito de evidenciar o campeonato para melhor compreensão dos leitores, muito do viés crítico referente ao período se perdeu. O capítulo seguinte foi suprimido nas edições posteriores em que é possível perceber a referência ao consumismo no Dia das mães, que ocorre “nas vitrines comerciais”: Houve o dia das mães nas vitrines comerciais. O marciano andava peripatético pelas ruas ouvindo musiquinha de mãe e entrou numa saudade dinosaura da mãe dele azulzinha lá longe em Marte. Na esquina da rua São Bento com a Praça Patriarca o marciano chorou uma lágrima azul clara e gritou: _MAMÃE! (MARINHO, 1971, Cap. 33) É possível perceber as alterações nas próprias capas para tornar mais convidativa ao leitor. As duas primeiras capas mantém as mesmas cores utilizadas e, a princípio, não apresentam relação com o conteúdo da obra, o que para o público infanto-juvenil pode causar uma certa resistência, pois a capa é o primeiro contato do leitor com o livro. Ao analisar o projeto gráfico das capas de O caneco de prata, percebe-se que houve alterações significativas. A última capa, dentro de um projeto que compõem as edições recentes dos livros da Turma do Gordo, seguindo o mesmo padrão em todas as obras, mostra-se mais colorida e mais atrativa ao leitor mirim com elementos que fazem parte da narrativa. As ilustrações no interior do livro mantiveram a mesma organização, sendo alterado apenas o estilo devido à mudança de ilustrador. A disposição da numeração dos capítulos, como a falta de paginação mantiveram-se nas edições analisadas, em que o número dos capítulos aparece maior no canto superior direito da página e o texto, na parte inferior, havendo um equilíbrio. Relembrando que nesta pesquisa foram utilizadas apenas as três edições mencionadas para análise. 39 Figura 3: Capa e ilustração de Vera Ilce (1971). Figura 4: Capa de Roberto Barbosa e Norival Blasquez e ilustrações de Roberto Barbosa (1973). Figura 5: Capa da última edição, ilustrações de Érika Verzutti (2008). 40 2.2 DÉCADA DE 80: SANGUE FRESCO (1982), O LIVRO DA BERENICE (1984) E BERENICE DETETIVE (1987) 2.2.1 Sangue Fresco A história começa in media res. O leitor já é introduzido na narrativa com o rapto das crianças. Já no final do primeiro capítulo, o ambiente de mistério está formado: “A clareira, em toda a volta, tinha um limite: a floresta, verde-escuro, misteriosa, árvores de sessenta metros” (p.14). Ainda neste clima, no próximo capítulo tem o incidente com Ricardinho: este é engolido por uma sucuri, por desrespeitar as autoridades da Fresh Blood Corporation. No terceiro capítulo, o leitor é familiarizado à rotina do acampamento e aos procedimentos a serem tomados pelas crianças raptadas e a forma de extração de sangue. No quarto capítulo, há uma digressão para explicar a origem da Fresh Blood Corporation mencionada pelo holandês, Der Moltzer, durante o incidente com Ricardinho. Assim, é informado a origem humilde de Ship O‟Connors, a sua formação em Medicina e especialização em doenças de sangue e a abertura de seu consultório juntamente com seu sócio, Schsnels. Este descobre, em abril de 1978, que sangue de crianças na faixa etária de 9 a 11 anos tem alto poder curativo, apenas nessa idade. Ambicioso e na expectativa de ficar rico e famoso, sem hesitação, O‟Connors assassina Schsnels, que se recusou a obter benefícios com a descoberta. O local escolhido para formar seu curral é o Brasil pelas suas inúmeras vantagens: “[...] país imenso, onde a maioria do povo é pobre mas há em certos lugares gente rica, com filhos bem nutridos, como em São Paulo, e oferecendo localização perfeita para um curral escondido, nas desconhecidas florestas da Amazônia.” (MARINHO, 2006, p. 18). Após fundar a Fresh Blood Corporation com mais dois sócios, um alemão e um japonês. O sangue era levado para a Europa e de lá para o resto do mundo. Para evitar suspeitas, o médico norte- americano fundou bancos de sangue autorizados por lei, e o sangue exportado por navio era jogado fora. Assim, Ship O‟Connors pôde dar continuidade aos seus empreendimentos sem levantar suspeitas. Em março de 1980, o sequestro de crianças em São Paulo se inicia, sendo que, em poucos meses, mais de duas mil já haviam sido raptadas. Após esse flash back, a narrativa é conduzida linearmente até o seu desfecho em setembro de 1980. O narrador descreve a festa junina na casa do Gordo, em 29/06/1980. Durante esse festejo, Ship O‟Connors conhece o Gordo e fica maravilhado. A intuição de que o sangue dele é valioso, faz com que seus olhos brilhem e deseje sequestrá-lo. O seu instinto estava certo: o sangue do Gordo é valiosíssimo, um capital de 20 bilhões de dólares. 41 Após uma tentativa frustrada de sequestro, O‟Connors não desiste de seu intento de raptar o Gordo. Leva o seu capital de 20 bilhões de dólares mais os integrantes da turma para o curral na Amazônia. A história passa a se desenvolver na floresta amazônica. Sabendo do fim que as crianças que completassem 11 anos teriam (seriam jogadas no mar), o Gordo e sua turma planejam uma fuga. A primeira tentativa não dá certo, mas não desistem. Mesmo com poucos recursos, enveredam-se pela floresta. Enfim, como uma turma de crianças, moradora na capital paulistana, entre 9 a 10 anos sobreviveria em plena selva amazônica? Não apelando para o fantástico nem reduzindo a capacidade estratégica das crianças, Marinho vale-se de suas experiências para dar um desfecho mais verossímil. Assim, o conhecimento da vegetação permitiu que as crianças vencessem os mateiros enviados por Ship O‟Connors por meio do boliche amazônico ou impuca: _Aqui na floresta amazônica, como se vê, as raízes das árvores são levantadas, não entram na terra, porque a terra não é fértil; elas se alimentam da camada de folhagem. Por isso as árvores não estão bem fixas no solo, não tem sustentação. Quando uma árvore apodrece de velha cai, ela encosta nas outras, as outras não tem fixação e se forma um boliche amazônico, uma porção de árvores vão de imboléu. É a impuca. (MARINHO, 1982, p.131) Um dos aspectos que conferem originalidade à obra de Marinho apontado por Zilberman (2005) é o fato de que as soluções encontradas pela turma do Gordo se dão pelo uso da tecnologia, diferente das outras obras tradicionais, que tem a ajuda de um ser mágico. Em Sangue Fresco, sem nenhum recurso tecnológico, as crianças valeram do seu conhecimento para se livrarem dos criminosos, contando para isso com o Hugo Ciência e com o Gordo. Único material que dispunham era um machado, trazido pelo Gordo, com o qual constroem uma jangada para fugirem pelo rio. Enfim, encontram um acampamento de frades capuchinhos e com a ajuda de frade João e sua cruz de madeira, os capangas de Ship O‟Connors são derrotados. Frade João passa a fazer parte da turma, aparecendo nas demais histórias, inclusive Ship O‟Connors, que terá uma breve participação na obra seguinte O Livro de Berenice (1984). Para conhecer essa história, o leitor é conduzido por um narrador que se encontra fora da história, tendo momentos em que tece seus comentários e revela os pensamentos dos personagens. Há vários momentos em que o narrador aproxima-se do leitor, estabelecendo maior intimidade: “A nossa turma estava lá [...]” (p.27); “A expedição dos nossos heróis caminha pela floresta [...]” (p. 124). Há a emissão de comentários do narrador em alguns momentos da narrativa: “A zoada era uma loucura, só mesmo, estando lá para saber o barulho que fazem duas mil crianças 42 conversando em uma ambiente fechado” (p. 18); “Fogueira é coisa fascinante. A gente olha, demoradamente, em estado de graça.” (p.27); “[...] vejam o que é a formosura parelhada na inteligência” (p.42); “Era doloroso de assistir, alguns ainda não tinham morrido, estavam sem pele, gemendo. (p.153)”. Até os pensamentos de Ship O‟Connors é revelado pelo narrador: “[...] esqueceu que era uma bandido senvergonho e de sua cabeça começaram a sair pensamentos puros” (p.33). Um dos traços característicos da produção de Marinho e presente em Sangue Fresco é o exagero, por meio dele, as cenas de violência, principalmente, adquirem um efeito cômico, como nos trechos abaixo: [...] o Pirata [...] pulou no pescoço do chinês e deu uma tentada de tigre: separou o chinês em dois, a cabeça de Huang rolou na lona do Cataraman e o corpo descabeçado caiu no mar [...]. (p.52) Pulou miolo da cabeça de Teng que dava para fazer uma fritada completa. O chinês caiu no mar. (p.55) Ninguém queira saber o que é chulé de pé de Gordo, entranhado num tênis que levou suor de pé de Gordo [...] Edmund, Berenice, Pituca e Hugo Ciência taparam o nariz, saíram correndo, dois gambás desmaiaram, uma jaguatirica teve um troço. (p.155) Marinho refere-se às obras da literatura nacional e mundial. Muitas referências são dadas por meio da paródia, que para Hutcheon (1985, p.13), é “uma das formas mais importantes da moderna auto-reflexividade; é uma forma de discurso interartístico”, não sendo “apenas aquela imitação ridicularizadora”. Para que haja a compreensão do uso da paródia, é necessário que haja um conhecimento comum entre codificador e descodificador (HUTCHEON, 1985), em outras palavras, entre autor e leitor. A paródia só terá sentido, assim como a ironia, se o leitor conseguir identificá-la. Embora a falta de conhecimentos às obras parodiadas não comprometa o entendimento da história, caso o público leitor seja criança ou jovem, pois essas referências enriquecem esteticamente o texto literário, quando identificadas pelo leitor e potencializam o sentido do humor usado pelo autor. Há trechos em que Marinho cita apenas um personagem como o Jeca Tatu, de Monteiro Lobato ou Fedra, da mitologia grega; o estilo do livro de Mario de Andrade, Macunaíma, quando Berenice afirma que seu livro terá um fim “rapsódico e dramático”; à poesia de Olavo Bilac; a Skakespeare, inclusive a Bíblia, nas cenas do profeta no pedágio e de Frade João, respectivamente: _Nhé Nhé Nhé. Malditos pecadores, todos vocês preparem-se para o Último Pedágio, o Derradeiro Pedágio, o Pedágio Final. Tremam. Olhem para a arquitetura do Pedágio, muito branco, reluzindo ao sol, é o TEMPLO DO 43 FIM, é o buraco-pelo-qual-os-pecadores-serão-cobrados. O mundo acabou ontem. (MARINHO, 1982, p.44). _Pá Pá Pá – disse frade – Nem todos os bandidos do mundo me fariam adiar um bom almoço. Daí de comer a quem tem fome, dizem as Escrituras, eu sou homem de fé, obedeço o mandamento, cada vez que tenho fome eu dou- me de comer. (MARINHO, 1982, p.161) Além de citar a ascendência de Frade João, menção feita a Frère Jean, personagem de Rabelais, em Gargantua (2009), a descrição de como 180 capangas de Ship O‟Connors, armados com metralhadoras, foram derrotados pelo uso de uma enorme cruz de madeira é semelhante à feita pelo autor francês, quando a abadia em que Frère Jean morava era invadida e ele sozinho, matou várias pessoas. Mais uma vez o exagero traz comicidade ao fato: Frade João [...] macetou os ossos do cóccix dos sessenta, com tal força que os fez vomitar a coluna vertebral, osso por osso, vértebra por vértebra, para grande alegria os cachorros da missão que iam mordendo os ossos fresquinhos e mastigando o tutano. (MARINHO, 1982, p. 164) Quando Hugo Ciência recita os poemas de Olavo Bilac para Berenice pode namorar, a garota diz: “_Deixe de ser burro Hugo! – disse a Berê – Isso é poesia do tempo da vovozinha. Bota aí uma coisa moderna.” (MARINHO, 1982, p.80). o menino recita um poema modernista de Oswald de Andrade, remetendo-se ao período Modernista e não ao sentido contemporâneo enfatizado por Berenice. O autor também faz referência a sua própria obra. Referindo-se a sua segunda obra da coleção, O caneco de Prata, Berenice responde a respeito do seu “caso” com o Biquinha: “Foi no tempo do Caneco de Prata, fiquei deslumbrada um pouquinho, só foi isso, só isso” (MARINHO, 1982, p.70). Embora sejam crianças, as atitudes da turma do Gordo não são infantilizadas. Gordo chama de subliteratura o livro que Berenice quer publicar sobre as aventuras na Amazônia. Berenice não se preocupa de trocar de namorado quando quer, tampouco de falar de gravidez na infância, pois não se importa de “balançar a estrutura das mentalidades burguesas” quando se refere ao seu diário Paixão amazônica, com pseudônimo de Anástacia Palova. Ela já sabe quais são as características de um livro para que venda: “_A gente precisa de umas pitadas de imaginação na história – falou Berenice – Um pouco de sal, para agradar o povão; se a gente vai no tão-tá, o livro fica encalhado, não vende.” (MARINHO, 1982, p. 142). O criador da turma do Gordo brinca com as instituições e pessoas como no caso da professora Jandira, interesseira, mostrada de forma erotizada, e o professor de matemática que dá zero a um aluno por ciúmes. Na reunião para mandar um manifesto ao Presidente da 44 República referente aos sequestros, as mães acabam colocando seus interesses pessoais em primeiro plano. Embora o livro vá ser lido por pais e professores, João Carlos Marinho não mede palavras: “Vocês sabem, vocês já viram, reunião de pais e mestres, com duas mães presentes, ninguém aguenta, imagine aquela com quarenta mil - o desgraçado que inventou a Reunião de Pais e Mestres deu uma contribuição inestimável para a discórdia humana.” (MARINHO, 1982, p.61). As autoridades brasileiras são mostradas como ingênuas como a mídia nacional: “os jornais brasileiros se entusiasmaram, elogiavam Ship O‟ Connors, faziam entrevistas com ele, um jornal proclamou que Ship O‟Connors estava provando ao mundo que o sangue brasileiro era o melhor do mundo.” (MARINHO, 1982, p. 26). De forma bem humorada, Marinho faz essa crítica às ideias veiculadas pelas diferentes mídias e que na verdade não condizem com a realidade como no caso da exportação de sangue, em que Ship O‟Connors vale-se de uma empresa de fachada para poder extrair ilegalmente o sangue das crianças. Em relação ao projeto gráfico-editorial da obra, a última alteração é de 2006, em que adquire novo formato de 15,5x23, sendo o projeto de capa de Camila Mesquita e ilustrações de Alê Abreu. O livro contém seis ilustrações, que ocupam a página toda. A capa traz a vegetação da floresta amazônica e a entrada de luz entre as árvores. Nessa nova versão, o nome do ilustrador vem na capa no canto inferior esquerdo. O título e o nome do autor vêm escritos em uma folha, que lembra a de um bloco de notas e em fontes diferentes. Essa nova diagramação do livro é, visualmente, melhor pela disposição do texto na página. O subtítulo da primeira edição é suprimido nas versões da Global Editora, sendo incorporado na última versão da coleção, mas sofrendo uma alteração: de “Uma aventura de Bolachão na Amazônia”, passa para “Uma aventura da turma do Gordo”. Este estará presente em todas as obras da Turma do Gordo, após o título de cada livro. Essa alteração ocorreu nas demais obras e conferem ao conjunto de histórias o seu caráter de coleção ao acrescentar em todas “Uma aventura da turma do Gordo”. 45 Figura 6: Capa e ilustração de Roland Matos. Figura 7: Capa de Alê Abreu e ilustrações de Camila Mesquita (2006). 46 2.2.2 O livro da Berenice Esta narrativa é dividida em 21 capítulos mais um epílogo. Nesta aventura da Turma do Gordo, Berenice decide escrever um livro intitulado Ninguém faz a minha cabeça. Para isso conta com a ajuda da turma já conhecida pelo leitor que acompanha a série, mais a presença de Hugo Ciências que, após Sangue fresco, passa a compor a turma. Marinho aborda todo o processo de produção do livro, da criação à venda. No primeiro capítulo, temos a descrição da manhã do Gordo, assim que ele acorda com a mensagem em seu computador que dali a um mês é aniversário da Berenice. Sem esse lembrete, o Gordo se esqueceria do aniversário da namorada: “A Berenice ficava de mal quando o gordo esquecia o aniversário dela, e já tinh