ANA JÚLIA BORIM DE SOUZA INVESTIGAÇÃO DOS EFEITOS DA DISPONIBILIDADE HÍDRICA EM PARÂMENTROS FOTOSSINTÉTICOS E NO METABOLISMO ESPECIALIZADO DE “PATA-DE-VACA” Bauhinia ungulata NA ERA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS Bauru, SP 2020 2 ANA JÚLIA BORIM DE SOUZA INVESTIGAÇÃO DOS EFEITOS DA DISPONIBILIDADE HÍDRICA EM PARÂMENTROS FOTOSSINTÉTICOS E NO METABOLISMO ESPECIALIZADO DE “PATA-DE-VACA” Bauhinia ungulata NA ERA DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS Bauru, SP 2020 Dissertação apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, Bauru, para a obtenção do título de Mestre em Biociências (Área do Conhecimento: Aplicação da Diversidade Biológica). Orientador: Dr Luiz Leonardo Saldanha Co-Orientadora: Dr ª Anne Lígia Dokkedal 3 De Souza, Ana Júlia Borim. Investigação dos efeitos da disponibilidade hídrica em parâmetros fotossintéticos e no metabolismo especializado de “pata-de-vaca” Bauhinia ungulata na era das mudanças climáticas / Ana Júlia Borim de Souza, 2020 90 f.: il. Orientador: Luiz Leonardo Saldanha Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2020 1. Flavonoides. 2. Metabolômica. 3. Padronização. 4. Planta Medicinal. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. 4 5 Agradecimentos Ao Prof. Dr. Luiz Leonardo Saldanha, mais do que pela orientação, por se esforçar ao máximo para se fazer presente durante todo o meu mestrado, mesmo que a milhares de quilômetros de distância, por acreditar em mim e ter me ensinado tanto sobre algo completamente novo para mim. Tenho o maior carinho, respeito e admiração. À Profª Dra. Anne L. Dokkedal, que me aceitou em seu laboratório e grupo de pesquisa, e contribuiu diversas vezes na elaboração e execução desse trabalho. À Profª Dra. Inês Cechin, que me concedeu o uso da estufa agrícola, e independente de chuva ou sol, me acompanhou durante a realização de todo o experimento. Ao Dr. Luiz Alberto Colnago, e à Dra. Fernanda M. M. Ocampos que me auxiliaram e possibilitaram realizar as análises de RMN. E principalmente à Fernanda, que me ensinou muito, e se tornou uma grande inspiração para mim. Ao Jardim Botânico Municipal de Bauru, por me cederem as sementes e mudas de Bauhinia para possibilitar a execução desse trabalho. Aos colegas de laboratório, Fernanda, Beatriz, Matheus e Júlia pela constante colaboração, e por tornarem nossos dias de trabalho mais alegres. Ao Rafael Catoia, que me ajudou muito nas análises estatísticas, e pela paciência com as minhas constantes mudanças de opinião sobre a execução dos testes. Aos meus pais Júlio e Ana Paula, que me incentivam a correr atrás dos meus sonhos, independentemente de qualquer dificuldade, apoiam minhas decisões e me servem de exemplo. Eu amo muito vocês. A minha vó Ivone, que me recebia todos os dias em sua casa com muito amor e carinho. Ao André, que renunciou à minha presença diversas vezes, e me incentiva a seguir esse caminho que eu escolhi. 6 DE SOUZA, Ana Júlia Borim. Investigação dos efeitos da disponibilidade hídrica em parâmetros fotossintéticos e no metabolismo especializado de “pata-de- vaca” Bauhinia ungulata na era das mudanças climáticas. 2020. 90 f. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Biociências, Faculdade de Ciências, Bauru, 2020. Resumo Bauhinia ungulata L. (Fabaceae) é utilizada na medicina tradicional para o tratamento de diabetes, pela presença de flavonoides com potencial hipoglicemiante e esses metabólitos estão envolvidos na sobrevivência das plantas. Períodos de seca são limitantes da fotossíntese e interferem no metabolismo da planta, o que é preocupante dado à previsão de mudanças climáticas, e devem ser analisados sob o ponto de vista agronômico para garantir material vegetal com qualidade para produção de fármacos. Visando avaliar os impactos da variação da disponibilidade hídrica em plantas medicinais, este trabalho teve como objetivo avaliar parâmetros fotossintéticos e o metabolismo especializado de espécimes de B. ungulata submetidos a três diferentes períodos de irrigação: diária (Controle), com interrupções por sete dias (7D) e por quinze dias (15D) durante 90 dias. Amostras de folhas foram congeladas, liofilizadas e submetidas a extração com MeOH 70% em ultrassom. Numa primeira etapa foi realizada análise fitoquímica do extrato por RMN 1D e 2D e por cromatografia líquida de ultra eficiência acoplada a espectrômetro de massas de alta resolução (UHPLC-HRMS). A anotação dos compostos foi realizada por comparação de espectros disponíveis na plataforma Global Natural Products Social (GNPS) e organizados em uma rede de moléculas. Variações no metabolismo especializado foram investigadas por meio de análises em espectrômetro de Ressonância Magnética Nuclear (RMN) com abordagem metabolômica seguida de análise multivariada. Parâmetros fotossintéticos foram investigados in planta através da mensuração de trocas gasosas por meio de um analisador de gás infra-vermelho (IRGA). O estudo fitoquímico possibilitou a identificação de treze flavonoides derivados de quercetina, canferol, miricetina, isorhamnetina e datiscetina, além de 4,4’-dihidroxibibenzil e prolina. A análise dos parâmetros fotossintéticos mostrou que a variação da disponibilidade hídrica reduziu a condutância estomática, fotossíntese e transpiração nos grupos 7D e 15D em comparação com o grupo controle (p>0.05). A partir da análise multivariada, foi possível observar alterações nos espectros de RMN de 1H na região dos sinais 6 a 7 ppm, e na região 1,80-3,9 ppm atribuída à prolina, um aminoácido responsável por conferir proteção osmorreguladora em resposta a situações de seca severa. Esse aminoácido foi correlacionado positivamente ao grupo 15D, diferentemente dos sinais da região dos compostos fenólicos. Esses resultados mostram que a diminuição da disponibilidade hídrica induziu alterações nos parâmetros fotossintéticos, que reduzem a produção de matéria verde e compostos fenólicos de interesse medicinal em B. ungulata. Essas alterações têm impactos negativos tanto no fornecimento de material para produção de fármacos, quanto para a sua sobrevivência em condições previstas nos cenários das mudanças climáticas, que preveem maiores períodos de seca num futuro próximo. Entretanto, do ponto de vista agronômico, os resultados indicam que apenas uma irrigação por semana, por até 60 dias, não ocorre alterações significativas no acúmulo de biomassa e substâncias relevantes no ponto de vista medicinal. Palavras-chave: Flavonoides; Metabolômica; Padronização; Planta Medicinal. 7 DE SOUZA, Ana Júlia Borim. Literature on screen: Investigation of the effects of water availability on photosynthetic parameters and on the specialized metabolismo of “pata-de-vaca” Bauhinia ungulata under the climate changes. 2020. 90 p. Dissertation (Masters in bioscience). São Paulo State University (UNESP), School of Sciences, Bauru, 2020. Abstract Bauhinia ungulata L. (Fabaceae) is used in traditional medicine for the treatment of diabetes, due to the presence of flavonoids with hypoglycemic potential. Dry periods are limiting photosynthesis and interfere with plant metabolism, which is worrisome given the prediction of climate change, and should be analyzed from an agronomic point of view to ensure plant material with quality for the drugs production. In order to evaluate the impacts of the variation in water availability in medicinal plants, this study aimed to evaluate photosynthetic parameters and specialized metabolism of B. ungulata specimens submitted to three different periods of irrigation: daily (Control), with interruptions for seven days (7D) and for fifteen days (15D) for 90 days. Leaf samples were frozen, freeze-dried and extracted with 70% MeOH on ultrasound. In a first step, phytochemical analysis of the extract was performed by 1D and 2D NMR and by ultra efficiency liquid chromatography coupled to a high resolution mass spectrometer (UHPLC- HRMS). A molecular network (MN) was generated using the Global Natural Products Social Platform (GNPS) workflow. Compounds in the MN were annotated against the GNPS spectral database in level 2. Variations in specialized metabolism were investigated by nuclear magnetic resonance (NMR) spectrometer analyses with metabolomic approach followed by multivariate analysis. Photosynthetic parameters were investigated in planta by measuring gas exchange by means of an infra-red gas analyzer (IRGA). The phytochemical study allowed the identification of thirteen flavonoids derived from quercetin, canferol, myricetin, isorhamnetin and datiscetin, in addition to 4,4'- dihydroxybibenzand and proline. The analysis of photosynthetic parameters showed that the variation in water availability reduced stomatal conductance, photosynthesis and transpiration in the 7D and 15D groups compared to the control group (p>0.05). From the multivariate analysis, it was possible to observe changes in the 1H NMR spectra in the region of signals 6 to 7 ppm, and in the region 1.80-3.9 ppm attributed to proline, an amino acid responsible for conferring osmorregulatory protection in response to drought situations. This amino acid was positively correlated to the 15D group, differently from the signals of the phenolic compounds region. These results show that the decrease in water availability induced changes in photosynthetic parameters, which reduce the production of green matter and phenolic compounds of medicinal interest in B. ungulata. These changes have negative impacts on the supply of material for drug production and on plant survival under conditions predicted in climate change scenarios, which predict longer periods of drought in the near future. From the agronomic point of view, our results indicate that only one irrigation per week, for up to 60 days, dont cause significant changes in the accumulation of biomass and substances relevant from the medicinal point of view. Keywords: Flavonoids; Medicinal Plant; Metabolomics; Standardization. 8 Sumário 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 8 1.1 BAUHINIA UNGULATA L. ............................................................................................................ 11 1.2. FLAVONOIDES ................................................................................................................................. 15 1.3. MUDANÇAS CLIMÁTICAS ................................................................................................................. 16 1.4 EFEITOS DO DÉFICIT HÍDRICO .......................................................................................................... 17 1.5 ANÁLISE FITOQUÍMICA COM ABORDAGEM METABOLÔMICA ........................................................... 20 1.6. PRODUÇÃO AGRONÔMICA DE PLANTAS MEDICINAIS ...................................................................... 22 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................................................... 25 3 OBJETIVOS .............................................................................................................................. 28 3.1. OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................................................... 28 4. MATERIAL E MÉTODOS ......................................................................................................... 29 4.1. PROPAGAÇÃO E OBTENÇÃO DAS MUDAS DE BAUHINIA UNGULATA ............................................... 29 4.2. ACLIMATAÇÃO DAS PLANTAS EM ESTUFA AGRÍCOLA ..................................................................... 30 4.3. DESENHO EXPERIMENTAL PARA ESTUDO DE DISPONIBILIDADE HÍDRICA ....................................... 31 4.4. ANÁLISES DE PRODUÇÃO DE BIOMASSA, CONDUTÂNCIA ESTOMÁTICA E DE TROCAS GASOSAS ... 31 4.5. OBTENÇÃO DOS EXTRATOS ............................................................................................................ 32 4.6 ANÁLISE DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA NUCLEAR ........................................................................ 32 4.7 ANÁLISE UHPLC-ESI-HRMS ........................................................................................................ 33 4.8 PROCESSAMENTO DE DADOS OBTIDOS POR CROMATOGRAFIA LÍQUIDA DE ULTRA-EFICÊNCIA ACOPLADA A ESPECTROMETRIA DE MASSAS (UHPLC-HRMS) ........................................................... 34 4.9 ANÁLISE DE REDES DE MOLÉCULAS ............................................................................................... 35 4.10. ANÁLISES ESTATÍSTICAS .............................................................................................................. 35 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................................... 36 5.1. ANÁLISE FITOQUÍMICA DO EXTRATO DE BAUHINIA UNGULATA ....................................................... 37 5.1.1. Identificação de metabólitos majoritários por RMN ....................................................... 38 5.1.2. Análise do extrato por UHPLC-HRMS e desreplicação por rede de moléculas ......... 57 5.2. ANÁLISE DOS EFEITOS INDUZIDOS PELA VARIAÇÃO DA DISPONIBILIDADE HÍDRICA ....................... 62 5.2.1. Análise dos parâmetros fotossintéticos ............................................................................ 62 5.2.2. Estudo de metabolômica por RMN ................................................................................... 70 5.3 APLICAÇÃO AGRONÔMICA ............................................................................................................... 73 5.4 MUDANÇAS CLIMÁTICAS .................................................................................................................. 74 6. CONCLUSÃO ............................................................................................................................ 76 7. REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 78 8 1. INTRODUÇÃO Uma vez que o Brasil detém extensa e diversificada flora, concebendo aproximadamente um terço da biodiversidade do mundo, é interessante estudos fitoquímicos para exploração do ambiente e a descoberta de novos produtos naturais ativos (YUNES; PEDROSA; CECHINEL FILHO, 2001). A partir disso, há possibilidade de somar para o crescimento do país, uma vez que gera conhecimentos botânicos e químicos, e de matérias prima naturais e comercializáveis (BRAZ FILHO, 2010). A utilização de plantas como forma de tratamento contra inúmeras doenças vem ganhando cada vez mais espaço no mercado mundial, em que os fitoterápicos movimentam, aproximadamente, 60 bilhões de dólares anualmente (HAWKINS, 2008), com uma taxa de aumento de 15% ao ano no Brasil (CATI, 2017). Esta é também, a forma mais antiga utilizada para prevenções e curas de doenças, inicialmente na forma de chás e de emplastros. E com o avanço obtido ao longo dos anos, extratos vegetais têm o uso como matéria-prima, a fim de obter compostos ativos para o desenvolvimento racional de medicamentos ou de fitoterápicos em sua forma bruta ou fracionada (YUNES; PEDROSA; CECHINEL FILHO, 2001; NEWMAN; CRAGG, 2016). O espaço crescente adquirido pelos fitoterápicos pode ser explicado pela revalorização dos medicamentos naturais, uma vez que grande parte da população os consome por acreditar que são mais baratos, menos tóxicos, além de promoverem baixas ou nenhuma dependência no uso (CRAGG; NEWMAN; SNADER, 1997). Em alguns países industrializados, como Canadá, França, Itália e Alemanha, o uso de produtos da medicina natural atende de 70 a 90% de sua população, que opta por essa forma de tratamento sobre a denominação de complementar, alternativa ou não convencional (WHO, 2011). Essa tendência é explicada pela busca de opções naturais e adoção de estilos de vida saudáveis para prevenir e remediar doenças (BRASIL, 2012). E essa revalorização por plantas medicinais levou grandes companhias farmacêuticas a investirem em pesquisas que viabilizem o uso de extratos de plantas, uma vez que os compostos em mistura apresentam ação sinérgica e, 9 portanto, vantagens comparadas a uma substância pura, como por exemplo, a redução de efeitos colaterais (HOSTETTMAN; QUEIROZ; VIEIRA, 2003). A Organização Mundial da Saúde OMS (1998), define planta medicinal como sendo todos os vegetais que apresentarem, em um ou mais órgãos, substâncias com fins terapêuticos, ou percursores de fármacos semissintéticos. Sua transformação em fitoterápico ocorre a partir de estudos multidisciplinares, validação e padronização, e esse processo conta com pesquisas étnica, botânica, química e farmacológica (PEREIRA; CARDOSO, 2012). Comunidades tradicionais desempenham importante função para a etnofarmacologia, ao transmitir por séculos a tradição do consumo de plantas como forma de remediar ou prevenir doenças. Esses conhecimentos estimulam pesquisadores a iniciar suas investigações sobre o potencial medicinal e como garantir se há ou não uso seguro e eficaz dessas plantas (GOTTLIER; BORIN, 2003; BALBINO; DIAS, 2010). Na América do Sul, espécies de Bauhinia L. são exemplos de plantas utilizadas na medicina popular. Povos indígenas utilizavam chás de suas folhas como forma de remédios para diabetes, dores, inflamações ou infecções microbianas (GUPTA, 1995; CAVALCANTI; FAVORETO; LINK, 2005; MALI et al., 2007; CECHINEL FILHO, 2009). Porém, são poucas as espécies de plantas desse gênero que foram estudadas fitoquímica e farmacologicamente. Todavia, a partir dessas poucas variedades em questão é que se identificou compostos naturais de interesse, como lactonas, terpenoides, esteroides, taninos e principalmente os compostos fenólicos (SILVA; CECHINEL FILHO, 2002). Estudos farmacológicos confirmaram experimentalmente as atividades antioxidantes e hipoglicemiantes de algumas espécies de Bauhinia, e atribuíram essa atividade farmacológica aos compostos fenólicos, dentre eles os flavonoides (AHMED, et al, 2012). Um estudo com Bauhinia variegata L., demonstrou melhoria no metabolismo de carboidratos atribuído aos menores níveis de glicemia no sangue de camundongos diabéticos (PEPATO, et al., 1998). Em Bauhinia cheilantha (Bong.) Steud, foi comprovada atividade hipoglicemiante (ALMEIDA; 10 XAVIER; GUEDES, 1997), bem como em Bauhinia monandra Kurz. em estudos in vivo (MENEZES, et al., 2007). Estudos realizados com Bauhinia holophylla (Bong) Steud, identificaram diferentes cianoglicosídeos não-cianogênicos, dentre eles o composto litospermosídeo. Esse metabólito apresentou forte atividade hipoglicemiante observada por meio de testes de tolerância à glicose e avaliação da glicemia em camundongos diabéticos, quando comparado com Metformina® (SALDANHA, 2017; CAMAFORTE, et al., 2019). Bauhinia forficata L., é a espécie do gênero mais difundida na medicina tradicional considerada como a pata-de-vaca “verdadeira” por ser a espécie mais efetiva no tratamento do diabetes, segundo as comunidades, e com maior quantidade de trabalhos científicos publicados sobre suas propriedades. Além das atividades antifúngica e diurética (LUZ, et al., 1996), seu potencial hipoglicemiante tem sido muito pesquisado ao longo dos anos (JULIAN, 1929; RUSSO, et al., 1990; MARMITT; REMPEL, 2016), o que a tornou disponível no mercado farmacêutico para o tratamento de diabetes (SILVA; CECHINEL FILHO, 2002) e a colocou na lista de interesse do SUS (BRASIL, 2009). A partir dessas informações, é nítido que Bauhinia possui diversas espécies com potencial para descoberta de produtos naturais farmacologicamente ativos. No entanto, espécies do gênero carecem de estudos que viabilizem seu uso racional e sustentável (VAZ; TOZZI, 2003; FARAG, et al., 2015). Por isso, a investigação de espécies desse gênero, se faz extremamente importante, uma vez que já foi apresentado o seu potencial no controle de índices glicêmicos em geral. Os principais constituintes químicos identificados em B. forficata são flavonoides presentes em relativa abundância, sendo a kaempferitrina, descrita como o principal composto responsável pela atividade hipoglicemiante (MENDES; MACHADO; FALKENBERG, 2006; MARMITT; REMPEL, 2016). Outros flavonoides com atividade hipoglicemiante, são Canferol e Quercetina (COPP, 2003). Já identificados em Bauhinia ungulata L. anteriormente (GANIKO-DUTRA; SALDANHA; DOKKEDAL, 2018), essas substâncias presentes na folha podem, portanto, indicar que a espécie seja uma potencial planta medicinal com propriedades antidiabéticas. 11 Segundo Morais et al. (2005), B. ungulata é utilizada por índios Tapebas no Ceará, por causa da sua ação hipoglicemiante no tratamento do diabetes e para casos de diarreia (BIESKI, et al., 2012). Alguns trabalhos apontam a presença de diferentes flavonoides nas folhas de B. ungulata que apresentam uma ampla gama de atividades biológicas, incluindo ação antioxidante, anti- inflamatória, antitrombótica, antialérgica, além de conseguirem inibir enzimas relacionadas à tumurogênese, e induzir sistemas enzimáticos desintoxicantes (MIEAN; MOHAMED, 2001). 1.1 Bauhinia ungulata L. Bauhinia ungulata, também conhecida popularmente como “pata-de- vaca” ou “mororó”, é uma espécie nativa do Brasil, com distribuição geográfica centralizada principalmente nas regiões: Norte (Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins); Nordeste (Ceará, Maranhão e Piauí); Centro- Oeste (Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso); Sudeste (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo), e Sul (Paraná), com domínios fitogeográficos evidentes na Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica (VAZ, 2014). Apresenta-se como arbusto ou arvoreta, que pode variar de 2-6m de altura. Têm flores actinomorfas, noturnas, brancas e nectaríferas. Polinização noturna dada por morcegos, uma vez que florescem no período de seca (abril a agosto), sendo a única fonte de alimento para esses animais durante esses meses. Frutifica em julho a outubro, e é, portanto, uma angiosperma, cujos frutos, em forma de vagem, envolvem e protegem suas sementes, e esta é uma característica da família Fabaceae (ou Leguminosae), na qual é pertencente (DUTRA, et al., 2009). As folhas são unifoliadas, bilobadas (Figura 1), de tamanho aproximado de 1,2 a 3,3 por 2,2 a 5,8 cm, 9 a 11 nervuras, estípulas com 2 mm de comprimento, lanceoladas; folíolos divididos de um terço à metade, lobos subreniformes a elípticos, margem inteira, face abaxial purulenta, com tricomas glandulares, face adaxial glabra; nectário rudimentar. Inflorescência pseudoracemosa, pluriflora, terminal; cálice de 5 a 9,3 cm de comprimento, tubuloso, ferrugíneo, purulento externamente; corola 2,3 a 3,8 cm de 12 comprimento, pétalas brancas, linear-lanceoladas; estames heterodínamos com 3,8 a 6 cm de comprimento, filetes irregularmente unidos na base formando uma coluna, anteras de 0,8 a 1,2 cm de 40 comprimento; estaminódios ausentes; ovário com 1,5 cm de comprimento, estipitado, purulento, estilete com 3,3 cm de comprimento, glabro, estigma oblíquo, clavado. Legume planocompresso, 13 a 15,5 por 1,5 cm, apiculado, puberulento; 9 a 14 sementes, 1 por 0,5 cm, obviadas, esverdeadas (DUTRA; GARCIA; LIMA, 2008). Figura 1. Folhas bilobadas A) Face adaxial e B) Face abaxial de Bauhinia ungulata. A espécie B. ungulata foi escolhida para esse estudo por ser nativa e com ampla distribuição no Cerrado da região de Bauru (CAVASSAN; WEISER, 2015). Além disso, o gênero Bauhinia é similar tanto morfologicamente como fisiologicamente (VAZ; TOZZI, 2003), apresentando importantes metabólitos de interesse farmacológico, como os apresentado na já distribuída comercialmente B. forficata (SILVA; CECHINEL FILHO, 2002). Por fim, estudos recentes apontam a presença de diferentes flavonoides nas folhas de B. ungulata que apresentam ação antioxidante, anti-inflamatória, antitrombótica, antialérgica e hipoglicemiantes (Tabela 1). A B 13 Tabela 1. Flavonoides encontrados em Bauhinia ungulata. Composto Estrutura Referência Quercetina GANIKKO-DUTRA; SALDANHA; DOKKEDAL, 2018. DE SOUSA, et al., 2016. MAIA NETO, et al., 2008. PAULA, et al., 2014. Canferol GANIKKO-DUTRA; SALDANHA; DOKKEDAL, 2018. MAIA NETO, et al., 2008. PAULA, et al., 2014. Miricetina GANIKKO-DUTRA; SALDANHA; DOKKEDAL, 2018. Naringenina DE SOUSA, et al., 2016. Eriodictiol DE SOUSA, et al., 2016. Liquiritigenina DE SOUSA, et al., 2016. 14 Guibourtinidol DE SOUSA, et al., 2016. Fisetinidol DE SOUSA, et al., 2016. Avicularina MAIA NETO, et al., 2008. Quercitrina MAIA NETO, et al., 2008. Astilbina PAULA, et al., 2014. 15 Engelatina PAULA, et al., 2014. Afzelina PAULA, et al., 2014. 1.2. Flavonoides Estudos preliminares demonstraram a presença de diferentes flavonoides nas folhas de B. ungulata (Tabela 1). Esses compostos desempenham diversas funções nas plantas como pigmentos naturais com principal função na proteção contra danos produzidos por raios ultravioletas e visíveis, poluição ambiental e períodos de seca (MARTÍNEZ-FLÓREZ; et al., 2002). Além de proteção contra herbívoria e ataques patogênicos, atuam também como meio de atração de polinizadores, hormônios vegetais, e inibidores de enzimas (ZUNAZZI; MONTANHA, 2003). Os flavonoides, em sua maioria, apresentam um esqueleto estrutural formado pela presença de dois anéis aromáticos A e B, e um heterocíclico oxigenado, o anel C (WILHELM FILHO; DA SILVA; BOVERIS, 2001). Os átomos de carbono possuem numeração ordinária para o anel A, C e B, como é apresentado na Figura 2. 16 Figura 2. Estrutura molecular básica dos flavonoides. Portanto, a presença de flavonoides nas folhas de B. ungulata, favorece a ocorrência de manutenções nos seus sistemas, permitindo-as se estabelecer frente a estresses do ambiente, garantindo a sua sobrevivência e perpetuando sua espécie (HARBORNE; WILLIAMS, 2000). 1.3. Mudanças climáticas Correntemente, nas duas décadas que se passaram, o termo “mudanças climáticas” tem sido uma das mais importantes preocupações globais para pesquisadores e governantes (GUPTA, et al., 2019). Isso porque, as previsões das alterações climáticas para os anos a seguir têm apontado condições críticas devido ao aquecimento global, tais como aumento do nível do mar; alterações no regime de suprimento de água continental; tempestades de neve e de chuvas fortes e mais frequentes; além de forte e rápido ressecamento do solo devido a períodos secos mais intensos e longos (MARENGO, 2006). Tais mudanças tem impacto em diferentes níveis, como a saúde humana, umidade do ar, composição do solo, comunidades microbianas, plantas com seus componentes farmacologicamente ativos e segurança alimentar, florestas e biodiversidade, bem como o funcionamento de todo o ecossistema (LEPERTZ, et al., 2009). Fatores abióticos são importantes para o crescimento e desenvolvimento de plantas, e cada espécie precisa de condições ambientais especiais para o seu estabelecimento. Mudanças extremas nessas condições promovidas pelas 17 alterações climáticas, podem acarretar a extinção de uma espécie, ou estimular processos fisiológicos para enfrentar a adversidade ocasionada (ARBONA, et al., 2013). Estudos demonstraram a ação de metabólitos especializados na proteção contra estresses abióticos (MILLAR, et al., 2007). Já em situação de seca severa, condição prevista devido ao aquecimento global, é analisada em diversos trabalhos que demonstram no conteúdo de metabólitos especializados de plantas, como terpenoides, compostos fenólicos, alcaloides e outros, pode aumentar (KLEINWÄCHTER; SELMAR, 2014). No entanto, em condições de disponibilidade hídrica extremamente baixa, indaga-se sobre a existência de condições à todas as espécies em sobreviver nas novas situações em que estarão submetidas, e caso consigam se estabelecer, quais serão os ajustamentos que as permitirão a manutenção de seus processos fisiológicos. Por isso, entender as alterações metabólicas e bioquímicas induzidas pelo déficit hídrico causado pela variação na disponibilidade hídrica é essencial para avaliar como as plantas de interesse medicinal, responderão sob esse estresse, como isso influenciará em seu crescimento e desenvolvimento, e se essas respostas alterarão o teor de substâncias de interesse farmacológico com potencial prejuízo às propriedades medicinais. 1.4 Efeitos do déficit hídrico O estresse em plantas pode ser definido como qualquer alteração que ocorra durante o desenvolvimento, que atrapalhe a homeostasia do vegetal, e o faça recorrer a diferentes mecanismos de resistência que promovam a aclimatação. O déficit hídrico reduz a disponibilidade de água para os processos associados ao transporte de solutos, conduz mudanças nas concentrações de muitos metabólitos, além de ocasionar distúrbios nos hidratos de carbono, no metabolismo de aminoácidos, e até a destruição das membranas celulares (SANTOS; LIMA; MORGADO, 2010). Essa deficiente disponibilidade hídrica na planta, pode comprometer a germinação e seu estabelecimento (HARRIS, et al, 2002), promover a redução 18 da produção e o tamanho das folhas (NONAMI, 1998), dificultar a taxa de exportação de sacarose para órgãos superiores, e assim, afetar o desenvolvimento reprodutivo (FAROOQ, et al, 2009). A exposição de plantas a certos estresses ambientais, leva a geração de espécies reativas de oxigênio (ERO’s), como ânion superóxido (O2), radicais hidroxila (OH) e peróxido de hidrogênio (H2O2), o qual pode elevar a concentração de malonildialdeído, substância essa, caracterizada por ser produto secundário da lipoperoxidação (MUNNÉ-BOSCH; PENUELAS, 2003). As ERO’s podem reagir com proteínas e lipídios, causando danos oxidativos e prejudicando as funções normais das células (FOYER; FLETCHER, 2001). A planta responde ao estresse ocasionado pela seca, a partir do fechamento de estômatos, o que evita a perda de água por transpiração. Com isso, ocorre uma diminuição na difusão do CO2 para o mesófilo foliar, acarreta na redução da taxa fotossintética, e diminui o acúmulo de fotoassimilados, o que reduz a produtividade das culturas (SOUSA, R.; SOUSA, J., 2017). Uma das respostas para a manutenção da sobrevivência das plantas em ambientes secos, é o ajustamento osmótico, via o acúmulo ou compartilhamento de solutos, e a sinalização para demais áreas da planta repetir a ação de defesa (BRITO et al., 2008). Essa é a resposta mais comum dada pela planta frente ao estresse ocasionado pelo déficit hídrico, uma vez que a superprodução de diferentes tipos de solutos orgânicos como a prolina, glicinabetaína e ácidos orgânicos (SUBBARAO, et al, 2000), são compostos de baixo peso molecular e altamente solúveis, tornando-os não-tóxicos mesmo em altas concentrações (SERRAJ; SINCLAIR, 2002). Em situações de déficit hídrico, ocorre um aumento dos fitohormônios como o etileno e o ácido abscísico (NILSEN; ORCUTTE, 1996), que são sinalizadores dos mecanismos de indução do acúmulo de prolina (SADIQOV, et al, 2002). Esse aminoácido protege a planta através de ajuste osmótico, desintoxicação de espécies reativas de oxigênio, estabilização de membranas e estruturas de enzimas e proteínas (FAROOQ, et al, 2009). Devido à ampla distribuição da espécie B. ungulata, sugere-se que esta disponha de mecanismos fisiológicos e bioquímicos, baseados no acúmulo de 19 compostos, como os já mencionados osmorreguladores, sinalizadores de estresse, e polifenóis, que permite, sua ocorrência e sobrevivência sob condições de déficit hídrico (SANCHES; SILVA, 2013). Flavonoides são amplamente descritos como agentes redutores, sequestrantes de radicais livres, o que lhes permite proteger a parede celular da planta estressada, por exemplo, por altas temperaturas, grande incidência de raios UV, e também, a deficiência hídrica (TAIZ; ZEIGER, 2013). Selmar e Kleinwachter (2013), afirmam que as concentrações de metabólitos especializados aumentam expressivamente nas plantas em condições de seca, e também, afirmam que a combinação entre esse estresse, promovido pela deficiência hídrica, e o aumento no acúmulo desses metabólitos, provocam uma redução significativa no crescimento de várias espécies vegetais. Outro estudo realizado com capim-limão (Cymbopogon citratus DC) pertencente à Poaceae, em diferentes lâminas de irrigação sobre o efeito em seu rendimento e a composição de seu óleo essencial, permitiram confirmar que quanto maior o valor da lâmina de irrigação, menor o valor do rendimento do óleo, indicando que o déficit hídrico pode favorecer maior produção de óleo (PINTO et al., 2014). Segundo Aleman (2015), as técnicas de manejo de irrigação podem ser empregadas em diferentes culturas, dentre as quais se devem destacar o cultivo de plantas medicinais. Em virtude de existirem poucos estudos relacionados à demanda hídrica de plantas medicinais, torna-se importante quantificar essa disponibilidade, e determinar qual a linha tênue entre melhor produção de biomassa, e melhor produção de princípios ativos de interesse; além de garantir economia dos recursos hídricos disponíveis. Descobrir quais são as mudanças que ocorrem no perfil químico, e determinar como as estimular, permitirá auxiliar na domesticação e padronização da sua produção, e responderá a um dos requisitos para entrar na lista de fitoterápicos do SUS, onde a “Comissão de Seleção de Plantas” instituída pela Portaria Ceme nº 093, de 07 de dezembro de 1982, exige a partir do “Critério botânico-econômico”, que haja ampla distribuição geográfica, disponibilidade atual, facilidade de cultivo, produtividade e identificação botânica, fazendo necessário o investimento na área de desenvolvimento de técnicas de propagação de plantas medicinais em geral (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2006). 20 1.5 Análise fitoquímica com abordagem metabolômica Abordagens como a metabolômica vêm modificando a forma de análise fitoquímica de processos que envolvem sistemas biológicos. Também conhecidas como “omics”, tais abordagens fazem uso de tecnologias analíticas com eficiente resolução, e fornece conjuntos de dados complexos sobre determinado fenômeno biológico, que são processados, tratados e correlacionados por análises estatísticas multivariadas para identificação de substâncias de importância biológica (WOLFENDER, et al., 2009). Alguns dados demonstram que o metabolismo especializado das plantas sofre maior influência de fatores ambientais, do que variações genéticas, ou seja, o fenótipo está mais relacionado a um padrão do meio ambiente, do que à estruturas genéticas, onde o perfil de metabólitos está diretamente associado às condições do plantio (MATSUDA, et al., 2012). Estudos metabolômicos viabilizam analisar o fenótipo funcional de indivíduos, e fornece dados precisos, bem como, respostas fisiológicas a alterações bióticas e abióticas em diferentes níveis (FIELD, et al., 2011). A metabolômica, seguida de análise multivariada de dados, surge como uma ferramenta robusta para a análise de metabólitos especializados relevantes em sistemas biológicos (CANUTO et al., 2018). Vários estudos têm obtido sucesso na identificação de alterações metabólicas ocasionadas em plantas em resposta a diferentes tipos de estresse físico (luz UV, calor, desidratação etc.); químico (como fármacos e agrotóxicos) ou biológico (patógenos, entre outros) (FUNARI et al., 2013). Tradicionalmente as aquisições de dados em estudos de metabolômica têm sido realizadas por meio de técnicas analíticas como a cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) e ou gasosa (CG) acopladas a espectrômetro de massas, ou ainda por ressonância magnética nuclear (RMN) (ABDELNUR, 2017). O objetivo principal da metabolômica é detectar o maior número possível de metabólitos (quali- e quantitativamente) de uma amostra, o que pode fornecer uma imagem metabólica de um organismo vivo sob diferentes condições num determinado momento. Para viabilizar tal análise, é comum o uso de diferentes 21 plataformas para se obter uma ampla gama de substâncias de uma amostra (KIM; CHOI; VERPOORTE, 2010). A ressonância magnética nuclear (RMN) tem sido aplicada na ciência química das plantas, podendo ser utilizada para distinguir as diferentes condições impostas aos vegetais partir de análises de seu perfil químico. Apesar da baixa sensibilidade quando comparada com a espectrometria de massas, a análise por RMN possibilita a detecção simultânea e quantitativa de diversos grupos de metabólitos, já que seus sinais são proporcionais à concentração molar real de substâncias presentes no extrato. Outra vantagem da RMN é a possibilidade de elucidação estrutural sem a necessidade de fracionamento do extrato e do uso de padrões (KIM; CHOI; VERPOORTE, 2010). Já a espectrometria de massas (MS) é uma técnica que detecta a razão massa sobre a carga (m/z) de íons, gerados a partir de moléculas neutras ou carregadas em uma fonte de ionização, e para diversos tipos de substâncias passíveis de ionização, até mesmo voláteis, graças aos avanços nas fontes de ionização (ABDELNUR, 2017). Técnicas metabolômicas baseadas em MS oferecem excelente combinação de sensibilidade e seletividade, sendo uma plataforma indispensável para análises do perfil químico de plantas medicinais (LEI; HUHMAN; SUMMER, 2011). A parte das vantagens e desvantagens de cada técnica, estas plataformas geram um alto volume de dados muitas vezes complexos de difícil interpretação. Uma estratégia é o pré-tratamento desses dados e posterior avaliação através de análises multivariadas. Técnicas como regressão por mínimos quadrados parciais PLS (Partial Least Squares), regressão por componentes principais PCR (Principal Regression Components), além das técnicas de reconhecimento de padrões PCA (Principal Components Analysis) e aglomeração HCA (Hierarquical Cluster Analysis). Essas técnicas possibilitam a identificação de variáveis de importância biológica para determinado processo biológico (ARAÚJO, et al, 2006). A PCA é uma técnica útil para o reconhecimento de padrões, não supervisionada, que fornece informações sobre tendência a formação de grupos no conjunto de dados. A técnica reduz o número de variáveis presentes, de modo a expressar as informações relevantes contidas nas primeiras variáveis em um 22 menor número possíveis de variáveis, descrevendo as principais variações da matriz de dados (BRERETON, 2007). OPLS análise ortogonal discriminante por mínimos quadrados parciais, e é um método supervisionado e usado para discriminar duas ou mais componentes (TRYGG; WOLD, 2002). Uma vez identificadas as variáveis de importância, é necessária a identificação de sua estrutura química. Atualmente, uma das formas de identificação de substâncias é através da comparação de espectros de massas com bancos espectrais disponíveis on-line, que tem possibilitado a anotação massiva de compostos com alto grau de confiança. Após esta etapa, a plataforma online, Global Natural Products Social (GNPS), tem possibilitado a organização desses metabólitos, com base em íons comuns em seus espectros, em grupos de substâncias com similaridade estrutural por meio de redes moleculares (ALLARD, et al., 2016; KIM; CHOI; VERPOORTE, 2010; WOLFENDER, et al., 2019). 1.6. Produção agronômica de plantas medicinais O Brasil é o décimo mercado farmacêutico mundial, no entanto ainda importa cerca de 80% da matéria-prima utilizada na produção de fitoterápicos, tornando o país altamente dependentes do mercado externo para garantir o abastecimento. Isso prejudica o desenvolvimento tecnológico e científico para produção de fármacos, e encarece o preço do produto, dificultando a concorrência comercial de medicamentos (ADAME; JACCOUD, COBRA, 2005; COSTA, et al., 2014). Haja vista, há a necessidade de contínuo fornecimento da matéria-prima de qualidade para viabilizar o seu uso medicinal de maneira segura e eficaz, sendo necessário estudos que forneçam subsídio a diferentes maneiras de domesticação¸ tendo em vista sua sobrevivência, garantindo um menor número possível de sua extração do meio natural, evitando assim a extinção, e permitindo maior independência frente ao mercado externo (AMARAL et al., 2017). O extrativismo, além de não ser recomendável para a manutenção da planta, uma vez que os coletores responsáveis podem não possuir treinamento 23 sobre técnicas que permitam a rebrota, e também não terem conhecimento sobre as características diagnósticas da espécie a ser extraída, podendo levar a identificação da espécie errada (ALVEZ; SANTOS; AZEVEDO, 2012). Esse problema atinge as espécies de Bauhinia, já que possuem uma alta similaridade botânica (VAZ; TOZZI, 2003). Todas as espécies nomeadas popularmente como pata-de-vaca, apresentam folhas bifoliadas, nervura central com um único feixe e pecíolo caliculado com projeções laterais. Essa uniformidade morfológica de seus órgãos vegetativos, dificulta a distinção principalmente de amostras estéreis (COSTA-SILVA, et al., 2018). Em relação a composição química, estas espécies compartilham heterosídeos de flavonoides derivados principalmente de canferol e quercetina (CECHINEL, 2009; FARAG, et al, 2015). A alta similaridade morfológica das espécies de Bauhinia, resulta num grupo taxonômico de difícil identificação e a alta frequência de adulteração de seus fitoterápicos, por conta da identificação errônea das espécies, o que tem causado variação ou até mesmo ausência da atividade farmacológica esperada, como é destacada por diferentes estudos (VAZ; TOZZI, 2003; FERRERES et al., 2012; CAMAFORTE, et al., 2019). Altas concentrações de diferentes flavonoides são determinantes para explicar as atividades biológicas de Bauhinia (FERRERES, et al, 2012), como por exemplo, em B. forficata, cujo extrato foliar apresenta maiores concentrações de canferol e derivados, o que justifica sua atividade hipoglicemiante (PINHEIRO, et al., 2006). Por isso, ao estabelecer correta identificação da espécie, reproduzir e desenvolvê-las agronomicamente, atendendo suas necessidades, garante material final com segurança e alta qualidade (ALVEZ; SANTOS; AZEVEDO, 2012). Os metabólitos secundários, apresentam importante função na interação das plantas com o meio ambiente, uma vez que permitem sua sobrevivência frente a estresses bióticos e abióticos, permitindo que mantenham seu pleno desenvolvimento, até a fase de reprodução, que lhe habilite transmitir seus genes e manter sua espécie ativa ao longos dos anos (PEREIRA; CARDOSO, 2012). 24 Dado o papel específico dessas substâncias para a sobrevivência das plantas, Arimura e Maffei (2017), propõem que é mais pertinente a utilização do termo “especializados” ao invés de “secundários”. O estudo fenotípico da planta medicinal permite elaborar técnicas que auxiliem na sua reprodução, tanto no seu desenvolvimento vegetativo, garantindo um maior número de biomassa por planta, quanto no desenvolvimento de situações e ambientes, que potencialmente estimulem a produção de um maior número de metabólitos especializados aumentando a concentração do princípio ativo de interesse. São diversos os fatores que influenciam o conteúdo desses metabólitos, como por exemplo, sazonalidade, ritmo circadiano, desenvolvimento, temperatura, radiação ultravioleta, nutrientes, poluição atmosférica, altitude, indução por estímulos mecânicos ou ataques de patógenos, além de disponibilidade hídrica (GOBBO-NETO; LOPES, 2007). Uma etapa inicial importante à produção de qualquer planta medicinal em escala comercial, é pesquisar o seu comportamento a partir das características climáticas da região em que será inserida, aos tratos culturais e às condições biológicas que interferem em seu desenvolvimento de biomassa, e acúmulo de metabólitos especializados, para garantir a padronização de seu cultivo, uma vez que é possível reproduzir essas características estimulantes a produção de seus princípios ativos de interesse, sem diminuir seu crescimento de massa verde (SCHWERZ, 2013). Promover a produção agrícola de B. ungulata e plantas medicinais em geral, permite também, viabilizar a conservação das espécies, já que são plantas cada vez mais prejudicadas pelas mudanças climáticas, as quais tendem a mudar as características do meio ambiente em que estão inseridas, inviabilizando sua homeostasia, e até a sua continuidade (GUPTA, et al., 2019). Dado esse fator, é interessante também, analisar a capacidade das plantas em geral, frente aos fatores alterados pelas condições climáticas, a fim de predizer se há a possibilidade de sobrevivência delas em um futuro não tão distante. 25 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Desde a industrialização mundial, gases como CO2, CH4 e N2O, aumentaram de maneira exorbitante, preocupando muito a comunidade cientifica, uma vez que estes são os responsáveis por promover o aquecimento global (LEPERTZ, et al., 2009). Apesar de acordos para reduzir a emissão desses gases, o clima continuará a mudar por pelo menos as próximas centenas de anos, dado a inércia da circulação oceânica e os sistemas atmosféricos (IPCC, 2014). As projeções para futuro próximo e distante indicam mudanças na precipitação, aumentando os períodos de seca (SILVA; PAULA, 2009). O déficit hídrico tem sido bastante investigado na produção agrícola brasileira; são várias pesquisas que estudam respostas de diversas cultivares frente a baixa disponibilidade hídrica, bem como o trabalho de Zandalinas et al. (2017) que demonstrou alteração na produção de flavonoides em Citrus spp. que atuam como fotoprotetores e antioxidantes, com função de mitigar os efeitos nocivos do estresse; ou Gava et al (2018), que teve sua pesquisa focada em estresse hídrico e a produção de soja, e demonstrou que a resposta da cultura à irrigação está relacionada principalmente às características genéticas de cada cultivar. Porto, Klar e Vasconcellos (1998), que estudaram o efeito do déficit hídrico no sorgo, o qual apresentou resultados a variação no status de água na folha observado através do potencial e do teor relativo de água nas folhas. Isso pode ser utilizado para indicar o momento de irrigar, e ainda indicar as plantas ou cultivares de sorgo que mostram maior tolerância à seca. Em contrapartida, muitas plantas nativas com potencial medicinal recém comprovado experimentalmente, como B. ungulata, não apresentam estudos frente aos fatores abióticos que podem alterar a produção de substâncias de interesse bem como viabilidade de produção de biomassa para produção de fitoterápicos, ou suas adaptações frente a baixa disponibilidade hídrica prevista. Observa-se que plantas medicinais com uso popular, encontra-se próximo ao estado silvestre, submetidas a diversas condições ambientais, e as informações sobre o impacto destes fatores na produção de metabólitos especializados 26 provém principalmente de esforços de pesquisa para aumentar a produção de princípios ativos de espécies medicinais aromáticas (MORAIS, 2009). As possíveis variações de solo e clima nos ambientes onde espécies de interesse ocorrem, demostram dificuldades na padronização de extratos vegetais para o uso seguro, já que o metabolismo vegetal tem grande influência pela variação de nutrientes no solo e pelo clima, como mostrado por Saldanha (2017), em seu estudo com espécimes de Myrcia bela, (Myrtaceae) localizados em diferentes regiões de Cerrado no Brasil. As propriedades do solo têm grande influência no conteúdo de taninos e flavonoides nas populações de M. bela em diferentes regiões. Por isso, o estudo agronômico em condições controladas pode garantir novos conhecimentos para viabilizar padronizações na produção de plantas medicinais, e também pode permitir um maior número de opções para o pequeno e médio produtor garantir sua renda, e assegurar a qualidade nos extratos a partir destas plantas, e pode até ser disponibilizado a indústrias farmacêuticas que trabalham com os metabólitos de interesse medicinal (ALVEZ; SANTOS; AZEVEDO, 2012). O estudo agronômico se faz importante principalmente para o grupo Bauhinia, onde a similaridade morfológica, discutida anteriormente, pode levar a erros na identificação das espécies e gerar adulteração e variação do conteúdo de metabólitos e prejudicar a atividade medicinal (COSTA-SILVA, et al., 2018). Os flavonoides são importantes compostos por serem capazes de afetar vários sistemas enzimáticos e funções biológicas dos mamíferos, sendo a capacidade antioxidante uma das ações mais estudadas desses compostos. Isso, porque são substâncias capazes de retardar as reações de degradação oxidativa, a qual é ocasionada pelo próprio metabolismo humano, e formar naturalmente espécies reativas ao oxigênio (ERO’s), ou também chamados, radicais livres (BARREIROS; DAVID, 2006). O excesso de radicais livres no organismo tem ação deletéria, uma vez que consegue alterar as estruturas celulares quando ligadas às mesmas, e, possui vida longa, e potencial para atravessar membranas das células, apresentando elevada toxicidade (BARBOSA, et al., 2010). Estes excedentes podem ser impedidos pelos flavonoides, uma vez que realiza o sequestro direto 27 de espécies reativas de oxigênio (ROS) ao doar átomos de hidrogênio, ativa enzimas antioxidantes, retira substâncias, como o cobre e o ferro, ou algumas enzimas responsáveis por ativar esses radicais, entre outras atividades que diminuam ou impeçam essa oxidação (AMIC, et al., 2014). Estudos que avaliem a produção e acúmulo de substâncias de interesse medicinal são importantes para elaboração de estratégias de conservação para garantir a produção contínua da planta (SCHWERZ, 2013). As ciências “ômicas” buscam o entendimento do funcionamento celular dos organismos e suas alterações biológicas, e a metabolômica trata-se, portanto, do estudo das alterações dos metabólitos (CANUTO, et al., 2018). Os metabólitos gerais são produtos do metabolismo, encontrado na maioria dos sistemas vivos e essenciais ao crescimento e a vida. Metabólitos secundários (especializados), também são produtos com função na diferenciação de grupos taxonômicos restritos, e biossintetizados a partir de um ou mais metabólitos gerais, não correlacionados ao crescimento do organismo (VERPOORTE, 2000). Metabolismo consiste em toda a matéria e energia em organismos que permite os considerar fisicamente como seres-vivos. São associados a outras definições da “vida”, como organização, emergência, autonomia, crescimento, desenvolvimento, reprodução, adaptação, capacidade de respostas e até evolução (BODEN, 1999). O conjunto de todos os metabólitos de baixa massa molecular, presentes ou alterados em um sistema biológico é chamado de metaboloma. Pesquisas relacionadas a metabólitos, que é definida como metabonômica, consiste na medida quantitativa da resposta metabólica de um sistema biológico após estímulos fisiopatológicos ou modificações genéticas (OLIVER, et al., 1998). Já a metabolômica é a análise abrangente e quantitativa do metaboloma de um sistema biológico (FIEHN, 2001). Monitorar as reações de um organismo sob diferentes estresses abióticos, como situações de déficit hídrico, permitirá criar situações ou espaços que garantam sua sobrevivência e alta produção, tanto de biomassa, quanto de metabólitos especializados (PORFIRIO et al, 2014). 28 3 OBJETIVOS Investigar os efeitos induzidos pela variação da disponibilidade de água nos parâmetros fotossintéticos e no metabolismo especializado de B. ungulata, e demonstrar se haverá impacto em seu cultivo e sua sobrevivência em períodos secos promovidos pelas mudanças climáticas 3.1. Objetivos específicos Para isso, espécimes de B. ungulata foram submetidas a diferentes períodos de irrigação, e os seguintes parâmetros foram analisados: Trocas gasosas e biomassa seca; Perfil fitoquímico do extrato foliar por UHPLC-HRMS2 e RMN; Análise metabolômica por RMN. 29 4. MATERIAL E MÉTODOS 4.1. Propagação e obtenção das mudas de Bauhinia ungulata Os espécimes de B. ungulata foram obtidos por meio de propagação de sementes coletadas em agosto/2015, de árvores matrizes localizadas no Jardim Botânico Municipal de Bauru (JBB) às margens da Rodovia Comandante João R. de Barros – SP 225 (22°20’30’’ S e 49°00’30’’ W). As sementes foram propagadas em setembro de 2015 após tratamento com ácido sulfúrico (H2SO4 concentrado a 98%) por um período de cinco minutos, e em seguida rinçadas em água (Figura 3). Figura 3. Sementes de Bauhinia ungulata A) mergulhadas em ácido sulfúrico para quebra de dormência, B) à esquerda antes do beneficiamento e à direita após o beneficiamento para estimular a germinação (2017). Posteriormente, as sementes foram dispostas em bandejas com substrato estéril (Figura 4), e permaneceram alocadas em casa de vegetação semicoberta, recebendo irrigação três vezes ao dia, além da aplicação de fertilizantes NPK (10:10:10) e calda bordalesa, mensalmente, visando promover seu pleno crescimento e prevenir possíveis ataques de patógenos até a data do experimento. 30 Figura 4. Sementes de Bauhinia ungulata dispostas em bandeja para propagação (2017). 4.2. Aclimatação das plantas em estufa agrícola Assim que as mudas completaram três anos de idade, foram acondicionadas em vasos de 8 L, com substrato “Carolina” composto por turfa, vermiculita, resíduo orgânico agroindustrial classe A e calcário. Foram aclimatadas por 30 dias, além de mantidas durante todo o experimento em estufa agrícola Van der Hoeven, em parceria com a professora Dra. Inês Cechin, localizada na Faculdade de Ciências, Bauru, São Paulo, Brasil (22°21’28’’ S, 49°01’37’’ W) (Figura 5). Figura 5. Mudas de B. ungulata com mesmo período fisiológico, alocadas na estufa agrícola Van der Hoeven (2018). 31 A irrigação foi controlada por gotejamento sob fotoperíodo natural de outubro a dezembro de 2018, sendo a radiação fotossintética ativa dentro da casa de vegetação igual a 70% das condições à céu aberto. A variação da temperatura dentro da estufa foi controlada com sistema de ventilação e monitorada por um termômetro. As temperaturas obtidas durante o experimento foram médias máximas de 30,7°C e as médias mínimas de 22,0 °C. 4.3. Desenho experimental para estudo de disponibilidade hídrica As plantas foram divididas em três grupos experimentais, de modo casual com irrigação controlada, e descrita abaixo: Irrigação contínua (Grupo Controle); Irrigação interrompida por sete dias (Grupo 7D); Irrigação interrompida por quinze dias (Grupo 15D). As avaliações de trocas gasosas in planta e coletas de amostras de folhas para análise metabolômica foram realizadas com três repetições por tratamento por coleta (n=3), a cada quinze dias ao longo de três meses, num total de seis coletas (SANCHES; SILVA, 2013). A irrigação nos grupos 7D e 15D eram retomadas por 24 h após a coleta de folhas e análises de parâmetros fotossintéticos. 4.4. Análises de produção de biomassa, condutância estomática e de trocas gasosas A produção de biomassa, foi avaliada através da massa de matéria seca das folhas (MSF). As folhas coletadas foram congeladas em -80°C e posteriormente secas a frio por meio de liofilização. A massa obtida foi apresentada em g planta-1. As análises de trocas gasosas foram realizadas utilizando um Analisador de Gás Infravermelho (IRGA), modelo LCpro (ADC, Hoddesdon, UK). Os dados de condutâncias estomática (gs) foram apresentados em mol m-2 s-1, taxa de assimilação de CO2 (A) em μmol m-² s-¹, os de transpiração (E) em mmol de H2O 32 m-² s-¹, e os da concentração de CO2 na cavidade subestomática (Ci) em mol m- 2 s-1. A eficiência instantânea do uso da água (EUA) foi calculada a partir dos dados de trocas gasosas (A/E) e é dada pela função (μmol m-² s-¹) (mmol H2O m- ² s-¹)-¹. As mensurações foram feitas entre 8 e 10 horas da manhã, dentro da estufa agrícola, sob luz natural e temperatura ambiente, com pressão parcial de dióxido de carbono e pressão do vapor de água do ar de 1000 μmol m-² s-¹, e as folhas foram mantidas sob esse valor até que estado estacionário fosse alcançado. 4.5. Obtenção dos extratos Após a coleta das folhas, o material vegetal foi imediatamente armazenado em freezer a -80°C e seco a frio por meio de liofiização. Após completa secagem, o material vegetal foi triturado em moinho de facas e uma alíquota de 50 mg foi separada. A extração foi realizada em ultrassom por 20 minutos utilizando 1,5 ml de metanol e água deuterados (CD3OD:D2O) na proporção 7:3 (v/v). Em seguida os tubos foram centrifugados a 6585,6 g por 20 minutos, o sobrenadante coletado e eluído em cartucho de extração em fase sólida C-18 (SPE) (500 mg/3mL), para remoção de substâncias lipofílicas. Uma alíquota de 600 μL dos extratos obtidos foram depositados em tubos de 5 mm para posterior análise em espectrômetro de ressonância magnética nuclear (RMN) (KIM; CHOI; VERPOORTE, 2010). 4.6 Análise de Ressonância Magnética Nuclear As análises de Ressonância Magnética Nuclear (RMN) foram realizadas na Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias - EMBRAPA Instrumentação, localizada em São Carlos, SP, sob a responsabilidade do Professor Dr. Luiz Alberto Colnago. Os extratos foram analisados em espectrômetro AVANCE III HD 600, operando a 14,1 T, observando os núcleos de 1H e 13C a 600,13 e 150.90 MHz respectivamente, de detecção multinuclear 33 de 5mm com gradiente z. Todos os deslocamentos químicos foram observados em relação ao sinal do tetrametilsilano (TMS), em 0,00 ppm, como referência interna. Os espectros de 1H foram adquiridos com uma janela espectral de ~20 ppm, 32 k pontos, utilizando a sequência de pulsos Bruker noesygppr1d, para eliminação do sinal da água. Os preenchidos com zeros para 64 k pontos e ampliação da linha exponencial de 0,3 Hz foi aplicada. Após a transformada de Fourier, a fase e a linha de base foram ajustadas. Os mapas de correlação heteronuclear 1H-13C a uma ligação (HSQC) e a longa distância (HMBC) foram otimizados para uma média de constantes de acoplamento 1J(H,C) e LRJ(H,C) de 140 e 8 Hz, respectivamente. 4.7 Análise UHPLC-ESI-HRMS A análise de cromatografia líquida de ultra-eficiência acoplada a espectrômetro de massas de alta resolução (UHPLC-HRMS) foi realizada em cromatógrafo Waters Acquity UPLC IClass acoplado a espectrômetro de massa Q-Exactive Focus (Thermo Scientific, Bremen, Germany), utilizando-se de uma fonte ionizada por electrospray aquecido (HESI-II). As separações foram realizadas em coluna Acquity UPLC BEH C18, 130 Å, 1,7 µm, 2,1 mm X 150 mm mantida a 60°C. A fase móvel consistiu em 0,1% de ácido fórmico em água ultrapura (solvente A) e em Acetonitrila (solvente B) grau massas. A vazão foi de 0,75 mL/min; o gradiente desenvolvido foi: 5% B para 50% B em A em 4 min; 50- 95% B em A em 3 min; 95% B em 1 min; 5% B em 2 min com tempo total de 10 min. O volume de injeção foi de 2 µL. Os parâmetros otimizados da fonte de ionização (HESI-II) foram: voltagem da fonte 3,5 kV; fluxo de gás (N2), 48 unidades; fluxo de gás auxiliar, 11 unidades; fluxo de gás sobressalente, 2,0 unidades; temperatura do capilar, 300°C, S-Lens RF Level, 55. O analisador de massa foi calibrado usando uma mistura de cafeína, acetato de metionina, arginina, fenil alanina (MRFA), sulfato de dodecil de sódio, taurocolato de sódio, e Ultramark 1621 em uma solução de acetonitrila/metanol/água contendo 1% de ácido fórmico por injeção direta. 34 Os eventos de MS/MS dependentes foram realizados nos três íons mais intensos detectados na verificação completa da MS (Experimentos Top 3). A largura da janela do MS/MS foi de 2 Da, e a energia de colisão normalizada (ECN) foi colocada em 35 unidades. Nos experimentos MS/MS dependentes de dados, varreduras completas foram adquiridas em uma resolução de 35.000 fwhm (a m/z 200) e MS/MS em a 17.500 fwhm, ambos com tempo máximo de injeção de 50 ms. Depois de serem adquiridas na varredura MS/MS, os pares de íons foram alocados na lista de exclusão dinâmica por 3,0 s. As análises de UHPLC-HRMS foram realizadas em parceria com os Professores Dr. Jean-Luc Wolfender e Dr. Emerson Ferreira Queiroz da Universidade de Genebra, Suíça. 4.8 Processamento de dados obtidos por cromatografia líquida de ultra-eficência acoplada a espectrometria de massas (UHPLC-HRMS) Os dados brutos obtidos do UHPLC-HRMS foram convertidos para mzXML usando o software MS converter (Proteowizard) e analisados no programa MZmine 2.10 para detecção de picos, filtração de picos, construção do cromatograma, deconvolução do cromatograma, agrupamento isotrópico de pico, alinhamento do cromatograma e preenchimento de lacunas (gap filling). Os parâmetros usados para processamento dos dados foram: nível de ruído a 1 x 106 para MS1 e 0 para MS2. Os cromatogramas foram construídos usando o modelo ADAP com os seguintes parâmetros: tamanho mínimo de grupo de 5, altura mínima de 1 × 106, e tolerância m/z de 0,001 Da (ou 10 ppm). A deconvolução do cromatograma foi realizada usando modelo wavelets (ADAP) como o algoritmo para reconhecimento de picos, m/z e a faixa de RT para o emparelhamento de varredura MS2 foi de 0,3 Da e 0,1min, o limite S/N foi 50, altura mínima do recurso foi 5 × 105, limite de coeficiente/área foi 90, intervalo de duração de pico foi 0,02-1,5 min, e o intervalo da RT wavelets foi de 0,02-0,05. Os cromatogramas foram então de-isotopados por um algoritmo de agrupamento de picos isotópicos com uma tolerância m/z de 0,001 Da e uma tolerância RT de 0,05 min. O alinhamento dos picos foi realizado usando um alinhador, com tolerância m/z ajustada a 0,001 Da, tolerância absoluta RT a 0,05 35 min, e peso para m/z e RT a 30. A lista de picos ausentes pós o alinhamento foi preenchida pelo preenchimento das lacunas de mesmo módulo de preenchimento de intervalos RT e m/z com uma tolerância m/z de 0,001 Da. Após o preenchimento das lacunas, todas as listas de picos foram feitas com a identificação dos adultos. Esse tratamento resultou em uma lista de picos de 1579 íons (features) que foi posteriormente filtrado para uma lista de picos de 704 íons que possuíam espectro de MS² dependentes. Essa lista resultante de 704 íons foi exportada como entrada para geração da rede de moléculas (dados MS¹ e MS²). 4.9 Análise de Redes de Moléculas A rede de moléculas (RM) com espectros MS² da Bauhinia ungulata foi gerada usando o fluxo de trabalho da plataforma online da Global Natural Products Social Molecular Networking (GNPS). Os espectros MS² foram então agrupados com o MS-Cluster com uma tolerância de massa em 0,02 Da para criar espectros de consenso, e espectros de consenso contendo menos de dois espectros foram descartados. Uma rede foi então criada onde as arestas foram filtradas para ter um valor de cosseno acima de 0,7 e mais de 6 picos correspondentes. As arestas mais distantes entre dois nós foram mantidas na rede se e somente se cada um dos nós apareceu nos respectivos top 10 nós mais semelhantes. Os espectros na rede foram então pesquisados nas bibliotecas espectrais disponíveis no GNPS. Todas os hits com pontuação acima de 0,7 e pelo menos 6 picos coincidentes foram mantidos na anotação. 4.10. Análises estatísticas Os dados dos parâmetros ecofisiológicos foram submetidos à análise de variância (ANOVA), e pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade, utilizando o programa estatístico R. Testes de normalidade foram realizados anteriormente. E os dados foram submetidos a análises de correlação de Pearson entre os parâmetros avaliados. 36 Para as análises metabolômicas, espectros de RMN de 1H das amostras obtidas, foram tratados a partir da correção de fase e da linha de base, submetendo-os a transformações e pré-tratamentos, com o auxílio do software da Amix (Bruker Biospin GmbH). Desta forma os espectros foram inicialmente divididos em pequenos intervalos (buckets) de 0,04 ppm. A região do espectro correspondente à região de saturação do sinal da água/metanol e outras possíveis regiões indesejáveis foram excluídas das análises multivariadas. Em seguida, foram realizados diferentes pré-tratamentos estatísticos, visando enfatizar os compostos em baixa concentração, entre outras possibilidades. Os dados foram submetidos à análise estatística pelo método de Análises dos componentes Principais (PCA), a partir do software SIMCA (Umetrics, Umeå, Sweden), que gera gráficos scores e loadings, e possibilitou identificar os principais metabólitos alterados em cada tipo de tratamento. 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO Para avaliar os efeitos induzidos pela variação da disponibilidade hídrica no metabolismo de Bauhinia ungulata, várias espécies foram distribuídas em estufa agrícola a fim de serem aclimatadas, e posteriormente, submetidas a diferentes regimes de irrigação. Os efeitos do déficit hídrico foram avaliados a cada quinze dias, durante um período total de noventa dias, através de análises de parâmetros fotossintéticos, produção de biomassa e perfil químico por ressonância magnética nuclear, e cromatografia líquida de ultra eficiência acoplado a espectrômetro de massas de alta resolução. Para viabilizar o estudo de metabolômica, numa primeira etapa, foi realizado o estudo fitoquímico do extrato foliar por RMN e UHPLC-HRMS, como descrito nas seções seguintes. 37 5.1. Análise fitoquímica do extrato de Bauhinia ungulata Através das análises por UHPLC-HRMS e por RMN, foi possível a identificação de 15 substâncias no extrato MeOH 70% das folhas de B. ungulata. As estruturas das substâncias são apresentadas na Figura 6. Figura 6. Estrutura das substâncias identificadas no extrato MeOH 70% das folhas de Bauhinia ungulata por meio de RMN direto do extrato e desreplicação por UHPLC-HRMS. 38 5.1.1. Identificação de metabólitos majoritários por RMN A partir da análise direta do extrato CD3OD:D2O 70% de B. ungulata (Figura 7), foram identificados quatro compostos em B. ungulata, previamente descritos na literatura em espécies de Bauhina, sendo dois flavonoides (1 e 2), um aminoácido (14) e um 4,4’-dihidroxibibenzil (15). Figura 7. Expansão do espectro de 1H RMN (de 0,5 a 8,0 ppm), e região de sinais caracterísiticos: 1 a 3 ppm para alifáticos; 3,5 a 5,9 ppm para açúcares e 6 a 8 ppm para aromáticos. Foram identificados no espectro de RMN de 1H (Figura 8) dois flavonoides diferentes (1 e 2). O sistema de spins do dubleto  6,19 (d; J = 2,2 Hz; H-6) corresponde aos hidrogênios do anel A das duas moléculas, uma vez que apresentaram deslocamento químico semelhante, e integrais superiores (~1,5) quando comparadas aos sinais de hidrogênios dos outros sistemas de spins das duas moléculas. Já em  6,40 (d; J = 2,2 Hz; H-8), notamos se tratar do deslocamento químico para o hidrogênio 8, também do anel A, referente a estrutura 1, uma vez que o valor de sua integral (0,5), é equivalente às integrais dos demais sinais de hidrogênios presentes na molécula, e se apresentando menos intensa quando comparada a integral da estrutura 2, posicionada em  6,38 (d; J = 2,2 Hz; H-8), cujo valor foi igual a 1, e também equivale as integrais dos demais sinais referentes a sua molécula. 39 A diferença entre as duas estruturas pode ser observada no anel B, que apresenta na primeira molécula uma hidroxila no carbono 4’, enquanto na segunda molécula, há duas hidroxilas nos carbonos 3’ e 4’. Na primeira estrutura molecular (1), são observados dois dubletos de diferentes intensidades na região dos aromáticos. São eles:  7,68 (d; J = 8,8 Hz; H-2’ e H-6’) e  6,90 (d; J = 8,8 Hz; H-3’ e H-5’), cujas constantes de acoplamento e integrais possibilitaram afirmar que é um anel parassubstituído, conformando simetria ao anel B. Figura 8. Expansão do espectro de RMN de 1H (de 6,0 a 7,8 ppm) de B. ungulata, com as integrais e deslocamentos químicos da molécula 1 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27 °C). 40 O mapa de correlação HSQC (Heteronuclear Single-Quantum Correlation) (Figura 9 e Tabela 2), indica as correlações diretas entre hidrogênios e carbono, demonstra que para o 1H em  7,68, há correlação com o carbono em  130,9. O hidrogênio  6,90 se correlaciona com o carbono em  115,6. O 1H em  6,40, há correlação com o carbono em  94,1. Por fim, para o hidrogênio  6,19, a correlação com o carbono é em  99,0. Figura 9. Expansão do mapa de correlação HSQC (de 6,1 a 7,9 ppm e 30 a 170 ppm) do extrato de B. ungulata da substância 1 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27 °C). O mapa de correlação à longa distância entre hidrogênios e carbonos dada pelo experimento HMBC (Heteronuclear Multiple-Bonde Correlation) (Figura 10, Figura 11 e Tabela 2) possibilitou a observação apenas das moléculas mais abundantes. O hidrogênio em  7,68, demonstra correlação com os carbonos  130,9 (C-2’; C-6’) e 159,4 (C-4’). Já em  6,90, há a correlação com os carbonos em  121,7 (C-1’);  144,5 (C-2) e  115,6 (C-3’; C-5’). Para o 1H em  6,40, as correlações com os carbonos ocorrem em  99,0 (C-6);  164,2 41 (C-7);  157,2 (C-9) e  104,7 (C-10). E por fim, o hidrogênio em  6,19, se demonstra correlacionado com os carbonos em  161,3 (C-5);  164,2 (C-7);  94,1 (C-8) e  104,7 (C-10); . Figura 10. Expansão do mapa de correlação HMBC (de 6,1 a 7,9 ppm e 30 a 170 ppm) de B. ungulata da substância 1 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27 °C). Figura 11. Correlações entre hidrogênios e carbonos a longa distância à partir de HMBC de B. ungulata para a substância 1 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27 °C) (setas indicam as correlações observadas). 42 A partir dos dados obtidos por Bachheti et al. (2011) a estrutura da molécula pôde ser comparada a partir dos deslocamentos químicos, multiplicidades, constantes de acoplamento referentes aos hidrogênios, além dos deslocamentos químicos dos carbonos evidenciados nos mapas de correlação, confirmando-a como canferol. Tabela 2. Deslocamentos químicos do canferol (1). Posição Canferol (CD3OD:D2O – 7:3 v/v) Canferol Literatura (CD3OD) δH, mult. (J em Hz) δC HMBC δH, mult. (J em Hz) δC 2 144,5 C 148,1 C 3 n.d. 137,1 C 4 n.d. 177,3 C 5 161,9 C 162,4 C 6 6,19 (d; 2,2) 99,0 CH 5, 7, 8, 10 6,18 (d; 1,5) 99,2 CH 7 164,2 C 165,5 C 8 6,40 (d; 2,2) 94,1 C 6, 7, 9, 10 6,39 (d; 1,5) 94,4 C 9 157,4 C 158,2 C 10 104,7 C 104,5 C 1’ 121,7 C 123,7 C 2’ 7,68 (d; 8,8) 130,9 CH 2’, 4’, 6’ 8,08 (d; 8,8) 130,6 CH 3’ 6,90 (d; 8,8) 115,6 CH 2, 1’, 3’, 5’ 6,90 (d; 8,8) 116,3 CH 4’ 159,4 C 160,5 C 5’ 6,90 (d; 8,8) 115,6 CH 2, 1’, 3’, 5’ 6,90 (d; 8,8) 116,3 CH 6’ 7,68 (d; 8,8) 130,9 CH 2’, 4’, 6’ 8,08 (d; 8,8) 130,6 CH n.d: Não detectados pelos mapas de correlação heteronuclear Para a segunda molécula de flavonoide (2), o espectro de RMN de 1H a seguir (Figura 12), apresenta dois dubletos na região dos aromáticos. São eles  7,26 (d; J = 2,2 Hz; H-2’);  6,64 (d; J = 8,4 Hz; H-5’), além dos anteriormente citados, referentes ao anel A. Há, nessa mesma região, um duplo dubleto em  7,23 (dd; J = 8,4 Hz; 2,2 Hz; H-6’), demonstrando estar acoplado em orto com o hidrogênio em  6,64, e acoplado em meta com o hidrogênio em  7,26. 43 Figura 12. Expansão do espectro de RMN de 1H (de 6,1 a 7,8 ppm) de B. ungulata, com as integrais e deslocamentos químicos da molécula 2 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27 °C). O mapa de correlação HSQC (Figura 13 e Tabela 3), indica que o hidrogênio em  7,26, há correlação com o carbono em  116,1. O hidrogênio  7,23 se correlaciona com o carbono em  122,0. O hidrogênio em  6,64, demonstra correlação com o carbono em  115,3. Para o 1H em  6,38, a correlação com o carbono ocorre em  94,1. E Por fim, para o hidrogênio  6,19, há a correlação com o carbono em  99,0. 44 Figura 13. Expansão do mapa de correlação HSQC (de 6,1 a 7,9 ppm e 30 a 170 ppm) de B. ungulata da substância 2 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27 °C). A correlação à longa distância entre hidrogênios e carbonos dada pelo experimento HMBC (Figura 14, Figura 15 e Tabela 3), apresenta o hidrogênio em  7,26, correlacionado com os carbonos  144,9 (C-3’);  148,2 (C-4’) e  122,0 (C-6’). Já em  7,23, há a correlação com os carbonos em  116,1 (C-2’) e  148,2 (C-4’). No hidrogênio  6,64, as correlações com os carbonos foram apresentadas em  122,6 (C-1’) e  143,1 (C-3). Para o 1H em  6,38, as correlações com os carbonos ocorrem em  99,0 (C-6);  164,2 (C-7);  157,2 (C-9) e  104,7 (C-10). Por fim, o hidrogênio em  6,19, se demonstra correlacionado com os carbonos em  161,3 (C-5);  164,2 (C-7);  94,1 (C-8) e  104,7 (C-10);. 45 Figura 14. Expansão do mapa de correlação HMBC (de 6,1 a 7,9 ppm e 30 a 170 ppm) de B. ungulata da substância 2 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27°C). Figura 15. Correlações entre hidrogênios e carbonos a longa distância à partir de HMBC de B. ungulata para a substância 2 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27 °C) (setas indicam as correlações observadas). 46 A partir dos dados obtidos por Kalegari et al. (2011) a estrutura da molécula pôde ser comparada a partir dos deslocamentos químicos, multiplicidades, constantes de acoplamento referentes aos hidrogênios, além dos deslocamentos químicos dos carbonos evidenciados nos mapas de correlação, confirmando-a como quercetina. Tabela 3. Deslocamentos químicos da quercetina (2). Posição Quercetina (CD3OD:D2O – 7:3 v/v) Quercetina Literatura (CD3OD) δH, mult. (J em Hz) δC HMBC δH, mult. (J em Hz) δC, mult. 2 n.d. 147,7 C 3 n.d. 137,1 C 4 n.d. 177,4 C 5 161,9 C 162,6 C 6 6,19 (d; 2,2) 99,0 CH 5, 7, 8, 10 6,18 (d; 2,0) 99,3 CH 7 164,2 C 165,6 C 8 6,38 (d; 2,2) 94,1 CH 6, 7, 9, 10 6,39 (d; 2,0) 94,3 CH 9 157,4 C 158,4 C 10 104,7 C 104, 4 C 1’ 121,4 C 124,1 C 2’ 7,26 (d; 2,2) 116,1 CH 3’, 4’, 6’ 7,73 (d; 2,2) 116,0 CH 3’ 144,9 C 146,2 C 4’ 148,2 C 148,8 C 5’ 6,64 (d; 8,4) 115,3 CH 1’, 3’ 6,8 (d; 8,5) 116,0 CH 6’ 7,23 (dd; 8,4; 2,2) 122,0 CH 2’, 4’ 7,60 (dd; 8,5; 2,2) 121,8 CH n.d: Não detectados pelos mapas de correlação heteronuclear O espectro de RMN de 1H da Figura 16 apresenta seis multipletos encontrados na região dos compostos alifáticos, sendo estes  3,93 (m; H-2);  2,22 (m; H-3);  1,98 (m; H-3);  1,89 (m; H-4);  3,29 (m; H-5) e  3,19 (m; H-5) referentes a estrutura da molécula 14. 47 Figura 16. Expansão do espectro de RMN de 1H (de 1,8 a 4,1 ppm) de B. ungulata com as integrais e deslocamentos químicos da molécula 14 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27°C). O mapa de correlação HSQC (Figura 17 e Tabela 4), indica que o hidrogênio em  3,93 é correlacionado com o carbono em  61,3. O hidrogênio de  3,29, se correlaciona com o carbono em  46,1. Para o hidrogênio em  3,20, o carbono correlacionado, está também em  46,1. O 1H em  2,22, apresenta correlação com o carbono em  29,2, assim como o hidrogênio em  1,98. Por fim, o CH2 apresenta seus hidrogênios em  1,89 correlacionados com o carbono em  23,9. 48 Figura 17. Expansão do mapa de correlação HSQC (de 1,6 a 4,2 ppm, e 0 a 130 ppm) de B. ungulata da substância 14 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27°C). A correlação a longa distância entre os hidrogênios e carbonos apresentada por HMBC (Figura 18, Figura 19 e Tabela 4), apresenta o 1H em  3,93, correlacionado com os carbonos em  173,5 (C-1);  29,2 (C-3);  23,9 (C- 4) e  46,1 (C-5). Para os hidrogênios posicionados em  3,29 e  3,19, as correlações com os carbonos ocorrem em  61,3 (C-2);  29,2 (C-3) e  23,9 (C- 4). Nos hidrogênios  2,22 e  1,98, as correlações foram em  173,5 (C-1);  61,3 (C-2);  23,9 (C-4) e  46,1 (C-5). Por fim, os hidrogênios de  1,89, foram correlacionados com os carbonos em  61,3 (C-2);  29,2 (C-3) e  46,1 (C-5). 49 Figura 18. Expansão do mapa de correlação HSQC (de 1,6 a 4,2 ppm, e 10 a 190 ppm) de B. ungulata da substância 14 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27°C). Figura 19. Correlações entre hidrogênios e carbonos a longa distância à partir de HMBC de B. ungulata para a substância 14 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27 °C) (setas indicam as correlações observadas). 50 A partir dos dados obtidos por Shintu, Ziarelli e Caldarelli (2004) a estrutura da molécula pôde ser comparada a partir dos deslocamentos químicos, multiplicidades, constantes de acoplamento referentes aos hidrogênios, além dos deslocamentos químicos dos carbonos evidenciados nos mapas de correlação, confirmando-a como prolina. Tabela 4. Deslocamentos químicos da Prolina (14). Posição Prolina (CD3OD:D2O – 7:3 v/v) Prolina Literatura (D2O) δH, mult. δC HMBC δH, mult. δC 1 173,5 C - - 2 3,93 m 61,3 CH 1, 3, 4, 5 4,11 m 58,0 CH 3 1,98 m – 2,22 m 29,2 CH2 1, 2, 4, 5 2,03 m – 2,32 m 29,0 CH2 4 1,89 m 23,9 CH2 1, 3, 5 1,95 m 24,0 CH2 5 3,19 m – 3,29 m 46,1 CH2 1, 3, 4, 5 3,32 m – 3,39 m 46,0 CH2 O espectro de RMN de 1H da Figura 20 representa os deslocamentos químicos da estrutura da molécula 15. Este apresenta dois dubletos encontrados na região dos compostos aromáticos, sendo estes  7,00 (d; J = 8,2 Hz; H-2; H- 2’; H-6; H-6’) e  6,60 (d; J = 8,2 Hz, H-3; H-3’; H-5; H-5’), demonstrando a partir de suas constantes de acoplamento, a proximidade entre eles. Há ainda dois multipletos situados na região dos alifáticos, em  2,88 (m; H2-7) e em  2,94 (m; H2-8). 51 Figura 20. Expansão do espectro de RMN de 1H (de 2,0 a 7,5 ppm) de B. ungulata com as integrais e deslocamentos químicos da molécula 15 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27°C). O mapa de correlação HSQC (Figura 21 e Tabela 5), indica que o hidrogênio em  7,00 é correlacionado com o carbono em  131,5. O hidrogênio de  6,60 se correlaciona com o carbono em  114,6 (Figura 21 A). E os dois hidrogênios apresentados em  2,88 e  2,94, são correlacionados com o carbono em  39,7 (Figura 21 B). A correlação a longa distância entre os hidrogênios e carbonos apresentada pelo HMBC (Figura 22, Figura 23 e Tabela 5), apresentada na figura 22 A o 1H em  7,00, correlacionado com os carbonos em  39,7 (C-7; C-8);  114,6 (C-4; C-5; C-3’; C-5’);  131,5 (C-1; C-2; C-2’; C-6’) e  154,8 (C-4; C-4’). Para o hidrogênio posicionado em  6,60, as correlações com os carbonos ocorrem em  114,6 (C-4; C-5; C-3’; C-5’);  128,8 (C-1; C-1’) e  154,8 (C-4; C- 4’). Nos hidrogênios  2,88 e  2,94 (Figura 22 B), as correlações foram em 128,8 (C-1; C-1’) e  131,5 (C-1; C-2; C-2’; C-6’). 52 Figura 21. Superior (A): Expansão do mapa de correlação HSQC para os sinais na região dos aromáticos; Inferior (B): Expansão do mapa de correlação HSQC para os sinais na região dos alifáticos da substância 15 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27°C). 53 Figura 22. Superior (A): Expansão do mapa de correlação HMBC para os sinais na região dos aromáticos; Inferior (B): Expansão do mapa de correlação HMBC para os sinais na região dos alifáticos, da substância 15 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27°C). 54 Figura 23. Correlações entre hidrogênios e carbonos a longa distância à partir de HMBC de B. ungulata para a substância 15 (CD3OD:D2O – 7:3 v/v, 600 MHz, 27 °C) (setas indicam as correlações observadas). A partir dos dados obtidos por Waibel, et al. (2004) a estrutura da molécula pôde ser comparada a partir dos deslocamentos químicos, multiplicidades, constantes de acoplamento referentes aos hidrogênios, além dos deslocamentos químicos dos carbonos evidenciados nos mapas de correlação, confirmando-a como 4,4’-dihidroxibibenzil, ou também nomeado 1,2-Bis-(4-hidroxifenil)-etano. Tabela 5. Deslocamentos químicos de 1,2-Bis-(4-hidroxifenil)-etano (15). Posição Dihidroxiestilbeno (CD3OD:D2O – 7:3 v/v) 1,2-Bis-(4-hidroxifenil)-etano literatura (CD3COCD3) δH, mult. (J em Hz) δC HMBC δH, mult. (J em Hz) δC 1 128,8 C 2 7,00 (d; 8,2) 131,5 CH 2, 3, 4, 5, 6, 7 7,01 (d; 8,6) 133,57 CH 3 6,60 (d; 8,2) 114,6 CH 1, 3, 4, 5 6,72 (d; 8,6) 115,80 CH 4 154,8 C 8,06 (d; 8,0; OH) 156,31 C 5 6,60 (d; 8,2) 114,6 CH 1, 3, 4, 5 6,72 (d; 8,6) 115,80 CH 6 7,00 (d; 8,2) 131,5 CH 2, 3, 4, 5, 6, 7 7,01 (d; 8,6) 133,57 CH 7 2,88 (m) 39,7 CH2 1, 2, 6, 8 2,74 (s) 38,17 8 2,94 (m) 39,7 CH2 7, 1’, 2’, 6’ 2,74 (s) 38,17 1’ 128,8 C 2’ 7,00 (d; 8,2) 131,5 CH 8, 2’, 3’, 4’, 5’, 6’ 7,01 (d; 8,6) 133,57 CH 3’ 6,60 (d; 8,2) 114,6 CH 1’, 3’, 4’, 5’ 6,72 (d; 8,6) 115,80 CH 4’ 154,8 C 8,06 (d; 8,0; OH) 156,31 C 5’ 6,60 (d; 8,2) 114,6 CH 1’, 3’, 4’, 5’ 6,72 (d; 8,6) 115,80 CH 6’ 7,00 (d; 8,2) 131,5 CH 8, 2’, 3’, 4’, 5’, 6’ 7,01 (d; 8,6) 133,57 CH 55 O estresse oxidativo ocorre como um desequilíbrio entre o balanço pró- oxidante/antioxidante, sendo que a pró-oxidação é favorecida, e promove dano potencial. Esse dano oxidativo que as biomoléculas sofrem é relacionado a alguma adversidade biótica ou abiótica (MORAIS, et al., 2009). A partir do momento em que a planta sofre estresse oxidativo, pode haver um aumento nos radicais livres, fazendo-se necessário recorrer aos antioxidantes, como uma forma de promover equilíbrio no sistema fisiológico da planta (BURDA; OLESZEK, 2001). Substâncias fenólicas são importantes antioxidantes, uma vez que possuem esqueleto carbônico propício para a estabilização de radicais livres. É notável que a posição e o grau de hidroxilação, são fatores importantes para a atividade antioxidante dos metabólitos nas plantas (KWAK, et al, 2017). E os flavonoides são moléculas reconhecidas por realizar essa proteção à oxidação nas células das plantas (BILIA, et al., 2002). Canferol e quercetina são flavonoides que podem ser encontrados na forma conjugada a carboidratos, representando uma estratégia de adaptação e sobrevivência das plantas, relacionadas a proteção contra radiação UV-B e antioxidante como em condições de déficit hídrico, uma vez que fatores como esses, promovem o aumento de estresse oxidativo na planta (HARBORNE; WILLIAMS, 2000). Para a saúde humana, a quercetina é um importante fitoantioxidante (GIL, et al, 2005), que têm sido avaliado no campo terapêutico, por conta da sua ação contra radicais livres (KWAK, et al, 2017) e por apresentar propriedades hepatoprotetoras (KUMAR; PANDEY, 2013). Muitas espécies criam adaptações frente à perda de água via transpiração quando a absorção é interrompida. Assim, as estratégias de fechamento estomático, possuem grande importância para a manutenção hídrica na planta. Após essa resposta inicial admitida por ela, ocorre a síntese de solutos osmoticamente ativos, como a do aminoácido prolina (CARVALHO, 2005; CORDEIRO, et al., 2017). Esse aminoácido, presente em pequenas quantidades na planta, têm sua concentração elevada sob condições de estresse, permitindo a osmoproteção celular como tampão, evitando efeitos deletérios nas membranas e preservando a integridade de compostos como proteínas e enzimas (JALEEL, et al., 2007). E 56 a sua forma de ação consiste em promover o seu acumulo nos vacúolos da planta, de maneira não nociva ao metabolismo, que estimula a pressão osmótica no interior das células, que induz a maior absorção de água, e possibilita assim a continuidade nos processos fisiológicos, ainda que em níveis menores (MARIJUAN; BOSCH, 2013; MONTEIRO, et al., 2014). Sua síntese nas folhas com baixo potencial hídrico é estimulada a fim de garantir uma biossíntese aumentada e lenta oxidação nas mitocôndrias. Promove estabilização de macromoléculas, e se torna uma alternativa para o excesso de agentes redutores, além de ser uma fonte de carbono e nitrogênio para serem utilizados após o fim do estresse por déficit hídrico (ZHU, 2002). Diversos trabalhos relatam a prolina como marcador bioquímico em culturas submetidas a diferentes condições de estresse ocasionado pelo déficit hídrico, como a mangabeira (SANTOS, et al., 2016), no açaizeiro (CORDEIRO, et al., 2017), no girassol (ARAUJO, et al., 2018) e no feijão (AVILA, et al., 2006). Trabalhos anteriores identificaram a presença de diferentes bibenzis em folhas de B. ungulata (DE SOUSA, et al, 2016; RODRIGUES, 2019), em que foi avaliada e comprovada a sua citoxicidade frente a quatro linhagens tumorais. Outros trabalhos identificaram o então 4,4’-dihidroxibibenzil, e a sua importância desta substância como agente potencial anticâncer (WITTMAN, 1962; NICULESCU-DUVĂZ, et al., 1966). O 4,4’-dihidroxibibenzil também tem sido utilizado como fitoestrogênio, uma vez que os receptores apresentam capacidade seletiva e sensível a estes estrógenos naturais. Estrógenos em geral, são responsáveis por regular o sistema reprodutor feminino, manter a densidade mineral óssea, regular perfis lipídicos no sangue, e apoiar funções cerebrais, entretanto, seu acúmulo no organismo, pode aumentar o risco de câncer de mama e no útero. Todavia, é interessante que mulheres no período da menopausa realizem a reposição hormonal com estes estrogênios, para evitar os sintomas ocasionados por esta. E a fim de evitar quaisquer prejuízos a saúde das mulheres, há a necessidade de moduladores seletivos de receptores de estrogênios, que evitem o seu excesso e consequentemente, qualquer reprodução de células cancerígenas, tornando vantajoso o uso dos fitoesteróis, como 1,2-Bis-(4-hidroxifenil)-etano (WAIBEL, et al., 2009; YONEKUBO, et al., 2016). 57 O estilbeno é conhecido por elevar a quantidade de High Density Lipoprotein (HDL) e ApoA-I, gene codificador da apolipoproteína-A1, a qual solubiliza lipídios no plasma sanguíneo. O HDL é responsável por transportar o colesterol dos tecidos periféricos ao fígado, onde serão excretados como esteróis fecais e ácidos biliares, prevenindo o acúmulo de placas aterosclerótica. ApoA-I, é um crítico componente das partículas de HDL, e o aumento de seus níveis, demonstrou significativa redução dessas placas, agindo como importante protetor cardiovascular (NISSEN, et al., 2003). Análogo ao estilbeno, o 1,2-Bis- (4-hidroxifenil)-etano, apresentou também habilidade de induzir a expressão do gene ApoA-I, demonstrando que a dupla ligação que os diferencia, não é essencial para essa atividade biológica (HANSEN et al., 2010). Para a planta, a presença dessa substância, mostra função antioxidante para situações com extrema intensidade de raios UV-B, podendo ter seu acúmulo também em situações de déficit hídrico (XIAO, et al., 2011), ou até como defensor ao ataque de patógenos (DE SOUSA, et al., 2016). 5.1.2. Análise do extrato por UHPLC-HRMS e desreplicação por rede de moléculas A identificação dos compostos no extrato MeOH 70% de B. ungulata foi obtido através de análises em cromatografia líquida de ultra-eficiência acoplado à espectrômetro de massas de alta resolução (UHPLC-HRMS2) e desreplicação por rede de moléculas (Figura 24). 58 Figura 24. Cromatograma analítico do extrato MeOH 70% de Bauhinia ungulata obtido por UHPL-HRMS em modo positivo, com aproximação da região até 3 minutos do tempo de retenção e picos identificados pelo número de cada molécula respectiva. Condições cromatográficas em MM. Uma vez que foi realizado um gradiente de eluíção exploratório genérico para análise cromatográfica do extrato (ver condições do gradiente em MM no tópico 4.7), há a possibilidade de acontecer a coeluição de diferentes substâncias no mesmo tempo de retenção. A etapa de deconvolução, um algoritmo desenvolvido recentemente, permite separar todas as massas detectadas que ocorrem em um único pico, e analisar as intensidades nas diferentes amostras. Após o processamento dos dados (m/z, tempo de retenção e intensidade do sinal), foi criada uma lista de picos com 1579 (MS1) íons que posteriormente, foi filtrada em uma segunda lista de picos com 823 íons contendo espectros de segunda ordem (MS1 e MS2). Essa segunda lista foi então organizada na forma de uma única rede de moléculas através da plataforma Global Natural Products Social Molecular Networking (GNPS) (Figura 25). 59 Figura 25. Rede de moléculas do extrato MeOH 70% de Bauhinia ungulata. A) Molecular network contendo 64 clusters. B) Cluster selecionado com os compostos majoritários do extrato com base na intensidade do sinal, representada no tamanho dos nodos. A partir da rede de moléculas construída (Figura 25A), foi possível organizar os espectros de massas de segunda ordem por similaridade e agrupar estruturas de uma mesma família de compostos. A intensidade do sinal do massas foi representada no tamanho do nodo, o que nos permitiu selecionar clusters de compostos com alta intensidade no cromatograma obtido. Neste trabalho, selecionamos clusters contendo anotação de compostos de uma mesma família com alta intensidade. Seguindo este critério, um cluster contendo flavonoides foi selecionado e a identificação dos compostos investigada (Figura 25B). A comparação entre os espectros experimentais obtidos do extrato com bibliotecas espectrais disponíveis na plataforma GNPS, possibilitou a anotação de doze metabólitos presentes no cluster 1. Na Tabela 6 são apresentadas as substâncias desreplicadas de acordo com a base de dados e suas estruturas relativas na forma de InChi Key. 60 Tabela 6. Substâncias identificadas em extrato MeOH 70% de Bauhinia ungulata obtido por UHPL-HRMS em modo positivo. *DB = Base de dados **InChiKey = International Chemical Identifier Key Seguindo esta abordagem, foi possível identificar diferentes flavonoides glicosilados derivados das agliconas miricetina, quecetina, canferol, isorhamnetina e datiscetina (Tabela 7). Dentre as 12 substâncias identificadas, apenas quatro delas já haviam sido reportadas em folhas de B. ungulata anteriormente, sendo elas a miricetina (3) (GANIKKO-DUTRA; SALDANHA; DOKKEDAL, 2018); quercetina-3-O- ramnosídeo (7) (MAIA NETO, et al., 2008), canferol-3-ramnosídeo (9) (PAULA, et al., 2014), e quercetina (2) (MAIA NETO, et al., 2008; PAULA, et al., 2014; DE SOUZA, et al., 2016; GANIKKO-DUTRA; SALDANHA; DOKKEDAL, 2018). Já os compostos Miricetina-3-O-ramnosídeo (4); Miricetina-3- galactosídeo (5); Miricetina-3- xilosídeo (6); Quercetina-3-O-xilosídeo (8); Canferol-3-O-rutinosídeo (10); Canferol-3-O-alpha-L- arabinosídeo (11); ID Composto correspondente na DB* Fórmula molecular tR (min) m/z [M+H]+ InChi Key** da estrutura relativa 3 Miricetina C15H11O8 1,39 319,0438 IKMDFBPHZNJCSN 4 Miricetina-3-O-ramnosídeo C21H21O12 1,39 465,1013 DCYOADKBABEMIQ 5 Miricetina-3-galactosídeo C21H21O13 1,24 481,0966 FOHXFLPXBUAOJM 6 Miricetina-3- xilosídeo C20H19O12 1,36 451,0856 SBEOEJNITMVWLK 2 Quercetina C15H1107 1,61 303,0483 REFJWTPEDVJJIY 7 Quercetina-3-O-ramnosídeo C21H21O11 1,61 449,1056 OXGUCUVFOIWWQJ 8 Quercetina-3-O-xilosídeo C20H19O11 1,56 435,0897 PZZRDJXEMZMZFD 9 Canferol-3-ramnosídeo C21H21O10 1,81 433,1127 SOSLMHZOJATCCP 10 Canferol-3-O-rutinosídeo C27H31O15 1,47 595,1625 RTATXGUCZHCSNG 11 Canferol-3-O-alpha-L- arabinosídeo C20H19O10 1,74 419,0966 RNVUDWOQYYWXBJ 12 Isorhamnetina-3-O- rutinosídeo C28H33O16 1,55 625,1730 UIDGLYUNOUKLBM 13 Datiscetina C15H11O6 1,82 287,0546 WCNLFPKXBGWWDS 61 Isorhamnetina-3-O-rutinosídeo (12) e Datiscetina (13) foram identificados pela primeira vez em B. ungulata. Tabela 7. Substâncias já reportadas nas folhas de outras espécies de Bauhinia. Os resultados obtidos demonstram que a desreplicação por meio de rede de moléculas se mostrou eficiente na identificação de compostos já reportados em B. ungulata além de outros compostos previamente identificados em outras espécies do genêro. Portanto, após a etapa de identificação das substâncias presentes no extrato de B. ungulata, foram realizados estudos para avaliar possíveis alterações no acúmulo dessas substâncias além de parâmetros fotossintéticos responsáveis pelo desenvolvimento vegetal. Nome do composto Espécie Referência Miricetina B. longifolia SALATINO, et al., 1999 Miricetina-3-galactosídeo B. longifolia DOS SANTOS, et al., 2014 Miricetina-3-O-ramnosídeo B. longifolia; B. forficata; B. variegata; B. affins AQUINO, 2018 Quercetina B. longifolia; B. variegata. AQUINO, 2018 Quercetina-3-O-ramnosídeo B. longifolia DOS SANTOS, et al, 2014 Canferol-3-ramnosídeo B. uruguayensis IRIBARREN; POMÍLIO, 1989 Canferol-3-O-rutinosídeo B. forficata EL-DONDAITY, et al., 2005 Isorhamnetina-3-O-rutinosídeo B. variegata FARIAS; MENDEZ, 2014 62 5.2. Análise dos efeitos induzidos pela variação da disponibilidade hídrica 5.2.1. Análise dos parâmetros fotossintéticos a) Análise da condutância estomática A análise dos valores médios de condutância estomática ao CO2 (gs) durante o período do experimento, não mostrou aumento significativo da abertura estomática dos grupos 7D e 15D a partir da 4ª coleta, quando comparados com o grupo controle (Figura 26). Figura 26. Média da condutância estomática média ao CO2 (gs), dos espécimes de B. ungulata, nos diferentes grupos: irrigação diária (controle) e submetidos a 7 e 15 dias sem irrigação, durante as seis coletas no experimento. (Teste de Tukey; n=3; p<0,05). O processo de abertura e fechamento dos estômatos é determinado pelo balanço entre o teor de água presente no solo e nas folhas das plantas (COSTA; MARENGO, 2007). Em situações de baixa disponibilidade hídrica a resposta inicial da planta é impedir que haja perda de água nos seus tecidos e prevenir dessecação (SILVA, et al., 2009). Assim que as raízes notam menor disponibilidade hídrica no solo, o ácido abscísico induz o fechamento dos estômatos para evitar perda de água por transpiração (TURNER, et al, 2001). Analisar a condutância estomática, é o parâmetro mais frequentemente usado para avaliar o grau de seca (CORNIC; MASSACCI, 1996). As plantas dos grupos 7D e 15D, ao se encontrarem em 63 situação deficitária ao longo de 60 dias com a irrigação descontínua, respondeu de forma imediata a situação imposta, evitando a sua abertura estomática e a desidratação. b) Análise da taxa de transpiração Em paralelo, a condutância estomática ao CO2, a transpiração dada em mmol de H2O.m-².s-1, apresentou redução significativa entre os tratamentos 7D e 15D, quando comparadas ao grupo controle a partir da quarta coleta (Figura 27). Essa redução na taxa transpiratória permite que a planta não perca água de seus tecidos para o ambiente, viabilizando manter seu metabolismo ativo, mesmo que de forma mais lenta (KARTHIKA, et al, 2019). Figura 27. Média da Transpiração (E), dos espécimes de B. ungulata, nos diferentes grupos: irrigação diária (controle) e submetidos a 7 e 15 dias sem irrigação, durante as seis coletas no experimento. (Teste de Tukey; n=3; p<0,05). c) Concentração de CO2 na cavidade subestomática Foi determinado anteriormente por Yokota, et al. (2002), que o resonsável principal da diminuição da fotossíntese é o fechamento estomático em situações de seca moderada. O estresse por déficit hídrico prolongado induz limitações relacionadas ao metabolismo do mesófilo, sendo uma limitação fotossintética 64 não-estomática. Outro exemplo, é em condições de seca muito severa, ocorre a diminuição da fotossíntese líquida devido a um declínio na atividade de rubisco, ou então, diminuição na adenosina trifosfato, principal fator limitante da atividade fotossintética (BOTA; FLEXAS; MEDRANO, 2004). Para determinar se valores obtidos pela análise da assimilação de gás carbônico foi alterada por limitações estomáticas ou não-estomáticas, é necessário que seja analisada também a concentração de CO2 na cavidade subestomática (Figura 28), a fim de responder se, caso houver um aumento de gás carbônico nessa região, qual outra área da planta não está com seu funcionamento normal, prejudicando então a atividade fotossintética (CECHIN, et al., 2008). Figura 28. Concentração de CO2 (Ci), dos espécimes de B. ungulata, nos diferentes grupos: irrigação diária (controle) e submetidos a 7 e 15 dias sem irrigação, durante as seis coletas no experimento. (Teste de Tukey; n=3; p<0,05). Bem como é apresentado na Figura 28, é possível analisar que não houve alterações na concentração de CO2 na cavidade subestomática ao longo do experimento em todos os tratamentos. Isso leva a crer, que qualquer alteração que surgiu na atividade fotossintética nos espécimes de B. ungulata, teve como responsável à sua limitação, apenas fatores estomá