UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO
LUCAS RIGATTO BRINO
AIKIDO ENQUANTO VIA DE ASCESE FÍSICA E
ESPIRITUAL
EDUCAÇÃO FÍSICA
Rio Claro
2016
LUCAS RIGATTO BRINO
AIKIDO ENQUANTO VIA DE ASCESE FÍSICA E
ESPIRITUAL
Orientador: Prof. Dr. Carlos José Martins
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Instituto de Biociências da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio
Claro, para obtenção do grau de licenciado em
Educação Física.
Rio Claro
2016
Brino, Lucas Rigatto
Aikido enquanto via de ascese física e espiritual / Lucas
Rigatto Brino. - Rio Claro, 2016
26 f. : il., figs.
Trabalho de conclusão de curso (licenciatura - Educação
física) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de
Biociências de Rio Claro
Orientador: Carlos José Martins
1. Artes marciais. 2. Aikido. 3. Aperfeiçoamento. 4.
Autoconhecimento. I. Título.
796.815
B858a
Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP
Campus de Rio Claro/SP
Dedico este trabalho a todos aqueles que
de alguma forma buscam seu
aperfeiçoamento físico e espiritual para
que assim possam fazer do mundo um
lugar melhor para todos.
AGRADECIMENTOS
Ao meu avô que independente de qualquer coisa sempre me apoiou e me
acolheu durante tempos de dificuldade.
À minha avó que me ajudou com as revisões do trabalho.
Ao meu orientador que me ajudou muito no momento eu que eu necessitei
para iniciar o trabalho e por suas correções e sugestões.
Também agradeço a todos aqueles que derem atenção a este trabalho, seja
em sua correção como também aos que o utilizarão como pesquisa.
Resumo
O presente trabalho busca a investigação do Aikido em sua configuração
como ascese física e espiritual através de uma descrição pormenorizada dos
processos de que lança mão para constituir sua prática.
Abstract
This work seeks to research Aikido in its configuration as physical and spiritual
ascesis through a detailed description of the processes which makes use to
constitute its pratice.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................... 8
2. TRANSIÇÃO EDO-MEIJI ................................................................... 9
3. SAMURAIS: HISTÓRICO E FILOSOFIA ......................................... 12
4. MORIHEI UESHIBA,VIDA E ENSINAMENTOS ............................... 14
5. A PRÁTICA E VIVÊNCIA DA ARTE MARCIAL ............................... 19
6. A ESPORTIVIZAÇÃO DA ARTE MARCIAL .................................... 22
7. CONCLUSÃO .................................................................................. 25
8. REFERÊNCIAS ................................................................................ 26
8
1. INTRODUÇÃO
O que me levou a escrever este trabalho foi a minha proximidade e
admiração pelas artes marciais, buscando sempre o crescimento do ser em busca
do aperfeiçoamento e melhora de si mesmo e do mundo que o cerca.
Assim, as tantas artes marciais, estilos de luta e suas ramificações se
fizeram presentes, como o Kung-Fu trazendo um grande e explícito exemplo de
reflexo do comportamento animal em seus golpes e estilos de luta.
Torna-se muito importante também levar em conta o processo de mudança
que as artes marciais sofrem ao longo do tempo, fazendo com que muitas delas
percam seus sentidos originais, transformando-se em meros esportes de
combate, pois o mesmo gera a padronização de regras e movimentos
relacionados às artes marciais e, de certa forma alimentando mercantilismo das
mesmas. Lembrando que esse ponto ainda não se passa com o Aikido, será
também alvo desse estudo.
O Aikido é uma arte marcial, não competitiva, vinculada a práticas culturais
japonesas constituindo um corpus específico dentro do que foi denominado como
Budô, no contexto de uma série de transformações pelas quais passou o Japão
em seu processo de modernização. Neste sentido, é de suma importância o
estudo do Japão e suas transições políticas, culturais e sociais para o
entendimento da formação do mesmo, desde a sua criação até a sua solidificação
como filosofia de vida, mostrando dessa forma a importância dessa arte como
ascese.
A mesma tem ligação com a religião Omoto-Kyo(entre outras) e seus
princípios, buscando o entendimento de como ser alguém melhor tanto para o
próximo como para o mundo.
Entendendo a contribuição dos samurais para a criação da arte marcial, um
grupo que passou por diversas transições de acordo com o regime político no
decorrer da história nipônica, faz-se necessário um estudo político e filosófico
para o entendimento da mesma como fonte de ascese física e espiritual e o seu
desdobramento ao longo dos anos. Iniciemos portanto o estudo acerca dessa rica
e maravilhosa cultura.
9
2. TRANSIÇÃO EDO-MEIJI
Como todo país, o Japão sofreu algumas transformações políticas e sociais
decorrentes não só dos grupos de classes internos, mas também de contato com
outros países e seus interesses. Para entendermos o contexto histórico em que o
assunto se passa, abordaremos a transição da era Edo para a era Meiji.
Figura 1 - Imagem referente ao período Edo
Fonte: http://pt.depositphotos.com/12860702/stock-photo-edo-tokyo-museum-tokyo-
japan.html
O governo Tokugawa foi um dos mais rigidamente controlados no Japão, o
que o permitiu permanecer ativo por mais de dois séculos, chegando ao fim
apenas em 1868, quando o país foi reaberto aos países ocidentais.
Surgia neste momento a instituição chamada de xogunato, onde em teoria
o imperador ainda possuía todos os seus poderes, porém a figura mais importante
da mesma era o xogun, logo o imperador era apenas uma figura simbólica. A
sociedade era formada por feudos, os quais eram controlados pelos chamados
Daimyo(senhores), que eram protegidos pelos samurais, classe que foi colocada
no comando militar. Havia um mecanismo de controle dos Daimyos, que consistia
em fazer com que vivessem certa parte do ano em um feudo sob vigilância,
possibilitando então impedir qualquer tentativa de rebeldia dos mesmos. Abaixo
dos senhores feudais estavam os camponeses, que trabalhavam no campo e
entregavam parte do que produziam aos senhores. Como no sistema europeu,
cada feudo funcionava pelas suas próprias regras e costumes, não cabendo ao
xogun centralizar o poder.
Se dá então o período conhecido como Sengoku Jidai(guerras civis), onde
o governo é restabelecido por Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi e, após a
batalha de Sekigahara, a autoridade é passada a Tokugawa Ieyasu, que fica
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reconhecido como xogun e finalmente centraliza o poder. Como haviam muitos
missionários e comerciantes estrangeiros pelo país trazendo religiões e ideologias
culturalmente diferentes das tradicionais japonesas, os Tokugawa acabam por
enxergá-los como possíveis colonizadores, expulsando estes comerciantes e
missionários do país e proibindo qualquer japonês de viajar ao exterior, fechando
os portos e permitindo apenas a entrada dos holandeses e chineses, ainda que
restritos ao porto de Nagasaki, afastando assim qualquer ameaça ao shogunato.
O clã Tokugawa completa a estruturação do regime, no tempo do
terceiro xogun Iemitsu(1604-51). Este esmaga em 1637-38, um levante
camponês que tem apoio de cristãos e antigos partidários Toyotomi, na
península de Shimabara, Kyûshû. Essa revolta, aliás, é a gota d'água
que leva Edo a fechar o país ao mundo exterior, com a exceção de
Deshima, em Nagasaki, porto aberto ao comércio com holandeses e
chineses. (YAMASHIRO, 1997)
Em 1853, uma frota de navios americanos pede para que os
representantes do Xogunato ouçam o que tinham a dizer. No ano seguinte voltam
com o dobro desta frota solicitando a abertura dos portos ao ocidente, colocando
fim aos dois séculos do Sakoku(fechamento dos portos). Como a defesa do Japão
era de responsabilidade do xogun, o que fortificava a aceitação do Bakufu, o
regime que estava em atividade, a "agressão" dos norte americanos representou
o fim desse poder. Com a derrota dos Tokugawa, o xogun Keiki Tokugawa, em
1837, entrega o governo nas mãos do jovem imperador Meiji, que toma posse,
fazendo com que se inicie a forma do Japão como Estado Nacional Moderno.
O período Meiji sem dúvida foi um grande trampolim para a modernização
e expansão do Japão não apenas internamente, mas também no quadro mundial.
Porém não foi um tempo fácil para o mesmo, pois devido ao longo isolamento, o
país passou por uma turbulência, necessitando reformular sua cultura para que se
adaptasse ao mundo moderno, além de receber uma gama enorme de produções
ocidentais.
Com as profundas e radicais transformações realizadas para a
modernização (ocidentalização), o país está apto a enfrentar tremendas
adversidades no oceano agitado da política internacional. E entra em
conflito armado com poderosos vizinhos. Triunfa na guerra com a China
(1894-95) e com a Rússia (1904-05),façanhas que provocam profundo
espanto e admiração no mundo inteiro. (YAMASHIRO, 1997)
11
Essa era marcou a entrada do Japão na corrida imperialista do século XIX,
fazendo com que a elite japonesa se dividisse em dois caminhos: o domínio
econômico e o expansionismo militar.
Logo, o antigo sistema de poder político pelos donos de terra foi substituído
por um sistema de prefeituras locais, subordinadas ao poder central.
A capital foi transferida de Kyoto para Edo, posteriormente renomeada de
Tóquio, sendo criado um código administrativo chamado Seitaisho, seguido de
uma estrutura governamental central, Daijo-kan. Esta estrutura era dividida nos
departamentos: Legislativo, Executivo, Shinto, Finanças, Militar, Relações
Exteriores e Relações Civis. Já o Ministério da Justiça foi estabelecido
separadamente à moda dos países ocidentais. Importante ressaltar que o
departamento militar fortaleceu o exército e a marinha, pois com os portos abertos
se fazia necessário uma melhoria das defesas nacionais.
Para resistir ao processo de dominação, o país finalmente permitiu que os
japoneses fossem enviados para os Estados Unidos e à Europa para que
pudessem estudar em universidades voltadas para os campos de ciência e
tecnologia, dominando assim o conhecimento necessário para a criação de suas
primeiras indústrias
Toda a atividade econômica foi totalmente voltada para formação de
industrias de base e assim, um novo sistema de impostos foi elaborado para que
fosse possível maior investimento nos campos econômico e militar.
Devido à aliança ao Império Britânico, o Japão teve a oportunidade de
ocupar as terras da China que eram colônias alemãs, aumentando assim sua
economia e tendo um certo domínio sobre o mercado asiático.
Alguns pontos de confronto principais foram travados, entre eles: a
segunda guerra sino japonesa(1937-45), onde o Japão tinha o interesse de
anexar áreas da China ao seu território. Em 1941 houve o ataque japonês a base
de Pearl Harbor, o que fez com que os Estados Unidos entrassem na segunda
guerra mundial. O fim das guerras ocorreu com o lançamento de duas bombas
pelos Estados Unidos alvejando as cidades de Hiroshima e Nagasaki, causando a
rendição do Japão.
12
3. SAMURAIS: HISTÓRICO E FILOSOFIA
Como visto anteriormente, os samurais foram de grande importância na
história do Japão. A partir de estudos, historiadores datam o grupo chefiado por
Mitsumata Minamoto(912-997) como o primeiro bushidan(grupo de samurais)
importante.
Porém, somente a partir do ano 1081 dá-se, segundo um diário de um
nobre da Corte, a participação do grupo de samurais comandados por Yoshiie
Minamoto no acompanhamento do imperador durante uma visita, constituindo
então, uma força indispensável no quesito de guarda.
Durante o século XI, ocorrem duas guerras importantes no decorrer do
desenvolvimento dos bushidan, chamadas "Guerra dos Nove Anos Anteriores"
(Zenkunen no eki) e a "Guerra dos Três Anos Posteriores"(Gosannen no eki). É
ao longo das mesmas que se observa o aperfeiçoamento do código moral
samurai com lealdade e fidelidade ao superior.
Servi ao meu general durante três décadas. Já estou com sessenta anos
de idade e meu general se aproxima dos setenta. É meu desejo
acompanhá-lo na morte. (YAMASHIRO, 1969)
Na segunda metade do período correspondente às guerras (Heian), este
código moral se encontra bem estabelecido, fortalecido pelas lutas travadas.
Dentro dessa moral - que, repetimos, forma-se aos poucos no fragor das
lutas e nas experiências da vida árdua do campo - ele considera sua vida
"menos valiosa que uma pena de ave", diante da necessidade de
cumprir seu dever. (YAMASHIRO, 1969)
O bushidô, que mais à frente dá corpo às diversas artes marciais, enfatiza
o orgulho, a honra e o espírito de luta do guerreiro, lutando pelo seu senhor, sua
família e sua perpetuação, não levando em conta ele próprio.
Um grande aspecto do código samurai, e que intriga muito aos que não
pertencem à sua cultura, é a obrigação ou dever de praticar a evisceração,
conhecida mais formalmente como seppuku(também conhecido como harakiri),
em determinadas situações.
Havia três principais casos em que se praticava o mesmo: evitar a captura
em campo de batalha, pois isso era de imensa desonra para eles; castigo por
indignidade ou crime; advertir o seu senhor sobre seus atos.
13
Um grande exemplo se dá na história de Nobunaga Oda, um dos mais
brilhantes generais da época. Quando jovem, sempre foi violento e indisciplinado,
até que um vassalo que serviu sua família por muito tempo pratica o seppuku de
advertência levando Nobunaga a assumir suas responsabilidades como chefe de
seu clã.
O ritual se aplica da seguinte forma: Após purificar-se de corpo e alma,
sentado com as pernas cruzadas à maneira oriental, o mesmo penetra o lado
esquerdo de seu ventre com o punhal puxando-o para a direita e em seguida para
cima, até a cavidade pulmonar. Deve-se demonstrar total autocontrole, pois não
se deve expressar sinais de medo ou dor (colocando a disciplina como grande
valor para o guerreiro). Em seguida, o kaishakunin (posição de honra) dá o golpe
de misericórdia decepando a cabeça do condenado com um golpe de espada.
Como costume, este ritual era ensinado ao filho homem logo antes de
alcançar a maioridade.
Entende o escritor Ryôtaro Shiba(no seu romance histórico Ryômaga
Yuku... que o harakiri representa um meio de se atingir, mediante à
supressão do medo da morte - considerada a coisa mais difícil para o
ser humano - a máxima tensão espiritual, a beleza suprema e a
verdadeira liberdade.(YAMASHIRO, 1997)
O bushidô, legado dos samurais, é mais a frente, fonte de inspiração para a
criação de diversas artes marciais, como o Aikidô, através de seu mestre Morihei
Ueshiba(1883-1969) que será abordado no próximo capítulo.
14
4. MORIHEI UESHIBA,VIDA E ENSINAMENTOS
As artes marciais, que hoje são difundidas ao redor do mundo todo, tiveram
grandes mestres que as criaram e desenvolveram ao longo dos anos.
Infelizmente ao decorrer do tempo, as mesmas foram influenciadas pelos
esportes, começando a distanciar-se da filosofia envolvida nelas, visando apenas
resultados competitivos como medalhas e troféus.
Neste momento surgiu Morihei Ueshiba(1883-1969), o fundador do Aikidô,
com raízes no bujutsu, mas praticada com o intuito de ser um caminho de
iluminação espiritual.
Morihei nasceu na província de Wakayama na cidade de Tanabe, esta se
localizava próxima ao Oceano Pacífico e as Montanhas conhecidas como
Kumano. Nestas montanhas ao longo dos séculos escondiam-se monges, magos
e feiticeiros em busca dos segredos da criação.
Quando criança, Morihei era sensível tanto mental como fisicamente,
porém tinha uma capacidade sem igual para reter e lembrar tudo o que ouvia e
aprendia. Além de textos chineses, ele foi instruído por seu professor, um
sacerdote da seita Shingon, nos ritos do budismo esotérico.
Quando tinha por volta de 19 anos, Ueshiba participou de um protesto
contra uma lei que regulava a pesca em sua cidade, renunciando assim ao seu
recém adquirido cargo de contador do Posto Fiscal para se tornar um dos líderes
do grupo.
Com o fracasso do movimento, mudou-se para Tóquio, onde trabalhou
como aprendiz de comerciante.
Durante este período praticava o jujutsu Tenshin Shin'yo Ryu que, embora
não tenha sido aprofundado, mostrou a Ueshiba seu verdadeiro caminho, um
guerreiro do espírito.
Devido a uma doença, retornou a Tanabe e casou-se com Hatsu Itogawa.
Com a Guerra Russo-Japonesa se aproximando, colocou-se sobre um rigoroso
treinamento nas montanhas Kumano para recuperar sua saúde. Porém, mesmo
com todo seu vigor, foi rejeitado pelo exercito por conta de ser muito baixo(cerca
de 1,56m). Após muito persistir, finalmente é aprovado num exame suplementar e
entra para o exército nas tropas próximas a Osaka.
15
Com sua iminente partida, recebeu o Selo de Obtenção Shingon através de
um ritual do fogo.
Senti como se uma divindade guardiã tivesse se estabelecido no centro
do meu ser"(UESHIBA, M. 2011)
Ao decorrer de sua estadia em Osaka, treinava no dojo de Masakatsu
Nakai o jujutsu Yagyu Ryu e artes da espada e da lança. Mais tarde neste mesmo
dojo, recebeu a licença para ensinar o jujutsu Goto-há Yagyu Ryu.
Devido à influência política de seu pai, Morihei foi mantido longe das
frentes de batalha e voltou ileso da guerra, sendo mais adiante dispensado pelo
exército.
Com sua volta para casa, seu pai construiu um dojo em sua propriedade
encorajando-o a treinar para espantar suas preocupações, pois o mesmo
encontrava-se desequilibrado por não saber o que fazer.
Em 1910, decidiu ajudar na colonização de Hokkaido promovida por um
projeto governamental. Nos primeiros anos o grupo sofreu bastante, porém
sobreviveu graças aos vegetais e peixes existentes na região. Através de sua
liderança desenvolveu-se a exploração de madeira, cultivo de menta e criação de
suínos no local. Como membro do conselho da aldeia, organizou brigadas de
saúde e saneamento.
Ueshiba continuou com suas práticas religiosas como o misogi (lavar o
corpo com água fria) e treinou seu corpo cortando árvores, até que encontrou
Sokaku Takeda, o mestre do estilo Daito-Ryu. Ao encontrá-lo, Ueshiba ficou
maravilhado por seu conhecimento e pediu para tornar-se seu aluno. Ao ser
aceito, passou a treinar dia e noite, recebendo de Takeda um texto com as
técnicas secretas do Daito-Ryu, às quais se devotou a estudar pela sua
flexibilidade de adaptação e aplicação em lutas.
Embora seu treinamento no estilo tenha sido de grande valia em seu
desenvolvimento, Ueshiba, ao ser questionado se havia descoberto o Aikido
durante o treino de Daito-Ryu, responde: "Talvez seja mais exato dizer que o
sensei Takeda abriu nossos olhos para as artes marciais".
Mais a frente, ao receber uma notícia de que seu pai se encontrava doente
embarcou numa viagem para Tanabe. Porém durante essa viagem, ouvira de
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alguém comentários sobre uma nova religião que fazia milagres, chamada de
Omoto-kyo, o que o fez desviar seu caminho para Ayabe a fim de conhecê-la.
Ueshiba conhece então Onisaburo Deguchi, que lhe diz que não havia
porque se preocupar com seu pai. O Sensei, como Ueshiba era conhecido, passa
3 dias em Ayabe tentando controlar seu corpo e mente.
Quando finalmente volta a Tanabe, recebe uma mensagem deixada por
seu pai antes da morte: "Viva livremente, de acordo com sua própria vontade".
Após este fato decide mudar-se para Ayabe.
Ao avisar Deguchi sobre sua eventual mudança, o mesmo pede para
tornar-se seu assistente e diz que sua forma de conectar-se com o divino seria a
prática marcial, que o estilo Daito-Ryu não combinava o divino e o humano e
portanto, que Ueshiba deveria criar seu próprio estilo.
A verdadeira arte marcial faz cessar a violência por intermédio da virtude
e do amor. (UESHIBA, M. 2011)
Além de seguir como instrutor do budô, Morihei ficou responsável pelas
hortas orgânicas da Omoto-kyo, fazendo com que o mesmo se levantasse de
madrugada para trabalhar os campos e coletar fertilizantes.
Quatro meses após O Sensei chegar a Ayabe, Onisaburo encorajou-o a
seguir seu caminho como artista marcial e propagador do budô, abrindo então um
dojo, ou como foi conhecido: "Ueshiba Juku" (escola Ueshiba). Durante esse meio
tempo o Aikidô começou a tomar forma e finalmente ganhar sua forma como arte
marcial.
Nesse dojo, o aikido deu o passo crucial para deixar de ser um jutsu, ou
conjunto de técnicas, e tornar-se um do, ou caminho marcial, um tipo de
arte muito superior. (UESHIBA, K. 2011)
Embora no começo Ueshiba não aceitasse qualquer um como seu
discípulo, ao longo do tempo, seu dojo se tornou muito popular e já se encontrava
com muitos alunos. Deve-se deixar bem claro que o objetivo principal de O
Sensei, independente de seus vários pupilos, era seu treinamento ascético.
Através das instruções de Deguchi, foi criada uma brigada de incêndio e o
cultivo da terra também era uma tarefa de grande importância na época em que
Ueshiba ajudou a aumentar o alcance popular da Omoto-kyo. Porém, o mais
17
importante a ser dito é que por suas relações com Deguchi, O Sensei chegou a
um tipo de iluminação.
Dois aspectos principais sobre essa iluminação são discutidos, sendo eles:
Kotodama e Musubi.
O Kotodama é explicado como sendo a centelha divina que habita o ser
humano, fazendo dele tudo o que podem ser. Ou seja, a partir do quão próximo a
expressão perfeita do Kotodama fosse dominada pela pessoa, via-se na mesma
um maior talento ou caráter, manifestando o espírito universal. Aqueles que nele
buscam seu desenvolvimento tem a capacidade de dirigir seu poder para alcançar
algo desejado. Seu crescimento é dividido em graus, que começam em "pessoa
verdadeira" e atingem o ápice no grau "pessoa divina".
A princípio as palavras simplesmente se fazem presentes na forma de
sons. Porém num nível mais desenvolvido, as palavras contendo um alto nível de
ki(energia), podem ser reconhecidas como espírito ou tama, tornando se assim,
divinas.
É difícil explicar o conceito de Musubi, pois o mesmo é composto por
muitos termos técnicos e faria com que o trabalho se tornasse extenso demais,
porém, mais resumidamente, podemos entendê-lo como "poderes espirituais de
Deus que geram toda a criação", tendo o Kotodama como uma de suas
manifestações.
Andando por entre as árvores do jardim, Ueshiba sentiu um grande
tremor sob os pés e foi envolvido por raios dourados... Imediatamente
compreendi a natureza da criação: o caminho do guerreiro é manifestar o
amor divino, um espírito que abarca e nutre todas as coisas... Vi o
universo inteiro como meu lar, e o sol,a lua e as estrelas como meus
amigos íntimos. Todo apego às coisas materiais se desvaneceu.
(STEVENS, 2007)
Através da prática do Budo, Morihei aprendeu seus segredos, chegando
assim a entender a necessidade real dos seres humanos, que seria a harmonia
de seus corpos e mentes em cooperação com o ki, que conecta ambos.
O Aikido é descrito como um caminho para a verdade e assim seu treino
deve ser totalmente voltado à busca da mesma. Três princípios são citados para a
ascese da arte marcial: treinar para harmonizar sua mente com os movimentos do
universo; treinar para harmonizar seu corpo com os movimentos do universo;
18
treinar para harmonizar o seu ki, que une a mente e o corpo, com os movimentos
do universo.
Este tipo de treinamento é desenvolvido não apenas no dojo, mas também
no dia-a-dia, pois diferente de nossos estudos sobre variados conhecimentos nos
dias atuais, vive-se o que se estuda e pratica não sendo apenas da boca para
fora.
19
5. A PRÁTICA E VIVÊNCIA DA ARTE MARCIAL
O japonês em si é uma língua complexa, pois dependendo dos
kanjis(caracteres japoneses) usados o significado da palavra vai sendo
modificado, porém podemos traduzir a palavra Aikido de uma forma
compreensível ao português como “O caminho da harmonia e do amor”.
No Aikido não há competições, pois suas técnicas não são baseadas em
ataques e sim em movimentos circulares, projeções e torções, com o objetivo de
desequilibrar o oponente a partir de sua própria força aplicada ao atacar, sendo
portanto um arte marcial defensiva por natureza. Embora exista também o
sistema de faixas de graduação, para fortalecer este sentimento de “não
competição”, muitas academias adotam um sistema em que embora graduados,
todos os alunos, com exceção dos faixas pretas, utilizem apenas faixas brancas,
demonstrando que ninguém é maior ou melhor que ninguém.
Por sua grande eficiência como defesa, ela vem sendo praticada e utilizada
por Grupos Policiais de diversos países, como a SWAT nos EUA, a polícia de
Governador Valadares no Brasil e a polícia feminina de Tóquio, pois com a
aplicação correta de suas técnicas, até mesmo uma criança ou mulher pode
projetar um homem grande e imobilizá-lo.
O Aikido é também o estudo do espírito. Como dito previamente, apenas
através do conhecimento em conjunto com a vivência é possível chegar ao real
entendimento de sua essência.
A progressão real na prática do Aikido é feita ao perceber o universo como
realmente é, e a partir disso, nele fundamentar suas ações, abrindo a sua própria
porta para a verdade.
Vivemos hoje em um mundo comandado pelo materialismo, sendo que a
única forma de torná-lo melhor é o treinamento do espírito em conjunto com o
físico, harmonizando a si mesmo com o todo, nutrindo o sentimento de melhorá-lo
continuamente no dia-a-dia.
Morihei coloca as próprias técnicas e ataques como energias, estas que
através de um rigoroso treinamento, podem ser evitados e até mesmo contra
atacados.
A razão do treinamento real desta arte marcial é a construção interior de
cada praticante, descobrindo através dele seu verdadeiro “eu”, para que assim,
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com os sentidos purificados, possamos também agir como purificadores de todos
e tudo que existem ao nosso redor. Deve-se sempre levar em consideração que
cada um tem o seu tempo de desenvolvimento, porém um real adepto do Aikido
jamais para de aprimorar seu caráter.
Algo muito importante é ressaltar que as técnicas mudam constantemente,
pois como cada situação na vida pede uma reação adequada somente a ela, seria
um erro enorme prender-se a uma forma pré-determinada, privando-se da
adaptabilidade que a mente humana nos permite ter através de sua criatividade.
Todas as técnicas então ensinadas a mim por meus predecessores
começaram a aparecer-me de forma renovada. Elas não mais eram
simplesmente técnicas, mas antes veículos para o cultivo da vida, do
conhecimento, da virtude e do bom-senso. (UESHIBA, 2011)
Alguns ensinamentos do budismo ditam que se faz necessário, antes de
tudo, purificar seus próprios sentidos antes de tentar compreender a realidade,
pois quando os mesmos não se encontram puros e harmonizados, a confusão se
faz presente, cegando assim o seu caminho.
Embora muitos vejam as artes marciais apenas como lutas, o Aikido e sua
filosofia trazem como um de seus principais objetivos, eliminar toda a guerra e
conflitos de nosso mundo. A prática de purificação de si mesmo, com o objetivo
de alcançar este fim é chama da de “Odo”, onde “O” é entendido como o vazio
absoluto, e “do”, como a meditação sentada.
O Budô, que compõe toda a filosofia das artes marciais, é entendido como
o verdadeiro caminho, a união entre o humano e o divino, tornando-se, portanto o
caminho que não apenas os praticantes das mesmas, mas todos os humanos
deveriam seguir.
O primeiro passo para se tornar um com o universo é expelindo todo o seu
mal interior, que só se torna possível através do amor. Como Ueshiba dizia: ”O
amor nunca luta. O amor não tem inimigos.”
A partir disso, podemos entender que qualquer arte voltada para travar
guerras e/ou conflitos, está fora do significado real do Budo e do Aikido, que é
caracterizado como a incorporação do amor.
O conceito de vitória é visto como a derrota de seus próprios conflitos
mentais. Quando se coopera com o universo, você o tem dentro de si e a energia
segue seu fluxo natural e contínuo, mostrando sua verdade interior.
21
Perceba a natureza verdadeira do universo, incorpore-a em você, faça
dela a sua base e abra os olhos – esse é o grande propósito da prática
do Aikido (UESHIBA, M. 2011)
Segundo a filosofia do Aikido, todos nós temos nosso papel a ser
desempenhado neste grande projeto de purificação do mundo, porém, apenas
aqueles que se dedicam a aprimorar-se física e espiritualmente conseguem
cumpri-lo com maestria.
Como visto anteriormente, existem 75 Kotodamas, e segundo O Sensei, é
deles e de suas vibrações que todas as técnicas e todos os indivíduos evoluíram
até se tornarem o que hoje são.
Do exaltado sol
setenta e cinco sons
nasceram
ensinando-me
o caminho do aiki
Quando nos tornamos humildes a ponto de entendermos que não somos
mestres ou alunos, e sim que trabalhamos em conjunto para um bem maior do
mundo, nos tornamos capazes de desempenhar, algo muito mais abrangente do
que faríamos como uma simples unidade. Só se tornará verdadeiramente livre,
aquele que se libertar de todos os seus desejos particulares.
Entrando um pouco mais a fundo no que foi abordado previamente, o
Misogi no Aikido é tido como o assentar corretamente o espírito. Em sua filosofia,
antes de tudo existir, o aiki(energia da harmonia e do amor) se fez presente para
criar o universo, e o Misogi foi o caminho pelo qual isso foi realizado e é a partir
de suas técnicas que obtemos a purificação necessária para desempenharmos
nosso papel no mundo físico. Através do tempo, os astros e a natureza sempre
nos mantiveram sem interrupção, logo, como eles devemos nos tornar.
No Aikido nunca se ataca, pois este mesmo ataque nos prova que não
estamos confiantes na vitória. Nunca força-se o oponente de um jeito não natural.
Quanto mais violento e descontrolado um golpe é projetado, mais fácil se faz de
controlá-lo ou contra atacá-lo, pois as técnicas permitem que utilizemos a força de
22
nossos adversários contra eles mesmos, fazendo dessa forma com que ele seja
vencido pelo seu próprio ataque.
Com o entendimento da importância do aperfeiçoamento tanto físico
quanto espiritual para a arte marcial, prossigamos então para o impacto da
esportivização sobre a mesma e suas consequências.
23
6. A ESPORTIVIZAÇÃO DA ARTE MARCIAL
Para entendermos a esportivização é necessário buscar o capitalismo e
suas bases. Neste, somos divididos em classes sociais: Trabalhadora e
Proprietária, no quais a porção trabalhadora busca as condições básicas de vida,
lutando por seu emprego e salário, e a proprietária que busca sempre o acúmulo
de riquezas, visando sempre o lucro para assim garantir seu posto no poder.
Essa classe dominante então impõe sua ideologia através das mídias,
passando por cima da moral e ética, muitas vezes desrespeitando várias culturas.
A partir disso, tudo o que pode ser considerado lucrativo é colocado como
mercadoria e vendido mesmo que para isso precise transformado em algo muito
aquém do objetivo cultural ou filosófico inicial.
Não temos como dissociar os esportes, em sentido Olímpico ou qualquer
outro campeonato de alto nível da mídia e da geração de lucro tanto para
empresas que patrocinam o evento em si como as que sustentam os atletas
participantes.
No momento existem diversas discussões acerca do uso de doping e a
ânsia de fazer o que for preciso para garantir a vitória, ganhando assim medalhas
e aumentando a fama particular, ajudando assim na aquisição de patrocinadores
que definem o sucesso ou falha na carreira do atleta. Esta forma de pensar abre
portas para as mudanças nas bases técnicas e, muitas vezes, deixando de lado a
filosofia e caminho de vida presentes no dia-a-dia dos praticantes da arte marcial
em questão, como também em muitas outras que já sofreram este processo.
Outro ângulo que deve ser levado em conta é a forma como se define o
vencedor e perdedor. Na maioria das lutas, o sistema mais conhecido e utilizado
para este fim é o de pontuação. Nele, quando o indivíduo consegue desferir um
golpe, que deve ser válido dentro do regulamento, contam-se pontos, os quais
podem ser acumulados até defini-lo como vencedor, ou ate mesmo golpes que
contam como vitória instantaneamente. Mas a partir disso nasce um novo
problema, que se caracteriza na necessidade de criar a situação propícia para a
aquisição dos pontos. As artes marciais que possuem técnicas e movimentos
fluidos começam a ser deixadas de lado, dando lugar ao uso da força e
movimentos mecanizados para atingir o objetivo do campeonato.
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O sistema oriental de práticas corporais é esquecido neste processo, pois o
alto rendimento visa a técnica acima de tudo, tornando, portanto a prática
mecanizada e com regras pré-determinadas, adulterando as práticas por uma
força externa aos seus princípios. Porém, se as mesmas não adequarem ao
sistema presente, correm até o risco de serem esquecidas, pois os mestres não
teriam uma fonte de subsistência ou mesmo a própria arte não teria veículo para
ser disseminada.
O Aikido resiste fortemente a esportivização, principalmente pelo fato de
que é baseado na “não-competição” e que não possui ataques. É possível que ao
longo do tempo possibilitem a criação de uma competição relacionada ao mesmo,
porém pelo simples fato de se tornado uma competição, também se torna algo
que pode ser conotado como qualquer coisa, menos como Aikido, pois perderá
toda sua origem e objetivo.
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7. CONCLUSÃO
A contextualização da cultura japonesa e seu meio, como também o modo
de vida dos samurais, possibilitaram melhor compreensão acerca do surgimento e
desenvolvimento do Aikido e sua filosofia, pois através do Budo é possível
entender o comportamento daqueles que o praticam e também o objetivo real do
mesmo como arte marcial e sua contribuição para a ascese tanto física como
espiritual do ser humano.
Visualizando a vida do mestre Morihei Ueshiba torna-se ainda mais claro o
papel do Aikido, de forma que uma criança que a princípio tinha problemas de
fraqueza tanto física como mental pode se desdobrar em um grande homem que
tanto contribuiu para seu meio e as pessoas à sua volta. A partir de suas ações,
modificou e, como ele mesmo dizia “purificou o mundo” com seus pensamentos e
decisões equilibrados.
É fato que a filosofia relativa a esta arte marcial é densa e de forma alguma
poderia ser explorada por completo neste estudo, porém foi possível através de
sua breve abordagem, entender a importância da mesma para o praticante e a
sua forma de enxergar o mundo para então melhorá-lo. Com o entendimento,
mesmo que pequeno sobre a crença e do caminho de vida das pessoas, se faz
presente o respeito e assim, como esta mesma filosofia prega, tornamos melhor
nosso próprio eu e o ambiente ao nosso redor.
A discussão sobre a esportivização, não apenas do Aikido como também
de muitas artes marciais, mostrou o grande perigo que vem se colocando sobre
elas, pois ao impor e modificar a estrutura cultural e filosófica, como também a
configuração dos próprios treinos e técnicas para um fim exclusivamente
econômico, destrói a sua origem, desviando-as, portanto de seu caminho inicial.
Finaliza-se, portanto este estudo, que promoveu maior enfoque sobre a
arte marcial que no momento encontra-se como uma das que ainda estão sendo
disseminadas através do globo, contribuindo para o conhecimento e
conscientização acerca desta por aqueles que não a conhecem. Almejamos que
esta disseminação possa ser com seu objetivo e caráter no qual foi criada,
podendo assim realmente modificar o mundo para melhor.
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8. REFERÊNCIAS
Instituto Guan Yu. Disponível em:
.
Acesso em: 17 mai, 2016.
Stevens, J. Três Mestres do Budo. São Paulo: Cultrix, 2007. 143 p.
Sunadomari, K. A Iluminação através do Aikido. São Paulo: Pensamento, 2006.
192 p.
Tsurugi no Michi - O Espírito Marcial. Disponível em:
. Acesso
em: 07 jun, 2016.
Ueshiba, K. Uma Vida no Aikido. São Paulo: Pensamento, 2011. 320 p.
Ueshiba, M. Ensinamentos Secretos do Aikido. São Paulo, 2011. 158 p.
Yamashiro, J. História da Cultura Japonesa. São Paulo: Ibrasa, 1986. 234 p.
Yamashiro, J. História dos Samurais. 2 Edição. São Paulo: Herder, 1969. 276 p.