SABERES PROFISSIONAIS DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA: FOCALIZANDO O PROFESSOR E A ÁLGEBRA NO ENSINO FUNDAMENTAL EDMÉA APARECIDA ROCHA SILVA RABONI Presidente Prudente 2004 FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA PRESIDENTE PRUDENTE EDMÉA APARECIDA ROCHA SILVA RABONI SABERES PROFISSIONAIS DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA: FOCALIZANDO O PROFESSOR E A ÁLGEBRA NO ENSINO FUNDAMENTAL Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do Título de Mestre em Educação à Comissão Julgadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da FCT – Unesp de Presidente Prudente, sob orientação do Prof. Dr. Vinício de Macedo Santos. Presidente Prudente 2004 Ficha catalográfica elaborada pelo Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação UNESP – FCT – Campus de Presidente Prudente 116s Raboni, Edméa Aparecida Rocha Silva. Saberes profissionais do professor de matemática : focalizando o professor e a álgebra no ensino fundamental / Edméa Aparecida Rocha Silva Raboni. – Presidente Prudente : [s.n.], 2004 224 f. : il. Dissertação (mestrado). - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Orientador: Vinício de Macedo Santos 1. Saberes profissionais. 2. Educação matemática. 3. Ensino de álgebra. I. Raboni, Edméa Aparecida Rocha Silva. II. Santos, Vinício de Macedo. III. Título. CDD (18.ed.) 510.7 EDMÉA APARECIDA ROCHA SILVA RABONI SABERES PROFISSIONAIS DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA: FOCALIZANDO O PROFESSOR E A ÁLGEBRA NO ENSINO FUNDAMENTAL Comissão Julgadora __________________________________ Vinício de Macedo Santos __________________________________ Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino __________________________________ Monica Fürkotter Presidente Prudente, 16 de agosto de 2004. A Deus por mais esta oportunidade em minha vida. Com Carinho, Ao Paulinho, à Camila e ao Luís Henrique que, com ternura, paciência e amor, dividiram comigo todos os momentos deste percurso. Aos meus pais Djalma e Zenaide, que, do jeitinho deles, souberam proporcionar condições para minha formação. Agradecimentos Quero deixar aqui registrado o meu agradecimento a todos aqueles que contribuíram para que este trabalho, este sonho, se concretizasse. Com carinho, Ao Prof. Dr. Vinício de Macedo Santos, meu orientador, que, além de me orientar, acompanhar e incentivar, soube também respeitar os meus muitos limites. À Direção e Coordenação da escola, pela confiança em mim depositada. Às professoras e também colegas de profissão, que me acolheram e compartilharam comigo os seus espaços de trabalho, seus conhecimentos, experiências e expectativas. Aos alunos e seus pais, pela confiança depositada em nosso trabalho. À Profa. Dra. Monica Fürkotter, pela sua atenção, pelas leituras cuidadosas, pelas sugestões e observações feitas ao trabalho e pela participação na banca de qualificação. À Profa. Dra. Márcia Cristina de Costa Trindade Cyrino, pela participação na banca de qualificação e pela leitura e sugestões apresentadas. Às Professoras Leny Rodrigues Martins Teixeira e Gilza Maria Zauhy Garms, pela experiência, apoio e contribuição no seminário de pesquisa da pós- graduação em Educação da Unesp de Presidente Prudente. Ao Prof. Dr. Dario Fiorentini, pela amizade, confiança e colaboração. A Paulo César de Almeida Raboni, pelo constante incentivo, pela compreensão, pelo carinho, pela colaboração e pela atenção dada a mim e ao meu trabalho. Muito obrigada! Aos professores do grupo Grupo de Pesquisa Ensino e Aprendizagem como objeto da Formação de professores (GPEA), pelas palavras de conforto e ajuda, pela troca de experiências e pelas sugestões. A todos os professores e funcionários da Faculdade de Ciências e Tecnologia, Unesp de Presidente Prudente. A todos os meus colegas de profissão, pelas palavras de ânimo e conforto. A todos os meus colegas do mestrado, pelo incansável apoio. A meus familiares Paulinho, Camila, Luís Henrique, Djalma, Zenaide, Vera, Fábio, Gustavo José, Jéssica, Clayton, Sandra, Paulo Raboni, Terezinha, Claudia, Edmilson e Maria José que, com muito carinho e paciência, souberam compreender as minhas muitas ausências. À Profa. Maria Olga Orlandi Lasso, pela disponibilidade e cuidadosa correção do trabalho e à Márcia Regina Moreira, pela adequação do texto às normas técnicas. À Secretaria Estadual de Educação pelo apoio financeiro nos últimos meses da pesquisa através do seu programa de bolsa-mestrado. Nunca se pode saber de antemão de que são capazes as pessoas, é preciso esperar, dar tempo ao tempo, o tempo é que manda, o tempo é o parceiro que está a jogar do outro lado da mesa, e tem na mão todas as cartas do baralho, a nós compete-nos inventar os encartes com a vida. José Saramago – Ensaio sobre a cegueira Resumo Esta pesquisa faz uma reflexão sobre os saberes profissionais do professor de Matemática, com foco no ensino de Álgebra, tomando o professor como sujeito central no processo de ensino, a partir de um trabalho desenvolvido em grupo ao longo de um semestre escolar. A forma de organização do grupo e as atividades por ele desenvolvidas conferem à pesquisa um caráter de trabalho colaborativo. Para o estudo, foi construído um referencial teórico que trata de questões fundamentais sobre os saberes profissionais do professor no campo da Educação Matemática, e busca compreender práticas e movimentos do professor em aula. Esse referencial é complementado por uma discussão sobre a aprendizagem da Álgebra, com destaque para a complexidade de seus conceitos, de sua evolução histórica e de sua inserção no currículo escolar. O trabalho foi desenvolvido em uma escola pública estadual do município de Presidente Prudente, SP, com a participação de duas professoras efetivas de cargo, ambas formadas em Matemática, e de uma terceira professora, presente em alguns momentos quando trabalhou em aulas de reforço nas salas em que a pesquisa foi desenvolvida. As informações da pesquisa foram coletadas a partir da observação direta das aulas, de entrevistas semi-estruturadas, de questionários e de relatos elaborados pelas professoras. A análise dos dados abrange dois domínios: atitude profissional e saber profissional. Os resultados obtidos estão de acordo com minhas expectativas. Como tinha me proposto a identificar/reconhecer os conhecimentos mobilizados no trabalho com Álgebra e, estando as professoras envolvidas e apoiadas por um grupo colaborativo, foi realizado um processo de reflexão sobre a prática, aprofundando-se, assim, seus saberes. Pequenas modificações foram observadas. Foram geradas algumas tensões, e novas transformações estão em curso. Abstract This research presents a reflection about the professional knowledges of the teacher of Mathematics, focusing on how to teach Algebra, taking the teacher as the central subject in the process of teaching. Its departure point is the work carried out in a group thru a 6-month period in a school. The way the group was organized and the activities that it carried out make the research a collaborative work. In order to carry this study, a theoretical framework was constructed. It deals with crucial issues on the professional knowledges of the teacher in the field of Mathematical Education, and aims to understand pratices and movements of the teacher in the classroom. This framework is complemented by a discussion on the learning of Algebra, highlighting the complexity of its concepts, of its historical evolution and its insertion on the school curriculum. The work was carried out in a State Public School in Presidente Prudente, SP, with the participation of two teachers with tenure in the school, both graduated in Mathematics, and of a third one, who was present during some moments when she worked with some reinforcement classes, in which the research was developed. The informations of the research have been collected from direct observations of the classes, from half-structured interviews, from questionnaires and reports elaborated by the teachers. The analysis of the data comprehend two domains: professional attitude and professional knowledge. The results that were obtained fit the expectations. As I had the purpose of identifying and recognizing the knowledges that were put into action in the work with Algebra, and, being the teachers involved and supported by a collaborative group, a process of reflection about the practice was carried out, deepening, therefore, their knowledges. Little changes were observed. Some tensions have been generated and new transformations are in course. SUMÁRIO RESUMO..................................................................................................... vii ABSTRACT................................................................................................. viii INTRODUÇÃO: Questões e condições iniciais relativas ao estudo..... 1. Um breve histórico do meu percurso de professora................................ 2. Uma experiência em que a pesquisa era condição de formação............ 3. Reflexões e motivações para dar continuidade e aprofundar o trabalho de pesquisa............................................................................. 01 05 08 14 CAPÍTULO I: Principais domínios de referência para a pesquisa......... 1. Referenciando o estudo no âmbito das pesquisas em Educação Matemática.............................................................................. 1.1. Educação Matemática: a formação do professor de Matemática como tema de investigação........................................... 1.2. Atenção à ação do professor como tema de estudo......................... 2. A Álgebra e seu ensino como tema de estudo relevante ........................ 2.1. A Álgebra na história......................................................................... 2.2. O ensino de Álgebra nas pesquisas em Educação Matemática...... 2.3. A Álgebra nos currículos.................................................................. 2.4. A sala de aula e o ensino de Álgebra .............................................. 19 19 20 21 30 30 35 41 46 CAPÍTULO II: Objetivos do estudo e os caminhos metodológicos...... 1. Caracterização da pesquisa..................................................................... 2. Caracterização da escola e os sujeitos da pesquisa............................... 2.1. Professora A..................................................................................... 2.2. Professora B..................................................................................... 2.3. Professora C..................................................................................... 3. Descrição da pesquisa............................................................................. 4. Instrumentos de coleta de informações................................................... 56 57 64 66 67 69 70 75 CAPÍTULO III: Caracterização e análise do trabalho............................. 1. Escola – desenvolvimento do trabalho.................................................... 1.1. Professora A..................................................................................... 1.2. Professora B..................................................................................... 2. Análises a partir das categorias: atitude profissional e saber profissional..................................................................................... 2.1. Atitude profissional............................................................................ 2.2. Saber Profissional............................................................................. 77 77 79 101 119 119 128 CAPÍTULO IV: Considerações finais........................................................ 137 REFERÊNCIAS........................................................................................... 147 ANEXOS...................................................................................................... 152 1 INTRODUÇÃO Questões e condições iniciais relativas ao estudo Um exame do que foi produzido nas últimas décadas em pesquisas sobre o ensino de Matemática e sobre a educação em geral revela, ao leitor, o quanto elas avançaram, qualquer que seja o período considerado. Também assistimos, nesse mesmo período, à formulação e ao desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a permanência do aluno na escola, ou para melhor qualificar os professores e, conseqüentemente, equacionar pontos vulneráveis na escola básica: fracasso e exclusão do aluno, formação do professor etc. Demonstrando uma aparente contradição, um olhar um pouco mais atento à realidade da sala de aula proporciona ao observador uma visão do quanto a realidade do ensino está distante dos resultados obtidos pelas pesquisas e das intenções dos projetos de melhoria da qualidade de ensino. Nesse contexto, o ensino de Matemática ocupa posição de destaque. Em que pese a expressiva atenção às questões do ensino dessa área, a Matemática continua sendo uma das principais disciplinas responsáveis pelo fracasso escolar e, conseqüentemente, pela evasão e exclusão de parcela significativa da população do universo da cultura. A Álgebra tem sido foco de muitas pesquisas em Educação Matemática e, devido a peculiaridades que discutiremos adiante, reúne alguns dos principais elementos-chave na compreensão das dificuldades encontradas por professores e alunos da escola fundamental. A complexidade da tarefa de 2 ensinar Álgebra e as dificuldades do professor ao trabalhar com Álgebra no ensino fundamental têm sido para mim os aspectos mais inquietantes do trabalho docente. Muito tem sido feito para melhorar o ensino de Álgebra, mas os resultados são poucos e insatisfatórios. As análises presentes em documentos oficiais (Proposta Curricular para o ensino de Matemática, SÃO PAULO, 1992; Parâmetros Curriculares Nacionais, BRASIL, 1998) e em trabalhos sobre o ensino de Álgebra (PINTO, 1997; BOOTH, 1995) fazem referência a alguns desses resultados, bem como, às origens de muitas das dificuldades encontradas. Tanto a prática cotidiana quanto as pesquisas, nos últimos anos, têm apontado o professor como elemento central para qualquer tentativa de mudanças significativas no ensino de Álgebra. Diante das necessidades de mudança com relação ao ensino e aprendizagem do aluno, o professor passa a ser um elemento importante para as pesquisas em Educação e, em especial, para a Educação Matemática. Pesquisas como as de García Blanco (1997); Fiorentini et al (1998) e Tardif (2002) discutem o papel do professor e o seu conhecimento profissional a partir de saberes que ele precisa ter para o desempenho de suas funções. Entre esses saberes há os conhecimentos vindos da experiência de vida (cultural, social e profissional). As pesquisas revelam, também, um professor que, em dissonância com as imagens de executor passivo de idéias desenvolvidas por outros, cria, reflete e constrói conhecimentos a partir da realidade complexa para a qual não existem padrões definitivos. O professor, 3 com essas características, tem sido denominado reflexivo, prático reflexivo e pesquisador (FIORENTINI, 1998; ZEICHNER, 1993). A caracterização do conhecimento profissional do professor, nas aulas de Matemática, e o reconhecimento da sua importância tal como aparecem nas pesquisas mencionadas constituíram-se referências para fundamentar a presente pesquisa que tem como objetivo: refletir sobre os saberes profissionais do professor de Matemática do Ensino Fundamental a partir de sua prática pedagógica no ensino de Álgebra. Busco essa reflexão a partir do acompanhamento do trabalho de duas professoras com classes de sétima série, colegas de profissão, de escola, de área de atuação, caracterizando um trabalho colaborativo no qual procuramos compartilhar as preocupações e inquietações, as práticas e experiências e os possíveis caminhos para proporcionarmos aos alunos um espaço de aprendizagem significativa. A definição do tema desta pesquisa foi resultado do meu percurso como professora, percurso esse que inclui tanto o processo de formação inicial na condição de aluna de um curso de Licenciatura em Matemática quanto a experiência como professora do Ensino Fundamental em escolas públicas e particulares do Estado de São Paulo. Exerceram especial influência os cursos de formação continuada e de especialização que fiz, buscando alternativas para muitas inquietações vivenciadas, ano a ano, nas salas de aula. Ao longo da experiência como professora, o Ensino da Álgebra foi adquirindo importância, não por critérios de valoração que 4 hierarquizam um campo sobre os demais, mas por constatar dificuldades freqüentes apresentadas pelos alunos e pela percepção de que o que acontece com eles, quanto à aprendizagem de noções matemáticas, tem uma estreita relação com as dificuldades também encontradas por mim, enquanto professora. O meu interesse pelo tema, inicialmente, se refletia no esforço de melhor preparar as aulas e de diversificar as atividades propostas em classe. Porém, com o passar do tempo e com o acúmulo de novas dificuldades, esse interesse foi se ampliando. Surgiram questões que mereceram estudos centrados nas formas de aprendizagem e na formação do pensamento algébrico do aluno, e que me levaram a estudos sobre concepções e saberes do professor implicados no processo de ensinar Álgebra. Entre as diferentes questões formuladas cabe aqui destacar aquelas que dizem respeito à concepção e desenvolvimento desta pesquisa: • Como a questão do ensino e da aprendizagem da Álgebra passou a ocupar um lugar de destaque entre as minhas preocupações e interesses como professora de Matemática? • Por que e como essa questão se configurou para mim como um objeto de pesquisa? • Que pressupostos orientam meu olhar sobre a problemática que pretendo tratar em minha pesquisa? • Que saberes regem as ações do professor para trabalhar com noções algébricas? 5 Cada uma dessas questões tem origem nas minhas experiências como professora, em diferentes épocas e condições, das quais destaco três aspectos que considero importantes para melhor situar, justificar e fundamentar este estudo: 1. um breve histórico do meu percurso de professora; 2. uma experiência em que a pesquisa era condição de formação; 3. reflexões e motivações para dar continuidade e aprofundar o trabalho de pesquisa. 1. Um breve histórico do meu percurso de professora1 Comecei a trabalhar como professora quando ainda cursava o 4º ano do curso de Ciências na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), no final da década de 80. Quando iniciei, ainda muito inexperiente, insegura e sem muita certeza de que era aquilo que realmente queria, deparei-me com muitos problemas que me assustaram e que ao mesmo tempo, me levaram a buscar alternativas e meios de resolvê-los. Problemas esses derivados da inevitável falta de experiência do professor iniciante. Do outro lado, os problemas encontrados pelos alunos, suas dúvidas, insatisfações, inseguranças e angústias. Iniciei minhas atividades como professora no mês de abril de 1989, em duas escolas públicas de Campinas/SP. Na primeira, substituindo uma professora que estava de licença, e na segunda, assumindo as aulas de 1 Este texto está baseado no quinto capítulo, de minha autoria, constante do livro Por trás da porta, que Matemática acontece? p. 185-221, organizado por Dario Fiorentini e Maria Ângela Miorim, publicado em 2001. (ver anexo I) 6 uma professora desistente, ambas com classes de 6ª e 7ª séries. Comecei a trabalhar utilizando os livros didáticos que os professores que me antecederam haviam adotado. Seguia fielmente os conteúdos propostos pelos livros, explicava o conteúdo e trabalhava exercícios. A cada dia de aula, percebia inquietações nos alunos. Pareciam entender muito pouco do que eu falava ou tentava ensinar. Fiquei muito decepcionada com o que acontecia e comecei a procurar ajuda. A primeira tentativa foi com os meus professores de Didática e de Prática de Ensino. Estes me ajudaram oferecendo algumas alternativas. Entre elas, apresentaram-me alguns jogos e atividades que poderiam auxiliar nas aulas. Percebi que existiam outras metodologias que poderiam ser úteis, tais como: jogos, resolução de problemas, modelagem matemática e outras. Assim, no ano seguinte, já sem a ajuda e a presença permanente dos professores da universidade, fui forçada a construir uma certa autonomia, e também a procurar outros interlocutores. Comecei a participar de quase todos, senão todos, os cursos oferecidos pela Secretaria de Educação (jogos no ensino de Matemática; minicursos com novas propostas para o trabalho de certos conteúdos: geometria, álgebra, frações e números decimais, estudo da proposta curricular, estudo do material “Experiência Matemática” e outros) e, também de um projeto de modelagem matemática oferecido pelo prof. Dr. Geraldo Pompeu da PUC-Campinas, que fazia parte do seu trabalho de doutorado. Muitas propostas de ensino foram oferecidas. Eram, de fato, propostas interessantes, 7 mas que traziam, além da relativa ajuda para a professora iniciante, outras questões e inquietações. Isso porque, quando trabalhadas com os alunos, tais propostas pareciam insuficientes. Mostravam, ao mesmo tempo, possibilidades e deficiências, desafios e oportunidades. A cada ano, novos cursos, novas palestras. Acreditava mais e mais que novas práticas poderiam ser trabalhadas por mim para que alguns problemas com relação ao ensino e à aprendizagem da Matemática pudessem ser amenizados. Foi quando resolvi buscar outros caminhos. Fiz, num período de dez anos, três cursos de especialização. O primeiro deles, oferecido pelo Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação da Unicamp (IMECC), foi muito importante, porque me ajudou a reforçar e rever alguns conteúdos de Matemática. O segundo, oferecido pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), já na área da Educação Matemática, muito interessante por fornecer uma abordagem transdisciplinar da Matemática e do seu ensino, que, além de confirmar aquilo em que eu acreditava – necessidade da busca de novos caminhos para o ensino e a aprendizagem da Matemática, me proporcionou um olhar mais amplo sobre a Educação. O terceiro curso, oferecido pela Faculdade de Educação da Unicamp, tinha como objetivo promover uma interação ainda maior entre algumas áreas do conhecimento (Matemática, Ciências, Artes). Este último curso, além de proporcionar outros olhares e indagações sobre a escola e o ensino de Matemática, abriu-me a possibilidade do primeiro contato com a pesquisa em Educação, contato este, conforme mostrarei adiante, determinante nas minhas buscas posteriores. O impacto desse contato com a 8 pesquisa foi de tal ordem de grandeza que, sem um detalhamento deste curso, a compreensão das minhas buscas atuais, que incluem esta pesquisa, ficaria comprometida. Venho já há algum tempo tentando encontrar e construir alternativas para superar parte das dificuldades vividas por mim e por meus alunos com o ensino e a aprendizagem da Álgebra. A culminância desse processo, com a atual pesquisa de mestrado, foi resultado de uma insatisfação muito grande com as condições atuais de ensino e de aprendizagem, com as condições de trabalho nas escolas públicas, particularmente com o ensino de Álgebra, tendo em vista o grande acúmulo de dificuldades encontradas pelos alunos e por mim relativamente a esse tema, mais do que a qualquer outro. 2. Uma experiência em que a pesquisa era condição de formação “Ciência, Arte e Prática Pedagógica”. Este foi o curso de especialização oferecido pela Faculdade de Educação da Unicamp, destinado a professores de Artes, Ciências, Física e Matemática. O curso reuniu um grupo de trinta pessoas, durante um período de dois anos, com dois encontros semanais de 4 horas de duração cada encontro, um deles com todos os participantes e o outro com as áreas reunidas em separado. Convivemos com múltiplos olhares, com leituras de vários autores e fontes, o que nos permitiu refletirmos sobre nossas práticas e, em decorrência disso, ensaiarmos algumas modificações nas formas de conceber e de produzir nossas aulas. Para a conclusão do curso deveríamos apresentar uma monografia e, para isso, nos foi proposta a elaboração de um projeto de ensino 9 e pesquisa (individual) de caráter inovador, que deveria brotar de nossas experiências como professores e das reflexões feitas durante o curso, prevendo, inclusive, a aplicação do mesmo com os nossos alunos, constituindo-se numa proposta de ensino. Faziam parte do grupo de Matemática dez professores, vindos de escolas estaduais da cidade de Campinas e de Sumaré, e também de escolas particulares, do ensino fundamental e médio, além dos orientadores das monografias, os professores Maria Ângela Miorim, Dario Fiorentini e Maria do Carmo Santos Domite. Estudamos e refletimos textos que relatavam experiências que pudessem nos auxiliar na elaboração de nossos trabalhos. Fizemos uma análise e reflexão da nossa trajetória enquanto estudantes e professores até aquele momento. As reflexões eram partilhadas por todo o grupo de Matemática. Foram momentos muito importantes e ricos para cada um de nós. Eu, particularmente, sentia muita força e coragem para realizar mudanças na minha forma de ensinar, em especial porque participava de um grupo que partilhava comigo inquietações que não eram só minhas. Depois do período de estudos e leituras, cada participante escolheu o tema que seria desenvolvido. Fizemos a escolha do tema de acordo com o planejamento escolar para que as atividades planejadas pudessem ser desenvolvidas em um curto prazo com os alunos. Naturalmente essa escolha seguiu nossas inquietações ao longo do caminho já percorrido enquanto professores, pois representava uma oportunidade de ter o trabalho analisado pelo grupo. A Álgebra, que já fazia parte das minhas preocupações desde o início do magistério, naquele momento de escolha, ganhou espaço, tornando- 10 se objeto das minhas reflexões realizadas sob orientação dos professores da universidade e com o respaldo do grupo de Matemática. Era uma rara oportunidade que se apresentava para eu encontrar, quem sabe, algumas respostas. Os objetivos deste trabalho de monografia foram: experimentar uma forma diferente de trabalhar a Álgebra, através de atividades, e verificar a capacidade do aluno no desenvolvimento da linguagem e do pensamento algébricos, através da produção e negociação de significados. O projeto e a experiência da reflexão orientada em grupo estão descritos na publicação derivada daquele trabalho realizado (SILVA, 2001). Vinha percebendo nos alunos muitas dificuldades e desinteresse pelo ensino e pela aprendizagem da Álgebra. Notava que alguns deles lidavam com os cálculos algébricos com certa facilidade. Eram capazes de manipulá-los com segurança, mas, aparentemente, não entendiam o que faziam e para que o faziam, apresentando dificuldades de interpretar os resultados obtidos ao final de cada procedimento. Os demais alunos, além de não encontrarem significados na Álgebra, também não conseguiam manipular as expressões algébricas. House (1995), em relação à Álgebra, diz que os alunos só têm noções superficiais de seu significado e alcance. É provável que boa parte das dificuldades dos alunos decorre da forma como o conteúdo é trabalhado, sem uma preparação prévia, sem um desenvolvimento adequado dos conceitos, sem uma visão histórica da Matemática, sem o estabelecimento de relações com outros conteúdos da Matemática, com outras áreas do conhecimento e com elementos do cotidiano. 11 Em muitas salas de aula, os alunos continuam sendo treinados para armazenar informações e para desenvolver a competência no desempenho de manipulações algorítmicas, E, embora níveis adequados de conhecimento factual e de técnicas sejam resultados importantes do programa da álgebra, a necessidade maior dos alunos é uma compreensão sólida dos conceitos algébricos e a capacidade de usar o conhecimento em situações novas e às vezes inesperadas. (HOUSE, 1995, p. 2) Provavelmente essa descontextualização pode gerar, no aluno, um sentimento de incapacidade e de desânimo levando ao desinteresse e ao conformismo de que a Matemática é privilégio de poucos. Por esta razão procurei, junto com os professores do grupo e os professores orientadores, uma alternativa de trabalho que tentasse amenizar estes problemas que tanto me preocupavam. Para o desenvolvimento dessa atividade vinculada ao curso de especialização, trabalhei conteúdos de Álgebra na 6ª série do terceiro ciclo do ensino fundamental de uma escola estadual de Campinas/SP. Foram elaboradas e aplicadas atividades desafiadoras procurando explorar aspectos semânticos, conceituais e práticos. Foram proporcionados aos alunos momentos de registro dos caminhos elaborados e percorridos por eles ao resolverem as situações propostas. Foram oferecidos momentos de partilha em pequenos e grandes grupos, de forma que os alunos pudessem refletir, discutir, reelaborar e defender seus pensamentos, suas idéias e propostas de resolução e interpretar cada situação e as representações construídas (produção e negociação de significados). Esse projeto de monografia (proposta inovadora) apresentou muitas dificuldades. Assumir e conciliar a condição dupla de professora e de 12 pesquisadora foi o maior desafio para mim. Enquanto professora, tinha a expectativa de que tudo desse certo, de que os alunos se envolvessem, aprendessem, passassem a gostar mais de Matemática e de que apresentassem as respostas corretas. Enquanto pesquisadora, fui forçada a considerar que todas as ocorrências são dados importantes, independentemente do sucesso ou fracasso na realização das atividades. Uma das decorrências dessa dupla função foi o fato de ter que estar vigilante o tempo todo para não avançar no espaço que é do aluno, antecipando, como é de costume, respostas para as quais ele ainda não está preparado. Muitas vezes, sob o efeito desse duplo papel, a resposta que a professora queria dar era substituída pela pergunta instigante que a pesquisadora gostaria de ver desenvolvida, pelo aluno, e por seus efeitos sobre os raciocínios futuros. Essa experiência me fez entender o quanto momentos como esses contribuem para a aprendizagem. Através dos depoimentos dos alunos também pude perceber que aqueles que normalmente se mostravam desinteressados, conversando muito, não participando de tarefas e que eram indisciplinados, foram despertados pela curiosidade e interesse, produziram resultados, se manifestaram. Além disso, o trabalho em grupo e a produção coletiva de significados os ajudaram nas conclusões e nas trocas de idéias. Por outro lado, foi também interessante verificar o quanto aqueles que manipulavam com habilidade as expressões algébricas encontravam dificuldades para registrar, produzir, discutir, refletir, analisar, reestruturar idéias e tirar conclusões com seus pares. Cabe destacar que o papel de professora e seus entrecruzamentos com o de pesquisadora, naquele momento, ganharam 13 maior sentido. Ser pesquisadora sem deixar de ser professora, pesquisando a própria prática, proporcionou uma reflexão fundamental para a percepção do ensino num outro patamar, fornecendo elementos para superar problemas antes não percebidos. Além de sentir por parte dos alunos uma satisfação com suas produções de conhecimento, também não posso deixar de registrar a minha satisfação, enquanto professora, ao ver a realização deles e, enquanto pesquisadora iniciante, a obtenção dos resultados de uma atuação planejada e orientada. Ao terminarmos o Curso de Especialização, recebemos o convite (eu e mais quatro participantes do grupo de Matemática) dos professores Dario Fiorentini e Maria Ângela Miorim da FE-UNICAMP, para que relatássemos em um livro a nossa experiência com o trabalho desenvolvido para a monografia. A experiência de reler, refletir, discutir, reelaborar a escrita para uma publicação foi muito significativa. Nós, os cinco professores/alunos, e os dois professores da Universidade, trabalhamos durante dois anos na elaboração do texto. O livro foi publicado no final de 2001 e divulgado no ano seguinte (FIORENTINI; MIORIM, 2001). 14 3. Reflexões e motivações para dar continuidade e aprofundar o trabalho de pesquisa Hoje percebo que os três cursos de especialização que fiz me ofereceram condições para buscar maior autonomia no trabalho profissional. Entretanto, foi só no terceiro que eu realmente consegui enxergar mais claramente e enfrentar, com um pouco mais de coragem e segurança, uma proposta de mudança de postura e de liberdade na elaboração de novas práticas. Tenho clareza de que a incorporação de elementos de pesquisa, com orientação, preparação e reflexão em grupo, estão na base do sucesso alcançado naquele terceiro curso. Depois de todas essas experiências de estudo, elaboração, reflexão, partilha, senti cada vez mais a necessidade de entender o processo que começou a dar algumas respostas às minhas inquietações. Minha trajetória de professora e aluna, sem excluir nenhum dos momentos, me conduziu até esta pesquisa de mestrado, na qual tento aprofundar a compreensão de um processo complexo de formação profissional no ensino de Álgebra. O foco inicial da minha pesquisa, no início das disciplinas do mestrado, era o ensino de Álgebra e o desenvolvimento do pensamento algébrico pelo aluno. Gostaria de entender um pouco mais o que havia acontecido ao desenvolver o projeto de monografia, as transformações vividas pelos alunos e por mim. Quando iniciei as disciplinas, deparei-me com trabalhos teóricos muito importantes e decisivos para a minha pesquisa. Entre eles, destaco alguns: “El conocimiento profesional: Naturaleza, fuentes, organización y desarrollo” (AZCÁRATE, 1999); “Conocimiento profesional del 15 profesor de Matemáticas. El concepto de función como objeto de enseñanza- aprendizaje” (GARCÍA BLANCO, 1997) e “Cartografias do trabalho docente” (GERALDI; FIORENTINI; PEREIRA, 1998). Textos estes que me levaram a refletir sobre os vários saberes do professor no processo ensino- aprendizagem. Parece que uma venda foi tirada dos meus olhos. Embora eu tenha buscado respostas por meio de cursos e mais cursos, acredito que eu ainda não havia entendido, ou não queria entender, que o professor faz a diferença. A participação do professor no processo de ensino e de aprendizagem do aluno é importantíssima. Comecei a entender que, para que o professor compreenda e adquira vários saberes, é preciso estar em contato com as diversas pesquisas e propostas produzidas pelas universidades e pelos órgãos ligados à Secretaria de Educação, tais como Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) e outros. Um fator muito importante é o professor perceber-se como produtor e pesquisador de conhecimentos, próprios de seu ambiente de trabalho, e continuar a buscar espaços que lhe permitam continuar estudando. Muitos cursos de capacitação têm sido oferecidos pela Secretaria de Educação, porém alguns professores não demonstram interesse em fazê-los. As causas do desinteresse podem ser muitas, desde inadequação dos cursos às necessidades dos professores, até questões salariais que desmotivam o professor, tornando ainda mais dramática a realidade da sala de aula e, ainda, por vezes, tais cursos exigem um tempo a mais do professor. Além de professores desinteressados e realidades que aprofundam o 16 desinteresse, os cursos têm oscilado entre as metodologias prontas e as reflexões teóricas, permitindo pouca articulação entre esses dois pólos. Percebi que, para entendermos as propostas, precisamos estar em contato com pesquisas e projetos e que, tão importante quanto o ensino de Álgebra, é a formação profissional do professor de Matemática. A partir desse pensamento, já no final do primeiro ano no mestrado, minhas intenções foram mudando. A minha trajetória como professora e as incursões feitas no campo da pesquisa permitiram-me perceber que a pesquisa é uma dimensão necessária no processo de desenvolvimento profissional do professor e que a reflexão praticada é elemento-chave na constituição e aprofundamento dos seus saberes: conhecimento específico da matéria, conhecimento didático da disciplina, conhecimento curricular, conhecimento pedagógico e os advindos da experiência. Configurou-se e consolidou-se para mim a convicção de que esse é um processo possível de ocorrer com qualquer professor. Daí a necessidade de realizar a pesquisa com outros professores, interagindo com eles, acompanhando e participando das diferentes etapas do processo vivenciado por eles na escola, o que pode ser denominado de trabalho colaborativo conforme será discutido mais adiante. Precisaria trabalhar com o professor, extrapolar o âmbito da análise da minha própria experiência profissional, como objeto de reflexão, para olhar as questões de uma perspectiva mais ampla, dando forma, portanto, à presente pesquisa que inclui não apenas o ensino e a aprendizagem da 17 Álgebra, como também a prática de outros professores, seu desenvolvimento profissional e seus saberes, todos eles relacionados às questões abordadas pelos autores mencionados nesta pesquisa. Assim, o foco desta pesquisa foi- se concretizando. Como esses autores, considero que, para que o ensino seja mais significativo para os alunos, precisa antes ser mais significativo para os professores. Romper a visão da racionalidade técnica2, para a qual basta saber os conteúdos e dominar as formas de “passá-los” aos alunos, parece ser o princípio de um movimento que leva o professor a estar sempre se atualizando, a considerar sua atividade ao mesmo tempo complexa e rica, impossível de ser esgotada em algumas poucas regras e procedimentos. Para isso, procurei centrar e aprofundar minhas leituras com bibliografias que tratam da Álgebra, sua história, seu ensino e seu tratamento nas escolas, e da formação do professor, suas crenças, seus saberes. Além dessas leituras preocupei-me com o trabalho de campo. Que escola escolher? Com que professores trabalhar? Todo esse processo, desde a escolha da escola e dos professores, até a elaboração das atividades e as análises, bem como as referências teóricas e metodológicas que permitiram a abordagem realizada, estão descritos nos quatro capítulos desta dissertação. 2 A racionalidade técnica pressupõe uma separação entre a formação teórica e a aplicação prática de teorias e modelos aprendidos. Pressupõe ainda que, para o desempenho adequado da tarefa de ensinar, basta ao professor conhecer muito bem a disciplina que ensina e as técnicas de ensino já existentes e por outros desenvolvidas. 18 No primeiro capítulo, referencio o estudo no âmbito das pesquisas em Educação Matemática. É feita uma discussão sobre a Educação Matemática enquanto campo de pesquisa, uma reflexão sobre o papel profissional do professor e seus saberes. É feita, também, uma discussão sobre a importância do professor no processo de ensino e de aprendizagem de Álgebra e sobre a complexidade desse tema na sua origem histórica, sua inserção no ensino fundamental e uma reflexão sobre a realidade na prática deste ensino. No segundo capítulo, apresento o objetivo da pesquisa, caracterizo a escola em que a mesma foi desenvolvida e os sujeitos envolvidos. No terceiro, descrevo o desenvolvimento da pesquisa na escola com as professoras e analiso os dados obtidos; por último, no quarto capítulo, apresento minhas considerações finais. 19 CAPÍTULO I Principais domínios de referência para a pesquisa 1. Referenciando o estudo no âmbito das pesquisas em Educação Matemática Neste capítulo, enfoca-se a necessidade de situar o trabalho no campo de estudos em Educação Matemática. É desejável, portanto, explicitar a natureza da Educação Matemática como área de conhecimento e pesquisa, bem como dedicar certa atenção à temática de formação e desenvolvimento profissional do professor de Matemática. Este é um campo de pesquisa fértil que vem-se consolidando, nos últimos dez anos, tanto pela grande quantidade de estudos realizados como pela diversidade de questões pesquisadas. São basicamente três os objetivos deste capítulo: • discutir a Educação Matemática enquanto campo de pesquisa com diferentes domínios, destacando-se, em particular, aquele relativo à formação de professores e seus saberes; • discutir/explicitar a importância do professor nos processos de ensino e de aprendizagem de Álgebra; • discutir a Álgebra, destacando sua natureza e aspectos relacionados à sua história e ao seu ensino. 20 1.1. Educação Matemática: a formação do professor de Matemática como tema de investigação A Educação Matemática é um campo de conhecimento e investigação que vem se constituindo a partir de preocupações de educadores e pesquisadores com o ensino de Matemática nos seus fundamentos e em diferentes questões a ele ligadas, entre elas as necessidades formativas de professores, a formulação e o desenvolvimento de currículos. Cruz (1998), apud Santos (2001, p. 19), aponta que as pesquisas em Educação Matemática nascem de duas necessidades: em primeiro lugar, a de melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem da Matemática, tendo assim um sentido pragmático; em segundo lugar, para explicar os fenômenos presentes no ensino e na aprendizagem da Matemática, portanto com características de campo de pesquisa com a tendência de ter um paradigma próprio. Essa dupla origem é explicitada de outro modo por Ponte: Como área de investigação, o papel da didáctica da matemática é o de formular e analisar os problemas com que se defronta o ensino e a aprendizagem desta disciplina, proporcionando conceitos, estratégias e instrumentos que podem ser de algum modo úteis para os que actuam no terreno profissional e na formação, para a administração educativa e para todos os que se interessam pelos problemas do ensino (PONTE, 2000, p. 330). A didáctica da matemática não é um campo científico “puro”, mas um campo misto, onde se entrecruzam as lógicas profissionais e de investigação (ibidem, p. 335). 21 1.2. Atenção à ação do professor como tema de estudo A Matemática e as Ciências da Natureza, nas décadas de 1960/70, foram colocadas como via de acesso para o desenvolvimento do pensamento científico e tecnológico. Nesse período, marcado pela guerra fria, a corrida espacial dos Estados Unidos e União Soviética intensificou os investimentos em projetos de ensino que pudessem auxiliar na formação de cientistas. Assim, há um movimento de reformulação do currículo em escala mundial. No campo do ensino de Matemática, o Movimento da Matemática Moderna (MMM) surge como resposta a esses objetivos. Seguindo essa tendência, também no Brasil, reformuladores de currículos apostaram nas mudanças dos materiais instrucionais e em novos métodos de ensino como fatores fundamentais para mudanças no ensino, desencadeando assim, uma preocupação com a Didática da Matemática, o que intensificou as pesquisas nessa área. Projetos renovadores para o ensino foram elaborados. No entanto, os resultados obtidos na aplicação desses projetos foram considerados relativamente bons quando aplicados pelos elaboradores dos mesmos, mas fracassaram, quando trabalhados por outros professores e pela qualidade observada na aprendizagem dos alunos. Isso veio, mais tarde, reforçar a tese de que é necessário investir na formação de professores para que ocorram mudanças no ensino. A partir desse movimento e com o refluxo do Movimento da Matemática Moderna, o professor tem sido, cada vez mais, considerado elemento central no processo de ensino e de aprendizagem. Os desenvolvimentos posteriores das pesquisas em Educação, em especial em Educação Matemática, reforçam esse posicionamento. Essa 22 tendência tem colocado, de forma crescente, o professor no centro do processo de ensino e de aprendizagem da Matemática. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (BRASIL, 1998) destacam que a Matemática é um componente importante na construção e exercício da cidadania, que ela precisa estar ao alcance de todos e que não é uma disciplina pronta e acabada; é uma disciplina historicamente construída e em permanente construção. Essa característica da Matemática implica em mudanças na sala de aula, permitindo ao aluno sentir-se inserido no seu processo de ensino e aprendizagem e na construção do conhecimento matemático. A década de 1990 representou um momento muito importante para o ensino da Matemática, porque muitos mitos a respeito dessa disciplina puderam se desfazer, a partir das pesquisas e dos projetos produzidos. Para que essas mudanças continuem acontecendo, o papel do professor de Matemática ganha múltiplas dimensões. O professor deixa de ser o transmissor de conhecimento e passa a ser o mediador, o organizador, o incentivador da aprendizagem, atento aos processos cognitivos do aluno, fornecendo condições necessárias para que este (o aluno) possa resolver os problemas com certa autonomia. Atualmente existem pesquisas, como por exemplo as de Tardif (2002), que caracterizam e discutem o papel do professor e o seu conhecimento profissional. O professor é considerado como sujeito ativo, capaz de orientar sua atividade e refletir sobre ela, como sujeito portador de conhecimento profissional que consiste de saberes (pedagógicos, disciplinares, curriculares e experienciais), necessários para o desempenho de suas funções. 23 Esses saberes são apontados por esse autor como elementos essenciais para que ocorram mudanças no ensino, que requerem novas atitudes por parte do professor e do aluno. Os saberes dos professores provêm de diversas e diferentes fontes: história de vida e experiência profissional, firmadas em suas emoções, em sua cognição e expectativa. É um saber social em que o trabalho do professor está relacionado com alunos, colegas, pais etc. dentro de um espaço (a sala de aula) que, por sua vez faz parte de uma instituição (escola) inserida em uma sociedade (TARDIF, 2002). Segundo este autor, a formação profissional se dá pelo conjunto de saberes constitutivos da prática docente: saber pedagógico – adquirido a partir de princípios que são formulados baseados em reflexões sobre a prática educativa; saber disciplinar – são os conhecimentos sobre a disciplina trabalhada, orientados por uma tradição cultural e pelos grupos produtores de conhecimentos; saber curricular – são os programas escolares aplicados pelos professores (objetivos, conteúdos, métodos) e o saber da experiência – são os conhecimentos específicos a partir da prática do trabalho cotidiano. Nunes (2001, p. 27) afirma em seu artigo que “a formação e a profissão docente apontam para uma revisão da compreensão da prática pedagógica do professor, que é tomado como mobilizador de saberes profissionais”. O professor, segundo essa autora, em seu percurso profissional, constrói e reconstrói conhecimentos. Para um melhor detalhamento quanto a como e onde os saberes docentes aparecem nas pesquisas sobre a formação profissional, será 24 tomado como referência o trabalho de Nunes (2001). A autora faz um levantamento sobre o que denomina campo de pesquisa “Saberes docentes e formação de professores” em nível nacional. Apoiando-se em Tardif (2000) e Nóvoa (1995), ela constatou que as primeiras preocupações e discussões começam a surgir a partir das décadas de 1980 e 1990, internacionalmente, com o movimento de profissionalização do ensino. Essa profissionalização levou a uma preocupação com o conhecimento profissional do professor de forma a garantir a legitimidade da profissão. Esse campo cresce quantitativamente e, depois, qualitativamente. O professor deixou de ter uma profissão amparada em competências e técnicas para ser o foco central em estudos e debates. A ele (o professor) foi dada a voz, considerando-se sua trajetória e história de vida. Ainda segundo Nunes (2001), a literatura educacional brasileira registra que os saberes docentes e a formação de professores começaram a desenvolver-se a partir da década de 1990 com a procura de novos paradigmas para compreender a prática e os saberes pedagógicos e epistemológicos que estão por trás dos conteúdos escolares a serem ensinados. Nessa busca, o professor passa a ser o elemento central, considerando-se o seu desenvolvimento pessoal e profissional. Um comentário de Nunes dá visibilidade a essa tendência: Nessa perspectiva de analisar a formação de professores, a partir da valorização destes, é que os estudos sobre os saberes docentes ganham impulso e começam a aparecer na literatura, numa busca de se identificarem os diferentes saberes implícitos na prática docente (NUNES, 2001, p. 29). 25 Com a experiência adquirida da e na prática do professor, este pode construir conhecimentos a partir de situações de confronto do dia-a-dia na sala de aula. Isto é, há problemas que surgem no desenvolvimento das aulas que fazem com que o professor busque soluções imediatas apoiadas em sua crença, sua história de vida, sua formação pessoal, social, cultural e profissional. Assim, o professor é colocado em uma situação de reorganização, reflexão, replanejamento, e levado até mesmo a mudanças de atitudes, adquirindo e construindo novos conhecimentos vindos de uma nova experiência vivida a partir da prática. No entanto, tem sido pequeno o uso desses resultados, nem sempre assumidos como pesquisa pelo professor, nessa busca cotidiana de resolução dos problemas do ensino. Conforme aponta Santos (2001), a literatura sobre Educação Matemática para a divulgação dos resultados obtidos nesse campo de conhecimento é ainda escassa, no Brasil e no exterior. Sendo a divulgação um dos principais dinamizadores dos conhecimentos produzidos para gerar mudanças na prática pedagógica, Santos (2001) apresenta a divulgação como um dos principais desafios para pesquisadores e educadores em Matemática. As pesquisas, sob a ótica dos saberes docentes, procuram deixar claro que a experiência a partir da prática não nega a teoria, mas que “é preciso investir positivamente os saberes de que o professor é portador, trabalhando-os de um ponto de vista teórico e conceptual” (NÓVOA, 1995, p. 27 apud NUNES, 2001). Essas novas tendências com relação ao papel do professor, visto como portador de conhecimentos vindos de experiências de vida, sejam 26 elas culturais, sociais, profissionais, também são responsáveis pela proposição do conceito de professor reflexivo ou pesquisador. A evolução do conceito de professor reflexivo ou pesquisador teve contribuições de Donald Schön (1997), que, como professor, realizou trabalhos relacionados com reformas curriculares de cursos de formação profissional. Ele propôs um profissional formado a partir da prática profissional que reflete, analisa, problematiza, permitindo assim a construção do conhecimento. Mesmo não atuando diretamente na área de formação de professores, as colaborações de Schön foram decisivas na constituição de alguns conceitos e no direcionamento das pesquisas. Pesquisadores da área de Educação, desde então, se apropriaram e ampliaram as idéias de Schön relativas a um profissional reflexivo e ou pesquisador. As reformas curriculares e as pesquisas em Educação já apontavam a necessidade da formação de um professor capaz de enfrentar momentos de incertezas, conflitos, dilemas, momentos de instabilidade, bem como a necessidade da incorporação dos conhecimentos provindos da prática deste e de sua participação como sujeito que cria, reflete e constrói conhecimentos para efetivar mudanças no ensino. Um leque de questões trouxe para discussão temas relacionados ao projeto pedagógico, ao trabalho coletivo, à autonomia dos professores e escolas, às melhores condições de trabalho, de salário, de profissionalização, à inclusão da formação de vida do professor, entre outros. 27 Há, porém, uma preocupação por parte de alguns pesquisadores que criticam esta forma aparentemente simplista de Schön tratar a reflexibilidade (FIORENTINI, SOUZA JR. E MELO, 1998, p. 323; PIMENTA, 2002; LIBÂNEO, 2002). A crítica se constrói porque Schön considera a prática reflexiva na produção de saberes pelo indivíduo, não tratando a instituição que, no caso dos professores, exerce papel fundamental sobre a formação e a prática individuais. Além disso, devido ao fato de Schön não se referir exclusivamente à formação do professor, suas teorias têm limitações quando aplicadas ao trabalho em sala de aula. Seus críticos acreditam que este novo campo de pesquisa (professor pesquisador e reflexivo) deve apresentar uma relação muito forte entre a teoria e a prática, considerando o professor em um contexto cultural, político, crítico, envolvendo as várias dimensões do conhecimento ensinado e aprendido. Seria um profissional capaz de ir além da sala de aula, da instituição escolar e de ser capaz de inserir-se dentro de uma esfera maior, desenvolvendo, assim, uma prática educativa emancipatória. Apoiando-se em outros autores, em especial nos que tratam especificamente do desenvolvimento profissional do professor no domínio da Educação Matemática, Fiorentini, Souza Jr. e Melo (1998) concluem, a partir das análises das tendências atuais da formação de professores, que o aspecto fundamental é o desafio lançado aos próprios professores. Não há outra síntese possível a não ser aquela que traz o professor para o centro, não apenas da discussão acadêmica enquanto objeto, mas para o centro do debate, enquanto sujeito produtor de idéias sobre a própria prática. Segundo 28 Fiorentini, Souza Jr. e Melo, (1998), o posicionamento dos professores deve ser tal que leve, de um lado, a assumirem uma atitude crítica e investigadora sobre o que se diz a respeito da atividade docente, e de outro, a agirem coletivamente nas escolas e com seus colegas universitários, produzindo os saberes que consideram necessários à sua prática. Os fatores que determinam efetivamente as práticas em sala de aula, considerando o professor como elemento central nos processos de ensino e de aprendizagem, podem ser agrupados sob a denominação de “Conhecimento profissional do professor de Matemática” (GARCÍA BLANCO,1997, p.10). Por exemplo, Ponte et al. (1998), em seu trabalho, apresentam um relato sobre uma aula de atividade investigativa. Neste processo investigativo, o aluno representa um papel importante na construção do seu conhecimento. Ele é convidado a trabalhar propondo questões, refletindo sobre dados e apresentando dados, e o professor, então, apresenta funções necessárias para que ocorra este movimento na aprendizagem. Nesta situação, Ponte reforça a necessidade de um professor que desempenhe diferentes papéis. Um professor capaz de avaliar o progresso dos alunos: desafiando-os, ajudando no desenvolvimento do raciocínio matemático, apoiando-os, fornecendo e recordando informações, levando-os à reflexão. [...] o valor do conhecimento profissional resulta da sua eficácia na resolução de problemas práticos, tendo em conta os recursos existentes. O conhecimento profissional baseia-se sobretudo na experiência e na reflexão sobre a experiência, não só individual, mas de o todo corpo profissional (PONTE et al, 1998, p. 44). 29 No contexto da formação de professores como elemento fundamental de mudança no ensino de Matemática, merecem destaque os trabalhos sobre o conhecimento profissional do professor. Exemplo dessa tendência é o trabalho de Azcárate (1999). Focalizando os aspectos de caráter epistemológico e didático do desenvolvimento profissional e do conhecimento profissional do professor de Matemática do ensino primário e secundário (na Espanha), Azcárate faz a seguinte consideração: [...] defendemos a idéia de que os professores aprendem através da investigação sobre problemas surgidos na ação, relevantes para sua prática profissional; estabelecendo relações entre seus conhecimentos, princípios, crenças, rotinas e esquemas de ação, facilitam sua integração e, conseqüentemente, seu desenvolvimento profissional (AZCÁRATE, 1999, p. 112 – tradução minha). A partir dessa constatação de que o que efetivamente orienta o professor em seu trabalho cotidiano é o seu conhecimento profissional, Azcárate, em sua pesquisa, propõe que seja investigado esse saber em seu processo de elaboração, isto é, em movimento. No enfoque por mim utilizado, considero que é no movimento já em curso pelo professor que podem se inserir os elementos da pesquisa em Educação Matemática (resultados, teorias, métodos, propostas, projetos). Nas buscas que o professor já empreende, é que as pesquisas realizadas, seus resultados e propostas podem encontrar terreno fértil para se concretizarem e alterarem efetivamente as práticas vigentes. A partir das leituras realizadas, fica cada vez mais clara, para mim, a necessidade de considerar, além do aluno e da construção do 30 conhecimento, o papel do professor como elemento mediador fundamental deste estudo, não somente a partir de sua prática, mas pela incorporação necessária de elementos teóricos provenientes dos avanços das pesquisas em Educação Matemática, que oferecem respostas para os problemas já percebidos pelos professores e permitem ampliar o conjunto de problemas, incorporando outros necessários à superação das dificuldades já desde muito sentidas. 2. A Álgebra e seu ensino como tema de estudo relevante 2.1. A Álgebra na história O que a história da Matemática pode oferecer aos que se preocupam atualmente com o ensino escolar dessa disciplina? Essa é a pergunta básica que de início se coloca, quando são trazidos elementos da história em um trabalho sobre o ensino atual de Matemática e sobre a formação de professores. Seriam as dúvidas e obstáculos encontrados hoje pelos alunos idênticos às dúvidas e obstáculos encontrados pela humanidade ao longo do seu desenvolvimento? Mesmo havendo divergências sobre essa proximidade ou semelhança, é fato que a história da Matemática tem sido utilizada como suporte para a didática da Matemática. Seja como fonte motivacional para a aprendizagem de conteúdos específicos, seja pela construção de seqüências didáticas inspiradas na evolução histórica de conceitos e teorias, a história tem sido fonte inesgotável de informações que podem servir de referência a aspectos a serem explorados no ensino. 31 Trazer elementos da história da Álgebra para a discussão, nesta pesquisa, tem como objetivo dar visibilidade a processos complexos de elaboração pelos quais passou a humanidade, contestando a idéia, e as práticas dela decorrentes, de que os conceitos são simples e de que as dificuldades encontradas pelos alunos são exclusivamente deles, e independem do processo de ensino desenvolvido. O desenvolvimento da Matemática – como de todo o pensamento abstrato – ao longo dos séculos, esteve ligado à dinâmica da vida em sociedade. À medida que as relações sociais, sobretudo aquelas envolvendo o comércio e a economia, tornavam-se mais complexas, exigiam cada vez mais uma linguagem adequada que desse conta da crescente complexidade. A linguagem matemática ocupou papel fundamental no processo. A origem e o desenvolvimento dos números, para citar um exemplo, ligados inicialmente aos objetos, eram percebidos como se fossem propriedade exclusiva destes. Progressivamente passaram a ser utilizados para a realização de operações que, antes, eram feitas com os objetos, indicando um processo de desprendimento da realidade e a conquista de um nível superior de abstração. Nesse nível, as operações com números substituíam as operações com os objetos. Historicamente, o desenvolvimento começa pelo tratamento dos objetos e o início da abstração de suas propriedades. O nível conceitual é desenvolvido concomitantemente ao tratamento dos objetos, mas, aos poucos, se desprende destes. E, por último, o aprimoramento dos signos que, no caso específico da Álgebra, segundo Boyer (1974), passa por três estágios: o 32 primitivo (ou retórico) completamente verbal e escrito com palavras, o intermediário (ou sincopado) em que são adotadas algumas abreviações, e o final (ou simbólico) em que o poder de síntese das expressões é levado ao seu extremo. Ainda segundo Boyer (1974, p.132-133), Uma tal divisão arbitrária do desenvolvimento da álgebra em três estágios é naturalmente uma simplificação excessiva; mas serve como primeira aproximação ao que aconteceu, e nesse esquema a Arithmética de Diofante deve ser colocada na segunda categoria (BOYER, 1974, p. 132-133). No processo de construção histórica da Matemática é possível encontrar fragmentos que evidenciam o desenvolvimento da Álgebra ligado a aspectos diversos da cultura de vários povos. Há, pois, três diferentes teorias quanto à origem da Álgebra árabe; uma dá ênfase a influência hindu, outra ressalta a tradição mesopotâmica, ou sírio-persa, e a terceira aponta inspiração grega. Provavelmente chegaremos perto da verdade combinando as três teorias ( BOYER, 1974, p. 168). As principais correntes que influenciaram o desenvolvimento da Álgebra tiveram seu início, simultaneamente, no Egito e na Babilônia (cerca de 1700 a.C.). Posteriormente, esses rudimentos do pensamento algébrico se espalharam, chegando à Grécia, à Índia, ao Império Árabe e à Europa. Essa fase, marcada pelo início do tratamento de variáveis e cálculos com incógnitas até a formalização atual da Álgebra, durou de 1650 a.C. a 1700 d.C.. Ou seja, para que a humanidade desenvolvesse a Álgebra até a sua fase simbólica atual levou aproximadamente 3000 anos. Os principais personagens dessa história, segundo Boyer, foram Diofanto (250 d.C.), Al-Khowarizmi (aproximadamente 825 d.C.) e Viète (1600 d.C.). Muitos outros contribuíram 33 nesse processo evolutivo, alguns deles citados neste trabalho, porém um aprofundamento de suas contribuições está além dos objetivos aqui colocados. A Álgebra, em sua origem babilônica, apresentava um estilo retórico, isto é, verbal e escrito. No Egito, supostamente na mesma época, apresentava um estilo semelhante, diferenciando-se da forma babilônica apenas nos métodos empregados para os cálculos. Os babilônios desenvolveram métodos mais sofisticados na resolução das equações. Na Grécia, com a participação dos pitagóricos e de Euclides, a Álgebra era fortemente geométrica, tendo sofrido influências da Álgebra babilônica. Depois de um período de mais de trezentos anos de uma espécie de hibernação, marcada pela ocupação romana que não manifestava grandes interesses pela erudição matemática, o desenvolvimento da Álgebra, na Grécia, teve um novo impulso com Diofanto (por volta do ano 250), matemático grego que introduziu o estilo sincopado acrescentando, nas resoluções de equações, algumas abreviações das palavras, ainda com influências babilônicas. Os nomes hindus que aparecem como algebristas são Brahmagupta e Bhaskara, que desenvolveram um estilo sincopado e que, em algumas formas de resolução de equações indeterminadas, mostravam-se superiores ao de Diofanto. Com as invasões árabes nas regiões da Índia, Pérsia, Mesopotâmia, Norte da África e Espanha, ocorridas no ano 700, houve uma grande disseminação dos escritos científicos de gregos e hindus. Nesse período, Al-Khowarizmi, matemático árabe com estilo ainda retórico, escreveu 34 os livros AL-jabr wa’l muqabalah, do qual (a partir do seu título) recebemos a palavra “Álgebra” e o Líber algorismi. Estas produções foram traduzidas para o latim e influenciaram muito a Matemática Européia (BOYER,1974, p.166-167). Para autores como Boyer (1974), o renascimento da Álgebra, na Itália, aconteceu com o forte desenvolvimento do comércio. Segundo ele, houve uma regressão tanto em estilo como em conteúdo da Álgebra, ao ser introduzida na Europa. Mas, com o interesse em facilitar a manipulação de trabalhos com numerais indu-arábicos, com o ressurgimento da economia e com a invenção da imprensa, a Álgebra foi ganhando espaço rapidamente. Até aqui, os aspectos e fatos tratados referem-se à Álgebra retórica e sincopada. Mas e a simbólica, que é a mais utilizada nos tempos atuais? Quando assumiu sua forma atual? Só por volta de 1500 é que a notação algébrica simbólica começou a aparecer. O italiano Girolano Cardano apresentou alguns avanços nas soluções para as equações cúbicas e as quárticas, mas nada no sentido da compreensão e teorização. Foi, porém, o francês Viète que foi além de soluções de equações, introduzindo propriedades teóricas para as equações. Introduziu as letras como coeficientes genéricos (positivos) e deu um certo acabamento no simbolismo algébrico, que só foi finalizado na época de Newton. As maiores contribuições de Viète estavam em sua publicação De aequationum recognitione et emendatione (1615). Depois dessa fase, vem o início da noção de estruturas algébricas com Galois, entre 1811 e 1832, e com Abel, entre 1802 e1829. 35 Finalmente, a partir de 1940, entramos no domínio do cálculo com letras por Bourbaki, de forma completamente abstrata. No desenvolvimento histórico da Álgebra, é possível perceber o quanto foi difícil chegar às notações algébricas que temos hoje. Durante todo o percurso histórico, muitas foram as tentativas, com erros e acertos, para tal desenvolvimento. Entre os povos antigos é possível notar certas dificuldades na sua utilização. Em alguns problemas que exigiam cálculos algébricos mais complexos, os egípcios apresentavam mais dificuldades que os babilônios. Não só a história fornece indícios da complexidade da Álgebra. A partir de pesquisas recentes em Educação Matemática, em especial as que focalizam a Álgebra, é possível perceber o quanto o ensino de Álgebra é complexo e tem revelado dificuldades tanto de professores quanto de alunos. Ao fazer essa breve revisão histórica, pretendemos destacar características da Álgebra e dificuldades observadas na sua construção, principalmente pelo interesse de identificar/encontrar subsídios que possam auxiliar na construção do conhecimento algébrico pelo aluno. 2.2. O Ensino de Álgebra nas pesquisas em Educação Matemática A Álgebra começou a fazer parte do ensino secundário em 1799. Até 1960, aproximadamente, o ensino de Matemática era organizado sempre na mesma ordem: Aritmética, Álgebra, Geometria e Trigonometria, caracterizado como um equilíbrio enciclopédico. A Geometria era a mais nobre entre as áreas, com predominância do modelo Euclidiano clássico (axiomático- dedutivo), enquanto a Álgebra era considerada uma matéria instrumental. Isso 36 ocorreu durante todo o período que antecedeu o Movimento da Matemática Moderna (MMM) sem nenhuma alteração e, segundo os autores Fiorentini, Miorim e Miguel (1993), isso aconteceu talvez por falta de uma certeza da importância de cada um desses campos. Ainda esses autores colocam que a falta de certeza e consciência estaria relacionada ao modo como os ensinos eram apresentados: um ensino com valor cultural dos conteúdos e uma visão reprodutivista e acrítica. Em todo esse período, o ensino de Matemática tinha uma característica de ensino reprodutivo, acrítico. Na década de 60, o Movimento da Matemática Moderna surgiu com a proposta de superar os problemas enfrentados pelo ensino no período anterior, propondo a unificação dos quatro campos fundamentais da Matemática e, para isso, introduziu a teoria dos conjuntos e as estruturas algébricas. Aconteceu, nesse momento, um destaque para a Álgebra e um abandono da Geometria. A Álgebra passou a ocupar um lugar de destaque com a tentativa de superar o ensino mecânico para dar lugar a um ensino mais lingüístico. Essa proposta para o ensino de Álgebra mostrou-se insatisfatória, pois não incorporava questões de ensino e de aprendizagem, nem aspectos cognitivos. A insatisfação também se deu devido ao descaso com a Geometria que, anteriormente a este movimento, era o destaque do ensino de Matemática. O Movimento da Matemática Moderna agravou muito a situação do ensino da Matemática, abrindo caminho a novas discussões e novas alternativas, para superar os problemas encontrados pelos pesquisadores e professores. Alternativas estas, como é o caso das Propostas Curriculares do 37 Estado de São Paulo (1992), que buscaram colocar a Álgebra e a Geometria num mesmo patamar de importância. Na década de 80, encontramos um grande número de pesquisas sobre o ensino de Geometria, enquanto são raros os trabalhos sobre o ensino de Álgebra. Com isso, os autores Fiorentini, Miorim e Miguel (1993) concluem que poderíamos estar vivendo atualmente um segundo abandono – o do ensino de Álgebra. Enquanto parte importante da Matemática, a Álgebra tem sido objeto de preocupação de professores e pesquisadores do ensino. Sobre a Álgebra e as várias formas de ensiná-la, historicamente construídas, Fiorentini, Miorim e Miguel (1993) localizaram, definiram e caracterizaram três tendências: lingüístico-pragmática, fundamentalista e fundamentalista analógica. Segundo esses autores, a tendência lingüístico-pragmática do ensino de Álgebra se caracteriza pelo fornecimento de um instrumental técnico para a resolução de equações e de problemas equacionáveis. Ela enfatiza o domínio prévio da linguagem do cálculo literal por meio da resolução de muitos exercícios. Já a tendência fundamentalista estrutural entende que o papel da Álgebra seja o de fundamentar toda a Matemática escolar. Esta Matemática escolar se organizaria em torno da teoria dos conjuntos, a introdução dos campos numéricos e das propriedades das estruturas algébricas. Idéias presentes no Movimento da Matemática Moderna. A terceira tendência, denominada fundamentalista analógica, procura fazer uma síntese das duas anteriores, recuperando o valor instrumental da Álgebra e preservando a preocupação fundamentalista, não 38 mais através de propriedades gerais, e sim do uso de modelos analógicos geométricos (blocos de madeira ou figuras geométricas). Apesar de esta última ter representado um relativo avanço na compreensão do ensino da Álgebra e de ter produzido materiais muito interessantes para esse fim, os resultados hoje vislumbrados com a aplicação dos métodos derivados ou representantes dessa tendência mostram que não houve uma ruptura em relação às duas tendências anteriores. O aspecto comum, e pedagogicamente negativo dessas três tendências, é a ênfase no caráter procedimental ou sintático, centrado na aplicação de regras e manipulação de expressões algébricas em detrimento dos aspectos conceituais e semânticos, que exploram os significados e a compreensão dos conceitos. A proposta apresentada por Fiorentini, Miorim e Miguel (1993), aqui defendida e que serviu de base para minha proposta de trabalho, se fundamenta em concepções mais apropriadas ao desenvolvimento do pensamento algébrico do aluno. Para eles a construção do pensamento algébrico e de sua linguagem exige atividades ricas em significados, que permitam ao aluno pensar genericamente, perceber regularidades e estabelecer relações entre grandezas, além de expressar matematicamente estas idéias. Lins e Gimenez (1997), por sua vez, partem da inexistência de consenso sobre o que é pensar algebricamente. Para os autores, não há uma linha divisória entre álgebra e aritmética, não podendo haver, portanto, divisões rígidas entre essas áreas no ensino escolar. 39 Quanto às caracterizações da Álgebra a partir da evolução das notações algébricas, esses autores afirmam ser uma tarefa que não se traduz em avanços significativos para compreender tanto a Álgebra quanto o seu ensino e sua aprendizagem. Quando uma criança inicia o estudo de aritmética, pode utilizar rudimentos de raciocínios algébricos, trabalhando, na verdade, com quantidades. Com base nos trabalhos de Davidov, Lins e Gimenez elaboraram uma proposta de ensino de Álgebra a partir da exploração dos significados produzidos dentro de uma dada atividade. Apresento a seguir um exemplo pode tornar mais clara a proposta dos autores. No problema/situação: “Escreva uma fórmula para calcular o número de azulejos brancos, se você souber o número de azulejos pretos” Figura 1 – Problema dos azulejos brancos e pretos (LINS e GIMENEZ, 1997, p. 153) Para essa situação, argumentam os autores, que os alunos apresentam uma série de fórmulas, caracterizadas como crenças-afirmações para as quais serão buscadas justificações. Usando P para azulejos pretos e B para brancos, são essas algumas das fórmulas possíveis: B = 2 P + 6 ; B = 2 (P + 2 ) + 2 ; B = 2 (P + 3), que indicam formas diferentes de contagem e percepções diferentes do problema, embora todas equivalentes. A forma por mim utilizada de exploração das situações concretas com meus alunos, no trabalho que originou a pesquisa de especialização já citada e que foi fundamentada na proposta apresentada por Fiorentini, Miorim e Miguel (1993), se aproximou dessa proposta de Lins e 40 Gimenez (1997), embora dela não tivesse conhecimento naquele momento. Neste caso, acredito haver uma estreita relação, até onde pude perceber, entre as propostas de Fiorentini, Miorim e Miguel (1993) e Lins e Gimenez (1997), pelo menos em seus aspectos práticos junto aos alunos. A partir dessas idéias e resultados, Lins e Gimenez propõem que o ensino da Álgebra não seja posterior ao da Aritmética, mas que as duas coexistam, uma implicando no desenvolvimento da outra. Uma terceira visão, semelhante às duas anteriores em alguns aspectos, é a de Usiskin (1995), que defende a idéia de que as finalidades do ensino de Álgebra estão relacionadas com as diferentes concepções da Álgebra (interpretações da Álgebra) e as diferentes funções das letras (variáveis). Este autor define quatro concepções para o ensino de Álgebra: A álgebra como aritmética generalizada; A álgebra como um estudo de procedimentos para resolver certos tipos de problemas; A álgebra como estudo de relações entre grandezas e, por último, A álgebra como estudo das estruturas. Na primeira concepção citada por Usiskin (1995) - A álgebra como aritmética generalizada, as variáveis são vistas como generalizadoras de modelos aritméticos (generalizações de padrões aritméticos). Ao aluno fica a responsabilidade de observar um padrão e generalizá-lo. A álgebra como um estudo de procedimentos para resolver certos tipos de problemas é a segunda concepção analisada por este autor. Nela consideram-se as variáveis como incógnitas (valores numéricos desconhecidos que são descobertos mediante resoluções de equações) ou 41 constantes, e o aluno, utilizando alguns procedimentos de resolução, simplifica e resolve situações-problema a partir de equações. Já na terceira concepção A álgebra como estudo de relações entre grandezas, as variáveis variam. Do aluno espera-se que ele relacione quantidades e faça gráficos. A quarta e última concepção definida por Usiskin é A álgebra como estudo das estruturas. Trata-se da manipulação de variáveis sem qualquer relação com problemas, ou função, ou padrão a ser generalizado; do aluno espera-se que o mesmo manipule expressões, utilizando propriedades que justifiquem os procedimentos utilizados na manipulação. O autor aponta as limitações dessas caracterizações, pois a Álgebra comparece na atualidade como uma das principais ferramentas para lidar com a realidade, cada vez mais matematizada. Nas palavras do autor: Já não cabe classificar a álgebra apenas como aritmética generalizada, pois ela é muito mais que isso. A álgebra continua sendo um veículo para resolução de certos problemas, mas também é mais do que isso. Ela fornece meios para se desenvolverem e se analisarem relações. E é a chave para a caracterização e a compreensão das estruturas matemáticas (USISKIN, 1995, p. 21). 2.3. A Álgebra nos Currículos Na Proposta Curricular para o Ensino de Matemática - 1º Grau da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SÃO PAULO, 1992), os autores mostram que aprender Matemática é interpretar, construir ferramentas conceituais e criar significados. Isso está além de aprender técnicas. 42 Para o ensino de Álgebra, segundo a Proposta, espera-se: ... dar nova abordagem a este tema de modo a reduzir significativamente a sua extensão, a sua monotonia e o tempo que, geralmente, se gasta no seu desenvolvimento (SÃO PAULO, 1992, p. 95). As explorações iniciais para o ensino de Álgebra devem ser trabalhadas a partir de jogos, generalizações e representações matemáticas, por exemplo, por meio de gráficos, de modelos físicos, e não por atividades puramente mecânicas. Deve-se oferecer este ensino, articulado com a aritmética, logo nas primeiras séries do ensino fundamental, com atividades que proporcionem o desenvolvimento do pensamento algébrico pelo aluno. Essa proposta possibilita ao aluno a observação de regularidades e generalizações, explorando idéias e conceitos algébricos, além de contribuir para que ele desenvolva confiança e capacidade para a aprendizagem da Álgebra. É importante que sejam oferecidas ao aluno condições de construir seu próprio conhecimento a partir de problemas que lhe permitam dar significados e apresentar respostas utilizando ferramentas algébricas. Posicionamento semelhante pode ser encontrado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) (BRASIL, 1998), elaborados pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação e do Desporto, que também nos mostram que o tempo destinado ao ensino de Álgebra nas escolas é privilegiado em relação aos outros temas tratados pela Matemática. Sem dúvida, a Álgebra é também um dos pontos fundamentais 43 para facilitar a capacidade de abstração e generalização, além de ser uma ferramenta para a resolução de problemas. Este documento revela que, embora se privilegie o ensino de Álgebra nas escolas, este não tem resolvido os problemas encontrados no aprendizado: [...] a ênfase que os professores dão a esse ensino não garante o sucesso dos alunos, a julgar tanto pelas pesquisas em Educação Matemática como pelo desempenho dos alunos nas avaliações que têm ocorrido em muitas escolas (BRASIL, 1998, p. 115). Para que estas estatísticas apresentem melhores resultados, há professores que se dedicam mais ao ensino de Álgebra, aumentando o tempo destinado a este assunto. Há casos até de se tentarem soluções, buscando trazer para o ensino fundamental conceitos algébricos que deveriam ser tratados somente no ensino médio. São situações que enfatizam com maior grau a repetição mecânica de exercícios, trazendo alguns prejuízos ao ensino de Matemática. Ainda nos PCNs, há a preocupação da necessidade de os professores refletirem sobre os aspectos da construção do conhecimento matemático pelos alunos e de que planejem atividades que possam auxiliar os alunos na construção do pensamento algébrico. Para uma tomada de decisões a respeito do ensino da Álgebra, deve-se ter, evidentemente, clareza de seu papel no currículo, além da reflexão de como a criança e o adolescente constroem o conhecimento matemático, principalmente quanto à variedade de representações. Assim, é mais proveitoso propor situações que levem os alunos a construir noções algébricas pela observação de regularidades em tabelas e gráficos, estabelecendo relações, do que desenvolver o estudo da Álgebra apenas enfatizando as “manipulações” com 44 expressões e equações de forma meramente mecânica (BRASIL, 1998, p. 116). Destaca-se também a importância em trabalhar com diferentes atividades que contribuirão para que o aluno desenvolva o pensamento algébrico e que inter-relacione as diferentes concepções da Álgebra (Aritmética Generalizada – letras como generalizações do modelo aritmético: propriedades das operações e generalizações de padrões aritméticos; Funcional – letras como variáveis para expressar relações e funções: variação de grandezas; Equações – letras como incógnitas: resolução de equações e Estrutural – letras como símbolo abstrato: cálculo algébrico e obtenção de expressões equivalentes). Para a compreensão de conceitos e procedimentos algébricos é necessário um trabalho articulado com essas quatro dimensões ao longo dos terceiro e quarto ciclos (BRASIL, 1998, p. 117). O ensino de Álgebra tem-se reduzido a aplicações de técnicas na resolução de equações e, na maioria das vezes, descoladas dos problemas. Neste documento encontramos a necessidade de nós, professores, voltarmos a trabalhar com a pré-álgebra (trabalhada nas séries iniciais de modo informal e significativo e articulada com a Aritmética a partir de atividades variadas, envolvendo noções algébricas para se desenvolver habilidades de pensar abstratamente) também no terceiro ciclo do ensino fundamental para ampliar e consolidar as noções e conceitos algébricos. Para isso: [...] é interessante também propor situações em que os alunos possam investigar padrões, tanto em sucessões numéricas como em representações geométricas e identificar suas estruturas, construindo a linguagem algébrica para descrevê- los simbolicamente (BRASIL, 1998, p. 117). 45 O quadro abaixo sintetiza as diferentes interpretações da Álgebra ensinada nas escolas. Figura 2 – Interpretações sobre o ensino de álgebra escolar. Fonte: BRASIL, 1998, p. 160 Muitos dos problemas percebidos no ensino de Álgebra na 7a série ocorrem pela excessiva concentração de esforços no tratamento dos signos, desprezando duas dimensões fundamentais: conceitos e objetos. Figura 3 – Esquema das dimensões do conhecimento sobre um objeto Signos Conceitos Objetos 46 O quadro anterior representa essas ligações. As três dimensões aparecem sempre interligadas, devendo ter essa característica explicitamente presente durante o ensino. Acredito que a relação do objeto com o respectivo conceito ajudará na construção dos signos de forma a permitir uma melhor compreensão do objeto. Diferentemente disso, as situações geralmente tratadas em sala de aula ficam no nível de exercícios, raramente atingindo o status de situação-problema. O aspecto mais explorado é o do domínio mecânico das propriedades algébricas de expressões cuja origem não se conhece. As concepções de Álgebra aqui discutidas e as implicações sobre o ensino delas derivadas pretendem, cada qual a seu modo, superar essa fragmentação. Esse foi também o meu propósito no trabalho desenvolvido com as professoras, aprofundando alguns dos resultados obtidos com meu trabalho de especialização (SILVA, 2001). 2.4. A sala de aula e o ensino de Álgebra Contamos hoje com muitos trabalhos de pesquisa em Educação Matemática. Apesar desse avanço na pesquisa, a prática da sala de aula não sofreu grandes alterações. A despeito do grande número de pesquisas e projetos de ensino desenvolvidos, as aulas de Matemática nas escolas de ensino fundamental continuam, segundo minha observação direta, reforçada por relatos de pesquisadores e pelos documentos oficiais (BRASIL, 1998), se desenvolvendo ainda de maneira mecânica, irrefletida, com ênfase no aspecto formal da Matemática. A ênfase dada ao ensino de Álgebra pelos 47 professores não tem apresentado resultados satisfatórios. Na maioria das vezes, este tema é trabalhado na resolução mecânica e repetitiva de exercícios, mostrando-se ineficiente e conseqüentemente prejudicial na aprendizagem de outros temas da Matemática (BRASIL, 1998). Sob essa forma de ensinar, é compreensível que a Matemática seja vista como absoluta, exata e inquestionável. Perde-se assim a riqueza que está presente no processo da produção do conhecimento matemático. O conhecimento algébrico, diferentemente do que pode parecer sob um olhar superficial e simplificador, focalizando apenas o aspecto formal de manipulação de equações, é muito complexo, tanto no que diz respeito ao seu desenvolvimento histórico quanto ao seu ensino e a aprendizagem pelos alunos, no terceiro ciclo do ensino fundamental. As operações aritméticas, por exemplo, estão presentes no nosso dia-a-dia. Porém, as operações algébricas não são encontradas com a mesma facilidade na vida cotidiana. A Álgebra começa a fazer sentido a partir das dificuldades encontradas no tratamento de situações para as quais a Aritmética não se mostra suficiente. A abstração inerente ao pensamento algébrico e a dificuldade de encontrar vínculos diretos com situações do cotidiano fazem da Álgebra um dos assuntos mais áridos do ensino fundamental. Em um estudo feito na Inglaterra, com adultos, sobre suas experiências com o estudo da Álgebra na escola, foi registrado o seguinte comentário: “A Álgebra é fonte de confusão e atitudes negativas consideráveis entre os alunos” (BOOTH, 1995, p. 23). 48 O estudo do que poderia ser caracterizado como Álgebra inicia- se nas primeiras séries do ensino fundamental. Ainda que de forma velada, estão presentes já nos primeiros raciocínios tipicamente algébricos trabalhados nas séries iniciais, os aspectos mais formais da Álgebra. Ao serem propostos exercícios do tipo: 5 + □ = 12, não se contribui para o desenvolvimento do raciocínio algébrico pelo aluno, mas sim, para a mecanização de processos de resolução de exercícios. O resultado final desse processo de mecanização de resolução de exercícios, que raramente chegam a se tornar problemas, é que um grande contingente de alunos, no final do ensino médio, se confundem, ao resolverem equações quase tão simples quanto 5 + □ = 12, em Matemática ou em outras disciplinas. É comum os alunos se atrapalharem nas operações algébricas, ao resolverem equações do tipo y = a.x, com x desconhecido, não sabendo se x = y/a ou se x = y/-a ou ainda se x = a/y. Tradicionalmente, é na 6ª série do ensino fundamental que se assume o ensino de Álgebra na sua forma simbólica (variáveis), e já podemos perceber alguns descontentamentos por parte de alunos e professores. Isso é reafirmado na 7ª série, quando todo estudo fica concentrado em cálculos algébricos. Nesta série, podemos perceber o quanto o nível de aproveitamento do aluno cai. Podemos constatar, nos documentos dos PCNs (BRASIL, 1998), que os itens referentes à Álgebra raramente atingem o índice de 40% de acerto nos resultados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Também em Imenes e Lellis, citados em Pinto (1997), encontramos indícios das dificuldades com o ensino e a aprendizagem da 49 Álgebra, sentidas tanto por professores quanto por alunos, mostrando um grande vazio escondido mesmo sob o eficiente uso de técnicas de resolução de problemas. Escrevem os autores: Professores e alunos sofrem com a Álgebra da 7ª série. Uns tentando explicar, outros tentando engolir técnicas de cálculo com letras que, quase sempre, são desprovidas de significados para uns e outros. Mesmo nas tais escolas de excelência, onde aparentemente os alunos de 7ª série dominam todas as técnicas, esse esforço tem poucos resultados: na 1ª série do 2º Grau é necessário repetir tudo (IMENES; LELLIS, 1994, apud PINTO, 1997, p. 3). Ao relatar sua experiência com o ensino de Álgebra para alunos da 7ª série do ensino fundamental, Pinto (1997) apresenta como preocupação os livros didáticos que trazem conteúdos descontextualizados, a quantidade excessiva de conteúdos para serem trabalhados em um tempo relativamente curto e as dificuldades dos alunos em entender e utilizar as estruturas algébricas, mesmo quando apresentadas geometricamente. [...] busquei uma solução técnica, a Álgebra geométrica, como recurso para amenizar o choque que este conteúdo causava. Na época eu achava que havia encontrado a “salvação da lavoura” pois acreditava que os meus alunos não apresentariam dificuldades e eu conseguiria reverter a situação. Mas qual não foi a minha surpresa quando percebi que, para alguns, mesmo trabalhando com este material, os erros e as dificuldades continuavam!! A minha reflexão sobre essa experiência me levou a suspeitar que esses erros/dificuldades eram decorrência de um inadequado ensino/aprendizagem anterior em aritmética (PINTO, 1997, p. 2). Booth (1995), por meio de um estudo que mapeou os erros cometidos por estudantes que passavam por um programa de ensino de 50 Álgebra, desde estudantes iniciantes nesse tema (13 anos) até os já iniciados, buscou compreender possíveis origens dessas dificuldades e caminhos alternativos para a superação e minimização das mesmas. Algumas das dificuldades detectadas mediante erros cometidos pelos alunos estão destacadas a seguir. A interpretação que o aluno faz da simbologia utilizada para as operações é um dos problemas citados por Booth. Na aritmética, o símbolo “+”, por exemplo, significa a realização de uma operação e o símbolo “=” indica que se deve escrever uma resposta. Essa idéia faz com que os alunos apresentem dificuldades em simplificações de expressões algébricas. Para que isso seja amenizado, podemos nos ater nas palavras da autora: A idéia de que o símbolo de adição possa indicar tanto o resultado de uma adição como a ação, ou de que o sinal de igualdade possa ser visto como indicador de uma relação de equivalência em vez de um símbolo para “escrever resposta”, pode não ser percebido de imediato pelo aluno, embora essas duas noções sejam necessárias para a compreensão da Álgebra (BOOTH, 1995, p. 27). Segundo Booth (1995), a precisão no registro das afirmações em Álgebra é um outro problema encontrado pelo aluno. A Álgebra exige uma apresentação correta daquilo que se pretende fazer. Em aritmética faz pouca diferença o aluno escrever 12 : 3 ou 3 : 12, desde que ele efetue corretamente o cálculo. Em Álgebra, porém, é crucial a diferença entre p: q e q : p. Essa visível falta de rigor pode refletir uma desatenção nas aulas de Matemática às afirmações verbais corretas e precisas das idéias Matemáticas (BOOTH, 1995, p. 29). A Álgebra, como podemos ver através do recurso à história, encontra-se em seu estágio atual num alto grau de formalização e 51 sistematização, embora nem sempre tenha sido assim. Alguns dados, empiricamente coletados por mim no dia-a-dia nas escolas, revelam uma forte tendência de formalização da Álgebra logo no início do seu ensino com as expressões do tipo 5 + □ = 12. Já nos primeiros “movimentos algébricos” a partir da 6ª série, aparecem as letras para representar os números (desconhecidos), as variáveis e as incógnitas, assim denominadas. Sem dúvida, esse é um outro problema enfrentado pelo aluno que, até então, na Aritmética, havia trabalhado só com números. Conforme apontado por Booth (1995), além das dificuldades próprias do uso da representação, ocorre uma confusão entre as letras que representam as variáveis e as letras que são símbolos nos sistemas métricos. O ensino de Álgebra é entendido, em muitos aspectos, como uma “aritmética generalizada” (BOOTH, 1995), a álgebra não é isolada da aritmética. O desempenho do aluno em álgebra será comprometido, se a generalização das relações e procedimentos aritméticos não forem apreendidos (pelo aluno) dentro do contexto aritmético. Muitas das dificuldades apresentadas pelos alunos não são propriamente da álgebra, mas sim de problemas não corrigidos em aritmética. Ampliando essa visão do erro, limitada aos erros dos alunos em Booth (1995), o trabalho de Pinto (1997) constata também que o erro em Álgebra não é exclusivo do aluno, mas atinge também professores e materiais didáticos. Investigando o erro e suas conotações nos trabalhos de sala de aula de duas professoras, Pinto (1997) aponta a necessidade da 52 incorporação de elementos de pesquisa pelo professor, para que haja o aprofundamento da crítica ao erro e às suas origens, e para que o professor tenha condições de melhor acompanhar a construção de conhecimento pelos seus alunos. A partir dos apontamentos de Pinto (1997, p. 100), fica evidente o papel do professor na construção de conhecimentos pelo aluno, desde a organização curricular, passando pela ênfase dada aos vários tópicos, ao tempo dedicado a cada um, ao reconhecimento e à valorização da voz e do pensamento dos alunos. O destaque dado pela autora ao papel desempenhado pelo professor (conhecimento profissional do professor constitutivo da prática docente) constitui recentemente uma das mais importantes linhas de pesquisa em Educação Matemática. Concordamos que a formação profissional se dá pelo conjunto de saberes constitutivos da prática docente (saber pedagógico; saber disciplinar; saber curricular e o saber da experiência). Mas também entendemos o quanto este desenvolvimento profissional é complexo, levando- se em conta o isolamento em que se encontra o professor. Que imagem foi construída do professor? Que imagem o professor faz de si mesmo? Um professor que tenta se adequar às novas propostas, ora caracterizado como quem adere superficialmente a modismos, ora como alguém impermeável às mudanças, desmotivado pelo papel que hoje acredita desempenhar: o de executor de tarefas planejadas por especialistas. Tardif (2002) mostra que essa visão do professor tornou-o dependente de modelos prontos de ensino presos a um currículo previamente definido por produtores de conhecimento. Essas 53 condições favorecem a utilização do livro didático pelo professor, que se sente pressionado a cumpri-lo na sua totalidade, com reduzida autonomia para definir o que e como trabalhar. Pudemos ver que, para o ensino de Álgebra, não é diferente. O professor apóia-se no livro didático que, na sua maioria, apresenta atividades algébricas que se resumem a um ‘cálculo com letras’ (LINS; GIMENEZ, 1997, p. 105). Além disso, considerando-se as condições de trabalho, a ampliação da jornada, o uso burocrático dos espaços pedagógicos da escola (HTPC3 etc.), fica dificultada a aproximação do professor dos resultados de pesquisa em educação, o que inclui a Educação Matemática, e reduzidas as chances de que ele se utilize desses resultados para rever suas práticas. Diante de todos estes estudos e constatações, quais os saberes que o professor precisa ter para ensinar Álgebra, considerando o aluno como produtor do próprio conhecimento? A partir dos saberes profissionais do professor relacionados por Tardif (2002), é possível pensar nos seguintes saberes específicos para o ensino de Álgebra: • Saberes pedagógicos: são as reflexões feitas pelo professor sobre a sua prática ao ensinar os conteúdos de Álgebra, considerando como trabalhá- los de forma a trazer o aluno para a responsabilidade de assumir a construção do seu conhecimento algébrico, e a quem ensiná-los, tendo os 3 HTPC – Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo. 54 cuidados necessários de corresponder o nível das questões algébricas ao nível de desenvolvimento intelectual do aluno. • Saberes disciplinares: são os saberes que buscam entender qual o papel da álgebra na Matemática escolar. • Saberes curriculares: são os objetivos que devem ser traçados para se ensinar Álgebra, os conteúdos a serem trabalhados e os métodos a serem utilizados. • Saberes da experiência: são os saberes que são construídos a partir da prática cotidiana com o ensino de Álgebra. As diferentes ações tomadas diante de situações não previstas de antemão permitem ao professor desenvolver saberes individuais e únicos para cada momento de suas aulas. Cabe ainda um comentário sobre a necessidade de articular todos esses saberes para dar conta das necessidades imediatas da sala de aula, com sua imprevisibilidade e suas múltiplas faces que implicam, também, em multiplicidade de oportunidades na aprendizagem. A discussão sobre a formação de professores de Matemática ultrapassou há muito os limites da técnica, alcançando hoje, praticamente, todas as dimensões da Educação Matemática enquanto campo de pesquisa, envolvendo epistemologia, psicologia da aprendizagem, didática, currículos, metodologia de pesquisa dentre outros. Nesse sentido, destacamos que o aspecto central desta pesquisa é verificar como essas dimensões comparecem nas preocupações iniciais das professoras ou como, na sua ausência, elas são 55 geradas a partir dos trabalhos desenvolvidos no/pelo grupo, no movimento empreendido a partir de problemas do ensino de álgebra. A articulação entre as várias dimensões da Educação Matemática, com suas implicações sobre necessidades formativas de professores, é o que se desenvolve no capítulo seguinte. Tal articulação foi feita através da aproximação de minhas experiências anteriores enquanto professora, de leituras de textos teóricos e metodológicos de pesquisa em Educação Matemática e de necessidades formativas percebidas no trabalho colaborativo desenvolvido com as professoras. 56 CAPÍTULO II Objetivos do estudo e os caminhos metodológicos Esta pesquisa surgiu do meu interesse pelos processos de uma aprendizagem mais significativa do ensino