UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP Faculdade de Engenharia e Ciências - Campus de Guaratinguetá JÉSSICA LUANA DE FRANÇA GODOI PRÁTICAS DE ESG NAS EMPRESAS BRASILEIRAS: desafios e perspectivas Guaratinguetá - SP 2024 JÉSSICA LUANA DE FRANÇA GODOI PRÁTICAS DE ESG NAS EMPRESAS BRASILEIRAS: desafios e perspectivas Trabalho de Graduação apresentado ao Conselho de Curso de Graduação em Engenharia Elétrica da Faculdade de Engenharia e Ciências do Campus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do diploma de Graduação em Engenharia Elétrica. Orientador: Prof. Dr. Leonardo Mesquita Coorientador: Prof. Dr. Janio Itiro Akamatsu Guaratinguetá - SP 2024 G588p Godoi, Jéssica Luana de França Práticas de ESG nas empresas brasileiras: desafios e perspectivas / Jéssica Luana de França Godoi - Guaratinguetá, 2024. 80 f : il. Bibliografia: f. 72-80 Trabalho de Graduação em Engenharia Elétrica – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Engenharia e Ciências de Guaratinguetá, 2024. Orientador: Prof. Dr. Leonardo Mesquita Coorientador: Prof. Dr. Janio Itiro Akamatsu 1. Empresas - Brasil. 2 Sustentabilidade. 3. Governança corporativa. 4. Responsabilidade social. I. Título. CDU 658.56 Luciana Máximo Bibliotecária/CRB-8 3595 JÉSSICA LUANA DE FRANÇA GODOI PRÁTICAS DE ESG NAS EMPRESAS BRASILEIRAS: desafios e perspectivas Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Engenharia e Ciências de Guaratinguetá, Guaratinguetá, para obtenção do título de Engenheiro em Engenharia Elétrica. Data da defesa: 18/11/2024 AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Cleide e Luiz Claudio, que sempre foram meu alicerce. Obrigada por estarem sempre ao meu lado, me oferecendo amor e apoio incondicionais, e por acreditarem nos meus sonhos com a mesma intensidade que eu. Ao meu irmão, Gabriel, pela presença constante e pelo incentivo nos momentos de desafio. Sua companhia e apoio foram fundamentais durante toda a jornada. Ao meu namorado, João Marcelo, meu companheiro e amigo, por estar sempre ao meu lado, acreditando em mim e me apoiando nos momentos mais difíceis. Obrigada pelo carinho, pela paciência e por todas as palavras de encorajamento que me ajudaram a seguir em frente. A toda minha família, que esteve ao meu lado, torcendo por mim e me ajudando a acreditar nos meus sonhos. Aos meus professores, pela orientação, pelos ensinamentos e pelo exemplo de dedicação à educação e ao conhecimento. Agradeço por todas as valiosas contribuições ao longo desta jornada acadêmica. RESUMO O presente trabalho tem como objetivo analisar as práticas de Environmental, Social and Governance (ESG) no contexto corporativo brasileiro, destacando os desafios enfrentados e as oportunidades emergentes. A pesquisa explora a evolução do conceito ESG, desde sua origem até sua consolidação no Brasil, e avalia o impacto da regulamentação e das políticas públicas, como o Pacto Global e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na adoção dessas práticas. Metodologicamente, o estudo combina análise de relatórios corporativos, regulamentações e estudos de caso, com foco em empresas de diversos setores econômicos. Os resultados evidenciam uma crescente integração de ESG nas estratégias empresariais, impulsionada por demandas de investidores, consumidores e órgãos reguladores. Apesar de avanços significativos, persistem desafios relacionados à governança, à padronização de dados e à conciliação entre sustentabilidade e retorno financeiro. O trabalho conclui que a consolidação de práticas ESG no Brasil é essencial para o desenvolvimento econômico sustentável e a competitividade global, destacando a necessidade de maior transparência, inovação e colaboração intersetorial. Palavras-chave: ESG; sustentabilidade; empresas brasileiras; responsabilidade social; governança corporativa. ABSTRACT This study aims to analyze Environmental, Social, and Governance (ESG) practices within the Brazilian corporate context, highlighting the challenges faced and emerging opportunities. It examines the evolution of the ESG concept from its inception to its consolidation in Brazil and assesses the impact of regulatory frameworks and public policies, such as the Global Compact and the Sustainable Development Goals (SDGs), on the adoption of these practices. Methodologically, the research combines the analysis of corporate reports, regulations, and case studies, focusing on companies across various economic sectors. The findings reveal an increasing integration of ESG principles into corporate strategies, driven by the demands of investors, consumers, and regulatory bodies. Despite significant progress, challenges persist, particularly in governance, data standardization, and balancing sustainability with financial returns. The study concludes that consolidating ESG practices in Brazil is crucial for sustainable economic development and global competitiveness, emphasizing the need for greater transparency, innovation, and cross-sector collaboration. Keywords: ESG; sustainability; Brazilian companies; social responsibility; corporate governance. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Impactos positivos nas organizações ........................................................ 21 Figura 2 - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) ................................... 24 Figura 3 - Contribuição da indústria de telecomunicações para os ODS .................. 26 Figura 4 – Empresas participantes na pesquisa ........................................................ 33 Figura 5 – Empresas com estratégia de atuação relacionada aos ODS ................... 34 Figura 6 – Objetivos da implementação de ações específicas em ODS ................... 35 Figura 7 – Divulgação de resultados nos ODS .......................................................... 37 Figura 8 - Representação da divisão dos escopos 1, 2 e 3 em toda cadeia de valor 45 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1 – Princípios fundamentais nas áreas de direitos humanos ....................... 23 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BTG Banking and Trading Group CBA Companhia Brasileira de Alumínio CCBC Câmara de Comércio Brasil-Canadá CCR Companhia de Concessões Rodoviárias CDP Carbon Disclosure Project CMN Conselho Monetário Nacional COP Conference of the Parties CPC Comitê de Pronunciamentos Contábeis CPFL Companhia Paulista de Força e Luz CVM Comissão de Valores Mobiliários DJSI Dow Jones Sustainability Index EBITDA Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation, and Amortization ESG Environmental, Social and Governance EY Ernst & Young Global Limited FGTS Fundo de Garantia do Tempo de Serviço GAS Grupo de Ação Socioambiental GHG GreenHouse Gas GRI Global Reporting Initiative GSMA Global System for Mobile Communications Association IN Índice de Negociabilidade ISE Índice de Sustentabilidade Empresarial ISSB International Sustainability Standards Board MSCI Morgan Stanley Capital International ODS Objetivos de Desenvolvimento Sustentável OECD Organization for Economic Co-operation and Development ONU Organização das Nações Unidas PCAF Partnership for Carbon Accounting Financials PIB Produto Interno Bruto PMEs Pequenas e Médias Empresas PR Prática Recomendada PRSAC Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática RD Raia Drogasil RTRS Round Table on Responsible Soy SASB Sustainability Accounting Standards Board SBTi Science Based Target Initiative SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SGI Sistema de Gestão Integrado SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 16 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS ESG ...................................... 16 1.2 PANORAMA ESG NO BRASIL .............................................................. 17 1.3 OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA ............................................................ 18 2 DESENVOLVIMENTO ........................................................................... 20 2.1 REVISÃO DA LITERATURA .................................................................. 20 2.1.1 Histórico do conceito ESG ..................................................................... 20 2.1.2 Evolução das práticas ESG no Brasil .................................................... 20 2.1.3 O Pacto Global ...................................................................................... 23 2.1.4 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) ................................ 24 2.1.5 Desafios da sustentabilidade nas grandes empresas ............................ 27 2.1.6 Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE)........................................ 29 3 METODOLOGIA .................................................................................... 32 3.1 COLETA E ANÁLISE DE RELATÓRIOS DE SUSTENTABILIDADE ..... 32 3.2 INVESTIGAÇÃO DO QUADRO REGULATÓRIO NO BRASIL .............. 39 3.2.1 Resolução CVM n° 14 ........................................................................... 39 3.2.2 Resolução CMN n° 4.943/2021 ............................................................. 40 3.2.3 Resolução CVM n° 193 ......................................................................... 41 3.2.4 ABNT PR 2030 ...................................................................................... 41 3.2.5 Taxonomia Sustentável Brasileira ......................................................... 43 3.3 ESTUDOS DE CASOS DE EMPRESAS NO BRASIL ........................... 44 3.3.1 Financeiro – Banco PAN ....................................................................... 44 3.3.2 Bens industriais – CCR S.A. .................................................................. 47 3.3.3 Consumo cíclico – Lojas Renner S.A. ................................................... 50 3.3.4 Consumo não cíclico – SLC Agrícola S.A. ............................................. 52 3.3.5 Materiais básicos – Companhia Brasileira de Alumínio ......................... 54 3.3.6 Petróleo, gás e biocombustíveis – Cosan S.A. ...................................... 55 3.3.7 Saúde – Raia Drogasil S.A. ................................................................... 57 3.3.8 Telecomunicações - Vivo ....................................................................... 59 3.3.9 Utilidade pública – CPFL Energia S.A. .................................................. 60 3.3.10 Pequenas e médias empresas .............................................................. 62 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES ........................................................... 65 4.1 DESEMPENHO POR PILAR ESG ......................................................... 65 4.2 ALINHAMENTO DAS PRÁTICAS CORPORATIVAS AOS ODS ........... 67 4.3 O PAPEL DA LEGISLAÇÃO .................................................................. 67 5 CONCLUSÃO ........................................................................................ 69 REFERÊNCIAS ..................................................................................... 72 16 1 INTRODUÇÃO 1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS ESG A partir de 2005, as práticas de Environmental, Social and Governance (ESG) têm ganhado destaque no ambiente empresarial global, especialmente no Brasil, no qual as empresas buscam alinhar suas estratégias de negócios com princípios de sustentabilidade e responsabilidade social. Este trabalho tem como objetivo analisar as práticas de ESG nas empresas brasileiras, destacando os desafios enfrentados na sua implementação e as perspectivas para o futuro. A relevância deste estudo está na crescente busca de investidores, consumidores e órgãos reguladores para que as empresas adotem políticas que contribuam para o desenvolvimento sustentável. De acordo com uma pesquisa da Amcham Brasil (2023), 71% das empresas brasileiras já adotam práticas ESG, sendo 45% em estágio inicial e 26% em estágio avançado. Isso reflete um crescimento de 24% em relação ao ano anterior, impulsionado pela busca por fortalecimento de reputação e melhor relacionamento com stakeholders, ou seja, todas as partes interessadas nas decisões empresariais. Globalmente, o volume de investimentos ESG pode alcançar US$ 53 trilhões até 2025, conforme dados da Bloomberg Intelligence, reforçando a importância crescente dessas práticas para o futuro das empresas (Scherer, 2024). É importante destacar que a adoção dessas práticas vai muito além do simples cumprimento regulatório. No Brasil, a adoção de práticas ESG tornou-se um diferencial competitivo, especialmente para Pequenas e Médias Empresas (PMEs). A líder do Comitê de Sustentabilidade do Grupo Mulheres do Brasil, Roseli Nogueira Machado, e o economista e empreendedor Paulo Dalla Nora Macedo, destacam que, ao integrar ESG em suas operações, essas empresas conseguem atrair mais investidores, aumentar a competitividade no mercado e fortalecer seu relacionamento com stakeholders. Além disso, o apoio de grandes empresas para que suas cadeias produtivas sigam essa agenda sustentável é essencial para o sucesso a longo prazo. Durante a pandemia, a falta de planejamento sustentável mostrou como as PMEs estavam vulneráveis a choques sistêmicos, reforçando a necessidade de uma governança mais robusta e sustentável (Machado; Macedo, 2021). 17 1.2 PANORAMA ESG NO BRASIL No entanto, a implementação efetiva dessas práticas enfrenta desafios consideráveis. De acordo com um estudo publicado no Sustainability Journal, por Jonsdottir et al. (2022), uma das maiores barreiras é a falta de qualidade nos dados ESG, como sua materialidade, precisão e confiabilidade, o que dificulta a tomada de decisões de investimento baseadas nessas informações. Além disso, o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OECD (Organization for Economic Co-operation and Development), publicado em um artigo por Laidlaw (2020), destaca que a ausência de uma padronização clara e uma definição universal de métricas ESG pode esconder riscos importantes, comprometendo a transparência e a comparação entre empresas. Ademais, Jonsdottir et al. (2022) ainda apontam que a dificuldade em conciliar retornos financeiros de curto prazo com investimentos em sustentabilidade gera dilemas para as empresas. Neste cenário, torna-se relevante observar como algumas das empresas brasileiras têm enfrentado esses desafios. No setor industrial, a Natura é um exemplo de uma organização que tem investido em práticas ESG, especialmente no que se refere à sustentabilidade ambiental e social. Com uma trajetória de comprometimento com a biodiversidade, a Natura tem implementado iniciativas de biocomércio, envolvendo comunidades locais na Amazônia para garantir a sustentabilidade de seus recursos naturais (Natura, 2019). Entretanto, a expansão internacional da empresa, como visto na aquisição da Avon, impõe desafios relacionados à uniformização das práticas ESG em diferentes mercados. A integração de culturas empresariais distintas e o alinhamento de operações globais com padrões sustentáveis exigem esforços de governança corporativa e transparência (Zogbi; Toledo, 2020). Outro exemplo é a Ambev (2023), um dos maiores nomes no setor de bens de consumo, que também tem investido em práticas voltadas para a sustentabilidade ambiental, incluindo a redução de sua pegada hídrica e o uso de fontes renováveis de energia. Segundo o relatório “Nossa ambição para alcançar Net Zero” (2023), a empresa tem se comprometido a alcançar 100% de energia renovável até 2025, além de ampliar o uso de embalagens retornáveis em suas operações. O conceito de “Net Zero” refere-se ao compromisso de zerar o balanço de emissões de gases de efeito estufa, reduzindo ao máximo as emissões e compensando as remanescentes com ações como reflorestamento (Baraban, 2024). A adaptação a esses novos processos, 18 contudo, apresenta desafios financeiros e operacionais. Mesmo assim, os resultados mostram que os ganhos em eficiência e economia de recursos têm compensado esses esforços (Salomão, 2023). No setor financeiro, o Banco Itaú Unibanco também se destaca pela adoção de práticas ESG, com foco na inclusão financeira e na promoção de uma governança sólida e transparente. A criação de produtos financeiros sustentáveis, como os green bonds1, tem atraído investidores interessados em projetos com impacto socioambiental positivo (Banco Itaú, 2021). Mas também como as outras empresas citadas, o Itaú enfrenta o desafio de garantir a consistência dessas práticas em todos os seus segmentos de atuação, especialmente em um ambiente regulatório diverso como o que enfrenta em seus mercados internacionais. A implementação de práticas ESG nas empresas brasileiras, portanto, ainda encontra desafios, especialmente relacionados à governança e à padronização de dados. Mas tendo isso em vista, os benefícios resultantes dessas práticas são inegáveis, tanto do ponto de vista operacional quanto estratégico. Empresas que conseguem alinhar suas operações a critérios ESG não apenas melhoram sua eficiência e mitigam riscos, mas também fortalecem sua reputação, atraem investimentos e geram impacto positivo na sociedade e no meio ambiente. O crescente interesse de investidores por práticas responsáveis indica que essa tendência deve continuar a se expandir no Brasil, estabelecendo um novo padrão de competitividade no mercado corporativo. 1.3 OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA Este estudo busca aprofundar a análise sobre como as empresas brasileiras estão lidando com as complexidades de implementar e consolidar práticas ESG, investigando os desafios e as oportunidades que surgem nesse processo. É fundamental destacar que o estudo das práticas ESG no Brasil é relevante não apenas para o ambiente empresarial, mas também para a sociedade e a economia do país. Práticas sustentáveis e socialmente responsáveis podem impulsionar o desenvolvimento econômico. O Brasil possui vasto potencial para se destacar em setores como energia renovável, biocombustíveis e tecnologia verde, criando 1 Os green bonds, ou títulos verdes, são títulos de dívida emitidos com o objetivo de captar recursos para financiar projetos voltados à sustentabilidade (SEBRAE, 2023c). 19 oportunidades não apenas para empresas nacionais, mas também para atrair investimentos internacionais. Conforme apontado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o país está em uma posição estratégica para se beneficiar do crescimento do mercado de finanças verdes, que já movimenta quase US$ 1 trilhão globalmente. Esses investimentos têm o poder de promover o desenvolvimento de infraestrutura crítica, como saneamento e transporte, beneficiando diretamente a sociedade (BNDES, 2020). Além disso, a integração de práticas ESG pode se tornar um diferencial competitivo no cenário global. Empresas que adotam esses princípios estão não apenas melhorando suas reputações, mas também atraindo novos investimentos e consumidores mais exigentes quanto à sustentabilidade corporativa. Isso é particularmente importante em um contexto onde a pressão por transparência e responsabilidade social aumenta constantemente (Alba, 2024). A adoção de ESG no Brasil, portanto, vai além da mera conformidade regulatória: trata-se de uma estratégia para garantir crescimento econômico sustentável e aumentar a competitividade global do país. Diante desse cenário, este trabalho se desdobrará em uma análise das práticas ESG no Brasil. A próxima seção abordará uma revisão da literatura, contextualizando o conceito de ESG, sua evolução no Brasil e a importância de iniciativas como o Pacto Global e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em seguida, será detalhada a metodologia utilizada, com foco na coleta e análise de relatórios de sustentabilidade, além de uma investigação do quadro regulatório brasileiro. Adicionalmente, serão explorados estudos de caso de empresas brasileiras de diversos setores, analisando suas práticas ESG e identificando avanços, desafios e boas práticas. Por fim, os resultados obtidos serão discutidos, buscando identificar perspectivas futuras para a consolidação das práticas ESG no cenário empresarial brasileiro, além de apontar direções para novos estudos e iniciativas. 20 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 REVISÃO DA LITERATURA 2.1.1 Histórico do conceito ESG A expressão ESG, introduzida pela primeira vez nos anos 90 pelo então Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, surgiu de um desafio lançado a 50 CEOs de grandes instituições financeiras. O objetivo era integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais (Cruz; David, 2023). Posteriormente, em 2004, o termo foi formalizado em uma publicação conjunta do Pacto Global da ONU e do Banco Mundial, intitulada "Who Cares Wins". Esse movimento, registrado no relatório "Who Cares Wins" de 2005, foi impulsionado pela necessidade de encorajar a inclusão de questões ambientais, sociais e de governança no mercado financeiro (Cruz; David, 2023). 2.1.2 Evolução das práticas ESG no Brasil A evolução das práticas de ESG no Brasil tem sido marcada por um progresso contínuo, com um grande crescimento nos últimos anos, em especial no contexto pós-pandemia. O relatório "Como está a sua agenda ESG?", produzido em 2022 pelo Pacto Global da ONU no Brasil e as empresas parceiras Falconi e Stilingue, destaca diversos aspectos sobre essa evolução, fornecendo um panorama de como as empresas brasileiras têm adotado práticas ESG em resposta a demandas ambientais, sociais e de governança. Historicamente, as discussões sobre ESG eram restritas, mas a pandemia de COVID-19 acelerou a conscientização das empresas sobre a necessidade de ações sustentáveis e responsáveis (Martins; Zibas, 2020). Um dos marcos mais importantes dessa trajetória foi a criação do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) pela Bolsa de Valores do Brasil em 2005. Este índice tornou-se um instrumento essencial para apoiar os investidores na tomada de decisões, induzindo as empresas a adotar práticas sustentáveis como forma de assegurar sua própria sobrevivência. 21 O relatório cita que, nos últimos três anos, houve um grande aumento de menções e discussões sobre ESG no ambiente digital. A partir de 2019, foram registradas cerca de 3400 citações no meio digital brasileiro, subindo para mais de 109 mil publicações até outubro de 2022, um crescimento que reflete o aumento da relevância do tema nas discussões públicas e empresariais. Setores como o financeiro, alimentos e bebidas, óleo e gás e automotivo são os que mais discutem ESG no Brasil, com destaque também para o papel da tecnologia no desenvolvimento de soluções que auxiliam as empresas na busca por metas sustentáveis. Uma das etapas mais importantes para entender a adoção do ESG no Brasil foi o mapeamento das práticas de gestão. O relatório aponta que 91,9% das empresas com faturamento acima de R$ 5 bilhões já inserem ESG na elaboração de suas estratégias, e 73% fazem o mapeamento de riscos ESG. Entretanto, apenas 13,7% possuem certificações em ESG, um indicativo de que ainda há um caminho a ser percorrido na busca por ações mais sustentáveis. O relatório também mostra que os principais motivadores que levam as organizações a adotar práticas ESG no Brasil são a preocupação com os impactos ambientais, o desejo de estabelecer uma economia sustentável e a busca por uma governança mais transparente. Setores como o de serviços, por exemplo, destacam- se pelo foco em valores sociais, como inclusão e diversidade. Para as empresas que adotaram práticas ESG, os benefícios são notáveis, especialmente no que diz respeito à melhoria da reputação da empresa, como pode ser visto na Figura 1. Figura 1 - Impactos positivos nas organizações Fonte: Pacto Global; Falconi; Stilingue (2023). 22 Entretanto, o relatório também aponta os desafios enfrentados por empresas que ainda estão em estágio inicial na agenda ESG. Um dos impactos negativos mencionados por 13,2% das organizações foi o menor engajamento de funcionários, evidenciando que a ausência de uma estratégia ESG clara pode afetar negativamente o ambiente interno. O pilar ambiental tem sido o mais abordado no Brasil, com 47% das publicações online relacionadas ao tema. Empresas de grande porte têm investido mais em iniciativas como a redução de emissões de gases de efeito estufa e eficiência energética. No pilar social, temas como diversidade, inclusão, saúde e bem-estar são os mais trabalhados, com destaque para os setores de educação, serviços e consultoria. Mas, setores como o agronegócio e a construção civil ainda enfrentam desafios em relação à diversidade e inclusão, com um foco maior em ações voltadas para a saúde e bem-estar das comunidades locais. O panorama ESG no Brasil possui características que o alinham aos desafios enfrentados por outros países emergentes, mas também revela particularidades que o diferenciam no cenário global. Assim como outros mercados emergentes, o Brasil enfrenta obstáculos para a implementação plena de práticas ESG, especialmente devido à sua alta dependência de recursos naturais e à necessidade urgente de reestruturar suas cadeias produtivas para reduzir as emissões de carbono. Essa situação é comum em países emergentes que historicamente cresceram com base em fontes de energia intensivas em carbono, como carvão e petróleo. Por exemplo, estima-se que os países emergentes emitam atualmente cerca de 85% das emissões globais de CO2, refletindo o desafio de conciliar crescimento econômico e sustentabilidade ambiental (Tansan et al., 2023). Além disso, o Brasil compartilha com outros mercados emergentes a tendência de crescimento do financiamento sustentável. O aumento da emissão de títulos verdes e o interesse crescente em práticas ESG demonstram a relevância do tema, alinhando o Brasil a países da Ásia e América Latina, onde há uma expansão similar dos fundos de investimento sustentáveis (Karoui, 2024). Por outro lado, o avanço da regulação ESG no Brasil é mais lento em comparação com países desenvolvidos, como os da União Europeia, que já implementaram normas rigorosas, como o imposto de fronteira de carbono. Enquanto 23 na Europa essas regulações são amplamente aplicadas, no Brasil a legislação ainda é recente e fragmentada, o que representa um desafio adicional para as empresas que buscam alinhar-se a padrões globais (Tansan et al., 2023). 2.1.3 O Pacto Global O Pacto Global, lançado em julho de 2000 por Kofi Annan, é uma iniciativa internacional que congrega empresas, agências da ONU, trabalhadores e sociedade civil em torno de dez princípios fundamentais nas áreas de direitos humanos, condições de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção, conforme exposto no Quadro 1. Através de ações coletivas, o Pacto Global visa promover a cidadania corporativa responsável, incentivando o setor privado a contribuir para a criação de uma economia global mais estável e inclusiva. Quadro 1 – Princípios fundamentais nas áreas de direitos humanos Categoria Princípios Direitos humanos 01 - As empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos reconhecidos internacionalmente. 02 - Assegurar-se de sua não participação em violações destes direitos. Trabalho 03 - As empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva. 04 - A eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório. 05 - A abolição efetiva do trabalho infantil. 06 - Eliminar a discriminação no emprego. Meio ambiente 07 - As empresas devem apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais. 08 - Desenvolver iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental. 09 - Incentivar o desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientalmente amigáveis. Anticorrupção 10 - As empresas devem combater a corrupção em todas as suas formas, inclusive extorsão e propina. Fonte: Pacto Global (2000). Para uma discussão crítica sobre a efetividade do Pacto Global no Brasil, é importante considerar que essa iniciativa tem sido mais amplamente adotada por grandes empresas, enquanto as pequenas e médias empresas enfrentam maiores 24 desafios para sua implementação. Há iniciativas que buscam maior inclusão das PMEs, como a premiação "SDGs Pioneers" (em português, Pioneiros dos ODS), que em 2023 reconheceu projetos sustentáveis de PMEs no Brasil, mas a implementação em larga escala ainda é limitada (Pacto Global, 2023). Além disso, há um esforço para promover a capacitação de gestores e uma maior colaboração entre empresas, o que pode auxiliar na inclusão das PMEs, mas o progresso é desigual (Nações Unidas Brasil, 2016). 2.1.4 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ilustrados na Figura 2, lançados pela ONU em 2015, estabelecem 17 metas globais que abordam desafios como a pobreza, a desigualdade e as mudanças climáticas. Figura 2 - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) Fonte: Organização das Nações Unidas (ONU) (2015). Os critérios ESG fornecem um conjunto de padrões mensuráveis para que as empresas possam integrar práticas ambientais, sociais e de governança em suas operações. A relação entre os ODS e os critérios ESG pode ser entendida como complementar. Por exemplo, políticas de governança fortes garantem a transparência e a responsabilidade, o que apoia o ODS 16 (paz, justiça e instituições eficazes). Práticas ambientais, como a redução de emissões e a promoção de energias 25 renováveis, estão diretamente ligadas ao ODS 13 (ação contra a mudança global do clima) e outros que focam na sustentabilidade ambiental. O alinhamento com os ODS e a implementação de critérios ESG oferecem oportunidades de longo prazo para as empresas. A aplicação dessas práticas não só ajuda a mitigar riscos climáticos, sociais e de governança, como também atrai investidores que priorizam empresas responsáveis. O artigo da Sustainalytics publicado por Kretkowska (2023), examina como os ODS estão sendo progressivamente incorporados às estratégias ESG nas empresas. O texto destaca que 94% das corporações sustentáveis alinham suas práticas aos ODS, enquanto investidores direcionam capital com base nesse referencial. No entanto, como já citado, crises globais como a pandemia de COVID-19, além de desafios econômicos e sociais, diminuíram o cumprimento dessas metas. Atualmente, apenas 30% dos países estão no caminho adequado para atingir os objetivos traçados pela ONU até 2030. O artigo também aponta para a importância da atuação dos conselhos de administração, enfatizando que o sucesso na implementação dos ODS depende, em grande parte, da capacidade desses órgãos em promover políticas eficazes de sustentabilidade. Isso inclui, por exemplo, maior responsabilidade e transparência nas decisões estratégicas, bem como a promoção de treinamentos para garantir que os conselheiros estejam preparados para enfrentar os desafios ambientais e sociais. A falta de mecanismos adequados de responsabilidade e de uma cultura corporativa voltada para o longo prazo pode comprometer o progresso rumo aos ODS. O artigo conclui que, para alcançar um impacto significativo, as empresas não devem apenas adotar os ODS como um compromisso superficial, mas integrá-los profundamente em suas operações, influenciando desde a alocação de recursos até as práticas de relatórios e de envolvimento com stakeholders. Setores como telecomunicações e finanças já fazem uso intensivo dos critérios ESG para estruturar investimentos que apoiem os ODS. O relatório “2022 Sustainable Development Goals Impact Report” (em português, Relatório de Impacto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2022) da Associação Global do Sistema Global para Comunicações Móveis - Global System for Mobile Communications Association (GSMA) (2022), oferece dados detalhados sobre o impacto da indústria de telecomunicações, destacando como o setor está alinhado com as metas globais de sustentabilidade. Por exemplo, uma área de grande 26 crescimento foi o ODS 9 (indústria, inovação e infraestrutura), com o setor de internet móvel contribuindo para o crescimento da infraestrutura digital global, incluindo o aumento do acesso à internet móvel. Em 2021, mais de 95% da população mundial estava coberta por redes de banda larga móvel, e o número de usuários de internet móvel ultrapassou 4,3 bilhões de pessoas. Um gráfico interessante no relatório, visto na Figura 3, ilustra o aumento da contribuição da indústria de telecomunicações para os ODS ao longo dos anos. Desde 2015, quando o impacto da indústria era limitado, houve um crescimento constante até atingir um impacto médio de 53% em 2021, o que indica que mais da metade do potencial de contribuição da indústria para os ODS já está sendo realizado. Figura 3 - Contribuição da indústria de telecomunicações para os ODS Fonte: Adaptado de GSMA (2022). O relatório destaca também o impacto positivo das soluções digitais em áreas como saúde e educação. O aumento no uso de telefones móveis para acessar 27 informações de saúde e melhorar a educação cresceu, com 41% dos assinantes usando seus dispositivos para monitorar a saúde e 48% para acessar conteúdos educativos. Os gráficos e dados apresentados no relatório mostram o papel fundamental que as telecomunicações desempenham na promoção da inclusão digital e no alcance dos ODS, ao mesmo tempo em que apresentam os desafios que ainda precisam ser superados, como a desigualdade de acesso e o alto custo da conectividade em algumas regiões. 2.1.5 Desafios da sustentabilidade nas grandes empresas Ricardo Abramovay (2013) discutiu a apropriação da sustentabilidade pelas grandes marcas globais, ressaltando a contradição entre a busca por eficiência no uso dos recursos e o aumento da produção para atender à demanda global de consumo. Um exemplo dessa contradição é o automóvel individual. Embora os avanços na eficiência tenham sido notáveis, a Agência Internacional de Energia prevê que as emissões anuais do setor de transporte dobrarão até 2025, com os carros particulares sendo responsáveis por 90% desse aumento. O crescimento na quantidade de veículos em circulação acaba neutralizando os ganhos em eficiência. De forma semelhante, na indústria de cimento, as emissões de gases de efeito estufa por tonelada produzida caíram 17% entre 1990 e 2011. Porém, o aumento na produção global resultou em um crescimento total de 44% nas emissões do setor. Relatórios do Fórum Econômico Mundial e pesquisas da Accenture (2024) publicadas por Shook et al. (2024), reforçam a necessidade de repensar o crescimento econômico e o consumo, equilibrando a oferta de preços baixos aos consumidores com investimentos em sustentabilidade. Esses estudos mostram que empresas que priorizam os stakeholders têm alcançado melhorias no desempenho e na criação de valor, visto que elas fazem uso da coletividade para tomar decisões e promovem a responsabilidade em todos os níveis organizacionais, garantindo que a criação de valor para as partes interessadas seja um objetivo fundamental. A tecnologia tem desempenhado um papel importante no apoio às empresas brasileiras para alcançar suas metas de ESG. Diversas ferramentas e soluções estão sendo adotadas para ajudar as empresas a medir, gerenciar e reduzir 28 suas emissões de carbono, otimizar o uso de energia limpa e garantir transparência em suas cadeias de suprimentos. Um exemplo é o uso de plataformas de gestão de carbono, como a Persefoni, que permite às empresas calcular suas emissões de gases de efeito estufa e gerar relatórios de conformidade com os requisitos regulatórios. Essas plataformas oferecem funcionalidades como cálculos de pegadas de carbono e comparações com outras empresas do mercado, permitindo que as empresas alinhem suas metas com cenários de aquecimento global (Persefoni, 2024). No Brasil, empresas como a Movida têm utilizado a nuvem verde do Google para reduzir suas emissões de carbono. A empresa migrou grande parte de sua infraestrutura tecnológica para a nuvem, o que resultou em uma economia de 610 toneladas métricas de CO2 em apenas um ano. Além disso, a Movida está investindo em veículos elétricos e renováveis, o que reforça seu compromisso com a mobilidade sustentável (Falla, 2023). Outro exemplo é o uso de inteligência artificial para aumentar a eficiência das cadeias de suprimentos e reduzir a pegada ambiental. A SAP, por exemplo, oferece o SAP Product Footprint Management (em português, Gestão da Pegada de Produtos SAP), que ajuda as empresas a calcular a pegada de carbono de seus produtos (SAP, 2024), e o GreenToken, que utiliza tecnologias para rastrear materiais sustentáveis nas cadeias de fornecimento (Green Token, 2024). A demanda por maior transparência e sustentabilidade foi intensificada pela pandemia de COVID-19, o que fez com que muitos investidores passassem a considerar o desempenho ESG como fator essencial em suas decisões financeiras. Um estudo da consultoria Ernst & Young Global Limited (EY) mostra que 90% dos investidores institucionais globais analisam métricas ESG em suas estratégias de investimento. Além disso, 86% deles destacam que empresas com um forte desempenho ESG são altamente recomendadas por analistas (Agência EY, 2022). No Brasil, o número de fundos de investimento com foco em ESG vem crescendo, com 53 fundos reunindo mais de 42 mil cotistas. Esses fundos são atraentes não apenas pelo retorno financeiro, mas também pelo impacto socioambiental positivo que proporcionam. A rentabilidade desses fundos é um atrativo adicional, visto que alguns tem performances impressionantes, como o Santander Ethical Ações Sustentabilidade, que acumulou uma valorização de 796,58% desde sua criação (Filippe, 2023). 29 A repórter Marina Filippe ainda expõe que outro aspecto importante é o aumento da demanda por green bonds e social bonds2, instrumentos de renda fixa vinculados a projetos sustentáveis. Essas opções de financiamento atraem investidores que buscam alinhar retornos financeiros com práticas responsáveis, ampliando o mercado de finanças sustentáveis no Brasil. Essas pressões de investidores, junto com a demanda de consumidores por produtos e serviços mais sustentáveis, estão mudando o cenário corporativo brasileiro. Empresas que adotam essas práticas tendem a atrair mais capital e a fortalecer sua reputação no mercado. 2.1.6 Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) Empresas listadas no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3 demonstram um alto nível de compromisso com os ODS em sintonia com ESG, refletindo um fortalecimento na sustentabilidade corporativa. O ISE atua como um indicador do desempenho médio das cotações dos ativos de empresas que adotam práticas de sustentabilidade empresarial (B3, 2023b). Este índice serve como uma métrica para avaliar a valorização das ações de empresas que integram critérios ambientais, sociais e de governança, promovendo um ambiente de investimento alinhado aos princípios do desenvolvimento sustentável. A criação e manutenção do ISE estão ligadas ao compromisso das empresas com práticas responsáveis, que vão ao encontro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e reforçam a importância de integrar a sustentabilidade nas estratégias corporativas. Para serem elegíveis ao ISE, as empresas devem atender a critérios rigorosos. De acordo com a B3 (2024a) elas precisam estar entre as 200 mais negociadas no Índice de Negociabilidade (IN) na bolsa B3 durante os períodos das três carteiras anteriores, evidenciando a liquidez de suas ações. Além disso, as ações devem ter sido negociadas em pelo menos metade dos dias de pregão e não podem ser classificadas como penny stocks (ações de baixo valor). As empresas também devem atingir um Score ISE acima da nota de corte estabelecida, cumprindo requisitos 2 Social bonds, ou títulos sociais, são títulos de dívida usados para financiar projetos com impactos sociais positivos, como habitação acessível, educação e saúde (Ferrari, 2023). 30 mínimos em áreas como pontuação por tema, avaliação qualitativa, RepRisk e Score CDP. O questionário ISE, que estrutura a avaliação das empresas, é dividido em quatro níveis hierárquicos: dimensões, temas, tópicos e perguntas. As dimensões representam as categorias principais, enquanto os temas, tópicos e perguntas detalham aspectos específicos que as empresas devem responde (B3, 2024a). Um dos aspectos centrais do ISE é a materialidade, que determina a relevância dos temas abordados no questionário para a capacidade das empresas de gerar valor a curto, médio e longo prazo. Temas materiais são aqueles que, se não geridos adequadamente, podem impactar o desempenho econômico, social e ambiental das empresas. O questionário também diferencia perguntas gerais, aplicáveis a todas as empresas, de perguntas específicas, que se concentram em setores no qual certos temas são considerados mais críticos (B3, 2024a). Além disso, o questionário (B3, 2024a) inclui uma dimensão dedicada às mudanças climáticas, avaliada por meio do Score CDP-Climate Change, desenvolvido pela ONG Projeto de Divulgação de Carbono - Carbon Disclosure Project (CDP). Essa pontuação mede o progresso das empresas na gestão ambiental, destacando a importância de uma abordagem proativa para enfrentar as mudanças climáticas. O processo de avaliação do ISE também envolve uma análise qualitativa, na qual as empresas precisam fornecer evidências documentais para comprovar suas respostas ao questionário. As evidências são avaliadas por especialistas e recebem uma Nota Qualitativa, que influencia diretamente o Score Base da empresa. Essa Nota Qualitativa é a média aritmética das respostas do questionário. O Score ISE final é então calculado multiplicando-se o Score Base pelo Fator Qualitativo, com a nota de corte determinando quais empresas serão incluídas no índice (B3, 2024a). O índice RepRisk é utilizado para monitorar a exposição das empresas a controvérsias e crises, especialmente aquelas de grande severidade que podem afetar sua reputação. A B3 (2024a) utiliza esse índice para excluir do ISE empresas que enfrentam crises significativas, garantindo que o índice continue a representar empresas que mantêm práticas ESG sólidas. A divulgação pública das pontuações das empresas no ISE promove transparência e oferece aos investidores uma visão clara do desempenho de cada empresa em termos de sustentabilidade. A revisão periódica do índice, realizada a cada quatro meses, permite ajustes baseados nas mudanças nas pontuações, 31 garantindo que o ISE continue a refletir as melhores práticas empresariais em sustentabilidade. Dessa forma, o ISE não só incentiva as empresas a adotarem práticas mais responsáveis, mas também contribui para a consolidação de um mercado de capitais mais alinhado com os princípios do desenvolvimento sustentável. 32 3 METODOLOGIA Este trabalho tem como objetivo investigar o panorama das práticas ESG no Brasil. Para isso, será feita a coleta de dados, com ênfase na análise de relatórios de sustentabilidade corporativos e publicações governamentais, essenciais para mapear a realidade das práticas ESG no país. Complementarmente, será feita uma exploração das legislações pertinentes ao tema no Brasil, com o intuito de compreender o quadro regulatório, as obrigações legais impostas às empresas e os incentivos que promovem a adoção de práticas sustentáveis. Para aprofundar a análise, serão estudados casos de empresas que já implementaram políticas ESG, por meio da análise de documentos e relatórios corporativos. Ao final, os resultados das diferentes fases da pesquisa serão integrados e discutidos, buscando-se compreender as implicações teóricas e práticas dessas práticas no contexto brasileiro, bem como suas perspectivas futuras. 3.1 COLETA E ANÁLISE DE RELATÓRIOS DE SUSTENTABILIDADE O relatório “Integração dos ODS na Estratégia Empresarial” (Claro; Rede Brasil do Pacto Global, 2018) representa um marco na promoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no ambiente empresarial brasileiro. Divulgado pela Rede Brasil do Pacto Global, o estudo oferece uma análise de como os ODS estão sendo incorporados nas estratégias de negócios das empresas no Brasil, com o objetivo de promover a Agenda 2030 de maneira eficaz e adaptada ao contexto nacional. Idealizado pelo Grupo Temático dedicado aos ODS e por Claro (2018), o estudo destaca os desafios e oportunidades enfrentados por 142 empresas que compõem o Comitê Brasileiro do Pacto Global. Ao mapear o estágio de implementação dos ODS entre essas empresas e avaliar seus esforços para integrar a sustentabilidade em suas operações, o estudo fornece uma visão interessante sobre um desenvolvimento mais sustentável. A pesquisa identifica as motivações que levam as empresas a adotar os ODS, como o fortalecimento das relações com os stakeholders e a criação de novas oportunidades de negócios. Além disso, destaca o papel do setor privado na promoção dos ODS, refutando a ideia de que essa responsabilidade cabe apenas aos governos. 33 O gráfico analisado na Figura 4 categoriza as 142 empresas participantes em cinco grupos distintos: estatais multinacionais, multinacionais brasileiras, estatais brasileiras, multinacionais estrangeiras e empresas nacionais. A predominância de empresas nacionais, que representam 71% da amostra, mostra que grande parte das empresas envolvidas no estudo possuem uma atuação concentrada no Brasil, o que pode influenciar a maneira como os ODS são implementados e priorizados dentro dessas organizações. Figura 4 – Empresas participantes na pesquisa Fonte: Claro; Rede Brasil do Pacto Global (2018). Empresas classificadas como multinacionais estrangeiras e estatais brasileiras constituem 10% cada uma do total de participantes. As multinacionais estrangeiras, com sede fora do Brasil, mas que operam no país, e as estatais brasileiras, que são controladas pelo governo e atuam principalmente no mercado interno, mostram uma representação pequena dentro da amostra. Essa distribuição evidencia a diversidade do setor empresarial no Brasil, com uma clara predominância de empresas nacionais nessa pesquisa, com uma pequena representação de multinacionais e estatais. Este contexto é importante para compreender como diferentes tipos de empresas estão integrando os ODS em suas estratégias e quais desafios específicos podem surgir em função de sua origem e tipo de controle. Ao analisar esses dados, fica claro que a implementação dos ODS no Brasil passa por diferentes realidades empresariais, cada uma com suas particularidades e desafios, mas todas com um papel na promoção de um desenvolvimento sustentável. 34 A análise do comprometimento das empresas com os ODS revela diferentes níveis de maturidade e transparência em suas estratégias, destacando quatro categorias principais, como pode ser visto na Figura 5. Figura 5 – Empresas com estratégia de atuação relacionada aos ODS Fonte: Claro; Rede Brasil do Pacto Global (2018). A primeira categoria, composta por 51,25% das empresas, mostra que a maioria delas possui estratégias relacionadas aos ODS, com o compromisso sendo tornado público. Esse dado reflete uma tendência de transparência e responsabilidade, demonstrando que essas empresas não apenas desenvolvem práticas sustentáveis e sociais, mas também se alinham com os princípios de responsabilidade corporativa, comunicando abertamente suas ações para stakeholders e o público em geral. Já 26,88% das empresas estão na fase de planejamento de suas estratégias relacionadas aos ODS. Este grupo, embora ainda não tenha implementado completamente suas ações, está desenvolvendo abordagens para se alinhar aos objetivos globais de sustentabilidade. Isso sugere que um número considerável de empresas está em transição, movendo-se em direção a um maior compromisso com os ODS, mas ainda em fase de preparação e planejamento. Por outro lado, 11,25% das empresas relataram que, embora não possuam estratégias específicas para os ODS, têm iniciativas relacionadas à sustentabilidade e responsabilidade social que são publicamente divulgadas. Essas empresas demonstram um compromisso considerável com questões sustentáveis, mesmo que suas ações não estejam diretamente alinhadas com os ODS, o que pode refletir uma abordagem mais generalista ou setorial para a sustentabilidade. 35 Por fim, 10,63% das empresas indicaram que possuem estratégias voltadas para a sustentabilidade e responsabilidade social, mas que não são divulgadas publicamente. Essas diferentes respostas evidenciam uma diversidade de estágios de maturidade e transparência nas práticas de sustentabilidade entre as empresas. Há uma clara tendência para o desenvolvimento e a divulgação pública dessas estratégias, o que é importante para o progresso da responsabilidade corporativa no Brasil. O gráfico que analisa as motivações das empresas para implementarem ações relacionadas aos ODS revela uma ampla gama de fatores que impulsionam as práticas sustentáveis, mostrado na Figura 6. Figura 6 – Objetivos da implementação de ações específicas em ODS Fonte: Claro; Rede Brasil do Pacto Global (2018). A análise começa com o objetivo de contribuição com a agenda pública e políticas públicas do governo, no qual 33% dos respondentes concordam totalmente com a relevância desse alinhamento, enquanto apenas 8% discordam totalmente. Isso indica que muitas empresas reconhecem o valor de alinhar suas estratégias com as políticas governamentais, reforçando a importância do setor privado no apoio a agendas públicas e regulatórias. 36 Em seguida, a crença dos acionistas, investidores e donos aparece como uma grande motivação, com 29% das empresas concordando totalmente que alinhar suas ações aos ODS atende às expectativas desses stakeholders. Isso demonstra que os investidores estão cada vez mais valorizando práticas sustentáveis, o que influencia diretamente as decisões empresariais. A visão da liderança dentro das empresas é outro fator que deve ser analisado, com 34% dos respondentes concordando totalmente com a importância desse objetivo. Esse dado sugere que a direção e os executivos desempenham um papel fundamental na implementação de práticas sustentáveis, influenciando a cultura organizacional e o compromisso com os ODS. Quando se trata do acesso ao capital, apenas 12% das empresas concordam totalmente com a ideia de que práticas sustentáveis facilitam a obtenção de recursos financeiros, enquanto 20% discordam totalmente. Essa percepção dividida indica que, embora a sustentabilidade possa ser um diferencial, ainda há incertezas sobre sua influência direta na captação de investimentos. A atração e retenção de talentos como motivação para implementar ações relacionadas aos ODS tem um apoio moderado, com 18% das empresas concordando totalmente. A dispersão nas respostas sugere que a importância atribuída a esse fator varia entre as empresas, possivelmente refletindo diferentes culturas corporativas e prioridades na gestão de pessoas. O código de ética da empresa aparece como uma das motivações mais fortemente apoiadas, com 53% das empresas concordando totalmente com a importância de incluir diretrizes de sustentabilidade e responsabilidade social. Isso destaca a relevância de princípios éticos na condução das operações empresariais. No que tange ao cumprimento das leis, 38% das empresas concordam totalmente que este é um objetivo essencial, enquanto apenas 14% discordam totalmente, evidenciando um consenso sobre a importância de aderir a normas e regulamentações como parte das estratégias sustentáveis. A manutenção e desenvolvimento de reputação e imagem é outra motivação fortemente apoiada, com 43% das empresas concordando totalmente com sua importância. Isso mostra que muitas empresas reconhecem que práticas sustentáveis são essenciais para preservar e melhorar sua reputação no mercado. A possibilidade de inovação é vista como uma motivação moderada, com 31% dos respondentes concordando totalmente que práticas sustentáveis promovem 37 a inovação. Esse dado sugere que, para algumas empresas, a sustentabilidade é vista como uma oportunidade de desenvolver novos produtos, processos ou modelos de negócios. Por fim, a redução de impactos negativos, custos e riscos também aparece com 31% de concordância total, indicando que a implementação de práticas relacionadas aos ODS é vista como uma maneira eficaz de mitigar riscos e otimizar custos operacionais. No geral, o gráfico evidencia que as motivações para a implementação de ações de ODS nas empresas são diversas, com destaque para o cumprimento de leis, manutenção da reputação, e atendimento às expectativas dos acionistas e investidores. Esses fatores mostram como as empresas estão se posicionando em relação à sustentabilidade, buscando equilibrar responsabilidades sociais e ambientais com suas estratégias de negócios. A análise das práticas de divulgação dos resultados relacionados aos ODS entre empresas revela uma diversidade de abordagens e níveis de comprometimento com a transparência e a responsabilidade corporativa. Os dados refletem uma realidade no qual as empresas variam amplamente em suas estratégias de comunicação, demonstrando diferentes níveis de maturidade e aceitação dos princípios de sustentabilidade, que pode ser visto na Figura 7. Figura 7 – Divulgação de resultados nos ODS Fonte: Claro; Rede Brasil do Pacto Global (2018). Primeiramente, a divulgação interna com detalhes das metas e projetos apresenta uma certa divisão. Com apenas 16,25% das empresas concordando 38 totalmente e 8,75% concordando, há uma aceitação limitada dessa prática. Em contraste, 21,88% das empresas discordam totalmente e 11,88% discordam, sugerindo uma resistência considerável à transparência interna. Esse dado sugere que, embora algumas empresas reconheçam a importância de manter seus funcionários informados sobre os detalhes dos ODS, outras ainda enfrentam desafios ou simplesmente não veem valor em compartilhar essas informações de maneira mais aberta. No caso da divulgação interna e externa com detalhes das metas e projetos, a resistência é ainda mais pronunciada. Com 27,5% das empresas discordando totalmente e 17,5% discordando, muitas organizações parecem relutantes em compartilhar informações detalhadas com o público externo. Apenas 14,37% concordam totalmente e 8,13% concordam com essa prática. Essa hesitação pode ser atribuída a preocupações com a competitividade, confidencialidade, ou até mesmo dificuldades na comunicação entre diferentes partes interessadas. Em contraste, a divulgação dos impactos positivos conectados com o resultado do negócio apresenta um cenário mais equilibrado. Cerca de 18,13% das empresas concordam totalmente e 18,75% concordam, enquanto 21,88% discordam totalmente e 8,75% discordam. Isso sugere que há um reconhecimento dos benefícios de destacar impactos positivos, mas as empresas ainda enfrentam desafios na implementação dessa prática de maneira uniforme. Essa estratégia pode ser utilizada para reforçar a imagem corporativa e ganhar a confiança dos stakeholders, mas a variação nas respostas indica que a prática ainda não é bem adotada. Por outro lado, a divulgação dos impactos negativos conectados com o resultado do negócio enfrenta uma resistência nas empresas. Com 33,75% discordando totalmente e 13,75% discordando, há uma clara relutância em divulgar informações que possam prejudicar a imagem corporativa. Apenas 9,38% concordam totalmente e 8,13% concordam com essa prática, evidenciando um temor de repercussões negativas, tanto para a confiança dos investidores quanto para a percepção pública. A divulgação no formato da Iniciativa Global de Relatórios - Global Reporting Initiative (GRI), um padrão internacional que orienta empresas na elaboração de relatórios de sustentabilidade com foco em transparência e detalhamento, também não é amplamente adotada. Cerca de 36,25% das empresas discordam totalmente e 8,13% discordam, enquanto 33,75% concordam totalmente e 39 6,88% concordam. A utilização desse padrão de relatório pode ser vista como um desafio adicional que muitas empresas ainda não estão dispostas a enfrentar, possivelmente devido aos custos ou à complexidade envolvida. Ademais, uma proporção significativa de empresas divulga os resultados relacionados aos ODS. Aproximadamente 66,25% discordam totalmente da prática de não divulgar resultados, enquanto apenas 10% concordam totalmente com essa prática. Isso evidencia um progresso na transparência e responsabilidade corporativa, embora ainda haja desafios para a plena integração dos ODS nas práticas de comunicação empresarial. Em suma, o gráfico revela um cenário no qual as práticas de divulgação dos resultados relacionados aos ODS são variadas e, em muitos casos, marcadas por resistência. A hesitação em compartilhar informações detalhadas, especialmente as de natureza negativa, reflete desafios que precisam ser abordados para que as empresas avancem de forma mais uniforme e eficaz na agenda dos ODS. 3.2 INVESTIGAÇÃO DO QUADRO REGULATÓRIO NO BRASIL Nos últimos anos, o Brasil tem avançado no desenvolvimento de legislações voltado para as práticas ESG. À medida que a demanda global por práticas empresariais sustentáveis aumenta, o país se vê na necessidade de alinhar suas regulamentações aos padrões internacionais, garantindo a transparência e o impacto positivo de suas empresas no meio ambiente e na sociedade. 3.2.1 Resolução CVM n° 14 Em 2020, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) aprovou a Resolução n° 14, que exige que as companhias divulguem práticas ESG em seus relatórios, alinhando-se ao movimento global de transparência corporativa. Essa resolução torna obrigatória a adoção do Relato Integrado para companhias abertas, como definido na Orientação Técnica do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) 09, visando uma abordagem mais coesa e eficiente para a comunicação dos fatores que afetam a capacidade das organizações de gerar valor a curto, médio e longo prazos (Brasil, 2020). 40 Além disso, a Resolução estabelece que o Relato Integrado seja assegurado por auditoria independente registrada na CVM, aumentando a confiabilidade das informações. Um ponto importante é a inclusão de múltiplos capitais no processo de geração de valor, como o capital financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social e natural, que dialogam diretamente com as práticas de ESG. Isso incentiva as empresas a abordarem temas como mudanças climáticas, gestão de recursos naturais e responsabilidade social de maneira mais estratégica e integrada aos seus modelos de negócio. A Resolução CVM 14 também reforça princípios essenciais, como conectividade das informações e foco estratégico, que exigem das empresas uma visão de longo prazo e a consideração de riscos e oportunidades, especialmente aqueles ligados ao ambiente regulatório e às demandas de stakeholders. Essa estratégia permite a análise de temas relevantes para ESG, como materialidade, que determina a divulgação de informações que possam afetar a geração de valor da organização. 3.2.2 Resolução CMN n° 4.943/2021 Além disso, o Banco Central introduziu a Resolução CMN 4.943/2021, exigindo que instituições financeiras considerem riscos climáticos e socioambientais em suas estratégias de negócios. Essa resolução representa um marco importante na gestão integrada de riscos financeiros e ESG no setor bancário, ampliando o escopo de responsabilidades para incluir riscos sociais, ambientais e climáticos. Conforme a Resolução, as instituições devem identificar, mensurar, monitorar e mitigar esses riscos, além de incorporá-los em suas políticas de gerenciamento (Brasil, 2021). A resolução também introduz o conceito de risco climático, dividido em dois tipos principais: o risco de transição, associado à adaptação para uma economia de baixo carbono, e o risco climático físico, relacionado a desastres naturais e mudanças ambientais de longo prazo, como aumento do nível do mar e eventos climáticos extremos. Além disso, a resolução determina que as instituições desenvolvam uma Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC), que deve ser integrada à sua estratégia de negócio. Essa política deve incluir mecanismos de controle sobre atividades que possam envolver riscos como desmatamento, uso 41 excessivo de recursos naturais ou poluição ambiental. O gerenciamento de riscos também se estende às contrapartes das instituições, fornecedores e prestadores de serviço, reforçando a responsabilidade da instituição ao longo de toda a cadeia de valor. Outro ponto de destaque é a necessidade de as instituições realizarem análises de cenários que levem em conta as mudanças climáticas e a transição para uma economia mais sustentável. Essas análises devem incluir a aplicação de testes para avaliar como esses riscos poderiam impactar suas operações, o que demonstra um esforço regulatório para que o sistema financeiro esteja preparado para enfrentar eventos climáticos extremos e suas consequências econômicas. 3.2.3 Resolução CVM n° 193 A Resolução CVM nº 193, trata da criação e divulgação de relatórios financeiros relacionados à sustentabilidade, seguindo o padrão internacional do Conselho Internacional de Padrões de Sustentabilidade - International Sustainability Standards Board (ISSB). Essa norma foi criada para que as empresas brasileiras sigam práticas internacionais de sustentabilidade, o que traz mais clareza e confiança nas informações compartilhadas com investidores (Brasil, 2023). A resolução tem como objetivos principais alinhar as práticas brasileiras com as internacionais, aumentar a transparência das informações e facilitar a comparação entre as empresas, além de garantir que essas informações sejam úteis para o mercado financeiro global. A partir de 2026, todas as empresas listadas na bolsa, fundos de investimento e securitizadoras terão que elaborar esses relatórios de sustentabilidade de forma obrigatória, mas a partir de 2024 já podem optar por seguir essas normas voluntariamente. Os relatórios devem ser apresentados de forma clara e separados dos demais documentos financeiros da empresa, além de serem auditados por um auditor independente. Com essa iniciativa, o Brasil busca promover uma economia mais sustentável e responsável, alinhada com tendências globais e com as exigências do mercado internacional, facilitando o acesso das empresas brasileiras a investimentos estrangeiros. 3.2.4 ABNT PR 2030 42 A ABNT PR 2030 é um conjunto de diretrizes criado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) que visa orientar o desenvolvimento sustentável no Brasil, alinhado com a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (Avila, R; 2023). A ABNT PR 2030, oferece uma referência nacional para empresas, governos e organizações que desejam adotar práticas sustentáveis em suas operações. Essas diretrizes abrangem diferentes aspectos da sustentabilidade, promovendo a adoção de práticas mais responsáveis em termos ambientais, sociais e de governança. Por meio desse documento, a ABNT busca garantir que as ações realizadas no Brasil estejam alinhadas com os padrões internacionais. A implementação dessas diretrizes permite que as empresas brasileiras contribuam diretamente para os ODS, promovendo um desenvolvimento equilibrado e sustentável. Essa norma orienta as organizações a implementarem práticas de sustentabilidade, com base nos princípios ESG em alinhamento com a Agenda 2030 da ONU. Ela apresenta uma estrutura clara que divide as ações em três eixos principais: Ambiental, Social e Governança, e fornece critérios detalhados para cada um deles. No eixo Ambiental, a norma aborda temas como mudanças climáticas, eficiência energética, uso sustentável dos recursos hídricos, biodiversidade e economia circular. As organizações são incentivadas a reduzir emissões de gases de efeito estufa e adotar práticas de gestão de resíduos e prevenção da poluição. No eixo Social, são destacados temas como direitos humanos, diversidade, equidade e inclusão, além de práticas laborais e de responsabilidade social na cadeia de valor. As empresas devem promover a inclusão, combater o trabalho infantil e forçado, e garantir um ambiente de trabalho saudável e seguro. No eixo Governança, a norma define a necessidade de governança corporativa robusta, com foco em práticas de conduta empresarial, gestão de riscos, conformidade regulatória, e transparência. As empresas são orientadas a adotar mecanismos de controle interno, auditorias e relatórios ESG detalhados. Além disso, a ABNT PR 2030 também oferece um modelo para avaliar o estágio de maturidade da gestão ESG nas organizações, ajudando-as a planejar e monitorar suas ações de sustentabilidade. Um ponto importante da norma é que ela 43 não apenas guia as empresas no cumprimento das metas ESG, mas também promove um impacto positivo em seus resultados financeiros, permitindo acesso a novos mercados e maior valor na cadeia de suprimentos. Essa norma está se tornando uma referência para certificações e diagnósticos de sustentabilidade no Brasil, ajudando a criar um ambiente mais responsável e competitivo no mercado global. 3.2.5 Taxonomia Sustentável Brasileira O documento intitulado "Taxonomia Sustentável Brasileira" apresenta um plano de ação voltado para a promoção da sustentabilidade no Brasil, especialmente em termos de finanças sustentáveis e políticas ecológicas. Essa taxonomia é essencialmente um sistema de classificação que define quais atividades econômicas, projetos e ativos contribuem positivamente para os objetivos ambientais, climáticos e sociais do país (Governo Federal, 2023). O principal objetivo da Taxonomia Sustentável Brasileira é mobilizar recursos financeiros e investimentos, tanto públicos quanto privados, para atividades que tenham um impacto positivo, promovendo o desenvolvimento sustentável e regenerativo. Esse sistema serve para evitar o greenwashing3, garantindo que as práticas e relatórios financeiros de sustentabilidade sejam transparentes e confiáveis. A taxonomia está organizada em três níveis: estratégico, operacional e técnico. Ela inclui critérios específicos para cada setor da economia, com indicadores que ajudam a avaliar se uma atividade realmente contribui para a sustentabilidade. Ela cobre oito setores principais da economia, como agricultura, indústria, energia, água, saneamento e construção. Também considera dois temas transversais: enfrentamento das desigualdades e monitoramento e verificação de atividades sustentáveis. O desenvolvimento da taxonomia segue um cronograma definido. Em 2023, iniciou-se o processo de consulta pública, com previsão de conclusão da primeira versão em novembro de 2023 e seu lançamento na Conferência das Partes 3 Greenwashing refere-se à prática de empresas divulgarem informações ou campanhas enganosas para parecerem mais sustentáveis do que realmente são, visando melhorar sua imagem ambiental sem ações concretas (SEBRAE, 2022). 44 - Conference of the Parties (COP) 28. A implementação da taxonomia começará a ser obrigatória a partir de janeiro de 2026. 3.3 ESTUDOS DE CASOS DE EMPRESAS NO BRASIL A seguir, serão analisados relatórios de empresas selecionadas com base em seus desempenhos no Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3 no ano de 2023, priorizando as melhores classificadas de cada setor. O objetivo é avaliar o avanço dessas organizações em relação às práticas ESG de um ano para o outro, identificando melhorias, desafios e tendências observadas no período. 3.3.1 Financeiro – Banco PAN Para compreender as práticas ESG no setor financeiro, será analisado o Banco PAN. A escolha desta empresa possibilita a avaliação das adaptações específicas do setor financeiro ao contexto ESG, considerando suas particularidades regulatórias e operacionais. Ao examinar os relatórios ESG do Banco PAN dos anos 2022 e 2023, observa-se uma evolução no comprometimento com a agenda de sustentabilidade. Serão destacadas as principais áreas de atuação ESG para avaliar as mudanças e implicações dessas práticas. No relatório de 2022, o Banco PAN (2023) focou em iniciativas de compensação de carbono e aprimoramento da transparência nas emissões, com destaque para o terceiro inventário de carbono, que é um levantamento anual detalhado das emissões de gases de efeito estufa geradas pelas operações da empresa, seguindo padrões internacionalmente aceitos (B3, 2023a). Além disso, houve a compensação de 100% das emissões nos escopos 1, 2 e 3. O escopo 1 abrange as emissões diretas, provenientes de fontes controladas ou possuídas pela empresa, como o consumo de combustível em veículos próprios. O escopo 2 refere- se às emissões indiretas de energia, que ocorrem na geração da eletricidade consumida pela empresa. Já o escopo 3 inclui outras emissões indiretas, relacionadas à cadeia de valor, como transporte de terceiros e viagens corporativas, mas neste caso não abrange a carteira de financiamentos (Santos, 2024). A Figura 8 representa uma divisão dos escopos 1, 2 e 3. Essas práticas reforçaram a integração de princípios 45 ambientais às operações da empresa, especialmente na gestão de emissões da carteira de veículos. Para mensurar isso, o Banco PAN utilizou a metodologia da Parceria para Finanças de Contabilidade de Carbono - Partnership for Carbon Accounting Financials (PCAF), que define diretrizes para calcular e divulgar as emissões financiadas por instituições financeiras. Figura 8 - Representação da divisão dos escopos 1, 2 e 3 em toda cadeia de valor Fonte: JGP (2023). Em 2023, o Banco PAN (2024) se desenvolveu ainda mais nesse campo, implementando o “Framework Sustentável”, com foco no financiamento de carteiras que atendem a critérios de elegibilidade socioambiental, ou seja, um conjunto de requisitos que garantem que os projetos ou ativos financiados estejam alinhados a práticas sustentáveis e responsáveis do ponto de vista ambiental e social. Esse avanço reflete o crescente interesse dos investidores por produtos financeiros que promovam impactos positivos, além de trazer mais clareza na alocação de recursos. As emissões de gases de efeito estufa continuaram sendo monitoradas, e a meta de neutralidade de carbono foi mantida. Essa evolução sugere um amadurecimento da governança ambiental da empresa. O Banco PAN passou de iniciativas mais reativas, como a compensação de 46 emissões, para uma abordagem estratégica e de longo prazo, incorporando práticas sustentáveis em suas operações financeiras. No relatório de 2022, o banco destacou iniciativas sociais como a inclusão de milhões de brasileiros em produtos financeiros acessíveis, com taxas de juros reduzidas para crédito consignado e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Consolidou-se como uma instituição comprometida com a inclusão financeira e o desenvolvimento econômico, especialmente de populações vulneráveis. Além disso, investiu em programas de educação financeira e prevenção a fraudes, capacitando seus clientes a tomar decisões mais conscientes em relação ao crédito. Em 2023, o Banco PAN (2024) ampliou sua atuação social, com destaque para diversidade e inclusão. Manteve o selo “Great Place to Work” e liderou rankings de diversidade racial, de gênero e LGBTQIA+, ficando em 1º lugar entre as melhores instituições para pessoas LGBTQIA+ e em 3º para mulheres. O selo “Great Place to Work” é uma consultoria que certifica e reconhece empresas com excelentes práticas de gestão e cultura organizacional, oferecendo certificações e premiações para organizações que promovem um ambiente de trabalho positivo e inclusivo para todos (GPTW, 2024). O Banco PAN, ao ser reconhecido, reflete um compromisso com a equidade e o bem-estar social no ambiente corporativo, fortalecendo sua cultura inclusiva. Além disso, a empresa expandiu suas iniciativas de impacto social, apoiando projetos que visam melhorar a qualidade de vida de populações marginalizadas. A evolução nas metas de inclusão e diversidade, exemplificada por novos programas de capacitação, evidencia que a agenda social agora é parte da estratégia do Banco PAN. Em 2022, a governança do banco foi reforçada com a criação de comitês dedicados à agenda ESG, garantindo o alinhamento das decisões estratégicas aos compromissos de sustentabilidade. A estrutura de governança foi consolidada com a participação ativa de stakeholders na avaliação de temas materiais, demonstrando um esforço para criar uma cultura de governança responsável e em sintonia com as práticas globais. O relatório de 2023 consolidou esses avanços, integrando as políticas de governança às práticas do “Conglomerado BTG Pactual”, que é um grupo financeiro de origem brasileira com operações globais, que oferece serviços bancários e financeiros, incluindo banco de investimento, gestão de ativos, corretagem e 47 administração de fortunas (BTG Pactual, 2024). A criação da Comissão ESG, diretamente vinculada ao “Conselho de Administração”, reflete a formalização dessas práticas no nível mais alto da empresa. O fortalecimento da estrutura de conformidade, com foco em ética e transparência, também foi destacado como parte essencial da governança corporativa. Esses aumentos demonstram um alinhamento mais rigoroso com as diretrizes globais de sustentabilidade e o compromisso da empresa em mitigar riscos sociais, ambientais e de governança em suas operações. A comparação entre os relatórios de 2022 e 2023 revela uma evolução contínua nas práticas ESG do Banco PAN. A transição de uma abordagem focada em iniciativas pontuais, como compensação de carbono e inclusão financeira, para uma estratégia integrada de longo prazo, reflete o compromisso da empresa com a sustentabilidade. Em 2023, houve fortalecimentos em governança e maior clareza nas práticas sustentáveis, com a implementação do “Framework Sustentável” e o fortalecimento da “Comissão ESG”. No âmbito social, o foco em diversidade e inclusão demonstra que a empresa está atenta às demandas contemporâneas por ambientes de trabalho mais equitativos. No entanto, ainda existem desafios, como a ampliação das práticas de gestão de riscos e a integração de toda a cadeia de valor nas estratégias ESG. O Banco PAN apresentou progressos entre 2022 e 2023 em governança, estratégias ambientais e impacto social. Além de aumentar seu comprometimento com práticas sustentáveis, posicionou-se como líder no setor financeiro em termos de diversidade e inclusão. A continuidade dessa evolução dependerá da manutenção de metas de longo prazo e da integração constante dos princípios ESG em suas operações. 3.3.2 Bens industriais – CCR S.A. Seguindo o panorama do setor financeiro, será realizada a análise da Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR) S.A., uma empresa do setor de bens industriais. O setor de bens industriais abrange empresas que produzem e fornecem produtos e serviços essenciais para a infraestrutura e o desenvolvimento econômico, como equipamentos, máquinas, construção civil, transporte e energia (Ricardo, 2021). Essas empresas desempenham um papel importante na criação e manutenção de 48 grandes obras e projetos, que vão desde estradas e ferrovias até sistemas de geração e distribuição de energia. A escolha dessa companhia visa destacar como o setor de infraestrutura tem incorporado práticas ESG, com ênfase em suas operações de transporte e energia. Com base nos relatórios anuais de 2022 e 2023, observa-se que a CCR tem realizado investimentos para fortalecer suas práticas ambientais, sociais e de governança, visando não apenas o cumprimento de requisitos regulatórios, mas também a criação de valor sustentável para seus stakeholders. A CCR (2024) tem adotado medidas concretas para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, demonstrando comprometimento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Em 2023, a empresa ampliou sua capacidade de geração de energia solar de 3,1 MWp para 6,5 MWp, com a instalação de oito novas usinas fotovoltaicas. Além disso, a CCR (2024) se comprometeu a reduzir suas emissões de CO2 em 59% até 2033, nos escopos 1 e 2, em comparação com os níveis de 2019. A implementação do "MasterPlan ESG" reflete o foco da empresa na transição para uma economia de baixo carbono. Esse plano inclui o uso de biocombustíveis em 100% da frota leve da CCR e parcerias internacionais para explorar o uso de hidrogênio verde. Essas iniciativas demonstram o alinhamento da CCR com as demandas globais de sustentabilidade e os compromissos assumidos no Acordo de Paris, além de destacar a empresa como uma das primeiras brasileiras a ter suas metas de descarbonização aprovadas pela Metas Baseadas na Ciência - Science Based Target Initiative (SBTi). A SBTi é uma iniciativa global que ajuda empresas a definir metas de redução de emissões de gases de efeito estufa com base na ciência climática, alinhando essas metas aos objetivos do Acordo de Paris, que visa limitar o aquecimento global a 1,5°C (Science Based Targets Initiative, 2019). A aprovação pela SBTi indica que as metas de descarbonização da CCR são consideradas cientificamente sólidas e compatíveis com os esforços globais para mitigar as mudanças climáticas. No âmbito social, a CCR implementou programas com impacto direto nas comunidades em que atua. O programa "Caminhos para a Saúde" e o "Caminhos para a Cidadania" são exemplos de iniciativas voltadas para saúde e educação. Esses programas não apenas atendem às necessidades básicas das comunidades, mas também deixam um legado positivo ao investir em infraestrutura social sustentável. 49 Em 2023, mais de 117 mil alunos e 3900 educadores foram beneficiados pelo programa de cidadania da empresa (CCR, 2024). Além disso, a CCR destinou R$ 500 milhões até 2030 para programas de impacto social, consolidando seu compromisso com a responsabilidade social corporativa. Essas ações estão alinhadas aos ODS 3 (saúde e bem-estar), ODS 4 (educação de qualidade) e ODS 11 (cidades e comunidades sustentáveis), refletindo um foco em inclusão e desenvolvimento sustentável. A CCR também aprimorou suas práticas de governança nos últimos anos. A empresa adotou uma estrutura robusta de governança, com a criação de comitês dedicados, como o “Comitê de Gente e ESG” (CCR, 2024). O foco na transparência é evidente, com a empresa publicando relatórios integrados anualmente, conforme os padrões do GRI e do Conselho para Padrões Financeiros de Sustentabilidade - Sustainability Accounting Standards Board (SASB), que estabelece critérios específicos para a divulgação de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, e seguindo as normativas da CVM. A adoção de práticas de governança mais rigorosas tem sido uma prioridade para a CCR desde 2018, quando iniciou uma transformação em sua estrutura de gestão. Em 2023, essa transformação foi reforçada com a implementação do "Plano de Aceleração de Valor", que revisou a estratégia, cultura e organização da empresa, garantindo uma gestão mais simples, ágil e eficiente. Embora a CCR tenha alcançado avanços em ESG, desafios persistem. O setor de infraestrutura de mobilidade, no qual a empresa atua, exige investimentos em tecnologia e inovação para minimizar impactos ambientais e sociais, além de manter a eficiência operacional. A pressão por uma transição energética rápida também coloca a CCR em posição de protagonismo, demandando que a empresa acelere seus investimentos em fontes renováveis e práticas de baixo carbono. Apesar dos desafios, as oportunidades são promissoras. A liderança da CCR no setor de infraestrutura de mobilidade, aliada à sua capacidade financeira, posiciona a empresa de forma vantajosa para novas oportunidades no mercado de infraestrutura sustentável, como demonstrado pelos seus recordes de investimento em 2023. A análise dos relatórios da CCR evidencia que a empresa está se desenvolvendo em sua agenda ESG. Os investimentos em descarbonização, educação, saúde, governança e inovação posicionam a CCR como um exemplo de 50 empresa brasileira que busca equilibrar crescimento econômico com responsabilidade socioambiental. 3.3.3 Consumo cíclico – Lojas Renner S.A. Após a análise do setor industrial, o foco recai sobre o segmento de consumo cíclico, representado pela Lojas Renner S.A. Esta abordagem busca evidenciar como empresas do setor de varejo estão implementando estratégias ESG, com ênfase na circularidade de recursos e na redução de emissões. A circularidade de recursos promove a reutilização, reciclagem e regeneração de materiais para prolongar seu ciclo de vida e reduzir desperdícios (Raízen, 2021). Em termos ambientais, a Renner (2023) demonstra um forte compromisso com a mitigação dos impactos climáticos. Em 2022, a empresa lançou um novo ciclo estratégico de sustentabilidade, válido até 2030, com foco em soluções climáticas, circulares e regenerativas. Soluções regenerativas são aquelas que vão além de reduzir o impacto ambiental, promovendo a restauração dos ecossistemas e contribuindo ativamente para a regeneração dos recursos naturais (Maeda, 2021). A meta de atingir o “Net Zero” até 2050 foi reafirmada, o que significa que a empresa se compromete a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa ao máximo e compensar aquelas que não podem ser eliminadas. Em 2022, por exemplo, 98% do algodão utilizado em suas peças era certificado, e 81,5% das roupas contavam com o selo de responsabilidade ambiental (Lojas Renner, 2023). Em 2023, as Lojas Renner (2024) continuou a avançar em direção à meta de “Net Zero”, acelerando a transição para um modelo de baixo carbono. Entre os destaques, está o fato de que 94,5% dos produtos de viscose passaram a ser de fontes responsáveis, indicando um foco cada vez maior em materiais sustentáveis. A Renner, ao focar em viscose de fontes certificadas, busca garantir que o material seja produzido de forma sustentável, minimizando desmatamentos e o uso de produtos químicos prejudiciais ao meio ambiente. A empresa também implementou iniciativas voltadas à economia circular, como a eliminação gradual de embalagens plásticas não reutilizáveis até 2030. Outro exemplo foi o aumento nas vendas por meio do Repassa, sua plataforma de brechó online, que oferece coleções de upcycling, reforçando o compromisso com o reaproveitamento de materiais. Upcycling é o processo de transformar resíduos, 51 materiais descartados ou peças antigas em novos produtos de maior valor ou qualidade, sem a necessidade de desintegrar ou reciclar os materiais por completo. Diferente da reciclagem, que muitas vezes reduz a qualidade do material, o upcycling busca prolongar o ciclo de vida dos produtos, criando algo novo e de valor agregado a partir de algo que seria descartado (Sebrae, 2023b). Na dimensão social, a Renner se sobressai pelos investimentos em diversidade e inclusão. Em 2022, a empresa estabeleceu metas claras para aumentar a representatividade de pessoas negras e mulheres em cargos de liderança (Lojas Renner, 2023). Esse movimento ganhou força em 2023, quando foi relatado que 30,5% dos cargos de liderança eram ocupados por pessoas negras e 45% da alta liderança era composta por mulheres (Lojas Renner, 2024). A empresa também direcionou R$ 6,4 milhões para projetos de desenvolvimento comunitário, com foco na capacitação e no empreendedorismo feminino, reforçando seu compromisso com o impacto social positivo (Lojas Renner, 2024). No aspecto de governança, a Renner manteve suas práticas alinhadas às melhores práticas ESG. Em 2022, a empresa vinculou a remuneração variável de seus executivos ao cumprimento das metas de sustentabilidade do compromisso 2030, garantindo o engajamento direto da liderança no progresso dessas metas (Lojas Renner, 2023). Em 2023, a Renner continuou aprimorando seus processos de conformidade, auditando 100% dos fornecedores de vestuário dos níveis 1 e 2 com base em critérios ESG. Os fornecedores de nível 1 são aqueles diretamente responsáveis pelo fornecimento de matérias-primas e componentes para a empresa, enquanto os de nível 2 são fornecedores indiretos, que fornecem matérias-primas e componentes para os de nível 1 (Gedanken, 2023). Esse monitoramento foi ampliado para fornecedores de produtos de casa e decoração, atingindo 99% de conformidade. A Renner tem consistentemente figurado entre as principais varejistas do Brasil em índices ESG, como o ISE, além de liderar o Índice de Sustentabilidade Dow Jones em 2023. O Índice de Sustentabilidade Dow Jones (DJSI) é um índice global que avalia o desempenho das empresas líderes em sustentabilidade, medindo aspectos econômicos, ambientais e sociais para identificar companhias que demonstram práticas de gestão sustentável (S&P Global, 2024). 52 Comparando os relatórios de 2022 e 2023, é evidente o progresso da Renner em suas metas ESG em diversas áreas. A transição para uma economia circular, o uso crescente de materiais sustentáveis e o fortalecimento de suas políticas de inclusão são elementos que colocam a empresa em destaque no setor varejista. 3.3.4 Consumo não cíclico – SLC Agrícola S.A. Agora, a análise se direciona ao setor de consumo não cíclico, com foco no agronegócio, representado pela SLC Agrícola S.A. Esta empresa se destaca pela adoção de práticas de agricultura sustentável e pela busca constante de certificações que reforçam seu compromisso com o meio ambiente. Ao examinar os relatórios de 2021 e 2023 da SLC Agrícola, fica evidente o crescimento do comprometimento da empresa com a sustentabilidade, o que está alinhado à sua estratégia de expansão e liderança no setor agrícola brasileiro. No que se refere ao pilar ambiental, a SLC Agrícola adota práticas robustas para mitigar os impactos ambientais e promover a sustentabilidade. Desde 2021, a empresa vem incorporando ações voltadas para a redução de emissões de gases de efeito estufa, com destaque para sua participação no “Programa Brasileiro GHG Protocol”, que oferece uma metodologia para quantificar e gerenciar as emissões de gases de efeito estufa. Esse programa auxilia as empresas a desenvolverem inventários detalhados e confiáveis, apoiando a tomada de decisões estratégicas voltadas à sustentabilidade (Fundação Getúlio Vargas, 2024). Além disso, a SLC adota técnicas como a agricultura de precisão, que utiliza tecnologia para monitorar e otimizar o uso de insumos agrícolas de forma eficiente (Silva, 2019), e o plantio direto, um método de cultivo que reduz o revolvimento do solo, contribuindo para a conservação da sua estrutura e a diminuição da erosão (Agro Bayer, 2024). Essas iniciativas não visam apenas o aumento da produtividade agrícola, mas também a preservação ambiental, como demonstrado pelo compromisso da empresa de manter 118 mil hectares de áreas preservadas. O relatório de 2023 reforça essa trajetória, destacando a obtenção de certificações importantes, como o “Regenagri”, voltado à agricultura regenerativa, e a Associação Internacional de Soja Responsável - Round Table on Responsible Soy (RTRS), que certifica boas práticas agrícolas em soja e milho. Além disso, a empresa assumiu o compromisso de se tornar neutra em emissões de carbono até 2030, nos 53 escopos 1 e 2. A política de "Desmatamento Zero", iniciada em 2021, e a preservação de 112,7 mil hectares de mata nativa, o que representa 35,2% de suas terras, são marcos ambientais significativos. Na dimensão social, a SLC Agrícola se destaca pelo desenvolvimento de seus colaboradores e das comunidades onde atua. Os relatórios de 2021 e 2023 mostram um foco no fortalecimento das habilidades dos funcionários, com programas voltados para inclusão digital e segurança no trabalho. Em 2023, a SLC Agrícola investiu no “Programa Semear”, abordando diversidade e inclusão em áreas como deficiência, igualdade de gênero e raça. A educação também recebe atenção, com a meta de alcançar 100% dos colaboradores com ensino fundamental completo até 2028, reforçando o compromisso da empresa com a formação dos colaboradores. Além disso, a SLC Agrícola investe em iniciativas sociais por meio do Instituto SLC e do Grupo de Ação Socioambiental (GAS), que realizam projetos de voluntariado e desenvolvimento local. Em 2023, a empresa conduziu diagnósticos em municípios para direcionar melhor suas ações sociais nos próximos anos. No que diz respeito à governança, a SLC Agrícola tem demonstrado uma estrutura sólida e bem estabelecida. A criação do “Comitê ESG” em 2021, que supervisiona o cumprimento das metas ambientais, sociais e de governança, destaca o compromisso estratégico da empresa com essas áreas. As práticas de governança da empresa são ainda reforçadas pela adesão a índices de sustentabilidade, como o ISE e o ICO2 B3, este último sendo um índice da B3 que reúne empresas comprometidas com a transparência na gestão de emissões de gases de efeito estufa (B3, 2024b). A SLC Agrícola também trabalha para garantir a certificação de todas as suas fazendas no Sistema de Gestão Integrado (SGI) até 2028, tendo já certificado 15 de suas 23 unidades até 2023. Esse compromisso com boas práticas de governança é evidenciado pelo reconhecimento obtido pela empresa, incluindo o título de melhor empresa do agronegócio para trabalhar e pelas práticas de transparência. A evolução das práticas ESG da SLC Agrícola entre 2021 e 2023 reflete um grande progresso, especialmente na integração de práticas ambientais com inovação tecnológica e no fortalecimento das relações com seus stakeholders. A empresa consolidou sua posição como referência no setor agrícola, não apenas em termos de produtividade, mas também em compromisso com a sustentabilidade. O 54 objetivo de alcançar a neutralidade de carbono até 2030 e o aumento nas certificações ambientais colocam a SLC Agrícola como líder em práticas ESG. 3.3.5 Materiais básicos – Companhia Brasileira de Alumínio A análise agora se volta para o setor de materiais básicos, com foco na Companhia Brasileira de Alumínio (CBA). Nos relatórios analisados, a CBA reafirma seu compromisso com a redução de impactos ambientais, especialmente no que diz respeito à descarbonização e à circularidade do alumínio. A empresa se destaca por utilizar 100% de energia renovável em suas operações e por ter metas ambiciosas de descarbonização, aprovadas pelo SBTi. Além disso, a CBA participa ativamente da agenda de reciclagem de alumínio, uma iniciativa que reduz em até 95% o consumo energético em comparação com a produção de alumínio primário. Um marco relevante em 2022 foi a emissão pioneira de créditos de carbono por meio do “Programa REDD+ Cerrado”, o que sinaliza o avanço da CBA (2023) no mercado de carbono. Créditos de carbono são certificados que representam a redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, gerados por atividades que mitigam emissões de gases de efeito estufa (Credcarbo, 2023). Essa ação está alinhada à estratégia ESG da empresa, que busca ampliar a sustentabilidade não apenas nos seus processos produtivos, mas também em parcerias voltadas à preservação ambiental. No âmbito social, a CBA (2023) demonstra compromisso principalmente com segurança e diversidade no ambiente de trabalho. Em 2022, 21% dos cargos de liderança da empresa eram ocupados por mulheres, e a previsão era de aumentar essa participação em 2023. A CBA (2023) também implementou 59 projetos sociais voltados para educação, apoio à gestão pública, dinamismo econômico e proteção dos direitos da infância e adolescência. Em 2023, a empresa deu um passo à frente nas práticas de diversidade, realizando um recadastramento de funcionários para identificar com mais clareza os perfis de gênero e raça, o que permitiu o desenvolvimento de projetos mais assertivos de inclusão. A entrada da CBA no índice “IDIVERSA” da B3, que avalia a diversidade de gênero e raça em empresas de capital aberto, reforça o compromisso da empresa com a equidade e inclusão social (CBA, 2024). 55 Em termos de governança, os relatórios mostram que a CBA segue práticas consistentes para garantir transparência e responsabilidade em suas operações. Em 2022, a empresa fortaleceu sua governança com a criação de um “Comitê de Finanças”, responsável por auxiliar nas decisões econômicas e financeiras. Além disso, a empresa se manteve ativa em índices de sustentabilidade, como o ISE da B3, onde obteve posições de destaque (CBA, 2023). No relatório de 2023, a governança permanece um pilar central, com a CBA mantendo sua posição nos índices ISE e ICO2 B3. O compromisso com a transparência e a inovação também se reflete no “Programa DigitALL”, que traz soluções digitais para processos internos e aumenta a eficiência e o impacto ESG na cadeia produtiva (CBA, 2024). A análise dos dois relatórios demonstra uma evolução na estratégia ESG da CBA. Entre 2022 e 2023, a empresa intensificou seus projetos de sustentabilidade ambiental e social, com foco em reciclagem e inclusão de gênero e raça no ambiente de trabalho. A estratégia de longo prazo da CBA está associada a práticas de descarbonização, circularidade de produtos e melhoria da qualidade de vida dos colaboradores e das comunidades onde opera. Portanto, a CBA ilustra como a indústria de materiais básicos pode evoluir em direção à sustentabilidade, especialmente por meio do uso de energias renováveis e da reciclagem de alumínio. A jornada para uma produção totalmente sustentável, contudo, ainda enfrenta barreiras relacionadas a custos e inovações tecnológicas. 3.3.6 Petróleo, gás e biocombustíveis – Cosan S.A. A transição energética é um tema fundamental no contexto ESG, especialmente no setor de petróleo, gás e biocombustíveis. A Cosan S.A. foi escolhida como estudo de caso neste setor devido ao seu papel proeminente na produção de bioenergia e aos seus esforços de descarbonização. No que diz respeito ao impacto ambiental, a Cosan (2023) tem feito grandes progressos, especialmente na redução de emissões de gases de efeito estufa. Entre 2020 e 2022, a empresa reduziu a intensidade de suas emissões de 213 para 151 toneladas de CO2, destacando seus esforços na descarbonização e transição energética. Esses resultados foram impulsionados por investimentos em bioenergia, especialmente na produção de etanol de segunda geração, que é produzido a partir 56 de resíduos agrícolas, como o bagaço da cana-de-açúcar, em vez de utilizar a cana- de-açúcar, tornando-o uma alternativa mais sustentável (Raízen, 2023). Essa inovação vem da Raízen, uma joint venture, ou seja, uma parceria comercial entre duas ou mais empresas, formada entre a Cosan e a Shell. A Raízen desempenha um papel central na estratégia de sustentabilidade da Cosan, destacando-se pela produção de bioeletricidade e biogás em mais de 35 parques de bioenergia, além de investimentos em novas plantas de etanol. A meta da Cosan (2024) é que, até 2030, 80% de seu Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation, and Amortization (EBITDA) ajustado (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização, ajustado para excluir fatores não recorrentes ou que não refletem o desempenho operacional da empresa (Fittipaldi, 2024)) seja gerado por negócios renováveis, fortalecendo sua contribuição para a economia de baixo carbono. No campo social, a Cosan (2023) tem mostrado forte comprometimento com a diversidade, inclusão e segurança. Em 2022, 40% das posições de liderança na empresa foram ocupadas por mulheres, superando a meta de 30% até 2025. Esse foco em equidade se estende a outras empresas do grupo, como a Raízen e a Compass, que também avançaram nos indicadores de diversidade. Além disso, a Cosan investiu mais de R$ 74,1 milhões em projetos sociais voltados para educação, saúde e empreendedorismo, demonstrando seu comprometimento com o impacto social positivo nas comunidades onde atua (Cosan, 2024). No âmbito da governança, a Cosan (2024) obteve algumas melhorias, sendo reconhecida em importantes índices de sustentabilidade, como o ISE da B3 e o Morgan Stanley Capital International (MSCI) ESG Rating, uma classificação global que avalia as empresas com base em seu desempenho em critérios ambientais, sociais e de governança. Esse rating ESG analisa informações públicas das empresas, atribuindo diferentes pesos aos fatores ESG conforme o segmento da indústria. A pontuação varia de 0 a 10 e é convertida em ratings que vão de “CCC” (desempenho mais baixo) a “AAA” (as melhores práticas ESG) (MSCI, 2020). A Cosan manteve a nota “AA”, posicionando-se entre as empresas com elevado desempenho em sustentabilidade, destacando sua gestão eficiente de riscos e oportunidades nesses pilares. Além disso, a empresa aderiu à carta compromisso do “Movimento Transparência 100%”, promove