unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP JOSIEL WILLIAM PAES RODRIGUES COLORISMO: uma visão aplicada ARARAQUARA – S.P. 2023 JOSIEL WILLIAM PAES RODRIGUES COLORISMO: uma visão aplicada Dissertação de Mestrado, apresentado ao Conselho, Programa Economia da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Economia. Linha de pesquisa: Desigualdade racial Orientador: Prof. Dr. André Luiz Corrêa Coorientador: Prof. Dr. Andreas Hofbauer ARARAQUARA – S.P. 2023 R696c Rodrigues, Josiel William Paes Colorismo : uma visão aplicada / Josiel William Paes Rodrigues. -- Araraquara, 2023 74 p. : il., tabs., mapas Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientador: André Luiz Corrêa Coorientador: Andreas Hofbauer 1. Colorismo. 2. Racismo. 3. Pardos. 4. Socioeconomia. 5. Desigualdade racial. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. JOSIEL WILLIAM PAES RODRIGUES uma visão aplicada Dissertação de Mestrado, apresentada ao Conselho, Programa de Pós em Economia da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Economia. Linha de pesquisa: Desigualdade racial Orientador: Prof. Dr. André Luiz Corrêa Coorientador: Prof. Dr. Andreas Hofbauer Data da defesa: 04 / 04 / 2023 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Prof. Dr. André Luiz Corrêa Universidade Estadual Paulista Membro Titular: Prof. Dr. Leandro Pereira Morais Universidade Estadual Paulista Membro Titular: Profa. Dra. Elaine da Silveira Leite Universidade Federal de Pelotas Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara RESUMO Esta dissertação é uma análise aplicada do colorismo. O objetivo central deste trabalho é o de discutir a teoria do colorismo em conjunto com análises estatísticas, apontando, quando encontradas, contradições entre os discursos e os dados estatísticos. Foram utilizadas, para além de uma revisão de literatura, considerando os aspectos teóricos e históricos das definições de raça e racismo, bem como a formação econômica brasileira. Também foram utilizados dados estatísticos das bases oficiais de governo PNADC e SIM e Regressões Logísticas Binárias (Logits) e Multinomiais com dados da LAPOP, de responsabilidade da Vanderbilt University. Ainda que alguns pensadores apontem para um possível privilégio dos pardos por conta da cor de pele mais clara, não foram encontrados nas modelagens estatísticas favorecimentos de pardos em relação aos pretos. O que foi constatado é que os pardos possuem cor de pele variada. Também, foi constatado que as autodeclarações de raça, não consideram a renda, educação e inclinação política. Por fim, a cor da pele tem grande influência nas autodeclarações juntamente com a regionalidade de modo que uma pessoa com mesma tonalidade de pele tem maiores chances de se declarar negro em uma região e branco em outra. Para estudos futuros, é sugerido análises com dados com enfoque mais microcentrados em regiões especificas. Palavras-chave: racismo, pardos, pretos, desigualdade racial, socioeconomia ABSTRACT This dissertation is an applied analysis of colorism. The central objective of this work is to discuss the theory of colorism together with statistical analyses, pointing out, when found, contradictions between the speeches and the statistical data. There were utilized, beyond a literature review, considering theoretical and historical aspects of the definition of race and racism, as well as the Brazilian economic formation. Also, there were utilized statistical data from the official government’s database PNADC and SIM e binary logistic regressions (Logits) and multinomials with the data from LAPOP, from responsibility of Vanderbilt University. Even though some researchers point a possible privilege of the browns (pardos) because of their lighter skin, it was not found on the statistical modeling any favoring of the browns in relation to the blacks (pretos). What was verified is that the brows have a varied range of color skin. Also, it was verified that the race self-declaration, does not consider wealth, education and political inclination. In the end, skin color has a huge influence in the self-declaration alongside with the regionality so that a person with the same skin tonality have higher chances to classify itself as negro (black or brown) at one region and white at another. For future studies, it is suggested analysis with micro-centered data in specific regions. Keywords: racism, brown, black, racial inequality, socioeconomics ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Paleta de cores da LAPOP 19 Figura 2 – A teoria ativista de racismo 29 Figura 3 – Proporção de raças por UF no Brasil 40 ÍNDICE DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Gini no Brasil de 2012 a 2019 41 Gráfico 2 – T-Theil, Rendimento mensal habitual no Brasil de 2012 a 2019 42 Gráfico 3 – T-Theil, Rendimento mensal habitual no Brasil de 2012 a 2019, para pretos e pardos 42 Gráfico 4 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil 43 Gráfico 5 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para homens sem grau de instrução 43 Gráfico 6 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para mulheres sem grau de instrução 44 Gráfico 7 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para homens com ensino fundamental 44 Gráfico 8 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para mulheres com ensino fundamental 45 Gráfico 9 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para homens com ensino médio 45 Gráfico 10 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para mulheres com ensino médio 46 Gráfico 11 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para homens com ensino superior 46 Gráfico 12 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para mulheres com ensino superior 47 Gráfico 13 – Homicídios no Brasil, proporcional por raça 48 Gráfico 14 – Homicídios por 100 mil habitantes no Brasil para pretos, pardos e brancos 48 Gráfico 15 – Respondentes da LAPOP Brasil, por raça e cor da pele do rosto 51 Gráfico 16 – Respondentes da LAPOP Brasil, por raça e faixa de renda 52 Gráfico 17 – Respondentes da LAPOP Brasil, por raça e inclinações políticas 53 Gráfico 18 – Respondentes da LAPOP Brasil, por raça e anos de estudo 54 Gráfico 19 – Predições do modelo Logit de brancos e negros com variáveis selecionadas* 62 Gráfico 20 – Predições do modelo Logit de pardos e pretos com variáveis selecionadas* 63 Gráfico 21 – Predições do modelo multinominal com variáveis selecionadas* para o ano de 2012 64 Gráfico 22 – Predições do modelo multinominal com variáveis selecionadas* para o ano de 2014 65 Gráfico 23 – Predições do modelo multinominal com variáveis selecionadas* para o ano de 2017 66 Gráfico 24 – Predições do modelo multinominal com variáveis selecionadas* para o ano de 2019 67 ÍNDICE DE TABELAS Tabela 1 – Informações técnicas sobre a amostragem da LAPOP, Brasil 18 Tabela 2 – Faixas de renda da LAPOP 19 Tabela 3 – Diferença em pontos percentuais entre a proporção das raças no total da população e nos óbitos externos 49 Tabela 4 – Respondentes da LAPOP Brasil, por raça e cor da pele do rosto 50 Tabela 5 – Respondentes da LAPOP Brasil, por raça e faixa de renda 52 Tabela 6 – Respondentes da LAPOP Brasil, por raça e inclinações políticas 53 Tabela 7 – Respondentes da LAPOP Brasil, por raça e anos de estudo 54 Tabela 8 – Coeficientes estimados em modelagem Logit para os dados da LAPOP Brasil. Categoria “pardo” como referência 55 Tabela 9 – Efeitos marginais médios da modelagem Logit para os dados da LAPOP Brasil. Categoria “pardo” como referência 56 Tabela 10 – Coeficientes estimados em modelagem Logit para os dados da LAPOP Brasil. Categoria “brancos” como referência e pretos como a soma de pretos e pardos 57 Tabela 11 – Efeitos médios marginais da modelagem Logit para os dados da LAPOP Brasil. Categoria “brancos” como referência e pretos como a soma de pretos e pardos 57 Tabela 12 – Resultados da modelagem Regressão Logística Multinomial para os dados da LAPOP Brasil. Categoria “pardo” como referência 59 Tabela 13 – Razões de chances (O.R.) da modelagem Regressão Logística Multinomial para os dados da LAPOP Brasil. Categoria “pardo” como referência, “branco” como resposta 60 Tabela 14 – Razões de chances (O.R.) da modelagem Regressão Logística Multinomial para os dados da LAPOP Brasil. Categoria “pardo” como referência, “preto” como resposta 60 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS DATASUS Departamento de Informática do SUS EIR Estatuto da Igualdade Racial IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPCA Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo LAPOP Latin American Public Opinion Project MNU Movimento Negro Unificado PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNADC Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua PNS Pesquisa Nacional de Saúde POF Pesquisa de Orçamentos Familiares SIM Sistema de Informações sobre Mortalidade SIPD Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares UPAs Unidades Primárias de Amostragem SUMARIO 1 INTRODUÇÃO 11 2 MATERIAIS E MÉTODOS 14 2.1 Bases teóricas 14 2.1.1 Metodologia para a bases teóricas 14 2.2 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) 15 2.2.1 Metodologia para os dados da PNADC 16 2.3 Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) 16 2.3.1 Metodologia para os dados do SIM 17 2.4 Latin American Public Opinion Project (LAPOP) 17 2.4.1 Metodologia para os dados da LAPOP 19 3 REVISÃO DE BIBLIOGRAFIA 21 3.1 Cor, raça e racismo 21 3.2 Racismo estrutural 27 3.3 Colorismo 32 3.4 Raça na formação econômica do Brasil 38 4 RESULTADOS APLICADOS 40 4.1 Resultados para os dados da PNADC 40 4.2 Resultados para os dados do SIM 47 4.3 Resultados para os dados da LAPOP 50 4.3.1 Resultado das modelagens 55 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 68 REFERÊNCIAS 70 11 1 INTRODUÇÃO Dado o ambiente fértil propiciado pela discussão em torno cotas raciais e do Estatuto da Igualdade Racial (EIR) nas últimas décadas, muita pesquisa foi realizada tendo como foco as relações raciais e o racismo na sociedade brasileira. Acadêmicos e pesquisadores de diversas áreas apresentaram as suas contribuições e, por coincidir com o boom da internet, o debate ultrapassou os muros das faculdades e atingiu um público maior, por conta da divulgação científica. Dado que o racismo é considerado comumente pelos pesquisadores como um sistema que apresenta nas suas estruturas uma vertente também econômica, cabe aos economistas um espaço reservado nesse debate. Um dos termos que ganhou destaque na academia, mas primeiramente fora dela é o “colorismo”, que expressa uma “ramificação do racismo” ao posicionar negros contra negros. Diz-se que dentro da estrutura econômica do racismo, os “negros de pele clara” seriam favorecidos face aos “negros de pele escura”. O aumento da popularidade do colorismo se refletiu no aumento de produções científicas em universidades públicas que abordam o tema1. Muitos desses sem discutir o colorismo propriamente, mas apenas citando. Nos trabalhos que se aventuram a discutir, porém, o colorismo é com frequência associado a uma vertente também econômica, o que causa estranhamento nesse ponto é o baixo número de produções científicas da área econômica citando o colorismo, resta saber o porquê de isso ocorrer. De início, dada a baixa concentração de crítica no meio acadêmico ao colorismo, subentende-se que os autores aceitam que o assunto é verdade sedimentada, o que é problemático. Os debates para discutir o colorismo ocorreram majoritariamente de forma paralela à academia, e encontraram projeção no ambiente das chamadas “mídias negras” que favoreceu discussões em torno de pautas raciais (FONTANA, 2021) e levou para a academia assuntos que antes eram menos discutidos, em especial, quando houve ascensão dos negros à espaços que antes lhes eram negados. Mas de novo, é preciso sempre colocar em xeque o valor científico desses debates paralelos, uma vez que as discussões acadêmicas tendem a obedecer a padrões e permitir contrariedades que nem sempre são respeitados em ambientes externos. Assim, ao aceitar o colorismo sem expô-lo aos questionamentos típicos da atividade acadêmica, o meio acadêmico pode estar validando uma teoria falha. 1 Em levantamento prórpio preliminar elaborado em 25 de agosto de 2022 com base nos repositórios de universidades públicas brasileiras, foram encontradas 30 dissertações e 19 teses defendidas em 2021 que abordaram o colorismo, em 2014 foram apenas uma tese e uma dissertação. 12 Para o presente trabalho, o que se propõe é um estudo centrado em dados estatísticos com o cuidado para não ser reducionista e partindo de referências multidisciplinares. O objetivo aqui é entender se os dados corroboram a informação de que os indicadores socioeconômicos favorecem a ascensão de pessoas “negras de pele clara” enquanto reserva aos “negros de pele escura” um lugar de subalternidade, assim como afirma a teoria do colorismo. Longe de querer invalidar toda uma teoria, este trabalho pretende fornecer ao debate insumos, apontando, quando encontradas, contradições entre os discursos e os dados estatísticos, ou suas confirmações. Geralmente, os estudos econômicos agregam os pretos e pardos com a justificativa de que as ciências sociais e humanas entendem que este é o melhor arranjo. As ciências sociais, por outro lado, afirmam que isso é o correto dadas as semelhanças socioeconômicas dos dois grupos ao mesmo tempo que abre espaço para discussões, pautadas também pelo colorismo, que tentam de algum modo afastar os dois grupos. Com microdados e análise estatística é possível testar a influência de variáveis socioeconômicas sobre a raça autodeclarada, e também o papel da cor da pele sobre as variáveis. É preciso saber em que ponto os grupos pretos e pardos se distanciam e de maneira isso transparece nas estatísticas macroeconômicas. Caso vantagens de um grupo sobre outro sejam confirmadas, é preciso apontar em quais números ela se manifesta. Porém, se não for confirmado o tratamento desigual, confirmar-se-á a não necessidade de separação da população negra (preta e parda) nos moldes sugeridos pelo colorismo. Para tanto, essa dissertação está dividida em quatro capítulos, sendo o primeiro deles dedicado à apresentação das bases de dados e fontes bibliográficas, bem como o uso cada uma delas teve nesta dissertação. O segundo capítulo, é um espaço reservado para revisão de termos básicos como os conceitos de raça, cor e racismo, é neste capítulo que são elaborados de forma mais consistente os argumentos em torno da problemática colorista, e é aqui onde o esforço de diálogo com outras áreas do pensamento se expressa com mais força. O terceiro capítulo traz os resultados das análises estatísticas, conforme metodologia explicada no primeiro capítulo. Enfatiza-se que este capítulo é intensivo no uso de gráficos e tabelas, em especial por conta do seu propósito nesta dissertação. Por fim, o quarto e último capítulo apresenta as considerações finais deste autor a respeito do colorismo, bem como apresenta sugestões para trabalhos futuros. De saída, é preciso deixar claro, porém, as limitações deste trabalho. Em primeiro lugar, por tratar de um tema complexo e multidisciplinar que é a questão racial, é óbvio que as considerações aqui feitas não esgotarão, e nem têm a pretensão de esgotar as discussões em 13 torno do colorismo. Em segundo lugar, todos os dados e estatísticas presentes neste trabalho dizem respeito ao âmbito macrossocial, mas de nenhuma forma as conclusões e considerações aqui elaboradas invalidarão conclusões bem embasadas de âmbito microssocial de outros trabalhos, de outras áreas de conhecimento. Terceiro, por óbvio poderá haver discordâncias entre este trabalho e outros elaborados com mesma temática, o que é saudável em âmbito acadêmico. 14 2 MATERIAIS E MÉTODOS Por se tratar de um trabalho de cunho multidisciplinar, este trabalho buscou ao longo da revisão bibliográfica observar a contribuição de diferentes áreas no debate em torno do racismo. Portanto, em um primeiro momento, foram consideradas contribuições de profissionais da sociologia, da antropologia, da filosofia, da história e do direito para traçar o perfil do objeto de estudo. Já em um segundo momento, foi levado em consideração como os profissionais das ciências econômicas dialogam com estas questões e de que maneira a economia foi tratada pelos autores de outras áreas para justificar as suas conclusões. Por fim, em um terceiro momento, foi utilizada estatística descritiva e modelagens econométricas para avaliar a aplicabilidade da teoria do colorismo junto aos conjuntos de dados socioeconômicos disponíveis. As bases das quais os microdados foram extraídos são: a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), de responsabilidade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), disponibilizados pelo Departamento de Informática do SUS (DATASUS); e a Latin American Public Opinion Project (LAPOP), mantida pela Vanderbilt University. As características de cada base de dados e a forma como cada uma foi utilizada estão detalhadas nos subtópicos a seguir. 2.1 Bases teóricas A principal fonte de dados para busca de trabalhos anteriores que compuseram a revisão bibliográfica foram os repositórios institucionais digitais de teses e dissertações de universidades brasileiras. Mas também foram consultados livros e trabalhos acadêmicos de outras naturezas que abordaram a questão racial no Brasil. Por mais que alguns portais e blogs sejam citados em alguns trabalhos consultados, aqui nesta dissertação eles foram desprezados. 2.1.1 Metodologia para a bases teóricas Ainda que em um primeiro momento as buscas tenham sido exclusivamente pelo termo “colorismo”, este trabalho também considerou estudos que abordassem de alguma forma ou outra o conflito entre os grupos pardos e pretos; e em torno da mestiçagem no Brasil. 15 2.2 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) Formulada para substituir a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), de periodicidade anual e descontinuada em 2016, a PNADC é uma pesquisa amostral de abrangência nacional realizada trimestralmente desde 2012. Parte do Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares (SIPD) juntamente com outras duas pesquisas de abrangência nacional a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), a PNADC apresenta dados sobre trabalho e rendimentos desagregáveis nos seguintes níveis geográficos: Grandes Regiões, Unidades da Federação, e Regiões Metropolitanas (vinte regiões que contêm municípios das capitais e a Região Integrada de Desenvolvimento da Grande Teresina). A SIPD possui estrutura amostral, ou amostra mestra, para atender simultaneamente as três pesquisas que a compõem, para tanto, com base no censo de 2010 foram selecionadas as áreas, Unidades Primárias de Amostragem (UPAs), que formariam esta estrutura. A cada trimestre 211.344 domicílios são visitados para a elaboração da PNADC, sendo 14 domicílios de 15.096 UPAs espalhadas pelo Brasil. A PNADC possui um esquema de rotação amostral 1-2(5), nesse, o mesmo domicílio é visitado cinco trimestres seguidos, com espaçamentos de dois meses entre cada visita, de modo que ele seja visitado uma vez a cada trimestre sempre no primeiro, segundo ou terceiro mês que compõe o trimestre, a depender de quando se deu a primeira visita. Assim, há visitas sendo realizadas nos três meses que compõem o trimestre. Para esta dissertação, as variáveis selecionadas foram: rendimentos habituais, nível de formação e a raça autodeclarada. Os rendimentos habituais são o que os entrevistados ganham apenas com os seus trabalhos sem considerar transferências e descontos, já os efetivos consideram também os descontos e transferências por parte do governo. Quando se fala em mercado de trabalho, na PNADC são considerados como membros da força de trabalho pessoas com 14 anos ou mais. Para deflacionamento dos rendimentos, o IBGE disponibiliza o índice de inflação, que difere para cada tipo, com as datas de cada entrevista, divididas por unidades federativas, e os dados de renda podem ser obtidos automaticamente corrigidos por estes índices. Porém, por motivos de controle sobre a pesquisa, para este trabalho optou-se por utilizar como deflator a média geométrica do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) trimestral para cada um dos três meses que compõem o trimestre, quando utilizados dados trimestrais. 16 A formação dos entrevistados pela PNADC é dividida em: sem instrução, fundamental incompleto e completo, ensino médio incompleto e completo, superior incompleto e completo. Já em relação à raça ou cor, como considerado pelo IBGE, a PNADC nos apresenta a população dividida em cinco categorias autodeclaratórias: branca, preta, amarela, parda e indígena. Mas também há em algumas ocasiões a categoria “ignorado”, visto que nem todos os indivíduos se enquadram nas cinco categorias anteriores, porém, esta categoria é irrisória se comparada com o total. 2.2.1 Metodologia para os dados da PNADC Inicialmente, com os microdados da PNADC, foi possível estimar a população total, e as proporções de cada raça por sexo e por unidade federativa. De mesma maneira, foram estimados os rendimentos médios e as medianas para cada raça, sexo, nível de unidade federativa e nível de formação. Daí foram constatadas as semelhanças ou diferenças nos rendimentos entre as raças, em especial entre os pretos e pardos. Também, com base nos dados da PNADC foi possível calcular a desigualdade nos rendimentos habituais. Para tanto, foram escolhidos dois indicadores, o índice de Gini, dada sua popularidade e o índice de T de Theil (T-Theil), dada a sua praticidade. Ambas as métricas se igualam a zero em caso de perfeita igualdade. Em caso de completa desigualdade, porém, o índice de Gini se iguala a um e o T-Theil se iguala a 𝑙𝑜𝑔 𝑛, onde 𝑛 é o número de observações utilizadas no cálculo do índice. Ainda, o T-Theil é resultado do somatório das desigualdades internas de grupos adicionada da desigualdade entre os grupos. Assim, foi calculado o T-Theil geral e o T-Theil decomposto considerando os grupos raciais. Também foi calculado o T-Theil exclusivamente para a população negra, agregando pardos e pretos, a fim de constatar por meio da decomposição do índice a desigualdade existente entre os dois grupos. Para os dados descritivos de rendimento forma utilizados dados trimestrais, já para os cálculos dos índices foram utilizados os dados anuais, tendo por referência a primeira entrevista de cada visita da PNADC. 2.3 Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) O SIM foi institucionalizado em 1975 e informatizado em 1979. Nele são disponíveis informações a respeito de óbitos fetais, infantis, e externos, nos quais são contabilizados os 17 acidentes, os homicídios e os suicídios. O documento inicial do qual são retiradas as informações que constam na base de dados é a Declaração de Óbito (DO), preenchida em três vias pelo responsável pelo falecido. Em caso de morte assistida por um médico, o preenchimento é feito pelo profissional, em caso de morte natural com ausência de um médico, o preenchimento é feito pelo responsável pelo falecido, acompanhado por duas testemunhas. Para o caso das mortes violentas ou não naturais, a DO é preenchida pelo perito especializado, ou seja, necessariamente um médico. Na DO, há uma seção específica para identificação dos indivíduos que deve ser completada com base nos documentos do falecido, o que dispensa subjetividade por parte do responsável pelo preenchimento quanto à raça, que deve ser enquadrada nas cinco categorias padrão (branca, preta, amarela, parda e indígena). Isso, porém, não impede que nas bases dados apareçam a categoria “ignorado”, por vezes com grande expressão, acima de 5%, no total. Importante frisar, que o SIM não se trata de uma base amostral, mas retrata a totalidade dos óbitos registrados no Brasil. Para esta dissertação, foram selecionados os óbitos externos referentes a homicídios, suicídios e acidentes. 2.3.1 Metodologia para os dados do SIM Com os dados do SIM, foi possível encontrar a participação de cada grupo racial nos tipos de óbitos selecionados. Essas proporções foram comparadas com as estimativas – calculadas com base nos dados da PNADC anual com a primeira entrevista como referência – de participações de cada grupo racial no total da população. O objetivo foi identificar qual das categorias raciais está super-representada nos indicadores de óbito em relação ao total da população, o que pode ser feito comparando diretamente os percentuais ou pelo cálculo de óbitos por cem mil habitantes, no caso dos homicídios. 2.4 Latin American Public Opinion Project (LAPOP) A LAPOP é uma iniciativa da Vanderbilt University e é responsável pela AmericasBarometer, um survey especializado realizado nos países da América Latina e Caribe. Das temáticas da pesquisa, a AmericasBarometer traz dados socioeconômicos e das percepções políticas nos países nos quais os questionários são aplicados. A maior limitação encontrada com esta base é a não padronização dos questionários, o que impossibilita, em 18 algumas temáticas, a comparação entre os dados coletados em anos diferentes. Ainda assim, foram considerados microdados de quatro períodos cujas informações técnicas sobre a amostragem estão dispostas na Tabela 1. Tabela 1 – Informações técnicas sobre a amostragem da LAPOP, Brasil Ano Amostragem Ponderado/ Não- ponderado Margem de erro Norte Nordeste Centro- oeste Sudeste Sul Total 2012 216 336 217 479 252 1,500 Não-ponderado ± 2.5 2014 216 336 216 480 252 1,500 Não-ponderado ± 2.5 2017 219 346 217 491 259 1,532 Ponderado ± 2.5 2019 216 335 216 479 252 1,498 Ponderado ± 2.5 Fonte: LAPOP (2012, 2014, 2017 e 2019) Há na LAPOP uma variável autodeclaratória de classificação das preferências políticas dos entrevistados, que foi selecionada pelo fato de que a luta racial ser constantemente vinculada com o lado esquerdo do espectro político. Caso houvesse alguma interferência de cunho político-ideológico na autodeclaração dos respondentes, esta seria demonstrada nessa variável. Os valores para inclinação política vão em escala de 0 (mais à esquerda) a 10 (mais à direita). Também há uma variável para educação, com base no último ano da escola que o respondente conclui com aprovação, que segue de 0 (sem instrução) a 17 (para aqueles com 17 anos ou mais de estudos). Com esta variável foi possível captar o papel do “conhecimento” e do prestígio social fornecido pelos diplomas na autodeclaração. Para renda, a LAPOP, desde 2012, utiliza de uma escala que vai de 0 a 16 em que cada valor corresponde a uma faixa de renda. Que, assim como educação, está ligado a prestígio social. Os valores de cada faixa diferem em todos os anos, como apresentado na Tabela 2. Por fim, a LAPOP se distância das demais pesquisas por considerar não somente as autodeclarações dos entrevistados, mas também a cor da pele do rosto dos entrevistados e entrevistadores, conforme uma paleta de cores disponibilizada no questionário (ver Figura 1). A cor da pele é uma característica biológica e visual, e com as modelagens foi possível perceber o quanto da raça autodeclarada é, no contexto brasileiro, fisicamente atribuída. 19 Tabela 2 – Faixas de renda da LAPOP 2019 2017 2014 2012 00 Sem renda Sem renda Sem renda Sem renda 01 Até R$400 Até R$700 Até R$500 Até R$100 02 De R$400 até R$700 De R$700 até R$950 De R$501 até R$700 De R$100 até R$210 03 De R$701 até R$900 De R$951 até R$1050 De R$701 até R$800 De R$211 até R$310 04 De R$901 até R$1000 De R$1051 até R$1200 De R$801 até R$900 De R$311 até R$410 05 De R$1001 até R$1100 De R$1201 até R$1350 De R$901 até R$1000 De R$411 até R$520 06 De R$1101 até R$1200 De R$1351 até R$1500 De R$1001 até R$1100 De R$521 até R$620 07 De R$1201 até R$1300 De R$1501 até R$1750 De R$1101 até R$1200 De R$621 até R$730 08 De R$1301 até R$1500 De R$1751 até R$1950 De R$1201 até R$1400 De R$731 até R$820 09 De R$1501 até R$1700 De R$1951 até R$2150 De R$1401 até R$1600 De R$821 até R$930 10 De R$1701 até R$2000 De R$2151 até R$2350 De R$1601 até R$1800 De R$931 até R$1040 11 De R$2001 até R$2200 De R$2351 até R$2550 De R$1801 até R$2000 De R$1041 até R$1130 12 De R$2201 até R$2500 De R$2551 até R$3150 De R$2001 até R$3100 De R$1131 até R$1240 13 De R$2501 até R$2900 De R$3151 até R$3800 De R$3101 até R$4300 De R$1241 até R$1400 14 De R$2901 até R$3700 De R$3801 até R$4950 De R$4301 até R$5400 De R$1401 até R$1550 15 De R$3701 até R$5600 De R$4951 até R$6700 De R$5401 até R$6600 De R$1551 até R$1860 16 Mais de R$5600 Mais de R$6700 Mais de R$6601 Mais de R$1860 Fonte: LAPOP (2012, 2014, 2017 e 2019) Figura 1 – Paleta de cores da LAPOP Fonte: LAPOP (2012, 2014, 2017 e 2019) 2.4.1 Metodologia para os dados da LAPOP Em consonância com os objetivos desta dissertação, foram considerados apenas os respondentes que se autoclassificaram como pretos, pardos ou brancos. Em um primeiro 20 momento, foi feita opção pela análise descritiva dos dados a fim de avaliar a frequência das repostas às perguntas selecionadas, não só para cada raça, mas também, para cada tonalidade de cor de pele. A modelagem econométrica foi utilizada em um segundo momento como forma de avaliar o impacto das variáveis na autodeclaração dos indivíduos. Assim, foi elaborado um primeiro modelo de Regressão Logística Binária (Logit) com os dados dos autodeclarados pretos e pardos, pardos como referência. Com este modelo, pretendeu-se avaliar dentro do conjunto dos negros (pretos e pardos), uma vez que são comumente agregados, o que os distingue em termos de autodeclaração. Ou seja, o que leva uma pessoa negra a se autodeclarar preta ou parda. Um segundo modelo Logit, semelhante ao primeiro, também foi esquematizado considerando os negros (pretos e pardos) e brancos, brancos como referência. Este segundo modelo foi pensado apenas para ser comparado com o primeiro. Para ambos os modelos, o conjunto de variáveis explicativas foi formado pelas variáveis: cor da pele do rosto; faixa de renda; faixa de educação; inclinação política dos respondentes; e macrorregião, com o Sudeste como referência. Em seguida, para as mesmas variáveis explicativas foi esquematizado um modelo de Regressão Logística Multinomial com pretos, pardos e brancos como variáveis de resposta, e com a categoria pardo como referência. Modelos semelhantes já foram utilizados por Telles e Paschel (2014), para os dados da LAPOP de 2010. O uso de pardos como referência tem respaldos nos desdobramentos teóricos do colorismo que afirma que os pardos podem migrar entre as categorias raciais. O objetivo aqui foi observar quais variáveis influenciam nesse suposto transitar que os pardos podem fazer. Geralmente, os trabalhos que utilizam a LAPOP consideram os microdados de uma única pesquisa nas modelagens. Aqui, porém, optou-se por replicar os mesmos modelos para cada ano da LAPOP selecionado, como forma de encontrar um possível padrão, ainda que sem comparar diretamente os resultados para os anos diferentes da pesquisa, visto que isso seria um erro. 21 3 REVISÃO DE BIBLIOGRAFIA 3.1 Cor, raça e racismo As noções de raça não são universais e nem atemporais; mas mutáveis e moldáveis a contextos históricos e geográficos. De mesma forma, não se pode cravar conceitos a respeito de suas origens e definições. Quando começou a ser utilizado no século XVI na Europa, por exemplo, o termo “raça”, segundo Guimarães (2005), não tinha conotação biológica, mas de origem. Hasenbalg (1982) afirma que de início as justificativas para o domínio eram imbuídas de visão religiosa, discernindo os cristãos de pagãos. Fredrickson (2002) discutindo sobre o racismo antissemita bem demonstra que a raça dos judeus nunca foi estigmatizada por conta da cor da pele, mas por motivos religiosos. A divisão racial por meio da religião foi predominante até meados do séc. XVIII. (FREDRICKSON, 2002). Mendes (2012), porém, afirma que já no século XVI “raça” era utilizada para designar traços físicos e psicológicos. Continuando de acordo com Mendes (2012), ainda no século XVIII as classificações de raça não levavam em consideração somente as tonalidades de pele, ou mesmo apenas características físicas, mas também os posicionamentos geográficos e, em algumas linhas teóricas, o clima. A única característica que permaneceu imutável no conceito de raça é que de alguma maneira ele era usado para separar e classificar os povos. Guimarães (2005 e 2012) alega que as teorias raciais, pautadas na biologia, portanto, com maiores implicações para a população negra, datam do século XIX, quando as classificações de cor já existiam para separar os indivíduos de pele escura dos de pele clara, e utilizaram dela como aparato para construção de uma pseudociência racista. O objetivo era “explicar” diferenças raciais atribuindo a determinadas raças capacidades e habilidades inferiores, com base em características biológicas. O nascimento dessas teorias, ainda segundo Guimarães (2012), coincide com o surgimento das principais teorias sociológicas das quais derivaram as ciências sociais e do indivíduo, e foi na esteira desse boom científico que os preconceitos já existentes foram reapresentados com uma roupagem (pseudo)científica. Assim, pode-se dizer que na mesma medida em que a sociedade europeia se desenvolveu, as explicações (pseudo)científicas também passaram pelo seu processo de expansão, de forma que “os autores do século das luzes não fizeram mais do que desenvolver uma ideologia que serviu aos intuitos da sociedade europeia (...). E assim se legitimava o domínio colonial.” (MENDES, 2012, p. 103). 22 Frisa-se que as motivações dos iluministas, nesse caso, não eram necessariamente de avançar com o conhecimento científico, mas de criar justificativas às hierarquias sociais em um ambiente no qual a escravidão era econômica e moralmente aceita, o que não se aceitava eram as justificativas místicas e religiosas para tal, e por isso eram necessárias reformulações acadêmicas. Nesse sentido, Guimarães (2005, p. 32) esclarece: As hierarquias sociais podem ser justificadas e racionalizadas, por conseguinte, de diferentes modos, fazendo, todas, apelo à ordem natural. Assim, por exemplo, a ordem econômica era justificada, na Inglaterra no século XIX, como produto das virtudes individuais (os pobres eram pobres porque lhes faltavam, sentimentos, virtudes e valores nobres); do mesmo modo, as mulheres teriam posições subordinadas devido às características de seu sexo, e os negros eram escravizados ou mantidos em situação de “ralé” porque sua “raça” seria, intelectualmente e moralmente, incapacitada para a civilização. É importante lembrar que todas essas hierarquias foram justificativas, e ainda o são, por uma teoria “científica” da natureza (eugenia, biologia e genética). No pós-Segunda Guerra Mundial, autores passaram a apontar que raça é uma categoria construída socialmente e que atribuía às características fenotípicas dos indivíduos – aquelas que são observáveis – significados que não podem ser creditados à biologia. Logo, os possíveis processos de hierarquizações de raças, diga-se racismo, são puramente sociológicos (GUIMARÃES, 2005). No Brasil, a discussão racial começa com atraso, se comparado com as nações europeias, uma vez que se inicia com a abolição da escravidão, ou seja, quando o negro passa a ser um indivíduo e deixa de ser uma propriedade (SCHWARCZ, 2012). Nesse mesmo período, na Europa, as teorias raciais pautadas em biologia e ciências correlatas estavam ganhando corpo próximo ao do estado de arte que resultaria em políticas autoritárias de segregação no XX (FREDRICKSON, 2002). De toda forma, tanto para designações de cor quanto para designações de raça, o Brasil já na primeira metade do século XIX possuía expressões próprias, como “crioulo” que era usado para negros nascidos em solo brasileiro e os diferenciava dos “pretos” africanos (REIS, 2000 apud GUIMARÃES, 2012). Na segunda metade do mesmo século, o termo “negro” ganha projeção, porém não tinha a mesma a conotação que na Europa, e não fazia referência unicamente ao tom de pele, mas também ao status dos indivíduos, sendo usado para designar escravos, inclusive índios, os “negros da terra” (MONTEIRO, 1994 apud GUIMARÃES, 2012). 23 Ainda, no fim do Brasil Império, surge a política de “embranquecimento”. Acreditava- se que do relacionamento inter-racial entre brancos e pretos nasceriam filhos com a pele cada vez mais clara; e diante dessa possibilidade, imigrantes europeus eram atraídos por meio de uma política de agressiva de governo. Schwarcz (2012) detalha que logo no fim do século XIX e início do século XX, a exemplo do que acontecia em outras partes do globo, o mestiço era considerado um degenerado e um atestado da falência da nação por determinados autores. Ainda que de alguma forma contrapondo essa ideia de degeneração mestiça, não há dúvida de que a aposta em uma política para embranquecer a população, por meio de casamentos inter- raciais, é a institucionalização do darwinismo social por parte do Estado brasileiro. Avançando, na década de 30, já começava a se difundir o mito da “democracia racial” a partir da obra de Gilberto Freyre, que de certa maneira romantizava as relações entre os senhores e escravos. O termo “cor” começava a substituir “raça” em algumas produções; e por influência do mito, dizia-se que as regras de raça no Brasil não eram claras e a mobilidade dos indivíduos era maior (SCHWARCZ, 2012). Neste século, movimentos negros brasileiros se apropriaram do termo “negro” e esse deixou de ter o tom pejorativo. Nesse mesmo momento, o próprio termo raça teve alteração em seu sentido, passando a denotar uma classe social (GUIMARÃES, 2012). A popularização do termo “moreno” utilizado para designar os vários tons de pele, do branco ao negro, serve para exemplificar como a realidade brasileira escapava da dualidade preto-branco (GUIMARÃES, 2012). Com a guinada dos movimentos nacionalistas, símbolos nacionais foram sendo erguidos, e segundo Schwarcz (2012), foi aqui que o mestiço brasileiro de fato se tornou marca brasileira, juntamente com tantas outras – como samba, a dança dos pretos e feijoada, um “prato nacional” – buscavam vender o Brasil como um “caldeirão de culturas”. Importante citar que isso se dá no Brasil no mesmo período em que as teorias raciais atingem seu ápice na Europa, com o fascismo e o nazismo. O impacto das ideias de Gilberto Freyre e a disseminação do mito chamou a atenção internacional e em 1951, a UNESCO financiou um projeto de pesquisa com foco em estudar a miscigenação no Brasil. Algumas obras de autores como Florestan Fernandes, entretanto, fugiram do escopo esperado e denunciaram as discriminações e preconceitos brasileiros, contrariando o mito da democracia racial (SCHWARCZ, 2012). Ficava claro com os resultados das pesquisas que havia aqui uma ausência de estratificação, que ligada com a ideologia do branqueamento e disfarçada com a miscigenação, formaram um “sistema” de hierarquização social limitante e excludente àquilo que é ligado ao negro (SCHWARCZ, 2012). Pautada nestas conclusões, no final da década de 24 70, entra em cena o Movimento Negro Unificado (MNU) reforçando as desigualdades raciais. Importante lembrar que grupos ou movimentos negros nunca se omitiram no debate racial brasileiro, apenas por vezes se pautavam por visões diferentes, que por vezes se modificavam, em respeito à determinado tema, como afirma Lélia Gonzalez (1982, p. 18) “nós negros, não constituímos um bloco monolítico”. Ao final da década de 70, Hasenbalg publicava o livro “Discriminação e desigualdades raciais no Brasil” (1979) no qual ele trazia em números as diferenças sociais entre brancos e negros; e entre pretos e mulatos. O trabalho de Hasenbalg é considerado primordial na futura junção de pretos e pardos nas pesquisas socioeconômicas. Para o Estado brasileiro, porém, nos anos da ditadura militar a “democracia racial” seguia como ideologia de governo (GUIMARÃES, 2012). De forma ao menos curiosa, até a constituição de 1988, analfabetos eram impedidos de votar, excluindo na prática grande parte dos negros do processo democrático (GUIMARÃES, 2012). Também, foi a partir da nova constituição e com a Lei n.º 7716, de 5 de janeiro de 1989, que racismo passou a ser crime. Logo na ementa da lei, raça e cor são consideradas sinônimos. A maior falha da lei, como listada por Schwarcz (2012), é a dificuldade de que o racismo criminalizado é o de impedir alguém com base na cor/raça, mas é muito difícil provar quando isso acontece. Cumpre dizer que o artigo 1º da referida lei, teve redação alterada em 1997, passando de: “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor” (grifo adicionado) para “Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (grifo adicionado). A alteração no texto reflete os entendimentos que o Estado e os legisladores, mesmo a sociedade, tem sobre o tema em cada período, ou seja, nem todas as discriminações se resumem à raça, ou mesmo a questões de cor. A partir de 2001, universidades públicas passaram a adotar Ações Afirmativas, para a inclusão de negros, primeiro eram as estaduais do Rio de Janeiro e Bahia, e a Universidade de Brasília (RIBEIRO, 2020). Em 2012, foi julgado a constitucionalidade destas ações pelo corte suprema brasileira, o Supremo Tribunal Federal, que por unanimidade foi validada (RIBEIRO, 2020). No mesmo ano, foi aprovada a lei de cotas, Lei n.º 12.711, de 29 de agosto de 2012. Em 20 de julho de 2010, após amplo debate com participação de grupos e movimentos sociais, havia sido aprovada a lei n.º 12.288 que institui o Estatuto da Igualdade Racial. A definição de igualdade, para fins do estatuto, é definida no art.1º, parágrafo único, inciso II e 25 assume que possa haver justificativas para diferenciação dos indivíduos, tanto na esfera pública quanto na privada, com base em raça: desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica (grifo adicionado). Ainda, no art. 1º, parágrafo único, inciso IV, define-se a população negra como “o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pelo IBGE ou que adotam autodefinição análoga” (grifo adicionado). Instituir por força de lei a definição de raça negra pode ser encarado como um marco para a instauração de políticas públicas, mas também é problemático, uma vez que, em sendo a autodeclaração o único critério de classificação dos indivíduos, não se pode garantir que todos os autodeclarados pretos e pardos se considerem como negros. Portanto, o Estado estaria forçando uma identidade negra nos indivíduos. Fato é que se as opções “preto” e “pardo” fossem removidas para dar lugar à opção “negro”, nas definições de cor dos questionários, o número de pessoas que se autodeclarariam negras seria menor do que os mais de cinquenta por cento de brasileiros que se declaram como pretos ou pardos. Em 9 de junho de 2014, foi aprovada outra lei de Ações Afirmativas, a Lei n.º 12.990, agora para concursos públicos. No corpo da lei, assume-se que os critérios do IBGE bastam para que os candidatos concorram às vagas por cotas. Entretanto, o art. 1º, parágrafo único, diz: Na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis Ribeiro (2020), descreve que após a promulgação desta lei houve a necessidade de se definir critérios mais objetivos para se descrever quem são os negros, nas instituições. O esforço baseado na aparência física, segundo ele, confirmava que “a discricionariedade do processo decisório, ou seja, a liberdade de escolha que a lei permite, não basta em face da objetividade da precisão fenotípica” (RIBEIRO, 2020, p. 56). 26 O fato de ainda hoje, nos formulários de pesquisas de caracterização socioeconômica da população brasileira, tais como o Censo Demográfico e a Pesquisa PNADC, cor e raça serem utilizados como sinônimos, é em grande medida considerado reducionista por seus críticos, pois limita o conceito raça, ainda que se admita que grande parte dessa seja influenciada pelas questões de cor. De toda forma, foram realizadas diversas mudanças nos questionários das pesquisas oficiais ao longo dos anos, para melhor captar o aspecto racial e dada a complexidade desta categoria, não se pode garantir por quanto tempo a utilizada atualmente se manterá. Nas pesquisas oficiais do governo federal, os indivíduos são divididos em seis categorias: branco, preto, pardo, indígena, amarelo e uma categoria coringa tal como outros ou ignorado, a depender da base de dados. O critério usado para a classificação dos indivíduos é a autodeclaração e para tanto, as bases que fundamentarão a escolha do entrevistado por uma ou outra categoria é de cunho unicamente particular. Não raramente, os indivíduos apresentam desconhecimento dos termos e, talvez por falta de reflexão própria ou alienação, escolhem categorias sem convicção. Também não é raro indivíduos que alteram a sua autodeclaração ao longo da vida, passando de pardo para amarelo, de preto para pardo e tantas outras combinações. Acontece que, no popular, expressões de designação de cor, como “moreno”, ainda são muito presentes (GOMES, 2019). Decerto, se há a dificuldade em se autodeterminar como pertencente a uma ou outra categoria racial, também há a dificuldade de classificar as demais pessoas, pois as nossas vivências e os contextos moldam não somente a autopercepção, mas também a heteropercepção racial. Telles e Lim (1998) demonstram isso ao analisar dados do Datafolha de 1995 que contavam com as autodeclarações de raça dos entrevistados e as heteroidentificações por parte dos entrevistadores. Pardos em piores condições socioeconômicas tendiam a ser classificados como pretos pelos entrevistadores, e pretos em situações socioeconômicas melhores tendiam a ser classificados como pardos. Ainda, brancos, assim classificados pelos entrevistadores, aumentavam em comparação com as autodeclarações em faixas de renda maiores. Crítico da forma como o IBGE considera raça e cor como sinônimos, Monk Jr. (2016) testou via modelagem estatística o impacto da cor e da raça nos níveis de educação e desemprego, e seus resultados indicaram que quando se considera a cor da pele com a autodeclaração de raça, o efeito da raça sobre os tipos de emprego (se operacional ou especializado, por exemplo) e educação são não significativos. Isso sugere que cor e raça são categorias analiticamente diferentes, mas levanta a dúvida sobre qual dos símbolos que compõem as raças, além da cor da pele, amenizam a segregação racial. O próprio Monk Jr. 27 (2016, p. 416) afirma que “raça pode ser dividida em três componentes primários – ancestralidade [que no caso da população brasileira, é passivo de discussão, dado a alta miscigenação que todos têm até certo ponto origens semelhantes], aparência física [na qual a cor da pele é manifesta] e elementos socioculturais [até então não mensurados].”2 Para além, resta a dúvida de se afirmar que o conjunto de pardos é composto de negros claros, e pretos de negros escuros é uma afirmação pautada em dados. O trabalho de Monk (2016) a princípio sugere que não, mas isso foi mais bem explorado nesta dissertação nos tópicos seguintes. De todo modo, é importante repetir, que a equivalência entre raça e cor são características da sociedade brasileira, e podem não ter espelhamentos entre outras sociedades, como a dos Estados Unidos, na qual raça e cor são fenômenos distintos (DIXON E TELLES, 2017). 3.2 Racismo estrutural Ainda que as noções de raça tenham tido suas origens no século XVI, o termo “racismo” como conhecido atualmente só foi utilizado na literatura na década de 1920, em um contexto no qual o tratamento desigual e as discriminações raciais extrapolaram as barreiras do simples preconceito ou discriminação; quando na Europa o Nazismo disseminava sua ideologia; e fazia referência ao tratamento dado aos judeus (FREDRICKSON, 2002). Desde esse momento o racismo era visto como um conjunto de crenças questionáveis e não de algo natural (FREDRICKSON, 2002). Antes disso, até se tinha registros da palavra “racismo” que era utilizada em substituição a “racialismo” (BOWSER, 2017), atualmente os termos denotam fenômenos relacionados, porém diferentes (MONSMA, 2013). Alguns autores procuram diferenciar os tipos de discriminações, em níveis, como mostra Guimarães (2012), que variam geralmente de linguagem insultuosa à ação de extermínio. Bowser (2017) alega que desde 1960, nos Estados Unidos circula entre ativistas uma retórica de que o racismo é “cultural, institucional e individual” (p. 574), mas não houve a devida teorização desse pensamento, e o que se produziu a partir desse ponto foram explicações reducionistas de como as relações raciais funcionam. Dessas explicações derivaram “tipos” de racismos que ora ou outra aparecem no debate público e acadêmico. Para Guimarães (2005), a própria noção de raça só existe, e faz sentido, no campo da ideologia. Portanto, o racismo pode servir ao propósito de qualquer naturalização ou 2 Tradução livre de “Race may be split into three primary components – ancestry, physical appearance, and sociocultural elements” (Monk Jr., 2016, p. 416). 28 essencialismo, como metáfora, para descrever quaisquer práticas discriminatórias (GUIMARÃES, 2005). E é por esse critério que surgem designações vagas e teoricamente pobres de racismo, como afirma Bowser: Há outras descrições de racismo: racismo laissez-faire, racismo ideológico, racismo hi-tech, racismo identitário, racismo ambiental e racismo policial. Há quase tantos racismos quanto adjetivos para descrever choques raciais. O que todos esses racismos têm em comum é que o conceito de racismo não tem nenhum conteúdo teórico. (BOWSER, 2017, p. 577)3 Assim, se até pouco depois da segunda guerra o “racismo” se referia apenas a atos discriminatórios explícitos (GUIMARÃES, 2012), no início do século de XXI ele já era usado de forma vaga para descrever qualquer ação ou sentimento agressivo contra grupos étnicos (FREDRICKSON, 2002). Por conta dessa mudança de abordagem, fica difícil cravar uma definição estrita de racismo, dado que cada autor, acadêmico ou não, trabalha com uma escola de pensamento. Em uma tentativa de teorizar o racismo, baseado no que era discutido pelos ativistas norte-americanos, Bowser (2017) propõe a teoria ativista de racismo, ou a teoria do racismo em três níveis. De forma resumida, para Bowser (2017), a hierarquização e a superioridade branca é algo culturalmente imposta. As instituições nesta teoria são responsáveis por transmitir a cultura racista aos indivíduos e à medida que a sociedade evolui, as instituições se adaptam para manter essa relação que justifica ações e crenças racistas por parte dos indivíduos funcionando (ver Figura 2). Outro esforço para teorizar o racismo é o de Almeida (2018), que o faz sobre três concepções que se assemelham um pouco com os três níveis da teoria ativista. As três concepções são: (i) individual, na qual o racismo é considerado com fruto da ação de indivíduos que agem sozinhos ou em grupos; (ii) institucional, na qual o racismo é entendido para além de atitudes individuais, mas também como reflexo de aspectos institucionais que garantem privilégios a determinados grupos e discriminam outros; e (iii) estrutural, na qual o racismo é considerado fruto de uma estrutura social, política, histórica, econômica e outras, que foi construída ao longo de anos, portanto, constitui um sistema amplo. 3 Tradução livre de: “There are other descriptions of racism: laissez-faire racism, ideological racism, hi-tech racism, identity racism, environmental racism, and police racism. There are almost as many racisms as there are adjectives to describe racial encounters. What all of these racisms have in common is that the concept of racism has no theoretical content.” (BOWSER, 2017, p. 577) 29 Figura 2 – A teoria ativista de racismo Fonte: Bowser, 2017, p.585 Almeida (2018) defende que todo racismo é estrutural e que é impossível alternar entre as concepções dado contextos, pois essas concepções seriam excludentes e antagônicas. Ainda, Almeida (2018) busca explicar que a concepção estrutural não busca anistiar os indivíduos de suas atitudes racistas, mas ampliar as suas responsabilidades e de certa forma, convocar para o debate “os neutros”, uma vez que o silêncio deles corroboraria para manter um sistema de garantia de privilégio (ALMEIDA, 2018). Nesta linha de raciocínio, ser “neutro” equivale a ser, ao menos, apoiador de um sistema racista. A concepção estrutural de racismo ganhou popularidade, em especial no Brasil, tanto nos meios acadêmicos e quanto fora deles, como, por exemplo, na mídia e nas redes sociais. Para além das diferenças de nomenclatura, a divergência principal entre as duas teorias é a de que para Bowser, o institucional e o individual complementam o cultural e, portanto, fazem parte de uma mesma concepção, que não se antagonizam como na concepção estrutural. Ainda assim, as implicações práticas dessas teorias é praticamente a mesma. Seja na concepção do racismo ativista de Bowser quanto na concepção de racismo estrutural de Almeida, o racismo é até certo ponto permanente e os indivíduos podem ser racistas mesmo 30 sem querer ou perceber. Pois, em última instância, o racismo é fruto de algo maior do que os indivíduos e é algo que eles sozinhos, ou mesmo em grupos, não podem alterar. Diante disso, é preciso questionar até que ponto as teorias desses pensadores, ainda que mais bem elaboradas, resolvem a falta de objetividade das discussões anteriores. De toda maneira, é preciso deixar claro que independente da concepção utilizada, racismo para ser racismo carece de uma definição que o afaste das outras formas de preconceito e lhe confira credibilidade. Almeida (2018) define racismo como ações discriminatórias voltadas para segregação de um grupo étnico que, portanto, não devem ser resumidas a simples preconceitos. Para ele, todo racismo é um apartheid. Em definição similar, Fredrickson (2002) diz que o racismo existe quando um grupo étnico ou coletivo histórico domina ou segrega outro com base em alguma característica que acredita ser inerente ao grupo segregado, de forma que ele não pode se livrar dessa característica negativa ainda que tente. Como exemplo, ele cita o caso dos judeus, que ainda que se convertessem ao cristianismo, continuavam sendo considerados inferiores. Note que nenhuma das definições de racismo ousa citar uma ou outra etnia ou grupo como único praticante ou vítima de racismo, pois é certo que essa afirmação incorreria na imputação de uma característica negativa a um grupo. Ou seja, no próprio racismo. Note também que extraída qualquer referência aos grupos étnicos, de qualquer definição de racismo, o que sobra é uma definição genérica que pode explicar qualquer outra discriminação de cunho social ou biológico, como discriminação de peso, gênero, sexualidade e outras. O principal problema das teorizações deficientes é que elas podem enfraquecer o combate ao racismo que tentam promover, ainda que abarquem questões importantes. Para todo efeito, nesta dissertação foi considerado que o racismo pressupõe intencionalidade e consciência das discriminações, portanto, são feitas com objetivos que podem ser expressos em indicadores socioeconômicos de diversas naturezas. Esse ponto é importante, pois tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, o colorismo é tido como um tipo de racismo e bebe da fonte das concepções de racismo explicadas por Almeida (2018) e Bowser (2017). Principalmente porque foi teorizado em ambientes de militância, mesmo ambiente em que esses ideais de racismo foram concebidos. O questionamento feito em relação à intencionalidade é devido à potencial contradição presente em excluir/segregar determinado grupo, fazer um apartheid racial, sem intencionalidade. Isso, dado todo o aparato institucional e esforço coletivo necessário, é pouco crível. 31 Muito é dito sobre a dificuldade de mensurar os efeitos do racismo, em geral, porque uma vez que considerado sistêmico, ele deve resultar em distorções em vários indicadores, com sobreposições de outras formas de exclusões. Por exemplo, os pobres são excluídos pelo nível de renda, por questões regionais, por questões raciais ou por uma mistura de tudo isso? Uma análise cuidadosa sempre tenta isolar cada uma dessas exclusões, o que raramente é tarefa fácil. Porém, de qualquer forma, uma exclusão sistêmica direcionada contra um grupo específico deve ser observável nas estatísticas deste grupo quando comparada com o grupo responsável pela exclusão. Na literatura econômica, Amartya Sen em “Desenvolvimento como liberdade” (2010) compreende a desigualdade conjuntamente com o subdesenvolvimento como frutos de privações de liberdades. As liberdades, nessa obra, podem ser divididas em dois grupos: (i) fim primordial (papel construtivo), que consiste na ideia da expansão das liberdades dos indivíduos como meta do desenvolvimento; e (ii) principal meio (papel instrumental), que consiste na ideia de que a expansão das liberdades auxilia o desenvolvimento. Sen (2010) considera que cinco liberdades instrumentais merecem destaque, e elas dialogam com a estrutura social apontada por Almeida (2018). São elas: (i) liberdades políticas; (ii) facilidades econômicas; (iii) oportunidades sociais; (iv) garantias de transparências; e (v) segurança protetora. Na visão de Sen (2010) a economia tem um papel abrangente e a pobreza não deve ser vista como fruto exclusivo de baixos níveis de renda, mas de deficiências nos padrões de liberdades, sobretudo das instrumentais. Dessa forma, o racismo pode ser considerado um sistema de privação de liberdades e por conseguinte, um agente causador do subdesenvolvimento, uma vez que condiciona grupos étnicos a padrões econômicos inferiores do que teriam em situação de plena liberdade. Os prejuízos do tratamento desigual limitam, ainda que de forma mais danosa os grupos vitimados, todo o potencial da economia em questão ao não utilizar os seus ativos às capacidades máximas. Dos estudos que se adentraram a mensurar a desigualdades dos grupos étnicos no Brasil, o de Hasenbalg (1979) merece destaque. Ele teve grande influência na forma como são calculadas as estatísticas dos negros, pois confirmou a semelhança dos grupos negros (que hoje seriam considerados pretos) e mulatos (hoje considerados pardos) nos indicadores mais comuns e passou a considerar os dados dos grupos agregados. Hasenbalg (1979), também confirmou dilemas internos aos grupos, por exemplo, quando compara índices de concentração educacionais, calculados com base nos censos de 1940 e 1950. Na primeira década citada, os indicadores dos negros apresentam concentração muito maior quando 32 comparado com os dos mulatos, na segunda década, porém, os indicadores dos mulatos sofreram deterioração e se aproximaram dos indicadores dos negros. Para Hasenbalg (1979), os mulatos tinham maior abertura no sistema educacional, o que refletia nos seus indicadores melhores, e os negros tinham como ponto de partida indicadores muito piores, o que explicava em parte a melhora no único indicador que tiveram, o de educação primária. Assim, ainda que próximos, é preciso aceitar que os grupos étnicos terão ao menos alguma divergência interna, o que se exige é que essas diferenças sejam apresentadas, de forma clara, para poderem ser devidamente combatidas. As facetas do racismo são observáveis em vários setores, nos moldes do racismo estrutural, poder-se dizer que são os vários elos do sistema de opressão. Deste modo, ainda que cientistas sociais, antropólogos e filósofos sejam as vozes mais altas no debate contra o racismo, convoca-se para o debate os profissionais de outras áreas, tais como economistas, gestores, profissionais de saúde, do direito, metodólogos e todos os outros. Destaca-se também a necessidade de profissionais negros neste debate, nos moldes do que é defendido em “Lugar de fala” (RIBEIRO, 2017). Ou seja, valorizando o ponto de vista dos negros no debate sobre racismo, pois eles carregam experiências vivenciais em suas conclusões e análises. 3.3 Colorismo “Colorismo” é uma teoria relativamente recente, ao menos com essa nomenclatura. A primeira escritora a utilizar este termo foi a norte-americana Alice Walker no ensaio “Se o presente se parece com o passado, como será que o futuro se parece?” de 1982, publicado em 1983 na coletânea de ensaios “Em busca dos jardins de nossas mães”. Segundo Fontana (2021) a obra só foi traduzida para o português em 2021. Assim, é justo pensar que grande parcela dos que tiveram contato anteriores a 2021 com o colorismo o fizeram por meio de uma triangulação com outros autores, sem contato direto com os escritos de Alice Walker. Como Walker primeiramente definiu, colorismo é “o tratamento preconceituoso ou preferencial dado a pessoas da mesma raça baseado somente na cor da pele” (WALKER, [1983] 2021, s/p). O termo se popularizou e outros autores passaram a utilizá-lo tanto na academia quanto fora dela, agregando em sua definição. Para exemplificar, Alessandra Devulsky (2021) descreve o colorismo como uma ideologia, fundada a partir de uma visão inferiorizada do negro em relação ao branco, que funciona como um desdobramento do racismo. Para Santana (2021), colorismo seria uma face do racismo institucionalizado. Meeta 33 Rani Jha (2016, p. 95), por sua vez, define colorismo como “preconceito ou discriminação contra indivíduos com um tom de pele mais escuro, geralmente entre pessoas de mesma etnia ou grupo racial”4. Na prática, considerando a população negra, o colorismo implica em supostas vantagens paras as pessoas “negras de pele clara” em relação aos “negros de pele escura”. Ou seja, na teoria colorista, aceita-se que os negros claros e escuros compõem em conjunto uma força de oposição ao polo branco (DEVULSKY, 2021), no mesmo momento que os hierarquiza com base em seus traços físicos, em especial o tom de pele. Tratando especificamente do caso brasileiro, para alguns autores, os termos “preto” e “pardo” aparecem como reflexos de uma sociedade racista e devem ser substituídos. Os negros de pele escura e clara seriam, portanto, os pretos e os pardos, respectivamente. Weschenfelder e Mozart (2018), por exemplo, defendem que o termo “pardo” não tem a finalidade de designar raça ou etnia, mas a cor dos indivíduos, o que inferioriza pessoas que seriam negras. “Isso porque o pardo (assim como o moreno e o mulato) não só racializa os sujeitos, mas também os inferioriza, retirando a possibilidade da produção de outras subjetividades negras” (WESCHENFELDER e MOZART, 2018, p. 327). Ainda, a temática do colorismo é constantemente relacionado com a política do embranquecimento e com os debates sobre “o que é ser pardo” e “o que é ser negro”, debates que ganharam notoriedades no período das ações afirmativas e alegações de fraudes em torno dela. Nesse meio caminho, pessoas autodeclaradas negras, por terem pele clara ou mais clara, são excluídas de processos seletivos, por não serem negras aos olhos dos avaliadores. Novamente, as problemáticas em torno das definições das raças aparecem, e neste particular, Santana (2021) resume todo o conflito em desdobramentos do colorismo: A dificuldade de identificar quem é ou não negro, se ramifica em dois aspectos. Primeiro, com relação à autoidentificação, que é aquela feita de forma autônoma, ou seja, parte do olhar do indivíduo sobre si mesmo e como se enxerga. Noutro lado, existe a heteroidentificação, feita por terceiros que, através de critérios fenotípicos, identificam um sujeito como negro ou não. Tanto num, quanto noutro cenário, o colorismo desperta a possibilidade de o poder branco se rearticular conforme lhe for conveniente, ou melhor, afroconveniente (SANTANA, 2021, p.14-15). 4 Tradução livre de “prejudice or discrimination against individuals with a dark skin tone, typically among people of the same ethnic or racial group.” (Meeta Rani Jha, 2016, p. 95) 34 Santana (2021), também afirma haver vantagens em se ter a pele e traços físicos mais próximos aos do estereótipo branco, porém, também não cita como esse “privilégio” se converte em desigualdades dentro do seio da população negra. Também, sobre os desdobramentos “estruturais” – este termo é usado para dialogar com a teoria do racismo estrutural – do colorismo, Devulsky (2021) em sua obra “Colorismo” apesar de dedicar um capítulo inteiro a essa temática, falha quando tenta descrever a maneira como a estrutura econômica se expressa. Ao tratar da desigualdade, a pesquisadora apresenta dados de renda e do mercado de trabalho considerando a população negra de forma agregada, sem diferenciar pardos e pretos, talvez por ter a consciência de que o perfil socioeconômico dos dois grupos é semelhante. Seguindo, em mesma obra, a autora apresenta e corrobora uma preocupação de outra autora, Carla Akotirene, em relação às autodeclarações que não são confirmadas no âmbito das heteroidentificações. Para elas, Akotirene e Devulsky, é problemático que negros claros se autodeclarem pretos em pesquisas, pois isso incorre em distorções estatísticas. Essa população parda tem mais chance, vamos dizer assim, de dar continuidade à precariedade de raça, mas mantendo as condições que permanecem a vida. Isso é diferente da população preta. Então, primeiro, é importante que a gente colete o quesito raça-cor, e é importante que a gente tenha discernimento na hora de percebermos as diferenciações a partir do tom da pele, porque se eu, que sou uma mulher retinta e ganho 4 mil reais, me declaro preta, estou fazendo o Estado brasileiro entender que a igualdade racial tende a criar dificuldade para as pessoas pretas se emanciparem para cargos de chefia. Mas se a minha colega de trabalho, que é uma pessoa parda, ganha 12 mil reais por ser coordenadora, mas tem dificuldade com a categoria pardo e quando o recenseador pergunta qual é a cor dela, ela se declara preta, ela está fazendo o Estado acreditar que desde 2017, quando passou a obrigatoriedade da coleta do quesito raça-cor em todos os formulários públicos, da saúde, sobretudo, é que a população preta tem crescido em termos de oportunidade. E isso não é verdade. Então, para mim, a grande contribuição do debate colorista é a gente perceber a cor como uma marcação de diferenciação, uma posicionalidade que cria lugares distintos para as pessoas pretas e para as pessoas não pretas. Mas insisto que aqui no Brasil a gente tem se filiado à forma estadunidense de enxergar, como vai dizer Oracy Nogueira: negros e não negros. (AKOTIRENE, 2020 apud DEVULSKY, 2021, s/p) Segundo as autoras, há pardos induzindo o Estado ao erro, sugerindo uma falsa igualdade. Sobre este particular, Telles e Lim (1998) afirmam que as autodeclarações, em 35 comparação com a heteroidentificação, “superestimam” a renda dos não brancos e “subestimam” a renda dos brancos. Isso pois as heteroidentificações tendem a relacionar negros à baixa renda e brancos com alta renda. O que fica é o questionamento quanto a solidez do julgamento feito por Akotirene e se ele teria sido feito em caso de não houver distanciamento entre a renda dela e de sua colega de trabalho. Ainda, Devulsky (2021) reconhece que a diversidade negra não decorre unicamente de traços físicos, mas das vivências de cada um. Porém, de forma contraditória, ela própria vincula essas vivências, em maioria, às características físicas dos indivíduos, e afirma que é preciso evitar questionar a negritude das pessoas. Ou seja, ela entende que diversidade existe, mas submetida a fenótipos, e que a negritude de cada indivíduo deve ser respeitada, mas em um espectro de cor. Em estudo sobre pardos, Silva e Leão (2012) corroborados por Daflon (2014), afirmam que os perfis socioeconômicos dos pardos e pretos são semelhantes. Quanto a discriminação, Silva e Leão (2012) com base em surveys e pesquisa qualitativa concluíram que embora próximos os perfis, a percepção dos pardos e pretos em relação ao racismo é outra. Daflon (2014) também tem uma conclusão neste sentido, e afirma que os pretos relatam mais experiências de discriminação conforme ascendem socialmente, o que praticamente não acontece com os pardos. Ainda, Daflon (2014) exibe nos resultados, números a respeito da percepção destas experiências de discriminação. O comportamento dos pardos é mais próximo dos brancos que dos negros nestes relatos (DAFLON, 2014; DAFLON, CARVALHAES e FERES, 2017). Partindo das semelhanças estatísticas entre pretos e pardos, Rodrigues (2021) coloca em pauta a questão do que seria o “privilégio” de ser pardo, ou de ter a pele mais clara. Isso porque, mesmo com características socioeconômicas próximas, nos índices de vitimização em homicídios de 2007 a 2017, por exemplo, a população com maior super-representação é a população parda masculina (64,4% do total dos homicídios masculinos). Ainda, no mesmo trabalho, a autora aborda a problemática em torno da hipersexualização do corpo da mulher negra, mas de novo, a figura associada ao imaginário sexual é o da mulher mestiça, a mulata, hoje considerada parda, ou negra de pele clara. O trabalho realizado por Rodrigues (2021) é importante, pois demonstra que ainda que a imagem de uma pessoa de pele clara, ou mais clara, não seja a comumente associada com a figura do homem ou da mulher negra, essas pessoas são vítimas de racismo, tanto quanto pessoas de pele escura. Para ela, a realidade dos “negros-pardos não é a de pertencer a um grupo e outro, é de não ser acolhido entre brancos e, por vezes, também entre negros” (RODRIGUES, 2021, p. 115). 36 Akotirene sobre a violência sofrida por petos e pardos afirma: Então, eu percebo que, quando atendo usuários que foram vítimas de PAF, ou seja, arma de fogo, eu percebo que em sua maioria são jovens pretos. Por outro lado, quando atendo mulheres vítimas de violência doméstica, percebo que a maioria é parda. Qual a importância disso? Se eu não criar essa identificação, eu acabo tendo a sensação de que na população negra as dificuldades de ter acesso a bens e serviços, o tratamento que é dado institucionalmente, têm uma cobertura homogênea, independentemente da cor, e isso não é verdade. No entanto, sem a categoria pardo dificilmente a gente consegue perceber que a população preta está mais vulnerável à evasão escolar e, portanto, a uma condição de subalternidade que empurra para o tráfico de drogas, que empurra para a violência letal, muito mais que a população parda, por exemplo. (AKOTIRENE, 2020 apud DEVULSKY, 2021, s/p, grifo adicionado) Note que os dados fornecidos por Akotirene pertencem à esfera de percepção individual, quando ela diz que os pretos são os mais afetados pela violência letal ela está ignorando o índice de homicídios, por exemplo. Ela ainda condiciona o maior número de mulheres pardas que ela atende vítimas de violência unicamente à facilidade que elas têm ao acesso de serviços, o que pode ser verdade, mas também pode ser verdade que as mulheres pardas naquele espaço particular estão sendo mais vitimadas. De resto, ela defende o uso da categoria “pardo” apenas para mostrar o quão vulnerável são os “pretos” e resume as diferenças entre os dois grupos em diferenças tonais de cor, o que é precipitado e retorna a discussão de parágrafos acima dos estudos de Telles e Lim (1998), as percepções sobre a cor da pele são influenciadas pelo contexto. Outro ponto a ser questionado em relação ao colorismo é o fato de o termo não apresentar novidades quando da aproximação dos grupos pretos e pardos, nem quanto das discussões sobre as possibilidades de pessoas de pele mais clara serem aceitas como brancas em determinadas situações, pois estas são anteriores à década de 80. Decerto, se colorismo não é a tentativa de reinvenção da roda, é um emaranhado de teorias já existentes. Exemplificando, Telles e Lim (1998), Silva e Leão (2012) e Daflon (2014), já referidos neste trabalho, não citam o termo colorismo, mesmo tratando de discriminação dos pretos e pardos. De mesma forma, Pacheco (2008) em sua tese intitulada “Branca para casar, mulata para f..., negra para trabalhar escolhas afetivas e significados de solidão entre mulheres negras em Salvador, Bahia” discorre sobre a solidão da mulher negra e como as mulheres de pele mais clara têm mais facilidades de encontrar um parceiro fixo para a vida, durante todo o texto a 37 palavra colorismo não foi citada. Ou seja, apesar de tratar de discriminações internas da população negra e de assuntos relacionados a tonalidades e fenótipos, o termo colorismo simplesmente não foi considerado, talvez por se tratar apenas de mais uma nomenclatura. Neste sentido, é preciso frisar que a expressão preconceito de marca, que se refere a tratamentos discriminatórios às pessoas de pele escura, já está presente no debate racial brasileiro desde a década de 1950, nos relatórios da UNESCO, nos trabalhos de Oracy Nogueira (BEIGUELMAN, 1953; MUNANGA, 1978; NOGUEIRA, 1998; CAVALCANTI, 1999; GUIMARAES, 2004). Sobre a problemática em torno do “ser negro” e “tornar-se negro” que os pardos enfrentam por terem pele em tons intermediários, Neuza Souza já escrevia em 1983 (SOUZA, 1990). Para resumir, na voz de Oracy: “o preconceito de raça se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque, diz-se que é de marca” (NOGUEIRA, 1985, p. 78-79 apud. GUIMARÃES, 2004, p. 23). Monteiro-Ferreira (2015) reserva ao colorismo a condição de falácia, pois seria apenas um eufemismo para racismo, que para ela é uma forma de controle dos estigmatizados desenhada para dividir e punir grupos raciais. Essa autora define o colorismo como a internalização das ferramentas de dominação com as quais pessoas oprimidas foram subjugadas. Considerando como os pensadores brasileiros encaram o tema, a definição parece acertada. Corriqueiramente é afirmado que não é certo culpar os negros pelo racismo e nem dizer que o poder migre dos brancos para os negros, mas em resumo o colorismo encorpa esse pensamento. É preciso ter cautela ao afirmar que os negros são, ainda que capazes de trabalhar sua imagem, afroconvenientes sob o risco de estar desconsiderando vivências e incorrendo no racismo que diz estar combatendo. Do ponto de vista econômico, os indivíduos tendem a fazer escolhas para conseguir vantagens. Cada vez mais, porém, estudos afirmam que valores pessoais, culturais, questões psicológicas e biológicas exercem forças sobre as escolhas individuais (BADDELEY, 2010; NTIBAGIRIRWA, 2009). Caberia um estudo inteiro focado em teoria econômica para abordar o quão racional é a autodeclaração de raça e em quais circunstâncias a racionalidade é deixada de lado. De saída, mesmo que a cor de pele possa permitir manipulações em troca de vantagens, a partir do momento em que a autodeclaração pode ser posta em xeque por terceiros, com base em critérios particulares, alguma “competência” se faz necessária para ter êxito. Caberia também apontar quais as técnicas utilizadas. 38 3.4 Raça na formação econômica do Brasil Mesmo que o debate racial tenha chegado com atraso no Brasil, é preciso dizer que isso não ocorreu por falta de conflitos raciais internos. Na verdade, pode se dizer que foi justamente por conta deles que o debate tardou dessa maneira, dado que a escravidão e a desumanização de índios e africanos estiveram presentes desde o início da exploração do Brasil e perdurou por praticamente quatro séculos (PRADO JR, 1994). No primeiro estágio da ocupação, os portugueses que aqui chegaram utilizaram da mão-de-obra escrava de origem indígena e logo em seguida também a de origem africana (PRADO JR, 1994). Celso Furtado (2000) faz uma analogia entre o escravo e a instalação de uma máquina. Segundo ele, a compra e a manutenção de um escravo consistiam em custos fixos e cada hora não trabalhada de um trabalho incorria em perda permanentes. Baseada nesta explicação, não difícil entender o porquê de os senhores de escravos terem optado por utilizar os escravos para além de suas potencialidades máximas nas atividades produtivas e em atividades paralelas quando possível. O modo como a escravidão afetou os povos nativos da América e os povos trazidos da África não foi a mesma, ainda que o uso da força tenha sido empregado em ambos os casos (PRADO JR, 1994). Os nativos conheciam a geografia das florestas e sabiam distinguir os frutos próprios para consumo dos impróprios (FURTADO, 2000). Isso lhes deu uma posição diferenciada, pois além de serem úteis para identificar para os colonizadores artigos florestais para exportação, aumentava as chances de serem bem-sucedidos nas fugas e, por isso, a partir de certo momento o uso da violência para com os índios foi mitigado (FURTADO, 2000). A situação exigiu dos colonizadores estratégia diferenciada a ser usada com os índios, uma que renunciasse à violência, e essa ficou a par dos jesuítas e do uso da religião como arma para cativá-los (FURTADO, 2000). O esforço abolicionista brasileiro foi um movimento mais político do que econômico (FURTADO, 2000). Quando a abolição da escravidão se deu, os negros outrora escravos foram absorvidos pelas próprias atividades econômicas que costumavam desenvolver, em alguns casos com salários relativamente altos (FURTADO, 2000). Por óbvio, tal medida não contou com a aprovação dos grandes latifundiários que faziam uso intensivo de escravos nas lavouras. E, ainda que tenha ocorrido uma redistribuição de renda em favor dos agora assalariados, não houve alteração significativa na estrutura produtiva, o Brasil seguia agrícola como foi desde o início da colonização (FURTADO, 2000). 39 Isso, em muito, se deu por conta dos problemas da metrópole. Em resumo: Portugal descobriu o Brasil em 1500; iniciou a sua colonização às pressas sob risco de perder o território para invasores caso não o fizesse; foi invadida em 1580 pela Espanha; e perdeu a sua autonomia que só foi recuperada em 1640 (PRADO JR, 1994). Nesse meio tempo o Brasil enfrentou concorrência na produção agrícola com outras colônias, em especial as colônias inglesas, e teve o Nordeste invadido em 1630 pela Holanda, que só foi expulsa pelos brasileiros quando a metrópole voltou a ser independente (PRADO JR, 1994). Após recuperada a sua independência, Portugal teve de zelar por ela, e para tanto foram necessários acordos que impactaram também as suas colônias (FURTADO, 2000). Em resumo, o Brasil se tornou um consumidor de produtos ingleses e intensificou, ao mesmo tempo, sua produção em artigos agrícolas e de extração mineral quando oportuno. Essa dinâmica não se alterou mesmo com a vinda da coroa para o Brasil em 1808, todas essas atividades foram tocadas com uso de mão de obra escrava, da qual Portugal já fazia uso intensivo desde antes da ocupação do Brasil, mesmo em sua capital, e não foi favorecido o desenvolvimento tecnológico (FURTADO, 2000; PRADO JR, 1994). Por óbvio, o uso intensivo de escravos impactou negativamente como os não brancos descendentes de ex-escravos eram vistos na sociedade e favoreceram políticas como a do branqueamento já citada nessa dissertação. Porém, é preciso deixar claro que mesmo o sistema escravagista sendo universalmente desumano, ele teve consequências particulares na formação econômica e social de cada região. Ora, se a concepção de raça é moldada em contextos, é de se esperar que essas particularidades sejam consideradas quando analisado a construção das identidades nas diferentes partes do Brasil. Quando o colorismo resume os conflitos raciais em tonalidades de pele, ele ignora todo esse contexto. 40 4 RESULTADOS APLICADOS 4.1 Resultados para os dados da PNADC As regiões Norte e Nordeste são as regiões brasileiras de maior concentração negra, e os estados do Sul mais São Paulo são os únicos com maioria de brancos (ver Figura 3). A segregação dos dados entre pretos e pardos apontou para uma não homogeneização da forma como a concentração dos negros ocorre. Por exemplo, a Bahia é o único estado brasileiro com concentração de pretos acima dos vinte por cento, e o Amazonas possui uma concentração de pretos inferior a cinco por cento, em contraste com estados vizinhos. Ambos estados são considerados de maioria negra. Figura 3 – Proporção de raças por UF no Brasil Fonte: Fonte: Elaboração própria, dados da PNADC, 2019 * População negra é a soma das populações pretas e pardas 41 O caso amazonense merece destaque, pois neste estado há maior resistência, se comparado com outras regiões, ao uso do termo negro para designar os autodeclarados pardos. O estado é sede do movimento Nação Mestiça, defensor da ideia de que devido à mestiçagem indígena é errado esperar dos pardos traços físicos que os aproximem dos pretos. Decerto isso exemplifica como o modo como os negros são considerados em estatísticas é complexo, e a existência de conflitos internos da população classificada como negra. De toda forma, considerando as diferenças regionais nas distribuições de raças, não é difícil aceitar que as dificuldades encontradas por negros no Sul, de maioria branca, são diferentes das dificuldades encontradas no Nordeste, de maioria negra. Dos indicadores de desigualdade, o índice de Gini apontou alta concentração de rendimentos no Brasil (ver Gráfico 1). De 2012 a 2019, segundo o índice não houve grandes alterações, em 2015 foi quando o índice apresentou o menor valor, seguindo uma tendência de queda, que se inverteu no ano seguinte. Gráfico 1 – Gini no Brasil de 2012 a 2019 Fonte: Elaboração própria, dados da PNADC O T-Theil seguiu rota semelhante, exceto que o menor valor da série é referente a 2016, mas há um ponto de inflexão que reverteu uma tendência de queda neste ano. Quando decomposto o Theil, considerando as cinco categorias raciais, a desigualdade intragrupos respondeu pela maior parte (cerca de 93% durante todo o período analisado), do valor do índice (ver Gráfico 2). Quando feito o recorte da população negra, considerando os pretos e 0,5079 0,5023 0,5014 0,4935 0,5008 0,5008 0,5095 0,5090 0,485 0,490 0,495 0,500 0,505 0,510 0,515 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Gini 42 pardos, o T-Theil foi explicado quase que totalmente (99,99% em todo período) por diferenças internas de cada grupo (ver Gráfico 3). Gráfico 2 – T-Theil, Rendimento mensal habitual no Brasil de 2012 a 2019 Fonte: Elaboração própria, dados da PNADC Gráfico 3 – T-Theil, Rendimento mensal habitual no Brasil de 2012 a 2019, para pretos e pardos Fonte: Elaboração própria, dados da PNADC De fato, quando plotados os dados de rendimentos habituais, desagregados por raça e por gênero, é perceptível que os rendimentos dos pretos e pardos são semelhantes (ver Gráfico 4). Essa semelhança pode ser observada em todos os níveis de educação disponíveis na 0,502 0,489 0,475 0,465 0,462 0,470 0,496 0,499 0,536 0,522 0,508 0,498 0,496 0,504 0,530 0,534 0,420 0,440 0,460 0,480 0,500 0,520 0,540 0,560 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Theil intragrupos T-Theil 0,433 0,439 0,433 0,425 0,405 0,419 0,442 0,433 0,433 0,439 0,433 0,425 0,405 0,419 0,442 0,433 0,380 0,390 0,400 0,410 0,420 0,430 0,440 0,450 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Theil intragrupos T-Theil 43 PNADC (ver Gráficos 5 a 12). Decerto que se há alguma vantagem em ser pardo, como afirma os autores do colorismo, ela não se traduz em indicadores de rendimentos. Gráfico 4 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil Fonte: Elaboração própria, dados da PNADC Gráfico 5 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para homens sem grau de instrução Fonte: Elaboração própria, dados da PNADC 500 750 1000 1250 1500 2 0 1 2 - T 1 2 0 1 2 - T 2 2 0 1 2 - T 3 2 0 1 2 - T 4 2 0 1 3 - T 1 2 0 1 3 - T 2 2 0 1 3 - T 3 2 0 1 3 - T 4 2 0 1 4 - T 1 2 0 1 4 - T 2 2 0 1 4 - T 3 2 0 1 4 - T 4 2 0 1 5 - T 1 2 0 1 5 - T 2 2 0 1 5 - T 3 2 0 1 5 - T 4 2 0 1 6 - T 1 2 0 1 6 - T 2 2 0 1 6 - T 3 2 0 1 6 - T 4 2 0 1 7 - T 1 2 0 1 7 - T 2 2 0 1 7 - T 3 2 0 1 7 - T 4 2 0 1 8 - T 1 2 0 1 8 - T 2 2 0 1 8 - T 3 2 0 1 8 - T 4 2 0 1 9 - T 1 2 0 1 9 - T 2 2 0 1 9 - T 3 2 0 1 9 - T 4 Branca Parda Preta 44 Gráfico 6 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para mulheres sem grau de instrução Fonte: Elaboração própria, dados da PNADC Gráfico 7 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para homens com ensino fundamental Fonte: Elaboração própria, dados da PNADC 500 600 700 800 900 1000 1100 1200 1300 1400 2 0 1 2 - T 1 2 0 1 2 - T 2 2 0 1 2 - T 3 2 0 1 2 - T 4 2 0 1 3 - T 1 2 0 1 3 - T 2 2 0 1 3 - T 3 2 0 1 3 - T 4 2 0 1 4 - T 1 2 0 1 4 - T 2 2 0 1 4 - T 3 2 0 1 4 - T 4 2 0 1 5 - T 1 2 0 1 5 - T 2 2 0 1 5 - T 3 2 0 1 5 - T 4 2 0 1 6 - T 1 2 0 1 6 - T 2 2 0 1 6 - T 3 2 0 1 6 - T 4 2 0 1 7 - T 1 2 0 1 7 - T 2 2 0 1 7 - T 3 2 0 1 7 - T 4 2 0 1 8 - T 1 2 0 1 8 - T 2 2 0 1 8 - T 3 2 0 1 8 - T 4 2 0 1 9 - T 1 2 0 1 9 - T 2 2 0 1 9 - T 3 2 0 1 9 - T 4 Branca Parda Preta 1000 1250 1500 1750 2000 2250 2 0 1 2 - T 1 2 0 1 2 - T 2 2 0 1 2 - T 3 2 0 1 2 - T 4 2 0 1 3 - T 1 2 0 1 3 - T 2 2 0 1 3 - T 3 2 0 1 3 - T 4 2 0 1 4 - T 1 2 0 1 4 - T 2 2 0 1 4 - T 3 2 0 1 4 - T 4 2 0 1 5 - T 1 2 0 1 5 - T 2 2 0 1 5 - T 3 2 0 1 5 - T 4 2 0 1 6 - T 1 2 0 1 6 - T 2 2 0 1 6 - T 3 2 0 1 6 - T 4 2 0 1 7 - T 1 2 0 1 7 - T 2 2 0 1 7 - T 3 2 0 1 7 - T 4 2 0 1 8 - T 1 2 0 1 8 - T 2 2 0 1 8 - T 3 2 0 1 8 - T 4 2 0 1 9 - T 1 2 0 1 9 - T 2 2 0 1 9 - T 3 2 0 1 9 - T 4 Branca (completo) Parda (completo) Preta (completo) Branca (incompleto) Parda (incompleto) Preta (incompleto) 45 Gráfico 8 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para mulheres com ensino fundamental Fonte: Elaboração própria, dados da PNADC Gráfico 9 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para homens com ensino médio Fonte: Elaboração própria, dados da PNADC 700 800 900 1000 1100 1200 1300 1400 2 0 1 2 - T 1 2 0 1 2 - T 2 2 0 1 2 - T 3 2 0 1 2 - T 4 2 0 1 3 - T 1 2 0 1 3 - T 2 2 0 1 3 - T 3 2 0 1 3 - T 4 2 0 1 4 - T 1 2 0 1 4 - T 2 2 0 1 4 - T 3 2 0 1 4 - T 4 2 0 1 5 - T 1 2 0 1 5 - T 2 2 0 1 5 - T 3 2 0 1 5 - T 4 2 0 1 6 - T 1 2 0 1 6 - T 2 2 0 1 6 - T 3 2 0 1 6 - T 4 2 0 1 7 - T 1 2 0 1 7 - T 2 2 0 1 7 - T 3 2 0 1 7 - T 4 2 0 1 8 - T 1 2 0 1 8 - T 2 2 0 1 8 - T 3 2 0 1 8 - T 4 2 0 1 9 - T 1 2 0 1 9 - T 2 2 0 1 9 - T 3 2 0 1 9 - T 4 Branca (completo) Parda (completo) Preta (completo) Branca (incompleto) Parda (incompleto) Preta (incompleto) 1000 1250 1500 1750 2000 2250 2500 2750 3000 2 0 1 2 - T 1 2 0 1 2 - T 2 2 0 1 2 - T 3 2 0 1 2 - T 4 2 0 1 3 - T 1 2 0 1 3 - T 2 2 0 1 3 - T 3 2 0 1 3 - T 4 2 0 1 4 - T 1 2 0 1 4 - T 2 2 0 1 4 - T 3 2 0 1 4 - T 4 2 0 1 5 - T 1 2 0 1 5 - T 2 2 0 1 5 - T 3 2 0 1 5 - T 4 2 0 1 6 - T 1 2 0 1 6 - T 2 2 0 1 6 - T 3 2 0 1 6 - T 4 2 0 1 7 - T 1 2 0 1 7 - T 2 2 0 1 7 - T 3 2 0 1 7 - T 4 2 0 1 8 - T 1 2 0 1 8 - T 2 2 0 1 8 - T 3 2 0 1 8 - T 4 2 0 1 9 - T 1 2 0 1 9 - T 2 2 0 1 9 - T 3 2 0 1 9 - T 4 Branca (completo) Parda (completo) Preta (completo) Branca (incompleto) Parda (incompleto) Preta (incompleto) 46 Gráfico 10 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para mulheres com ensino médio Fonte: Elaboração própria, dados da PNADC Gráfico 11 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para homens com ensino superior Fonte: Elaboração própria, dados da PNADC 800 1000 1200 1400 1600 1800 2 0 1 2 - T 1 2 0 1 2 - T 2 2 0 1 2 - T 3 2 0 1 2 - T 4 2 0 1 3 - T 1 2 0 1 3 - T 2 2 0 1 3 - T 3 2 0 1 3 - T 4 2 0 1 4 - T 1 2 0 1 4 - T 2 2 0 1 4 - T 3 2 0 1 4 - T 4 2 0 1 5 - T 1 2 0 1 5 - T 2 2 0 1 5 - T 3 2 0 1 5 - T 4 2 0 1 6 - T 1 2 0 1 6 - T 2 2 0 1 6 - T 3 2 0 1 6 - T 4 2 0 1 7 - T 1 2 0 1 7 - T 2 2 0 1 7 - T 3 2 0 1 7 - T 4 2 0 1 8 - T 1 2 0 1 8 - T 2 2 0 1 8 - T 3 2 0 1 8 - T 4 2 0 1 9 - T 1 2 0 1 9 - T 2 2 0 1 9 - T 3 2 0 1 9 - T 4 Branca (completo) Parda (completo) Preta (completo) Branca (incompleto) Parda (incompleto) Preta (incompleto) 1500 2500 3500 4500 5500 6500 7500 8500 2 0 1 2 - T 1 2 0 1 2 - T 2 2 0 1 2 - T 3 2 0 1 2 - T 4 2 0 1 3 - T 1 2 0 1 3 - T 2 2 0 1 3 - T 3 2 0 1 3 - T 4 2 0 1 4 - T 1 2 0 1 4 - T 2 2 0 1 4 - T 3 2 0 1 4 - T 4 2 0 1 5 - T 1 2 0 1 5 - T 2 2 0 1 5 - T 3 2 0 1 5 - T 4 2 0 1 6 - T 1 2 0 1 6 - T 2 2 0 1 6 - T 3 2 0 1 6 - T 4 2 0 1 7 - T 1 2 0 1 7 - T 2 2 0 1 7 - T 3 2 0 1 7 - T 4 2 0 1 8 - T 1 2 0 1 8 - T 2 2 0 1 8 - T 3 2 0 1 8 - T 4 2 0 1 9 - T 1 2 0 1 9 - T 2 2 0 1 9 - T 3 2 0 1 9 - T 4 Branca (completo) Parda (completo) Preta (completo) Branca (incompleto) Parda (incompleto) Preta (incompleto) 47 Gráfico 12 – Média dos rendimentos habituais por sexo e raça de 2012 a 2019 no Brasil, para mulheres com ensino superior Fonte: Elaboração própria, dados da PNADC 4.2 Resultados para os dados do SIM Sobre os dados de homicídios disponibilizados pelo SIM, a população parda apresentou participação proporcional crescente no número de mortes, enquanto a participação dos brancos decresceu e a dos pretos seguiu pouco alterada (ver Gráfico 13). Em 2014 houve queda incomum na proporção dos pardos nos homicídios e esse foi o único ano no qual houve números para a categoria “ignorado”. Ou seja, categoria “outros” em 2014 foi inflada porque não foi possível identificar, por qualquer motivo, a raça de 5,76% das vítimas de homicídios. Curiosamente, este valor se acrescido aos pardos os colocaria em consonância com a linha de tendência do período. Ainda, nos homicídios por 100 mil habitantes, a população parda foi reafirmada como a mais vitimada (ver Gráfico 14). No período selecionado, o indicador apresentou queda para os três grupos raciais considerados, porém não de forma homogênea. Em pontos percentuais, o grupo racial que apresentou maior queda no número de homicídios por 100 mil habitantes foi o da população preta (-43,8%), seguido do da população branca (-29,5%) e por fim pelo da população parda que apresentou a menor queda (-19,4%). Em valores absolutos, a população preta também apresentou maior queda nos números de homicídios (-12,7) seguida da população parda (-7) e por fim pela população branca com a menor queda (-4,4). 1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500 5000 2 0 1 2 - T 1 2 0 1 2 - T 2 2 0 1 2 - T 3 2 0 1 2 - T 4 2 0 1 3 - T 1 2 0 1 3 - T 2 2 0 1 3 - T 3 2 0 1 3 - T 4 2 0 1 4 - T 1 2 0 1 4 - T 2 2 0 1 4 - T 3 2 0 1 4 - T 4 2 0 1 5 - T 1 2 0 1 5 - T 2 2 0 1 5 - T 3 2 0 1 5 - T 4 2 0 1 6 - T 1 2 0 1 6 - T 2 2 0 1 6 - T 3 2 0 1 6 - T 4 2 0 1 7 - T 1 2 0 1 7 - T 2 2 0 1 7 - T 3 2 0 1 7 - T 4 2 0 1 8 - T 1 2 0 1 8 - T 2 2 0 1 8 - T 3 2 0 1 8 - T 4 2 0 1 9 - T 1 2 0 1 9 - T 2 2 0 1 9 - T 3 2 0 1 9 - T 4 Branca (completo) Parda (completo) Preta (completo) Branca (incompleto) Parda (incompleto) Preta (incompleto) 48 Gráfico 13 – Homicídios no Brasil, proporcional por raça Fonte: Elaboração própria, dados do SIM * Em 2014, a categoria cresce por um aumento incomum na categoria “ignorados” Gráfico 14 – Homicídios por 100 mil habitantes no Brasil para pretos, pardos e brancos Fonte: Elaboração própria, calculados com base nos dados do SIM para homicídios e PNADC para população Outro ponto que merece destaque é o de que a diferença entre os números de homicídios por 100 mil habitantes dos pretos e pardos aumentaram. Se no começo do período a diferença entre as duas populações era de sete homicídios, ao final ela era de quase treze. 2 8 ,2 9 % 2 7 ,8 9 % 2 6 ,9 4 % 2 6 ,2 6 % 2 4 ,2 4 % 2 5 ,0 5 % 2 4 ,0 7 % 2 2 ,2 4 % 2 1 ,8 2 % 2 2 ,2 3 % 6 3 ,0 5 % 6 3 ,2 2 % 6 4 ,2 3 % 6 4 ,9 2 % 6 1 ,2 3 % 6 6 ,1 8 % 6 6 ,9 9 % 6 9 ,4 7 % 6 9 ,5 6 % 6 9 ,3 6 % 8 ,3 3 % 8 ,4 8 % 8 ,3 6 % 8 ,3 7 % 8 ,3 8 % 8 ,3 3 % 8 ,4 5 % 7 ,8 1 % 8 ,0 5 % 7 ,8 5 % 0 ,3 3 % 0 ,4 1 % 0 ,4 8 % 0 ,4 5 % 6 ,1 5 % 0 ,4 4 % 0 ,4 9 % 0 ,4 8 % 0 ,5 7 % 0 ,5 6 % 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 2010 2011 2012 2013 2014* 2015 2016 2017 2018 2019 Branca Parda Preta Outros Linear (Parda) 36,0 36,0 37,8 37,2 39,1 42,8 37,5 29,029,0 28,9 32,8 28,2 28,3 26,3 21,9 16,3 14,9 14,6 15,1 14,5 15,0 14,9 12,9 10,4 5 10 15 20 25 30 35 40 45 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 Parda Preta Branca 49 Em 2019, o número de homicídios por 100 mil habitantes dos pardos era praticamente o dobro dos pretos e o triplo dos brancos, respectivamente. Os dados de suicídio e de acidentes, assim como os de homicídios, não apresentaram super-representação da população preta. Em comparativo com o total da população, os brancos foram os super-representados em acidentes e suicídios; ao passo que os pardos foram super-representados nos homicídios; e os pretos foram super-representados em homicídios até 2016 e sub-representados em todas as categorias a partir de então (ver Tabela 3). Tabela 3 – Diferença em pontos percentuais entre a proporção das raças no total da população e nos óbitos externos Ano Raça População (%) Óbitos externos (%) Dif. em pontos percentuais* Homicídios Acidente Suicídio Homicídios Acidente Suicídios 2012 Branca 46.3% 26.9% 52.1% 52.6% 19.4% -5.8% -6.3% Parda 45.6% 64.2% 41.2% 40.4% -18.6% 4.4% 5.2% Preta 7.4% 8.4% 6.2% 5.6% -1.0% 1.2% 1.8% 2013 Branca 45.9% 26.3% 50.9% 52.4% 19.7% -4.9% -6.4% Parda 46.0% 64.2% 42.4% 41.0% -18.2% 3.6% 5.0% Preta 7.4% 8.4% 6.2% 5.2% -1.0% 1.2% 2.2% 2014 Branca 45.8% 24.2% 48.7% 50.7% 21.6% -2.9% -4.9% Parda 46.2% 61.2% 43.0% 39.3% -15.1% 3.2% 6.9% Preta 7.3% 8.4% 5.8% 5.2% -1.1% 1.5% 2.1% 2015 Branca 45.2% 25.1% 49.6% 52.0% 20.2% -4.4% -6.8% Parda 46.4% 66.2% 44.1% 41.2% -19.8% 2.3% 5.2% Preta 7.7% 8.3% 6.0% 5.1% -0.6% 1.8% 2.6% 2016 Branca 43.9% 24.1% 53.3% 51.7% 19.9% -9.4% -7.8% Parda 47.0% 67.0% 40.6% 41.5% -20.0% 6.4% 5.5% Preta 8.2% 8.5% 5.8% 5.3% -0.3% 2.4% 2.9% 2017 Branca 43