UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE UILLIANS EDUARDO SANTOS POLÍTICA DE AVALIAÇÃO EXTERNA E EM LARGA ESCALA: O OLHAR DO SUJEITO PROFESSOR DA REDE MUNICIPAL DE PRESIDENTE PRUDENTE Presidente Prudente 2017 UILLIANS EDUARDO SANTOS POLÍTICA DE AVALIAÇÃO EXTERNA E EM LARGA ESCALA: O OLHAR DO SUJEITO PROFESSOR DA REDE MUNICIPAL DE PRESIDENTE PRUDENTE Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP/Campus de Presidente Prudente, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Área de Concentração: Educação Linha de Pesquisa: Formação dos Profissionais da Educação, Políticas Educativas e Escola Pública. Orientador: Prof. Dr. Cristiano Amaral Garboggini Di Giorgi Presidente Prudente/SP 2017 FICHA CATALOGRÁFICA Santos, Uillians Eduardo. S---- Título Política de avaliação externa e em larga escala: o olhar do sujeito professor da rede municipal de Presidente Prudente. - Presidente Prudente : [s.n], 2017 140 f. Orientador: Cristiano Amaral Garboggini Di Giorgi Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Inclui bibliografia 1. Docentes. 2. Rede Municipal de Presidente Prudente. 3. Política de avaliação em larga escala. I. Santos, Uillians Eduardo. II. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Tecnologia. III. Título. BANCA EXAMINADORA DEDICATÓRIA Aos meus alunos do 3º ano B da escola EMEIF Aparecida Marques Vaccaro, do ano de 2016 e as turmas dos 5º anos A e B, que tenho ministrado aulas de matemática e ciências da escola EMEIF Governador Mário Covas, do ano de 2017, ambas as escolas do município de Álvares Machado. Com eles vivenciei, tenho vivenciado e sentido como se tem dado as avaliações externas e em larga escala na sala de aula. O trabalho com eles é o reflexo da teoria por mim estudado nos bancos da universidade. AGRADECIMENTOS Neste percurso da minha formação acadêmica, várias pessoas e instituições foram fundamentais para que eu pudesse chegar até aqui. Pessoas que eu não conheço e que contribuíram de forma direta e indiretamente. A elas meu muito obrigado. Dedico também agradecimentos especiais: Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FCT/UNESP), em nome do coordenador do curso no período de realização dessa pesquisa: Prof. Dr. Irineu Aliprando Tuim Viotto Filho. Ao Prof. Dr. Cristiano Amaral Garboggini Di Giorgi expresso minha gratidão pelas orientações ao longo do mestrado, pelas contribuições dadas a pesquisa e direcionamento até aqui. Agradeço imensamente por ter me deixado voar com minhas próprias asas e entender a condição de estudante-trabalhador, algo raro no meio acadêmico. Obrigado pelo tratamento humano nesses dois anos e meio. À Banca de Qualificação, nas pessoas das professoras Drª Vanda Lima e Drª Andreia Nunes Militão agradeço a leitura, análise e sugestões, que certamente contribuíram para que o trabalho fosse concluído. A primeira agradeço também , por ter aceitado o convite de participar da minha defesa, e por ter realizado uma leitura cuidadosa e crítica do meu trabalho. Ao Prof. Dr. Alberto Albuquerque Gomes, pelas contribuições e orientações na arguição de meu projeto no Seminário de Pesquisa, momento no qual surgiram novos horizontes e que enriqueceram muito meu trabalho. A professora e doutora Graziela Zambão Abdian por ter aceitado o convite de participar da minha banca de defesa dessa pesquisa, e dispor de seu tempo para a leitura e análise desse trabalho. A ela que acompanhou por quase cinco anos minha vida acadêmica no curso de Pedagogia na Unesp de Marília, e por sempre acreditar em minha pesquisa, pelos inúmeros debates proporcionado por ela em suas aulas. Exemplo de pessoa, que tem sua prática e ações permeadas pela teoria que defende e propaga na sala de aula. Aos colegas do Grupo de Pesquisa “Formação de Professores, Políticas Públicas e Espaço Escolar” (GPFOPE), pelas contribuições para o desenvolvimento desta pesquisa e pelos momentos de troca de ideias. À Profa. Dra. Yoshie Ussami Ferrari Leite pelos momentos de formação que proporcionou no GPFOPE e também nas disciplinas oferecidas na Linha de Pesquisa Políticas Públicas, Organização Escolar e Formação de Professores, e participação na minha banca do Seminário de Pesquisa, pois foram momentos que contribuíram muito para minha formação, assim como pelas contribuições realizadas na etapa de reformulação do meu projeto de pesquisa. Aos funcionários da Seção Técnica de Pós-Graduação da FCT/UNESP, pelo auxílio e pelas orientações durante minha trajetória no curso de Mestrado. Sempre muito eficientes e gentis. Aos professores que participaram dessa pesquisa, contribuindo mais uma vez para o debate acerca da educação brasileira. As minhas amigas, Lígia Perez Vilar, Ivone Martins, Jéssica Gomes, Yngrid Mendonça Costa, que mesmo distante, mandaram suas energias positivas, me encorajaram a continuar a luta naqueles momentos mais difíceis dessa caminhada. Vocês estarão comigo, onde quer que eu vá. Ao meu amigo Mauro Sartorelli que dividiu nesse tempo de mestrado casa comigo, que naqueles momentos de desânimo, estava do meu lado. Pelas inúmeras discussões que tivemos acerca de política e educação. Por ter tornado meus dias mais alegres e divertidos. Você é exemplo de guerreiro. A diretora Celia Ferri, por ter permitido no meu primeiro ano na rede municipal de Presidente Prudente participar das aulas do mestrado e de eventos científicos. A Prefeitura Municipal de Álvares Machado/ Diretoria de Educação por ter me liberado para participações em aulas e eventos científicos. A minha orientadora da Graduação, Dra. Claudia Sabia, que mesmo distante, continuamos uma parceria no mundo da produção científica. Obrigado pelo exemplo que você é na minha vida e por todas as palavras e lembranças que você tem por mim. A minha amiga Monica Costa que tornou os meus fins de semanas menos árduo com a distância de casa, que dividiu sua mãe e sua família comigo. A todos os meus colegas de trabalho, ao longo dessa jornada, que sempre me incentivavam e abriam espaço para que eu pudesse debater minha pesquisa ou outros tantos assuntos da área da educação. Aos meus alunos, que sentiam muito quando não estava na sala de aula com eles, mas tenho certeza que um dia eles lembrarão e se darão conta de que não estava na sala de aula justamente por acreditar numa educação melhor para eles e para suas gerações futuras. Com eles aprendi e aprendo a cada dia. Por fim, agradeço aos meus pais e a minha família, que é a minha base. Mesmo distante deles há nove anos, nunca deixaram de estar comigo e ao meu lado em todos os momentos da minha formação acadêmica. A vocês meu agradecimento eterno. Às vezes as mentes mais brilhantes e inteligentes não brilham em testes padronizados porque elas não têm mentes padronizadas (RAVITCH, 2010). SANTOS, Uillians Eduardo. POLÍTICA DE AVALIAÇÃO EXTERNA E EM LARGA ESCALA: O OLHAR DO SUJEITO PROFESSOR DA REDE MUNICIPAL DE PRESIDENTE PRUDENTE. 2017. 140f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente – SP, 2017. RESUMO A presente dissertação, desenvolvida junto ao Programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia/ Universidade Estadual Paulista (FCT/UNESP), encontra-se vinculada à linha de pesquisa “Formação dos Profissionais da Educação, Políticas Educativas e Escola Pública”, teve como objeto de análise as percepções dos docentes de uma escola municipal acerca de avaliações externas e em larga escala. O atual cenário da avaliação em nosso país tem suscitado vários debates entre especialistas, educadores e gestores com o objetivo de se buscar resultados que possam nortear as políticas educacionais. Tais debates apresentam discussões e análises sobre diversos tipos de avaliação: institucional, da aprendizagem, avaliação externa, em larga escala, entre outros. Nessa pesquisa, nosso foco foram as percepções dos professores acerca avaliações externas e em larga escala. O objetivo geral dessa pesquisa foi investigar e analisar como as avaliações externas e em larga escala são compreendidas pelos docentes e suas possíveis repercussões na orientação da organização do trabalho pedagógico em sala de aula, passando pela análise das percepções sobre avaliação externa e em larga escala dos docentes, com reflexão dos seus posicionamentos diante dessas, além de identificar as principais práticas docentes advindas dessas avaliações. Para isso, realizamos, em uma abordagem qualitativa, pesquisa bibliográfica, realização, transcrição e análise de entrevistas semiestruturadas. Na pesquisa bibliográfica, fizemos levantamento e análise de dissertações, teses, artigos, livros e trabalhos científicos que tinham as avaliações externas e em larga escala como objeto de estudo. Na pesquisa documental, analisamos documentos produzidos pelo Ministério da Educação, pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo e Municipal de Presidente Prudente, com o intuito de traçar um panorama histórico acerca dessas avaliações, assim como de identificar as concepções e pressupostos delas ao longo de suas quase três décadas de existência. Para a coleta de dados realizamos entrevistas semiestruturadas com nove docentes de uma escola municipal de Presidente Prudente, que atende alunos da pré-escola até o quinto ano do ensino fundamental. Os resultados da pesquisa indicaram que essas avaliações não têm permeados processos de formação condizente com a política de avaliação externa e em larga. Outra implicação trazida para os professores são: alterar sua metodologia de ensino e buscar outras práticas paralelas com o que está determinado em seus planos de ensino, mesmo sem orientações pedagógicas externas, não há uma análise coletiva dos resultados dessas avaliações. Identificamos, ainda, que essas avaliações têm trazido práticas antidemocráticas para a sala de aula: estreitamento curricular, pressão sobre o desempenho dos alunos e a preparação para os testes, precarização da formação do professor e destruição moral do professor e do aluno, mesmo que identificada de forma bem simbólica, em nossa pesquisa. Palavras-chaves: Política de Avaliação em larga escala. Docentes. Rede municipal de Presidente Prudente. SANTOS, Uillians Eduardo. POLÍTICA DE AVALIAÇÃO EXTERNA E EM LARGA ESCALA: O OLHAR DO SUJEITO PROFESSOR DA REDE MUNICIPAL DE PRESIDENTE PRUDENTE. 2017. 140f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente – SP, 2017. ABSTRACT The present dissertation, developed with the Graduate Program in Education of the Faculty of Science and Technology / Universidade Estadual Paulista (FCT / UNESP), is linked to the research line "Training of Education Professionals, Educational Policies and Public School" , Had as an object of analysis the perceptions of the teachers of a municipal school about external evaluations and in large scale. The current scenario of evaluation in our country has aroused several debates among specialists, educators and managers with the aim of seeking results that may guide educational policies. These debates present discussions and analyzes on various types of evaluation: institutional, learning, external evaluation, large scale, among others. In this research, our focus was external and large-scale evaluations. The general objective of this research was to investigate and analyze how external and large-scale evaluations are understood by teachers and their possible repercussions on the orientation of the organization of the pedagogical work in the classroom, through the analysis of the perceptions about external and large-scale evaluation of the with reflection of their positions before them, as well as identifying the main teaching practices coming from these assessments. Given this, having as a methodological reference a qualitative approach, undertaking bibliographical and documentary research. In the bibliographic research, we made a survey and analysis of dissertations, theses, articles, books and scientific works that had the external evaluations and in large scale as object of study. In documentary research, we analyze documents produced by the Ministry of Education, the State Department of Education of São Paulo and Municipal of Presidente Prudente, in order to draw a historical panorama about these evaluations, as well as to identify their conceptions and assumptions throughout Its almost three decades of existence. For the data collection, we conducted semi-structured interviews with nine teachers from a municipal school in Presidente Prudente, which serves students from the preschool to the fifth year of elementary school. The analysis of the data was made based on the theoretical framework adopted, based on the elaboration of categories of analysis. The results of the research indicated that these evaluations do not permeate training processes in line with the external evaluation policy and, as has been the case, for example, in the public schools of the São Paulo state education network, these evaluations imply that teachers In changing their teaching methodology and seeking other practices parallel to what is determined in their teaching plans, even without external pedagogical guidelines, there is no collective analysis of the results of these assessments. We also identify that these evaluations have brought some practices, criticized by several authors in the area: curriculum narrowing, pressure on student performance and preparation for tests, precarious teacher training and moral destruction of teacher and student, even if identified In a very symbolic way, in our research. Keywords: Evaluation Policy on a large scale. Teachers. Municipal network of Presidente Prudente. LISTAS DE QUADROS Quadro 1 Sujeitos da pesquisa................................................................................................99 LISTAS DE ABREVIATURAS AAP: Avaliação de Aprendizagem em Processo ANEB: Avaliação Nacional da Educação Básica ANEI: Avaliação Nacional da Educação Infantil ANRESC: Avaliação Nacional do Rendimento Escolar ASSINEP: Associação dos Servidores do Inep BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento BM: Banco Mundial CAPES: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEETEPS: Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza” CONAVE: Congresso Nacional de Avaliação ENC: Exame Nacional de Cursos ENCCEJA: Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos EMAI: Educação Matemática nos Anos Iniciais ENADE: Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio FAPESP: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FCC: Fundação Carlos Chagas FHC: Fernando Henrique Cardoso FMI: Fundo Monetário Internacional GAME: Grupo de Avaliação e Medidas Educacionais GPFOPE: Grupo de Pesquisa Formação de Professores, Políticas Públicas e Espaço Escolar HTPC: Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo IDEB: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDESP: Índice do Desenvolvimento da Educação de São Paulo INEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais LDBEN: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MARE: Ministério da Administração e Reforma do Estado MEC: Ministério da Educação OCDE: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OEA: Organização dos Estados Americanos PDE: Plano de Desenvolvimento da Escola PISA: Programme for Internacional Student Assessment PNAIC: Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa PNUD: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PQE: Programa de Qualidade da Escola PREAL: Programa de Reformas Educacionais da América Latina e Caribe PSDB: Partido Social Democrata do Brasil PUC: Pontifícia Universidade Católica SAEB: Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica SAEP: Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Público de 1º grau SARESP: Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SEDUC: Secretaria de Educação de Presidente Prudente SEE/SP: Secretaria Estadual de Educação do Estado de São Paulo TCC: Trabalho de Conclusão de Curso UNESCO: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESP: Universidade Estadual Paulista UNICAMP: Universidade Estadual de Campinas USP: Universidade de São Paulo SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 17 2 REFORMA ADMINISTRATIVA BRASILEIRA E OS ORGANISMOS INTERNACIONAIS ........................................................................................................................... 31 2.1 REFORMAS: CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ................. 31 2.2 AS REFORMAS ADMINISTRATIVAS NO BRASIL ............................................ 37 2.3 ORGANISMOS INTERNACIONAIS E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS ........ 40 2.4 O PROCESSO DE ACCOUNTABILITY E O ESTADO AVALIADOR ................ 42 3 POLÍTICA DE AVALIAÇÃO EXTERNA E EM LARGA ESCALA ................................... 44 3.1 SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÃO: ALGUNS CONCEITOS.................... 44 3.1.1 Avaliação da aprendizagem ..................................................................................... 45 3.1.2 Avaliação institucional ............................................................................................. 49 3.1.3 Avaliação externa e em larga escala ........................................................................ 51 3.2 ANTECEDENTES DO SAEB ................................................................................. 53 3.3 AS AVALIAÇÕES QUE A UNIDADE ESCOLAR PARTICIPA/PARTICIPOU . 68 3.3.1 Nível Nacional .................................................................................................... 68 3.3.2 Nível Estadual .................................................................................................... 68 3.3.3 Nível Municipal .................................................................................................. 81 3.4 AVALIAÇÃO EDUCACIONAL NO BRASIL: LIMITES E POSSIBILIDADES . 83 4 AVALIAÇÃO EXTERNA E EM LARGA ESCALA: AS PERCEPÇÕES DOS PROFESSORES. ............................................................................................................................... 100 4.1 O QUE OS PROFESSORES ENTENDEM SOBRE AVALIAÇÃO EXTERNA .. 100 4.2 AVALIAÇÕES EXTERNAS E EM LARGA ESCALA: O POSICIONAMENTO DOS PROFESSORES ........................................................................................................ 105 4.3 AVALIAÇÕES EXTERNAS E EM LARGA ESCALA: AS PRÁTICAS ............. 107 4.3.1 Direcionamento do currículo ........................................................................... 107 4.3.2 Preparação e treino dos alunos ........................................................................ 108 4.3.3 Outras práticas ................................................................................................. 112 5. REPERCUSSÕES DOS RESULTADOS NA PRÁTICA E FORMAÇÃO DOS PROFESSORES. ............................................................................................................................... 118 5.1 PROFESSORES QUE ATUAM NA EDUCAÇÃO INFANTIL ............................ 118 5.2 PROFESSORES QUE NÃO IDENTIFICAM RELAÇÕES DOS RESULTADOS COM SUA PRÁTICA ........................................................................................................ 119 5.3 PROFESSORES QUE AFIRMAM QUE REPENSA O TRABALHO PEDAGÓGICO..... ............................................................................................................. 120 5.4 AS AVALIAÇÕES EXTERNAS E EM LARGA ESCALA E SEUS RESULTADOS A FORMAÇÃO DOS PROFESSORES .................................................. 121 CONSIDERAÇÕES (NÃO) FINAIS ....................................................................................... 125 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 131 17 1 INTRODUÇÃO A presente dissertação, desenvolvida junto ao Programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de Ciências e Tecnologia/ Universidade Estadual Paulista (FCT/UNESP), encontra-se vinculada à linha de pesquisa “Formação dos Profissionais da Educação, Políticas Educativas e Escola Pública”. A motivação por essa pesquisa e pela concretização desse trabalho começou muito antes desses dois anos e meio de mestrado. Iniciou a partir de uma inquietação minha, quando aluno da educação básica, no auge da expansão dessas avaliações e dos indicadores educacionais, quando não tinha a mínima noção do que eram ambos, suas finalidades, pressupostos, história e principalmente suas implicações na educação pública brasileira. E a curiosidade só foi aguçada quando da minha entrada na primeira graduação cursada: matemática, aqui na FCT/UNESP. Ouvia muito na mídia falando da matemática associada a essas avaliações e indicadores. Quando ingressei na Pedagogia, na FFC/UNESP, já iniciei pesquisas na área da avaliação e dei continuidade à investigação da temática no mestrado. Já no primeiro ano de graduação em Pedagogia na FFC/UNESP desenvolvi pesquisa com a temática da avaliação da aprendizagem e a partir do segundo passei a focar as avaliações externas e em larga escala. Foram mais de três anos pesquisando essa temática, para concluir em 2015 meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) que teve como foco central as pesquisas em que o objeto de estudo era o Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – SARESP. Fiz uma análise de pesquisas em nível de mestrado e doutorado, identificando as principais implicações que essa avaliação trouxe para as salas de aulas nos últimos anos. Durante os quatro anos e meio de graduação em Pedagogia foram vários trabalhos escritos, apresentados e diversas participações em congressos com a referida temática. Durante o mestrado em questão, a publicação também não parou. Desenvolvi paralelamente a esta pesquisa, outra com outros pesquisadores acerca da avaliação da aprendizagem na educação infantil e em cursos de licenciaturas no ensino superior, com escritos publicados em duas revistas conceituadas da área da avaliação e educação. 18 Assim, a pesquisa que se apresenta, é fruto de pelo menos oito anos de trabalho do pesquisador e a mesma se justifica em especial pelo crescente número desses tipos de avaliação presente no cotidiano das inúmeras unidades escolares espalhadas pelo país. De acordo com Perboni (2016), a compreensão dos processos de avaliação externa e em larga escala implantados, sobretudo na última década, ganha relevância não só pela sua envergadura e abrangência, mas também pela forma como se inserem no sistema mais amplo de reformas que atuam no sentido de transformar as práticas escolares vigentes. Segundo Freitas (2004) e Bonamino (2002), as avaliações de sistemas educacionais começaram a ser concretizadas no final da década de 1980, mais especificamente em 1988, com a proposição do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Público de 1º grau (SAEP). A partir dessa experiência piloto, começamos a ter um movimento pela constituição do sistema nacional de avaliação, que engloba principalmente, as avaliações externas e em larga escala, em nível federal. Tal constituição foi introduzida a partir das influências dos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, e o Banco Mundial, sendo esses impulsionadores externos das reformas educacionais, entre elas, a proposição da política de avaliação em larga escala. Bonamino (2002, p. 15-16) explica o contexto de desenvolvimento da avaliação de sistemas no Brasil, alertando que no final dos anos 80, o reconhecimento da inexistência de estudos que mostrassem mais claramente o atendimento educacional oferecido à população e seu peso sobre o desempenho dos alunos dentro do sistema escolar conduziu as primeiras experiências de avaliação de primeiro grau. Já nos anos 90, o sistema de avaliação da educação básica passa a inserir-se em um conjunto mais complexo de inter- relações, em cujo interior operam o aprofundamento das políticas de descentralização administrativa, financeira e pedagógica da educação, um novo aparato legal e uma série de reformas curriculares. Segundo Bauer e Tavares (2013), a partir da experiência piloto do SAEP, consolidou-se em 1990, o SAEB, que previa a articulação entre as medidas de desempenho e resultados de contexto, com os seguintes objetivos: O SAEB foi criado tendo por objetivo central promover uma avaliação externa e em larga escala da educação no Brasil, visando a construir dois tipos de medidas. A 19 primeira, da aprendizagem dos estudantes e, a segunda, dos fatores de contexto correlacionados com o desempenho escolar. A implementação da avaliação em larga escala se constituiu com a intenção de subsidiar os formuladores e executores das ações governamentais na área educacional em todos os níveis de governo. Com a avaliação se pretende averiguar a eficiência dos sistemas no processo de ensino- aprendizagem e, também, a equidade da educação oferecida em todo o país (MEC, 2012). Com a consolidação do SAEB, na década de 1990, acompanhamos a ampliação de sistemas estaduais de avaliações do rendimento escolar em vários estados da federação. Segundo Gatti (2013), alguns estados já na época da consolidação do SAEB, começaram a constituir e implementar seus próprios sistemas de avaliação, como é o caso do Paraná (a partir de 1989), Minas Gerais (a partir de 1992) e São Paulo (a partir de 1992 e reforçado com a institucionalização do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo –SARESP- em 1996.. E o que observamos na atualidade, é a expansão desses sistemas de avaliação e a criação de mais avaliações, sejam em nível nacional, estadual e municipal, os quais, têm se tornado o “carro-chefe das ações políticas em educação” (GATTI, 2013, p. 58). Ainda de acordo com Gatti (2013, p. 59), ao tratar das avaliações externas, devemos observar que [...] se, em seu início essas avaliações eram apresentadas como apenas diagnósticas, elas passaram a ser tomadas como a grande política de currículo educacional e, mais recentemente, como política definidora de equidade social. Para a autora, seria importante questionar-se, com análises mais profundas e de cunho educacional, se o modelo unicista adotado em nossas avaliações externas de larga escala propiciam informações pertinentes ao trabalho pedagógico no cotidiano das escolas, trabalho que, esse sim, é responsável pela qualidade da formação oferecida a crianças e jovens, e pela construção de um processo de equidade social (GATTI, 2013, p. 62). Considerando os novos mecanismos de regulação controle da ação educacional (pedagógica em sala de aula) em que as avaliações se inserem, torna-se necessário ponderar sobre a existência de diferentes variáveis, compreendidas por questões que podem ser sintetizadas em: Quais são os usos dessas avaliações em sala de aula? Como e de que forma 20 os resultados dessas avaliações têm adentrado as salas de aulas? Quais as consequências desses resultados para a prática pedagógica? O que tem sido realizado antes e após a execução dessas avaliações? Diante desses questionamentos, nossa pesquisa se pautou no seguinte problema: como os docentes de escolas públicas municipais compreendem a avaliação externa e em larga escala? Para eles, há repercussões diretas na prática pedagógica? Para responder nosso questionamento, determinamos como objetivo geral: Investigar e analisar como as avaliações externas e em larga escala são compreendidas pelos docentes e suas possíveis repercussões na orientação da organização do trabalho pedagógico em sala de aula. Para atingir esse objetivo mais amplo, elaboramos os seguintes objetivos específicos:  Analisar as percepções sobre avaliação externa e em larga escala dos docentes.  Refletir como os docentes tem se apresentado frente a essas avaliações.  Identificar as principais práticas docentes advindas dessas avaliações. Para alcançarmos os objetivos propostos, recorremos a um referencial teórico metodológico que parte do pressuposto que a educação possui especificidade que “lhe outorga o caráter de atividade complexa, caráter esse que precisa ser contemplado nas investigações científicas sobre o objeto em questão” (GHEDIN, 2008, p. 40-41). Para compreender a complexidade do processo educativo e abordar os múltiplos fatores que o determinam, se intensificou, nas últimas décadas, o uso da pesquisa qualitativa. Em que pese à desconfiança que alguns depositaram nesta metodologia, ela vem se consolidando como válida ao longo dos anos. Ghedin (2008) destaca que as metodologias qualitativas permitem vislumbrar novas perspectivas, com grande impacto sobre a compreensão do fenômeno educacional. Nas últimas décadas a preocupação com o uso desta metodologia esteve presente na obra de diferentes autores (LUDKE, ANDRÉ, 1986; FAZENDA, 1989) que ressaltaram o processo paulatino em que se compreendeu a educação como fenômeno integral e complexo, o que demandou a formulação ou busca de novas abordagens, com a capacidade de contextualizar o conhecimento produzido, abandonando a rigidez da pretensa neutralidade positivista. Sintetizando esta visão, Ghedin (2008, p. 58) destaca a mudança: 21 [...] os novos entendimentos sobre a realidade social, que deixa de ser vista como mecânica, linear, previsível para ser considerada dinâmica, histórica e complexa, fazem que se supere a concepção de causalidade, de previsibilidade, em direção a uma atitude que percebe a realidade como um todo dinâmico, com múltiplas e variadas configurações. Se a pesquisa qualitativa surge fortemente influenciada pelos estudos etnográficos e sob uma forte visão dicotômica entre qualidade e quantidade, podemos dizer que na atualidade já se reconhece que quantidade e qualidade são propriedades interdependentes de um fenômeno. Apesar das particularidades das abordagens qualitativa e quantitativa, não cremos numa “falsa oposição entre qualitativo e quantitativo, que devem de início, ser descartada: a questão é de ênfase e não de exclusividade” (ALVES, 1991, p. 54). Deste modo, reconhecendo que métodos quantitativos e qualitativos são complementares e não excludentes, destacamos que foi utilizado dados numéricos, destinado às estatísticas, a construção tabelas, ainda que nossa ênfase se dê numa perspectiva qualitativa dos dados coletados. Para a coleta de dados, realizou-se inicialmente a pesquisa bibliográfica que envolveu o levantamento e análise de diversas publicações (artigos científicos, livros, dissertações e teses) relacionadas à temática em questão a partir dos descritores: “avaliações externas”, “avaliação em larga escala”, “SAEB”, “avaliações nacionais”, “avaliações estaduais”, “avaliações municipais”. Para tanto recorremos ao Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, o Scielo e a sites de bibliotecas institucionais, como da UNESP, USP, UNICAMP, PUC – SP. A partir desse levantamento, aprofundamos a compreensão e o conhecimento sobre a temática, construindo o referencial teórico que embasou essa pesquisa. Na primeira fase da pesquisa foi realizado um levantamento bibliográfico inicial com pesquisas que tinham como foco as avaliações externas e em larga escala. Tal material se constitui de dissertações, teses, artigos científicos e livros de autores diversos que trabalham com a temática proposta nessa pesquisa. O levantamento da produção sobre a temática indicou que os trabalhos, em sua maioria, se debruçam sobre aspectos específicos das avaliações estaduais, mas principalmente sobre as avaliações federais, tendo um número muito pequeno de pesquisas referente às avaliações municipais, assim como das implicações e consequências no trabalho pedagógico em sala de aulas pertencentes a escolas das redes municipais de ensino. Mais um motivo para nossa pesquisa se debruçar sobre uma escola pertencente a uma rede municipal de ensino. 22 Num primeiro momento foi realizada a leitura dos resumos dessas pesquisas, com o objetivo de identificar nesses, possíveis relações com a proposta da nossa pesquisa. Num segundo momento, quando essas relações não estavam muito explícitas, realizamos a leitura do material por completo. A partir daí, selecionamos as pesquisas que tinham relações semelhantes a nossa pesquisa e que pudessem contribuir com a parte teórica e com a análise dos nossos dados que seriam coletados posteriormente. Após ter subsídios teóricos, e ter realizado diversas leituras de autores que há anos discutem a temática proposta nessa pesquisa, iniciamos a segunda fase da nossa pesquisa. Elaboramos um roteiro inicial de possíveis questões para serem utilizadas em nossas entrevistas semiestruturadas para a coleta de dados. Num primeiro momento fizemos a entrevista piloto com três docentes que atuam na educação infantil, ensino fundamental anos iniciais e uma do ensino fundamental anos finais. A partir desse piloto, detectamos que uma das questões não estava clara, gerando dúvidas nos docentes ao responderem. Assim a questão foi reformulada. Também constatamos a necessidade de incluir outra questão, referente ao interesse dos docentes em realizar uma formação voltada para essa área, tendo em vista que ao finalizarmos a aplicação da entrevista piloto, os docentes conversavam conosco, alegando que desconhecia essa temática, e que suas respectivas unidades escolares ou os órgãos superiores não disponibilizavam ou ofertavam nenhum tipo de formação para essa área. Num segundo momento, já com as questões revisadas, reformuladas e determinadas, realizamos um primeiro contato com os docentes da unidade escolar pesquisada. Foi disponibilizado pela unidade escolar um tempo durante a semana de avaliação institucional (meados de julho de 2016) para apresentação da proposta e o convite aos docentes para participarem da pesquisa. Dez docentes se prontificaram a participar da pesquisa, sendo que um deles não foi entrevistado, pois teve que se licenciar de suas atividades. Esses docentes que se prontificaram a participar atuam na educação infantil e ensino fundamental dos anos iniciais. Na sequência, apresentamos algumas informações acerca desses sujeitos: 23 OS PARTICIPANTES Participaram como sujeitos dessa pesquisa, uma amostra aproximada de 40% do total de docentes da unidade escolar. Todos os sujeitos entrevistados são docentes efetivos e pertencentes ao quadro da unidade escolar no ano da entrevista, tendo em vista que a participante denominada P 3 pediu remoção de unidade escolar e passou a atuar esse ano em outra unidade escolar. Dos participantes, duas docentes atuam na educação infantil e 7 docentes nos anos iniciais do ensino fundamental, como é possível ver no Quadro 1. Quadro 1: Sujeitos da pesquisa Participante Idade (em anos) Formação Acadêmica Formação Complementar Tempo de atuação no Magistério Tempo de atuação na U.E Turma que atua* P 1 41 Magistério/Pedagogia Gestão Escolar/Alfabetização 16 14 5º ano P 2 35 Pedagogia/Matemática Matemática do Ensino Básico/Educação Infantil 12 03 Pré- Escola P 3 32 Pedagogia Arte-Educação/Educação Fundamental/Psicopedagogia Institucional 05 02 2º ano P 4 26 Pedagogia e Cursando Direito Educação Infantil/Anos Iniciais do Ensino Fundamental 05 03 4º ano P 5 43 Magistério/Pedagogia/Letras Linguística/Educação 20 05 5º ano P 6 37 Magistério/Pedagogia Avaliação/Psicopedagogia Institucional/Neuropedagogia 16 14 4º ano P 7 35 Pedagogia/História Psicopedagogia/Educação Infantil 06 03 Pré- Escola P 8 35 Magistério/Pedagogia Ensino Fundamental 15 13 3º ano P 9 28 Pedagogia/ Administração Mestrado e Cursando Doutorado 04 03 5º ano Fonte: O autor *A turma se refere a que a docente lecionava no ano da entrevista (2016), tendo em vista que há uma rotatividade entre os docentes em cada série/ano/turma. 24 A UNIDADE ESCOLAR PESQUISADA A unidade escolar pesquisada é considerada a maior unidade da rede municipal de ensino de Presidente Prudente e nesse ano completou 20 anos de existência. Atualmente a unidade conta com seis salas na educação infantil (pré-escola) e 16 salas no ensino fundamental, com aproximadamente 600 alunos, distribuídos entre os períodos da manhã e da tarde. Segundo dados do Censo/2015 a escola possui 63 funcionários, distribuídos em setores de limpeza, alimentação (merenda), recepção, secretaria escolar e saúde (dentista). Desse número, 23 são professores da educação infantil, ensino fundamental dos anos iniciais e professora readaptada atuando na sala de leitura, além de uma diretora, uma vice- diretora, duas orientadoras pedagógicas (uma da educação infantil e outra para os anos iniciais do ensino fundamental) e uma Professora Articuladora do Programa Cidade Escola. Quanto à infraestrutura, a unidade conta com uma sala de informática com acesso a internet, uma quadra poliesportiva coberta, sala de leitura, parque infantil, área verde (com horta elaborada por professores e alunos), 17 salas de aulas, refeitório, cozinha para preparar a alimentação dos alunos, almoxarifado, lavanderia, sala de diretoria e orientação pedagógica, atendimento aos pais, sala dos professores e secretaria, além de cozinha para funcionários e banheiros para alunos e funcionários. A unidade está localizada num bairro periférico, e atende alunos tanto do seu entorno quanto alunos oriundos de outros bairros mais afastados. A escola oferta educação integral no período da tarde para os alunos do 2º ano ao 5º ano do Ensino Fundamental que estudam no período da manhã. Tal projeto denominado Programa Cidade Escola acontece desde o ano de 2010 na rede municipal de educação e nessa unidade pesquisada. Nesse projeto os alunos desenvolvem atividades como: atletismo, judô, música, artes, e a partir desse ano letivo as unidades escolares foram orientadas pela Secretaria de Educação Municipal a ofertar reforço específico para Língua Portuguesa (leitura e escrita) e Matemática (resolução de situações problemas e cálculo das operações básicas), visando melhorar os indicadores educacionais, em especial o IDEB, tendo em vista que o corrente ano letivo será objeto de avaliação pelo SAEB (alunos e turmas dos quintos anos) e Prova ANA (alunos e turmas dos terceiros anos). A COLETA DE DADOS 25 Todas as entrevistas foram realizadas no ano de 2016 (entre os meses de março e julho), durante a HTPC e em dias de aula, que não havia a presença de alunos na unidade escolar (semana de avaliação institucional e fim de semestre letivo), sendo as entrevistas concedidas nas respectivas salas de aula (espaço físico), nas quais as docentes lecionam. Para alcançarmos os objetivos propostos, recorremos a um referencial teórico metodológico que parte do pressuposto que a educação possui especificidade que “lhe outorga o caráter de atividade complexa, caráter esse que precisa ser contemplado nas investigações científicas sobre o objeto em questão” (GHEDIN, 2008, p. 40-41). Para compreender a complexidade do processo educativo e abordar os múltiplos fatores que o determinam, se intensificou, nas últimas décadas, o uso da pesquisa qualitativa. Em que pese à desconfiança que alguns depositaram nesta metodologia, ela vem se consolidando como válida ao longo dos anos. Ghedin (2008) destaca que as metodologias qualitativas permitem vislumbrar novas perspectivas, com grande impacto sobre a compreensão do fenômeno educacional. Nas últimas décadas a preocupação com o uso desta metodologia esteve presente na obra de diferentes autores (LUDKE, ANDRÉ, 1986; FAZENDA, 1989) que ressaltaram o processo paulatino em que se compreendeu a educação como fenômeno integral e complexo, o que demandou a formulação ou busca de novas abordagens, com a capacidade de contextualizar o conhecimento produzido, abandonando a rigidez da pretensa neutralidade positivista. Sintetizando esta visão, Ghedin (2008, p. 58) destaca a mudança: [...] os novos entendimentos sobre a realidade social, que deixa de ser vista como mecânica, linear, previsível para ser considerada dinâmica, histórica e complexa, fazem que se supere a concepção de causalidade, de previsibilidade, em direção a uma atitude que percebe a realidade como um todo dinâmico, com múltiplas e variadas configurações. Se a pesquisa qualitativa surge fortemente influenciada pelos estudos etnográficos e sob uma forte visão dicotômica entre qualidade e quantidade, podemos dizer que na atualidade já se reconhece que quantidade e qualidade são propriedades interdependentes de um fenômeno. Apesar das particularidades das abordagens qualitativa e quantitativa, não cremos numa “falsa oposição entre qualitativo e quantitativo, que deve de início, ser descartada: a questão é de ênfase e não de exclusividade” (ALVES, 1991, p. 54). Deste modo, reconhecendo que métodos quantitativos e qualitativos são complementares e não excludentes, não descartaremos a utilização de dados numéricos, destinado as estatísticas, a 26 construção de gráficos e tabelas, ainda que nossa ênfase se dará numa perspectivas qualitativa dos dados coletados. Para a coleta de dados, realizamos inicialmente a pesquisa bibliográfica, como já mencionado. A partir desse levantamento, aprofundamos a compreensão e o conhecimento sobre a temática, construindo o referencial teórico que tem embasado e embasará a pesquisa. No percurso inicial desta investigação, sentimos inicialmente um desassossego com as avaliações externas, causado por delas termos tomado conhecimento da perspectiva da realidade de uma escola, onde o pesquisador trabalha, passando, então, a querer conhecê-las e buscar em documentos modos de se conduzir uma pesquisa que pudesse dar conta de explicar muitas inquietações presentes naquela realidade. A princípio entendemos que poderia ser uma pesquisa que abarcasse todos os sujeitos atores do cotidiano dessa unidade escolar, porém devido à limitação de tempo para a realização da pesquisa, optou-se por focar exclusivamente nos professores, tendo sido restringido nossa a análise a sala de aula. Assim, caminhando na realização da pesquisa, num segundo momento, já munidos de um referencial teórico consistente, partimos para a coleta dos dados. A coleta de dados foi realizada utilizando como instrumento a entrevista semiestruturada. Com relação a esse tipo de entrevista, de acordo com os estudos de Manzini (1991): [...] a resposta não está condicionada a uma padronização de alternativas formuladas pelo pesquisador como ocorre na entrevista dinâmica rígida. Geralmente, a entrevista semiestruturada está focalizada em um objetivo sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista. É mais adequada quando desejamos que as informações coletadas sejam fruto de associações que o entrevistado faz, emergindo, assim, de forma mais livre (MANZINI, 1991, p. 154). Desta forma, como Manzini (1991) também explicita podemos entender a entrevista social como sendo um meio ou um instrumento para coleta de dados sobre um determinado tema que se refere a um problema de pesquisa. O aporte teórico levantado é essencial para que se considere, em primeiro lugar, que a entrevista semiestruturada, dentro das investigações na área da educação, tem se tornado extremamente viável, sob diversos aspectos, em especial, por proporcionar uma perspectiva de levantamento de dados, por meio da linguagem, aqui entendida, na análise teórica de Márcia Goldfeld (1997), sobre os estudos de Vygotsky, como “códigos que envolvem significação não precisando necessariamente abranger uma língua” (GOLDFELD, 1997, p. 23). Marli André (1986) destaca que a entrevista é uma das principais técnicas de trabalho utilizada em quase todos os tipos de pesquisas nas ciências sociais. A autora destaca ainda que 27 ela desempenha importante papel não apenas nas atividades cientificas como em muitas outras atividades humanas. Vale destacar no desenvolvimento da entrevista, o caráter de interação que a permeia. De acordo com Szymanski (2011, p. 12) a entrevista face a face é fundamentalmente uma situação de interação humana, em que estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas, sentimentos, preconceitos e interpretações para os protagonistas: entrevistador e entrevistado. Ainda na discussão, a autora destaca que quem entrevista tem informações e procura outras, assim como aquele que é entrevistado também processa um conjunto de conhecimentos e pré-conceitos sobre o entrevistador, organizando suas respostas para aquela situação (SZYMANSKI, 2011, p. 12). Minayo (1996), alerta que não podemos deixar de considerar o entrevistado como tendo um conhecimento do seu próprio mundo, do mundo do entrevistador e das relações entre eles. Ao mesmo tempo em que há a representatividade da fala, há os ocultamentos e as distorções inevitáveis. André (1986) pontua que na entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde. Especialmente nas entrevistas não totalmente estruturadas [que é o modelo a ser utilizado em nossa pesquisa], onde não há a imposição de uma ordem rígida de questões, o entrevistado discorre sobre o tema proposto com base nas informações que ele detém e que no fundo são a verdadeira razão da entrevista. Vale destacar também que a multiplicidade de discursos numa mesma entrevista [...] revela diversos modos de ver e entender um mesmo tema. Observamos que o discurso de um entrevistado desperta no outro algum tipo de entendimento, seja de aceitação, de rejeição ou de indiferença [...] É interessante notar que cada posicionamento foi se tornando mais e mais claro, a partir do desenrolar da entrevista, o que significa que a entrevista se constituiu como um momento de construção do conhecimento (SODEILI, 1999, p. 74). 28 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS Como mencionado, utilizamos como instrumento de coleta dos dados a entrevista semiestrururada. Assim, consideramos relevante apresentarmos o roteiro de entrevista que norteou nossa pesquisa, para que possamos ter uma compreensão da análise dos dados, que será apresentada nos próximos capítulos desse trabalho. 1. O que você entende por avaliação externa e em larga escala? 2. Como você tem trabalhado com essas avaliações em sua sala de aula nos últimos anos? 3. Qual é sua posição frente às avaliações externas, seja na esfera municipal, estadual ou nacional? 4. A escola/Secretaria de Educação tem proporcionado momentos de discussões/ reflexões acerca dos resultados dessas avaliações? Em caso positivo, como isso tem ocorrido? Em que momentos isso ocorreu ou tem ocorrido? 5. O que os resultados dessas avaliações refletem na sua prática em sala de aula? 6. Você acha que essas avaliações são bem elaboradas do ponto de vista técnico- pedagógico e realmente avaliam as habilidades e conteúdos que se propõem a avaliar? Por quê? 7. Você teria interesse em alguma formação na área de avaliação externas? Por quê? A ANÁLISE DOS DADOS Após a coleta de dados por meio das entrevistas semiestruturadas e com elas transcritas, realizamos a categorização das respostas. Buscamos base teórica para isso na obra de Antonio Chizzotti, que nos orienta sobre a possibilidade do levantamento de categorias nos depoimentos dos participantes: A eleição de categorias é fundamental para atingir os objetivos que se pretende [...] as unidades às vezes são reunidas em torno de um item, uma unidade global de emissão, da mensagem que em sentido amplo, pode significar um livro, carta, entrevista, etc e, em sentido estrito, uma palavra-questão usada como unidade de registro (CHIZZOTTI, 2008, p. 118). 29 A formulação das categorias é feita à luz dos referenciais teóricos. São eles que permitem levantar nos depoimentos conceitos que sejam similares e permitam agrupar respostas. Ludke e Andre ao explicar o processo de categorização apontam que o primeiro passo nessa análise é a construção de um conjunto de categorias descritivas (...). Para formular essas categorias iniciais, é preciso ler e reler o material até chegar uma espécie de “impregnação” do seu conteúdo. Essas leituras sucessivas devem possibilitar a divisão do material em seus elementos componentes (...). Nessa tarefa ele pode usar números, letras ou outras formas de anotações que permitam reunir, numa outra etapa, componentes similares (LUDKE e ANDRE, 1986, p. 48). Uma vez levantadas as categorias, o próximo passo foi estabelecer relação com a literatura que norteou nosso campo teórico, para então, fazer interpretação adequada dos dados. Respostas a um questionário, transcrições de entrevistas, documentos, registros de observação apresentam apenas “informações” à espera de um tratamento que lhes dê um sentido e que permita que a partir delas se produza um conhecimento até então não disponível (LUNA, 2002, p. 19). A interpretação dos dados coletados será apresentada nos capítulos que se seguem. Falando em capítulos, destacamos que no primeiro capítulo, intitulado Reforma Administrativa Brasileira e os organismos internacionais, realizamos uma discussão da reforma brasileira, focando as políticas educacionais e as funções dos principais organismos internacionais para a educação brasileira. No capítulo, denominado Política de avaliação em larga escala, contextualizamos os momentos históricos em que se deu a implantação das avaliações em larga escala no Brasil, destacando os pressupostos que a permeia, seus contextos de implementação e difusão no país. Apresentamos também nesse capítulo, uma breve discussão acerca de avaliação da aprendizagem e avaliação institucional, que aparecerão em certos momentos de nossa discussão e análise dos dados coletados. Faz se também uma apresentação e discussão acerca das avaliações que a escola pesquisa realizou em níveis estadual e municipal nos últimos anos. 30 No capítulo, Avaliação externa e em larga escala: as percepções dos docentes, destacamos o que os docentes entendem a respeito desses tipos de avaliações, como tem se dado seus posicionamento perante a elas, além de apresentarmos as práticas que identificamos que estão permeando o trabalho pedagógico em sala de aula desses docentes Por fim, no último capítulo, denominado Repercussões dos resultados na prática e formação dos docentes, realizamos uma discussão acerca do que os resultados dessas avaliações têm contribuído ou implicado na prática e formação desses docentes e o que a Secretaria de Educação Municipal tem proporcionado aos docentes quanto à formação nessa área educacional tão complexa, que é a avaliação externa e em larga escala. Dessa forma, nossa pesquisa tendo como ponto de partida a crescente utilização das avaliações externas e em larga escala, de seus resultados (em sua maioria traduzida em índices) como princípios para classificarem as escolas e estabelecerem critérios de qualidade, pretende-se contribuir para o entendimento das práticas docentes advindas dessas avaliações e a partir de seus resultados, e identificar o que tem sido realizado pela Secretaria quanto à formação para contribuírem para o entendimento acerca desses tipos de avaliações por parte dos docentes. Reiteramos também a importância de compreender os fundamentos, princípios, implicações e consequências dessas avaliações para o trabalho pedagógico desenvolvido na sala de aula. 31 2 REFORMA ADMINISTRATIVA BRASILEIRA E OS ORGANISMOS INTERNACIONAIS Nesse capítulo apresentaremos e discutiremos a reforma administrativa brasileira, em especial aquela que teve grande influencia nas políticas educacionais brasileiras. Outro objetivo é identificar os principais organismos internacionais e suas funções e políticas para a área da educação brasileira. 2.1 REFORMAS: CONCEITOS E CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA Antes de discutirmos as principais reformas administrativas que ocorreram no Brasil, faz- se necessário levantar e debater alguns pontos, que nos ajudam a compreendê-las num contexto histórico e social. Assim sendo, é necessário problematizar o conceito de reformas amparado na perspectiva apontada por Afonso (2009) ao refletir que embora o mesmo seja largamente utilizado é, porém, pouco discutido, uma vez que se considera seu sentido subentendido. Segundo Canário (1992, p. 198), reforma define “uma mudança em larga escala, com caráter imperativo para o conjunto do território nacional, implicando opções políticas, a redefinição de finalidades e objetivos educativos, alterações estruturais no sistema”. Afonso (2009) identifica a recorrência do uso do “termo reforma para referir mudanças em aspectos gerais da estrutura e organização escolar”. Para o autor, a “reforma engloba mudanças ao nível macro e a inovação mudanças ao nível micro, podendo verificar- se reformas sem inovação e, sobretudo, inovações sem reforma” (AFONSO, 2009, p. 56). As reformas, quando implementadas, são impulsionadas por diferentes fatores causados pelas transformações que se desenvolvem em inter-relações entre fatores econômicos, culturais e políticos decorrentes de tensões e transformações internas e externas ao próprio país. As reformas podem ser, portanto, entendidas como respostas à crise da educação pública diante de um mundo em transformação, que coloca em xeque seus princípios de organização e funcionamento e sua legitimidade social. 32 Apresentado uma breve discussão acerca dos conceitos e possíveis finalidades das reformas, passemos a discutir propriamente dito as reformas administrativas e educacionais que ocorrem no Brasil. Vale destacar que as reformas administrativas e educacionais implementadas e desenvolvidas no Brasil têm em seu bojo receitas de outros países, em especial Estados Unidos e países da América Latina. Em relatório elaborado por GAME (2011), fica nítido que a torrente de mudanças múltiplas e simultâneas nas diversas regiões do mundo na década de 1990 não foi aleatória. As semelhanças entre as reformas dos diferentes países, como se estivessem seguindo um receituário, denunciavam uma história de origens comuns. As origens imediatas podem ser encontradas, em parte, nos eventos internacionais que galvanizaram os formuladores das políticas educacionais e também no papel dos bancos de desenvolvimento, as agências de assistência bilateral e até as ONGs internacionais na disseminação mundial das propostas de reforma. Tomando como referência a América Latina, Gajardo (2000) mostra a semelhança notável nos objetivos das reformas simultâneas de 19 países. Na maioria desses países, são especificados os objetivos gerais de descentralizar a gestão, melhorar a qualidade, a equidade e a eficiência dos sistemas, oferecer maior autonomia e também cobrar maior responsabilidade da escola, investir mais e melhor na formação do professor e conectar a escola às demandas da sociedade. Perboni (2016, p. 32) afirma que essas reformas se configuram a partir da lógica econômica, e exerce influência em todos os demais setores da sociedade como, por exemplo, a oferta educacional. A compreensão destas questões torna-se essencial para uma análise das políticas públicas educacionais, em geral e, mais especificamente, das políticas de avaliação da educação básica como aspectos das definições políticas, para além do caráter mais técnico e pedagógico das mesmas. Após a Segunda Guerra Mundial, o Estado assumiu novas funções, basicamente passou a ser incumbido de garantir o investimento público para os setores vinculados ao crescimento econômico da produção e do consumo, garantindo ainda o pleno emprego e a ampliação das chamadas políticas sociais. Com efeito, o Estado assume novos papéis, passando a complementar os ganhos de trabalhadores com garantia de assistência médica, 33 seguridade, educação e habitação, o que se convencionou chamar de Estado de Bem Estar Social (Welfare State) ou Estado Providência. Afonso (2009, p. 100) destaca que nesse período “[...] o Estado-providência passou a ser a fórmula encontrada em muitos países para a gestão das contradições que vão tornar-se cada vez mais agudas”. Estas contradições decorrem de dois elementos: primeiramente “da necessidade de o Estado ter uma decisiva intervenção econômica” e da necessidade de “criar condições para atender às novas e crescentes expectativas e necessidades sociais”, decorrentes do reconhecimento de direitos de cidadania. Torna-se fundamental pensarmos o papel desse modelo de Estado nas chamadas reformas que caracterizaram a virada do século XX para o século XXI. Estas refletem as transformações objetivas e subjetivas do mundo capitalista e da produção do mundo material nesse momento histórico. O Estado-Nação foi e continua a ser, na atualidade, elemento fundamental na definição das políticas públicas, por outro lado, assume novas configurações, bem como a emergência de novos movimentos sociais que interpenetram as ações e definições antes exclusivas do Estado Nação. Para Afonso (2009, p. 37), “dois exemplos paradigmáticos podem ser referenciados a este propósito: a promoção de quase-mercado e as relações com o terceiro setor”. Emergem novos arranjos institucionais que não se prendem em classificações convencionais, se caracterizando pela interpenetração das esferas pública e privada no atendimento de demandas sociais, antes de responsabilidade exclusiva do Estado. Os países sob o modo de produção capitalista passaram por períodos de redefinição do papel do Estado que historicamente acompanham os ciclos de transformação das formas de produção e, consequentemente, as relações sociais delas decorrentes. Este contexto geral, marcado pelo avanço das ideias neoliberais, se consolida inicialmente em alguns países, notadamente Estados Unidos e Inglaterra na década de 1980. Em um segundo momento, estas preposições ganham força e se espalham por toda a América Latina, principalmente na década de 1990, constituindo-se no pano de fundo do que se convencionou chamar de período de “Reformas do Estado” em que se inserem também o período de Reformas Educacionais. 34 Na esfera da educação, as mudanças têm se manifestado na forma de crescente internacionalização de questões educacionais, o que tem sido favorecido com as transformações por que passa o Estado nacional. Lenhart (1998, p. 27) argumentou ser plausível a demonstração de quanto a educação hoje está ancorada em nível de sociedade mundial. Para Lenhart (1998, p. 27) são indicadores desse processo: a) a institucionalização formal e mundial da educação; b) a configuração de um standard mundialmente válido no tocante a currículo da escola primária e secundária; c) a emergência de uma semântica educacional mundial, que quase já se teria estabelecido como uma teoria educacional e de que seriam exemplos os “pilares da educação”, enunciados por meio do relatório da Comissão Delors à UNESCO, em 1996; d) o estabelecimento (em nível mundial) do monitoramento da educação do mundo, intensificado a partir da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizado em Jomtien, na Tailândia (1990), com relatórios mundiais de dois em dois anos . Dale (2001; 2004), enfatizou que a educação continua a ser “um assunto intensamente político ao nível nacional” e o “padrão da governação educacional” continua sob controle do Estado, embora a “desresponsabilização” deste se manifeste de diferentes formas. Todavia, Dale (2001; 2004) leva em conta que as agendas estabelecidas pela economia política global orientam a elaboração de políticas educacionais, de sorte que estas não são respostas a problemas localmente percebidos. Assim, é “[...] através da influência sobre o estado e sobre o modo de regulação, que a globalização tem os seus mais óbvios e importantes efeitos sobre os sistemas educativos nacionais”. Em consonância com Dale (2001; 2004), Teodoro (2001), tendo como referência o cenário europeu e em particular o caso português, considerou que, no campo das políticas educacionais, vêm emergindo novas formas de regulação transnacional, o que, no seu entendimento, caracteriza uma “globalização de baixa intensidade”. O autor ainda considera que os efeitos da globalização nas políticas educacionais deixam “[...] um leque diminuto de opções aos Estados nacionais”, ressaltando que, em “países centrais ou pertencendo a espaços centrais”, [...] a mediação obrigatória dos Estados nacionais na formulação das respectivas políticas leva então a que se possa falar em globalização de baixa intensidade, enquanto em outros campos [...] onde o recuo do Estado nacional na regulação é quase total, se possa utilizar, com propriedade, a metáfora da globalização de alta intensidade (TEODORO, 2001, p. 151- 152, grifos do autor). 35 Vale destacar que na tomada de decisão e na definição da agenda internacional da educação básica, o Estado atua em dupla dimensão: a supranacional e a nacional. Em ambas, ser protagonista supõe capacidade e legitimidade para negociar e construir pontes, o que está sujeito a condicionamentos de diversas ordens (econômicos, políticos, culturais). Todavia, na dimensão nacional é o Estado que estabelece, em última análise, os limites em relação à educação. Desde a década de 1970, tornaram-se cada vez mais nítidos os processos pelos quais foi ocorrendo um crescente “espraiamento”, tornando-se por empréstimo a expressão utilizada por Zacher (2000), do governo da educação numa direção internacional. No Brasil, isso se deu concomitantemente a um processo de descentralização, para esferas subnacionais, de tarefas de gestão da educação básica e também da municipalização do ensino fundamental no período posterior a 1988. O “espraiamento” do governo da educação no sentido internacional foi tendo seus contornos delineados no curso de emergência da governança na política mundial contemporânea. Todavia, a presença do Estado na educação não necessariamente diminuiu. De acordo com Magalhães (2001, p. 131), os Estados [...] estão, por um lado, a assumir crescentemente a desregulação como a forma emergente de regulação estatal, lançando as instituições para o ambiente caracterizado como “mercado” ou do tipo do mercado e instituindo a auto- regulação como forma preferencial de gestão, e, por outro lado, velam uma regulação porventura mais imperativa e minuciosa sob a retórica da legitimidade de avaliar o desempenho das instituições. Um emergente Estado-avaliador parece tocar todas as zonas do sistema, tendo na exigência de eficiência sua principal justificativa, de modo que a avaliação do produto acaba por refletir no processo. O Estado- avaliador será objeto de nossas discussões mais adiante. O que cabe destacar nesse momento, é que organismos internacionais diversos, como por exemplo, o Banco Mundial, propiciou a ênfase aos temas gestão, avaliação, novas alianças e parceiras na educação e tem influenciado na configuração das políticas educacionais brasileiras. 36 Segundo Freitas (2007) não há duvida de que a formulação, a implementação e a avaliação de políticas públicas de educação são atravessadas, no âmbito nacional e subnacional, por intrincados processos nos quais interagem múltiplas agências e atores sob condicionamentos políticos, econômicos, administrativos, institucionais e culturais. Ainda de acordo com a autora a formulação, implementação e avaliação que, por meio de processos dialéticos intra e interesferas do governo (em particular nas áreas econômica, social e educacional), expressam resultados de escolhas e decisões que possibilitam nexos entre níveis macro, meso e micro implicados na regulação da educação. Tal foi o caso da instauração da “avaliação-medida-informação” na regulação da educação básica brasileira. Vale mencionar que o Estado Brasileiro exerce forte papel regulador na educação formal, especialmente na educação básica escolar e na educação profissional (formação tecnológica e formação para o trabalho), de que são evidências e juridificação (o aumento e o crescente detalhamento de normas e regulamentos), a “reordenação” da gestão e a política de avaliação educacional. Freitas (2007) destaca que a regulação educacional emergente no Brasil revelou um Estado-educador empenhado na difusão de determinados conhecimentos, valores e visões de mundo, signos e símbolos da cultura hegemônica, tendo sido ela condicionada por uma “agenda globalmente estruturada para a educação”. Isso se deu especialmente por meio de fixação de parâmetros e diretrizes curriculares nacionais, de certo controle editorial, de um novo modelo de gestão e de mecanismos e práticas de controle e de avaliação. No âmbito da sociedade civil, o Estado buscou mobilizar indivíduos, grupos, setores sociais e a população em geral em torno de problemáticas educacionais, para o que se valeu de estratégias de aproximação, parcerias e alianças, como já mencionadas e discutidas amplamente no capítulo anterior desse trabalho. Segundo Teodoro (2001), a emergência da avaliação deu-se num quadro caracterizado pela dependência da legitimação e da assistência técnica (também de financiamento) de organizações internacionais, assim como de esforços para estabelecer uma racionalidade científica, propiciando, por essas vias, ações reformadoras na educação as quais foram subsidiadas. 37 Enfim, o Estado brasileiro atuou no sentido de estabelecer um federalismo consoante à emergente governança internacional na educação, para o que concorreu um processo de regulação que conjugou mecanismos de centralização- internacionalização. 2.2 AS REFORMAS ADMINISTRATIVAS NO BRASIL Uma das primeiras reformas administrativas que ocorreram no Brasil, se deu no cenário pós-crise econômica de 1929. Tal reforma foi concebida visando controlar os efeitos da crise e alavancar a indústria nacional e promover a racionalização burocrática do serviço público. A Revolução de 1930, simbolicamente associada à quebra da espinha dorsal das oligarquias regionais, teve como desdobramento principal a criação do estado administrativo no Brasil, através de dois mecanismos típicos da administração racional-legal: estatutos normativos e órgãos normativos e fiscalizadores. A abrangência desses estatutos e órgãos incluía áreas temáticas clássicas que, até hoje, se revelam como estruturantes da organização pública: administração de material, financeira e de pessoal [...] Ao longo do período compreendido entre 1930 e 1945 fortaleceu-se a tendência de centralização na administração e, no pós-37, delineou-se uma nova característica de atuação: além de um estado administrativo, centralizador, ele passou a assumir as feições de um estado intervencionista; à sua expansão e ação centralizadora se somou, ainda, a criação de autarquias e de empresas que criaram a base futura para o estado desenvolvimentista (JUNIOR, 1998, p. 5-6). A segunda reforma da administração nacional teve início sua discussão em 1967, mas ela não foi completamente concretizada, como destaca Bresser-Pereira (1996, p. 273- 274) “a crise política do regime militar, que se inicia já em meados dos anos 1970, agrava ainda mais a situação da administração pública, já que a burocracia estatal foi identificada com o sistema autoritário em pleno processo de degeneração”. No ano de 1990, quando da posse do presidente Collor, uma nova série de reformas administrativas ocorreu com o objetivo de reduzir o poder do Estado na vida social, a implantação de uma nova moeda e de sistemas de desestatização e racionalização, contudo com o caos que se instalou no período, praticamente não se efetivou como se pretendia. Segundo Neves (2010), com base num cenário internacional onde já havia reformas administrativas em curso, foi implementada a Reforma Gerencial de 1995, cujo foco principal era a transformação do modelo burocrático em modelo gerencial, tendo como princípio a eficiência do serviço público, como destaca o autor: 38 [...] era uma imposição histórica para o Brasil, como para todos os demais países que havia nos cinquenta anos anteriores montado um Estado do Bem Estar. O grande crescimento que o aparelho do Estado se impusera para que pudesse garantir os direitos sociais, exigiam que o fornecimento dos respectivos serviços de educação, saúde, previdência e assistência social fosse realizado com eficiência. Esta eficiência tornava-se, inclusive, uma condição de legitimidade do próprio Estado e de seus governantes (NEVES, 2010). Em 1998, foi implantada pela promulgação da Emenda Constitucional nº 19/1998, a Reforma Bresser, ocorrida no governo de Fernando Henrique Cardoso. Por meio desta reforma houve a adoção de políticas neoliberais, que hoje, permeiam o campo educacional mais precisamente, o campo da avaliação da qualidade do ensino. Conforme documentos do extinto Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (1995), todo esse processo de reforma gerencial, que criticava a ineficiência estrutural da administração pública burocrática objetivou deixar explícito que: A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social, para se tornar seu promotor e regulador. O Estado assume um papel menos executor ou prestador direto de serviços mantendo-se, entretanto, no papel de regulador e provedor destes. Nesta nova perspectiva, busca-se o fortalecimento das suas funções de regulação e de coordenação, particularmente no nível federal, e a progressiva descentralização vertical, para os níveis estadual e municipal, das funções executivas no campo da prestação de serviços sociais e de infraestrutura. Considerando essa tendência, pretende-se reforçar a governança – a capacidade de governo do Estado – por meio da transição programada de um tipo de administração pública burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento da cidadania [...] (MARE, 1995, p. 4). Fábio Mariano da Paz (2010), em sua pesquisa de mestrado fez uma síntese das mudanças ocasionadas pela Reforma Bresser. De acordo com ele os pontos principais da Reforma Bresser estão no redesenho e estruturas mais descentralizadas, a desestatização, que compreende a privatização, a terceirização e a desregulação; a definição precisa dos objetivos que o administrador público deverá atingir em sua unidade e o controle ou cobrança a posteriori dos resultados; ênfase à avaliação sistemática, à recompensa pelo desempenho, e à capacitação permanente, já que eram características da boa administração burocrática, acrescentam-se os princípios da orientação para o cidadão cliente, do controle por resultados, e da competição administrada (DA PAZ, 2010, p. 44). 39 Afonso (1999) discutindo a presença dos elementos oriundos dos governos neoliberais em países centrais e em um país semiperiférico, a Espanha no caso, destaca que tais mudanças tiveram sua gênese na crise econômica dos anos 70 (acompanhada de recessão, inflação, crise fiscal do Estado e desemprego) e desenvolveram-se no contexto das críticas crescentes ao Estado-providência. Ainda de acordo com o autor, ao nível das políticas de educação, tais elementos decorrentes das reformas de cunho neoliberal, que oscilaram da década de 1980 à década de 1990, revelaram-se de diferentes modos, sendo que dentre eles pode salientar-se o ataque aos métodos de educação “centrados na criança”, a tentativa de redução da formação dos professores às componentes curriculares da especificidade, e a desconfiança em relação à sociologia e às ciências da educação [...] e à mudança nas políticas de administração e gestão dos estabelecimentos de ensino (AFONSO, 1999, p. 107-108). Da Paz (2010, p. 46) faz um releitura dos dados do MEC/INEP e Bonamino et al. (2007) pontuando a caracterização da política tanto no período FHC (1995-2002), este propulsor da Reforma Bresser, e do governo Lula. De acordo com ele no governo Fernando Henrique Cardoso as principais características da política educacional se concentravam na revalorização da racionalidade técnica, desta vez concentrada no financiamento, atividade-meio com a qual se almejava equacionar os problemas de acesso e de qualidade do sistema educacional; ênfase no ensino fundamental; valorização da política educacional baseada em evidências, o que se expressou por meio da ênfase na avaliação, o que não deixa de ser uma forma de acionar mecanismos de racionalidade técnica em outros domínios da política educacional; universalização do ensino fundamental; o SAEB sinalizou para um moderado declínio da qualidade do ensino (DA PAZ, 2010, p. 46). Já no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva as principais características da política educacional se pautava em, ideias associadas à racionalidade relativa aos fins da educação, em vez de complementar ao da racionalidade relativa aos meios e ao estímulo às medidas de accountability (prestação de contas/responsabilização). A reforma gerencial, mais conhecida como Reforma Bresser, que flexibilizava os processos e os regulamentos burocráticos, conferindo um grau mais elevado de autonomia e de accountability às agências governamentais e aos seus gerentes, iniciou-se a partir do governo FHC e continuou influenciando as políticas do governo Lula, como afirma Paula (2003) de que 40 a partir do governo Fernando Henrique Cardoso os rumos da política econômica brasileira e as transformações ocorridas no aparelho do Estado confluem, gradativamente, em uma nova cultura gerencial, que implica na aproximação da gestão estatal do modelo oriundo do setor privado e na delimitação e reorientação das funções estatais, mediante a transferência de algumas destas ao setor privado. [...] a intervenção do Estado na sociedade deve ser limitada, se restringindo às funções de proteção, preservação da lei e da ordem, ao passo que consolida e garante a manutenção dos contratos provados e os mercados competitivos [...] Esses preceitos corroboram a ideia de que o Estado deve intervir em prol do mercado e é justamente isso que a nova gestão estatal, pautada na Teoria da Escolha Pública se propõe: ajustar o aparelho estatal às necessidades do mercado e implementar uma cultura de gestão importada do setor privado, que facilite a união entre Estado e mercado (PAULA, 2003, p. 124-126). Vale destacar que a postulação da Reforma Bresser não se deu originalmente por ideologia das entidades políticas e econômicas brasileiras, mas, em sua grande totalidade atrelada a acordos com organismos internacionais. Sobre os organismos internacionais que têm promovido políticas educacionais no Brasil, discutiremos no item seguinte, com mais profundidade. 2.3 ORGANISMOS INTERNACIONAIS E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS Os principais organismos internacionais que têm promovido políticas educacionais no que se refere à educação são: o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Banco Mundial (BM), a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Programa de Reformas Educacionais da América Latina e Caribe (PREAL). Dessas instituições, para o caso da educação brasileira, destacamos a forte atuação do Banco Mundial e do FMI, fundamentalmente. Conforme a Revista O impacto do FMI na Educação Brasileira (1999), o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) foram criados em 1944, durante a conferência de Bretton Woods nos Estados Unidos tendo, entre seus compromissos, o objetivo de prover recursos aos países “para corrigir desajustes em sua balança de pagamento sem recorrer a medidas destrutivas à prosperidade nacional”. 41 Segundo Fábio da Paz (2010), o que passou a ocorrer, de fato, desde sua criação até o momento atual é que os programas de reestruturação econômica não só deixaram de ser utilizados unicamente para este fim, como passaram a ser direcionados, também, à definição de cumprimento de metas políticas, sociais e, inclusive, educacionais. Segundo Hadad (2008), durante as últimas décadas o Banco Mundial vem recomendando um pacote de reformas educativas para os mais variados países, que contém, dentre outros, os seguintes elementos centrais: a) prioridade na educação primária; b) melhoria da eficácia da educação; c) ênfase nos aspectos administrativos; d) descentralização e autonomia das instituições escolares, entendida como transferência de responsabilidades de gestão e de captação de financiamento, enquanto ao Estado caberia manter centralizada as funções de fixar padrões, facilitar os insumos que influenciam o rendimento escolar, adotar estratégias flexíveis para a aquisição e uso de tais insumos e monitorar o desempenho escolar; e) a análise econômica como critério dominante na definição das estratégias. Hadad (2008) ainda destaca que para analisar o impacto do Banco Mundial sobre a educação não se pode olhar apenas para o quanto o Banco tem gasto [...], pois o Banco financia pequenos projetos aqui e ali, mas o grande impacto sobre a educação se dá a partir das políticas macroeconômicas que ele tem apoiado junto ao FMI (HADAD, 2008, p. 20). O mesmo autor ainda traz em seu texto, a opinião do secretário executivo da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais: O impacto do Banco Mundial sobre as políticas públicas é imenso. É espantoso que a maior parte da opinião pública no Brasil não tenha clareza a esse respeito. O Banco não somente formula condicionalidades que são verdadeiros programas de reformas das políticas públicas, como também implementa esses programas usando redes de gerenciamento de projetos que funcionam de forma mais ou menos paralela à administração pública oficial do Estado brasileiro. Trata-se da chamada “assistência técnica” (HADAD, 2008, p. 18). 42 No documento “Educação para todos: avaliação da década” (MEC/INEP, 2000) observou claramente um exemplo de que além do forte impulso dos Organismos Multilaterais como o Banco Mundial, OMC e o FMI na transformação da educação em um bem de serviço, o apoio estatal à influência das empresas na gestão e parceria com o setor público tem aligeirado sua transformação em mercadoria. Os serviços de consultoria/assessoria oferecidos em termos de “assistência técnica”, a fim de melhorar a qualidade da educação dos países periféricos são situações em que se verificam a internalização da ideologia do mercado, muitas vezes, de forma implícita. A internalização das ideias dominantes do cenário capitalista, nada mais é do que uma alienação inerente à ideologia dominante, como nos indica Chauí (1980). 2.4 O PROCESSO DE ACCOUNTABILITY E O ESTADO AVALIADOR A ideia de usar a avaliação educacional com o propósito de focar as atenções nos resultados e, mediante diferentes estímulos ou medidas coercitivas, promover ou induzir mudanças nos professores e nas escolas não é uma política nova em nível mundial. Políticas de accountability efetivadas por meio do uso de provas high-stakes para determinar o pagamento de professores com base nos resultados dos alunos têm no mínimo 150 anos. De acordo com Rapple (1994) em 1863 o parlamento britânico estabeleceu um sistema de financiamento educacional que durante quase 30 anos fixava os salários dos professores de acordo com os resultados dos alunos em provas orais aplicadas pelos inspetores escolares. Diante disso, faz necessário conceituar ou pelo menos tentarmos chegarmos num consenso do que seriam políticas de accountability. O termo accountability é, constantemente, apresentado como sinônimo de responsabilização, no entanto o mesmo comporta outros significados, tais como a prestação de contas que pode estar contida em mecanismos de regulação e controle. Perboni (2016, p. 130) afirma que constantemente utiliza-se o termo “reformas” para qualificar o processo de mudanças ocorridas nas últimas décadas, porém esse conceito permanece com seu significado implícito, uma vez que não é discutido e quando é explicitado apresenta uma grande diversidade de sentidos. 43 Retomando a discussão de Afonso (2009, p. 55) acerca do uso do termo reformas aplicado à educação implica “considerar uma variedade de iniciativa que visam alterações no alcance e na natureza da educação pré-escolar e escolar, passando por mudanças nos conteúdos e currículos e nas formas de seleção e orientação e creditação”. Enquanto que, outra perspectiva, se refere a uma “reforma global, em que objetivos importantes devem ser atingidos simultaneamente e de modo coerente”, um terceiro posicionamento, mais pragmático, considera que “as reformas são apenas projectos mais circunscritos que têm em vista renovar, melhorar ou redirecionar as instituições educativas sem preocupação de promover mudanças radicais” (AFONSO, 2009, p. 55). O autor destaca que “não só parece não haver um consenso sobre o que é uma reforma educativa como, frequentemente, este conceito se confunde com outros aparentemente próximos” (AFONSO, 2009, p. 56). Dessa maneira, [...] a ênfase nos aspectos simbólicos e de legitimação política das reformas decorre, necessariamente, da compreensão daqueles contextos e do entendimento da especificidade daquelas transformações num determinado momento histórico (AFONSO, 2009, p. 57). As reformas educativas podem ser entendidas como resposta pragmática à crise da educação pública “não indo, porém, às causas mais profundas da crise educacional, as reformas transformam-se, com alguma frequência, uma espécie de círculo vicioso” (AFONSO, 2009, p. 57), mesmo com alguns efeitos positivos geram contradições e dilemas que afetam sua eficácia e lavam a procura de novas soluções por meio de um “estado permanente” de reformas. Em que pese as diferenças de percurso apontadas em relação a alguns aspectos, observa-se que no cenário mundial “países diferentes, ocupando lugares distintos no sistema mundial, estão a percorrer caminhos bastante semelhantes no desenvolvimento das políticas de avaliação educacional” (AFONSO, 2009, p. 57), que se caracterizam por um crescente controle centralizado sobre os processos avaliativos, pela imposição de maior uniformidade de práticas e objetivos e também pelo aumento da frequência das ações de avaliação. 44 3 POLÍTICA DE AVALIAÇÃO EXTERNA E EM LARGA ESCALA Este capítulo tem por objetivo apresentar a política de avaliação externa e em larga escala no Brasil, expondo os seus pressupostos, seus contextos de implementação e difusão no país. Além disso, discutimos alguns conceitos acerca de avaliação da aprendizagem e institucional, tendo em vista que tais conceitos estarão presentes nos outros capítulos. 3.1 SISTEMA NACIONAL DE AVALIAÇÃO: ALGUNS CONCEITOS A constituição de um sistema nacional de avaliação vem sendo buscada desde a década de 1980, com forte influência dos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Banco Mundial, sendo esses organismos impulsionadores das reformas educacionais, entre elas, as avaliações externas. Torres (2001, p. 79-80) destaca como esse processo foi viabilizado e a ênfase dada pelo Estado às avaliações externas, afirmando que: [...] a uniformização da política educativa em escala global está vinculada ao crescente peso dos organismos internacionais no projeto e na execução da política educativa nos países em desenvolvimento. Isso vale particularmente para o Banco Mundial, o sócio mais forte da Educação para Todos, que liderou o cenário educativo na década de 1990. [...] O pacote de reforma educativa recomendado aos países em desenvolvimento, principalmente para a reforma da educação primária, inclui, entre outras medidas, ênfase na avaliação do rendimento escolar e na implantação de sistemas nacionais de avaliação de resultados. Em consonância com determinações dos organismos internacionais, a homologação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1996, instituiu um sistema nacional de avaliação em detrimento do investimento em um sistema nacional de educação, reafirmando o papel da avaliação externa, como podemos observar no que se segue: Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei. [...] § 3º Cada Município e, supletivamente, o Estado e a União, deverá: [...] IV - integrar todos os estabelecimentos de ensino fundamental do seu território ao sistema nacional de avaliação do rendimento escolar. (BRASIL, 1996) 45 Frente ao exposto, observa-se que o Banco orienta a constituição de sistemas de avaliação fortemente centralizados, remetendo ao governo central a tarefa de fiscalização e proposição de aprimoramentos administrativos e curriculares, com o envolvimento das instâncias locais. Antes de seguirmos nessa discussão acerca da política de avaliação externa e em larga escala no Brasil, é preciso dar uma parada, para que possamos entender os conceitos de outros tipos de avaliação, tais como: avaliação da aprendizagem, institucional, externa e em larga escala. Tipos de avaliação que estará por várias vezes nas discussões que propomos. 3.1.1 Avaliação da aprendizagem A avaliação é um ato inerente ao ser humano, universal, independente de classe social, cor, etnia, sempre nos perguntamos, refletimos, se estamos agindo de forma correta ou não, em função do que esperamos conseguir em nossas vidas. Ela nos é tão útil ao ponto de que nossas ações futuras são planejadas de acordo com o resultado do que avaliamos no presente. Em nossas escolas e universidades não seria diferente, a partir da avaliação conseguimos acompanhar as dificuldades e os avanços de nossos alunos. Entretanto, a definição de avaliação é uma questão mais complexa do que possamos imaginar. Não obstante, enfatizamos que cada definição é o reflexo de uma postura filosófica adotada, daí a justificativa quanto à complexidade de definir um único conceito. Além disso, independentemente do conceito atribuído à avaliação, entendemos que ela deve ser considerada uma atividade indissociável da educação, em qualquer filosofia e concepção metódica. Portanto, consideramos que não se faz educação sem algum tipo de avaliação. Ralph Tyler (apud HAYDT, 2002), educador norte-americano que se dedicou à questão de um ensino que fosse eficiente afirma que: “O processo de avalição consiste essencialmente em determinar em que medida os objetivos educacionais estão sendo realmente alcançados pelo programa do currículo e do ensino”. (TYLER, apud HAYDT, 2002, p.11). Ademais, este autor defendia: 46 Como os objetivos educacionais são essencialmente mudanças em seres humanos em outras palavras, com os objetivos visados constituem em produzir certas modificações desejáveis nos padrões de comportamento do estudante- a avaliação é o processo mediante o qual se determina o grau em que essas mudanças de comportamento estão realmente ocorrendo. (TYLER, apud HAYDT, 2002, p.11-12). Os pesquisadores norte-americanos da área da avaliação de aprendizagem definem o período de 1930 a 1945 como o período tyleriano da avaliação da aprendizagem. O termo foi introduzido, mas a prática continuou sendo baseada em provas e exames, apesar de vários educadores considerarem que a avaliação poderia e deveria subsidiar um modo eficiente de fazer ensino. Para expormos o enfoque desse autor, recorremos aos estudos de Jussara Hoffmann (2010). Concordamos com a autora que o enfoque de Tyler é comportamentalista e resume o processo avaliativo à verificação das mudanças ocorrida, previamente delineadas em objetivos definidos pelo professor, um exemplo clássico é o planejamento pedagógico que os professores anualmente devem redigir para o corrente ano letivo. Nesta obra, Hoffmann (2010) nos apresenta a prática, ação avaliativa, com referência ao modelo de Tyler: observamos que a prática avaliativa compreende, no início do processo, o estabelecimento de objetivos pelo professor e, em determinados intervalos, a verificação, por meio de testes, do alcance desses objetivos pelos alunos. Portanto, quando inserida no cotidiano, a ação avaliativa restringe-se à correção de tarefas diárias dos alunos e ao registro dos resultados. Ainda, de acordo com Hoffmann (2010), nessa perspectiva, quando se discute avaliação, discutem-se de fato, instrumentos de verificação e critérios de análise de desempenho final. Outro autor, que nos apresenta uma definição para avaliação da aprendizagem é Michael Scriven (apud HAYDT, 2002, p.12): A avaliação é uma atividade metodológica que consiste na coleta e na combinação de dados relativos ao desempenho, usando um conjunto ponderado de escalas de critérios que leve a classificações comparativas ou numéricas, e na justificação: dos instrumentos e da coleta de dados; das ponderações e da seleção de critérios. Em Haydt (2002) é notório que Scriven entende que é preciso e necessário avaliar o grau de consecução dos objetivos estabelecidos, assim como das dificuldades encontradas no 47 percurso, ou seja, avaliar aquilo que não fora previsto no planejamento, no plano pedagógico. Scriven diferencia avaliação de mensuração, uma vez que para ele a avaliação tem como objetivo apreciar o valor ou julgar, daí que se oriunda a importância que atribuiu ao julgamento de valor ou mérito. Portanto, para Michael Scriven, não basta apenas acompanhar ou verificar se os objetivos delineados foram realmente alcançados. Faz-se necessário, também, avaliar se os objetivos traçados condizem com os interesses relevantes da educação. Seguindo com a definição de avaliação, expomos agora a ideia de Daniel Stuffebeam (apud HAYDT, 2002, p.12): “[...] a avaliação é o processo de delinear, obter e fornecer informações úteis para o julgamento de decisões alternativas”. Segundo Haydt (2002), Stuffebeam enfatiza o caráter processual da avaliação, sendo que esse processo inclui três fases: delinear, obter e fornecer informações. Concluído as três fases citadas: “As informações obtidas devem ter como critério básico a utilidade, visando orientar a tomada de decisões” (HAYDT, 2002, p.12). De acordo com Stuffebeam (apud HAYDT, 2002, p.12), a avaliação tem duas finalidades básicas: auxiliar o processo de tomada de decisão e verificar a produtividade. Ademais, a avaliação não deve ser identificada como medida, pois, embora esta proporcione vigor e precisão à avaliação, é muito limitada e inflexível para satisfazer a amplitude de informações exigidas pela avaliação. Consideramos que o aspecto mais ressaltado por Stuffebeam é a relação entre a avaliação e o processo de tomada de decisão. Para concluirmos a conceituação de avaliação, apresentamos as definições de três autores, que na tentativa de conceitua-la apresentaram várias dimensões sobre o assunto que, a nosso ver, são didáticas e elucidativas para nossa discussão. Esses autores são: Bloom, Hastings e Madaus (apud HAYDT, 2002, p.12-13). A avaliação é um método de coleta e de processamento de dados necessários à melhoria da aprendizagem e do ensino. A avaliação inclui uma grande variedade de dados, superior ao rotineiro exame escrito final. A avaliação auxilia no esclarecimento das metas e dos objetivos educacionais importantes e consiste num processo de determinação da medida em que o desenvolvimento do aluno está se processando da maneira desejada. A avaliação é um sistema de controle de qualidade pela qual se pode determinar, a cada passo o processo ensino- aprendizagem: se este está sendo eficaz ou não; e caso não esteja, indica que mudanças devem ser feitas a fim de assegurar sua eficácia antes que seja tarde demais. Finalmente, a avaliação é um instrumento na prática educacional que permite verificar se os procedimentos alternativos são igualmente eficazes na consecução de uma série de objetivos educacionais. Ausubel, Novak e Hanesiam (1980) afirmam que “avaliar significa emitir um julgamento de valor ou mérito, examinar os resultados educacionais para saber se preenchem um conjunto particular de objetivos educacionais”. 48 Russell (2014) define a avaliação em sala de aula, como o processo de coleta, síntese e interpretação de informações, são esses, segundo o autor, os elementos que nos ajudam na tomada de decisões em sala de aula. Ao longo de um dia de aula, os professores coletam e utilizam informações de maneira contínua para tomar decisões sobre a administração e a instrução em sala de aula, a aprendizagem dos alunos e o planejamento. Conforme Cappelletti (2001), o conceito de avaliação recebe conotações mais ou menos particulares, de acordo com seu contexto, mas em sua essência avaliar é julgar algo ou alguém quanto ao seu valor. Avalia-se a ação por tudo que a concretiza – as ideias e conceitos, os meios, os instrumentos, os programas, os desempenhos e os resultados. Não é mera ação executora, mas uma nova reflexão sobre a ação para reordenar o processo. Por isso as dinâmicas avaliativas pertencem muito mais ao durante do que ao após. (CAPPELETTI, 2001, p. 72) Remetendo-nos aos estudos de Luckesi (2010), temos que para ele o termo avaliar é formulado a partir das determinações da conduta de atribuir um valor ou qualidade a alguma coisa, ato ou curso da ação que, por si, implica um posicionamento positivo ou negativo em relação ao objeto, ato, ou curso de ação avaliado. Portanto, na concepção do autor, isso quer dizer que o ato de avaliar não se encerra na configuração do valor ou da qualidade atribuídos ao objeto em questão, exigindo uma tomada de posição favorável ou desfavorável ao objeto avaliado, com uma consequente decisão de ação. Ainda de acordo com o autor, ele conceitua avaliação como sendo “um julgamento de valor sobre manifestações relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada de decisão” (LUCKESI, 2010, p. 33). É bem simples: são três variáveis que devem estar sempre juntas para que o ato de avaliar cumpra seu papel. E essas variáveis são: juízo de qualidade, dados relevantes e a tomada de decisão. Concordamos com Antunes (2012) de que todos esses autores concordam que toda avaliação do rendimento escolar envolve procedimentos de coleta, organização e interpretação de dados de desempenho, que representa uma forma de julgamento e, finalmente, que o aluno representa o objeto central da avaliação. Exposto o conceito de avaliação da aprendizagem sob a óptica de alguns estudiosos da área, faz-se necessário também expor o conceito de avaliação institucional, essa também está intimamente relacionada a outros tipos de avaliação, como a da aprendizagem/rendimento escolar, externa e em larga escala. 49 3.1.2 Avaliação institucional Conforme apresentamos na introdução deste trabalho, a avaliação externa e em larga escala implementada no Brasil, no estado de São Paulo e no município de Presidente Prudente, tem direcionado o trabalho pedagógico em sala de aula, distanciando-se de forma substantiva do objetivo primordial das escolas que é a aprendizagem dos alunos. O SARESP, por exemplo, não tem sido utilizado como um indicador para se repensar o processo pedagógico tendo em vista a aprendizagem efetiva dos alunos. As pesquisas têm apontado que nas escolas, a busca pelos resultados da avaliação externa tem se tornado como um fim em si mesmo. Consideramos que a avaliação externa fornece dados que devem ser apropriados de forma consistente pela escola para garantir o ensino e a aprendizagem para todos os seus alunos. Que a mesma deve ser tomada como o ponto de partida para a trajetória da escola rumo à avaliação institucional. Retomando os questionamentos que fizemos no início deste estudo, entendemos que a escola deve utilizar os resultados das avaliações externas para repensar os seus processos de aprendizagem. É na implementação da sua avaliação institucional com a participação dos segmentos da escola que a mesma irá elencar quais indicadores irão considerar para identificar a qualidade da escola. Desse modo, consideramos a avaliação institucional como um instrumento de potencialidade para a escola se apropriar da avaliação externa, mas conjugá-la com outros indicadores qualitativos que lhe permitam “olhar para si mesma”, exercer sua autonomia, resgatando a finalidade da escola e não sendo “arrastada” e ficando a mercê dos indicadores externos quantitativos. A p