Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Gabriella Oliveira Hernandez CONCEPÇÕES DE CANDIDATOS À PÓS-GRADUAÇÃO EM QUÍMICA SOBRE A ESTABILIDADE DE LIGAÇÕES IÔNICAS E SUAS RELAÇÕES COM A BIBLIOGRAFIA DO PROGRAMA Araraquara 2021 GABRIELLA OLIVEIRA HERNANDEZ CONCEPÇÕES DE CANDIDATOS À PÓS-GRADUAÇÃO EM QUÍMICA SOBRE A ESTABILIDADE DE LIGAÇÕES IÔNICAS E SUAS RELAÇÕES COM A BIBLIOGRAFIA DO PROGRAMA Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista (UNESP), como parte das exigências para obtenção do título de Licenciada em Química Orientador: Prof. Dr. Amadeu Moura Bego Araraquara 2021 GABRIELLA OLIVEIRA HERNANDEZ CONCEPÇÕES DE CANDIDATOS À PÓS-GRADUAÇÃO EM QUÍMICA SOBRE A ESTABILIDADE DE LIGAÇÕES IÔNICAS E SUAS RELAÇÕES COM A BIBLIOGRAFIA DO PROGRAMA Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Instituto de Química, Universidade Estadual Paulista (UNESP), como parte das exigências para obtenção do título de Licenciada em Química. Araraquara, 04 de março de 2021 BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Amadeu Moura Bego Instituto de Química / UNESP Araraquara Prof. Me. Ricardo Santos Baltieri Instituto de Química de São Carlos / Universidade de São Paulo Profa. Dra. Hebe de las Mercedes Villullas Instituto de Química / UNESP Araraquara DADOS CURRICULARES IDENTIFICAÇÃO Nome: Gabriella Oliveira Hernandez Nome em citação bibliográfica: HERNANDEZ, G. O. FORMAÇÃO ACADÊMICA/TITULAÇÃO: Ensino médio concluído no Curso e Colégio Interativo, na cidade de Araraquara/SP, no ano de 2009. DEDICATÓRIA Primeiramente gostaria de agradecer a Deus por ter me dado forças para chegar até aqui. Não foi fácil, muito menos rápido, mas agora vejo como foi recompensador. Dedico este trabalho à minha família, por todo apoio, compreensão e paciência desde o início da minha trajetória acadêmica. Em especial à minha vó Mara e à minha mãe Karina, por entenderem minha ausência e minhas diversas reuniões; à minha tia Daniella, por ter me incentivado nos estudos desde pequena e ter demonstrado interesse no meu TCC mesmo desconhecendo o assunto. Dedico este trabalho a todos colegas de graduação, em especial à Emanuela, uma amiga de todas as horas, e à Bruna, que infelizmente não chegou a ver meu trabalho, mas que foi uma ótima amiga durante os anos que estudamos juntas. Dedico aos meus professores da graduação, que me influenciaram durante o processo de formação, aumentando não apenas meu conhecimento, como também ampliando e gerando novas perspectivas. E por fim, mas não menos especial, ao Vagner, que me orientou durante todo o trabalho. Esse TCC não teria ocorrido sem a ajuda e apoio moral dele. Ele foi fundamental durante todo o processo. AGRADECIMENTOS Meus agradecimentos iniciais vão para a UNESP (Universidade Estadual Paulista) e ao Instituto de Química de Araraquara, por terem me proporcionado anos intensos, de muito conhecimento, emoções e novas perspectivas. Se formar em uma universidade pública mostrou-se uma tarefa mais árdua do que ingressar, mas extremamente compensatória. Mostrou-me que consigo ir mais longe do que eu mesma acreditava ser capaz, além de possibilitar grande crescimento profissional com os estágios realizados no CEMPEQC e na Embraer. Um agradecimento especial à RIPEQ (Rede de Inovação e Pesquisa em Ensino de Química), a qual me apresentou e aprofundou muitos temas que eu não teria visto no curso da graduação. As reuniões despertaram em mim um maior interesse na área de educação, além de começar a cogitar um mestrado na área. Meu muito obrigada ao Prof. Dr. Amadeu Moura Bego, pelas ideias, conselhos e paciência durante o trabalho. Foi um aprendizado imensurável trabalhar com ele, que além de ser uma pessoa extremamente inteligente, é gentil em suas críticas e sugestões, o que nos motiva a não desistir (por mais tentador que pareça). Nem todos agradecimentos seriam suficientes para o Ms. Vagner Antonio Moralles, sem o qual este trabalho não teria acontecido. Foi mais de um ano de reuniões, conversas, versões de TCC, surtos, etc. Agradeço sinceramente pela sua paciência infinita e por todo o apoio o tempo inteiro, ele é o melhor coorientador que eu poderia ter. E para finalizar, um agradecimento à minha banca de defesa do TCC, escolhida especialmente. Ao Ms. Ricardo Santos Baltieri, obrigada por aceitar o convite para estar presente neste dia tão importante para mim. Este trabalho foi idealizado partindo de um de seus trabalhos, o qual foi utilizado como referencial teórico, possibilitando uma base sólida de conhecimento. Meu muito obrigada à Profª Dra. Hebe de las Mercedes Villullas, com a qual tive o prazer de ter como professora durante a graduação. Uma professora exigente e com um conhecimento enorme, sempre disposta a ajudar, é uma honra tê-la presente na minha defesa de TCC. “O caminho do progresso não é rápido nem fácil” Marie Curie RESUMO Trabalhos da literatura apontam que vestibulandos e candidatos a pós-graduação em Química ou áreas afins não apresentam concepções cientificamente adequadas sobre a estabilidade da ligação iônica. Dentre os principais problemas encontrados pode-se citar a relação entre a estabilidade de um composto iônico com a regra do octeto e a dificuldade de se entender a importância da energia de rede para a formação de uma ligação iônica. Fundamentado nessa temática e partindo do pressuposto de que uma das fontes geradoras de concepções alternativas são os livros didáticos, este trabalho objetivou verificar se há alguma correlação entre as justificativas apresentadas pelos candidatos à pós-graduação e a bibliografia base sugerida no edital de seleção do programa. Para cumprir esse objetivo foi desenvolvida uma pesquisa quali- quantitativa documental, sendo os dados tratados por meio das premissas da Análise de Conteúdo. Os resultados evidenciaram que os livros não apresentam uma concepção completamente adequada sobre a estabilidade da ligação iônica e que as respostas dos candidatos a pós-graduandos apresentam relação com os livros referência, apesar da categoria com maior ocorrência, a regra do octeto como fator de estabilidade para a ligação iônica, não aparecer em um dos livros. Além disso, pode- se perceber semelhanças entre as justificativas nos dois livros referência, sendo a única diferença entre eles a categoria que atrela a estabilidade da ligação iônica à regra do octeto. Palavras-chave: Ligação iônica. Concepções alternativas. Livros didáticos. Ensino de Química. ABSTRACT Literature studies point out that candidates for vestibular and postgraduate studies in Chemistry or related fields do not present scientifically adequate conceptions about the stability of the ionic bond. Among the main problems found, we can mention the relationship between the stability of an ionic compound with the octet rule and the difficulty of understanding the importance of network energy for the formation of an ionic bond. Based on this theme and assuming that one of the sources that generate alternative concepts are textbooks, this work had as objective to verify if there is any correlation between the justifications presented by the candidates for postgraduate studies and the basic bibliography suggested in the program selection notice. In order to fulfill this objective, a quali-quantitative documentary research was developed, with the data being treated through the premises of Content Analysis. The results showed that the books do not have a completely adequate conception about the stability of the ionic bond and that the responses of candidates for graduate students are related to the reference books, despite the category with the highest occurrence, the octet rule as a stability factor for ionic bonding, not appearing in one of the books. In addition, we can see similarities between the justifications in the two reference books, the only difference between them being the category that links the stability of the ionic bond to the octet rule. Keywords: Ionic Bond. Alternative conception. Textbooks. Chemistry teaching. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1. Os retículos de Bravais 22 Figura 2. Célula unitária do Cloreto de Sódio 23 Figura 3. Ciclo de Born-Haber para NaCl(s) 26 Figura 4. Gráfico da inter-relação entre os conceitos obtidos no item (a) da questão e as categorizações das repostas do item (b), utilizando o critério de exclusão 42 Figura 5. Síntese da Análise de Conteúdo. 54 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Constantes de Madelung (A é uma constante adimensional) 24 Tabela 2. Respostas Apresentadas pelos Estudantes ao Item 3 da Questão Analisada 34 Tabela 3. Análises das Respostas em Termos de Compensação à Perturbação 36 Tabela 4. Categorias de respostas do item B 38 Tabela 5. Categorização de respostas do item B, com exemplos 40 Tabela 6. Comparação de respostas entre os 3 artigos 44 LISTA DE QUADROS Quadro 1. Tipos de sólidos, unidades estruturais e natureza das ligações 19 Quadro 2. Bibliografia para o processo seletivo de pós-graduação 45 Quadro 3. Mapeamento das seções que tratam da ligação iônica nos livros 55 Quadro 4. Categorias e assertivas de análise 56 Quadro 5. Análise do livro Atkins e Jones (2012) 57 Quadro 6. Análise do livro Mahan e Myers (1995) 60 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AC = Análise de Conteúdo EPPEQ = Encontro Paulista de Pesquisa em Ensino de Química EVEQ = Evento de Educação em Química IUPAC = International Union of Pure and Applied Chemistry RIPEQ = Rede de Inovação e Pesquisa no Ensino de Química UFMG = Universidade Federal de Minas Gerais LISTA DE SÍMBOLOS Símbolos Unidades T temperatura absoluta K e carga do elétron C ɛ0 permissividade do vácuo C2.J-1. m-1 r distância entre os núcleos dos íons m NA constante de Avogadro mol-1 |z+| módulo da carga do cátion adimensional |z-| módulo da carga do ânion adimensional A constante de Madelung adimensional n expoente de Born médio adimensional ∆U energia de rede kJ.mol-1 ∆Hsub entalpia de sublimação kJ.mol-1 ∆HI entalpia de ionização kJ.mol-1 ∆Hdiss entalpia de dissociação kJ.mol-1 ∆Hae entalpia de afinidade eletrônica kJ.mol-1 ∆Hrede entalpia de rede kJ.mol-1 Sumário APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 17 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 19 1.1 A LIGAÇÃO IÔNICA ................................................................................................................................... 19 1.2 CONCEPÇÕES DOS ESTUDANTES SOBRE A ESTABILIDADE DE UMA LIGAÇÃO IÔNICA SEGUNDO A LITERATURA ................................................................................................................................ 29 1.2.1 Concepções de alunos do Ensino Médio ................................................... 31 1.2.2 Concepção de graduados e pós-graduados em Química ou áreas afins .. 38 1.2.3 Síntese geral e aproximações entre os três trabalhos que discutem as concepções dos estudantes sobre a estabilidade da ligação iônica ................... 44 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................. 46 2.1. CONTEXTO GERAL DE PESQUISA E FONTES DE INFORMAÇÃO ................................................... 46 2.1.1 Processo Seletivo ...................................................................................... 46 2.2 JUSTIFICATIVA ........................................................................................................................................... 47 2.3 QUESTÕES E OBJETIVOS DE PESQUISA ............................................................................................ 47 2.4 NATUREZA DA PESQUISA ....................................................................................................................... 48 2.4.1 Fontes de informação ................................................................................ 51 2.5 ANÁLISE DE CONTEÚDO ......................................................................................................................... 51 3 RESULTADOS ....................................................................................................... 56 3.1 MAPEAMENTO DAS SEÇÕES QUE DISCUTEM SOBRE A LIGAÇÃO IÔNICA .................................. 56 3.2 APRESENTAÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE .............................................................................. 57 3.3 ANÁLISE DO CONTEÚDO SOBRE ESTABILIDADE DA LIGAÇÃO IÔNICA NO LIVRO ATKINS E JONES (2012) ................................................................................................................................................... 58 3.4 ANÁLISE DO CONTEÚDO SOBRE ESTABILIDADE DA LIGAÇÃO IÔNICA NO LIVRO MAHAN E MYERS (1995) .................................................................................................................................................. 61 3.5 COMPARAÇÃO DOS DADOS ................................................................................................................... 63 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 66 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 69 17 APRESENTAÇÃO Recordo-me de quando tinha seis anos e falava que queria ser professora, dava aula para as bonecas e escrevia na minha mini lousa. Com o passar dos anos as coisas foram mudando e quis ir para a área da computação, inspirada pela minha tia. Até a sexta série do ensino fundamental estudei em escola pública e, na sétima série, consegui uma bolsa de estudos parcial para estudar em uma escola particular. Quando fui para o ensino médio, adorava meus professores. Eles eram empolgados, divertidos e meu parâmetro para caso eu fosse dar aula algum dia. Nessa mesma época eu assistia muito uma série criminal e comecei a me interessar pela área forense. Descobri que existia um curso de Química Forense em Ribeirão Preto e decidi prestá-lo. Não ingressei direto na universidade após o ensino médio, fiz um ano de cursinho, no qual decidi prestar Química em outras universidades. Em 2011 passei na Licenciatura em Química em Araras, mas no final do segundo semestre pedi transferência para o curso de Bacharelado em Química em São Carlos. A experiência em São Carlos foi muito diferente da de Araras, fui aprovada nas disciplinas de laboratório e Química Inorgânica, e as outras matérias foram se acumulando. No meio de 2015 eu estava, teoricamente, no meu quarto ano de curso, mas tinha concluído apenas metade do curso. Eu precisava trabalhar ou conseguir um estágio, devido a situação financeira, e o curso integral não me possibilitava isso. Então decidi prestar Licenciatura em Química na UNESP, que por ser noturno me permitia desenvolver atividade remunerada no outro período, e eu acreditava que possuía uma grade semelhante à do bacharelado, de forma que eu pudesse trabalhar em uma indústria depois de formada. Consegui equivalência de 14 disciplinas, mas não consegui adiantar o curso devido a reformulação que a grade do curso teve um ano antes de eu ingressar. No meu primeiro ano na UNESP, consegui estágio em um laboratório de combustíveis. Fiquei extremamente feliz, eu estava trabalhando no que tanto gostava, no laboratório! Após seis meses estagiando no laboratório, fui para o centro de controle, no qual passava meio período na frente do computador. Mesmo assim, adorava as atividades que desenvolvia e fiquei nesse estágio por dois anos. Ao final do contrato de estágio consegui um novo estágio, na Embraer. Foi uma área totalmente diferente, relacionada com a engenharia, visto que eu auxiliava 18 a supervisão das oficinas de componentes, elaborando equivalências de produtos químicos, estudava manuais de componentes e auxiliava na homologação de componentes que são reparados no Centro de Serviços. Consegui conciliar bem os dois estágios que tive juntamente com as disciplinas cursadas na universidade. As primeiras disciplinas pedagógicas que tive agregaram pouco à minha formação, e não desenvolveram meu interesse pela área da educação. No quarto ano do curso, tive duas disciplinas que despertaram meu interesse pela educação. As disciplinas de didática e de currículo, linguagem e avaliação, mudaram minha perspectiva quanto a educação, e comecei a considerar trabalhar na área. No quinto ano de curso, comecei a escrever meu TCC. A escolha de um orientador, de um projeto e o desenvolvimento da pesquisa me aproximaram consideravelmente da educação, até porque comecei a frequentar as reuniões quinzenais do grupo de pesquisa do meu orientador, que discutia vários assuntos da área. Tal proximidade aumentou meu interesse a ponto de considerar um mestrado em educação. 19 1 Introdução Pesquisas mostraram que grande parte dos estudantes, graduados e pós- graduados em química ou áreas correlatas atribuem a estabilidade da ligação iônica à regra do octeto (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994; BALTIERI; MORALLES; BEGO, 2019a; 2019b). Desta forma, esta pesquisa visou verificar se as respostas mais recorrentes apresentadas pelos estudantes também estão presentes nos livros didáticos. Mais especificamente, esta pesquisa analisou os livros didáticos sugeridos na bibliografia do processo seletivo para a pós-graduação em Química de uma universidade pública do estado de São Paulo. Com base na literatura especializada, a seção 1.1 descreve as características da ligação iônica, os fatores que a estabilizam e sua definição. A seção foi elaborada com a finalidade de comparar se os fatores encontrados na literatura especializada são semelhantes aos encontrados na bibliografia indicada para o processo seletivo da pós-graduação. Estas informações foram trianguladas com as respostas dos estudantes, analisadas no referencial teórico, utilizando-se assertivas para categorizar em qual grau (integralmente, parcialmente, não atende) os livros indicados na bibliografia atendiam os fatores que justificam a estabilizam de uma ligação iônica. O propósito era verificar se os livros apresentam uma concepção correta sobre a formação e estabilidade de uma ligação iônica. 1.1 A Ligação Iônica O estado sólido da matéria pode ser caracterizado por apresentar átomos, íons ou moléculas em posições rígidas e ordenadas no espaço. Os sólidos podem ser categorizados em quatro grandes classes principais, de acordo com a natureza das unidades estruturais constituintes e os diferentes tipos de ligações (Quadro 1). Essas classes são denominadas de: covalente, metálica, iônica e molecular (BENVENUTTI, 2011). Quadro 1. Tipos de sólidos, unidades estruturais e natureza das ligações CLASSE UNIDADES ESTRUTURAIS NATUREZA DAS LIGAÇÕES Iônico Íons Iônica Metálico Átomos Metálica Covalente Átomos Covalente Molecular Moléculas Forças químicas Fonte: Adaptado de Benvenutti (2011, p. 157). 20 O foco de interesse desta pesquisa são os sólidos iônicos, nos quais a interação entre as unidades estruturais pode ser caracterizada como prevalentemente iônica. Pode-se citar como exemplos de sólidos iônicos os sais, alguns óxidos1, hidróxidos, sulfetos e a maioria dos compostos inorgânicos (BENVENUTTI, 2011; LEE, 1999). Segundo as recomendações do Compêndio de Terminologias Químicas da International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC, 2014, p. 767, tradução livre2), o “Gold Book”, pode-se definir ligação iônica como: A ligação que ocorre em átomos com eletronegatividades nitidamente diferentes. Em termos estritos, uma ligação iônica refere-se à atração eletrostática experimentada entre as cargas elétricas de um cátion e um ânion, em contraste com uma ligação puramente covalente. Na prática, é preferível considerar a quantidade de íons de caráter iônico do que se referir às ligações puramente iônicas ou puramente covalentes. Ou seja, não é possível afirmar que uma ligação é completamente iônica ou covalente, e sim que a ligação é predominantemente iônica ou covalente. A definição da IUPAC para ligação iônica apresenta a relação proposta por Linus Pauling para o cálculo do caráter iônico de uma ligação (IUPAC, 2014, p. 767, tradução livre3): A relação proposta por L. Pauling para estimar o caráter iônico de uma ligação entre os átomos A e B foi: Quantidade de caráter iônico = 1 − 𝑒− 1 4(𝜒𝐴 − 𝜒𝐵) Equação 1 onde χA e χB são as eletronegatividades de Pauling dos átomos A e B. A ligação iônica é realizada principalmente em sólidos. Além do caráter prevalentemente iônico de suas ligações, um sólido iônico pode ser caracterizado por suas propriedades macroscópicas, a se citar: I) possuírem alto ponto de fusão; II) serem duros e quebradiços; III) conduzirem eletricidade quando aquecidos até o estado liquefeito; IV) muitos se dissolverem na presença de solventes 1 Nem todos os óxidos apresentam ligação preponderantemente iônica. Alguns óxidos, como o Mn2O7 (dióxido de manganês VII), apresentam uma ligação preponderantemente covalente. 2 The bond between atoms with sharply different electronegativities. In strict terms, an ionic bond refers to the electrostatic attraction experienced between the electric charges of a cation and an anion, in contrast with a purely covalent bond. In practice, it is preferable to consider the amount of ionic character of a bond rather than referring to purely ionic or purely covalent bonds. 3 The relationship was proposed (L. Pauling) for the estimation of ionic character of a bond between atoms A and B: Amount of ionic character = 1- e-14(A-B) where χA and χB are the Pauling electronegativities of atoms A and B. This type of bonding is realized mostly in solids. 21 de alta polaridade, nas condições normais de temperatura e pressão4 (RAYNER- CANHAM; OVERTON, 2015). Os compostos iônicos não conduzem eletricidade no estado sólido devido às posições fixas dos íons na matriz, que não permitem condução de corrente elétrica5. Quando os compostos são fundidos ou dissolvidos, no entanto, as ligações iônicas são quebradas e os íons ficam livres para se moverem, possibilitando a passagem de corrente elétrica (BARROS, 1992). O fato de compostos iônicos apresentarem altos pontos de fusão está associado a características intrínsecas da ligação iônica. Os íons da rede cristalina interagem com os outros íons de carga oposta em todas as direções, tornando a ligação não-direcional. Essa característica, associada à natureza forte da energia de ligação, dificulta a quebra das interações entre os íons que se reflete em um alto ponto de fusão (BARROS, 1992). Os compostos iônicos também são quebradiços, pois diferentemente do que ocorre em uma ligação metálica, os elétrons não acompanham a movimentação dos íons quando é exercida uma força sobre o cristal. Isso faz com que íons de mesma carga se aproximem sem a blindagem dos elétrons, o que gera altas forças repulsivas que clivam o cristal em faces planas (BARROS, 1992). A solubilidade de um composto iônico está atrelada a duas componentes: a entalpia de dissolução e a entropia de solvatação. A entalpia de dissolução será negativa quando as interações soluto-solvente forem mais intensas que as interações soluto-soluto e solvente-solvente. A entropia pode ser comparada à entalpia de solvatação, que está relacionada ao abaixamento da desordem do sistema associada à interação do solvente aos íons. A interação das moléculas do solvente com um íon central faz com que ocorra um decréscimo da entropia associada a imobilização das moléculas, antes livres para se movimentarem, em torno de um ponto. Geralmente quando um composto iônico é dissolvido em um solvente de alta polaridade, as interações soluto-solvente são maiores que as interações soluto-soluto e solvente- solvente, explicando, assim, sua alta solubilidade nesse meio (SILVA; MARTINS; ANDRADE, 2004). 4 Neste texto adotou-se como condições normais de temperatura e pressão as seguintes condições: 273,15K e pressão de 101 325 Pa (LOURENÇO; PONTES, 2007). 5 De acordo com Halliday, Resnick e Walker (2009, p. 141) “corrente elétrica é um fluxo líquido de cargas”. 22 Outra forma de classificar os sólidos envolve a relação entre a ordenação periódica de suas unidades estruturais. Os sólidos podem ser classificados como cristalinos, que apresentam estrutura ordenada e periódica de longo alcance, ou amorfos, que apresentam ordenação apenas local (OHLWEILER, 1914). Os sólidos iônicos cristalinos têm seus íons ordenados em disposições geométricas regulares, com unidades de repetição chamadas de células unitárias. A célula unitária é o menor componente da estrutura que se repete por translação, sem rotação ou reflexão, em todas as direções, resultando, assim, em um cristal macroscópico. Esses cristais podem formar 14 estruturas distintas, conhecidas como redes de Bravais, representadas na Figura 1 (MIESSLER; FISCHER; TARR, 2014). Figura 1. Os retículos de Bravais. Fonte: Benvenutti (2011, p. 161). Um exemplo de sólido iônico cristalino muito comum em nosso dia a dia é o cloreto de sódio (NaCl). A estrutura do NaCl, ou estrutura do sal-gema, é composta por cubos de face centrada dos íons cloreto e sódio, como mostra a Figura 2. O íon sódio é rodeado por seis íons cloreto mais próximos e, cada íon cloreto, é rodeado 23 por seis íons sódio mais próximos, apresentando assim número de coordenação igual a 6 (MIESSLER; FISCHER; TARR, 2014). 24 Figura 2. Célula unitária do Cloreto de Sódio. Fonte: Miessler; Fischer; Tarr (2014, p. 220). A presença de íons Na+ e Cl- em uma organização a curto e a longo alcance na rede cristalina do NaCl contribui para o surgimento de uma energia de estabilização chamada de energia de rede (ΔU). Segundo Housecroft e Sharpe (2013, p. 175), a energia de rede de um composto iônico pode ser definida como “a variação da energia interna que acompanha a formação de um mol do sólido a partir de seus constituintes em fase gasosa a 0 K”. Em uma primeira aproximação, pode-se obter o valor teórico da energia de rede a partir do modelo eletrostático, no qual os íons são tidos como cargas pontuais. As energias associadas às interações atrativas e repulsivas no modelo eletrostático podem ser calculadas por meio da relação de Coulomb, descrita na Equação 2 (HOUSECROFT; SHARPE, 2013): ∆𝑈 = − ( |𝑧+||𝑧−|𝑒2 4𝜋𝜀0𝑟 ) Equação 2 Sendo: ΔU é a variação da energia interna; |𝑧+| é o módulo da carga do cátion; |𝑧−| é o módulo da carga do ânion; 𝑒 representa a carga do elétron (1,602.10-19 C); 𝜀0 é a permissividade do vácuo (8,854.10-12 F.m-1); 𝑟 é a distância entre os núcleos dos íons. Entretanto, o cálculo realizado por meio da equação de Coulomb considera que cada cátion apresenta apenas a interação com um ânion adjacente. Como cada íon em uma rede cristalina interage com vários outros íons, as interações entre estas 25 cargas com distâncias diferentes devem ser consideradas no cálculo total da energia de rede. O polinômio gerado pela somatória dessas várias contribuições converge para uma constante, que depende da estrutura do cristal, conhecida como constante de Madelung (GROSSO; FERMANN; VINING, 2001; MIESSLER; FISCHER; TARR, 2014). Utilizando-se as constantes de Madelung, é possível calcular a energia de uma rede iônica por meio de interações coulombianas pela seguinte equação: ∆𝑈 = − 𝑁𝐴𝐴|𝑧+||𝑧−|𝑒2 4𝜋𝜀0𝑟 Equação 3 Na qual NA é o número de Avogadro, demonstrando na equação que existem um mol íons positivos e negativos, e A é a constante de Madelung. A Tabela 1 mostra os valores das constantes de Madelung de algumas estruturas comuns (HOUSECROFT; SHARPE, 2013). Tabela 1. Constantes de Madelung (A é uma constante adimensional). Tipo de Estrutura A Cloreto de Sódio (NaCl) 1,7476 Cloreto de Césio (CsCl) 1,7627 Wurtzita (ZnS α) 1,6413 Blenda de Zinco (ZnS β) 1,6381 Fluorita (CaF2) 2,5194 Rutilo (TiO2) 2,408 Iodeto de Cádmio (CdI2) 2,355 Fonte: Housecroft e Sharpe (2013, p.177). O cálculo da energia interna de rede, por meio da fórmula de Coulomb, corrigida pela constante de Madelung, no entanto, é muito diferente dos valores experimentais encontrados para a energia de rede. Como exemplo, pode-se citar o NaCl, que apresenta ΔU = -879 kJ.mol-1, quando calculado pela Equação 3, e ΔU= - 788 kJ.mol-1, encontrado indiretamente a partir de dados experimentais. Isso se deve ao fato de que, quando os íons se aproximam muito, começam a ocorrer interações de repulsão entre as nuvens eletrônicas dos átomos ou íons (RAYNER-CANHAM; OVERTON, 2015). Para corrigir a equação e adicionar as contribuições das repulsões eletrônicas causadas pelas interações entre as nuvens eletrônicas dos íons, que nesse ponto não 26 são mais vistos com cargas pontuais, é necessário considerar, além das interações coulombianas, também as Forças de Born. Devido ao tamanho finito dos íons, ocorrem repulsões elétron-elétron e núcleo-núcleo, que se intensificam com a diminuição da distância entre os íons. Tais forças expressam o aumento da energia repulsiva na montagem da rede, partindo-se de íons gasosos (HOUSECROFT; SHARPE, 2013). A energia de repulsão da rede pode ser calculada considerando as Forças de Born por meio da Equação 4: ∆𝑈 = 𝑁𝐴𝐵 𝑟𝑛 Equação 4 sendo B é o coeficiente de repulsão e n é o expoente de Born. A equação total utilizada para descrever o valor teórico da energia de rede pode ser descrita pela Equação 5. Essa equação é conhecida como equação de Born- Landé (MIESSLER; FISCHER; TARR, 2014): 𝛥𝑈 = − 𝑁𝐴𝐴|𝑧+||𝑧−|𝑒2 4𝜋𝜀0𝑟𝑜 (1 − 1 𝑛 ) Equação 5 As discussões realizadas até o momento servem para se obter um valor teórico para a energia de rede de um composto iônico, desde que se conheça sua estrutura cristalina, uma vez que o valor da constante de Madelung depende de como os íons estão distribuídos na rede cristalina (RAYNER-CANHAM; OVERTON, 2015). Outra forma de determinar a energia de rede é por meio de dados experimentais, utilizando ciclos termodinâmicos, chamados de Ciclos de Born-Haber. Assim, apesar de não serem obtidos diretamente, os valores experimentais para a energia de rede podem ser obtidos indiretamente por meio do ciclo, uma vez que todos os outros valores do ciclo são factíveis de serem obtidos experimentalmente (LEE, 1999). Nesses ciclos estão envolvidas diversas variações de entalpia para formação de compostos iônicos e, de acordo com a Lei de Hess, o cálculo da variação de uma grandeza considerada como uma função de estado6, independe do caminho. Assim, independente dos processos envolvidos nessa variação, o que realmente importa são 6 A variação de uma função de estado não depende do processo que leva do valor inicial ao valor final, não importando a forma (caminho) como esses estados são atingidos (BARROS,1992). 27 os estados inicial e final da reação global. É nessa premissa que a utilização do ciclo de Born-Haber se fundamenta (BARROS, 1992). A Figura 3 mostra o ciclo de Born- Haber para formação do NaCl e, em seguida, são descritas as etapas envolvidas em cada processo. Figura 3. Ciclo de Born-Haber para NaCl(s). Fonte: Barros (1992, p. 40). As etapas descritas no ciclo de Born-Haber estão detalhadas nos processos abaixo: I. Na(s) → Na(g) ΔHºsub = 108 kJ.mol-1 II. Na(g) → Na+ (g) + e− ΔHºI = 496 kJ.mol-1 III. ½Cl2(g) → Cl(g) ½ ΔHºdiss = 121 kJ.mol-1 IV. Cl(g) + e− → Cl-(g) ΔHºae = −348 kJ.mol-1 V. Na+ (g) + Cl-(g) → NaCl(s) ΔHºrede = ? __________________________________________________________________________ VI. Na(s) + ½ Cl2(g) → NaCl(s) ΔHºform = - 411 kJ.mol-1 - 411 = 108 + 496 + 121 – 348 + ΔHºrede ΔHºrede ≅ ΔUexp = − 788 kJ.mol-1 No Processo I ocorre a sublimação de um átomo de sódio, que passa do estado sólido para o estado gasoso. Esse processo é endotérmico, pois absorve energia para quebrar as interações entre os átomos de sódio no sólido metálico. O Processo II representa a ionização do sódio, na qual o átomo de sódio perde um 28 elétron, tornando-se um íon positivo (cátion). O processo é altamente endotérmico. A quebra da ligação covalente entre os átomos de cloro, necessária para separar a molécula de cloro gasoso em dois átomos de cloro gasoso, é realizada no Processo III. O valor da entalpia é dividido por dois, pois será ligado um átomo de sódio a um átomo de cloro, isto é, será utilizado apenas um átomo de cloro nessa etapa. No Processo IV, o átomo de cloro ganha o elétron perdido na ionização do sódio, transformando-se no íon cloreto. A energia associada a esse processo exotérmico é chamada de afinidade eletrônica. No Processo V há a formação da rede iônica, no caso do NaCl(s), partindo dos reagentes no estado gasoso. Essa entalpia de rede associada ao processo não pode ser medida diretamente, mas, aplicando os princípios da lei de Hess, pode ser obtida experimentalmente de forma indireta. O Processo VI representa a reação global. Parte-se de 1 mol de átomos de sódio sólidos e de meio mol de moléculas de cloro gasoso para a formação da rede cristalina de 1 mol de cloreto de sódio sólido (BARROS, 1992). Por meio do ciclo é possível verificar que, nos processos II e IV, o sódio perde um elétron, no processo de ionização, e o cloro recebe um elétron, formando o íon cloreto, e ambos os íons passam a ficar com a camada de valência completa. A soma dos valores de ΔHº dos dois processos resulta em um valor positivo, +148 kJ.mol-1, ou seja, não se trata de um processo espontâneo. Isso mostra que a denominada regra do octeto não é a proposição teórica que justifica a formação da estrutura cristalina estável do NaCl, sendo a energia de rede a responsável por estabilizar a formação da mesma7 (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994). A constante de Madelung e as Forças de Born fornecem a energia de rede (ΔU) teórica, enquanto o Ciclo de Born-Haber fornece a energia de rede experimental. As energias de rede experimental e teórica serão mais parecidas quanto maior for o caráter iônico da ligação apresentada no sólido. Energias de rede teóricas muito diferente de energias de rede experimentais podem significar que o composto tratado como iônico apresenta elevado número de ligações com caráter covalente (LEE, 1999). Conforme discutido ao longo desta seção, fundamentada em uma literatura especializada bem estabelecida, pode-se justificar a formação de uma ligação iônica 7 Para efeitos de comparação da espontaneidade do processo é importante salientar que, em sistemas que operam a volume constante, pode-se considerar que a variação da entalpia é aproximadamente a variação da energia interna do sistema (LEVINE, 2012). 29 com base em uma somatória ponderada de interações a longo alcance de atração e repulsão entre os íons e suas partículas fundamentais em uma rede cristalina. Apesar dessas discussões estarem bem estabelecidas na literatura, pesquisas apontam que existe muita confusão sobre a estabilidade da ligação iônica na concepção de alunos do ensino médio e, até mesmo, entre chamados especialistas, como, por exemplo, graduandos, pós-graduandos e professores da área de Química. As próximas seções apresentam uma síntese de alguns trabalhos da literatura que pesquisaram quais as principais concepções, encontradas em alunos e professores, sobre a estabilidade da ligação iônica. 1.2 Concepções dos estudantes sobre a estabilidade de uma ligação iônica segundo a literatura As concepções sobre um determinado conceito científico que diferem das concepções científicas vigentes são denominadas, na literatura, como concepções alternativas ou concepções prévias. Concepções alternativas podem ser definidas como ideias, oriundas do senso comum, que os alunos utilizam como ponto de ancoragem para acomodar um novo conceito. O que difere uma concepção prévia de uma concepção alternativa é que, na concepção prévia, o aluno ainda não teve contato com o conhecimento científico, enquanto a concepção alternativa ocorre durante o processo de ensino e aprendizagem, isto é, quando o aluno associa erroneamente a concepção prévia e o conhecimento científico, gerando um conhecimento que é alternativo à ciência (SANMARTÍ, 2009). Desse modo, as concepções alternativas são geradas não só pelas experiências cotidianas dos alunos, como também por meio do ensino formal e/ou de livros didáticos (SILVA JUNIOR; DANTAS; FARIAS, 2017). De acordo com Teodoro e Nardi (2010), o problema das concepções alternativas dos alunos é que elas podem divergir consideravelmente do conhecimento científico vigente. Dentre as principais características das concepções alternativas, pode-se citar: I) estáveis e resistentes à mudança, podendo ser encontradas em indivíduos que passaram por longos processos de escolarização; II) similares entre pessoas de diferentes: idade, sexo, país ou formação; III) implícitas e, normalmente, não verbalizadas; IV) fundamentadas na utilidade prática e não na consistência teórica (POZO; GÓMEZ CRESPO, 2013). 30 As concepções alternativas podem ser categorizadas em três dimensões: sensorial, cultural e escolar. Na sensorial o aluno atribui explicações de senso comum às atividades cotidianas, baseadas em percepções sensoriais, sendo que essa aproximação com o senso comum visa simplificar o entendimento do conteúdo científico. Já a dimensão cultural está relacionada à natureza, ciência e tecnologia, isso porque a ciência se apropria de termos da linguagem cotidiana para serem aplicados a um contexto específico, o que pode gerar confusão nos alunos, atrelado ao fato da mídia ser utilizada atualmente como fonte de informação científica. A dimensão escolar está relacionada aos erros conceituais que podem ser gerados tanto pela explicação do professor quanto pelos livros didáticos (POZO; GÓMEZ CRESPO, 2013). Vários trabalhos da literatura se empenharam em pesquisar quais as principais concepções alternativas, relacionadas à ligação iônica, que podem ser encontradas em professores e alunos. Para Mortimer, Mol e Duarte (1994), as concepções alternativas sobre ligação iônica estão relacionadas com a ausência de justificativas que utilizam argumentos fundamentados em variações energéticas para explicar a estabilidade do composto. Essa ausência de justificativas leva à formação de uma concepção no aluno restrita à transferência de elétrons, isto é, passam a considerar uma única ligação nos compostos iônicos, um par iônico (COLL; TREAGUST, 2003). De acordo com a revisão sistemática realizada por Baltieri (2019), as concepções alternativas associadas às ligações iônicas pelos alunos podem ser identificadas em trechos como: “Átomos querem formar ligações para atingirem o octeto”, “É necessário fornecer energia para formar e quebrar uma ligação”, “Regra do octeto é usada para prever se a ligação será iônica ou covalente”, entre outros. Pesquisas como a de Taber (2000) verificaram que professores associam a formação da ligação iônica à regra do octeto, em vez de relacionar à diminuição da energia total do sistema. Segundo o autor, o fato de professores e alunos compartilharem das mesmas concepções alternativas pode ser atribuído a uma não discussão do modelo eletrostático durante a formação de professores. Essas concepções alternativas comuns a ambos também estão presentes em livros didáticos, que são, na maior parte das vezes, a principal fonte de consulta utilizadas pelos professores. Em relação ao processo de ensino e aprendizagem sobre a ligação iônica, Mendonça e Justi (2009) discutem o caráter covalente presente na ligação iônica e 31 discutem a diminuição da energia total do sistema, tratando os íons como cargas puntiformes. Além disso, as autoras comparam valores teóricos e experimentais, estruturas cristalinas, entre outros, e afirmam que o modelo eletrostático é satisfatório para explicar a formação da ligação iônica. As autoras evidenciam, ainda, que o ciclo de Born-Haber é eficiente para cálculos de energias de rede dos metais alcalinos, visto que as discrepâncias entre os valores teóricos e experimentais são mínimas. Contudo, segundo as autoras, o modelo eletrostático, que considera os íons como cargas pontuais, deve ser evitado no ensino médio dado seu nível de complexidade. Propriedades como afinidade eletrônica e energia de ionização podem ser utilizadas para entendimento da formação de ligação iônica, desde que sejam ressaltados os aspectos energéticos envolvidos. Uma importante fonte de concepções alternativas sobre ligação iônica são os livros didáticos. A literatura defende que, para evitar essas concepções alternativas e a veiculação de simplificações distorcidas, os livros didáticos precisariam privilegiar a abordagem integradas dos 3 aspectos do conhecimento químico: fenomenológico, teórico e representacional. No aspecto fenomenológico são realizadas observações e medições de fenômenos e processos, enquanto o aspecto teórico é responsável pela formulação de explicações para os fatos empíricos. Já no aspecto representacional são desenvolvidos modelos, gráficos e equações relacionados mais especificamente com a linguagem química (BEGO et al., 2019; MORTIMER; MACHADO; ROMANELLI, 2000). As próximas seções apresentam, com detalhes, alguns artigos científicos que discutem concepções alternativas sobre ligação iônica, encontradas em alunos do ensino médio, graduados e pós-graduados. Esses artigos foram tratados com mais detalhes, por fazerem parte do referencial teórico que motivaram essa pesquisa. 1.2.1 Concepções de alunos do Ensino Médio O artigo “Regra do Octeto e Teoria da Ligação Química no Ensino Médio: Dogma ou Ciência?” foi escrito por Eduardo Fleury Mortimer, Gerson Mol e Lucienir Pains Duarte, em 1994, e publicado na revista Química Nova. Na introdução do artigo é discutido que, geralmente, a tendência de átomos a perderem ou ganharem elétrons é justificada por meio da regra do octeto. Assim, os átomos perderiam ou ganhariam elétrons para atingir uma configuração eletrônica estável, que seria a configuração de um gás nobre. Porém, conforme já amplamente 32 discutido na seção anterior, quando se analisa, por exemplo, a formação do composto iônico cloreto de sódio, o que proporciona estabilidade é a somatória ponderada de todas as interações eletrostáticas de atração e repulsão de todos os íons na rede cristalina, chamada de energia de rede. Assim, a estabilidade físico-química de um composto iônico não pode ser justificada, simples e diretamente, pelo fato de os íons atingirem a configuração de gás nobre (regra do octeto) (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994). A grande crítica apresentada pelos autores é que o procedimento de atribuição de estabilidade de um composto iônico a partir da regra do octeto tornou- se um ritual tão enraizado em sala de aula que suplantou princípios mais gerais, como, por exemplo, as variações de energia envolvidas na formação de ligações iônicas. Dessa forma, mesmo dados empíricos conflitantes com essa explicação são ignorados, como no caso da ionização do átomo de sódio para o íon sódio(I), que apresenta uma variação de entalpia positiva (+502,0 kJ.mol-1) (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994). Além disso, a soma das variações de entalpia dos processos de ionização dos átomos de Na(g) e Cl(g) resulta em um valor de entalpia positiva (+160,0 kJ.mol-1), ou seja, não é um processo espontâneo e, portanto, não pode ser um argumento plausível para justificar a estabilidade da ligação iônica. No entanto, a formação da rede cristalina apresenta uma variação de entalpia negativa (-788 kJ mol-1). A soma dos valores das variações de entalpia dos processos de ionização e da variação da entalpia da formação da rede cristalina resulta em um valor negativo (-628 kJ mol-1), isto é, um processo espontâneo8 (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994). No artigo em questão foi realizado um levantamento das respostas dos candidatos da segunda fase do vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) do ano de 1992, analisando-se a seguinte questão (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 244): As variações de entalpia envolvidas nas etapas de formação de NaCl(s) a partir dos átomos gasosos são: Na(g) → Na+ (g) + é ΔH = +502,0 kJ.mol-1 Cl(g) + é → Cl-(g) ΔH = -342,0 kJ.mol-1 Na+ (g) + Cl-(g) → NaCl(s) ΔH = -788,0 kJ.mol-1 1. CALCULE a variação de entalpia da reação 8 Como já discutido, essa afirmação se refere a sistemas que operam a volume constante. 33 Na(g) + Cl(g) → Na(g) + Cl(g) 2. CALCULE a variação de entalpia do processo global de formação do NaCl(s) a partir dos átomos gasosos. 3. Considere a afirmativa: “O que estabiliza o cloreto de sódio é a formação de octetos de elétrons de valência nos íons cloreto e sódio”. A partir dos resultados obtidos nos itens 1 e 2, INDIQUE se a afirmativa é verdadeira ou falsa e JUSTIFIQUE a resposta. De um total de 3.113 provas, uma amostragem estatística de 779 (25,0%) provas foi analisada. Das 779 provas, 542 estudantes (aproximadamente 69,7%) acertaram completamente os itens A (item 1)9 e B (item 2) da questão, que envolviam os cálculos do ΔH. Considerando os estudantes que acertaram apenas um dos itens, A ou B, tem-se 635 estudantes (81, 5%) (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994). Para análise do item 3, as respostas foram agrupadas em cinco categorias e divididas de acordo com a avaliação do aluno como verdadeira ou falsa, conforme apresentado na Tabela 2. Para que fosse considerada uma categoria, foi necessário que pelo menos 8 estudantes (1,0% da amostra) se enquadrassem na mesma. As respostas com menos de 1,0% foram categorizadas como “Outras Respostas” (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994). A categoria com maior número de respostas foi “Regra do Octeto”, com 296 estudantes (38,0%), dos quais 285 (36,6%) consideraram a afirmativa do item 3 como verdadeira e 11 estudantes (1,4%) como falsa. Dos 285 que consideraram como verdadeira, 218 (28,0%) acertaram totalmente os itens A e B, demonstrando dessa forma que ignoraram os cálculos que tinham realizado. Uma das respostas obtidas nesta categoria foi: “para estabilizar o NaCl há formação dos octetos nos íons Cl- e Na+, liberando grande quantidade de energia” (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 246). A categoria que relaciona as respostas à teoria das ligações químicas, como Ligação Iônica ou Rede Cristalina, obteve 137 respostas (17,6%), das quais 76 estudantes consideram a afirmação do item 3 como verdadeira e 61 estudantes consideram falsa. Como exemplo de resposta, pode-se citar: “A formação dos octetos necessita de energia, não sendo estados estáveis, e não é a formação desses octetos o que estabiliza o NaCl e sim a união dos íons” (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 247). 9 A questão do vestibular descrita no artigo divide a questão nos itens 1, 2 e 3. Porém, durante a análise dos dados os autores se referem ao item 1 como item A, e ao item 2 como item B. Essa denominação foi mantida neste texto. 34 Na terceira categoria, as respostas são justificadas com o argumento de que a formação do NaCl libera energia e, 135 estudantes (17,3%) foram categorizados nela, dos quais 73 estudantes consideraram o item 3 como verdadeiro e 62 estudantes consideraram como falso. Dos 62 estudantes que consideraram como falso, 60 acertaram totalmente os itens A e B. Deste último grupo, uma das respostas obtidas foi: “o que dá estabilidade ao NaCl é o baixo conteúdo energético do composto. Sua formação é acompanhada de grande liberação de energia” (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 248). Na quarta categoria, os estudantes afirmaram que o íon sódio e/ou cloreto não formava octeto, e das 36 respostas obtidas na categoria, 34 consideram a afirmativa do item 3 como falsa. Um exemplo de resposta obtida nesta categoria foi: “Falsa. Nos íons cloro e sódio não há formação de octeto e por isso é preciso absorver energia” (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 248). Na quinta categoria, apresentava-se uma hipótese ad hoc como justificativa, na qual o NaCl é formado a partir dos átomos gasosos, não sendo necessária a formação dos íons calculada no item 1. Se enquadram nessa categoria 27 respostas (3,5%), das quais 23 consideram a afirmativa do item 3 como falsa e 4 como verdadeira. Dos alunos que consideraram a afirmativa como falsa, um justificou como: “A afirmativa é falsa pois os elementos usados na formação do NaCl(s) são o Na(g) e o Cl(g) e não seus respectivos íons” (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 248). Na categoria Outras Respostas, foram classificadas 61 respostas (6,8%), que não apresentaram justificativas consideradas como significativas, como por exemplo: “Verdadeira. É uma reação endotérmica com uma energia de ativação bastante alta, dando assim maior estabilidade” (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 249). Todos os dados discutidos nos parágrafos anteriores estão sumarizados na Tabela 2. 35 Tabela 2. Respostas Apresentadas pelos Estudantes ao Item 3 da Questão Analisada Afirmativa do item 3 é verdadeira Afirmativa do item 3 é falsa Totais Desempenho nos itens anteriores Tipo de Justificativa Acertou os itens A e B Acertou os itens A ou B Errou os itens A e B Acertou os itens A e B Acertou os itens A ou B Errou os itens A e B Regra do Octeto 218 (28,0%) 40 (5,1%) 27 (3,5%) 8 (1,0%) --- 3 (0,4%) 296 (38,0%) Ligação Iônica e/ou Força Eletrostática e/ou Rede Cristalina 63 (8,1%) 11 (1,4%) 2 (0,3% 57 (7,3%) 2 (0,3%) 2 (0,3%) 137 (17,6%) Formação de NaCl Libera Energia e/ou Formação de Íons Absorve 56 (7,2%) 13 (1,7%) 4 (0,5%) 51 (6,55%) 9 (1,2%) 2 (0,3%) 135 (17,3%) Íon Sódio e/ou Cloro Não Forma Octeto 1 (0,1%) --- 1 (0,1%) 24 (3,1%) 6 (0,8%) 4 (0,5%) 36 (4,6%) NaCl é Formado a Partir dos Átomos Gasosos 3 (0,4%) 1 (0,1%) --- 21 (2,7%) 1 (0,1%) 1 (0,1%) 27 (3,5%) Outros Tipos de Justificativa 24 (3,1%) 7 (0,9%) 4 (0,5%) 16 (2,1%) 3 (0,4%) 7 (0,9%) 61 (7,8%) Totais 365 (46,9%) 72 (9,2%) 38 (4,9%) 177 (22,7%) 21 (2,7%) 19 (2,4%) 692 (88,8%) Item 3 em Branco 67 (8,6%) Questão em Branco 20 (2,6%) Total Geral 779 (100%) Fonte: Adaptada de Mortimer, Mol e Duarte (1994, p. 247). 36 Em seu artigo, Mortimer, Mol e Duarte (1994) discutem a teoria piagetiana da equilibração, na qual a pessoa reconhece uma perturbação às suas concepções prévias devido à ausência de elementos suficientes para resolver uma determinada situação-problema ou pelo fato de a situação ser conflitante com o conhecimento já assimilado. Para Piaget10 (1977 apud MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 244) uma situação perturbadora nem sempre leva à superação da ideia inicial, isso porque a pessoa pode não reconhecer a perturbação, ou reconhecer e justificar com uma hipótese ad hoc, de forma que a ideia inicial não seja suplantada. Para que a perturbação seja superada é necessário o que Piaget chama de construção compensatória, na qual as perturbações geradas são corrigidas por meio da assimilação de um novo conhecimento. A construção compensatória é importante para que não sejam geradas hipóteses ad hoc ou erros conceituais, que podem ser gerados por meio das concepções alternativas à ciência que os alunos já possuem (RAVIOLO; GARRITZ, 2009). Baseada nessa construção compensatória, em uma segunda análise, foram desconsideradas as respostas dos alunos que erraram totalmente os itens A e B. A premissa dos autores era de que nesses alunos não havia sido gerada perturbação suficiente para responder o item 3, isto é, não haviam conseguido comparar a afirmação do item 3 com os resultados dos itens A e B. A perturbação seria, a partir dos cálculos dos itens A e B, perceber que a afirmação do item 3 era falsa, e que não seria o octeto eletrônico que estabilizaria a ligação iônica. A categoria “Outras Respostas” da Tabela 2 também foi desconsiderada nessa segunda análise, dada a dificuldade de categorizar suas justificativas (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 249). Os resultados dos alunos que acertaram totalmente os itens A e B foram agrupados com os que acertaram parcialmente, a fim de facilitar a análise. Para analisar como os alunos compensaram a perturbação causada pela afirmação do item 3, foram criadas sete categorias, mostradas na Tabela 3. Nas categorias do tipo I, o estudante considerou a afirmação do item 3 como verdadeira e, na categoria do tipo II, considerou a afirmação como falsa (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 249). 10 PIAGET, J. O desenvolvimento do pensamento: Equilibração das estruturas cognitivas. Lisboa: Dom Quixote, 1977. 37 A categoria I foi subdividida em: I1 (Desconhece a perturbação e nada acrescenta à explicação do item 3), I2 (Desconhece a perturbação, mas constata que a formação de íons absorve energia) e I3 (Desconhece a perturbação, porém acrescenta uma explicação além da regra do octeto) (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 249). A categoria II também foi subdividida em 3: II1 (Reconhece a perturbação, mas apenas constata o fato), II2 (Reconhece a perturbação, mas deturpa o significado do resultado) e II3 (Reconhece a perturbação e justifica com uma hipótese ad hoc). Na categoria III a perturbação é considerada previsível e tida como uma opção dentro do sistema de explicação (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 249). Tabela 3. Análises das Respostas em Termos de Compensação à Perturbação Tipo de Justificativa Afirmação do Item 3 é verdadeira Afirmação do Item 3 é falsa Regra do Octeto Simplesmente desconhece a perturbação e nada acrescenta à explicação contida no item 3 Tipo de compensação: I1 258 (33,1%) Inconsistência lógica 8 (1,0%) Ligação Iônica e/ou Força Eletrostática e/ou Rede Cristalina Desconhece a perturbação, mas acrescenta uma explicação além da regra do octeto Tipo de compensação: I3 74 (9,5%) Considera a perturbação como previsível dentro da explicação apresentada. Portanto, a perturbação não é considerada como tal, mas como uma possibilidade dentro do sistema de explicação. Tipo de compensação: III 59 (7,6%) Formação do NaCl Libera Energia e/ou Formação dos Íons Absorve Energia Desconhece a perturbação apesar de constatar o fato de que a formação dos íons absorve energia Tipo de compensação: I2 69 (8,2%) Reconhece a perturbação, mas não a compensa, pois não oferece nenhuma explicação para o fato perturbador, apenas constatando-o. Tipo de compensação: II1 60 (7,7%) Íon Sódio e/ou Cloro Não Formam Octeto Inconsistência lógica 1 (0,1%) Reconhece a perturbação, mas deturpa o significado do resultado no lugar de modificar o conceito expresso no item 3 Tipo de compensação: II2 30 (3,9%) NaCl é Formado Diretamente a Partir dos Átomos Gasosos Cria um artifício para ignorar a perturbação, ignorando a etapa de formação dos íons em virtude de ela consumir energia Tipo de compensação: I2 4(0,5%) Reconhece a perturbação e cria uma hipótese ad hoc para compensá-la, no lugar de modificar o conceito expresso no item 3 Tipo de compensação: II3 22 (2,8%) Fonte: Adaptada de Mortimer, Mol e Duarte (1994, p. 249). 38 Assim, na categoria I o aluno não reconhece a perturbação, pois mesmo com os resultados dos itens A e B, afirma que o item 3 é verdadeiro, repetindo os argumentos do item 3 (I1); constatando o resultado de que a formação de íons absorve energia, porém sem questionar o item 3 (I2); ou justificando a estabilidade do NaCl por meio da ligação química, mas sem questionar a regra do octeto (I3) (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 249). Na categoria II o estudante reconhece a perturbação, pois considera o item 3 falso, mas não a compensa ou compensa parcialmente (II1). Nos casos em que o aluno deturpou o resultado, afirmando que os íons não formavam octeto, a resposta foi categorizada como II2. Na categoria II3 estão as hipóteses ad hoc, na qual o aluno afirma que o cloreto de sódio poderia ser formado sem passar pela etapa de formação de íons, partindo-se de seus átomos gasosos. Na categoria III os alunos reconhecem que a formação da ligação iônica é devido à atração eletrostática entre os íons e ao abaixamento de energia do sistema, o que proporciona maior estabilidade (MORTIMER; MOL; DUARTE, 1994, p. 249). Em síntese, o artigo evidenciou que a maioria dos estudantes, formados no Ensino Médio, atribui a estabilidade da ligação iônica à regra do octeto, desconhecendo ou ignorando os reais fatores que estabilizam a ligação. Destaca-se ainda que, mesmo os estudantes que realizaram corretamente os cálculos da variação de energia associada à formação da ligação iônica, a maior parte não reconhece ou não justifica corretamente a perturbação, mantendo ainda a justificativa de regra do octeto. Essa concepção pode estar atrelada não só à formação dos estudantes, mas também à formação de seus professores e aos livros didáticos amplamente utilizados no ensino de química em diversos níveis. Na próxima seção discute-se a aplicação de uma questão semelhante aos candidatos a um programa de pós-graduação em Química de uma universidade pública. 1.2.2 Concepção de graduados e pós-graduados em Química ou áreas afins O resumo de congresso “Concepções de candidatos a um programa de mestrado em Química sobre parâmetros de estabilidade de ligação iônica” foi escrito por Ricardo Santos Baltieri, Vagner Antonio Moralles e Amadeu Moura Bego em 2019. O trabalho foi apresentado no X Encontro Paulista de Pesquisa em Ensino de Química (X EPPEQ), realizado na cidade de Bauru - SP. A proposta do trabalho era identificar 39 as concepções dos candidatos ao mestrado acadêmico em Química sobre os aspectos que influenciam a estabilidade de uma ligação iônica. Inspirado no artigo de Mortimer, Mol e Duarte (1994), o trabalho analisou as respostas de uma questão do processo seletivo de pós-graduação em uma universidade pública do Estado de São Paulo, do ano de 2017. No item A da questão, era pedido ao aluno que representasse o Ciclo de Born-Haber para a formação do NaCl(s) e que calculasse a variação de entalpia envolvida no processo. No item B, o candidato deveria discutir a seguinte afirmação: “o que estabiliza o cloreto de sódio é a formação de octetos de elétrons nos íons cloreto e sódio” (BALTIERI; MORALLES; BEGO, 2019a). Dos 30 candidatos inscritos na prova, 5 (16,7%) acertaram o item A totalmente, 15 (50,0%) acertaram parcialmente, 8 (26,7%) erraram o item, e 2 (6,70%) não o fizeram11. Dos 15 candidatos que acertaram parcialmente o item, 12 (80,0%) acertaram somente os cálculos, enquanto 3 (20,0%) acertaram apenas o Ciclo de Born-Haber (BALTIERI; MORALLES; BEGO, 2019a). As respostas do item B foram classificadas em oito categorias, apresentadas na Tabela 4, apenas para os candidatos que acertaram totalmente ou parcialmente o item A. Segundo os autores, essas categorias são uma adaptação das categorias apresentadas por Mortimer, Mol e Duarte (1994). Devido às especificidades das respostas encontradas, houve a necessidade da criação das categorias B1 e B2 (BALTIERI; MORALLES; BEGO, 2019a). Tabela 4. Categorias de respostas do item B. Categoria Descrição/ porcentagem A Regra do octeto (31,6%) B Ligação iônica, força eletrostática e rede cristalina (10,5%) B1 Rede cristalina (26,3%) B2 Ligação iônica e/ou Força eletrostática (10,5%) C Formação do NaCl libera energia e/ou formação dos íons absorve energia (5,3%) D Íons sódio e/ou cloro não formam octetos (0,0%) E NaCl é formado diretamente a partir de átomos gasosos (0,0%) F Respostas que não são plausíveis ao tema (15,8%) Fonte: Adaptada de Baltieri; Moralles e Bego (2019a, p.1). 11 Importante salientar que o fato de o candidato não ter feito a questão não indica, necessariamente, que este não sabia resolver. Isso se deve ao fato de a prova apresentar 12 questões, sendo opção do candidato escolher 8 para serem resolvidas. 40 Das 14 provas classificadas no item B, não foram encontradas respostas para as categorias D e E, sendo que 6 (31,6%) das respostas foram classificadas na categoria A; 2 (10,5%) na categoria B; 5 (26,3%) na B1; 2 (10,5%) na B2; 1 (5,30%) na categoria C; e 3 (15,8%) na categoria F. Tal categorização explicita que a maior parte dos candidatos, 31,6%, justifica a estabilidade da ligação iônica por meio da regra do octeto, enquanto apenas 10,5% justificam corretamente por fatores energéticos (BALTIERI; MORALLES; BEGO, 2019a). Dos 30 candidatos ao mestrado, 10 (33,4%) não conseguiram reproduzir os cálculos de entalpia de formação e o Ciclo de Born-Haber para o NaCl. Em relação aos candidatos que acertaram parcialmente o item A, apenas 2 (10,5%) justificaram corretamente os fatores que estabilizam uma ligação iônica (BALTIERI; MORALLES; BEGO, 2019a). Na mesma linha de pesquisa, o trabalho “O que pensam os candidatos ao doutorado em Química sobre os parâmetros de estabilidade de uma ligação iônica” foi escrito por Ricardo Santos Baltieri, Vagner Antonio Moralles e Amadeu Moura Bego em 2019b. O trabalho foi apresentado no XVII EVEQ (Evento de Educação em Química) realizado na cidade de Araraquara-SP e o objetivo geral da pesquisa foi: “analisar se os candidatos, frente aos dados fornecidos, nos quais era possível verificar o aumento de energia ao perder um elétron, eram capazes de identificar uma incoerência na afirmação, já que essa dizia que atingir o octeto era suficiente para estabilizar os átomos” (BALTIERI; MORALLES; BEGO, 2019b, p. 2). Nesse trabalho, foram analisadas as respostas de 27 candidatos do processo seletivo de pós-graduação em uma universidade pública do estado de São Paulo. Segundo Baltieri e colaboradores (2019b, p. 3 - 4), os candidatos deveriam responder a seguinte questão: Em um artigo publicado na revista Química Nova, Mortimer e colaboradores analisaram as respostas dadas por vestibulandos a uma questão da prova de Química do exame vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que tratava das relações entre os aspectos envolvidos na formação de uma ligação química e a utilização da regra do octeto. a) Utilizando os dados da tabela abaixo, represente o ciclo de Born- Haber e calcule a variação de entalpia envolvida na formação do cloreto de sódio sólido a partir das substâncias simples cloro e sódio. 41 Equação Representativa ΔH (kJ) Na(s) → Na(g) +108 Na(g) → Na+ (g) + e− +496 ½ Cl2(g) → Cl(g) +121 Cl(g) + e− → Cl-(g) -348 Na+ (g) + Cl-(g) → NaCl(s) -776 b) Tendo como base os conceitos químicos atuais sobre o modelo de formação de compostos iônicos, discuta a adequação da seguinte afirmação dada pela maioria dos estudantes que havia participado da pesquisa mencionada: “o que estabiliza o cloreto de sódio é a formação de octeto de elétrons nos íons cloreto e sódio”. Em relação ao item A da questão, dos 27 candidatos, 6 (22,2%) responderam corretamente, 11 (40,7%) acertaram parcialmente, 8 (29,6%) erraram e 2 (7,40%) não fizeram o item. Dos candidatos que acertaram parcialmente, 8 (72,7%) acertaram apenas o cálculo de variação da entalpia e 3 (27,3%) apenas construíram o Ciclo de Born-Haber (BALTIERI; MORALLES; BEGO, 2019b). As categorias para análise do item B são as mesmas utilizadas no resumo de congresso “Concepções de candidatos a um programa de mestrado em química sobre parâmetros de estabilidade de ligação iônica” (BALTIERI; MORALLES, BEGO, 2019a), apresentada na Tabela 4. Não foram encontradas respostas para as categorias C e E, e um extrato representativo das demais respostas estão apresentadas na Tabela 5 (BALTIERI; MORALLES; BEGO, 2019b). A categoria A, da regra do octeto, foi a que obteve mais respostas, totalizando 16 (59,3%) candidatos, enquanto a categoria B contabiliza apenas 1 (3,70%) candidato, que compreende os reais fatores que influenciam a estabilidade de uma ligação iônica. Das 27 provas analisadas, 4 (14,8%) dos candidatos, que já são graduados e mestres, apresentaram respostas da categoria F, as quais sequer se aproximam das teorias atualmente aceitas para a ligação iônica (BALTIERI; MORALLES; BEGO, 2019b). 42 Tabela 5. Categorização de respostas do item B, com exemplos. Categoria Nº de candidatos Exemplo de Resposta A 16 (59,3%) “No cloreto de sódio os átomos de sódio e cloreto se ligam por meio de uma ligação iônica, onde o sódio doa um elétron p/ o átomo de cloro. Observar a distribuição eletrônica dos dois átomos, podemos perceber que ambos se estabilizam com oito elétrons na última camada quando formam uma ligação iônica” B 1 (3,70%) “A presença das forças Coulomb presentes na extensão da rede cristalina do cloreto de sódio, juntamente com o formato da célula unitária afetam tanto a estabilidade do cloreto de sódio, quanto a capacidade de quebra em planos, faces, de um cristal NaCl” B1 2 (7,40%) “O que estabiliza o cloreto de sódio é a formação de octetos de elétrons nos íons cloreto e sódio”, e isso é obtido através das redes cristalinas que se formam. Cada íon é inserido no cristal de forma a interagir com os íons vizinhos tornando a estrutura rígida e estável” B2 1 (3,70%) “A frase não está adequada aos conceitos químicos atuais, pois sabe-se que o que promove a estabilização dos compostos iônicos é a atração eletrostática existente entre os íons de diferentes eletronegatividades” D 1 (3,70%) “Alguns elementos da tabela periódica não obedecem a regra do octeto. O sódio (Na) possui somente 11e− a qual sua configuração eletrônica corresponde a 1s2 2s2 2p6 3s1, ou seja, sua camada de valência corresponde a 3s1, ou seja, ele não consegue acomodar 8e− para completar o octeto pois sua camada 3s (acomoda somente 2e−) ficando estável com somente 1 ligação com o cloro. Já o Cl com 17e− (1s2 2s2 2p6 3s2 3p5) possui camada de valência 3s2 3p5 faltando somente 1é para completar o octeto, na qual é estabelecida a ligação entre o sódio e cloro” F 4 (14,8%) “Nesta afirmação eles dizem que apenas o fato da ligação entre o cloro e o sódio completam a camada de valência de ambos com 8 elétrons é o suficiente para que este seja um sólido iônico estável, porém não é bem assim. O que estabiliza este sólido iônico são também as interações intra e intermolecular, o cloro e o sódio se ligam através de ligações iônicas e as moléculas interagem entre si por forças intermoleculares dipolo-dipolo, que são interações fortes. Além do que o NaCl forma um cristal que se estabiliza fortemente devido a formação de sua cela unitária cúbica” Em branco 2 (7,40%) - Fonte: Adaptada de Baltieri; Moralles e Bego (2019b, p. 5 - 6). Um terceiro movimento de análise apresentado pelos autores foi triangular as informações coletadas nos itens (a) e (b) da questão. Essa análise foi desenvolvida por meio do gráfico da Figura 4 (BALTIERI; MORALLES; BEGO, 2019b). 43 Figura 4. Gráfico da inter-relação entre os conceitos obtidos no item (a) da questão e as categorizações das respostas do item (b), utilizando o critério de exclusão Fonte: Baltieri; Moralles e Bego (2019b, p. 10). Relacionando-se os dois itens da questão, tem-se que a maior parte dos candidatos que acertou o item A, integral ou parcialmente, justificou o item B com o argumento “regra do octeto”, mesmo argumento utilizado pelos candidatos que deixaram o item A em branco. A Figura 4 inter-relaciona os candidatos que acertaram total ou parcialmente o item A com as categorias de resposta do item B. A partir dele é possível verificar que o candidato que respondeu corretamente o item B, esquematizou corretamente o Ciclo de Born-Haber, mas não conseguiu realizar os cálculos da variação de entalpia, acertando parcialmente o item A. Já os dois candidatos que deixaram o item B em branco, um errou o item A, enquanto o outro acertou parcialmente. A partir desses dados, os autores ressaltam a necessidade do candidato saber executar os cálculos da variação da entalpia de formação do NaCl ou construir o Ciclo de Born-Haber corretamente a fim de verificar a inconsistência com a justificativa “regra do octeto”. Isso porque, ao executar um dos processos acima, o candidato deveria perceber que a ionização do átomo de sódio gasoso, que gera o octeto eletrônico ao íon resultante, é um processo endotérmico, não espontâneo, e que, portanto, não contribui para a estabilidade da ligação iônica. Para analisar como 44 o conflito necessário foi gerado, foram desconsiderados os candidatos que erraram ou não fizeram o item A, ou que deixaram o item B em branco, obtendo-se assim 16 candidatos para a segunda análise. As respostas do item B desses 16 candidatos evidenciam que o conflito inserido no item A não foi suficiente para que a maioria dos candidatos abandonasse a concepção alternativa “regra do octeto”, visto que a maior parte dos candidatos justificou a estabilidade em compostos iônicos com tal argumento. Vale ressaltar que candidatos categorizados como B1 e B2, categorias consideradas parcialmente corretas no item B, foram capazes tanto de efetuar os cálculos da variação de entalpia quanto de construir o Ciclo de Born-Haber. Comparando-se as respostas analisadas dos graduados e pós-graduados em química e áreas afins, nota-se que grande parte dos candidatos atribui a estabilidade da ligação iônica diretamente à regra do octeto, demonstrando que esta concepção alternativa se mantém mesmo com anos de estudo na área. A próxima seção sintetiza os três resumos acima apresentados, comparando os principais resultados encontrados. 1.2.3 Síntese geral e aproximações entre os três trabalhos que discutem as concepções dos estudantes sobre a estabilidade da ligação iônica Pesquisas da literatura verificaram que a principal concepção alternativa sobre a estabilidade da ligação iônica está relacionada à associação da estabilidade com a regra do octeto. A literatura aponta, ainda, que uma possível fonte para essa concepção alternativa são os próprios livros didáticos, visto que é a principal fonte de consulta dos professores (TABER, 2000). Outras concepções alternativas encontradas são a associação estrita da estabilidade da ligação à transferência de elétrons ou à formação de um único par iônico (COLL; TREAGUST, 2003). Autores como Taber (2000), Mendonça e Justi (2009), dentre outros, relacionam a ausência de justificativas sobre a estabilidade da ligação iônica à falta de discussão sobre fatores energéticos. Os três trabalhos discutidos anteriormente tinham como intuito verificar as concepções acerca da estabilidade de uma ligação iônica, em candidatos com diferentes níveis de instrução. O artigo de Mortimer, Mol e Duarte (1994) (Artigo 1) investigou alunos do ensino médio, candidatos ao vestibular. Já os trabalhos de 45 Baltieri, Moralles e Bego (2019a; 2019b) (Artigo 2 e 3) investigaram graduados e mestres em Química ou áreas afins. Comparando-se as análises dos três trabalhos, nota-se que mesmo em diferentes níveis de escolaridade (ensino médio, graduação e pós-graduação), a justificativa “regra do octeto” continua sendo preponderante para explicar a estabilidade da formação de uma ligação iônica, conforme mostra a Tabela 6. Tabela 6. Comparação de respostas entre os 3 artigos Justificativa Artigo 1 Artigo 2 Artigo 3 Regra do Octeto 258 (33,1%) 6 (31,6%) 16 (59,3%) Ligação iônica, força eletrostática e rede cristalina 59 (7,60%) 2 (10,5%) 1 (3,70%) Fonte: Elaboração Própria. Ou seja, mesmo com estudos específicos, a maioria dos candidatos continua com a concepção alternativa de que é a regra do octeto que estabiliza a formação de uma ligação iônica, desconsiderando os fatores energéticos envolvidos, ou não os considerando suficientemente conflitantes com a justificativa apresentada. O conflito apresentado entre os itens A e B da questão analisada não foi suficiente para gerar a perturbação necessária para que o candidato o percebesse e justificasse de forma a assimilar um novo conhecimento. Um próximo passo, então, proposto nesta pesquisa, para fundamentar essas discussões é verificar se há uma correlação entre as respostas apresentadas pelos candidatos ao mestrado e doutorado em Química e as discussões apresentadas pelos livros didáticos indicados como referência-base do exame de seleção. Na próxima seção foi discutida a metodologia utilizada para analisar as justificativas presentes nos livros didáticos e verificar se possuem relação com as respostas apresentadas pelos candidatos ao programa de pós-graduação de 2017. 46 2. Procedimentos metodológicos 2.1. Contexto geral de pesquisa e fontes de informação A pesquisa relatada neste trabalho foi desenvolvida tendo como base informações obtidas no exame de seleção de um programa de pós-graduação em Química do estado de São Paulo. Esses dados foram triangulados com a análise do conteúdo de ligações iônicas presente nos livros indicados como bibliografia do processo seletivo. 2.1.1 Processo Seletivo O processo seletivo de pós-graduação da universidade pública do estado de São Paulo é realizado semestralmente. É composto por uma mesma prova, com questões abertas, aplicada tanto para os candidatos ao Mestrado quanto ao Doutorado em Química. A prova é composta por 12 questões, sendo 2 de cada grande área da Química (Inorgânica, Analítica, Físico-Química e Orgânica) e 4 relacionadas a conteúdos de disciplinas específicas do curso de Engenharia Química. O candidato deve responder 8 das 12 questões, a sua escolha. No caso de o candidato responder mais do que 8 questões, é desconsiderada a questão de maior pontuação. A bibliografia para as provas de mestrado e doutorado é a mesma, descrita no Quadro 2. Importante salientar que a bibliografia do programa está atrelada a livros de química geral, por ser um processo seletivo que recebe graduados que não necessariamente são formados especificamente em um curso de química. Quadro 2. Bibliografia para o processo seletivo de pós-graduação. Título do Livro Autor Edição Ano Editora Princípios de Química: Questionando a vida moderna e o meio ambiente ATKINS, P.W.; JONES, L. 5ª 2012 Bookman Química: um curso universitário MAHAN, B.M.; MYERS, R.J. 4ª 1995 Edgard Blücher Química Orgânica12, volume 1 SOLOMONS, T.W.G.; FRYHLE, C.B. 10ª 2013 LTC Fonte: Elaboração Própria. 12 A bibliografia do processo seletivo especifica os capítulos 3 e 6 do livro de Química Orgânica para a prova. 47 A comissão de seleção, também chamada de banca examinadora, é composta por 5 professores, um de cada grande área (Engenharia Química, Físico- Química, Inorgânica, Analítica e Orgânica). Na próxima seção é apresentada a justificativa para realização desta pesquisa. 2.2 Justificativa Em 1994, Mortimer, Mol e Duarte publicaram um artigo no qual se analisava uma questão do vestibular da UFMG acerca da estabilidade da formação de uma ligação iônica. Como resultado, os autores constataram que a maior parte dos candidatos, com nível de escolaridade do ensino médio, apresentou dificuldades para explicar a formação de uma ligação iônica, sendo essa atribuída a uma “estabilidade” adicional propiciada pela formação de octetos eletrônicos nos íons (regra do octeto). Em 2019, Baltieri, Moralles e Bego publicaram dois trabalhos nos quais analisavam a aplicação de uma questão similar aos candidatos do processo seletivo de pós-graduação em uma universidade pública do Estado de São Paulo, do ano de 2017. Segundo os autores, os candidatos, majoritariamente, apresentaram a mesma justificativa, que atribuía a estabilidade da ligação iônica à regra do octeto. Vale ressaltar que os candidatos ao mestrado e doutorado possuíam nível de escolaridade de graduação e pós-graduação em Química ou áreas afins, respectivamente. Fundamentados nessas pesquisas e partindo do pressuposto de que uma das fontes geradoras de concepções alternativas são os livros didáticos, este trabalho busca verificar se há alguma correlação entre as justificativas apresentadas pelos candidatos à pós-graduação e a bibliografia base sugerida no edital de seleção do programa. As informações contidas nos livros base foram tratadas por meio da análise de conteúdo. Na próxima seção apresenta-se o objetivo, a questão geral de pesquisa e o desdobramento destes em objetivos e questões específicas. 2.3 Questões e Objetivos de Pesquisa Para orientar a análise dos dados neste trabalho, propõe-se como questão geral de pesquisa: Em que medida as explicações sobre a estabilidade energética de uma ligação iônica, apresentadas nos livros de referência do processo seletivo de pós- graduação em Química, se aproximam das respostas dos candidatos do ano de 2017? 48 Como desdobramento da questão geral de pesquisa se propõe as seguintes questões específicas: ● Quais as explicações apresentadas nos livros de referência do processo seletivo do programa de pós-graduação em Química para justificar a estabilidade de uma ligação iônica?  ● Quais as relações entre as explicações apresentadas nos livros referência do processo seletivo e as justificativas da literatura especializada sobre a estabilidade energética de uma ligação iônica? ● Quais as relações entre as explicações apresentadas pelos livros referência do processo seletivo e as respostas apresentadas pelos candidatos à pós-graduação do ano de 2017? Tendo em vista a questão geral e as questões específicas de pesquisa, o objetivo geral de pesquisa é: Avaliar em que medida as explicações sobre a estabilidade energética de uma ligação iônica, apresentadas nos livros referência do processo seletivo de pós-graduação em Química, se aproximam das respostas dos candidatos do ano 2017. Em vistas a desenvolver esse objetivo geral de pesquisa, propõe-se os seguintes objetivos específicos: ● Identificar quais as explicações apresentadas nos livros referência do processo seletivo, do programa de pós-graduação em Química, para justificar a estabilidade de uma ligação iônica; ● Relacionar as explicações apresentadas nos livros referência do processo seletivo e com as justificativas da literatura especializada sobre a estabilidade energética de uma ligação iônica; ● Relacionar as explicações apresentadas pelos livros referência do processo seletivo e as respostas apresentadas pelos candidatos à pós- graduação do ano de 2017. 2.4 Natureza da pesquisa A pesquisa documental é semelhante à bibliográfica, porém sua fonte de dados é constituída de documentos e é utilizada quando se deseja analisar um fenômeno específico. Segundo Malheiros (2011, p. 86), a análise documental pode ser utilizada quando “existe a necessidade de se analisar, criticar, rever ou ainda 49 compreender um fenômeno específico ou fazer alguma consideração que seja viável com base na análise de documentos”. A pesquisa documental pode ser dividida em quatro etapas: I) definição do problema: na qual ocorre a elaboração das questões que devem ser respondidas com a análise; II) identificação dos documentos: sendo que os documentos selecionados para análise devem ser relacionados com as questões elaboradas na etapa I; III) análise de documentos: etapa na qual os dados são interpretados; e IV) elaboração do relatório final: no qual as questões da etapa I são respondidas de acordo com os resultados obtidos na etapa III (MALHEIROS, 2011). Lüdke e André (1986) salientam que uma das vantagens da análise documental é que a fonte de dados é não-reativa, permitindo a obtenção de dados quando o acesso ao sujeito é inviável, além de possibilitar a complementação de dados obtidos por outros meios de coleta. Para Holsti (1969), o uso da análise documental é indicado quando: I) o acesso aos dados é problemático; II) quando se deseja validar dados obtidos por outros meios de coleta; III) quando o analista deseja estudar o problema a partir da expressão do sujeito. Neste trabalho, a pesquisa foi considerada documental devido à natureza dos dados que foram analisados e a necessidade de se realizar uma análise crítica dos conteúdos relacionados à ligação iônica em livros didáticos. Nessa perspectiva, este trabalho enquadra-se na categoria II de Holsti, visto que compara dados coletados nesta pesquisa com resultados obtidos anteriormente por outros pesquisadores. A pesquisa documental realizada neste trabalho seguiu os princípios teórico- metodológicos do método misto. O chamado método misto envolve as pesquisas quantitativas e qualitativas, também conhecido como pesquisa integrativa, pesquisa multimétodo, pesquisa mista ou estudos de triangulação (AMARAL; VIEIRA, 2019). Johnson, Onwvegbuzie e Turner. (2007) definem o método misto como um estudo que envolve pesquisas quantitativas e qualitativas, com o intuito de tornar a informação produzida mais completa. Na pesquisa qualitativa as generalizações não são obtidas em um nível estatístico, e sim teórico, sendo o objeto central da pesquisa obter teorias ou hipóteses a partir da pesquisa realizada (FLICK, 2013). Dentre as estratégias de pesquisa qualitativa, podem ser destacadas: etnográfica, observacional, estudo de caso, pesquisa-ação, interpretativa, 50 participante, entre outras (MOREIRA, 2011). Yin (2016) destaca como características da pesquisa qualitativa ser aplicada em um contexto real, tendo o mínimo de interferências dos processos de pesquisa, e a ausência do controle de variáveis. A pesquisa qualitativa possibilita a coleta de dados aberta, ou seja, uma análise interpretativa. Na pesquisa quantitativa a análise é estatística, isto é, uma teoria que se tem um ponto de partida a ser testado. A análise qualitativa pode ser generalizada em um sentido teórico, ao contrário da quantitativa que é orientada estatisticamente para a população (FLICK, 2013). Já a abordagem quantitativa utiliza métodos que pretendem que o viés do autor não influencie diretamente nos dados e que possibilitem a eliminação de variáveis interferentes (FLICK, 2013). Pode-se citar como alguns exemplos de pesquisa quantitativa as pesquisas experimentais, as quase-experimentais e as experimentais de sujeito único (MOROZ; GIANFALDONI, 2006). Uma importante característica da pesquisa quantitativa é partir de uma proposição teórica a ser confirmada objetivamente. É importante, ainda, que se garanta uma coleta e uma análise que possa ser replicada e testada por outros pesquisadores, e que cumpra critérios de confiabilidade, validade e objetividade. O principal foco desse tipo de pesquisa é encontrar generalizações e causalidades, por meio de tratamentos matemáticos (MOREIRA, 2011; FLICK, 2013). Em seu livro, Bardin (1977, p. 21) afirma que: “Na análise qualitativa é a presença ou a ausência de uma dada característica de conteúdo ou de um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem que é tomado em consideração”. Na pesquisa quantitativa é considerada a frequência da característica estudada, enquanto a qualitativa aborda a presença ou ausência de determinada característica. Tendo apresentadas as especificidades das pesquisas qualitativa e quantitativas, é importante salientar que a proposta de as integrar, sugerida pelo método misto, está apoiada na premissa de que estas apresentam características em comum. Para Flick (2013), os pontos em comum entre as pesquisas qualitativa e quantitativa são: I) utilizam métodos empíricos de maneira sistematizada; II) apresentam potencialidades para generalizações; III) partem de questões de pesquisa, com métodos apropriados para resolvê-las; IV) perguntas de pesquisa são planejadas de forma sistemática; V) os projetos de pesquisa devem cumprir critérios 51 de aceitabilidade ética e adequabilidade; VI) os resultados obtidos e todo o desenho de pesquisa devem ser apresentados com clareza. Considerando as características em comum entre as pesquisas qualitativa e quantitativa e considerando os pontos fortes de cada método, pode-se destacar como características do método misto: I) o ecletismo metodológico; II) o pluralismo paradigmático; III) a ênfase na diversidade em todos os níveis de investigação e em contínuos em vez de um conjunto de dicotomias; IV) a abordagem interativa da investigação; V) utilização de um conjunto de processos analíticos básicos; VI) foco sobre as questões específicas de pesquisa; VII) tendência para o equilíbrio; VIII) dependência de representações visuais (AMARAL; VIEIRA, 2019; TASHAKKORI; TEDDLIE, 2010). 2.4.1 Fontes de informação Foram utilizadas como fontes de informação os livros apresentados no Quadro 2. O livro Química Orgânica (SOLOMONS; FRYHLE, 2013) não foi analisado, porque os capítulos indicados pelo programa de pós-graduação não discutem sobre a ligação iônica. 2.5 Análise de Conteúdo Os dados neste trabalho foram analisados e tratados por meio da Análise de Conteúdo (AC) segundo Bardin (1977). A utilização da AC se fundamenta em sua versatilidade, visto que permite a análise de materiais verbais e não verbais, propiciando uma compreensão mais acurada dos resultados do que uma simples leitura. Assim, esse método permite analisar tanto livros didáticos quanto a questão da prova do programa de pós-graduação de 2017 (BARDIN, 1977; MORAES, 1999). Esse método explica e sintetiza o conteúdo inicial e seu significado, por meio de deduções lógicas e justificadas, com base na origem da mensagem e seu contexto, sendo passível de uso tanto na coleta e padronização dos dados quanto em sua análise. Segundo Bardin (1977, p. 48), a análise de conteúdo pode ser definida como: Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens. Nesse processo, é considerada a totalidade do texto, filtrando-o por meio de categorias que buscam identificar a frequência ou ausência de itens, para assim 52 introduzir uma ordem de acordo com certos critérios de pesquisa. Para Moraes (1999), a análise por meio da análise de conteúdo tem o objetivo de sistematização e interpretação do material coletado a fim de oferecer uma melhor compreensão dos dados coletados. O método divide-se em três partes: I) pré-análise; II) exploração do material; III) o tratamento dos dados, inferência e interpretação dos resultados. Na pré-análise é realizada uma leitura flutuante do material e são escolhidos os documentos que podem ocorrer antes ou depois da determinação dos objetivos de pesquisa. Bardin (1977, p. 96 - 98) define 4 regras a serem consideradas na escolha dos documentos, sendo elas: exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência. A regra da exaustividade remete à necessidade de se abranger todos os documentos relacionados ao contexto da pesquisa, enquanto a regra da representatividade delimita que, inicialmente, pode-se analisar uma amostra do material para verificar sua inclusão ou não no corpus da pesquisa, desde que a amostra represente o todo. A regra da homogeneidade abrange a coerência entre os documentos, que devem ser semelhantes entre si, podendo ser categorizados e/ou comparados (BARDIN, 1977). Após definido o corpus da pesquisa, são formuladas as hipóteses e objetivos, que podem ser classificadas com a priori ou a posteriori. Ainda nessa etapa são definidos os indicadores que serão utilizados na categorização dos dados, podendo ser desde palavras ou termos específicos até recortes do texto. O material, então, é preparado para a etapa seguinte, na qual é realizada a exploração do material (BARDIN, 1977). Na exploração do material é realizada a leitura exaustiva do material, sendo realizadas as operações da codificação e decomposição ou enumeração. A codificação consiste em determinar por que e como o material será analisado, ou seja, corresponde a uma transformação na qual os dados brutos são transformados em resultados significativos e agregados em unidades que permitam a expressão pertinente do conteúdo. Essa etapa pode ser dividida em 3: I) o recorte, no qual as unidades são escolhidas; II) a enumeração, na qual as unidades de contagem são determinadas; III) a classificação e agregação, na qual as categorias são escolhidas (BARDIN, 1977). Na AC, o critério de recorte geralmente adotado é de ordem semântica, como por exemplo palavra, palavra-tema ou unidade significante, sendo enquadrado na 53 última o objeto, o documento e o tema. Nas regras de enumeração, difere-se as unidades de registro, na qual é realizada a contagem, da regra de enumeração, que delimita os modos de contagem. Nas regras de enumeração, são considerados fatores como presença ou ausência de elementos, frequência ou frequência ponderada, intensidade, direção, ordem e co-ocorrência. Na categorização os dados são classificados por diferenciação e, em seguida, são reagrupados de acordo com os critérios pré-estabelecidos. Os dados podem ser submetidos a um ou mais tipos de análise, desde que seja realizada uma análise por vez, na qual a parte em comum com os outros elementos é o fator considerado para seu agrupamento. Essa etapa divide-se em duas: o inventário, na qual os elementos são isolados, e a classificação, na qual os elementos repartidos são organizados (BARDIN, 1977). A categorização pode ser realizada por meio de dois procedimentos inversos: I) o de caixa, no qual a organização do material decorre do funcionamento teórico hipotético, e as categorias são fornecidas inicialmente, repartindo-se os dados entre elas; II) o procedimento por milha, no qual os elementos são analisados de forma analógica e progressiva, e os títulos das categorias são definidos após o término da etapa de análise (BARDIN, 1977). Um bom conjunto de categorias deve possuir as seguintes características: I) exclusão mútua, ou seja, um dado não pode pertencer a mais de uma categoria; II) homogeneidade, a análise deve abordar uma dimensão por vez, sendo utilizado um único princípio de organização dos dados por análise; III) pertinência, isto é, a categoria deve pertencer ao quadro teórico abordado na pesquisa; IV) objetividade e fidelidade, sendo que os dados devem ser codificados da mesma forma, com variáveis bem definidas; V) produtividade, pois os dados devem produzir resultados úteis, que agreguem valor à pesquisa (BARDIN, 1977). A inferência na análise de conteúdo é constituída pela mensagem, pelo emissor e pelo receptor. Podem ser específicas, quando responder a uma pergunta, ou gerais, quando buscam estabelecer uma relação. A análise pode corresponder tanto ao conteúdo quanto ao continente, ou ainda ao código ou à significação (BARDIN, 1977). Para o tratamento dos dados pode-se utilizar ordenadores, que são úteis em situações nas quais o indicador é frequencial, a análise é complexa e com grande número de variáveis simultâneas, são necessárias análises sucessivas ou a análise 54 utiliza operações estatísticas. Os ordenadores podem ser utilizados para tratar o texto (análise de materiais) ou para tratar os resultados (análise de dados) (BARDIN, 1977). Todas as etapas da AC discutidas até agora podem ser sintetizadas no esquema da Figura 5. A figura faz uma síntese das três etapas sugeridas pela Bardin (1977): pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados e interpretação, e as etapas nelas envolvidas. Figura 5. Síntese da Análise de Conteúdo. Fonte: BARDIN (1977, p. 102). Na pré-análise foi realizada uma leitura flutuante nos livros Atkins e Jones (2012) e Mahan e Myers (1995), de forma que fosse mapeado todos os capítulos/seções que discutem sobre a ligação iônica. Na segunda etapa da AC, segundo Bardin (1977), foi realizada a formação e classificação das categorias tanto a priori quanto a posteriori. As categorias a priori (A, C, F e G) foram inspiradas nos 55 trabalhos de Baltieri, Moralles e Bego (2019a; 2019b) e de Mortimer, Mol e Duarte (1994). As categorias a posteriori (B, D e E) foram criadas após a leitura flutuante dos dados. Na terceira etapa, de tratamento de dados, as assertivas foram classificadas considerando-se todos os capítulos pertinentes ao tema, sendo utilizados extratos demonstrativos para exemplificar cada categoria. A etapa de formação de categorias é abordada, com mais detalhes, no próximo capítulo. 56 3 Resultados Para sistematizar e facilitar a apresentação dos dados, este capítulo foi dividido em cinco seções: 3.1 descrição do conteúdo sobre ligação iônica dos livros e mapeamento das seções que discutem esse tema; 3.2 apresentação das categorias de análise; 3.3 AC sobre estabilidade da ligação iônica no livro Atkins e Jones (2012); 3.4 AC sobre estabilidade da ligação iônica no livro Mahan e Myers (1995); 3.5 comparação entre os livros. 3.1 Mapeamento das seções que discutem sobre a ligação iônica Nesta seção de resultados são apresentadas as análises de dois livros didáticos indicados na bibliografia para o processo seletivo do programa de pós- graduação em Química de uma universidade pública do estado de São Paulo (Quadro 2). Quadro 3. Mapeamento das seções que tratam da ligação iônica nos livros. Livro Cap. Conteúdo Seção / página Intervalo de páginas ATKINS, P.W.; JONES, L. 2 Ligações Químicas 2.1 Os íons que os elementos formam; 55 - 57 2.3 Formação das ligações iônicas; 58 - 59 2.4 Interações entre íons. 59 - 61 7 Termodinâmica: A primeira lei 7.19 Ciclo de Born-Haber 274 - 276 MAHAN, B.M.; MYERS, R.J. 11 Ligações Químicas 11.1 Ligações Iônicas (Polarização; Sólidos iônicos; Íons em sólido e em solução). 307 - 313 11.3 Orbitais Atômicos e Ligações Químicas 317-321 14 Os Elementos Representativos: Grupos I-IV 14.1 Os Metais Alcalinos (Os Óxidos de Metais Alcalinos; Os Haletos Alcalinos; A ligação dos Íons e de Metais Alcalinos); 373 - 376 20 As Propriedades dos Sólidos 20.1 Propriedades dos sólidos (Tamanho e Formato dos Cristais); 522 - 524 20.2 Tipos de Sólidos (Cristais Iônicos); 524 - 527 20.4 Retículos Cristalinos (A Célula Unitária; Retículos de Bravais) 533 - 534 20.8 Energia Reticular dos Cristais Iônicos 546 Fonte: Elaboração própria. 57 Esse mapeamento inicial, apresentado no Quadro 3, teve o intuito de selecionar os recortes de análise (uma das atividades da fase de exploração dos materiais na AC). Uma informação importante que pode ser observada no Quadro 3 é que os livros apresentam as discussões relacionadas à estabilidade das ligações iônicas em capítulos diferentes das explicações sobre o ciclo de Born-Haber. A próxima seção apresenta a análise realizada nas seções indicadas no Quadro 3. 3.2 Apresentação das categorias de análise As assertivas de análise (Quadro 4) foram criadas com base nas categorias propostas nos artigos de Mortimer, Mol e Duarte (1994) e Baltieri, Moralles e Bego (2019a; 2019b), sendo adaptadas para a análise de livros. Foram criadas também categorias com base na análise flutuante realizadas previamente nos livros didáticos. Seguindo as premissas da AC (BARDIN, 1977), pode-se dizer que essas categorias utilizadas apresentam exclusão mútua, homogeneidade, objetividade e fidelidade, pertinência e produtividade. Quadro 4. Categorias e assertivas de análise. Categorias Assertivas A A regra do octeto é utilizada para justificar a formação da ligação iônica B A estabilidade da ligação iônica é justificada por meio da formação de um par iônico C A estabilidade da ligação iônica é baseada na somatória de forças eletrostáticas coulômbicas D As discussões sobre a estabilidade da ligação iônica são associadas à processos energéticos   E As discussões dos processos energéticos incluem dados de entalpia e/ou o ciclo de Born-Haber  F  A absorção/liberação de energia é utilizada para justificar a estabilidade da ligação iônica  G A estabilidade da ligação iônica é explicada por meio da somatória das energias envolvidas em todo o processo e da energia liberada na formação da rede Fonte: Elaboração própria. A categoria A implica que o livro utiliza a formação de octetos eletrônicos como justificativa para estabilidade da ligação iônica, sendo essa a justificativa mais recorrente nos trabalhos de Mortimer, Mol e Duarte (1994) e Baltieri, Bego