UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Biociências Campus de Rio Claro ELIANA GRESSLER Fenologia de espécies de floresta atlântica, Núcleo Picinguaba, Parque Estadual da Serra do Mar, Estado de São Paulo: comparação entre estratos e influência de borda natural Rio Claro Estado de São Paulo – Brasil Novembro de 2010 ii UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Biociências Campus de Rio Claro ELIANA GRESSLER FENOLOGIA DE ESPÉCIES DE FLORESTA ATLÂNTICA, NÚCLEO PICINGUABA, PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO MAR, ESTADO DE SÃO PAULO: COMPARAÇÃO ENTRE ESTRATOS E INFLUÊNCIA DE BORDA NATURAL Tese apresentada ao Instituto de Biociências do Campus de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Ciências Biológicas – Área de Biologia Vegetal. Orientadora: Leonor Patrícia Cerdeira Morellato Rio Claro Estado de São Paulo – Brasil Novembro de 2010 iii iii iv Dedico esta tese à minha família e à floresta mais bela que já conheci. v Agradecimentos Gostaria de agradecer a todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste extenso e gratificante trabalho, seja através de apoio emocional, profissional ou material (tese grande também tem lista grande de colaboradores!): À Universidade Estadual Paulista (UNESP/Campus de Rio Claro), através de seu Programa de Pós- graduação em Biologia Vegetal, pela infra-estrutura e oportunidade de realizar um doutorado de qualidade. À FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo) pela bolsa e auxílio financeiro concedidos (processos 2005/54267-1 e 2006/61759-0, respectivamente), que foram fundamentais para o desenvolvimento desta pesquisa no nível de detalhamento apresentado. Ao Instituto Florestal de São Paulo pela permissão de trabalho no Parque Estadual da Serra do Mar, e à administração do Núcleo Picinguaba pelo apoio, especialmente no primeiro ano de trabalho de campo. À Profa. Dra. L. Patrícia C. Morellato meu agradecimento muito especial pela orientação, confiança, compreensão e amizade, e pela maravilhosa oportunidade de trabalhar na floresta atlântica que foi minha motivação principal para vir morar no estado de São Paulo. Aos membros da banca de doutorado, Luciano Elsinor Lopes, Márcia Cristina Mendes Marques, Marco Aurélio Pizo Ferreira e Maria Rosângela Sigrist, pelas valiosas sugestões e críticas. Aos professores doutores do Departamento de Botânica da Unesp/Rio Claro, Alessandra I. Coan, Marco A. de Assis, Vera L. Scatena, Júlio A. Lombardi, Massanori Takaki, Adelita A. S. Paoli, Gustavo Habermann e Reinaldo Monteiro, pela ótima convivência diária e pelo apoio recebido, principalmente no último ano de doutorado. Ao Prof. Dr. Pedro Jordano (Estação Ecológica Donaña – Espanha) pela gentileza e sugestões sempre valiosas para a minha pesquisa. Aos professores Dr. Célio F. B. Haddad e Dr. Mauro Galetti, do Departamento de Zoologia e Ecologia da Unesp/Rio Claro, por permitirem a utilização dos veículos oficiais Land Rover e “Toyotinha” em algumas viagens de campo à Picinguaba. Ao Prof. Célio em especial, por todas as pequenas ajudas ao longo do doutorado e co-autoria na citação de nova ocorrência de uma espécie de anfíbio para o estado de São Paulo, encontrada em Picinguaba. A todos os funcionários da Unesp/Rio Claro, em especial à querida secretária da Botânica, Celinha Hebling, sempre eficiente, prestativa e amiga, recebendo a todos com um lindo sorriso de bom dia! Obrigado especial também para Rosemary D.O.S. Cardoso, da Seção de Pós-graduação, Daniela O. Dinato, do Herbário e Lúcia B. Cavalca, do Departamento de Botânica! vi Ao Prof. Dr. Marcos Sobral pela identificação das Myrtaceae, por toda a sua atenção e gentileza, e pela co-autoria na descrição de uma espécie nova de Myrtaceae que encontrei em Picinguaba. Aos outros especialistas que gentilmente auxiliaram na identificação de diversas espécies de plantas deste estudo: Dra. Cíntia Kameyama (Acanthaceae), Dr. João Semir (Asteraceae), Dr. Marccus V.S. Alves (Cyperaceae), Dra. Inês Cordeiro (Euphorbiaceae), Dr. Edson Dias da Silva (Fabaceae), Msc. André S.B. Gil (Iridaceae), Dr. Pedro L.R. de Moraes (Lauraceae), Dr. Massimo G. Bovini (Pavonia – Malvaceae), Dra. Silvana Vieira (Marantaceae), Dr. Renato Goldenberg (Melastomataceae), Dra. Fiorella F.M. Capelo (Myrtaceae), Dr. Sérgio Romaniuc Neto (Moraceae), Dra. Kikyo Yamamoto (Ochnaceae), Dr. Pedro L. Viana (Poaceae), Dra. Daniela Zappi (Rubiaceae), Msc. Carla P. Bruniera (Rudgea – Rubiaceae), Dr. Jomar G. Jardim (Faramea – Rubiaceae), Dr. João R. Stehmann (Solanaceae), Biólogo André Luiz Gaglioti (Urticaceae), ao colega da Unicamp Msc. André L.C. Rochelle pela ajuda com algumas identificações, e aos professores do Departamento de Botânica da Unesp/Rio Claro, Dr. Marco A. de Assis e Dr. Júlio A. Lombardi pela atenção e auxílio na identificação de grande volume de coletas. Ao Prof. Dr. Sionei R. Bonatto, pela atenção e eficiência nos procedimentos para a identificação das coletas e fotos dos insetos observados nas flores de Gomidesia e Rudgea, através da Científica Consultoria vinculada à UFPR, sendo os especialistas consultados: Dr. Gabriel A.R. Melo e Msc. Leandro M. Santos (abelhas), Dr. Rodney R. Cavichioli (hemípteros), Bióloga Jéssica P. Gillung e Dr. Sionei R. Bonatto (dípteros), Dr. Germano H. Rosado Neto e Dr. Edilson Caron (coleópteros) e Dr. Olaf H.H. Mielke (lepidópteros). Agradeço a todas as pessoas que me ajudaram no trabalho de campo ao longo do doutorado, pela companhia e auxílio no trabalho, e pelos muitos momentos inesquecíveis compartilhados na floresta de Picinguaba. Em ordem cronológica de viagem ao campo: Luis F. Alberti e Joanice Cristo (dez/05), Bruno G. Luize (jan/06), Marcelo H. de Carvalho (fev/06, mar/06), Natália Guerin (abr/06), Flávia Colpas (mai/06), Valdir L. Guedes Júnior e Débora C. Rother (jun/06), Carolina M. Potascheff (jul/06), André P. Antunes “Pardal” e Luis F. Mania (set/06), Débora C. Rother e M. Bernadete F. Canela (out/06), Valesca B. Zipparro e M. Bernadete F. Canela (nov/06), Carolina M. Potascheff (dez/06), Joice I. Nogueira (jan/07), Valdir L. Guedes Júnior (fev/07), Andrea G. Aguirre (mar/07 a ago/07), Joselino V. dos Santos (ago/07 e set/07), André A. Vasconcelos “Santos” (set/07), Manuel V. de Assunção, Lisane Gressler e Adriano Pereira (out/07), Natália C. Soares (nov/07), Fernanda C. F. B. Rabelo (dez/07-jan/08), Daniel H. F. Silva, Joselino V. dos Santos, Denilson (fev/08), Bruna L. da Silva (mar/08), Natália C. Soares (abr/08 a jun/08), Nathália M. W. B. Rocha (jul/08), Natália C. Soares (ago/08 a mar/09), Miriam Gressler, João A. de Oliveira e Eduardo M. B. Prata (ago/09), João A. de Oliveira e Joice I. Nogueira (out/09), João A. de Oliveira (nov- dez/09). Muito obrigada pessoal, sem vocês este trabalho não teria sido possível!! À Toyota Bandeirante do laboratório de fenologia, que me devolveu a confiança na direção e foi meu meio de transporte para Picinguaba no primeiro ano do doutorado. Ao meu querido carro (Branquinho), sonho concretizado durante o doutorado, que me levou para tantos lugares e me permitiu continuar o trabalho de campo em Ubatuba. vii Meu sincero e profundo agradecimento à Natália C. Soares (Natalinha), colega de laboratório e querida e fiel escudeira/companheira no campo por mais de um ano, por toda a sua amizade, compreensão, auxílio no trabalho, força de vontade e esforço, agüentando firme comigo os longos dias de campo, muitos do nascer do dia até o pôr do sol... Obrigada especialmente pela tua imensa persistência, não desistindo mesmo após o perrengue que passamos no rio da Fazenda logo na sua primeira viagem à Picinguaba... Ao João A. de Oliveira (Sertão do Puruba - Picinguaba), pelas conversas interessantes na floresta e pelo imenso auxílio na coleta e medições das plantas nos últimos campos, que provavelmente foram os mais longos, cansativos e trabalhosos... Ao pessoal da Pousada Betânia em Ubatuba, que foi meu segundo lar por cerca de 388 dias ao longo de quatro anos (!!), Mayr, Edivaldo R. Pereira, Dos Anjos Pereira e muito especialmente Eliane, pela preocupação e amizade, pelas gentilezas e agrados que muitas vezes iluminaram os dias em Picinguaba, e pelo sempre pronto atendimento, fazendo de tudo para minha estadia ser a mais agradável diante de tanto trabalho de campo... Obrigada de coração! Aos moradores do Bairro Fazenda da Caixa – Casa da Farinha em Picinguaba, e muito, muuuuuuuuito especialmente ao Senhor Zé Pedro Vieira pela imensa amizade, carinho, preocupação, ensinamentos e conversas descontraídas no início e fim dos dias de trabalho de campo, contando os causos da floresta ocorrentes ao longo de mais de 50 anos. Como ele próprio dizia, prevendo o encerramento de minhas viagens de campo, “meu coração vai doer eternamente de saudades”! Agradeço também aos seus familiares, esposa Dona Nadir, filhos e netos, que sempre foram muito gentis e atenciosos ao longo dos anos de trabalho em Picinguaba. Aos amigos da Unicamp – Christiane E. Correa, Lorena C. N. da Fonseca, Valéria F. Martins e Rubem S. de Ávila Jr., entre tantos outros – companheiros de hospedagem na pousada Betânia e trabalho de campo em Picinguaba, pelos encontros na floresta e momentos descontraídos em Paraty. Chris, obrigada por compartilhar comigo a fama de “louca” entre os colegas de pesquisa, por trabalhar com número amostral superior à 3.000 indivíduos!! Meu profundo e carinhoso agradecimento aos professores Dr. Ivan Sazima e Dra. Marlies Sazima, da Unicamp, por toda a sua amizade, amabilidade e companhia na pousada Betânia em inúmeros dias passados em Picinguaba... Obrigada Ivan, por todos os seus ensinamentos, pela identificação das incontáveis serpentes que cruzaram o meu caminho e também das diversas e lindas aves avistadas na floresta, e por compartilhar comigo o gosto e entusiasmo com os todos os pequenos e grandes acontecimentos na floresta! A todos os colegas de pós-graduação da Unesp/Rio Claro, que já foram embora ou ainda permanecem, em especial Adriana T. Nakamura, Aline Oriani, Aloysio P. Teixeira, Ângela C. Bieras, Camila Kissmann, Débora C. Rother, Edson Simão, Ivone V. da Silva, Leonardo F. Cancian, Leonardo B. dos Santos, Leslie L.C. Miller, Mayra T. Eichemberg, Paulo R. Souza F. e Shirley M. Silva, entre tantos outros, por todos os ótimos momentos compartilhados! Imensas saudades dos meus queridos amigos Adriana, Ângela, Edson e Ivone, vocês fazem muita falta!!! viii Aos meus colegas do Laboratório de Fenologia, que já foram embora ou permanecem, André C. Guaraldo, Eduardo A. Athayde, Bruna C. Alberton, Carolina M. Potascheff, Julieta Genini, Luis F. Alberti, M. Gabriela G. de Camargo (Gabi), Milene A.A. Eigenheer, Nara O. Vogado, Natália C. Soares, Nathália M.W.B. Rocha, Marcelo C. de Souza, Paula Reys Guimarães (e suas queridas filhas Lorena, Marcela e Marina), Polyhanna R.G. dos Santos e Vanessa G. Staggemeier, obrigada por todos os momentos compartilhados, companheirismo, respeito, auxílio no trabalho e amizade!! Obrigado especial para Gabi e Julieta, pela amizade, parceria, auxílio em todas as horas, inúmeras conversas e momentos descontraídos! Ao Alberti, pelas ajudas estatísticas, parceria no campo, conversas inimagináveis, alegria, amizade e pelo chimarrão de sabores diversos à qualquer hora do dia! À Valesca B. Zipparro, grande amiga, meu eterno agradecimento pela amizade, apoio em todas as horas, por alegrar a todos com o seu bom humor característico, pelo auxílio e conselhos, e por ser um exemplo de sinceridade e ética na profissão e vida pessoal. Tu tens um coração do tamanho do mundo Valê! Obrigada pelo carinho também dona Maria Elza! À minha querida amiga Bete Canela, pelos ótimos momentos passados em Picinguaba e Paraty (RJ) ao longo de todo o meu doutorado, pelas longas e animadíssimas conversas, pela sinceridade acima de tudo, conselhos e preocupação comigo, e por me mostrar como as atitudes de uma única pessoa podem fazer diferença para o meio ambiente e para a vida das pessoas! À Débora C. Rother, pela amizade sempre calorosa e sincera, pela alegria e entusiasmo pela vida, por estar sempre disposta a ouvir, conversar, incentivar e aconselhar, e por tantos momentos legais juntas! A todos os meus familiares, que sempre me apoiaram e incentivaram mesmo à distância... Agradeço especialmente aos meus queridos avós Arnaldo e Zenilda Rick, meus tios Ezildo e Janete Rick, Nilton e Elisete Rick, Cláudio e Nadir Gressler e meus primos Caroline, Christiane e Cassiano Rick, Vanessa e Andréa Gressler, pelo carinho, preocupação e momentos especiais!! Obrigada também por fazerem parte da minha vida meus pequeninos doces Gabrielzinho, Ana Letícia e afilhado Gustavinho que está por vir! Aos meus amados e queridos pais, Valdir e Lisane Gressler, por tudo o que sempre fizeram e ainda fazem por mim, dando-me o apoio emocional necessário e me auxiliando financeiramente também, pelos seus ensinamentos, incentivo, compreensão pela minha ausência em tantos momentos importantes, por muitas vezes acreditarem mais que eu no doutorado, e, sobretudo, por todo o imenso amor de vocês!!! Não é clichê dizer que esta conquista também é de vocês!! Mãezinha, obrigada pelo apoio fundamental nestes momentos finais da tese e, paizinho, obrigada por me deixar roubar a mãe um pouco... À minha mana querida Miriam, sempre disposta e me escutar, pelos momentos e gostos compartilhados, confidências, por ser um exemplo de pessoa determinada, dedicada e com grande capacidade para amar, pelo apoio e companheirismo em todas as horas... Agradeço também ao Vinícius, pelo apoio e por fazer a minha irmã feliz!! ix Ao meu adorável e amado companheiro em metade desta jornada, Gabriel Mueller, pelo imenso carinho e paciência comigo, por me ensinar a manter o foco e por compreender o quanto este trabalho é importante para mim... Obrigada por tudo meu lindo!! Também agradeço à toda sua família, especialmente Lígia, Lúcio e Vicente, que sempre me receberam com muito carinho e pelos momentos agradáveis aonde quer que estivéssemos. Aos meus queridos bichinhos de estimação, Cota, Missi e Mel, que sempre me proporcionam muita alegria, alento e descontração mesmo nas horas mais difíceis! À exuberante floresta atlântica de encosta em Picinguaba, que me proporcionou momentos inesquecíveis, maravilhosos, muitas vezes cansativos mas imensamente gratificantes através das belas coisas que observei, como as lindíssimas aves e plantas e as margens do rio da Fazenda, despertando cada vez mais meu interesse no estudo de sua diversidade... À Deus, que sempre me protegeu, especialmente em alguns momentos preocupantes e delicados na floresta, e que me permitiu a persistência e força de vontade necessárias tanto na vida pessoal como no trabalho... Valeu muito a pena! x Nos fatos mais simples da floresta residem as mais espetaculares e interessantes criações da natureza, basta observar... Ivan Sazima Professor Doutor e Pesquisador da Unicamp Lugar mais belo não há para se viver, tem que ser cuidado com o coração e a alma... Senhor Zé Pedro Vieira Morador há mais de 50 anos na Casa da Farinha xi SUMÁRIO Resumo................................................................................................................................................1 Abstract...............................................................................................................................................3 Introdução Geral................................................................................................................................5 Referências bibliográficas........................................................................................................10 CAPÍTULO 1: Fenologia reprodutiva e vegetativa de uma comunidade de espécies lenhosas e herbáceas em floresta atlântica.......................................................................................................18 Resumo.....................................................................................................................................19 Introdução.................................................................................................................................20 Material e métodos...................................................................................................................22 Resultados.................................................................................................................................28 Discussão..................................................................................................................................35 Referências bibliográficas........................................................................................................40 Figuras......................................................................................................................................49 Tabelas......................................................................................................................................61 CAPÍTULO 2: Influência da borda natural de um rio na fenologia de espécies lenhosas e herbáceas em floresta atlântica.......................................................................................................73 Resumo.....................................................................................................................................74 Introdução.................................................................................................................................75 Material e métodos...................................................................................................................78 Resultados.................................................................................................................................85 Discussão..................................................................................................................................97 Referências bibliográficas......................................................................................................103 Figuras....................................................................................................................................110 Tabelas....................................................................................................................................135 CAPÍTULO 3: Influência da borda natural de um rio na fenologia, produtividade, polinização e sucesso reprodutivo de Gomidesia blanchetiana O. Berg (Myrtaceae) em floresta atlântica...........................................................................................................................................144 Resumo...................................................................................................................................145 Introdução...............................................................................................................................146 Material e métodos.................................................................................................................148 xii Resultados...............................................................................................................................154 Discussão................................................................................................................................161 Referências bibliográficas......................................................................................................168 Figuras....................................................................................................................................179 Tabelas....................................................................................................................................190 CAPÍTULO 4: Fenologia e ecologia reprodutiva de Rudgea jasminoides subsp. micrantha Zappi (Rubiaceae) em floresta atlântica: influência de borda natural e distilia...............................................................................................................................................195 Resumo...................................................................................................................................196 Introdução...............................................................................................................................197 Material e métodos.................................................................................................................200 Resultados...............................................................................................................................207 Discussão................................................................................................................................213 Referências bibliográficas......................................................................................................217 Figuras....................................................................................................................................228 Tabelas....................................................................................................................................242 Considerações Finais......................................................................................................................250 Referências bibliográficas......................................................................................................252 Apêndice 1.......................................................................................................................................254 1 RESUMO GERAL GRESSLER, E. Fenologia de espécies de floresta atlântica, Núcleo Picinguaba, Parque Estadual da Serra do Mar, Estado de São Paulo: comparação entre estratos e influência de borda natural. A sazonalidade na floração, frutificação e renovação foliar das plantas tropicais tem sido investigada em diferentes níveis de organização, de populações a comunidade, revelando grande diversidade fenológica como resposta à heterogeneidade ambiental das florestas tropicais. A crescente degradação destas florestas, especialmente da floresta atlântica brasileira, reforça a importância de estudos fenológicos, em especial quanto aos efeitos das bordas naturais ou antrópicas, que podem subsidiar ações apropriadas de recuperação e conservação. Nas bordas geralmente ocorrem variações abióticas e bióticas que podem afetar a fenologia das plantas, sendo as espécies do sub-bosque e as de sistemas reprodutivos mais especializados as mais suscetíveis a variações. Em floresta atlântica de encosta no Parque Estadual da Serra do Mar, Núcleo Picinguaba, estado de São Paulo, Brasil, a fenologia reprodutiva e vegetativa de 259 espécies lenhosas e herbáceas (62 famílias) foi acompanhada mensalmente durante três anos (abril/2006 a março/2009), objetivando avaliar se a borda natural do rio da Fazenda influencia a fenologia das espécies. Os padrões fenológicos e sazonalidade foram investigados: (i) para a comunidade, sua periodicidade e relação com o clima, comparando os hábitos lenhoso e herbáceo e a contribuição das famílias mais ricas e abundantes, Myrtaceae e Rubiaceae; (ii) comparativamente para 95 espécies comuns à borda natural e interior, considerando inclusive os estratos verticais da floresta (herbáceo/arbustivo, sub- bosque, dossel/emergentes), e analisando quantitativamente 16 espécies; e (iii) para duas espécies de sub-bosque, Gomidesia blanchetiana (Myrtaceae) e Rudgea jasminoides (Rubiaceae), comparando borda natural e interior quanto à fenologia e ecologia reprodutiva. Botão, antese, fruto imaturo e brotamento da comunidade ocorreram na estação superúmida, com padrões fenológicos levemente sazonais e semelhantes entre anos, correlacionados positivamente com comprimento do dia e precipitação; fruto maduro e queda foliar não foram sazonais. Os hábitos lenhoso e herbáceo diferiram quanto à fenologia e relações com o clima, com as herbáceas iniciando as fenofases cerca de um mês antes das lenhosas. Myrtaceae e Rubiaceae influenciaram as épocas de pico das fenofases da comunidade, principalmente na frutificação. A borda natural do rio da Fazenda apresentou maior abertura do dossel, mas as características edáficas pouco diferiram em relação ao interior. Nas 95 espécies comuns, a fenologia e datas de início não diferiram entre os ambientes e os três estratos. Na maioria das 16 espécies analisadas quantitativamente, a quantidade média de estruturas reprodutivas produzidas foi maior nos indivíduos da borda natural. A fenologia de Gomidesia e Rudgea foi similar entre ambientes, mas com datas de início e pico ocorrendo até 20 dias antes no interior que na borda natural. Em Gomidesia os indivíduos do interior apresentaram 2 inflorescências e duração da antese maiores, e a borda natural as maiores flores, frutos maduros e sementes. Em Rudgea, os indivíduos da borda apresentaram flores e inflorescências maiores e o interior maior duração de antese. A produção de estruturas reprodutivas por indivíduo foi maior no interior em Rudgea, mas não diferiu entre ambientes em Gomidesia. Em ambas as espécies o sucesso reprodutivo por indivíduo não diferiu entre borda e interior, mas o sucesso por inflorescência diferiu entre ambientes em Rudgea. A borda natural apresentou maior riqueza e abundância de visitantes florais nas duas espécies, com mais polinizadores efetivos em Gomidesia e sem diferença entre os ambientes em Rudgea. Três espécies de abelhas foram consideradas polinizadores efetivos de Gomidesia, e cinco abelhas e quatro lepidópteros de Rudgea. A fenologia da comunidade foi similar à observada para outras áreas de floresta atlântica do Sudeste. A fenologia distinta entre hábitos mostrou a importância de estudos envolvendo diferentes formas de vida. O ambiente de borda natural pouco influenciou o padrão fenológico das espécies, mas afetou a produção de estruturas reprodutivas. Concluímos que a borda natural estudada exerce influência discreta à acentuada na fenologia e reprodução das espécies, dependendo do nível de abordagem e fase do ciclo de vida considerado. Portanto, a heterogeneidade natural das florestas tropicais deve ser considerada em futuros estudos fenológicos e de ecologia reprodutiva. Palavras-chave: floração, frutificação, floresta tropical úmida, clima pouco sazonal, comunidade, lenhosas, herbáceas, dossel, sub-bosque, formas de vida, efeito de borda, Myrtaceae, Rubiaceae, polinização, sucesso reprodutivo, ecologia reprodutiva. 3 ABSTRACT GRESSLER, E. Phenology of species of Atlantic forest, Picinguaba, Parque Estadual da Serra do Mar, São Paulo State: a comparison between strata and the influence of natural edge. The seasonality in flowering, fruiting and leafing of tropical plants has been investigated at different levels of organization, from populations to the community, showing great diversity of phenological responses to the environmental heterogeneity of tropical forests. The increasing degradation of tropical forests, especially the Brazilian Atlantic forest, reinforces the importance of phenological studies, especially regarding the effects of natural or anthropogenic edges, to guide actions towards its recovery and conservation. Edges usually change abiotic and biotic factors that may affect plant phenology. The species of the forest understory and the one with more specialized reproductive systems are the most susceptible to those changes. We monitored monthly the vegetative and reproductive phenology of 259 herbaceous and woody species (62 families) in the Atlantic forest at Parque Estadual da Serra do Mar, Núcleo Picinguaba, São Paulo State, Brazil, during three years (April/2006 to March/2009). We aim to investigate whether the natural edge of the Fazenda River influences the phenology of species, affecting the phenological patterns and seasonality at different levels, as follow: (i) to the community, affecting the frequency and relation to climate, comparing woody and herbaceous habit and evaluation the relative contribution of the species rich and abundant families, Myrtaceae and Rubiaceae; (ii) comparing the phenology of the 95 species that co-occur in the natural edge and forest interior, considering their vertical position in the forest strata (herbaceous/shrub, understory, canopy/emergent), we also analyzed quantitatively the phenology of 16 species; and (iii) for two species of understory, Gomidesia blanchetiana (Myrtaceae) and Rudgea jasminoides (Rubiaceae), we compared natural edge and forest interior regarding their phenology and reproductive ecology. Flower buds, anthesis, and immature fruit occurred mainly in the rainy season in the community, with slightly seasonal patterns, quite similar between years, and positively correlated with day length and precipitation; the ripe fruiting and leaf fall were not seasonal. Woody and herbaceous plants differed in their phenology and relations with climate. Phenology of herbaceous plants started about a month before the woody plants. Myrtaceae and Rubiaceae influenced the peak season of phenophases in the community, especially fruiting. The natural edge showed greater canopy openness, but soil characteristics was just slightly differed than the forest interior. In the 95 common species, phenology patterns and start dates did not differ between edge and interior and among strata. In the most of the 16 species analyzed quantitatively, the median quantity of reproductive structures was bigger in the natural edge individuals. Phenology of Gomidesia and Rudgea was similar between edge and interior, but with dates of onset and peak occurring about 20 days early in the natural edge. In the interior Gomidesia presented 4 larger inflorescences and flower duration, while natural edge presented the largest flowers, ripe fruits and seeds. In Rudgea, the edge presented larger flowers and inflorescences than interior, while in the interior the flower duration was longer than in the edge. The production of Rudgea reproductive structures per individual was greater in the interior, but not differed among edge and interior in Gomidesia. In both species, the reproductive success per individual did not differ between natural edge and interior, but the reproductive success per inflorescence in Rudgea differed among environments. The natural edge presented the highest richness and abundance of floral visitors in both species, with more effective pollinators in Gomidesia and without ambient difference in Rudgea. Three bee species were considered as the effective pollinators of Gomidesia, and five bees and four butterflies the effective pollinators of Rudgea. The phenology of the community was similar to that observed for other areas of Atlantic forest in the Southeast Brazil. The different phenology between habits showed the importance of studies involving different life forms. The natural edge had little influence on the phenological patterns of the species, but affected the production of reproductive structures. We conclude that natural edges may have a slight to marked influence on the phenology and reproduction of species, depending on the level of approach and the phase of the life cycle considered. Therefore, the natural heterogeneity of tropical forests should be considered in future studies of phenology and reproductive ecology. Key-words: flowering, fruiting, tropical rainforest, weakly seasonal climate, woody species, community, herbaceous species, canopy, understory, life forms, edge effects, Myrtaceae, Rubiaceae, pollination, reproductive success, reproductive ecology. 5 INTRODUÇÃO GERAL O estudo dos ritmos sazonais da floração, frutificação e renovação foliar das plantas é fundamental para entender a ecologia, evolução e interações das espécies, bem como a distribuição temporal dos recursos e dinâmica das comunidades vegetais nos mais variados ecossistemas do planeta (Lieth 1974, Morellato & Leitão-Filho 1996, Newstrom et al. 1994a,b). Cada evento do ciclo de vida das plantas pode ser estudado em diferentes níveis de organização, desde um único indivíduo, população de uma espécie, grupo de espécies de uma mesma família botânica, guilda de espécies que compartilham polinizadores ou dispersores de sementes, formas de vida (ervas, arbustos, árvores, lianas), estratos verticais da floresta (sub-bosque, dossel), até toda a comunidade de plantas em uma determinada área (Newstrom et al. 1994a,b, Fenner 1998). Em cada nível estudado são variáveis as restrições e forças seletivas que influenciam os padrões fenológicos (definidos pela época, duração e freqüência das fenofases) (Fenner 1998, Selwyn & Parthasarathy 2007). Nas florestas tropicais as épocas de ocorrência das fenofases das plantas têm sido freqüentemente associadas a (i) fatores abióticos, como a precipitação, temperatura, comprimento do dia, umidade relativa do ar e solos (Croat 1975, Opler et al. 1976, Augspurger 1982, Foster 1982, Rathcke & Lacey 1985, Wright & Cornejo 1990, van Schaik et al. 1993, Wright & van Schaik 1994, Seghieri et al. 1995, Wright 1996, Sperens 1997, Sakai et al. 1999, Morellato et al. 2000, Wielgolaski 2001, Brun et al. 2003, Hammann 2004, Borchert et al. 2005a, Bendix et al. 2006, Boulter et al. 2006, Günter et al. 2008, Liebsch & Mikich 2009); (ii) fatores bióticos, que incluem as interações com microorganismos e animais polinizadores, dispersores de sementes e herbívoros (Snow 1965, Janzen 1967, Smythe 1970, Frankie et al. 1974, Stiles 1978, Rathcke & Lacey 1985, Wheelwrigth 1985, van Schaik et al. 1993, Brody 1997, Sakai et al. 1999, Mikich & Silva 2001, Kang & Bawa 2003, Boulter et al. 2006); e (iii) restrições filogenéticas (Kochmer & Handel 1986, Wright & Calderón 1995, Smith-Ramírez et al. 1998, Boulter et al. 2006). Ao mesmo tempo, características da história de vida das plantas ou ecológicas podem afetar a fenologia incluindo formas de vida (Croat 1975, Sarmiento & Monasterio 1983, Sakai et al. 1999, Ramírez 2002, Marques et al. 2004), grupos fisionômicos das plantas – decíduas, perenifólias (Bhat 1992, Funch et al. 2002), estrutura da floresta (Newstrom et al. 1994b, Marques & Oliveira 2004) e sistemas sexuais das plantas (Bawa et al. 1985, Kang & Bawa 2003, Ramírez 2005). Muitas vezes as respostas fenológicas não são impulsionadas por um único fator, sendo provavelmente resultado da associação entre a variedade de forças seletivas (Fenner 1998), sendo que os mecanismos por trás destas ações ainda permanecem ambíguos (Selwyn & Parthasarathy 2007). Os fatores climáticos são os mais relacionados ao comportamento fenológico das plantas, 6 atuando como indutores das fenofases em diversos ecossistemas florestais (Reich & Borchert 1984, van Schaik et al. 1993, Wright & van Schaik 1994, Morellato et al. 2000, Borchert et al. 2005a). A atividade dos animais polinizadores, dispersores de sementes e herbívoros também é altamente influenciada pelas condições climáticas (Bendix et al. 2006). Alguns estudos sugeriram que mesmo pequenas oscilações na disponibilidade de água em florestas úmidas podem afetar as respostas fenológicas de algumas espécies (Newstrom et al. 1994b, Borchert et al. 2005b, Cardoso 2009), sendo que a disponibilidade de água no solo (nível do lençol freático) pode influenciar a ocorrência e intensidade das fenofases (Reich & Borchert 1984). Em estudo na floresta atlântica no Paraná, Cardoso (2009) considerou o nível do lençol freático como fator secundário no desencadeamento das fenofases das espécies estudadas sugerindo menor importância deste fator nas florestas úmidas. Ainda são escassas as evidências sobre a influência das propriedades físicas e nutricionais do solo na fenologia, especialmente através de estudos experimentais, mas geralmente os efeitos encontrados são menores se comparados aos efeitos da temperatura e comprimento do dia (Sparks et al. 1997, Sperens 1997, Cardoso 2009). Baseados na bem conhecida variação da fenologia das plantas com o ciclo anual dos fatores climáticos, Badeck et al. (2004) sugeriram que a fenologia pode ser uma das características mais sensíveis e facilmente observáveis na natureza que variam em resposta ao clima. As mudanças nos eventos fenológicos podem sinalizar variações climáticas importantes de um ano para outro ou até mesmo mudanças climáticas globais, e estas tendências na fenologia podem ter importantes impactos na produtividade, competição entre as plantas e interações com organismos heterotróficos (Badeck et al. 2004, Menzel et al. 2006, Miller-Rushing & Primack 2008). Em geral, as florestas sob clima sazonal, como as regiões temperadas ou tropicais com estação seca definida, apresentam maior periodicidade em relação às fenofases, sendo a alternância entre as estações seca e úmida apontada como o principal fator envolvido no desencadeamento das mesmas (Frankie et al. 1974, Monasterio e Sarmiento 1976, Foster 1982, van Schaik et al. 1993, Murali & Sukumar 1994, Morellato & Leitão-Filho 1996, Morellato et al. 1989, Wright & Calderón 1995, Mikich & Silva 2001). Nas florestas tropicais úmidas, onde as estações climáticas são menos pronunciadas e os animais polinizadores e dispersores de sementes estão presentes o ano todo, as fenofases reprodutivas apresentam sazonalidade menos acentuada e podem ocorrer muitas vezes ou continuamente ao longo do ano (Putz 1979, Hilty 1980, Opler et al. 1980, Koptur et al. 1988, Newstrom et al. 1994a, Morellato et al. 2000, Talora & Morellato 2000, Marques & Oliveira 2004, Bollen & Donati 2005), sendo a floração o evento geralmente mais sazonal (Berlin et al. 2000, Morellato et al. 2000, Zipparro 2004). Nessas florestas, seria esperada a ocorrência contínua do brotamento e queda foliar, por permitir a translocação de nutrientes e taxa fotossintética constantes ao longo do ano (Jackson 1978, Zalamea & González 2008). Entretanto, diversos estudos 7 mostraram padrões sazonais para as fenofases vegetativas induzidos pela complexa interação entre os fatores climáticos e os fatores fisiológicos/filogenéticos das plantas (Medway 1972, Frankie et al. 1974, Longman & Jenik 1974, Lowman 1988, van Schaik et al. 1993, Xiao et al. 2006, Zalamea & González 2008). As espécies das florestas tropicais apresentam uma grande variedade de estratégias fenológicas, atribuídas principalmente à alta diversidade de formas de vida ou hábitos e condições climáticas geralmente constantes (Gentry 1974, Newstrom et al. 1994a,b e referências inclusas, Bawa et al. 2003). Os estudos fenológicos nestas florestas tradicionalmente enfocam as espécies arbóreas dos estratos superiores (dossel e emergentes) e pouco tem sido discutido a respeito dos estratos inferiores e outras formas de vida – por exemplo, ervas, arbustos e lianas (Morellato & Leitão-Filho 1996, Morellato 2003). É sabido que as espécies que ocupam os estratos superiores de uma floresta estão sujeitas à maior variação microclimática ao longo do dia e das estações do ano, principalmente referente à insolação, enquanto as espécies do sub-bosque geralmente ocupam um habitat exposto a menores variações microclimáticas, com baixa disponibilidade de luz, alta umidade relativa e estabilidade da temperatura do ar (Kato 1996). Essas diferenças microclimáticas entre os estratos influenciam os padrões fenológicos das espécies (Opler et al. 1980, Marques et al. 2004) e conseqüentemente a atividade dos polinizadores, dispersores de sementes e herbívoros que dependem da disponibilidade dos recursos nas plantas (Frankie et al. 1974). A floresta atlântica brasileira foi uma das maiores florestas úmidas das Américas, originalmente ocupando cerca de 150 milhões de hectares em condições ambientais altamente heterogêneas (Ribeiro et al. 2009). Sua ocorrência em ampla escala latitudinal e também altitudinal favoreceu a elevada diversidade e endemismo de espécies de plantas e animais, incluindo de 1-8% do total de espécies no mundo (Silva & Casteleti 2005). Após mais de 500 anos de exploração e perturbação ininterruptas, a floresta atlântica encontra-se muito reduzida e alterada em praticamente toda a sua extensão (Mori 1988, Morellato & Haddad 2000), restando de 11-16% da área original, incluindo florestas secundárias e pequenos fragmentos (Ribeiro et al. 2009). Muitas das áreas remanescentes existem em fragmentos pequenos e isolados, freqüentemente compostos por florestas secundárias em estágio inicial ou médio de sucessão (Ribeiro et al. 2009 e referências inclusas). Do total de áreas florestais remanescentes, 73% ocorrem a menos de 250 m de qualquer outra área não florestal e 46% estão a menos de 100 m da borda (Ribeiro et al. 2009), aumentando assim a proporção de bordas, as quais trazem conseqüências deletérias para a maior parte da biota nativa (Lovejoy et al. 1986, Saunders et al. 1991, Murcia 1995, Burgess et al. 2006). A substituição de grandes áreas de vegetação nativa através do desmatamento, além de reduzir a área total ocupada pela floresta, pode resultar na extinção de espécies pois expõe os organismos a condições bióticas e 8 abióticas de um ecossistema circundante diferente e, conseqüentemente, ao que tem sido chamado de “efeito de borda” (Lovejoy et al. 1986, Saunders et al. 1991, Murcia 1995). O efeito de borda é resultado da interação entre dois ambientes adjacentes, quando são separados por uma transição abrupta (Murcia 1995). Muitas bordas são naturais e decorrentes de características/eventos na própria floresta, como as margens de rios, córregos e lagos, deslizamentos de terra nas encostas e clareiras formadas com a queda de árvores (Matlack 1994, Ramos & Santos 2005, 2006). Outras bordas são decorrentes de ações antrópicas, como a implantação de pastagens, culturas agrícolas e edificações. Segundo Murcia (1995), os efeitos de borda podem ser divididos em três tipos: a) efeitos abióticos ou físicos, que envolvem mudanças nas condições ambientais como umidade, radiação solar e vento; b) efeitos biológicos diretos, que envolvem mudanças na abundância e na distribuição de espécies provocadas diretamente pelas condições físicas nas proximidades das bordas e determinadas pela tolerância fisiológica das espécies às condições na borda; e c) efeitos biológicos indiretos, que envolvem mudanças nas interações entre espécies, como predação, parasitismo, competição, herbivoria, polinização biótica e dispersão de sementes. A intensidade do efeito de borda tem sido comumente medida como o quanto as alterações bióticas e abióticas penetram para dentro do habitat à medida que se distanciam da borda (Murcia 1995). No caso dos efeitos abióticos, a diferença microclimática entre a borda e o interior da floresta cria um gradiente de temperatura, insolação, umidade, exposição aos ventos e luminosidade para dentro da floresta perpendicular à borda, que pode ser praticamente inexistente após os primeiros 50 metros (Kapos 1989, Matlack 1993). Muitos fatores são moduladores potenciais da intensidade dos efeitos de borda, entre eles, a idade da borda, fisionomia, orientação cardeal e história de manejo da floresta (Ranney et al. 1981, Lovejoy et al. 1986, Kapos 1989, Williams- Linera 1990, 1993, Matlack 1993, 1994). As mudanças causadas no ambiente, na estrutura da floresta e interações entre as espécies nas proximidades da borda podem não ter efeito (neutras) ou afetar, de forma positiva ou negativa, uma ou mais fases do ciclo de vida das plantas e também as atividades dos animais polinizadores, dispersores de sementes e herbívoros (veja revisões sobre os efeitos de borda em Saunders et al. 1991, Murcia 1995, 1996, Debinski et al. 2000, Burgess et al. 2006, Laurance 2008). Um aspecto amplamente negligenciado nos estudos sobre os efeitos de borda é o fato de que existem bordas naturais e bordas menos evidentes do que uma floresta circundada por áreas abertas (veja Ramos & Santos 2005, 2006). Estas bordas também podem influenciar as plantas e animais nas suas proximidades, e seu estudo pode auxiliar na compreensão das respostas das espécies aos diferentes ambientes nas florestas e bordas antrópicas. As interações das plantas com os polinizadores têm recebido maior atenção nos estudos sobre os efeitos de borda, pois elas afetam diretamente o sucesso reprodutivo das plantas (Aizen & 9 Feinsinger 1994a,b, Murcia 1996, Aizen et al. 2002, Donaldson et al. 2002, Murren 2002, Smith- Ramirez & Armesto 2003, Harris & Johnson 2004, Quesada et al. 2004, Burgess et al. 2006, Ramos & Santos 2006). Em florestas tropicais as espécies dos estratos inferiores e com sistemas reprodutivos especializados (como a distilia) foram referidas como as mais suscetíveis à modificação dos ambientes pelo processo de fragmentação e formação de bordas (Aizen & Feinsinger 1994a, Silva 2007). Embora o tema da fragmentação de florestas e a influência das bordas sobre a dinâmica das florestas sejam bastante abordados, a investigação das respostas fenológicas a esses efeitos ainda é inexpressiva, permanecendo pouco compreendidas (D’Eça- Neves 2003). Dos raros estudos que compararam a fenologia entre borda e interior, a maioria foi realizada em nível de população (Cunningham 2000, Landenberger & Ostergren 2002, Fuchs et al. 2003, Laurance et al. 2003, Williams-Linera 2003, Ramos & Santos 2005, Herrerías-Diego et al. 2006, Alberti 2007, Athayde 2007, Quevedo 2007, Silva 2007, Alberti & Morellato 2008, 2010, Castro 2008) e somente cinco estudos em nível de comunidade foram encontrados na literatura (Heinrich 1976, D’Eça-Neves 2003, Cara 2006, Camargo 2008, Reys 2008). A maioria dos estudos de comunidade citados revelou poucas variações nos padrões fenológicos das espécies em comum entre borda e interior e maior produção de flores e frutos na borda, embora com sucesso reprodutivo não diferenciado entre os ambientes. Mesmo sendo considerada uma das formações vegetais mais ricas e ameaçadas do planeta (Morellato & Haddad 2000, Myers et al. 2000, Murray-Smith et al. 2008, Ribeiro et al. 2009), o conhecimento atual sobre a flora e a fauna da floresta atlântica brasileira ainda é pequeno diante de sua biodiversidade e complexidade, especialmente quanto aos seus padrões sazonais e os efeitos da fragmentação nas espécies. Tendo em vista a ampla heterogeneidade ambiental, a alta diversidade de espécies e a crescente degradação e fragmentação da floresta atlântica, fica clara a importância do desenvolvimento de mais estudos fenológicos em diferentes níveis de organização e que incluam diferentes formas de vida, para que se possa caracterizar e compreender a dinâmica da floresta fornecendo informações para ações apropriadas de preservação dos remanescentes e recuperação das áreas degradadas. Segundo Morellato (2003), ainda carecem estudos fenológicos de longo prazo, quantitativos e que incluam diferentes formas de vida na floresta atlântica. Dentro do contexto apresentado, o presente estudo teve como objetivos (i) caracterizar e avaliar a comunidade vegetal (composta por ervas, arbustos, arvoretas e árvores) de uma área de floresta atlântica de encosta no Sudeste do Brasil quanto aos padrões fenológicos reprodutivos e vegetativos durante três anos; e (ii) analisar a influência da borda natural de um rio nos padrões fenológicos da comunidade, dos estratos verticais da floresta (herbáceo/arbustivo, sub-bosque, dossel/emergentes) e de 18 populações, e também na ecologia reprodutiva e polinização de duas populações. O primeiro capítulo desta tese teve como propósito averiguar a sazonalidade das 10 fenofases reprodutivas e vegetativas da comunidade vegetal de Picinguaba (Ubatuba, SP) verificando se os padrões fenológicos se repetem entre os anos, se diferem entre os hábitos lenhoso e herbáceo, como se relacionam com os fatores climáticos e como as famílias mais ricas e abundantes contribuem para a definição destes padrões. O segundo capítulo avaliou como variam as respostas fenológicas das plantas às condições ambientais da borda natural em nível de comunidade, de estratos verticais e de 16 populações. Nessas populações, além da fenologia, borda natural e interior foram comparados quanto à produção de botões, flores, frutos imaturos e maduros. No terceiro e quarto capítulos, de forma comparativa entre borda natural e interior, foram avaliados os padrões fenológicos, a sazonalidade das fenofases, a freqüência de visitas de polinizadores, o sucesso reprodutivo e a morfologia de flores e frutos em duas espécies de sub-bosque abundantes na área de estudo, Gomidesia blanchetiana O. Berg (Myrtaceae) e Rudgea jasminoides subsp. micrantha Zappi (Rubiaceae). Referências bibliográficas Aizen, M.A., Ashworth, L. & Galetto, L. 2002. Reproductive success in fragmented habitats: do compatibility systems and pollination specialization matter? Journal of Vegetation Science 13: 885-892. Aizen, M.A. & Feinsinger, P. 1994a. Forest fragmentation, pollination, and plant reproduction in a chaco dry forest, Argentina. Ecology 75: 330-341. Aizen, M.A. & Feinsinger, P. 1994b. Habitat fragmentation, native insect pollinator, and feral honey bees in Argentina “Chaco Serrano”. Ecological Applications 4: 378-392. Alberti, L.F. 2007. 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A fenologia reprodutiva e vegetativa de 2.531 indivíduos lenhosos e herbáceos, pertencentes a 259 espécies e 62 famílias botânicas, foi avaliada durante três anos (abril/2006 a março/2009) em intervalos mensais, em uma área de floresta atlântica de encosta no Parque Estadual da Serra do Mar, Núcleo Picinguaba, nordeste do estado de São Paulo, Brasil, buscando responder: i) os padrões fenológicos da comunidade são sazonais e constantes entre os anos?; ii) a fenologia está relacionada aos fatores climáticos e esta relação se repete entre os anos?; iii) como varia a contribuição das famílias mais ricas e abundantes para o padrão da comunidade?; iv) como varia a fenologia entre espécies de hábito lenhoso e herbáceo? A comunidade vegetal de Picinguaba apresentou as maiores porcentagens de espécies e indivíduos com botão, antese, fruto imaturo e brotamento durante a estação superúmida (outubro a abril) e tendência de aumento da queda foliar nesta estação e de fruto maduro na estação úmida (mais fria e menos chuvosa), embora estas duas fenofases tenham ocorrido bem distribuídas ao longo do ano. As fenofases reprodutivas e vegetativas ocorreram de forma levemente sazonal nos três anos estudados (exceto fruto maduro e queda foliar que não foram sazonais) e altamente correlacionadas aos fatores climáticos (comprimento do dia, precipitação e temperatura média). Os padrões fenológicos foram semelhantes entre os anos e diferenciados entre as espécies de hábito lenhoso e herbáceo. As plantas herbáceas iniciaram as fenofases de um a três meses antes das lenhosas, com maior sincronia nas fenofases reprodutivas, e frutificação correlacionada aos fatores climáticos. As famílias com o maior número de espécies e indivíduos no estudo, Myrtaceae e Rubiaceae, influenciaram as épocas de maior ocorrência das fenofases da comunidade, principalmente na frutificação. Os resultados demonstraram que as diferenças na fenologia são maiores dentro da floresta do que entre os anos, sendo que o padrão fenológico reprodutivo e vegetativo geral da comunidade de Picinguaba e sua relação com os fatores climáticos foram similares ao verificado por outros estudos na floresta atlântica. Este estudo demonstrou a importância da condução de estudos comparativos abordando diferentes formas de vida e mais de um ano de observações para melhor entendimento dos padrões fenológicos nas florestas tropicais. Palavras-chave: floração, frutificação, brotamento, queda foliar, sazonalidade, floresta tropical úmida, fatores climáticos, formas de vida, hábitos, Rubiaceae, Myrtaceae. 20 Introdução A fenologia estuda a época de ocorrência de eventos biológicos cíclicos (Lieth 1974) que nas plantas incluem processos vegetativos como o brotamento e a abscisão foliar e processos reprodutivos como a formação de botões e flores e a produção de frutos. A época e forma de ocorrência desses eventos podem ser críticas para a sobrevivência e o sucesso reprodutivo das plantas (Rathcke & Lacey 1985, Sakai 2001). O comportamento fenológico das plantas é afetado tanto por variações ambientais (Morellato et al. 1989, Wright & van Schaik 1994, Williams-Linera 1997, Morellato et al. 2000) como por interações com outros organismos da floresta, vegetais e animais (Augspurger 1981, Wheelwright 1985, van Schaik et al. 1993). Estes fatores abióticos e bióticos, através da seleção natural, determinam a época mais eficiente para o crescimento e reprodução (van Schaick et al. 1993). Muitas vezes as respostas fenológicas não são impulsionadas por um único fator, sendo provavelmente o resultado da associação entre a variedade de forças seletivas (Fenner 1998). Por outro lado, a fenologia das plantas pode afetar os animais que utilizam flores e frutos por meio de variações temporais na disponibilidade dos recursos (Heideman 1989, Smith-Ramirez & Armesto 1994, van Schaik et al. 1993). A periodicidade e a forma de ocorrência das fenofases reprodutivas e vegetativas ao longo do ano definem os padrões fenológicos das espécies, grupos de espécies ou comunidades, que, por muitas vezes, são complexos e de reconhecimento mais difícil em estudos de curto prazo para plantas tropicais (Newstrom et al. 1994a, Bencke & Morellato 2002, Bawa et al. 2003). Diante da crescente exploração e fragmentação das florestas tropicais e conseqüentes alterações nos ecossistemas, estudos sobre os padrões fenológicos das comunidades vegetais tornam-se cada vez mais necessários e importantes, pois fornecem informações acerca da distribuição anual de tipos específicos de recursos e possibilitam a compreensão da dinâmica das florestas e das interações entre as espécies e respectivas respostas ecológicas em função do ambiente circundante. Em geral, os estudos fenológicos de comunidade compreendem apenas um ano de observações e envolvem quase sempre espécies arbóreas (Morellato 2003). Após os estudos de Croat (1975) e Al-Mufti et al. (1977) apenas recentemente tem sido abordada com mais detalhes a fenologia de comunidades abrangendo outros hábitos/formas de vida das plantas, como ervas, arbustos, lianas ou epífitas (Smith-Ramírez & Armesto 1994, Morellato & Leitão Filho 1996, Batalha & Mantovani 2000, Bhat & Murali 2001, Ramírez 2002, Castro-Díez et al. 2003, Krishnan 2004, Marques & Oliveira 2004, Marques et al. 2004, Golluscio et al. 2005, Selwyn & Parthasaraty 2007, Marques & Lemos Filho 2008, Rich et al. 2008, Lee et al. 2009, Liebsch & Mikich 2009). A maioria dos estudos citados encontrou diferenças no comportamento fenológico entre as formas de vida. Padrões fenológicos distintos entre as formas de vida têm sido atribuídos às diferenças quanto 21 aos regimes de luz em função da estratificação da floresta (Larcher 2000), sistemas radiculares, requerimento e capacidade de armazenagem de nutrientes, interações ecológicas e/ou adaptações morfológicas-fisiológicas das plantas (Sarmiento & Monasterio 1983, Larcher 2000, Castro-Díez et al. 2003, Marques et al. 2004). A floresta atlântica brasileira é um hotspot global de espécies, compreendendo aproximadamente 20.000 espécies de plantas (cerca de 50% endêmicas) e altos níveis similares de diversidade para outros grupos biológicos (Murray-Smith et al. 2008). A forte pressão antrópica que a floresta atlântica vem sofrendo há mais de 500 anos desde a colonização européia do Brasil faz com que seja considerada uma das formações vegetais mais ricas e ameaçadas do planeta (Morellato & Haddad 2000, Myers et al. 2000). A região Sudeste do Brasil abriga um dos três grandes centros de endemismo da floresta atlântica úmida (floresta ombrófila densa), correspondendo às áreas de vegetação costeiras na cadeia de montanhas da Serra do Mar que se estendem do sul do estado de São Paulo até o norte do Rio de Janeiro (Thomas et al. 1998) e inclui diversos sítios prioritários para a conservação (Myers et al. 2000, Murray-Smith et al. 2008). A fenologia das comunidades vegetais da floresta atlântica do Sudeste (floresta ombrófila densa) foi avaliada em poucos estudos e de forma mais detalhada somente na última década (Davis 1945, Veloso 1945, Jackson 1978, Takahashi 1998, Morellato et al. 2000, Talora & Morellato 2000, Zipparro 2004). Alguns estudos que abordaram a fenologia de comunidade selecionaram as espécies de acordo com o interesse econômico ou importância como fonte de recursos para a fauna (Costa et al. 1997, Mantovani et al. 2003, Engel & Martins 2005, Castro 2007, Pereira et al. 2008). A maioria destes estudos revelou padrões sazonais de floração e brotamento para as espécies arbóreas, com as fenofases ocorrendo principalmente durante a estação mais quente e úmida e relacionadas ao aumento no comprimento do dia e temperatura (Morellato 2003). A frutificação e queda foliar foram geralmente consideradas pouco sazonais e ocorrentes ao longo do ano (Morellato et al. 2000). Apesar de a fenologia ter variado pouco entre áreas e entre anos nas comunidades estudadas, podem ocorrer flutuações inter-anuais na intensidade, duração, época de ocorrência e sincronia das fenofases em nível de espécies (Engel 2001, Zipparro 2004) Os estudos de comunidade citados para o Sudeste não incluem espécies arbustivas ou herbáceas, sendo que na floresta atlântica úmida brasileira, somente Marques & Oliveira (2004) consideraram estas formas de vida no estudo fenológico de duas comunidades de restinga no Paraná. Morellato et al. (2000) sugeriram que a contribuição de diferentes formas de vida, como epífitas, lianas e ervas, provavelmente é maior para as variações na fenologia do que a diferença na composição de espécies entre as diferentes áreas de floresta atlântica. 22 Dentro do contexto apresentado, este estudo teve como objetivo analisar a fenologia reprodutiva e vegetativa de espécies lenhosas e herbáceas de uma comunidade vegetal de floresta atlântica de encosta durante três anos, buscando responder às seguintes questões: 1) Os padrões fenológicos reprodutivos e vegetativos da comunidade são sazonais e se repetem entre os anos? A fenologia está relacionada aos fatores climáticos e esta relação se repete entre os anos? Esperamos que a comunidade apresente padrão sazonal de floração relacionado ao comprimento do dia e à temperatura, e pouco sazonal de frutificação, fracamente relacionado aos fatores climáticos, como já observado para espécies arbóreas em outras áreas de floresta atlântica (Morellato et al. 2000). Também esperamos que os padrões fenológicos apresentem periodicidade e freqüência similares entre anos (Corlett 1993, Newstrom et al. 1994b). 2) Como varia a contribuição das famílias botânicas com maior riqueza de espécies e abundância de indivíduos para o padrão fenológico da comunidade? Por serem dominantes na comunidade, esperamos que estas famílias influenciem/definam as épocas de ocorrência das fenofases ao longo do ano na comunidade (Morellato & Leitão-Filho 1996). 3) Como varia o comportamento fenológico entre as espécies lenhosas e herbáceas? Como a fenologia destes hábitos/formas de vida está correlacionada aos fatores climáticos? São esperados padrões fenológicos distintos entre as formas de vida, com respostas diferentes aos fatores climáticos, devido às diferenças que apresentam quanto à morfologia, fisiologia, ecologia e as características da luminosidade do ambiente circundante (Sarmiento & Monasterio 1983, Larcher 2000, Castro-Díez et al. 2003, Marques et al. 2004). Material e métodos Área de estudo – Este estudo foi desenvolvido em uma área de floresta atlântica no Parque Estadual da Serra do Mar (PESM), Núcleo Picinguaba, bairro Fazenda da Caixa, município de Ubatuba, nordeste do estado de São Paulo, Brasil (Figura 1A). O PESM faz parte da Área de Proteção Ambiental da Serra do Mar e abrange uma área de 315.319 hectares, do norte do Estado de São Paulo até o litoral sul e Vale do Ribeira (São Paulo 1998). Dentre os 11-16% que restam da floresta atlântica, a Serra do Mar que se estende do sul do estado de São Paulo até o sul do Rio de Janeiro, englobando principalmente as montanhas ao longo da costa litorânea, é o maior fragmento remanescente do país (Ribeiro et al. 2009). O Núcleo de Desenvolvimento Picinguaba (NDP; 23°22′S e 44°48′W) possui uma área aproximada de 7.850 hectares, recoberta por floresta primária, classificada como floresta ombrófila densa baixo montana, uma das formações que compõem a floresta atlântica brasileira (Veloso et al. 1991). A vegetação do NDP pode ser caracterizada, de 23 forma geral, como floresta pluvial costeira (Fernandes & Bezerra 1990) ou floresta atlântica senso estrito (Joly et al. 1991), abrangendo os vales e as encostas orientais da Serra do Mar e a planície litorânea. A área escolhida para o desenvolvimento deste estudo localiza-se na floresta de encosta madura e relativamente pouco perturbada do vale formado pelo Morro do Cuscuzeiro e pelo Morro do Corisco, entre as coordenadas 23°20’02” - 23°20’17”S e 44°49’54” - 44°50’06”W, distante aproximadamente quatro quilômetros da beira da praia da Fazenda (Figura 1B). A floresta estudada fica próxima das margens do rio da Fazenda e da trilha do Corisco, que sai da Casa de Farinha e vai até o município de Paraty, estado do Rio de Janeiro (Figuras 2 e 3). A altitude na área estudada varia de 40 a 100 m acima do nível do mar, com relevo levemente inclinado na margem direita do rio da Fazenda (observando na direção do deslocamento das águas). A floresta apresenta uma estrutura vertical pouco definida, com as árvores do dossel atingindo entre 10 e 25 m de altura e emergentes acima de 25 m, sendo as famílias de plantas dominantes Myrtaceae, Rubiaceae, Fabaceae e Lauraceae (Sanchez et al. 1999, Morellato et al. 2000, Campos 2008). O sub-bosque caracteriza-se por um estrato herbáceo, arbustos, arvoretas e indivíduos jovens das populações do dossel e de emergentes, rico em espécies de Rubiaceae, Myrtaceae, Melastomataceae, Piperaceae, Amaranthaceae e Musaceae (Morellato et al. 2000). Há elevado número de epífitas, pteridófitas, lianas e espécies herbáceas na floresta. Segundo Sanchez et al. (1999), na margem do rio da Fazenda são características espécies como Rollinia sericea (Annonaceae), Swartzia simplex var. grandifora (Fabaceae), Cariniana estrellensis (Lecythidaceae), Guarea macrophylla var. tuberculata (Meliaceae), Marlierea obscura (Myrtaceae), Hyeronima alchorneoides (Phyllanthaceae) e Cecropia glaziovi (Urticaceae). O clima da região, conforme a classificação de Köppen (1948), é do tipo Af, que pode ser definido como clima de floresta tropical chuvosa, caracterizado pela temperatura média do mês mais frio do ano superior a 18°C e umidade constante decorrente de precipitação abundante em todos os meses. O clima médio de 30 anos para a região estudada (1979 a 2008; Figura 4) mostra a existência de duas estações: uma estação mais quente e superúmida, de outubro a abril, com maior temperatura média em fevereiro (26,2°C) e precipitação total média superior a 230 mm mensais, sendo janeiro o mês mais chuvoso (média mensal 327,4 mm) e uma estação mais fria e menos úmida de maio a setembro, com menor temperatura média em julho (18,3°C) e precipitação total média mensal de 70-180 mm, mas sem déficit hídrico, sendo agosto o mês menos chuvoso (média total mensal 77,2 mm). As duas estações, definidas como superúmida e úmida desde ponto em diante, foram anteriormente definidas por Morellato et al. (2000) para a mesma área de estudo. A precipitação total média anual do período de 30 anos foi de 2.512 mm e a temperatura média anual, 22,59°C. Segundo Wright & van Schaik (1994), florestas com média de pluviosidade total média 24 acima de 60 mm no mês mais seco podem ser definidas como fracamente sazonais. O comprimento do dia na latitude 23° varia de 10,56 horas/dia em junho a 13,43 horas/dia em dezembro, sem variação entre anos; os dias mais longos ocorrem na estação superúmida e os mais curtos na estação úmida (Figura 5A). Nos três anos do presente estudo (abril/2006 a março/2009) a ocorrência das estações seguiu o clima médio, mas foram observadas algumas variações (Figura 5B). A precipitação média anual total no período de estudo foi de 2.448 mm, sendo que os dois primeiros anos foram menos chuvosos e o terceiro ano foi mais chuvoso que a média de 30 anos. Com exceção dos meses de outubro e novembro, em que nos três anos estudados choveu de 53 mm a 222 mm a mais que o clima médio, na maioria dos outros meses do estudo a precipitação mensal total foi menor que a média de 30 anos. A ausência de precipitação no mês de julho/2008, fato não registrado em nenhum outro mês durante o período de 30 anos avaliado, caracterizou uma época seca rara na região do estudo (Figura 5B). Em geral, as temperaturas mínimas dos meses de estudo foram um pouco mais baixas que o clima médio, e as temperaturas médias e máximas mensais foram um pouco mais altas de junho a outubro, representando um inverno e início de primavera ligeiramente mais quentes que o verificado no clima médio, sendo o primeiro ano mais quente que os outros dois. A temperatura média mensal do período de estudo foi de 22,49°C, semelhante à média de 30 anos. As variáveis climáticas mensais – temperatura (°C), precipitação (mm) e comprimento do dia (horas) – foram obtidas junto ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC/CIIAGRO), coletadas na Estação Experimental de Ubatuba, SP, distante cerca de 26 km do local de estudo, e os dados de comprimento do dia para a latitude 23° foram obtidos de Pereira et al. (2001). Amostragem dos indivíduos – A amostragem dos indivíduos foi feita utilizando o método de transecções (D’Eça-Neves & Morellato 2004), sendo demarcadas, ao todo, 15 transecções, cada uma medindo 60 m x 5 m (300 m2), com distância mínima de 40 m entre si (Figura 2). Visando incluir a variabilidade de ambientes da floresta de Picinguaba e verificar posteriormente a influência da borda natural do rio da Fazenda na fenologia, foram demarcadas oito transecções no interior da floresta e sete nas margens do rio (Figuras 2 e 3). As transecções da borda natural foram dispostas ao longo das margens do rio e os do interior de forma aproximadamente paralela às da borda e distantes no mínimo 50 m da margem do rio (Figuras 2 e 3). Na borda, cada uma das transecções foi dividida em duas partes, sendo 60 m x 2,5 m na margem direita (lado 1) e o mesmo tamanho na margem esquerda imediatamente oposta (lado 2, observando na direção do deslocamento das águas; Figura 2). Para evitar amostrar áreas no leito do rio, as transecções da borda natural foram demarcadas a partir do indivíduo lenhoso mais próximo da margem do rio seguindo para o interior da floresta até a largura limite de 2,5 m. Nas extremidades de cada uma das transecções foram 25 obtidas coordenadas com um aparelho de GPS, as quais foram inseridas no Google Earth® gerando a imagem da área de estudo apresentada. Todos os indivíduos lenhosos ou herbáceos com altura igual ou superior a dois metros foram amostrados e, em cada transecção, foi sorteado um ponto e demarcada uma área menor de 5 m x 5 m, onde todos os indivíduos com altura inferior a dois metros foram amostrados. Não foram marcados indivíduos pertencentes a espécies hemiparasitas, lianas e epífitos, indivíduos jovens ou mortos confirmados, ou com copa de visualização impossibilitada. Algumas espécies herbáceas ocorreram em manchas agrupadas sobre o solo não sendo possível distinguir cada um dos indivíduos, de modo que nessas manchas foi marcada/observada a espécie e não o indivíduo (por exemplo, Herpetacanthus rubiginosus – Acanthaceae e Calathea lindbergii – Marantaceae). No caso das palmeiras arbustivas e com caules múltiplos, Geonoma gamiova e Geonoma pauciflora, cada aglomerado foi considerado um indivíduo, sendo marcados apenas os aglomerados a dois metros de distância de outros aglomerados, evitando assim marcar um mesmo indivíduo duas vezes. Durante os três anos de estudo alguns indivíduos novos cresceram dentro das transecções e quando atingiram a maturidade foram marcados e incluídos no estudo (de acordo com o critério de inclusão). Ao todo, 3.530 indivíduos foram amostrados neste estudo e 999 foram excluídos ao longo do estudo por motivos diversos: indivíduos jovens, mortos ou com visualização da copa impossibilitada. Os 2.531 indivíduos adultos restantes, pertencentes a 259 espécies e 62 famílias botânicas, foram utilizados nas análises deste estudo (Tabela 1). A classificação das espécies nas famílias botânicas segue a APG II (2003). Para todos os indivíduos amostrados foi estimada/medida a altura do tronco principal, a altura atingida pela copa e medidos o perímetro basal (Pbasal – cerca de 10 cm acima do solo) e perímetro à altura do peito (PAP – 1,20 m de altura). Os dados de altura da copa foram utilizados na classificação dos indivíduos em três estratos: a) herbáceo/arbustivo – todas as ervas (independente da altura) e plantas lenhosas com até 1,0 m de altura da copa; b) sub-bosque – indivíduos lenhosos com altura da copa entre 1,1 e 9,0 m (inclui também indivíduos com altura do tronco maior que 10 m, mas que apresentam a copa inclinada atingindo altura inferior a 9,0 m do solo); e c) dossel e emergentes – indivíduos lenhosos com altura da copa superior a 9,0 m. O sub-bosque e herbáceo/arbustivo representam os estratos mais sombreados da floresta abaixo do dossel, enquanto o dossel representa o estrato mais contínuo em que as copas das árvores se tocam lateralmente e as espécies emergentes são aquelas cujas copas encontram-se totalmente expostas acima do dossel (Oliveira et al. 2004). O material botânico coletado de todas as espécies está depositado no acervo do Herbarium Rioclarense (HRCB) da Unesp de Rio Claro. O sexo ou morfo floral dos indivíduos pode influenciar o padrão fenológico das espécies (no caso de amostragem com proporção diferente de 1:1 entre sexos ou morfos na população; veja 26 Bawa 1983, Newstrom et al. 1994a, Kang & Bawa 2003) e, por isso, o sistema sexual de cada espécie foi determinado através de consulta de literatura específica (livros, floras regionais, revisões taxonômicas, descrições de espécies e artigos sobre biologia floral e reprodutiva). As espécies foram classificadas de acordo com Bawa (1980) e Endress (1994), como: a) hermafroditas – flores bissexuais (monóclinas); b) monóicas – flores masculinas e femininas (díclinas) no mesmo indivíduo; e c) dióicas – flores masculinas e femininas em indivíduos separados. Espécies polígamas (com flores monóclinas e díclinas no mesmo indivíduo) e distílicas (flores longistilas e brevistilas em indivíduos separados) foram incluídas na classe hermafrodita. Fenologia reprodutiva e vegetativa – As observações fenológicas foram realizadas mensalmente, com auxílio de um binóculo, durante três anos (abril/2006 a março/2009). Na análise dos padrões fenológicos, os anos foram denominados como ano 1 (abril/2006 a março/2007), ano 2 (abril/2007 a março/2008) e ano 3 (abril/2008 a março/2009). Para cada indivíduo foram observadas as fenofases reprodutivas: a) botão – período anterior à abertura floral; b) antese – presença de flores já abertas; c) frutificação, dividida em frutos imaturos – início da formação de frutos e frutos jovens; d) frutos maduros – presença de frutos prontos para serem dispersos (Morellato et al. 1989); e vegetativas: e) brotamento – emissão de folhas novas; e f) queda de folhas. O comportamento fenológico dos indivíduos foi avaliado através do método do percentual de intensidade de Fournier (1974), em que os valores são atribuídos em cada indivíduo através de uma escala intervalar semi-quantitativa de cinco categorias (0 a 4): 0 – ausência da fenofase; 1 – fenofase presente de 1 a 25% da copa; 2 – fenofase presente de 26 a 50% da copa; 3 – fenofase presente de 51 a 75% da copa, e 4 – fenofase presente de 76 a 100% da copa. Flores e frutos caídos foram usados como indicadores da atividade fenológica das árvores maiores ou com copa de difícil visualização. Para caracterizar e comparar a fenologia das espécies entre os anos, foi calculada a data de início de cada fenofase para todos os indivíduos em cada ano estudado, representando o primeiro mês em que cada indivíduo apresentou determinada fenofase (veja procedimentos para definição em Morellato et al. 2000). A data de início foi utilizada para testar a sazonalidade (veja abaixo). A freqüência anual da floração (botão/antese) e frutificação (fruto imaturo/maduro) das espécies no estudo foi classificada segundo Newstrom et al. (1994a,b): a) contínua – produção de botões e flores contínua interrompida apenas por curtos intervalos esporádicos; b) sub-anual – mais de um ciclo de floração por ano; c) anual – apenas um ciclo de floração por ano; e d) supra-anual – ciclos em intervalos maiores que um ano. Quando os indivíduos de uma espécie apresentaram variações entre si ao longo dos anos, a espécie foi classificada na categoria mais freqüente observada nos seus indivíduos. Em algumas espécies foram utilizadas informações fenológicas complementares de indivíduos nas proximidades das transecções durante o período de estudo. 27 Análise dos dados – Todos os dados foram testados quanto à normalidade e homogeneidade de variâncias através dos testes de Shapiro-Wilk e teste de Bartlett (nível de significância p < 0,05), respectivamente, e como a maioria dos dados não apresentou distribuição normal e homogeneidade de variâncias, foram aplicados testes estatísticos não-paramétricos. A ocorrência de padrão sazonal nas fenofases em cada um dos anos e hábitos foi testada utilizando a análise estatística circular conforme Zar (1996) e Morellato et al. (2000) com o programa Oriana versão 2.02 (Kovach 2004). Para o cálculo da data média ou ângulo médio de ocorrência das fenofases, a fenologia de cada um dos indivíduos foi convertida em variáveis numéricas simples: os meses foram convertidos em ângulos, de 1° (dia 01 de janeiro) a 360° (dia 31 de dezembro), conforme a data média de coleta no campo dos dados fenológicos (dia 20 de cada mês). A data média ou ângulo médio corresponde à época do ano ao redor da qual as datas de uma determinada fenofase ocorreram para a maioria das espécies ou indivíduos (Morellato et al. 1989). O teste de Rayleigh (p) determina a significância do ângulo médio (Zar 1996). As hipóteses testadas foram: H0 = as datas estão uniformemente distribuídas ao redor do círculo ou ano; existe uniformidade circular ou nenhuma direção média; H1 = as datas não estão uniformemente distribuídas ao redor do ano; há um ângulo médio significativo ou direção média. Se H0 for rejeitada, a intensidade de conc