UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – UNESP FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS CAMPUS DE MARÍLIA CAROLINA CANGEMI GREGORUTTI A INCLUSÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL: A relação das características dos cuidadores familiares implicadas neste processo MARÍLIA 2013 CAROLINA CANGEMI GREGORUTTI A INCLUSÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL: A relação das características dos cuidadores familiares implicadas neste processo Dissertação apresentada ao Programa de Pós – Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília, para obtenção do título de Mestre em Educação. Área de Concentração: Educação Especial. Orientador: Prof. Dr. Sadao Omote MARÍLIA 2013 Ficha Catalográfica Gregorutti, Carolina Cangemi. G821i A INCLUSÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL: a relação das características dos cuidadores familiares implicadas neste processo / Carolina Cangemi Gregorutti. – Marília, 2013. 140 f. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências, 2013. Bibliografia: f. 96-108 Orientador: Sadao Omote. 1. Cuidadores. 2. Crianças deficientes. 3. Stress ocupacional. 4. Auto-estima. 5. Educação inclusiva. 6. Educação especial. I. Autor. II. Título. CDD 371.9 CAROLINA CANGEMI GREGORUTTI A INCLUSÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL: A relação das características dos cuidadores familiares implicadas neste processo Dissertação apresentada ao Programa de Pós – Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília, na área de concentração Educação Especial, para obtenção do título de Mestre em Educação. BANCA EXAMINADORA Orientador: ______________________________________________________ Prof. Dr. Sadao Omote, UNESP – Marília 2º Examinador: ___________________________________________________ Profa. Dra. Sandra Regina Gimeniz Paschoal, UNESP – Marília 3º Examinador: ___________________________________________________ Profa. Dra. Thelma Matsukura, UFSCar – São Carlos Marília, 27 de fevereiro de 2013 . Dedico este trabalho aos meus pais, que com sabedoria, esforço, empenho e missão de vida, sempre me cuidaram! AGRADECIMENTOS Começar agradecendo a Deus, apesar de parecer um clichê enorme, para mim torna-se algo muito especial e direcionado. Por uma longa caminhada solitária, por diversas vezes ser minha única companhia, eu e Ele, eu e minha fé, por que eu preciso continuar... Agradeço! Agradeço ao meu orientador Sadao Omote, por me ensinar caminhos sensíveis possíveis para tanta teoria, por respeitar e identificar com tanto zelo minhas características, por me dar potência acadêmica, por ser de “carne e osso” e “objeto” de tanta admiração social, por ser exemplo de cidadão neste país, por exercer seu papel tão categoricamente, por me orientar pelos caminhos do viver... Por me dar a certeza de que vale a pena, desde que haja parcimônia! Agradeço à Isabel, minha mãe, pelo papel que cumpre em minha vida com tanto amor e acolhimento. Pelo cuidado comigo. Por ser minha cuidadora quando precisei. Por respeitar minhas decisões mesmo quando são de difícil compreensão, por me colocar em conflitos pessoais e assim me permitir crescer, por me perder em palavras e permitir que os sentimentos da nossa relação possam agradecer, por me amar incondicionalmente e me fazer querer um dia o seu papel exercer! Agradeço ao José, meu pai, por ser pai. Pelo cuidado comigo. Pelo cuidado que exerce com todos do seu cotidiano, pelas reverberações que tens, pela sensibilidade aguçada e o olhar atento, pelas provocações infindáveis, pela intelectualidade invejável, pelo respeito com as diferentes formas de viver, pela segurança, pelo exemplo, pelo amor incondicional e por ser tão fácil de agradecer! Agradeço à minha irmã Mariana, que me transforma a cada encontro com suas descobertas, que sempre foi fonte de inspiração e admiração cumprindo tão bem seu papel de “mais velha”, pela responsabilidade assumida, pela inteligência provida, pela beleza ainda talvez desconhecida, pela potência de mulher, por sua forma de carinho e por todo seu amor! Agradeço ao meu irmão Matheus, por ser o caçula e me dar a oportunidade de “me virar um pouco mais”, pelas suas músicas e angústias, pela sua forma peculiar de olhar algumas situações, pela cumplicidade nos segredos, por me permitir aprender sobre sua forma de viver, pelo carinho e pelo amor fraternal! Agradeço aos participantes desta pesquisa, cuidadores familiares, que com muita simplicidade me permitiram a concretização do pequeno entendimento de seus universos. Agradeço à Thelma Matsukura e à Sandra Paschoal, mulheres intelectuais, sensíveis e enfáticas, contribuintes deste trabalho! Agradeço ao grupo de pesquisa “Diferença, desvio e estigma”, pela partilha do saber! Agradeço aos professores, Miguel Chacon e Luciana Balleoti, cada um em sua especificidade, e que talvez sem saber, me encorajaram a neste caminho permanecer. Agradeço às amigas que a pós graduação me permitiu os laços fortalecer, em especial à Mariana Zafani pela conquista da amizade, pelo respeito profissional, pelo carinho construído. Agradeço de forma especial a amiga e TO, Madalena Sant´anna, que me ensina sobre a arte da minha profissão e me encoraja a seguir em frente. Por ser tão delicada e diferenciada no seu viver, pelos mimos, pela confiança, pela amizade importante que a pós graduação me permitu ter! Agradeço aos meus familiares, dos quais, com o meu jeito “Carolina” de ser, sinto tanta saudade. Em especial: Gabriel Gregorutti, primo, por me encorajar na visualização dos erros, pela sua sensibilidade de tão fácil e tão complicada compreensão, por sempre estar ao meu lado do seu jeito. Letícia Araújo, prima, por ser minha irmã mais nova, aquela de quem tenho o carinho especial, aquela que admiro e com quem aprendo a junto estar. Aos meus avós, que a cada minuto me fazem pensar sobre o “cuidar”. Às minhas tias e tios, primas e primos e todos os pequeninos desta linda e enorme família, por serem os melhores laços que alguém possa ter! Agradeço às amigas Fernanda Pacheco, Camila Nassif e Natália Fusco, pela oportunidade de convivência, crescimento e amadurecimento na terra da bolacha. Por me ajudarem a não desistir por mais difícil que fosse aqui continuar. E ainda agradeço à Ana Munhoz, Thatiane Barbelli e Paula Becker, por permitirem e me ensinarem que tais laços não terminam. Agradeço à Evelise Achete, Milena Leal, Larissa Aguiar, Ana Zanetti, Gabriela Rosa, Talita Finardi, Camila Nassif, mulheres em transformação, amigas que minhas raízes permitem ter.... Por serem as melhores amigas desde o princípio. Agradeço ainda, àqueles que em silenciosa forma do meu viver trouxeram reverberações necessárias nesta caminhada. Agradeço a Capes e à Fapesp, por permitirem e auxiliarem na concretização deste trabalho. CNPq (Período: Fevereiro/ 2012 à Abril/ 2012), FAPESP (Processo: 2011/15325-7 a partir de maio/2012). “Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo dos céus: tempo para nascer, e tempo para morrer; tempo para plantar, e tempo para arrancar o que foi plantado; tempo para matar, e tempo para sarar; tempo para demolir, e tempo para construir; tempo para chorar, e tempo para rir; tempo para gemer, e tempo para dançar; tempo para atirar pedras, e tempo para ajuntá-las; tempo para dar abraços, e tempo para apartar-se. Tempo para procurar, e tempo para perder; tempo para guardar, e tempo para jogar fora; tempo para rasgar, e tempo para costurar; tempo para calar, e tempo para falar; tempo para amar, e tempo para odiar; tempo para a guerra, e tempo para a paz. Que proveito tira o trabalhador de sua obra? Eu vi o trabalho que Deus impôs aos homens: todas as coisas que Deus fez são boas, a seu tempo. Ele pôs, além disso, no seu coração a duração inteira, sem que ninguém possa compreender a obra divina de um extremo a outro. Assim eu concluí que nada é melhor para o homem do que alegrar-se e procurar o bem-estar durante sua vida; e que comer, beber e gozar do fruto de seu trabalho é um dom de Deus. Reconheci que tudo o que Deus fez subsistirá sempre, sem que se possa ajuntar nada, nem nada suprimir. Deus procede desta maneira para ser temido. Aquilo que é, já existia, e aquilo que há de ser, já existiu; Deus chama de novo o que passou. Debaixo do sol, observei ainda o seguinte: a injustiça ocupa o lugar do direito, e a iniqüidade ocupa o lugar da justiça. Então eu disse comigo mesmo: Deus julgará o justo e o ímpio, porque há tempo para todas as coisas e tempo para toda a obra. Eu disse comigo mesmo a respeito dos homens: Deus quer prová-los e mostrar-lhes que, quanto a eles, são semelhantes aos brutos. Porque o destino dos filhos dos homens e o destino dos brutos é o mesmo: um mesmo fim os espera. A morte de um é a morte do outro. A ambos foi dado o mesmo sopro, e a vantagem do homem sobre o bruto é nula, porque tudo é vaidade. Todos caminham para um mesmo lugar, todos saem do pó e para o pó voltam...” (ECLESIASTES 3:1-20 ) RESUMO Diante do atual contexto da inclusão e considerando que o cuidador é um dos importantes pilares para viabilizar a entrada e permanência da criança com deficiência na escola, na comunidade e na sociedade em geral, este estudo teve por objetivo avaliar as condições emocionais e psicológicas dos responsáveis de crianças com paralisia cerebral, que podem interferir no processo inclusivo escolar dessas crianças. O estudo foi desenvolvido junto a 18 cuidadores familiares de crianças com paralisia cerebral (PC) e que eram assistidas no Centro de Estudos da Educação e da Saúde (CEES) da Universidade Estadual Paulista, na cidade de Marília –SP e que estavam regularmente matriculadas em escolas municipais, estaduais ou particulares. Para a coleta de dados utilizamos a Escala de AutoEstima de Dela Coleta e a forma abreviada do Questionário de Recursos e Estresse (QRS-F). O terceiro e último instrumento utilizado foi um Roteiro de Entrevista composto de 28 perguntas abertas e 13 de alternativas. Por meio de 41 perguntas buscou-se levantar informações sobre: (a) caracterização da criança, (b) fatores relacionados a criança na escola regular, (c) fatores que podem favorecer a inclusão, (d) fatores que podem estar dificultando a inclusão, (e) caracterização do responsável e (f) perfil socioeconômico da família da criança com paralisia cerebral. Foi realizada uma análise individual dos dados do roteiro de entrevista sendo que as respostas às questões de alternativas foram tabuladas para a contagem da frequência e as respostas às questões abertas foram transcritas e submetidas à análise de conteúdo. Calculados os escores do Questionário de Recursos e Estresse (F-QRS) e da escala de autoestima de Dela Coleta, foi calculado o coeficiente de correlação de Spearman para verificar se havia associação entre o estresse e a autoestima, dando resultado considerado extremamente significante. Os escores dessas escalas foram utilizados para verificar possíveis relações que o estresse e a autoestima poderiam manter com variáveis e condições que foram levantadas por meio do Roteiro de Entrevista. A decisão sobre quais variáveis e condições cuja relação com o estresse e a autoestima foi estudada dependeu das respostas efetivamente obtidas no Roteiro de Entrevista. Algumas delas foram a renda familiar, o grau de severidade da PC da criança, o estado civil dos cuidadores familiares, a escolaridade, a idade e o grau de parentesco com a criança. Além das condições sociais do meio, as condições da própria criança com PC podem conter determinantes importantes para os cuidadores familiares e consequentemente podem afetar tanto a autoestima quanto o estresse destes. Analisando comparativamente todos os contrapontos, notou-se que os participantes deste estudo usaram estratégias diferentes e que tais estratégias tiveram efeitos diferentes sobre o estresse vivido em seus cotidianos e suas autoestimas, o que torna, então, qualquer estratégia já útil para aliviar eventuais dificuldades ou frustrações envolvidas no processo inclusivo. Ressalta-se a continuidade na atenção a esta população como parte do processo necessário para que a inclusão ocorra de fato. Palavras chave: 1. Cuidador familiar; 2.Crianças deficientes; 3.Estresse e Autoestima; 4. Inclusão; 5. Educação Especial. ABSTRACT In today's context of inclusion and considering that the caregiver is one of the important pillars to facilitate the access and permanence of children with disabilities in school, community and society in general, this study aimed to evaluate the psychological and emotional conditions of the caregiver of children with cerebral palsy, which can interfere with the process of inclusion of these children. The study was developed with 18 family caregivers of children with cerebral palsy (CP) that were assisted at the Center for the Study of Education and Health (CEES), Universidade Estadual Paulista in Marília-SP and who were enrolled in regular schools private, from the city or from the state. To collect the data we use the Self-Esteem Scale by Dela Coleta and short form of the Questionnaire on Resources and Stress (QRS-F). The third and final instrument was a Guide Interview consisted of 28 open questions and 13 alternatives. Through 41 questions attempted to gather information on: (a) characterization of the child, (b) factors related to the child in regular school, (c) factors that may support the inclusion, (d) factors that may be complicating the inclusion (e) characterization of caregiver and (f) family socioeconomic profile of children with cerebral palsy. An analysis of individual data of the interview was made, where the answers to the questions of alternatives were tabulated for the frequency count and the answers to open questions were transcribed and subjected to content analysis. Calculated the scores of the Questionnaire on Resources and Stress (QRS-F) and of the Self-esteem Scale by Dela Coleta, we calculated the Spearman correlation coefficient to check whether there was an association between stress and self-esteem, giving outcome considered extremely significant. The scores of these scales were used to verify possible relationships that stress and self-esteem could keep with variables and conditions that have been raised through the Guide Interview. The decision on which variables and conditions whose relationship with stress and self-esteem was studied depended on the answers effectively obtained on the Guide Interview. Some of them were family income, the degree of severity of the child's PC, the marital status of family caregivers, schooling, age and degree of kinship with the child. In addition to the social conditions of the environment, the conditions of the child with CP may contain important determinants for family caregivers and consequently can affect their self-esteem as much their stress. Comparatively analyzing all counterpoints, it was noted that the study participants used different strategies and that these strategies had different effects on the stress experienced in their daily lives and their self-esteem, which makes then useful strategies to alleviate any difficulties or frustrations involved in the inclusion process. We highlight the continuity of care for this population as part of the required process for inclusion to occur in fact. Keywords: 1. Family caregiver; 2. Disabled children; 3.Estresse and Self-Esteem; 4. Inclusion; 5. Special Education. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Caracterização dos Cuidadores .......................................................................... ....50 Tabela 2 – Escores da escala de AE e no QRS-F.........................................................59 Tabela 3 - Escore de cada fator de QRS-F .......................................................................... .....63 Tabela 4 - Variações, medianas e dispersão dos quatro fatores do QRS-F..............................63 Tabela 5 - Participantes escalonados dos mais favoráveis aos menos favoráveis à inclusão...............84 SUMÁRIO 1 APRESENTAÇÃO ......................................................................................................... 13 2 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 17 2.1 A inclusão e a criança com paralisia cerebral................................................................ 26 2.2 A família e o cuidador familiar...................................................................................... 33 3 MÉTODO ........................................................................................................................ 48 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................... 59 5 CONCLUSÃO ................................................................................................................. .89 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................92 REFERÊNCIAS ................................................................................................................ .96 APÊNDICE.........................................................................................................................109 ANEXO ............................................................................................................................... 138 13 1 APRESENTAÇÃO “Há um olhar que sabe discernir o certo do errado e o errado do certo. Há um olhar que enxerga quando a obediência significa desrespeito e a desobediência representa respeito. Há um olhar que reconhece os curtos caminhos longos e os longos caminhos curtos. Há um olhar que desnuda, que não hesita em afirmar que existem fidelidades perversas e traições de grande lealdade. Este olhar é o da alma.” (BONDER, 1998,p.37) Esta dissertação é um dos resultados de vários encontros preciosos que tive na construção da minha formação e atuação profissional. Enquanto menina, fui bailarina, vivia a dança como uma necessidade muito forte; sentia que dançar era como uma obrigação, tanto que por muitas vezes parecia que não era eu quem tinha escolhido a dança e sim o contrário. Minha relação com a dança era uma questão de gosto e não cabiam explicações racionais. Já durante a juventude, o foco passou do meu próprio corpo para a importância da mensagem que a dança comunicava. Era uma artista, com uma sensibilidade aguçada para aqueles que com algum intuito permaneciam me assistindo, essa minha sensibilidade era capaz de captar mensagens inacessíveis a outros e importantes para a sociedade. Em decorrência disso, a dança por um momento não me supriu mais, não daquela forma, como era quando menina, eu fui despertada por meio daquelas vivências e da arte para o conhecimento e o apontamento da responsabilidade social que eu tinha como cidadã. Durante a graduação em Terapia Ocupacional, considero que fui contaminada para a sensibilidade de olhar o sofrimento do outro e de alguma forma tentar cuidar deste sofrimento. Por diversas vezes, naqueles tempos, cheguei a me questionar: Afinal, quem cuida de quem? Minha sensação de ser escolhida voltara, já no segundo ano da faculdade quando desenvolvia projeto de iniciação científica com idosos institucionalizados. Tive a oportunidade e a liberdade “supervisionada” de avançar em caminhos que dentro mim já eram explorados, e que me faziam cada dia mais curiosa nas sensações de todos que me cercavam. Neste momento da minha construção profissional, o foco foi bastante centrado naquele que sofre diretamente com alguma situação ou por alguma patologia. Contudo, mais uma vez, me 14 peguei questionando a minha atuação profissional. Contaminada com as vivências e reverberações daqueles quatro anos de faculdade, fui buscar um caminho que ainda era latente: a tal responsabilidade social que despertara em mim anteriormente. Com isso realizei trabalhos voluntários em uma região muito pobre na cidade de Marília. Já formada, deparei-me com contextos múltiplos, com diversas formas de atuação profissional e com muitos busquei ser além de profissional. Ali consegui perceber que o contexto social é muito importante e muito forte para mim. Foi quando então, trabalhei no programa da Saúde da Família, fazendo parte de uma equipe multiprofissional, o que me possibilitou enxergar novamente o outro, com todo o seu sofrimento, mas o que me encantava eram aqueles contextos diferentes, aquelas formas diferentes de lidar com aquilo que doía, os diversos rearranjos familiares que aconteciam ou que eram obrigados a acontecer para que o sofrimento conseguisse de alguma forma ser aliviado ou incluído em meio a tantos acontecimentos diferentes. Concomitantemente, realizava trabalho voluntário no Centro de Estudos da Educação e Saúde (CEES) da UNESP- Marília, e lidava diretamente com crianças com deficiência e mais especificadamente com as crianças com paralisia cerebral (PC). Ali, eu e uma equipe multiprofissional, tínhamos atuações bastante voltadas para a criança e suas limitações evidentes, mas a presença do seu contexto familiar era gritante dentro da sala do consultório. E o sentimento de responsabilidade voltara em mim: Afinal, como é o contexto social dessas crianças? Ele é importante para a qualidade de vida delas? Foi quando tive a oportunidade de escrever um projeto para adentrar em caminhos por mim antes não tão conhecidos, mas tão intensos e latentes. Descobrindo assim, novas teorias. Precisando estudar muito para compreendê-las. Porém, todas em sua essência eram tão comuns a todas as vivências que nós profissionais podemos ter. Neste momento, tive a oportunidade de estar sendo orientada pelo Prof. Dr. Sadao Omote. Digo que foi uma grande oportunidade porque ele foi uma das poucas pessoas que soube enxergar a minha sensibilidade e que acreditou na potencialidade acadêmica que eu precisava exercitar. Com ele iniciei a jornada entre sensibilidades, percepções e discernimentos aliados ao difícil terreno exigido pela academia. Nossa produção aqui descrita, em sua totalidade, tem sido diretamente articulada e, do meu ponto de vista, facilitada pela intensidade das histórias que vivi com as pessoas participantes deste trabalho. A pesquisa aqui apresentada quer contribuir com a discussão que deve ser realizada para a efetivação da parceria entre a escola e a família da criança deficiente. Tais parcerias vêm 15 sendo discutidas e tem ocorrido com muitos argumentos retóricos e com poucas bases científicas. Uma das razões pode ser a dificuldade de realizar pesquisas de campo com medidas confiáveis de variáveis envolvidas na construção da educação inclusiva. Tais variáveis referem-se, por exemplo, às condições emocionais do cuidador familiar em relação à inclusão. Buscamos, neste momento, provocar no leitor inquietações que possam ensejar novas e/ou diferentes formas de se efetivar a inclusão na sociedade contemporânea, dando indícios do sofrimento vivido pelos familiares das crianças deficientes e da grande importância do papel que desempenham na vida delas. Desta forma, o olhar que se faz presente nestes relatos buscou chamar atenção para um dos olhares que são mais presentes no cotidiano destas crianças: “os cuidadores familiares”1. Quanto mais pesquisarmos e refletirmos sobre a inclusão dos deficientes, mais certos estaremos de que a chave do enigma está na esfera dos relacionamentos humanos e que a influência familiar e do cuidador que faz parte desta família é essencial para ajudar esses indivíduos a constituírem seus modos de vida com autonomia funcional. A partir das questões aqui apresentadas, pensamos que toda a comunidade escolar deve ser constituída em um espaço social imediato e altamente relevante para que haja um convívio acolhedor e essencialmente inclusivo para alunos com alguma deficiência ou outras diferenças expressivas. Este acolhimento depende, em grande extensão, das características psicossociais de cada uma das pessoas que compõem o ambiente social imediato. A compreensão das características pessoais criticamente relacionadas à aceitação ou não da presença de alunos deficientes no mesmo ambiente de trabalho e do convívio com eles pode ser um caminho promissor para uma melhor compreensão do manejo do ambiente social para favorecer a inclusão. (OMOTE, 2008, p.8). Ainda para o mesmo autor, (...) para favorecer este ambiente social, é preciso compreender a criança com deficiência olhando não só para ela, buscando no seu organismo ou no comportamento atributos ou propriedades que possam ser identificados como sendo a própria deficiência ou algum correlato dela, mas é preciso olhar para o contexto no qual, com seu sistema de crenças e valores e com a 1 Nesta pesquisa, optamos por utilizar o termo “cuidadores familiares” para nos referirmos a estes cuidadores primários que fazem parte do contexto familiar da criança com paralisia cerebral. 16 dinâmica própria de negociação, alguém é identificado e tratado como deficiente. Tal contexto condiciona o modo de tratamento da pessoa com deficiência e por este é condicionado. (OMOTE, 1994). O papel da família como agente participativo no processo da educação inclusiva de seu filho com deficiência é discutido na literatura da área da educação especial e em documentos oficiais, como no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e na Declaração de Salamanca (1994). Quando levantamos referências de estudos na área da Educação Especial, embora haja consenso na literatura sobre a importância da parceria entre a escola e a família (OMOTE, 1980; TURNBULL; TURNBULL, 1997; DAVIES; HALL, 2005; MARTURANO, 2006; MATSUKURA et.al, 2007; ZANFELICI; BARHAM, 2009; MATSUKURA; YAMASHIRO, 2012), as evidências têm apontado problemas na efetivação desta parceria. No século passado, a partir dos anos 50, observou-se um aumento de interesse dos pesquisadores em investigar influências da família no aprendizado escolar, com um pico de publicações sobre o assunto nos anos 90. Segundo uma revisão feita por Kellaghan, Sloane, Alvarez e Bloom (1993), a pesquisa nesse campo começou focalizando variáveis distais, como o nível socioeconômico. Porém, foi a partir da década de 60 que os estudos ganharam um grande impulso, quando se passou a focalizar a influência de processos proximais sobre o desempenho das crianças na escola, no microssistema da família. Os resultados dessas pesquisas sugerem que os pais e a família podem direcionar positivamente o aprendizado escolar, a motivação da criança para os estudos e o desenvolvimento de competências interpessoais que garantem um bom relacionamento com professores e colegas. Diversos aspectos da vida familiar são importantes, incluindo desde a atmosfera e organização do lar até o envolvimento direto dos pais com a vida escolar da criança (BRADLEY; CALDWELL; ROCK, 1988; STEVENSON; BAKER, 1987). Dando ensejo à necessidade de transformação frente ao contexto conservador que está posto em nossa sociedade, a presente pesquisa visa contribuir com a comunidade acadêmica e chamar atenção do leitor para a problemática da inclusão, levando em consideração uma das vertentes principais para a efetivação da educação inclusiva, ou seja, compreendendo a criança deficiente inserida no contexto escolar buscando maximizar este contexto e focalizando o olhar que a família possa vir a ter sobre esta temática. 17 2 INTRODUÇÃO A temática da inclusão de deficientes no sistema de ensino regular tem sido amplamente discutida nas últimas décadas e continua sendo alvo de muitas pesquisas e debates, constituindo-se como assunto de grande relevância atual. O movimento mundial pela educação inclusiva é, portanto, uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação. No campo da educação, a opção política pela construção de um sistema educacional inclusivo vem assegurar para todos os cidadãos, inclusive aos que apresentam necessidades educacionais especiais, a possibilidade de aprender a administrar a convivência digna e respeitosa numa sociedade complexa e diversificada (BRASIL, 2007). Retomando as bases históricas desse movimento, tem-se que a educação do indivíduo com necessidades educacionais especiais teve início no século XVI com médicos pedagogos, desafiando os conceitos vigentes até o momento, passaram a acreditar nas possibilidades educacionais de indivíduos até então considerados ineducáveis. O trabalho desses pioneiros foi desenvolvido sob bases tutoriais. Segundo Omote (1999), os deficientes deixaram de ser abandonados à própria sorte, conquistando o direito à vida, abandonando assim os porões, asilos e instituições residenciais e passaram a conquistar o direito à educação escolar, direito ao trabalho e lazer na sociedade. Contudo, segundo o autor, o tratamento dispensado ao deficiente vem sendo alvo de sérias críticas por permitir a segregação deles pela própria forma de atendimento que foi sendo praticada. Mendes (2002), relata que a educação por parte dos deficientes vem sendo lentamente alcançada, e no final do século XIX houve um declínio dos esforços educacionais e do cuidado custodial, passando à segregação em asilos e manicômios. Contudo, paralelamente a essa evolução dos asilos, houve o surgimento de classes especiais nas escolas regulares públicas no início do século XX destinadas a crianças que não avançavam na escola regular e houve a proliferação de escolas especializadas. Segundo Glat (1995), na década de 50 predominou a filosofia da normalização e integração, que visou à superação das práticas segregacionistas tradicionais de educação e reabilitação e partiu da premissa de que as pessoas com necessidades especiais tinham o direito de usufruir de condições de vida o mais normal possível em seu contexto social. 18 A partir da década de 70 no Brasil, os serviços destinados a deficientes passaram a ter a ótica da dimensão integração/segregação. As escolas comuns passaram a incorporar deficientes em classes comuns, especiais ou de recursos em ambientes com o mínimo possível de restrição. As pessoas consideradas diferentes tinham o direito de conviver socialmente com as demais pessoas, mas deviam ser preparadas para assumir seus papéis na sociedade em função de suas peculiaridades. A partir da década de 80, nos países norte-americanos, a política integracionista começa a ser questionada, uma vez que, os alunos que estavam inseridos em classes comuns para serem escolarizados junto com os outros alunos não deficientes, estavam ainda sendo segregados e a partir daí, surgem novas propostas em busca da eliminação desta segregação. Nesta mesma época, autores como, Steinback e Steinback (1984) descrevem propostas ainda mais radicais, sugerindo a fusão entre o ensino comum e o ensino especial. Dentro da Educação Especial, o movimento aconteceu com grande crítica aos recursos e modalidades de atendimentos, sendo interpretados como segregativos. A colocação em instituições residenciais foi indiscriminadamente criticada, entendendo-se que o ambiente familiar é necessariamente melhor que o de grandes instituições totais. Criticaram-se as escolas especiais por promoverem a segregação. Até as classes especiais, integradas à rede pública de ensino comum, passaram a ser severamente criticadas, como se a segregação de seus usuários fosse inevitável. (OMOTE, 1999, p.4) No Brasil, estes conceitos passaram a ser efetivados principalmente após a Declaração de Salamanca (1994), passou-se assim a reconhecer que as dificuldades enfrentadas nos sistemas de ensino evidenciavam as necessidades de confrontar as práticas consideradas discriminatórias e passaram a criar alternativas para superá-las, assim, a educação inclusiva começou a assumir o espaço diferenciado no debate acerca da sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica da exclusão. Dentre as diretrizes, a declaração preconizou que as escolas deveriam acolher a todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais ou outras, além dos programas educacionais serem implementados a fim de considerar a diversidade de características e necessidades das crianças, conseguindo educar com êxito todas as crianças, inclusive aquelas com deficiências graves. Na realidade, a Declaração de Salamanca estabelece, dentre as várias recomendações, a necessidade de práticas não inteiramente inclusivas com relação ao atendimento de deficientes que apresentam determinadas condições. A nova LDB (1996), também leva em 19 conta as condições específicas dos alunos deficientes que podem não permitir a plena integração (OMOTE, 1999). Em nosso país, o direito do deficiente de gozar de atendimento educacional igualitário está previsto na Constituição Federal Brasileira de 1998 (art.208, III), e é garantido e legalizado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9.394/96) que, em seu Artigo 58, assegura que a educação especial deve ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino (BRASIL, 1996). Sendo assim, a partir dos referenciais para a construção de sistemas educacionais inclusivos, a organização e atuação de escolas e instituições multiprofissionais passa a ser repensada, implicando em uma mudança estrutural e cultural da sociedade para que todos os alunos tenham suas especificidades atendidas (BRASIL, 2007). Os Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC (BRASIL, 1998) orientam as práticas pedagógicas junto aos alunos portadores de necessidades especiais no ensino regular fundamental e define inclusão da seguinte maneira: Inclusão implica a inserção de todos, sem distinções de condições linguísticas, sensoriais, cognitivas, físicas, emocionais, étnicas, socioeconômicas ou outras e requer sistemas educacionais planejados e organizados que deem conta da diversidade dos alunos e ofereça respostas adequadas às suas características e necessidades (...). A inclusão escolar constitui, portanto, uma proposta politicamente correta que representa valores simbólicos importantes, condizentes com a igualdade de direitos e de oportunidades educacionais para todos, em um ambiente educacional favorável. (p.43). Em nosso país, embora o debate acerca da inclusão escolar venha sendo um assunto recorrente, os estudos atuais têm mostrado que faltam aspectos básicos para garantir o acesso, a permanência e o sucesso dos alunos com necessidades educacionais especiais matriculados em classes comuns, que seriam principalmente a oferta de serviços de apoio especializado, formação efetiva de professores, parcerias familiares (NUNES et al., 1998; MENDES, NUNES; FERREIRA, 2003). A referida Lei assegura ainda que o Poder Público deve priorizar o atendimento ao educando com necessidades especiais na própria rede regular de ensino. A forma convencional da prática pedagógica e do exercício da ação docente passa a ser questionada, requerendo-se o aprimoramento permanente do contexto educacional. Nessa perspectiva é que a escola virá a cumprir o seu papel, viabilizando as finalidades da educação. 20 Cabe, portanto, às instituições de ensino comum o dever de prover aos educandos com necessidades especiais: currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organizações específicas para aqueles que não podem atingir o nível exigido para conclusão do ensino fundamental; professores com formação adequada em nível médio ou superior e capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; educação especial para o trabalho, visando à sua efetiva integração na vida em sociedade e acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino comum (SOUZA, 2004). Porém, incluir crianças com necessidades educacionais especiais dentro da proposta inclusiva requer a necessidade de reestruturação do sistema educacional por meio de reformulação de currículos, das formas de avaliação, da formação de professores para promover uma educação de qualidade a todas as crianças (MENDES, 2002). Segundo Rendo e Vega (2009) ao abordarem sobre uma escola na e para a diversidade, apontam que o grande desafio para este terceiro milênio é a construção de uma sociedade, em particular, de uma educação e uma escola diversificada, na qual as diferenças não sejam consideradas um “delito”, mas sim uma possibilidade de desenvolvimento e enriquecimento. Desta forma relatam ainda que para ter um sistema educacional inclusivo, “(...) Se trata de comenzar a gestar una educación más humanitaria y humanizadora, no solamente, para aprender a aprender, sino también para aprender a vivir, com la esperanza de gestar uma sociedad más justa y tolerante.” (RENDO; VEGA, 2009, p. 20). Tal comentário encontra amparo nos parâmetros estabelecidos pelo MEC (BRASIL/SEF/SEESP, 2002), na afirmação: Tais circunstâncias apontam para a necessidade de uma escola transformada. Requerem a mudança de sua visão atual. A educação eficaz supõe um projeto pedagógico que enseje o acesso - com êxito – do aluno no ambiente escolar; que assuma a diversidade dos educandos, de contemplar as suas necessidades e potencialidades. (p.25). Um dos grandes questionamentos que o Brasil vive é como estão sendo qualificados e preparados os profissionais que recebem estas crianças na comunidade escolar para realizarem uma educação de qualidade. Ou seja, com a necessidade de resolver os problemas da inclusão, aparecem as dificuldades relacionadas ao número de alunos em sala de aula, formação dos professores, reforço ou apoio em horário contrário, professor auxiliar, adaptações curriculares, flexibilidade no currículo, eliminação de barreiras arquitetônicas, mudanças de atitudes e valores com relação às diferenças. Também é elementar que o educador possua recursos e 21 estratégias variadas, para que consiga otimizar o seu desempenho em trabalhar com a diversidade (REGANHAN; BRACCIALLI, 2008). Sobre a questão da formação de professores, Werneck (1997) comenta que o professor do ensino básico é considerado principal figura da sociedade inclusiva. Ainda enfatiza que os cursos e as universidades que formam professores devem ter como ponto de honra conscientizá-los, de que alunos com deficiência são responsabilidade de todos os educadores, e não apenas do profissional que se interessa por educação especial. Desta forma é preciso pensar o quanto as formações profissionais que estão sendo disponibilizadas, possibilitam e dão subsídios para aqueles envolvidos diretamente na educação escolar da criança com deficiência. Além das considerações feitas acerca dos professores, é preciso ainda, reconhecer que indivíduos com necessidades educacionais especiais precisam de modificações no ambiente, no recurso ou na estratégia para poder aprender. A não modificação em qualquer uma dessas vertentes impedirá que o aluno aprenda mesmo que ele estude com o professor mais qualificado da escola. De modo geral, a educação inclusiva tem enfatizado cada vez mais o princípio de que os professores não devem trabalhar sozinhos, mas sim em equipes, realizando diferenciadas parcerias, compostas ou não por grupos de pessoas cujas propostas e funções são derivadas de uma filosofia comum e alcance de objetivos mútuos, que seria melhorar a escolarização para todos os alunos (GARGIULO, 2003). Tradicionalmente, a deficiência foi concebida “como um fenômeno essencialmente individual, identificado com algum atributo portado pela pessoa deficiente, cuja manifestação pode ser verificada em seus comportamentos” (OMOTE, 1995). No entanto, desde o final da década de 50, mais especificamente a partir da década de 60, têm sido levantados argumentos a favor das concepções sociais da deficiência, segundo as quais a deficiência deve ser tratada como um problema social e não individual. Ainda segundo Omote (1995), a relação entre o deficiente e o meio, que nele reconhece a deficiência, precisa ser encarada e tratada como parte de um fenômeno maior. O modo de vida coletiva do homem determina automaticamente uma série de necessidades. Uma delas diz respeito à manutenção e à integridade deste modo de vida em todas as situações. Criam-se regras e normas que ajudem a preservá-lo, a despeito de motivos individuais muitas vezes conflitantes com a decisão de viver coletivamente. Criam-se expectativas acerca de atributos e comportamentos, as quais muitas vezes adquirem a força de normas que precisam ser cumpridas rigorosamente. Criam-se, assim, os devios que 22 podem estar sobrepostos ou não a patologias específicas (OMOTE, 1995, p.55). Na medida em que o deficiente é tratado como um desviante, membro integrante da categoria socialmente construída e consequentemente segregada, a questão da exclusão torna- se parte essencialmente primordial de discussões na área. Apesar de relevante e extremamente importante esta discussão, neste momento iremos atentar ao que essa forma de segregação do deficiente pode influenciar todos que estão ao seu redor. Além das dificuldades concretas e objetivas de criação de um bebê com problemas de desenvolvimento e/ou saúde, a família pode enfrentar muitos outros desafios decorrentes do lugar que as deficiências, os deficientes e suas famílias ocupam na sociedade contemporânea. Os deficientes, assim como outros grupos minoritários, podem sofrer discriminações e exclusões. (OMOTE, no prelo). A superação do luto e a eventual aceitação da família da situação vivenciada não ocorrem de um modo linear, isto é, mesmo tendo superado o choque inicial, a família pode, durante momentos pontuais do percurso da vida da criança (quando começar a frequentar a escola, por exemplo), voltar a vivenciar esse sofrimento psicológico. A família, portanto, passa constantemente por novos ajustes e compensações (GLAT, 1996). Este olhar em relação ao deficiente, construído a partir das normas e valores sociais, poderá influenciar suas relações com o mesmo e na sua maneira de agir, assim como na relação do deficiente com o mundo e no seu desenvolvimento. Nesta perspectiva, a deficiência não pode ser tratada como um fenômeno que se manifesta no plano individual do deficiente, limitando-se a reduções e tratamentos decorrentes da posse de uma patologia. Contudo, a deficiência, precisa deixar de ser um drama individual para tornar-se um problema social (OMOTE, 2010). Nesse sentido, o foco de atenção precisa recair sobre a pessoa deficiente, o seu meio social imediato e o contexto social amplo no qual se insere. Cada criança nasce com uma “missão imaginária” a ser resgatada, moldada e reformulada. Esta “missão imaginária” é constituída pelas expectativas criadas pela família em torno da criança, do seu futuro e da sua correspondência para aquilo que foi idealizado sobre ela desde o instante em que foi concebida. O nascimento de uma criança deficiente pode representar a ruptura no curso naturalmente almejado no desenvolvimento familiar. Não significa apenas a presença de um bebê que demanda cuidados e atenção especiais por um período de tempo muito superior àquele requerido 23 por crianças em condições normais de desenvolvimento. Incluem-se aí o medo do desconhecido a ser enfrentado, dúvidas até mesmo com relação à manutenção da vida do bebê, dificuldades para o enfrentamento de desafios representados tanto pelas condições anatomo-fisiológicas do bebê quanto pelas reações das pessoas diante da presença de um bebê com tais características (...). (OMOTE, 2010, p.1). A limitação ou a competência com que a criança funciona, (...) depende de ocorrências aparentemente tão variadas e diferentes, como a natureza, extensão e grau de comprometimento decorrente da patologia que ela possui, o tratamento que lhe é destinado, as reações dela própria à sua condição e ao tratamento que recebe, as reações de outras pessoas (familiares, vizinhos, amigos e profissionais) diante dela e do seu tratamento, os esteriótipos acerca dos portadores dessa patologia, o estigma associado a esta patologia, as crenças científicas ou não associadas ao tratamento, as crenças associadas à índole das pessoas de relações próximas desse deficiente, etc. (OMOTE, no prelo) Programar ações e processos participativos é parte da concepção que considera a construção de autonomia como objetivo fundamental na atenção a segmentos sociais e escolares que vivem intensos processos de exclusão social, como é o caso de crianças com deficiência. Glat (1996) ressalta que, por mais estruturada e informada que uma família seja, o nascimento de uma criança com deficiência ou a ocorrência de uma deficiência em uma criança até então “normal” é um impacto psicológico forte para a família. A criança, se nascer com uma deficiência, raramente consegue atender as expectativas dos pais, podendo ocorrer uma recusa, nem sempre da criança, mas da ocorrência da destruição do ideal de filho perfeito, contrariamente àquilo que foi imaginado (SÁ; RABINOVICH, 2006). Pensando nas pessoas que estão diretamente envolvidas com a criança deficiente, os cuidadores familiares compõem um segmento importante a ser estudado. Surge então a discussão para o questionamento o qual daremos enfoque nesta pesquisa, sendo ele, para que a criança com deficiência possa ter uma participação plena no contexto escolar, é preciso pensar não só em práticas educacionais como um currículo inclusivo flexível no qual se consideram as potencialidades e limitações individuais de cada criança e a eficácia da formação do professor, mas buscar uma prática integral dentro da escola, na qual o desafio do profissional envolvido com o processo de ensino-aprendizagem não venha a constituir-se como uma fonte de dificuldades para a inclusão. 24 Espera-se que tal desafio seja encarado como uma motivação para a inserção de crianças com deficiência neste contexto. A inclusão não deve ser apenas pensada na escola, mas em todo o contexto social, pois “educar para a convivência é uma exigência inadiável e um caminho para enfrentar as questões postas pela diversidade e pelo multiculturalismo” (VIEIRA, 2002, p.30). Este contexto em que se insere a criança com deficiência deve estar então preparado para recebê-la. Assim, para que se possa agir a favor da qualidade da experiência escolar do aluno com deficiência, a inclusão escolar requer mudança e esforços de planejamento nas diversas escalas da problemática da inclusão, abrangendo políticas públicas educacionais, questões do cotidiano da escola, atividades na sala de aula, desempenho do aluno, contexto social e rede de apoio à escola (OLIVEIRA; LEITE, 2007). Ainda segundo Omote (1999), a trajetória escolar de crianças deficientes com diferentes graus de comprometimento precisa ser vista como um percurso em direção à participação cada vez mais integral junto com alunos comuns e não deve se estabilizar em um determinado ponto desse percurso. Portanto, não basta inserir as crianças deficientes no contexto escolar no intuito de incluí-las, é preciso estar atento a todos os contextos em que estas crianças estão sendo inseridas, a fim de proporcionar-lhes diferentes ambientes favoráveis à prática inclusiva. No desenvolvimento infantil, o período escolar é caracterizado como uma importante fase para o desempenho ocupacional da criança, pois o ingresso à escola faz com que esta seja reconhecida pela sua capacidade de realizar tarefas valorizadas em seu meio (ALVES; MATSUKURA, 2009). Ainda segundo essas autoras, na fase escolar, não só o contexto físico se alarga e diferencia, mas também as expectativas do meio social se tornam mais exigentes, a dependência é menos tolerada, as regras implícitas de convivência ficam mais complexas e o suporte está menos disponível. Ao ir para a escola, a criança é favorecida em diversos aspectos biopsicossociais, uma vez que, para todos em geral, em se tratando de crianças com deficiência especificamente, há implicações que podem perpetuar-se pela vida toda. Quando a criança deficiente passa a frequentar essa comunidade escolar, pode obter benefícios em vários aspectos psicossociais, se puder sentir-se acolhida e expressar-se mais livremente, o que lhe pode permitir o exercício das suas possibilidades em diferentes atividades. Os benefícios podem estender-se também aos familiares que cuidam dessa criança. O cuidador desta criança é favorecido com a diminuição da sobrecarga quando a criança inicia sua vida escolar, permitindo que o mesmo possa dar continuidade ao seu desenvolvimento 25 psicossocial (BERESFORD, 1994). A promoção da escolarização passa a ser reconhecida como um fator que favorece o desenvolvimento e a qualidade de vida da criança (STAINBACK; STAINBACK, 1999). É importante lembrar que as singularidades de cada deficiência devem ser consideradas quando se pretende compreender as relações do indivíduo com seu contexto (YANO, 2003), a deficiência física mais comumente encontrada é a paralisia cerebral e segundo autores como Koppenhaver (1994) 50% das crianças que apresentam esse diagnóstico, com inteligência média ou alta, vivenciavam dificuldades no processo de alfabetização. Mendes, Nunes e Ferreira (2002) realizaram um levantamento sobre a produção científica nacional de dissertações e teses em Educação e Psicologia envolvendo a população da Educação Especial nos anos de 1981 até 1998. Dentre os resultados, apenas 73% estiveram relacionados à área de deficiência física, e dentre eles, foi observado que o acompanhamento oferecido às crianças com deficiência física baseava-se nos aspectos de atenção à saúde e crescimento, e que o acompanhamento do desenvolvimento global da criança não era um assunto muito discutido entre os trabalhos. Lourenço, Teixeira e Mendes (2008) mostraram, a partir do estudo sobre a produção científica nacional com foco no processo de escolarização da criança com PC, que muito se tem estudado e discutido sobre as implicações educacionais trazidas pela proposta da inclusão escolar, mas que existem ainda controvérsias sobre a efetividade dessas políticas. Concluem assim, que a escolarização de alunos com deficiência física permeia três principais questões: a compreensão das capacidades e necessidades dos estudantes, o fornecimento de tecnologia especializada e a seleção do currículo apropriado, que promova o desenvolvimento das suas potencialidades no decorrer de todo o período escolar. Dentre as diversas deficiências no âmbito da escola, a paralisia cerebral necessita por parte tanto dos professores, dos profissionais, quanto dos familiares uma atuação diferenciada. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações Curriculares (PCNs), a paralisia cerebral é uma variedade de condições não-sensoriais que afetam o indivíduo em termos de mobilidade, de coordenação motora geral ou de fala, como decorrência de lesões neurológicas, neuromusculares e ortopédicas, ou ainda, de malformações congênitas (BRASIL, 1998). A disfunção motora pode dificultar a aquisição de habilidades necessárias à interação educacional e práticas instrucionais como o manuseio de instrumentos para desenhar e escrever (BASIL, 1995). A dependência de crianças com deficiência física nas atividades do 26 cotidiano tem impacto no contexto escolar e pode afetar a autoestima dessas crianças e limitar suas experiências de interação social e participação no intervalo e recreação (SILVA; MARTINEZ, 2007). A limitação na sua mobilidade poderá manifestar-se ampliada no contexto educacional devido às barreiras ambientais e às habilidades requeridas, sendo frequentemente a sua exclusão do grupo no intervalo ou nas aulas de educação física (HINDERER; HINDERER; SHURTLEFF, 1995). Em discussões sobre a criança com PC, Browning (2002) em seu estudo pontuou que as prioridades e expectativas estabelecidas pelo professor e pela família em relação à criança com deficiência física e a falta de oportunidades afetou o desempenho do indivíduo na escola. Lachina (2000) destaca a dificuldade destes alunos ao interagirem com o ambiente da sala de aula frente aos riscos de se tornarem observadores passivos de seus colegas Nos Estados Unidos cerca de 500.000 crianças e adultos apresentam paralisia cerebral (HARDMAN; DREW; EGAN, 2003). Segundo Stanley e col. (2000, apud WALTERS et al., 2005), a paralisia cerebral se constitui como a condição mais comum dentre as deficiências físicas presentes na infância atualmente, o que evidencia a importância em se estudar essa população. Tendo em vista a necessidade de suporte aos educadores que interagem diretamente com esse aluno, faz-se necessário uma abordagem direcionada para crianças com paralisia cerebral e suas famílias, com a pretensão de identificar os processos associados com a qualidade de vida e com a promoção do desenvolvimento. A abordagem adotada na análise das questões familiares desta pesquisa requer a compreensão clara da própria deficiência que a norteia. Assim, preliminarmente serão tecidos alguns comentários acerca da PC. 2.1 A inclusão e a criança com Paralisia Cerebral Quando se diz que uma criança tem paralisia cerebral, significa que existe uma deficiência motora decorrente de uma lesão no cérebro. Após a ocorrência da lesão, o cérebro não mais terá seu desenvolvimento completado de maneira normal (CAMARGO, 1986). Por definição a paralisia cerebral é um “grupo de desordens no controle dos movimentos, da postura e do tônus muscular, não progressiva, porém sujeita a mudanças, resultantes de uma agressão ou anomalia do encéfalo, nos primeiros estágios do seu desenvolvimento” (SOUZA, 2003, p.123). Sendo assim, envolve uma série de tipos distintos de distúrbios motores, dependendo da área do encéfalo mais atingida. 27 A lesão cerebral não é progressiva, porém, devido a fatores relacionados à maturação do Sistema Nervoso Central e a fatores ambientais e circunstanciais, as características da PC podem sofrer modificações. Associados à desordem motora, déficits visuais, auditivos, sensoriais, intelectuais e de comunicação aparecem com bastante freqüência na criança que apresenta PC (ZERBINATO et al., 2003; SCHWARTZMAN, 2004). Estima-se que sua incidência mundial esteja entre 0,6 e 5,9 para cada 1000 nascimentos, tendo como principais causas a prematuridade e a anóxia perinatal (FERRARETTO et al., 1994). Nos EUA, cerca de 8.000 bebês são diagnosticados como tendo PC ao ano e cerca de 1200 a 1500 crianças em idade pré-escolar recebem este diagnóstico no mesmo período (UCP, 2008). No Brasil, estima-se que ocorram a cada ano cerca de 30.000 a 40.000 novos casos de crianças com PC (DEFNET, 2008). Existem diversas causas em que ela pode ocorrer, como por exemplos, doenças infecciosas adquiridas pela mãe durante a gestação, um trabalho de parto demorado causando a falta de oxigenação no cérebro da criança, a incompatibilidade no fator RH entre a mãe e o bebê ou então durante os primeiros anos de vida, as lesões encefálicas podem ocorrer por causa de doenças infecciosas, acidentes e espancamentos causando traumatismo craniano ou por afogamento e até intoxicação. Na literatura, é possível verificar a existência de vários tipos de classificação de PC (SCHWARTZMAN, 2004). As classificações mais utilizadas consideram a gravidade do comprometimento motor da PC, sua topografia e o tônus muscular. Quanto à gravidade do comprometimento motor, a PC pode ser classificada em grave (sem locomoção e totalmente dependente), moderada (engatinha ou anda com auxílio, necessitando de adaptações) ou leve (locomoção independente, sem uso de adaptações) (TUDELLA, 2002). Considerando a área cerebral comprometida e os quadros neurológicos expressos, a PC pode ser classificada como espástica, atetóide, atáxica e mista (FERRARETTO et al, 1994; DIAMENT, 1996; SCHWARTZMAN, 2004). De acordo com a distribuição topográfica, a PC pode ser classificada em três tipos, a saber, hemiplegia, diplegia e tetraplegia (FERRARETTO et al., 1994; DIAMENT, 1996; TUDELLA, 2002; SCHWARTZMAN, 2004). Diante dos diferentes tipos e níveis de acometimentos na paralisia cerebral e de diversas classificações em relação ao tônus (aspecto clínico) e distribuição corporal (topografia), o Gross Motor Function Classification System (GMFCS) foi desenvolvido como um método para diferenciar crianças com diagnóstico de paralisia cerebral por níveis de mobilidade funcional. 28 Foi desenvolvido em resposta à necessidade de se ter um sistema padronizado para medir a severidade da disfunção do movimento (PALISANO et al., 1997). O GMFCS tem sido amplamente aceito dentro da prática clínica e nas pesquisas (MORRIS; BARTLETT, 2004). Uma das razões para este sucesso é que ele fornece um simples, válido e confiável meio de se classificar um fenômeno complexo. Consiste em cinco níveis variando do I, que inclui crianças com mínima ou nenhuma disfunção com respeito à mobilidade comunitária até o V que inclui crianças que são totalmente dependentes e requerem assistência para mobilidade. Alguns estudos têm apontado que o GMFCS pode auxiliar na obtenção de um mais acurado prognóstico da função motora grossa dessas crianças, classificando o desenvolvimento motor em curvas por níveis motores (ROSENBAUM et al.,2002). O sistema de classificação é baseado no movimento iniciado voluntariamente com ênfase no controle de tronco (sentar) e no andar. Essa classificação é internacional e as diferenças entre os cinco níveis são baseadas nas limitações funcionais, na necessidade de tecnologia assistiva, incluindo meios auxiliares para mobilidade como andadores, muletas, bengalas e cadeira de rodas. O foco está em determinar qual nível representa as habilidades presentes da criança e as limitações na função motora, além de enfatizar o desempenho usual da criança em casa, na escola e na comunidade. Cada nível tem um título e representa o nível mais alto de mobilidade que se espera que uma criança alcance entre os 6 e 12 anos de idade. Não há cura para a paralisia cerebral, porém há muitas formas e buscas acessíveis que se pode fazer para que a criança com PC venha ser o mais independente possível. Segundo Souza (2003), os avanços notados no tratamento desta patologia estão em diferentes áreas, de forma que os profissionais multidisciplinares envolvidos devem estar em constante atualização para informar aos pais os benefícios e possíveis contraindicações de determinados tratamentos e formas de atuações. Ainda que as crianças com paralisia cerebral com lesão leve ocasionalmente se recuperem na época da idade escolar, a paralisia cerebral é uma deficiência que dura a vida toda. Na maioria dos casos, o movimento e outros problemas associados à paralisia cerebral influem no que uma criança é capaz de fazer e aprender, em graus variados, ao longo de sua vida. De que modo exatamente a paralisia cerebral afeta a vida da criança depende de vários fatores, incluindo-se aí a atitude da criança frente à incapacidade dela, o apoio recebido dos familiares e equipes de reabilitação, e cuidados médicos e educativos (GERALIS, 2007). Melo e Martins (2007) realizaram uma pesquisa sobre a organização da escola regular para incluir o aluno com PC em seu contexto. Para isso analisaram duas escolas regulares da cidade de Natal num estudo descritivo do tipo estudo de caso. A coleta de informações foi 29 realizada através da observação e da entrevista semi-estruturada a 14 pessoas das escolas envolvendo diretores, coordenadores, professores, alunos e funcionários. A partir dos resultados foi possível identificar que as escolas investigadas necessitavam em primeiro lugar priorizar a elaboração do projeto pedagógico, levando em consideração os princípios da educação inclusiva; em segundo lugar investir na formação continuada e apoiar mais os professores em sua prática pedagógica; em terceiro lugar desenvolver programas de orientação à comunidade escolar com vistas a desmistificar preconceitos e informar sobre as potencialidades do aluno com paralisia cerebral; em quarto lugar buscar parcerias junto a outros profissionais e convênios para aquisição de recursos pedagógicos e equipamentos específicos para favorecer o processo de ensino-aprendizagem desse alunado; e por fim adequar a estrutura física das escolas visando assegurar a acessibilidade e a autonomia do aluno com PC no ensino regular. Já a pesquisa de Rossi (1999) apresentou, a partir da caracterização do perfil dos alunos com PC no Estado do Maranhão, que as oportunidades de escolarização no ensino regular estavam sendo oferecidas aos alunos com quadros mais leves e acometimentos. Em uma pesquisa realizada por Gomes e Barbosa (2006) para avaliar as atitudes do professor quanto à inclusão de alunos com PC, mostra que de 68 participantes, 59% discordam da prática de inclusão escolar e 17% dos professores referiram conhecer características dos alunos com PC, sendo essas focadas nos aspectos negativos da deficiência. No item das respostas que eram dadas em relação aos pontos favoráveis à inclusão, 67% estavam relacionados com a socialização. O estudo também deixa evidenciado que os participantes que afirmam conhecer as características da criança com PC tiveram atitudes mais positivas do que os que afirmaram desconhecerem. Os professores participantes que julgaram ser de sua responsabilidade educar um aluno com necessidades educacionais especiais apresentaram atitudes mais positivas. Yano (2003) em seu estudo sobre práticas de educação em famílias de crianças com paralisia cerebral diplégica espástica e com desenvolvimento típico pertencentes a camadas populares da cidade de Salvador. As respostas dos pais às entrevistas, quanto ao seu papel na dinâmica familiar, ressaltam a importância da função de provedor e a hierarquia que eles estabelecem em suas funções, "situando a participação nos cuidados à criança e afazeres domésticos em plano secundário, em que parecem atuar como coadjuvantes" (YANO, 2003, p.127). O suporte econômico da família, apesar de indireto, constitui uma forma importante na qual, pais contribuem para o bem-estar de seus filhos (VIDEON, 2005). 30 Em virtude das variações nos quadros de PC e dos diversos déficits associados, as intervenções direcionadas à criança devem ser elaboradas de forma individualizada e por uma equipe multiprofissional (ZERBINATO et al., 2003; FONTANELE et al., 2004; SCHWARTZMAN, 2004). Esta equipe deve constituir-se de profissionais de várias áreas, como neurologistas, ortopedistas, fisiatras, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, pedagogos, psicólogos, assistente social, entre outros (SCHWARTZMAN, 2004). Esta equipe auxilia não só a criança desde o seu nascimento, como toda a reestruturação familiar que acontece em um evento como este. Sendo assim, aliados ao tratamento, vários autores recomendam que os profissionais da equipe realizem trabalhos de orientação e/ou intervenção familiar (FINNIE, 1980; BOBATH, 1984; BRANDÃO, 1992; HUMPHRY; CASE-SMITH, 1996; BRUNHARA; PETEAN, 1999; GESELL; ARMATRUDA, 2000; MATSUKURA et al., 2000; PETEAN; MURATA; 2000; ZERBINATO et al., 2003; ARAÚJO, 2004; DESSEN; SILVA, 2004; HIRATUKA;MATSUKURA, 2009; MATSUKURA; YAMASHIRO, 2012). Bobath (1984), considera a equipe multidisciplinar com uma grande importância desde o nascimento da crianças, pois a detecção precoce das alterações do desenvolvimento está na compreensão dos pais sobre o problema do seu filho e dos cuidados diários. Vários fatores poderão interferir nesse diálogo, como o linguajar técnico, disponibilidade da mãe para realizar a orientação, fatores socioeconômicos e principalmente a aceitação da criança com paralisia cerebral. Considerando as intervenções realizadas com famílias de crianças com necessidades especiais, Aiello (2002) descreve dois diferentes enfoques que devem acontecer e que se complementam durante essa atuação. O primeiro tem como enfoque o tratamento da criança e é realizado por meio de orientações aos pais com relação ao manuseio, ao treinamento de habilidades deficitárias no repertório da criança e aos cuidados cotidianos da criança. O segundo tem como foco a família como um todo, observando as inter-relações entre seus membros e como estas interferem nos processos de adaptação e desenvolvimento de todos os integrantes da família. Como o foco desta pesquisa e seguindo uma tendência mais atual, identifica-se e daremos destaque ao segundo enfoque, que compreende as intervenções com a família não mais centradas apenas no tratamento da criança. Nessa visão, a família é vista como um todo, um sistema estruturado, dinâmico e interativo, cujos membros mantêm uma relação de interdependência e de influências mútuas. Segundo essa premissa, a família é também influenciada pelo ambiente externo, estabelecendo com este trocas 31 que provocam transformações no sistema familiar (TURNBULL; TURNBULL, 1990; HUMPHRY; CASE-SMITH, 2001; DESSEN; SILVA, 2004; HIRATUKA;MATSUKURA, 2009). Nesta direção, as intervenções procuram considerar o sistema familiar como um todo que se inter-relaciona e compreendem que o investimento em seus membros afetará a dinâmica e o desenvolvimento de todos os que integram o núcleo familiar. Yamashiro e Matsukura (2012) realizaram um estudo exploratório, de abordagem qualitativa, com o objetivo de investigar o relacionamento intergeracional e as práticas de apoio presentes no cotidiano de famílias de crianças com necessidades especiais. Verificou-se que as avós apresentam-se como importante fonte de apoio à família ao dedicarem, inclusive, atenção e cuidado ao irmão da criança com necessidades especiais. Hiratuka e Matsukura (2009) buscaram identificar as principais demandas de mães de crianças com PC grave em relação à participação da criança e sua família na comunidade e com relação às outras fontes de apoio recebidas para o cuidado e desenvolvimento da crianças em três diferentes marcos do desenvolvimento infantil. Desta forma, foi possível observar que, conforme a fase do desenvolvimento infantil, as mães apresentam diferentes dificuldades, dúvidas e preocupações com os cuidados da criança. Araújo (2002) em seu estudo que envolveu a aplicação de um programa de intervenção direcionado a famílias de adultos com deficiência mental observou que, quando os profissionais atuam de forma a mediar a relação entre o cuidador e a pessoa com deficiência, os resultados atingidos são os de cuidadores mais capazes de possibilitar a independência de seus filhos, um melhor relacionamento entre os membros da família e, conseqüentemente, um aumento na qualidade de vida dos mesmos. Matsukura et al. (2000) avaliaram os resultados da intervenção realizada com um grupo de mães cujos filhos eram portadores de transtornos do desenvolvimento, por meio do relato das próprias mães. Os autores observaram que esse tipo de intervenção, segundo a avaliação das participantes, favoreceu as relações familiares e interpessoais e as tornou mais seguras em relação aos seus filhos e aos cuidados dos mesmos. Desta forma, verifica-se a importância de que sejam realizadas orientações e intervenções familiares. O acompanhamento dado à criança com PC é em grande parte um processo longo porque, apesar de não ser progressivo, este é um distúrbio motor que necessita de um trabalho de prevenção, estimulação e reabilitação para que a deficiência não impeça completamente a independência do indivíduo (FERRARETTO et al., 1994). Nesta direção, pressupõe-se que as intervenções com as famílias dessas crianças também deverão acompanhar este processo. Assim, observa-se que as expectativas das famílias com relação às orientações a serem recebidas podem se modificar de acordo com a fase de desenvolvimento de seus filhos. Hiratuka 32 (2005), em um estudo sobre a expectativa das mães de crianças com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor em relação às orientações recebidas pelos profissionais de saúde, encontrou que, após a aquisição da marcha pelas crianças ou com o passar de alguns anos de tratamento, as mães passavam a ter expectativas quanto à possibilidade de seu filho ser incluído nas escolas e, também, quanto à sua independência. Em tal estudo, observou-se também, que as mães tinham dúvidas sobre a melhor forma de educar seus filhos para enfrentar a sociedade e que apontavam não receber orientações dos profissionais de reabilitação a esse respeito, bem como não sabiam a quem deveriam recorrer. As crianças com paralisia cerebral precisam de alguém constantemente junto a elas. Bem mais do que uma criança normal, consomem tempo e atenção. Elas precisam de serviços terapêuticos e educacionais especiais para ajudá-las a funcionar tão normalmente quanto possível em suas famílias e comunidades. (...) Usualmente as crianças com paralisia cerebral precisam desses serviços para auxiliá-las a melhorar suas habilidades motoras e desenvolverem suas habilidades comunicativas. Contudo, quando a criança tem paralisia cerebral, toda a família pode beneficiar-se, de um programa de intervenção abrangente, que fornece apoio e orientação à medida que lhes ensinam melhores meios de trabalhar e brincar com o deficiente. Os responsáveis desempenham um papel fundamental no planejamento e monitoração desses serviços, tanto educacionais quanto terapêuticos, para a criança com paralisia cerebral. (GERALIS, 2007, p.183). Essas novas demandas que surgem a cada fase do desenvolvimento exigem que as famílias façam adaptações para que possam encontrar um equilíbrio entre todos os seus membros. Muitas das demandas apresentadas pelas famílias de crianças com necessidades especiais são as mesmas apresentadas pelas famílias de crianças com desenvolvimento típico. Mas as famílias que têm filhos com necessidades especiais terão de enfrentar também as exigências advindas da própria condição de deficiência da criança (TURNBULL; TURNBULL, 1990). 2.2 A família e o cuidador familiar Dentro da literatura educacional, um estudo que discuta determinada condição de uma criança ou a característica específica de um grupo de crianças, seja ela deficiente ou não, logo terá a necessidade de atentar para o contexto das famílias. Isso acontece porque a criança quando nasce ainda não está pronta para seguir sua vida de modo independente e precisa de ajuda para desenvolver-se. 33 Segundo Soifer (1983, p.23) a “família, então, pode ser entendida como uma estrutura social básica, com entrejogo diferenciado de papéis”, que é composta por determinadas pessoas que convivem por um tempo prolongado e se inter-relacionam reciprocamente com a cultura e com a sociedade. Zimerman (1999) relata que na vida familiar, várias relações dinâmicas se estabelecem e a criança, ao mesmo tempo em que sofre a influência de pais e irmãos, também é um agente de modificações dessa estrutura. Sigolo (2004) descreve a família como "espaço de socialização infantil", pois se constitui em "mediadora na relação entre a criança e a sociedade". Nas interações familiares, "padrões de comportamentos, hábitos, atitudes e linguagens, usos, valores e costumes são transmitidos" e "as bases da subjetividade, da personalidade e da identidade são desenvolvidas" (p. 189). Diferentes autores (por exemplo, BRADLEY; CORWYN; MCADOO; COLL, 2001; NOVAK, 1996; ERICKSON; KURZ-RIEMER, 1999) têm apontado a organização do ambiente físico e o entorno da criança como indicadores para o ótimo desenvolvimento de sua saúde. É indiscutível a importância da família para o desenvolvimento infantil. Assim como afirmam Pereira-Silva e Dessen (2003, p.503), "as interações estabelecidas no microssistema familiar são as que trazem implicações mais significativas para o desenvolvimento da criança, embora outros sistemas sociais (ex.: escola, local de trabalho dos pais, comunidade local) também contribuam para o seu desenvolvimento". Uma nova organização da família surgiu com as mudanças na sociedade, como a inserção da mulher no mercado de trabalho, o aumento do número de famílias monoparentais, a permanência do homem na residência, gerando a necessidade de acontecerem novos arranjos no desempenho dos papéis que cada um exerce dentro da instituição familiar. Em uma família, assim como nos demais grupos sociais, cada indivíduo desempenha uma variedade de papéis ou funções que se complementam e se entrelaçam. Essas relações, portanto, dependem não só das características pessoais de cada um, mas também de suas posições neste elenco de papéis, que varia de família para família. Assim, qualquer modificação ou fato novo, como, por exemplo, o nascimento de um filho deficiente ou a separação do casal, influencia o comportamento de cada um dos membros individualmente e a dinâmica de funcionamento de todo o grupo (GLAT; DUQUE, 2003). Segundo Omote (2010), uma criança deficiente, com todas as conseqüências resultantes das condições de que é portadora e com as demandas sociais e culturais sobre toda a família, pode comprometer seriamente a dinâmica de funcionamento familiar, assim as novas concepções que implicam uma visão integral da família, incluindo o deficiente, exigem 34 alterações profundas também na natureza da relação triádica entre o profissional, o deficiente e a família. O que a criança individual é e faz afeta todos os membros da família; esta família, por seu turno, faz parte de um contexto social em que esta criança está inserida, ainda mais amplo. Inserida nessa estrutura, cada família é constituída por uma dinâmica própria de sobrevivência cujo funcionamento é alterado significativamente quando emerge uma condição especial de doença crônica, malformação congênita ou deficiência (KOVÁCS, 1997; ROLLAND, 1995; LEFÉVRE, 1985) dentro deste âmbito. A sociedade tende a estigmatizar a família da criança deficiente classificando-a de várias maneiras, quase sempre preconceituosas (TELFORD; SAWREY, 1976). Segundo os mesmos autores, crenças negativas e negligências são comuns neste contexto e, diante do preconceito, os pais tendem a se afastar ou tornam-se devotos do cuidado para com esta criança. Isto pode gerar mecanismos de compensação e superproteção, mantendo padrão de dependência mútua entre pais e filhos, que podem se perpetuar material e emocionalmente. Alguns dos padrões reativos mais frequentes da família, com o nascimento de uma criança com deficiência, são a negação da realidade da deficiência, o enfrentamento realista do problema, a ambivalência em relação à criança ou a rejeição dela, a autocomiseração, os sentimentos de culpa, depressão e vergonha, e padrões de dependência mútua (TELFORD; SAWREY, 1988). Uma sobrecarga emocional é desencadeada pelo reconhecimento de uma deficiência seja ela física e/ou mental em um dos membros da família, que é defrontada com uma situação nova que desperta fantasias e, concomitantemente, a necessidade de conhecer os fatores precipitantes e a origem daquilo que coloca a criança como “diferente” das outras. As implicações do fato de ter uma criança deficiente revestem-se de um impacto psicológico potencial para os cuidadores, que, em sua maioria, são os próprios familiares próximos, como, por exemplo, as mães. Sendo assim, a família necessita tanto de atendimento e orientação quanto o próprio indivíduo, não somente para que possa ser um elemento de apoio e ajuda no processo de educação e reabilitação, mas também para que possa constituir um núcleo de afetividade e inclusão (ROCHA, 2006). Pesquisas têm mostrado que as famílias podem apresentar resultados bastante diversos tanto nos recursos de que dispõem para lidar com diferentes situações, como na forma com que cada família percebe os desafios frente à condição potencialmente estressante de ter uma criança com problemas crônicos de saúde ou deficiências (CALDERON; GREENBER, 1999; CANNING; HARRIS; KELLEHER, 1996; SLOPER et al., 1991). 35 Em estudos mais recentes, Matsukura, et al. (2007) apontam para uma importante questão para a compreensão do suporte social e seu efeito protetivo. Desde a década de 70, o ambiente domiciliar tem ocupado uma posição central nas avaliações de desenvolvimento infantil (AIELLO, 2005). Martins, et al. (2004) consideram que a avaliação da estimulação disponível para a criança na família pode indicar elementos importantes para intervenções nos âmbitos da saúde e da educação, pelo impacto que a estimulação do ambiente causa no desenvolvimento infantil. A atenção à saúde dos cuidadores de crianças com deficiência é uma preocupação relativamente recente. Nos anos 80, os estudos voltaram-se para a investigação do papel dos cuidadores e o impacto da doença e dos cuidados dispensados à criança, como também, objetivaram a compreensão e identificação de estratégias de enfrentamento utilizados pelos cuidadores (EISER, 1990; MCCONACHIE, 1994; MEDEIROS; FERRAZ; QUARESMA, 1998). Silva e Aiello (2007) buscaram descrever as interações do pai e da mãe com seu filho com Síndrome de Down em situação de brincadeira e comparar essas interações, levando em consideração variáveis como o estresse, empoderamento, autoestima e ambiente domiciliar, assim como a participação do pai no cuidado com a crianças e nas atividades domésticas, a influência dos avós e a visão paterna sobre aspectos da paternidade e a deficiência da criança. Concluiu-se que esses pais, no geral, parecem estar envolvidos com seus filhos, oferecendo estimulação variada a eles, e apresentam baixo nível de estresse e se mostram empoderados quanto a presença de uma criança deficiente. Segundo Miller e Clark (2002), apesar das diferenças dos quadros clínicos nas deficiências, a sobrecarga de tarefas relacionadas ao cuidado e tratamento da criança, durante o desenvolvimento, são maiores do que as experienciadas pelas mães de crianças sem transtornos no desenvolvimento. Petean (1999) desenvolveu um estudo com 25 mães com o objetivo de apreender suas reações, sentimentos, explicações e expectativas frente à notícia da deficiência do filho. Os resultados mostraram que as reações das mães foram, num primeiro momento, de tristeza, revolta, choque, resignação, culpa, assim como de busca por ajuda para o filho. Grande parte das mães explicou a causa do problema dos seus filhos tendo como base argumentos não científicos, o que, de acordo com os autores, leva a supor que a maioria das pessoas tem dificuldade em entender os mecanismos causadores da deficiência. Dessa maneira, os dogmas religiosos ou as crendices populares passadas de geração a geração são mais confortadoras e compreensíveis para elas. O estudo apontou também que a negação foi um dos mecanismos 36 de defesa mais utilizados pelas mães, a fim de encobrir ou minimizar a problemática da criança para conseguirem mais tempo para se reestruturarem. Quanto às expectativas em relação ao futuro da criança, as mães relataram expectativas positivas e negativas. As expectativas positivas referiam-se à esperança de um futuro promissor para a criança, crendo no seu desenvolvimento e na sua cura. As expectativas negativas referiam-se à descrença em relação ao futuro do filho como promissor e a ansiedade e insegurança relacionadas ao futuro dos mesmos. Barnard e Kelly (1990) revisaram a literatura sobre a interação pais-criança e encontraram que há relações importantes entre essa interação e o desenvolvimento social e cognitivo posterior da criança. Omote (2010) relata no texto “Família e Deficiência: caracterização e funcionamento”, que as referências à necessidade de dar a devida atenção ao drama vivido pelos pais de crianças deficientes são antigas. Desta forma, tais autores citados, nos remetem a estudos mais antigos como de Kanner (1956) em que alertava que nenhum plano de tratamento poderia ser considerado completo sem a devida explicação aos pais, considerando suas curiosidades e envolvimentos emocionais. Patterson (1956) elabora uma lista com 10 recomendações aos profissionais com relação aos dramas vivenciados pelos pais de crianças com deficiência. Já nesta época considerava-se importante lembrar aos profissionais de que os pais de deficientes são pessoas. Na nona recomendação temos “lembre-se de que nós somos pais e você é o profissional”, sendo assim, a autora faz-se porta voz de pais de crianças com deficiência e elabora esta lista sintetizando as principais queixas deles com relação à maneira como a questão da deficiência de seus filhos vem sendo tratada pelos profissionais da área da saúde (OMOTE, 2010). Alguns autores mais antigos descrevem também tal problemática encontrada no cotidiano da família de criança com deficiência. Wolfesberger (1967) cita 10 qualificações do bom conselheiro; Jordan (1976) relata 10 mandamentos do conselheiro; Telford e Sawrey (1977) contribuem com a literatura da área com 10 princípios elementares do aconselhamento parental. Contudo desde a década de 50 autores da área buscam realizar uma descrição sistematizada dos problemas vivenciados por pais de deficientes alertando sobre a importância do olhar para esta população. No Brasil Marchezi (1973) realiza a primeira descrição sistematizada. Em seu estudo, a autora traz diversas evidências que sugerem pouca atenção dispensada pelos profissionais aos dramas vivenciados pelos pais de deficientes. A partir da década de 80 Omote (1980) em sua dissertação, realiza um estudo sistemático sobre as reações de mães de deficientes mentais, 37 possibilitando apontamentos e alertas para a necessidade de serviços direcionados a pais de crianças com deficiência, argumentando que o ambiente familiar integrado e saudável tem papel capital tanto para o desenvolvimento de crianças deficientes quanto para a saúde mental e qualidade de vida dos demais membros familiares. Desde então, diversos estudos aparecem com o propósito de investigarem e sistematizarem os aspectos que envolvem a família do deficiente. Os familiares podem assim ter maior probabilidade de dividir as responsabilidades e cooperar no sentido de uma meta comum, se todos estiverem empenhados na discussão e planejamento da inclusão. Lamb e Billings (1997) comentam que nos últimos anos muita atenção foi dada ao impacto de uma criança deficiente no ajuste e satisfação marital de seus pais, mas apenas na perspectiva da mãe. Bailey, Blasco e Simeonsson (1992) dizem que as pesquisas focam o impacto do nascimento de uma criança com deficiência no pai, a correspondência entre as respostas paternas a esse impacto comparadas às relatadas pelas mães e com que extensão os pais são envolvidos com suas crianças ou com serviços oferecidos à criança. Os autores concluem que as descobertas sobre o envolvimento dos pais com suas crianças são variadas: às vezes as mães são mais envolvidas, outras os pais gastam um tempo significativo com seus filhos com necessidades especiais. Telford e Sawrey (1976) afirmam que a mãe tem sido historicamente a figura central na família, ela é considerada o foco dos mais significativos alinhamentos familiares. De acordo com estes autores, a personalidade da mãe e a atmosfera familiar são os fatores mais importantes para o desenvolvimento da criança. Refere-se que quase sempre à mãe é atribuída a função de cuidar da criança, no que se refere tanto à saúde quanto à educação. A maioria das famílias acaba mobilizando-se para enfrentar o desafio de ter uma criança deficiente. Entretanto, uma vez que cada família é única, os meios pelos quais ela aprenderá a se adaptar aos estresses de ter um deficiente em sua prole também são peculiares. Em nossa pesquisa focaremos na criança com paralisia cerebral, visando ampliar os estudos e a atenção a esta problemática, uma vez que, existem manifestações em que todas as famílias de crianças com paralisia cerebral são similares. Primeiro, os membros de todas as famílias geralmente sofrem o mesmo espectro de emoções ao deparar-se com a paralisia cerebral de um filho. Segundo, todos os familiares precisam concentrar enormes quantidades de amor e determinação para realizar a adaptação (GERALIS, 2007). Na atualidade, é recorrente a literatura sobre famílias de crianças com deficiência que se ocupa do ajustamento familiar e também das repercussões da doença crônica no funcionamento da família (GOLDBERG, et al., 1990; MAGGI, 1998) seja essa doença 38 oriunda de deficiências congênitas ou adquiridas, que acarretam um impedimento ou dificuldades para a execução de funções cotidianas (BAVIN, 1968; KOVÁCS, 1997; MURATA, 2000, FÁVERO, 2005). A grande maioria das pessoas se imagina despreparada para cuidar de uma criança deficiente. Por diversas vezes temos a impressão que cuidar de uma criança normal é tarefa para a qual já se nasce pronto. Nenhuma preparação e nenhum aperfeiçoamento são necessários. Bastaria à estes que desempenham o papel de cuidar seguirem seus instintos e tudo caminharia naturalmente (FILHO, 2003). Porém, a criança que nasce ou se torna deficiente representa o desconhecido, independente do grau de comprometimento. Segundo Filho (2003), “os pais sentem-se incompetentes, atemorizados até pela idéia de criar e educar um filho especial” (p.6). O desempenho do papel de cuidador familiar pode interferir na vida pessoal, familiar, laboral e social dos cuidadores predispondo-os a desgastes. Frequentemente os cuidadores familiares estão sujeitos a entrarem em situação de crise, manifestando sintomas como tensão, constrangimento, fadiga, estresse, frustração, redução de convívio social, depressão e alteração da autoestima. Tudo isso pode contribuir para comprometer seriamente a inclusão das crianças com deficiência, na medida em que os cuidadores familiares não dispõem de condições emocionais para desenvolver ações colaborativas junto à escola. Nesta interação do dia-a-dia dentro de uma família, é o cuidador, que lida com o deficiente em tempo integral, orientando e atendendo suas necessidades, podendo ser representado por qualquer um de seus parentes: avós, pai, mãe, irmãos ou tia. Os processos familiares refletem imediatamente nas interações entre pais e filhos e na emocionalidade dos cuidadores. O cuidado com a vida e com o semelhante surge na medida em que se julga importante em sua missão, e esta é a missão do cuidador, pois é necessária dedicação de tempo, que inclui renúncias, sentido de responsabilidade, de buscas, de envolvimento com o sofrimento e de acreditar no sucesso com a vida. A palavra “cuidado” é derivada do latim e significa cura. É usada no contexto de relações de amor e carinho, porque é natural de quem ama envolver sua atenção, preocupação e zelo pela pessoa a ser cuidada. A falta de cuidado repercute na deficiência da qualidade de vida, pois é preciso estar bem e gostar da vida, tendo o cuidado não como uma meta, mas como algo que se atinge a cada momento e que acompanha o ser humano em toda sua história (BOFF, 2004). O poder é evidenciado em quem controla as decisões sobre as medidas a serem tomadas, para atender as 39 necessidades de quem precisa. As decisões vão surgindo à medida que essas necessidades são conhecidas (BROWN; GORDON, 2004). O cuidador vivencia diversas situações na família, de caráter financeiro, de exercício de papéis familiares, sentimentos de desamparo, perda de controle, exclusão e sobrecarga, os quais podem trazer um estresse ao mesmo, sendo uma resposta às exigências. Nem sempre é possível o lado positivo da experiência de vida que transforma a tarefa do cuidar em prazerosa e com menores dificuldades físicas e emocionais (NERI, 2003). Para cuidar e conduzir alguém, como fazem os pais de crianças com paralisia cerebral, eles necessitam demonstrar antes de tudo que podem se conduzir, e que conhecem os limites de sua prática. É fundamental ter a perspectiva dirigida não apenas para o outro, mas também para si (LUNARDI et al., 2004). Há dificuldades para os pais e componentes familiares em conceituar paralisia cerebral, porém todos vislumbram as consequências negativas e associam a deficiência aos sentimentos de tristeza, fragilidade e dependência. Sabem que são necessários dedicação, paciência e afetividade (YANO, 2003). Segundo Lefévre (1985), os estudos sobre a criança com Síndrome de Down referem um estado de ansiedade aguda e de profunda tristeza que se manifesta nos pais depois de conhecerem a verdade sobre estas crianças e que, muitas vezes, vêm acompanhados de um sentimento de rejeição, suscitando sofrimento e insegurança. O tratamento de tais patologias durante a infância, como a PC e a Síndrome De Down, é frequentemente marcado por deteriorações que envolvem mais contatos médicos, admissões em hospitais, desconforto para a criança e a família. Sabe-se, porém, que educar uma criança normal ou deficiente exige de quem faz o papel de cuidador a mesma dose de instinto e preparo, de arte e técnica. São interações nos quais os participantes se relacionam e se modificam mutuamente. Trabalhar com cuidadores familiares de crianças com paralisia cerebral é mais que simplesmente uma educação, re-educação ou orientação. Um dos principais objetivos e resultados do trabalho com esses cuidadores familiares é a reconstrução de sentidos do próprio cuidado de que a criança necessita e a significação que aquela deficiência acarreta nele. É reconstruir sentidos e subjetividades que muitas vezes se encontravam tão ocultos quanto o próprio sentido da vida. Ter uma criança com deficiência gera muitos transtornos aos seus responsáveis, tanto de ordem prática, quanto de ordem psicológica, que acabam interferindo bastante na estrutura emocional de qualquer um que 40 viva essa situação, por mais equilibrada que seja essa pessoa. (CAMARGO, 1986, p. 18). A criança com paralisia cerebral pode revelar em seus cuidadores sentimentos de culpa, vergonha, ansiedade e até lamentações de dó, por ser uma deficiência motora explícita e que requer um cuidado muitas vezes considerado exaustivo. Portanto, a adaptação à situação de ter uma criança com paralisia cerebral é um processo complicado e permanente. É preciso estar atento para orientação desses cuidadores a fim de valorizar o potencial dessas crianças, que podem apresentar aspectos motores comprometidos, porém aspectos cognitivos talvez preservados. O desconhecimento de tal fato pode dificultar o desenvolvimento e inserção delas na sociedade. Um estudo de Tudge e col. (2000) sobre participação dos pais em práticas culturais com seus filhos pré-escolares em diferentes sociedades como Estados Unidos da América, Coréia, Rússia, Estônia e Kenia evidenciou que as mães eram mais prováveis de serem encontradas no mesmo lugar que seus filhos e proporcionalmente também eram mais envolvidas com seus filhos que os pais. Os pesquisadores observaram a participação parental em brincadeiras, lições, trabalho e conversas, e embora tenham sido observadas mais situações de brincadeiras, os genitores estiveram mais inclinados a participar das outras situações. Dentro desta perspectiva, é fato reconhecido que as famílias que contam entre seus membros uma ou mais pessoas com deficiência se vêem sobrecarregadas material e psicologicamente com os múltiplos encargos que recaem sobre elas e que demandam esforços que culminam por comprometer o bem estar psíquico de todos os seus componentes e ameaçam sua própria estrutura. A suscetibilidade de quem cuida dessas crianças a esse tipo de estresse varia de acordo com sua habilidade em lidar com fatores estressores e diferentes níveis de tolerância; essa habilidade, segundo Kobasa, Hilkler e Maddi (1979) envolve a abertura para mudanças, o envolvimento emocional com o emprego, a religião ou a própria família, bem como o sentimento de ter controle sobre os acontecimentos. A sobrecarga do cuidador, segundo Braithwaite (1992), é uma perturbação resultante do lidar com a dependência física e a incapacidade mental do indivíduo alvo da atenção e dos cuidados. Esta sobrecarga ou tensão pode acarretar problemas físicos, psicológicos, emocionais, sociais e financeiros, que acabam por afetar o bem-estar da criança cuidada e do cuidador (GEORGE; GWYTHER, 1996). 41 Podem distinguir-se dois tipos específicos de sobrecarga: a sobrecarga objetiva e a sobrecarga subjetiva (GOTTLIEB, 1989). A sobrecarga objetiva corresponde às tarefas envolvidas na prestação de cuidados e às alterações que estas provocam nas diversas dimensões de vida do cuidador (familiar, social, econômica e profissional) (FIGUEIREDO, 2007). A sobrecarga subjetiva corresponde às reações emocionais e às respostas comportamentais e cognitivas face à prestação de cuidados (GOTTLIEB, 1989). Esta distinção reconhece que as exigências e as consequências da prestação de cuidados são apenas potencialmente estressantes e dependem do grau de sobrecarga subjetiva que provocam. Lawton e col. (1989, apud MARTINS et al., 2004) reforçam a grande subjetividade da sobrecarga, referindo que esta depende da valorização que cada sujeito atribui às tarefas desempenhadas. Devido a este fato, a sobrecarga subjetiva é muitas vezes alvo de investigação, além de que permite informar acerca do bem-estar do cuidador (FIGUEIREDO, 2007). A literatura da área aponta também que o estresse é um sentimento comum observado em famílias nas quais um dos membros apresenta deficiência e que este é um fator que assume grande importância dentro da dinâmica familiar. De acordo com Belsky (1984) e Bronfenbrenner (2002), quando o estresse afeta um dos cuidadores principais, ele também pode afetar o desenvolvimento dos filhos de alguma forma, assim como situações estressantes na vida dos filhos podem afetar os pais. Com todas as transformações geradas pela circunstância peculiar em que se encontra a família de uma criança deficiente, as mudanças nas atividades diárias e no funcionamento psíquico dos indivíduos são inerentes a esse processo. Cria-se certa tensão direcionada à mobilização de recursos pessoais, com a finalidade de encontrar uma resolução com sucesso e satisfatória. Os conceitos de estresse e autoestima estão intimamente relacionados a estas situações. Na saúde mental, a importância atribuída ao estresse foi herdada do conceito de crise (CUNHA, 2002) e tem sua origem nas investigações com sobreviventes de desastres de grandes proporções. Contudo, Cunha (2002, p.35) afirma que, atualmente, o conceito de crise tem sido mais utilizado em termos de diagnóstico, enquanto estresse enfatiza o impacto como “um fator potencial para consequências futuras” variando em termos do “poder do estressor e da vulnerabilidade do sujeito”. O estresse pode ser compreendido como a presença de uma condição ou situação na qual existe uma acentuada diferença entre as demandas externas ao organismo e a avaliação do indivíduo sobre sua capacidade em responder a elas. Contudo, cada pessoa reage de modo 42 particular diante de situações de vida estressoras, que causem uma sobrecarga. O enfrentamento é uma dessas formas de reação peculiar que as pessoas desenvolvem para lidar com crises e adversidades, no contexto de sua cultura, sociedade e época, aliviando os aspectos negativos das situações de estresse. De acordo com Lipp e Guevara (1994) o estresse pode provocar tanto sintomas físicos como psicológicos. Dentre os possíveis efeitos psicológicos estão: ansiedade, pânico, preocupação excessiva, inabilidade de concentração em assuntos não relacionados com o estressor, inabilidade de relaxar, tédio, ira, depressão e hipersensibilidade emotiva. Assim, a literatura indica que as famílias de crianças com deficiência possuem de um modo geral, maior propensão para apresentar níveis de estresse mais elevados e maior probabilidade de desajustamento familiar, embora não seja esperado que tais famílias experimentem níveis crônicos de estresse ou inadaptações que sejam permanentes (MATSUKURA, 2001). A intensidade do sentimento de estresse parece depender de vários fatores, entre eles a rede de suporte social disponível, relação marital, renda familiar e severidade da deficiência (OLSSON; HWANG, 2001). Além de poder desencadear estresse e depressão, há ainda evidências científicas de que o nascimento de uma criança com deficiência pode modificar as relações tanto intra quanto extrafamiliares (SELTZER et al,. 2001, PALOMINO; GONZÁLVES, 2002; GARGIULO, 2002). Zanfelici e Barham (2009) realizaram uma pesquisa tendo em vista a importância de identificar fatores que podem afetar a qualidade do envolvimento parental, com o objetivo de examinar as relações entre o estresse, burnout e o envolvimento parental em mães trabalhadoras, cujos filhos frequentam escolas infantis. Os resultados trazem informações que contribuem para uma melhor compreensão da fase crítica na vida de mulheres que trabalham enquanto seus filhos são pequenos, apontando para a necessidade de ampliação da rede de suporte social de trabalhadores que têm filhos nessa faixa etária, bem como a revis