FACULDADE DE CIÊNCIAS – CÂMPUS DE BAURU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PARA A CIÊNCIA Milton Soares dos Santos PERFIL, EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DA PESQUISA EM ASTRONOMIA CULTURAL NO BRASIL Bauru 2024 Milton Soares dos Santos PERFIL, EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DA PESQUISA EM ASTRONOMIA CULTURAL NO BRASIL Tese apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Bauru, como um dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Educação para a Ciência – Área de Concentração: Ensino de Ciências e Matemática. Orientador: Prof. Dr. Roberto Nardi. Bauru 2024 Milton Soares dos Santos PERFIL, EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DA PESQUISA EM ASTRONOMIA CULTURAL NO BRASIL Tese apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Campus de Bauru, como um dos requisitos a obtenção do título de Doutor em Educação para a Ciência – Área de Concentração: Ensino de Ciências e Matemática, sob orientação do Prof. Dr. Roberto Nardi. Bauru, 18 de novembro de 2024. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Roberto Nardi Universidade Estadual Paulista (UNESP/FC) Orientador Prof. Dr. Walmir Thomazi Cardoso Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Prof. Dr. Rodolfo Langhi Universidade Estadual Paulista (Unesp/FC) Prof.ª Dr.ª Telma Cristina Dias Fernandes Instituto Federal do Triângulo Mineiro (IFTM) Prof. Dr. Gustavo Iachel Universidade Estadual de Londrina (UEL) À memória de meus pais, J�rdelin� R�drigues d�s Sant�s e �laíde S�ares d�s Sant�s, que nã� tiveram a �p�rtunidade de estudar, mas fizeram � p�ssível para que eu f�sse uma pess�a educada. AGRADECIMENTOS Ao Pr�f. Dr. R�bert� Nardi, pelos incentivos, cobranças e reflexões sobre o tema que originou esta pesquisa, pelas orientações, aulas no programa de Pós-graduação, por tantas experiências profissionais e por sua contribuição a área de Ensino de Ciências. Além da preocupação com problemas pessoais de seus orientandos, com os cuidados na elaboração de textos para publicações e participações em eventos, gerando em nós, orientandos, uma força para prosseguir nos caminhos da Educação para a Ciência, primando, além do aperfeiçoamento, por relações cordiais e respeitosas de amizade. Aos colegas do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências (GPEC), pelas riquíssimas discussões e sugestões ao longo da pesquisa, particularmente à Telma, Taísa, Fabian�, Jéssica, �ugust�, Carl�s, J�sias, Clebers�n, �ndré Garcia, R�seli, �ndré Silva e �ndréia. Aos professores Dr. Walmir Th�mazi Card�s�, Dr. R�d�lf� Langhi, Dra. Telma Cristina Dias Fernandes e Dr. Gustav� Iachel, pelas contribuições durante o Exame Geral de Qualificação, que oportunizaram o repensar sobre os caminhos da Astronomia Cultural. À(o)s gentis funcionária(o)s da Seção de Pós-graduação da FC, pelo atendimento sempre eficiente e amável. Aos amigos leais e sinceros, Professores Sérgi� (IFAC), Dr. J�sé Carl�s (Ponciano) e Dr. Marcel� Castanheira (UFAC), pelas longas conversas e apoio no período da pandemia. Ao amigo da pós-graduação Fredy, que tantas vezes dividiu comigo os momentos de alegria e, também, de tristeza. Ao Instituto Federal do Acre, pela concessão do afastamento para cursar o doutorado, por meio de uma gestão de valorização de seus servidores. Ao CNPq, pela oportunidade de participar de eventos nos quais as produções relacionadas a esta pesquisa foram divulgadas e publicadas. Finalmente, agradeço a todos que colaboraram, de algum modo, para possibilitar a concretização deste trabalho. SANTOS, Milton Soares dos. Perfil, evolução e perspe�tiv�s d� pesquis� em Astronomi� �ultur�l no Br�sil. Orientador: Roberto Nardi. 150 f. Tese (Doutorado em Educação para a Ciência) – Faculdade de Ciências, Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2024. RESUMO Este estudo foi realizado com o objetivo de mapear e analisar a produção acadêmica sobre o Ensino de Astronomia no Brasil, particularmente sobre Astronomia Cultural, em teses e dissertações da área de ensino, no período de 1968 a 2021. Buscamos estabelecer um panorama da literatura existente sobre Astronomia Cultural, a fim de responder à seguinte questão: como o tema Astronomia Cultural está sendo abordado em teses e dissertações sobre Educação em Astronomia? A pesquisa considerou as publicações presentes na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e no Banco de Teses e Dissertações sobre Educação em Astronomia (BTDEA). Os dados foram avaliados segundo os pressupostos da Análise de Conteúdo de Bardin, por meio do qual destacamos os descritores: ano de publicação, autor(a), orientador(e)s da pesquisa, instituição de ensino superior, programa de pós-graduação, título do trabalho, região geográfica e Estado do país, palavras-chave, principais referenciais teóricos, metodologia de coleta e análise de dados, enfoque temático e conteúdos específicos considerados. O estudo mostra que a investigação em Astronomia Cultural ainda está em uma fase inicial; poucos autores trabalham nessa área em relação à crescente produção no ensino de Astronomia em geral, especialmente no Brasil. Considerando o caráter inter e multidisciplinar dessa área, destacamos a necessidade de a área de Ensino de Ciências ampliar a discussão com outras áreas, como a Antropologia, Etnociência, Linguística, História da Ciência e, dessa forma, contribuir para um ensino de Astronomia reflexivo, que considere as culturas dos diferentes povos, como os chamados tradicionais. O estudo procura, ainda, contribuir para a memória da área de ensino de Astronomia no país. P�l�vr�s-�h�ve: Astronomia Cultural; Povos Tradicionais; Análise de Conteúdo. ABSTRACT This study was carried out with the main objective of mapping and analyzing the academic production on Astronomy Education in Brazil, particularly on Cultural Astronomy, in theses and dissertations in the Teaching Area from 1968 to 2021. We sought to establish an overview of the existing literature on Cultural Astronomy, in order to answer the following question: how is the theme of Cultural Astronomy being addressed in theses and dissertations on Astronomy Education? The research considered the publications present in the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD) and in the Theses and Dissertations Library on Astronomy Education (BTDEA). The data were analyzed according to Bardin's Content Analysis, through which we highlighted the descriptors: year of publication, author, research advisor(s), higher education institution, postgraduate program, title of the work, geographic region and state of the country, keywords, main theoretical references, data collection and analysis methodology, thematic focus and specific contents considered. The study shows that research in Cultural Astronomy is still in its early stages; few authors work in this area in relation to the growing production in Astronomy teaching in general, especially in Brazil. Considering the inter and multidisciplinary nature of this area, we highlight the need for the area of Science Education to broaden the discussion with other areas such as Anthropology, Ethnoscience, Linguistics, History of Science and, in this way, contribute to a reflective Astronomy teaching, which considers the cultures of different peoples, such as the so-called traditional ones. The study also seeks to contribute to the memory of the area of Astronomy teaching in the country Keywords: Cultural astronomy; Traditional People; Content analysis. LISTA DE FIGURAS Figur� 1 – Esquema das etapas da Análise de Conteúdo realizada durante a pesquisa. ........................................................................................................... 74 Figur� 2 – Distribuição de pesquisa sobre Astronomia Cultural nas Regiões e Estados brasileiros .......................................................................................... 101 LISTA DE QUADROS Qu�dro 1 – Informações sobre as temáticas, ano e local de ocorrência da série “Oxford” de simpósios internacionais sobre Astronomia Cultural promovidos pela ISAAC................................................................................................................24 Qu�dro 2 – Informações sobre tema, autor, volume, edição e resumo referentes aos artigos publicados no The Journal of Astronomy in Culture. ...................... 25 Qu�dro 3 – Informações sobre ano, tema e local das reuniões científicas voltadas para a Astronomia Cultural, em diferentes países do mundo, patrocinadas pela Sociedade Internacional para ArqueoAstronomia e Astronomia Cultural (ISAAC). ...............................................................................................42 Qu�dro 4 – Categorias iniciais respaldadas pelo referencial teórico do estudo76 Qu�dro 5 – Primeira categoria intermediária....................................................77 Qu�dro 6 – Segunda categoria intermediária...................................................78 Qu�dro 7 – Terceira categoria intermediária ....................................................78 Qu�dro 8 – Quarta categoria intermediária ...................................................... 79 Qu�dro 9 – Quinta categoria intermediária.......................................................79 Qu�dro 10 – Sexta categoria intermediária......................................................80 Qu�dro 11 – Sétima categoria intermediária....................................................81 Qu�dro 12 – Oitava categoria intermediária.....................................................81 Qu�dro 13 – Nona categoria intermediária.......................................................82 Qu�dro 14 – Categorias finais ..........................................................................83 Qu�dro 15 – Pesquisadore(a)s mais citado(a)s nas teses e dissertações sobre o tema Astronomia Cultural .............................................................................112 Qu�dro 16 – Evolução e Concentração das Dissertações e Teses Sobre o Tema Astronomia Cultural .........................................................................................114 LISTA DE TABELAS T�bel� 1 – Teses e dissertações em ensino de Astronomia de acordo com a natureza das IES...............................................................................................85 T�bel� 2 – Pesquisas em Ensino de Astronomia distribuídas de acordo com o nível ...................................................................................................................87 T�bel� 3 – Distribuição de produções sobre Astronomia Cultural de acordo com a região geográfica..........................................................................................102 T�bel� 4 – Teses e dissertações em ensino de Astronomia de acordo com a natureza das IES.............................................................................................104 T�bel� 5 – Classificação das dissertações de mestrado em Astronomia Cultural por Título, Autor, Instituição de Ensino Superior e Ano de defesa..................106 T�bel� 6 – Teses em Astronomia Cultural por Título, Autor, Instituição de Ensino Superior e Ano de defesa................................................................................107 T�bel� 7 – Formação acadêmica dos pesquisadores.....................................108 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABRAPEC – Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências AC – Análise de Conteúdo AER – Astronomy Education Review AIA – Ano Internacional da Astronomia BDTD – Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações BNCC – Base Nacional Comum Curricular BTDEA – Banco de Teses e Dissertações sobre Educação em Astronomia CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPjourn�l – Communicating Astronomy with the Public Journal CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ENPEC – Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências EPEF – Encontro de Pesquisa em Ensino de Física ES – Ensino Superior HFC – História e Filosofia da Ciência IAG – Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas IAU – International Astronomical Union IES – Instituições de Ensino Superior IFSP – Instituto Federal de São Paulo IKS – Indigenous Knowledge Systems ISSAC – International Society for Archeoastronomy and Astronomy in Culture LDB – Lei de Diretrizes e Bases LINKS – Local and Indigenous Knowledge Systems MA – Mestrado Acadêmico MAST – Museu de Astronomia e Ciências Afins MNPEF – o Mestrado Nacional Profissional em Ensino de Física MP – Mestrado Profissional MPEA – Mestrado Profissional em Ensino de Astronomia Nufep – Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas OBA – Olimpíada Brasileira de Astronomia PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PCNEM – Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais PROFMAT – Mestrado Profissional em Matemática em Rede Nacional PUC – SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC – MG – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Rele� – Revista Latino-Americana de Educação em Astronomia SAB – Sociedade Astronômica Brasileira SACLA – Latin American Society of Cultural Astronomy SBF – Sociedade Brasileira de Física SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência SCAAS – Society for Cultural Astronomy in the American Southwest SEAC – European Society for Astronomy in Culture SIAC – Sociedad Interamericana de Astronomía en la Cultura SNEA – Simpósio Nacional de Educação em Astronomia SNEF – Simpósio Nacional de Ensino de Física TAS – Teoria de Aprendizagem Significativa TDIC – Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana UFAM – Universidade Federal do Amazonas UFPA – Universidade Federal do Pará UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte UnB – Universidade de Brasília Unes�o – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Unesp – Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Uni��mp – Universidade Estadual de Campinas Uni�sul – Universidade Cruzeiro do Sul Unil� – Universidade Federal da Integração Latino-Americana Uninter – Centro Universitário Internacional Unioeste – Universidade Estadual do Oeste do Paraná Unirio – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro USP – Universidade de São Paulo SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................. 15 1. O UNIVERSO DA ASTRONOMIA E O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DO CAMPO ASTRONOMIA CULTURAL ..............20 2. AS CONTRIBUIÇÕES DA ASTRONOMIA CULTURAL PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS....................................................................................................34 3. FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM ASTRONOMIA ......44 4. ASTRONOMIA CULTURAL: A PESQUISA ACADÊMICA ..........................55 4.1. Astronomia e o Contexto Legislativo Brasileiro.......................................69 5. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA........................................72 5.1. Categorias Iniciais...................................................................................75 5.2. Categorias Intermediarias .......................................................................77 6. MAPEAMENTO DA PRODUÇÃO DE PESQUISA DA ASTRONOMIA .......85 6.1. Mapeamento da produção em Astronomia Cultural................................96 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................123 REFERÊNCIAS ...............................................................................................128 15 INTRODUÇÃO O vislumbre do céu noturno, com certeza, sempre foi um atrativo natural para a espécie humana, em todas as partes da Terra, instigado pelo movimento cíclico de corpos reluzentes na esfera celeste e pela variação de suas formas. Os registros históricos, como os citados neste estudo, demonstram que os povos antigos, desde a Pré-história, já compreendiam que suas observações noturnas e diurnas tinham propósitos que iam além da contemplação do céu. A necessidade de sobrevivência de povos, como os chineses, babilônicos, assírios e egípcios, ao longo de suas trajetórias históricas, levou ao desenvolvimento de uma relação entre atividades práticas, como a contagem do tempo, períodos de plantio e colheita, caça de animais e orientação e os fenômenos celestes. Essa relação foi decisiva ao desenvolvimento da agricultura naquelas regiões e essencial à fixação de povos em um determinado lugar. O conhecimento adquirido sobre a posição e o movimento dos corpos celestes permitiu a orientação e o retorno ao ponto de origem, tanto durante o dia quanto à noite. Na apresentação do livro de Verdet (1991, p. 7), o professor Ronaldo Mourão destaca que: A Astronomia, em campos tais como a cosmogonia e a cosmologia, setores intimamente associados à criação cósmica, aborda uma série de mistérios considerados sagrados pelo homem desde a Antiguidade mais remota. Talvez seja esta uma das razões por que a Astronomia fascina tanto o espírito humano. Há milênios o homem contempla os fenômenos celestes, ora como um sinal divino, ora como uma ameaça. Em consequência, a verdade da história da ciência que procura compreender o universo é, na realidade, uma tentativa humana de entender o complexo universo indecifrável da mente humana. Segundo o autor, a Astronomia faz parte da história, refletindo, há milênios, as representações do sujeito histórico sobre os fenômenos celestes e o Universo como um lugar de existência. Vários pesquisadores reconhecem a importância de estudar o contexto cultural no qual ocorreram as diferentes produções e registros sobre a Astronomia. É o caso, por exemplo, do pesquisador Stanislaw Iwaniszewski (Polônia, 1954), (https://www.researchgate.net/profile/Stanislaw-Iwaniszewski), um arqueólogo que vive há mais de 30 anos no México, onde pesquisa e dá https://www.researchgate.net/profile/Stanislaw-Iwaniszewski 16 aulas no curso de pós-graduação da Instituto Nacional de Antropologia e História. Considerado um dos mais importantes no campo da arqueoastronomia, tem se interessado nas origens da cultura europeia, tendo integrado duas expedições à Síria e ao Iraque, no Oriente Médio, onde escavou nas ruínas de Palmira e Nimrod. Ele combina ruínas, astros e estrelas, permeando paisagem, a cosmovisão de uma sociedade e os calendários antigos. A partir dessas pesquisas, surge seu interesse pelas séries lunares maias. Esses pesquisadores enveredaram por estudos que têm sido convencionados de Astronomia Cultural. A página de Clive Ruggles, professor emérito de Arqueoastronomia na Escola de Arqueologia e História Antiga da Universidade de Leicester, Reino Unido (https://web.cliveruggles.com/, acessada em 27/11/2024), por exemplo, define a Astronomi� Cultur�l como o estudo das crenças e práticas relacionadas ao céu no passado, especialmente na pré- história, e os usos que as pessoas faziam do conhecimento dos céus. Dessa forma, �str�n�mia cultural é considerada a combinação de arqueoastronomia e etnoastronomia, que se relacionam com culturas contemporâneas. Estudos em homen�gem � este pesquis�dor, editado p�r Efr�syni B�utsikas, Stephen C. McCluskey e J�hn Steele em 2021, sinalizam para essa nova tendência, considerada um avanço para o campo: “Seguindo a liderança do trabalho de Ruggles, os artigos apresentam novas pesquisas focadas em três temas principais em astronomia cultural: metodologia, estudos de caso e herança. Por meio dessa estrutura, eles mostram como o estudo da astronomia cultural evoluiu ao longo do tempo e compartilham novas ideias para continuar avançando o campo. “O trabalho de Ruggles nessas áreas teve um impacto profundo na maneira como os acadêmicos abordam as evidências do papel do céu nas culturas antigas e modernas. Embora os artigos abranjam muitos períodos e regiões, eles estão intimamente conectados por esses três temas principais, apresentando investigações metodológicas de como podemos abordar evidências arqueológicas, textuais e etnográficas; descrevendo estudos de caso arqueoastronômicos detalhados; ou enfatizando a importância da gestão do patrimônio global.”(Boutsikas; McCluskey ; Steele 2021). A Astronomia Cultural é definida como um campo de estudo que busca compreender as diferentes formas como as sociedades humanas interpretam e se relacionam com os fenômenos astronômicos. Essa definição considera que as concepções sobre o céu e os corpos celestes são por fatores culturais, como https://web.cliveruggles.com/ 17 crenças, mitos, rituais e práticas sociais (Barros, 2004). Um dos aspectos mais notáveis da Astronomia Cultural é a relação entre as crenças e mitos de diferentes culturas e a observação do céu. Por exemplo, muitas sociedades antigas associavam os movimentos dos astros a divindades e atribuíam significados simbólicos a esses eventos. Segundo Aveni (2008), a Astronomia Cultural é uma abordagem que busca entender como diferentes culturas interpretam e se relacionam com os fenômenos astronômicos. Compreender essas concepções permite ao professor explorar a relação entre ciência e cultura, e mostrar como as diferentes sociedades interpretam e dão sentido aos fenômenos astronômicos. Ao conhecer essas diferentes formas de interpretação, os professores podem enriquecer suas aulas e promover uma educação mais inclusiva e contextualizada (Barros, 2004). Além disso, a Astronomia Cultural, de acordo com Torres (2017), também pode contribuir para a valorização das culturas locais e indígenas. Muitas comunidades tradicionais possuem conhecimentos ancestrais sobre o céu e os astros, transmitidos oralmente ao longo de gerações. Ao incorporar esses saberes às aulas de Astronomia, os professores promovem o respeito e a valorização das culturas tradicionais, e, além disso, estimulam o protagonismo dos estudantes na construção do conhecimento. Na formação de professores, a Astronomia Cultural desempenha um papel fundamental, pois permite ampliar a compreensão sobre a diversidade de perspectivas existentes em relação ao universo. Aveni (2008) cita a importância da Astronomia Cultural à formação de professores e destaca seu aspecto interdisciplinar. Ao estudar as concepções astronômicas de diferentes culturas, é possível estabelecer conexões com disciplinas como História, Geografia, Antropologia e Sociologia. De acordo com Torres (2017), a Astronomia Cultural também pode contribuir para despertar o interesse dos estudantes pela ciência. Ao explorar as diferentes formas como as sociedades interpretam os fenômenos astronômicos, os professores podem despertar a curiosidade e o fascínio dos alunos, estimulando o interesse pela Astronomia, e pela ciência, de forma geral. Essa abordagem pode contribuir para a formação de cidadãos mais críticos e 18 conscientes, capazes de compreender e valorizar a diversidade cultural presente na sociedade. Segundo Rodrigues e Leite (2012, p. 45), a Astronomia Cultural “preocupa-se em compreender a organização particular de variadas sociedades, localizadas temporal e historicamente, de forma conjunta, aos saberes elaborados acerca de elementos do céu”. Cardoso (2016, p. 1) afirma que “o papel do contexto nessa área de investigação é fundamental porque não há um único céu para todas as culturas. Muito ao contrário, a Astronomia nas culturas investiga como céu e ser humano se relacionam em diferentes lugares e tempos”. Lima et al. (2013, p. 89) definem a Astronomia Cultural como “um campo de pesquisas relativamente recente e interdisciplinar. Envolve o trabalho de astrônomos, arqueólogos, historiadores, antropólogos, linguistas, entre outros”. Assim, pesquisadores, de diversas áreas do conhecimento, têm-se dedicado ao levantamento de informações sobre essa temática. Em corroboração às pesquisas citadas anteriormente, que justificam a sua importância à área da Educação em Astronomia, este estudo apresenta como o objetivo geral: analisar a produção acadêmica, de 1968 a 2021, da área de Ensino de Astronomia no Brasil, buscando destacar o papel da Astronomia Cultural como campo de pesquisa. Seus objetivos específicos são: contribuir para a memória da área de ensino de Astronomia, identificar elementos voltados à Astronomia presentes nas culturas dos povos tradicionais, como os indígenas e suas contribuições ao ensino e à formação de professores. Para o desenvolvimento da tese, no primeiro capítulo, apresenta-se uma revisão de literatura, em seções que começam com discussões sobre a Astronomia Cultural, seguido da produção de saberes sobre o céu, atrelada às manifestações socioculturais de diferentes povos. Encerramos o capítulo apresentando ao leitor os trabalhos já publicados sobre o tema e que auxiliaram para um maior esclarecimento do tema Astronomia Cultural na formação de professores. Destacamos, a seguir, a metodologia utilizada no estudo, apresentando nossos objetivos, constituição e análise dos dados e demais instrumentos da pesquisa. As próximas seções apresentam resultados baseados na análise de teses e dissertações produzidas no âmbito da pesquisa de âmbito 19 nacional, a fim de compreender o lugar da Astronomia Cultural na produção acadêmica. Encerramos com as considerações finais, destacando a importância da temática ao ensino crítico de Astronomia e à formação de professores. 20 1 O UNIVERSO DA ASTRONOMIA E O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DO CAMPO ASTRONOMIA CULTURAL À primeira vista, a Astronomia parece ser uma das ciências mais antigas e, ao mesmo tempo, uma das mais modernas. Embora, inicialmente, fosse vista como uma atividade contemplativa e ociosa, focada em objetos aparentemente distantes da vida cotidiana, na verdade, tratava de questões humanas essenciais, como a observação dos ciclos naturais que permitiam prever eventos da natureza, garantindo a sobrevivência por meio da caça, pesca, agricultura e navegação. O homem, hoje, cuja vida está centrada nos grandes aglomerados urbanos, não tem ou não adquiriu mais o hábito de observar o Céu, as estrelas, condição que o tem afastado desse laboratório natural e gratuito e o leva cada vez mais a viver e observar ambientes artificiais. Essa ideia tem sido amplamente discutida por autores como Fernandes (2018), Lanciano (2019) e Lanciano et al. (2019a). Certamente, há relevância em discutir acerca dessa ciência que já atingiu muitos povos. A Astronomia e sua correlação com as Ciências Naturais e Ciências Humanas experimentam um crescimento notável, que se reflete, sobretudo, no número cada vez maior de produções científicas. A Astronomia nunca foi, nem mesmo nos primeiros passos de sua evolução, uma atividade puramente contemplativa e irrelevante à vida prática nos mais diversos povos do planeta Terra. É inegável que as observações astronômicas contribuíram com o processo de coleta e o processamento de informações, úteis à construção do futuro. Pois é próprio dos seres humanos antecipar eventos e evitar situações negativas do futuro, de forma consciente. Por exemplo, os problemas do calendário, o cálculo do tempo ou a orientação no campo e no mar pertencem aos próprios fundamentos de nossa cultura e civilização, os quais foram resolvidos por meio da observação das estrelas. Observando o duplo caráter, astronômico e mitológico, na denominação dos dias da semana, que estão, em ordem, relacionados com a Lua, Marte, Mercúrio, Júpiter, Vênus, Saturno e o Sol (Apolo), vemos que a Astronomia, no primeiro alvorecer de sua história, já apresenta aplicação “utilitária”: a astrologia. 21 De acordo com a cosmovisão, na História da Astronomia, no que diz respeito à versão utilitária da Astrologia, acreditava-se, inclusive, que as estrelas eram animadas e habitadas por deuses, espíritos e demônios, que influenciavam definitivamente os acontecimentos na Terra, como secas, inundações e terremotos, e em eventos humanos, como guerras, pragas e mudanças de governo. O desejo de antecipar os acontecimentos, considerados desígnios das divindades astrais, levou o homem a estudar com afinco as trajetórias planetárias, utilizando instrumentos de medição e os conhecimentos teóricos da época, uma vez que não tinham equipamentos ópticos sofisticados, tampouco um conhecimento matemático aprofundado. Detinham apenas instrumentos simples para medir ângulos e aparelhos de alinhamento. Assim, as diversas observações feitas ao longo dos séculos, e até milênios, permitiram acumular conhecimentos de valores numéricos bastante precisos. Logo, houve um avanço no conhecimento no que diz respeito ao tempo, como a duração do ano, das estações, dos meses, das fases lunares e dos períodos dos movimentos dos planetas. Sem muito rigor para a explicação teórica do movimento das estrelas, ou seja, embora faltassem aos estudiosos da Astronomia e áreas afins, em distintos momentos da história, instrumentos precisos para o registro de efemérides e demais aspectos dos movimentos dos astros, os dados obtidos, a partir de observação direta, sistemática e rigorosa, guardavam valores precisos, alguns deles muito próximos aos calculados na atualidade. É muito importante falarmos da importância da institucionalização do campo da Astronomia Cultural. Nesse sentido, na sequência, elencamos organizações criadas por pesquisadores da área de Educação em Astronomia que estudam e discutem sobre Astronomia Cultural. De acordo com Lima et al. (2013), o progressivo desejo mundial pela relevância do aporte do conhecimento produzido e utilizado por diferentes povos moveu a United Nati�ns Educati�n, Scientific and Cultural Organizati�n (Unesco) a anunciar um alinhamento de ação na “Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural”, alusivo à preservação e ao respeito aos conhecimentos dos povos tradicionais, reconhecendo sua contribuição para o manejo e a gestão do meio ambiente (Unesco, 2001). 22 Em 2002, a Unesco colocou em prática o projeto: L�cal and Indigen�us Kn�wledge Systems (Links), que lançou uma série de publicações sobre o tema (Unesco, 2003). Seguindo cronologicamente, o W�rld Heritage C�mmittee, da Unesco, aprovou, em 2005, a iniciativa temática para “identificar, salvaguardar e promover propriedades culturais conectadas com a Astronomia” (Unesco, 2010). Em outubro de 2008, a União Astronômica Internacional (IAU), em cooperação com a Unesco, criou o grupo de trabalho �str�n�my and W�rld Heritage, que lançou importante revisão temática (Unesco,2009). Em 2010, o CAPjournal (C�mmunicating �str�n�my with the Public J�urnal) da IAU teve edição dedicada à Astronomia Cultural (IAU, 2010). A discussão sobre os Sistemas de Conhecimentos Indígenas (Indigen�us Kn�wledge Systems – IKS) também vem ganhando espaço na literatura científica nas últimas décadas (Kidwell, 1985; Chambers; Gillespie, 2001, apud Lima et al., 2013, p. 2). A Internati�nal �str�n�mical Uni�n (IAU) foi fundada em 1919 com a missão de promover e salvaguardar a ciência da Astronomia em todos os seus aspectos, incluindo investigação, comunicação, educação e desenvolvimento, por meio da cooperação internacional. Seus membros individuais – estruturados em Divisões, Comissões e Grupos de Trabalho – são astrônomos profissionais de todo o mundo, com nível de doutorado e atuam em pesquisa profissional, educação e extensão em Astronomia. As atividades nas diversas subdisciplinas da Astronomia são conduzidas principalmente por Comissões, coordenadas pelas Divisões Científicas da IAU, que orientam as atividades e a evolução de uma ou mais Comissões da IAU. A Comissão C5, referente à Astronomia Cultural, abarca todas as metas do Plano Estratégico da IAU 2020-2030 e está especialmente bem posicionada para aumentar os esforços com a Meta 3 (Astronomia como uma ferramenta ao desenvolvimento), Meta 4 (engajar o público na participação das atividades voltadas à Astronomia) e Meta 5 (estimular o ensino da Astronomia na educação), pois a Astronomia Cultural, profundamente enraizada nas tradições das culturas indígenas contemporâneas, atrai o interesse do público e oferece uma forma envolvente de introduzir os estudantes ao mundo da Astronomia. 23 O comitê da Comissão C5 para Sítios Culturalmente Sensíveis, quando solicitado, pode buscar o aumento da conscientização sobre as preocupações indígenas referentes aos locais considerados sagrados onde observatórios foram construídos. Além disso, o comitê pode oferecer aos astrônomos orientações valiosas para apoiar a escolha de locais à instalação de futuros observatórios. A Comissão C5 da IAU atua como o principal ponto de referência para a Astronomia Cultural, promovendo sua relação com outros campos da Astronomia. Além disso, a Comissão fomenta a pesquisa na área, buscando educar o público e demonstrando como a Astronomia está intrinsecamente ligada às culturas humanas, tanto no presente quanto ao longo da história mundial. A comissão existe para apoiar qualquer parte da IAU que deseje sua assistência. A Internati�nal S�ciety f�r �rche�astr�n�my and �str�n�my in Culture (ISAAC) é uma das mais importantes associações para os profissionais da área. Fundada em 1996, é a organização profissional global que promove o desenvolvimento acadêmico da Astronomia Cultural (Arqueoastronomia e Etnoastronomia). O objetivo da Sociedade é melhorar o status profissional dessas disciplinas, formando laços com órgãos acadêmicos internacionais, regionais e nacionais existentes, promovendo organização de reuniões e auxiliando no desenvolvimento de projetos interdisciplinares em Astronomia Cultural, no seu sentido mais amplo. A ISAAC é responsável pela série Oxf�rd de simpósios internacionais sobre Astronomia Cultural voltados para discutir e apresentar as principais pesquisas na área, em diversos locais do planeta, conforme informações detalhadas no Quadro 1. 24 1 Disponível em: https://escholarship.org/uc/jac. Acesso em: 23 set. 2024. Qu�dro 1 – Informações sobre as temáticas, ano e local de ocorrência da série Oxf�rd de simpósios internacionais sobre Astronomia Cultural promovidos pela ISAAC. Lo��l Ano Temáti�� Oxford I: Oxford, Inglaterra 1981 Arqueoastronomia no Velho Mundo Oxford II: Mérida, México 1986 Arqueoastronomia Mundial Oxford III: St. Andrews, Escócia 1990 Astronomias e Culturas Oxford IV: Stara Zagora, Bulgária 1993 Tradições astronômicas em culturas passadas Oxford V: Santa Fé – NM, EUA 1996 Estudos atuais em Arqueoastronomia: conversas por meio do tempo e do espaço Oxford VI: Tenerife, Espanha 1999 Astronomia e Diversidade Cultural Oxford VII: Flagstaff – AZ, EUA 2006 Viewing the sky through past and present cultures Oxford VIII: Klaipėda, Lituânia 2009 Astronomia e cosmologia nas tradições folclóricas e patrimônio cultural Oxford IX: Lima, Peru 2011 Arqueoastronomia e Etnoastronomia: construindo pontes entre culturas Oxford X: Cidade do Cabo, África do Sul 2014 Astronomia, conhecimento indígena e interpretação. Jornal de Astronomia na Cultura Oxford XI: Santiago de Compostela, Espanha 2017 Road to the Stars. Proceedings published in Mediterranean Archaeology and Archaeometry. Oxford XII: La Plata, Argentina 2022 Cielos vivos Fonte: Elaborado pelo autor. Em 2016, foi fundado o The J�urnal �f �str�n�my in Culture1, que se dedica a publicar investigações acadêmicas sobre o funcionamento das Astronomias e as culturas, sociedades e ideologias que as apoiam. Os assuntos relevantes para essa revista abrangem desde os primeiros tempos até o presente e cobrem qualquer região geográfica. Os estudos podem incorporar abordagens metodológicas de Antropologia, Arqueologia, Arqueoastronomia e Estudos Indígenas. No Quadro 2, destacamos informações sobre artigos publicados na Revista The J�urnal �f �str�n�my in Culture, referentes à Astronomia Cultural. https://escholarship.org/uc/jac 25 Qu�dro 2 – Informações sobre tema, autor, volume, edição e resumo referentes aos artigos publicados no The J�urnal �f �str�n�my in Culture. Autor Título Resumo Ano Jarita Holbrook Astronomia, conhecimento Indígena e interpretação: avanço dos estudos de Astronomia Cultural na África do Sul A conferência Oxford X da International Society for Archeoastronomy and Astronomy in Culture (ISAAC) veio à África pela primeira Vez em 2014. A Oxford expôs Estudantes e Pesquisadores sul-africanos a métodos de coleta e análise de dados de Astronomia cultural, bem como a mentores em potencial para promover o objetivo de avançar o campo. Os estudos de Astronomia Cultural na África do Sul, no entanto, permanecem em um estágio inicial, o que, de certa forma, pode ser dito para todo o campo, mas especialmente quando se trata de estudos da África. Uma visão geral dos debates dentro do campo da Astronomia Cultural desde a década de 1980 é apresentada junto com ideias para avançar a Astronomia Cultural na África do Sul. 2023 Aimé Segla Visualizando a Matemática Formal da Concepção Yorubá do Céu A cosmologia iorubá se assemelha a um sistema generativo na base dos conceitos. O pensamento tradicional, que deriva da realidade do par idêntico incorporado da cosmologia na vida real, exemplifica todo tipo de conhecimento, cultura e práticas existentes. Estudos anteriores do autor mostram em alguns detalhes os interesses científicos na Cosmologia Iorubá. O presente artigo visa visualizar a matemática formal por meio da interpretação do conhecimento do céu Iorubá. Ele tenta demonstrar que os códigos linguísticos elaborados a partir da concepção Iorubá do céu são códigos binários e hexadecimais que implicam estrutura booleana algébrica ou estrutura de grupo. O sistema está de acordo com as propriedades matemáticas clássicas da estrutura de grupo. 2023 Cardoso, Walmir Constelações e cronometragem utilizadas pelas Este artigo é resultado de pesquisa realizada de 2005 a 2007 na região amazônica brasileira. Baseando-se na 2023 26 comunidades indígenas do Noroeste Amazônico observação participante e em fontes etnomatemáticas, em atividades práticas de observação do céu e em Fontes clássicas sobre constelações observadas na região amazônica brasileira, um projeto de mapeamento do céu foi realizado com as comunidades indígenas Tukano, Desana e Tuyuka. Na Escola Yupuri foi criado um calendário astronômico que integra eventos Ambientais e climáticos específicos com base em descrições de muitas constelações de diferentes comunidades indígenas. Esta investigação constatou que no Noroeste, os índios amazônicos marcam os períodos de chuva, seca, plantio e colheita pelo conjunto e surgimento de grandes constelações. Lee, Annette Ojibwe Giizhiig Anung Masinaaigan e D(L)akota Makoċe Wiċaŋḣpi Wowapi: Revitalização do conhecimento estelar dos nativos americanos, um esforço comunitário Ciência ocidental. Mapas estelares, currículo, workshops práticos, shows de planetário e obras de arte foram projetados e entregues. Desenvolvido para comunidades nativas e não nativas à luz dos novos Padrões Científicos do Estado de Minnesota implementados em 2009, apresentamos aqui dois mapas estelares nativos que foram criados pela iniciativa Native Skywatchers: o Ojibwe Giizhig Anung Masinaaigan (ou o Ojibwe Sky Star Map); e o D(L)akota Makoċe Wiċaŋḣpi... 2023 Aldana, Gerardo Descobrindo a descoberta: Chich'en Itza, a tabela de Vênus do Códice de Dresden e a inovação astronômica maia do século X Uma nova leitura do Códice de Dresden, página 24, o “Prefácio” da Tabela de Vênus, é apresentada, demonstrando uma coerência geral muito melhorada. Esta leitura de texto hieroglífico, intervalos matemáticos e dados do calendário identifica especificamente as datas da Contagem Longa Maia da correção histórica da Tabela de Vênus. A colocação resultante da Contagem Longa da Tabela de Vênus do manuscrito sugere que foi uma descoberta astronômica indígena feita em Chich'en Itza, possivelmente sob o patrocínio de K’ak’U Pakal K’awiil uma das figuras históricas mais proeminentes nas inscrições da cidade durante seu 2023 27 “florescimento epigráfico”. Revelando a lógica subjacente à construção da página, a leitura revista sugere uma aproximação ligeiramente menos precisa à de Vênus Goto, Akira Reino Solar de Ryukyu: a formação de uma Cosmovisão nas Ilhas do Sul do Arquipélago japonês Na Ilha de Okinawa, a maior da cadeia de ilhas, o Reino de Shuri foi estabelecido por volta do século XV dC. Sua ideologia política era caracterizada por um ritual do Sol, e orei era adorado como um filho do Sol. As mulheres tinham um papel sagrado nestas ilhas e as sacerdotisas tinham o papel de introduzir o poder sagrado do Sol no palácio real. No pensamento religioso deste reino, a Ilha Kudaka- jima era a mais sagrada. Esta pequena ilha no mar do Sudeste, na costa da Ilha de Okinawa, ocupava uma posição importante nos rituais reais, incluindo uma cerimônia de entronização das mais altas sacerdotisas que eram parentes próximos do rei. Na Dinastia Urasoe, antecessora da Dinastia Shuri, era possível ver o Sol nascente de... 2023 Romano, William Francis Em busca do grupo St. Louis Mound: implicações arqueoastronôm icas e arqueológicas da paisagem O Cahokia Mound Group em Illinois, EUA, é reconhecido como a maior cidade nativa americana ao norte do México. Floresceu durante o Período Mississipiano. Cahokia, no entanto, era apenas um dos três complexos na área imediata. Localizado do outro lado do Rio Mississippi de Cahokia, o St. Louis Mound Group era parte do complexo maior. O St. Louis Mound Group apresentava pelo menos 25 montes de terra, incluindo o chamado Big Mound, que continha dezenas de sepulturas humanas. 2023 Steele, Beatric e Mel “No Cairo também preocupei meus amigos arqueológicos”: Norman Lockyer e Arqueoastronom ia Há muito tempo é reconhecido que J. Norman Lockyer desempenhou um Papel central na fundação da Arqueoastronomia como um campo no final do século XIX e início do século XX. Seu interesse em “orientação” floresceu em uma visita ao Egito, onde ele se convenceu de que métodos científicos rigorosos poderiam ser usados para provar teorias arqueológicas sobre religiões antigas 2023 Gullberg, Cosmovisiones/ No âmbito da nossa colaboração com a 2023 28 Steven R. Cosmo visões, 1(1) Resumos Cosmovisiones/Cosm ovisões publicaremos as traduções para o inglês dos resumos daquela revista. Isto é para dar melhor conhecimento da pesquisa em Astronomia Cultural que está sendo publicada lá em espanhol e português. Foram três números até o momento e publicaremos os Resumos de cada um separadamente, sendo este o primeiro. A Cosmovisiones/Cosm ovisões também publicará os resumos da Revista de Astronomia na Cultura em traduções para o espanhol. Além disso, pretende- se que cada uma das duas revistas selecione e republice ocasionalmente um artigo traduzido da outra. Isso aumentará o conhecimento da pesquisa relacionada e de seus autores Oxford XI: Santiago de Compostela 2017 “Road to the Stars”. Procee dings publish ed in Mediter ranean Archae ology and Archae ometry. Oxford XII: La Plata- Argentina 2022 Cielos vivos Fonte: Elaborado pelo autor a partir de artigos publicados no The J�urnal �f �str�n�my in Culture. A Sociedade Interamericana de Astronomia na Cultura (SIAC) é uma associação científica que reúne profissionais da área de Astronomia Cultural do continente americano. A SIAC nasceu durante o Simpósio de Etno e Arqueoastronomia no Congresso Internacional de Americanistas, realizado em Santiago, Chile, em 2003. A sociedade tem como objetivo promover encontros profissionais, como congressos, w�rksh�ps e escolas, além de incentivar atividades que fortaleçam 29 a área de Educação em Astronomia nas Américas. Atualmente, o SIAC conta commembros de 13 países, sendo a maioria deles residente na América Latina. Juntamente com a SEAC (S�ciété Eur�péenne p�ur l’�str�n�mie dans la Culture) e a ISSAC (Sociedade Internacional de ArqueoAstronomia e Astronomia na Cultura), a SIAC é uma das três associações internacionais de Astronomia Cultural. O objetivo central do SIAC é promover o intercâmbio e o desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares sobre conhecimentos e práticas astronômicas no seu contexto cultural, como uma importante contribuição à compreensão das relações entre as sociedades humanas e o ambiente em que estão inseridas. Isso requer um trabalho interdisciplinar que busque gerar diálogos entre os métodos e as perspectivas das ciências naturais, das ciências sociais, das humanidades e de outras disciplinas. A SIAC procura também que este conhecimento transcenda o campo acadêmico de forma a contribuir para um diálogo mais fecundo entre culturas e diversas tradições metodológicas. Da mesma forma, busca promover uma maior presença e valorização dessa área de estudos, tanto no âmbito acadêmico como ao nível do público em geral. Segundo a SIAC, a Astronomia Cultural investiga as relações entre o ser humano e o espaço celeste, tanto no passado como no presente, dentro do seu contexto cultural, ou seja, no quadro de todos os seus sistemas de conhecimento e formas de interação com o mundo. Há um enorme número de ligações entre os vários aspectos da vida humana e as formas como olham para o céu e pensam sobre ele. Dentro dessa vasta área que é a Astronomia na Cultura, há disciplinas como: a) História da Astronomia: dedica-se ao estudo do desenvolvimento histórico da Astronomia por meio da utilização de técnicas históricas, ou seja, por meio do suporte de documentos escritos e que geralmente se concentra no estudo da forma que o conhecimento sobre o espaço celeste assumiu no Ocidente. b) Arqueoastronomia: por meio do uso de técnicas arqueológicas, ou seja, por meio do seu registro material, reconstrói as formas como, 30 2 Disponível em: https://www.archeoastronomy.org/. Acesso em: 23 set. 2024. no passado, diferentes grupos humanos interagiram com o espaço celeste. c) Etnoastronomia: utiliza uma abordagem etnográfica, recorrendo a técnicas como entrevistas, observação participante, etc.; tenta compreender as concepções do celestial que vários grupos étnicos e culturais têm. d) Socioastronomia: utilizando metodologias típicas da Sociologia, investiga a estrutura de grupos, organizações e sociedades para compreender a vida social, as mudanças sociais e os motivos e as consequências do comportamento humano relacionado ao espaço celeste. Portanto, por suas características, esta é uma área que requer inevitavelmente o trabalho interdisciplinar de astrônomos, antropólogos, arqueólogos, historiadores, arquitetos, sociólogos, etc., constituindo, obviamente, um enorme desafio, pois, implica a criação de uma linguagem e metodologias de trabalho comuns entre representantes de disciplinas geralmente muito distantes entre si. Além disso, para que essa comunicação seja possível, os especialistas de cada área devem ter conhecimento das demais disciplinas envolvidas. A Astronomia Cultural pode dar uma contribuição muito importante à compreensão das diversas culturas humanas e do mundo em que vivemos. O fato de os mesmos fenômenos astronômicos terem sido contemplados por diferentes grupos humanos permitem-nos, ao comparar essas diferentes visões, aprender muito sobre as sociedades que os originaram. A Sociedade Europeia para a Astronomia na Cultura (SEAC)2 é uma associação profissional de cientistas que trabalham na área da Astronomia na Cultura ou Astronomia Antropológica, incluindo as disciplinas interdisciplinares de Arqueoastronomia e Etnoastronomia. No entanto, investigadores de áreas científicas próximas, como História da Astronomia, Mitologia, Arqueologia Espacial ou Cosmologia, também podem pertencer à SEAC. https://www.archeoastronomy.org/ 31 3 Disponível em: https://Astronomiacultural.org/. Acesso em: 23 set. 2024. A SEAC não tem sede física. O Comitê Executivo (CE) representa a Sociedade. A Sociedade nasceu em Estrasburgo (França), em 1992, sob a inspiração do falecido Professor Carlos Jaschek, que esteve na sua reunião inaugural em Smolyan (Bulgária), no verão de 1993. A SEAC é hoje uma organização com cerca de 80 membros de 18 países. Nos últimos anos, ocorreu a integração de estudiosos dos antigos países socialistas, um dos objetivos substanciais da Sociedade. Embora o núcleo de membros seja composto por cientistas europeus, investigadores de outros continentes são bem-vindos a aderir à Sociedade e a participar ativamente dela. É a associação profissional mais antiga de arqueoastrônomos; sua experiência em lidar com diferentes tradições científicas, procedimentos metodológicos e posicionamentos teóricos permitiu à SEAC inspirar a criação, nos EUA, da ISAAC (Sociedade Internacional para Arqueoastronomia e Astronomia na Cultura) e participar ativamente da criação na Sociedade Latino- Americana de Astronomia Cultural (SACLA). Uma série de reuniões anuais realizadas alternadamente na Europa Oriental e Ocidental promovem contatos entre os membros, e a edição e publicação de pr�ceedings se tornou um meio bem estabelecido de intercâmbio científico. A edição dos pr�ceedings, com uma média de cerca de 20 artigos revisados para cada um de seus pares, pode, de fato, ser considerada um substituto de um periódico anual. As informações também são fornecidas por meio de um boletim informativo anual. Essas edições trouxeram informações sobre as pesquisas realizadas pelos membros da Sociedade em diferentes partes do mundo. A associação procura promover o estudo interdisciplinar da prática astronômica no seu contexto cultural como um tema de considerável importância no estudo geral das sociedades humanas e da sua relação com o seu ambiente. Também procura estimular pesquisas que busquem desenvolver a compreensão do significado cultural do conhecimento astronômico por meio da integração de técnicas e métodos nas Humanidades, Ciências Naturais, Ciências Sociais e outras disciplinas. Por sua vez, a Sociedade para Astronomia Cultural no Sudoeste Americano (SCAAS)3 tem o objetivo de promover o estudo e a prática da https://Astronomiacultural.org/ 32 Astronomia Cultural no Sudoeste Americano. A Sociedade está empenhada em reconhecer contribuições significativas ao conhecimento e à importância da pesquisa, padrões profissionais e excelência no estudo da Astronomia Cultural, disseminação e apresentação eficazes do conhecimento da Astronomia Cultural e inovação e originalidade de abordagem. O Sudoeste americano foi uma das primeiras e frutíferas áreas de estudo da Astronomia Cultural, e permanece assim até hoje. No entanto, a oportunidade para os astrônomos culturais profissionais e acadêmicos partilharem suas pesquisas tem sido limitada. A primeira conferência bienal sobre Arqueoastronomia no Sudoeste americano foi realizada de 11 a 13 de junho de 2009, para marcar o Ano Internacional da Astronomia 2009 e para promover um fórum para viabilizar a pesquisa e uma melhor compreensão do significado cultural do conhecimento astronômico entre as culturas do Sudoeste americano, no passado e no presente. O tema da conferência, realizada em Camp Verde, Arizona, foi “Criando sustentabilidade na pesquisa em Arqueoastronomia do Sudoeste americano”. Os anais da Conferência de 2009 foram publicados como volume 23 do J�urnal �f �str�n�my in Culture pela University �f Texas Press. O sucesso dessa conferência foi seguido pelo W�rksh�p de Arqueoastronomia no Campo, realizado no Museu e Parque Arqueológico Puebl� Grande em Phoenix, Arizona, de 11 a 12 de março de 2010. O w�rksh�p apresentou uma série intensa e prática de apresentações e discussões para promover a padronização da documentação e o registro da Arqueoastronomia. O próximo evento realizado foi a Conferência sobre Arqueoastronomia do Sudoeste americano de 2011, na Universidade do Novo México, local da histórica conferência de 1983 “Astronomia e Cerimônia no Sudoeste Pré- histórico” [Artigos do Museu Maxwell de Antropologia]. Uma palestra de divulgação foi ministrada na noite de 16 de junho, pelo Dr. E. C. Krupp, Diretor do Observatório Griffithe, aclamado autor de vários livros sobre Arqueoastronomia. Os anais dessa conferência foram publicados pelo Maxwell Museum �f �nthr�p�l�gy. 33 A intenção deste primeiro capítulo foi fazer conhecer como a institucionalização da área Astronomia Cultural estava até então e visualizar como as instituições nasceram, seus objetivos e sua amplitude. 34 2 AS CONTRIBUIÇÕES DA ASTRONOMIA CULTURAL PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS As observações do céu tiveram e têm grande importância para diversos povos ao redor do mundo. Porém, precisamos compreender melhor esse termo “observações”, pois, em Astronomia Cultural, as observações vão além de um simples objeto. Elas podem ter um significado de análise, estudo, investigação, contemplação, admiração, apreciação, interpretação ou reflexão sobre aspectos religiosos, a partir da visão dos povos tradicionais. Os diversos relatos oriundos de diferentes povos refletem saberes que vão além do conhecimento científico; são correntes interpretativas que marcam territórios étnico-culturais e tempos, e culminam em discussões e modelos interpretativos sistematizados pela Astronomia Cultural, campo de forte caráter interdisciplinar. [...] o foco tradicional da história interna da ciência no conteúdo intelectual das ciências de outros tempos e lugares também é importante para nosso estudo das Astronomias nas culturas. Os conceitos, métodos e preocupações das Astronomias tradicionais diferem substancialmente daqueles da Astronomia moderna. Nós precisamos esclarecer a estrutura e o significado desses sistemas astronômicos, se quisermos entender como eles relacionaram-se com as culturas nas quais se desenvolveram (Cohen, 1994 apud McCluskey, 2016, p. 21). Ainda hoje, a partir de diferentes referenciais culturais, povos das diversas partes do mundo determinam um repertório de possibilidades de ver, descrever e sistematizar nosso entendimento do cosmos, desenvolvendo e utilizando uma grande variedade de sistemas astronômicos. Dessa forma, Campos (2006) afirma que: Os povos indígenas brasileiros também têm as suas formas de observar o céu com os seus respectivos significados organicamente associados aos seus sistemas socioculturais. Os Kayapó (família Jê, tronco Macro-Jê), por exemplo, costumam observar o céu deitados e usar o corpo como referência para o movimento do astro observado (Campos, 2006, p. 65). De acordo com Campos (2019), uma preocupação pedagógica emergente se refere às diferenças fundamentais entre os fenômenos celestes 35 observados nos hemisférios Norte e Sul, bem como em diferentes locais dentro de cada hemisfério. O modelo do globo terrestre e os mapas representam o Norte acima e o Sul abaixo, podendo gerar uma percepção de inferioridade entre aqueles que vivem no hemisfério Sul. Além disso, os fenômenos astronômicos variam significativamente conforme a localização geográfica, reforçando essa complexidade. Contudo, quando investigamos as Astronomias em culturas tradicionais, precisamos abandonar uma suposição comum sobre a Astronomia, segundo a qual a mudança rápida da ciência acadêmica é normal, e outras astronomias deveriam ser avaliadas de acordo com algum padrão de progresso, ou seja, tendo como referência a ciência tal qual se desenvolve em universidades e centros de pesquisa. Isso porque o progresso é apenas metade do quadro que caracteriza a ciência; o objetivo desta não é apenas expandir o domínio do conhecido, mas também preservar o que é conhecido contra o erro. Afinal, como disse McCluskey (2016, p. 21), “os métodos para preservar e transmitir o conhecimento dos céus são uma parte importante do estudo das Astronomias na cultura”. Em seu trabalho de 1994, Iwaniszewski definiu a Astronomia Cultural e seus domínios como: “O estudo das relações entre o homem e os fenômenos astronômicos dentro do contexto cultural; se compõem de 4 subdisciplinas: a ArqueoAstronomia, a EtnoAstronomia, a História da Astronomia e SocioAstronomia” (Iwaniszewski, 1994, p. 19, tradução nossa). Ao considerar o termo “cultura”, dentro do contexto proposto, e as áreas que a palavra suscita, o uso da História e Filosofia da Ciência (HFC) se torna relevante como forma de abordagem para ajudar a compreender e superar as dificuldades que possam surgir no entendimento sobre Astronomia Cultural. Em uma entrevista com o pesquisador Alejandro Lopez, ele afirma: A Astronomia Cultural é uma área interdisciplinar que aborda os conhecimentos e práticas sobre o céu de diferentes grupos humanos, entendidos como produtos socioculturais. Trata-se de compreender que essas formas de perceber, pensar e fazer o céu são, como todos os outros conhecimentos que o ser humano produz, fruto de quem somos. Tudo o que sabemos, a forma como entendemos e agimos, são construídos no âmbito da nossa cultura e sociedade. Isto pode ser óbvio para muitas formas de conhecimento, mas no Ocidente pensa- 36 se desde a antiguidade clássica que certas áreas do conhecimento, como a Astronomia, a física ou a matemática, são uma espécie de conhecimento “puro” e “universal”, e não “mediado” pela cultura ou sociedade. Mas tudo o que entendemos sobre o mundo o fazemos a partir da nossa posição específica dentro dele, que inclui como componente fundamental a sociedade e a cultura a que pertencemos. Por esta razão, a Astronomia Cultural não tenta apenas abordar a diversidade de formas de pensar o céu, mas também como estas estão ligadas às sociedades que as produzem. É por isso que todas as Astronomias, de todas as culturas, são “Etnoastronomias” ou Astronomias específicas de um determinado grupo sociocultural. Isto inclui a própria Astronomia académica ocidental, para além do fato de o papel central do que chamamos de “Ocidente” no sistema mundial ter dado à referida Astronomia um carácter hegemônico a nível global (Lopez, 2016). Observamos que há uma heterogeneidade de modos de interagir e interpretar o mundo sobre os quais são construídos os sistemas de saber, cuja finalidade precípua – qualquer que seja a cultura que uma sociedade se encontre, fornece uma explicação (convincente e apaziguadora) para o ser e o existir das coisas e de nós mesmos. Com relação ao conhecimento científico ou, em outros termos, ao lugar que ocupa no campo das investigações científicas, a Astronomia Cultural ou Astronomia na Cultura, gr�ss� m�d�, podemos dizer que se trata de uma área que se situa no entremeio da Antropologia, da História e da Astronomia. Ou seja, a Astronomia na Cultura lida com sistemas que, tendo uma especificidade astronômica, não conseguem, no entanto, ser devidamente tratados pelos astrônomos, nem por antropólogos ou historiadores. Assim, esses sistemas de pensamento e conhecimento requerem, para serem mais bem compreendidos, instrumentos analíticos nos quais se combinam, em proporções diferentes, métodos e critérios utilizados em Astronomia, em Antropologia e História. Noções de Filosofia e Sociologia também auxiliam no equacionamento da Astronomia Cultural, pois encontram neles elementos heterogêneos e riquíssimos para discutir as relações culturais. Essa característica dos sistemas de conhecimentos denominados saberes locais faz com que o pesquisador tenha que se deslocar entre as disciplinas. Desse modo, o astrônomo se desloca dos critérios especificamente astronômicos para os antropológicos, ou históricos, e assim por diante. 37 Segundo Lima e Figueirôa (2010, p. 296), o grande interesse de pesquisadores por conhecimentos tradicionais levou a Unesco a proclamar uma linha de ação na “Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural”, de 2001: Respeitar e proteger os sistemas de conhecimento tradicionais, especialmente os das populações indígenas; reconhecer a contribuição dos conhecimentos tradicionais para a proteção ambiental e vivemos a gestão dos recursos naturais e favorecer as sinergias entre a ciência moderna e os conhecimentos locais (Unesco, 2001, p. 7). Em 2002, a Unesco iniciou o projeto Links, com várias publicações. Em 2005, o W�rld Heritage C�mmittee da Unesco aprovou uma iniciativa temática para “identificar, salvaguardar e promover propriedades culturais conectadas com a Astronomia”. Em outubro de 2008, a IAU, em cooperação com a Unesco, criou o grupo de trabalho �str�n�my and W�rld Heritage, que lançou importante revisão temática sobre o tema (Unesco, 2009). De acordo com Lima e Figueirôa (2010), os primeiros estudos quantitativos sobre Astronomia Cultural apareceram nas últimas décadas do século 19, com a investigação de alinhamentos astronômicos em sítios arqueológicos, no trabalho pioneiro do arqueólogo Sir Flinders Petrie sobre o Stonehenge, em 1880 (Flinders Petrie, 1880). As investigações do astrofísico Sir Norman Lockyer sobre as pirâmides do Egito e o Stonehenge (Lockyer, 1894, 1909a), aliadas ao seu livro Surveying f�r �rchae�l�gists (1909b), lançaram as bases de uma metodologia de investigação de alinhamentos em sítios arqueológicos para pontos de nascer e ocaso de astros no horizonte (Sinclair, 2006, p. 15). O astrônomo Gerald Hawkins publicou, em 1965, o livro St�nehenge dec�ded, cuja popularidade iniciou o intenso interesse público pela Astroarqueologia, termo cunhado por Hawkins para o estudo dos princípios astronômicos empregados nas obras arquitetônicas antigas. A obra chamou a atenção de arqueólogos que trabalhavam em outros continentes, iniciando projetos de investigação de alinhamentos astronômicos em sítios fora da Europa, particularmente nas Américas. 38 O termo Astroarqueologia foi gradualmente sendo substituído pelo termo mais geral Arqueoastronomia (significando, literalmente, Astronomia antiga), empregado pela primeira vez em 1973. A partir de então, o caráter interdisciplinar da Arqueoastronomia desponta, com pesquisadores mais preocupados em entender como a Astronomia afeta a sociedade e a cultura estudada do que identificar alinhamentos astronômicos (embora estes ainda sejam um importante objeto de pesquisa). Para Rolf Sinclair, a Arqueoastronomia é o estudo sobre o que os povos, por meio da história e da pré-história, apreenderam dos fenômenos celestes, como utilizaram esses fenômenos e que papel tiveram em suas culturas (Sinclair, 2006, p. 13). O pesquisador Marcio D’Olne Campos é Professor Colaborador na Unirio (Museologia e Patrimônio Cultural – PPGPMUS). Ele é também Pesquisador Colaborador do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), da UENF-CCH (Sociologia Política – LESCE) e do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas (NUFEP-UFF). Segundo esse pesquisador, O reconhecimento da dimensão cultural da Astronomia levou ao aparecimento também do termo ‘EtnoAstronomia’, que se aplica ao estudo dos saberes relacionados aos povos existentes atualmente, como é o caso das etnias indígenas brasileiras. Nos últimos anos, os termos ‘ArqueoAstronomia’ e ‘EtnoAstronomia’ vêm sendo substituídos por ‘Astronomia Cultural’ ou ‘Astronomia na Cultura’. Todos estes termos têm o problema de utilizar a palavra ‘Astronomia’. De fato, uma cuidadosa distinção deve ser feita, então, entre a Astronomia como nós a entendemos hoje – uma especialidade pertencente à classificação acadêmica do conhecimento – e os saberes e as práticas de observação celeste dos povos antigos ou dos povos aborígenes atuais, integrando aspectos simbólicos, ecológicos, meteorológicos, cosmológicos, cosmogônicos e astronômicos (D’Olne Campos, 1991, 1992, 1995). De acordo com Lima e Figuerôa (2010), na década de 1970 surgiram as primeiras publicações específicas sobre Arqueo e Etnoastronomia. Já com um caráter interdisciplinar, destacam-se os trabalhos de Anthony F. Aveni, H. Hartung, Johanna Broda, entre outros. Em 1982, foi publicado importante livro: Ethn�astr�n�my and �rchae�astr�n�my in the �merican Tr�pics (Aveni; Urton, 1982), uma coletânea de trabalhos de pesquisadores internacionais apresentados em um congresso na New Y�rk �cademy �f Sciences. Esse livro, que representou um marco para a Etnoastronomia nas Américas, traz alguns artigos sobre Etnoastronomia envolvendo etnias brasileiras, escritos por 39 pesquisadores estrangeiros (Fabian, 1982; Hugh-Jones, 1982; Reichel- Dolmatoff, 1982), além de uma discussão sobre a constituição do campo epistemológico da Etnoastronomia (McCluskey, 1982). No Brasil, um trabalho pioneiro, publicado por uma pesquisadora nacional sobre Etnoastronomia brasileira, foi o artigo Chuvas e c�nstelações – Calendári� ec�nômic� d�s índi�s Desâna (Ribeiro; Kenhíri, 1987), que traz um índio Desana como coautor. É importante destacarmos aqui os trabalhos da pesquisadora Berta Gleizer Ribeiro, que foi uma antropóloga, etnóloga e museóloga brasileira, especializada em cultura material dos povos indígenas do Brasil. Berta foi casada com o também antropólogo Darcy Ribeiro. Nascida em 1924, na Moldávia, mudou-se para o Brasil em 1929, retornando à Europa e voltando novamente ao Brasil em 1933. Na década de 1950, Berta Ribeiro estudou na Universidade do Distrito Federal (hoje Universidade do Estado do Rio de Janeiro), tendo cursado o bacharelado em História e Geografia. Estagiou na Divisão de Antropologia do Museu Nacional e participou de diversos trabalhos referentes à cultura indígena brasileira e publicou muitos trabalhos com essa temática. Após o golpe de 1964, Berta e Darcy Ribeiro se exilaram no Uruguai; porém, ao retornarem, em 1968, Darcy foi preso e permaneceu oito meses na prisão. Durante esse período, Berta mobilizou intelectuais e influentes para acelerar a liberação dele. Em 1969, o casal se exilou na Venezuela, depois Chile e no Peru, até retornarem ao Brasil, em 1974, mesmo ano em que o casal se separou. Nos anos seguintes, Berta se dedicou a muitos trabalhos no setor de Etnologia e Etnografia, tornando-se pesquisadora do CNPq e passou a visitar diversas aldeias indígenas no Alto e Médio Xingu e no Ceará. Em 1978, Berta, durante uma viagem ao rio Negro para pesquisar os trançados indígenas, soube da notícia de que os indígenas Desana haviam escrito a mitologia do seu povo. Durante um mês e meio, eles trabalharam juntos na construção do livro �ntes � mund� nã� existia. Em 1980, defendeu seu doutorado na USP com a tese � civilizaçã� da palha. � arte d�s trançad�s d�s índi�s d� Brasil. 40 Tornou-se professora e membro da Associação Brasileira de Antropologia em 1988, participando de outros Conselhos, e mestre em História e Crítica da Arte pela UFRJ. Morreu em 1997, em decorrência de um tumor cancerígeno, aos 73 anos de idade. Foi uma intelectual que marcou o imaginário da arte indígena do século 20 e de grande importância na luta dos povos indígenas. Umusí Pãrõkumu (Firmiano Arantes Lana – 1927-1990) e Tõrãmu Kêhíri (Luiz Gomes Lana – 1947), pai e filho, respectivamente, são os narradores dos mitos Desana e os primeiros a registrá-los por escrito, a partir de 1968. Luiz Lana cursou a escola da Missão de Pari Cachoeira até a quinta série primária. Começou esse trabalho transcrevendo em desana os mitos que seu pai lhe ia ditando. Depois traduzia ao português e desenhava a lápis as ilustrações que constam nas edições do livro. Em 1980, com a ajuda da antropóloga Berta Ribeiro, a primeira edição do livro �ntes � mund� nã� existia f�i publicada e cinco mil exemplares foram vendidos por toda a área Norte do Brasil e outras partes do mundo. Passados alguns anos, Luiz Lana manifestou o desejo de publicar o livro novamente. Segundo Berta, o processo de tradução era muito complexo, pois havia discursos em desana que, literalmente, não apresentavam regras ortográficas aparentes, e isso implicaria a compreensão da obra se a tradução estivesse em sentido literal. O livro �ntes � mund� nã� existia – mit�l�gia d�s antig�s Desana- Kehiripõrã procura contemplar os olhares dos nativos do Alto Rio Negro (AM). Ele reúne os mitos mais importantes da cultura Desana, além de ser um instrumento de preservação da língua de um povo que tanto luta por reconhecimento e valorização. Nas palavras de Luiz Lana (1980): “Enquanto eu viver, quero fazer isso. Vou terminar tudo isso, quero escrever algumas rezas que os velhos têm, escrever em minha língua mesmo e traduzir ao português [...] e não quero que elas se percam.” Segundo Lana, a língua que ele traduziu testemunha a história do seu povo. A obra literária indígena traz uma reflexão acerca da representação da vida cultural firmada no Brasil. Segundo Berta Ribeiro: 41 Na história da Antropologia brasileira, esta é a primeira vez que protagonistas indígenas escrevem e assinam sua mitologia. [...] isto confere autenticidade incontestável ao conteúdo e forma da narrativa, como expressão de fé e construção literária. [...] documenta o resultado da simbiose entre o conservantismo cultural e o uso de instrumento adquirido de nossa civilização para exprimi-lo: a linguagem escrita. Da mesma forma podem ser interpretados os desenhos que ilustram o livro, feitos por um dos autores (Ribeiro, 1995, p. 270). Esse trabalho é considerado um marco na linha etno-histórica com Tolaman Kenhiri e Berta Ribeiro. Campos (2001) faz uma crítica sobre o termo Etnoastronomia afirmando que ela discrimina. Dessa forma, ele estabelece uma dicotomia entre uma Astronomia não adjetivada (logo, universal) e uma que é adjetivada de etno, isto é, particular. Segundo ele, a Etnoastronomia acaba por privilegiar apenas um povo. Segundo Nicholas Campion (1997), a Astronomia Cultural é o estudo do uso de conhecimento astronômico, crenças ou teorias para inspirar, informar ou influenciar formas sociais e ideologias, ou qualquer aspecto do comportamento humano. A Astronomia Cultural também inclui, na atualidade, disciplinas de Etnoastronomia e Arqueoastronomia. Astronomia Cultural é um campo acadêmico relativamente novo, embora tenha uma larga tradição. O termo, criado na década de 1990 (Iwaniszewski,1990, 1991; Ruggles; Saunders,1990), engloba um amplo conjunto de estudos cujo objetivo é, mediante uma diversidade de técnicas, analisar as formas em que as sociedades constroem conhecimentos e práticas referentes ao espaço celeste e seus fenômenos. É decidir que se trata de ser feito perguntas sobre como nós seres humanos construímos socialmente nossas ideias e ações referentes a esta dimensão particular de uma experiência que parece ter um poder único de fascínio por uma enorme variedade de culturas (López, 2015, p. 8, tradução nossa). Considerada parte da Astronomia Cultural, a Arqueoastronomia é definida como o ramo da Arqueologia que lida com civilizações pré-históricas, com técnicas astronômicas para estabelecer as estações ou o ciclo do ano, especialmente conforme evidenciado na construção de megalitos e outras estruturas de rituais. Enquanto a Etnoastronomia, por sua vez, é “o ramo da Astronomia em questão, que lida com as crenças e práticas astronômicas de culturas específicas”. Nessa ampla formulação, a Astronomia Cultural tem raízes 42 que remontam há centenas de anos, embora o próprio termo tenha sido usado pela primeira vez no final dos anos 1980. De acordo com Holbrook (2016), as reuniões científicas com foco em Astronomia Cultural começaram em 1981, com uma conferência inaugural sobre Arqueoastronomia realizada na Universidade de Oxford. Desde então, uma conferência “Oxford”, patrocinada pela ISAAC foi realizada em diferentes locais em todo o mundo. As conferências avançaram, criando um quadro de estudiosos que contribuem com artigos, revisados por pares em periódicos da área. Segundo Narita (2016), as reuniões científicas voltadas à Astronomia Cultural, patrocinadas pela ISAAC, já aconteceram em diversas localidades do mundo, conforme mostra o Quadro 3. Qu�dro 3 – Informações sobre ano, tema e local das reuniões científicas voltadas para a Astronomia Cultural, em diferentes países do mundo, patrocinadas pela ISAAC. Ye�r Theme Lo��tion 1981 Archaeoastronomy United Kingdom 1986 World Archaeoastronomy Mexico 1990 Archaeoastronomy in the 1990s Scotland 1993 Astronomical Traditions in Past Cultures Bulgaria 1996 Conversations Across Space and Time USA 1999 Astronomy and Cultural Diversity Spain 2004 Viewing the Sky Through Past and Present Cultures USA 2007 Astronomy and Cosmology in Folk Traditions and Heritage Lithuania 2010 ArchaeoAstronomy and Ethnoastronomy Building a Bridge Peru 2014 Astronomy, Indigenous Knowledge, and Interpretation South Africa 2017 “Road to the Stars”: Proceedings published in Mediterranean Archaeology and Archaeometry Espanha 2022 “Cielos vivos” Argentina Fonte: Narita (2016). 43 Nas primeiras reuniões de Oxford, os participantes debatiam sobre coletas de dados, métodos e técnicas de análise. Acabaram focando em dois campos de estudos de Arqueoastronomia, em duas diferentes regiões globais: o “Velho Mundo” e o “Novo Mundo”. Originalmente apresentado por Anthony Aveni (1989), a Arqueoastronomia do “Velho Mundo” tinha o foco no estudo da Astronomia em monumentos antigos e megalitos (principalmente na Europa) e foi fortemente dependente do registro arqueológico e análises estatísticas. Já no “Novo Mundo”, a Arqueoastronomia estava focada na vivência das culturas indígenas nas Américas, baseando-se fortemente em dados históricos e registros etnográficos, bem como estudos antropológicos. Essa abordagem evoluiu para o que chamamos de Etnoastronomia. 44 3 FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES EM ASTRONOMIA Em princípio, falar em qualidade na esfera da educação nos remete a fazer uma profunda análise dos processos formativos inicial e continuado de professores, pois um mundo em constantes transformações requer continuamente um olhar sobre a formação inicial desses profissionais e a abrangência de suas práticas. Além de ser uma questão fundamental nas políticas públicas para a educação. As etapas de formação da educação brasileira, do ensino básico ao superior, consideradas essenciais e indispensáveis ao desenvolvimento dos estudantes, têm assumido diversos e novos papéis no contexto atual da sociedade. A área educacional passa por transformações constantes, ora apontando para um futuro promissor, ora retrocedendo devido à falta de políticas públicas a ela direcionadas. Nesse cenário, o professor desempenha um papel essencial, sendo protagonista na formação dos alunos, influenciando mudanças de atitudes e pensamentos, e atuando como formador de opinião. No entanto, esse professor precisa estar preparado para enfrentar os novos desafios, especialmente em um mundo cada vez mais tecnológico. De antemão, as pesquisas têm mostrado que a formação inicial dos professores é deficitária (Cunha; Krasilchik, 2000; Schnetzler; Rosa, 2003). De fato, os cursos de licenciatura frequentemente priorizam o conteúdo específico das disciplinas em detrimento da formação pedagógica, relegando-a a um papel secundário e, em muitos casos, sem a devida importância em seus currículos. Todavia, muitos pesquisadores têm enfatizado oportunamente a importância da formação continuada para melhorar a prática docente. Afirmam que a formação continuada de professores pode ser uma alternativa. Segundo Schnetzler (1996, 2003), para justificar a formação continuada de professores, três razões têm sido normalmente apontadas: [...] a necessidade de contínuo aprimoramento profissional e de reflexões críticas sobre a própria prática pedagógica, pois a efetiva melhoria do processo ensino-aprendizagem só acontece pela ação do professor; a necessidade de se superar o distanciamento entre contribuições da pesquisa educacional e a sua utilização para a melhoria da sala de aula, implicando que o professor seja também pesquisador de sua própria prática; em geral, os professores têm uma visão simplista da atividade docente, ao conceberem que para ensinar 45 basta conhecer o conteúdo e utilizar algumas técnicas pedagógicas (Schnetzler; Rosa, 2003, p. 27). Antes de tudo, o curso de formação de professores não deve ser encarado simplesmente como um curso de atualização, mas como um processo, construído no cotidiano escolar de forma constante e contínua (Cunha; Krasilchik, 2000). Portanto, é essencial adotar uma perspectiva realista em relação ao desenvolvimento da formação continuada de professores. Muitas vezes, a participação nessas formações está vinculada à obtenção de certificados que garantem promoções ou bonificações ao final do ano letivo. Conforme Maldaner e Nery (2009), essa formação costuma ocorrer por meio de cursos de curta duração, simpósios, reuniões e outras iniciativas que promovem a autoformação e a formação colaborativa. No entanto, essas práticas frequentemente acabam por reproduzir uma abordagem tecnicista. De acordo com Schnetzler (2000, p. 23), esta é uma concepção errônea da formação continuada e “mantém o professor atrelado ao papel de ‘simples executor e aplicador de receitas’ que, na realidade, não dão conta de resolver os complexos problemas da prática pedagógica”. Portanto, no limiar dessa discussão, certas práticas, como as mencionadas pelos pesquisadores, não são satisfatórias e deixam vácuos na sua finalidade. Assim também, as instituições de Ensino Superior devem ser comprometidas com a formação continuada dos professores. Muitas oferecem pós-graduações em nível de lat� sensu e/ou strict� sensu na área de Ciências. Devemos enfatizar que a maioria dessas instituições são públicas e os projetos de extensão em formação de professores podem ser implantados e contribuírem com a educação em um modo mais amplo. Conforme citado anteriormente sobre a formação continuada de professores, as Instituições de Ensino Superior devem ir além das técnicas de conhecimentos científicos e dos conteúdos específicos, pois as demandas por ensino de qualidade exigem ações conjuntas para solucionar problemas educacionais reais. 46 De fato, necessitamos ter profissionais preparados ao exercício da docência na perspectiva do professor crítico. Embora saibamos dos desafios, dos obstáculos a serem vencidos, é necessário estar comprometido com uma prática docente eficaz. Ao falar de especificamente em ensino de Astronomia e formação docente, precisamos dar a devida importância aos pesquisadores que deram os primeiros passos e adentraram nesse campo de investigação. A partir da década de 1970, foram publicados vários trabalhos na área (Queiroz, 1987; Franco Junior, 1992; Beraldo, 1998; Bisch, 1998; Silva, 1999; Maluf, 2000; Leite, 2002; Langhi, 2004). Esses pesquisadores mapearam as “concepções alternativas” sobre temas relativos à Astronomia básica em diferentes níveis de ensino. Logo, as informações geradas nessas pesquisas chamaram a atenção dos pesquisadores levando-os a refletir sobre a formação dos professores em conteúdos básicos de Astronomia. Essas pesquisas trouxeram à tona a ideia de que os conhecimentos em Astronomia dos professores eram limitados e literalmente desconhecidos. A partir da década de 1970, as pesquisas deixaram claro que não havia uma política de “alfabetização científica”, também, a ausência de material didático adequado e de qualidade, em especial nos livros didáticos, e a deficiência na formação dos profissionais da educação. Nos últimos quatro anos, passamos também por um retrocesso na qualidade de ensino e enfrentamos a divulgação massiva de desinformações na área científica. A divulgação de informações falsas, como a ideia absurda de que vacinas poderiam transformar pessoas em “jacarés” ou “sapos” é alarmante. O que torna essa situação ainda mais preocupante é que, entre os responsáveis por essas falácias, estão indivíduos com formação em nível superior, incluindo profissionais da área da saúde, que, em vez de informar corretamente, contribuíram para a propagação de falsas notícias. Segundo Menezes (1996), algumas ações de formação continuada foram colocadas em prática por meio de cursos, oficinas, seminários e palestras, que, de modo geral, buscaram atender às necessidades pedagógicas mais imediatas dos professores, na tentativa de reverter possíveis lacunas na 47 formação inicial; além de outras ações, como a avaliação dos livros didáticos realizada pelo MEC, iniciada na década de 1990. Nessa avaliação, foi possível constatar uma abundância de erros conceituais na área da Astronomia. Entretanto, se o professor já tem lacunas em sua formação inicial na área de Ciências, os erros conceituais presentes nos livros didáticos podem levá-lo a transmitir essas falhas adiante, o que é motivo de preocupação. Conforme Carvalho (1999), ao tocar na questão formativa, é importante atentar para a necessidade do tipo de ensino a ser ofertado, pois há a necessidade de estabelecer uma relação de conivência social e interação com o ambiente no qual ele esteja inserido. É preciso refletir sobre o papel do professor em relação ao que tange a educação. Ele deve assumir um papel protagonista na preparação dos estudantes, capacitando-os a encontrar soluções para seus próprios problemas e dificuldades. A propósito, para Stanzani, Broietti e Passos (2012), os cursos de licenciatura ainda passam a ideia de que, no ensino, a teoria é desvinculada da prática, desvelando uma visão muito abaixo do que vem a ser eficiência a partir da formação inicial: Os cursos de licenciatura, em sua maioria, seguem um modelo tradicional de formação, caracterizado pela dicotomia teoria-prática e pela falta de integração disciplinar que, pautado na ideia da transmissão/recepção, confere uma visão simplista à atividade docente, tornando esse processo pouco eficiente em sua função formativa (Stanzani; Broietti; Passos, 2012, p. 1). Certamente, não podemos desvincular a formação docente da necessidade da reflexão em conjunto. Efetivamente, ser valorizado e ter condições adequadas de trabalho são requisitos importantes na vida desses profissionais e, consequentemente, para a qualidade do ensino. Segundo Marandino (2005), são muitos os desafios que marcam o processo de socializar o conhecimento científico. Além disso, em tal processo, uma polêmica emerge na tentativa de saber quais são as definições e/ou objetivos que envolvem o ensino de Ciências. De fato, em pleno século 21, ainda precisamos discutir se o planeta Terra tem sua forma esférica ou não. Temos que convencer a população a se vacinar, embora ela já venha tomando vacinas há décadas. 48 Notadamente, em relação à disciplina de Ciências, muitos professores têm sua formação inicial em Ciências Biológicas. E os conteúdos apresentados no Ensino Fundamental são diversificados, pois englobam conhecimentos de Química, Física e a aplicação de cálculos matemáticos. A verdade é que esses profissionais acabam tendo algumas dificuldades em relação ao exercício de um trabalho integrado por meio de técnicas interdisciplinares (Chassot, 1990; Fracalazana; Amaral; Gouveia, 1986). Nessa perspectiva, Cunha e Krasilchik (2000) já denunciavam que as Licenciaturas em Ciências Biológicas, Física e Química carecem de uma formação adequada para professores de Ciências, o que se mostra incompatível com as demandas de um ensino integrador. Conforme Rodrigues (2007), o professor vai se deparar com uma realidade fora de sua graduação inicial ou mesmo à superior. Esse profissional não pode “estacionar”. Ele necessita de uma formação continuada permanente para estar atento às modificações no processo de ensino e aprendizagem. De fato, precisamos lembrar que, segundo Schön (1995), a racionalidade técnica tem fator limitante e não contempla as anuências da prática docente. Esse pesquisador cita em seus estudos o modelo de formação da racionalidade prática, desenvolvido por Dewey, que indica para o professor reflexivo e a importância da atuação deste. Ressalta-se também que Nóvoa (1995) fala da postura reflexiva do docente e não hesitou em contrapor aos estudiosos que colocavam a profissão de professor limitada a uma série de competências e técnicas. Conforme Veloso (2015a), a reflexão sobre a prática e o ato de ensinar trouxe novas perspectivas ao investimento e à valorização dos saberes docentes, reconhecendo-os como intelectuais, artífices na construção do conhecimento, com capacidade de tomar decisões e promover o exercício democrático na escola, sempre com foco na qualidade do ensino. De fato, o docente que deseja participar de uma formação continuada almeja aprender a utilizar estratégias eficazes em sala de aula, como adaptar o uso do livro didático; realizar atividades em grupo de maneira mais eficiente; estimular questionamentos; integrar recursos tecnológicos ao ensino; aplicar técnicas de feedback sobre o desempenho dos alunos e se manter atualizado nas discussões sobre Educação e prática docente. 49 De acordo com Rodrigues (2007), é essencial analisar e refletir sobre as instituições formadoras, avaliando e reavaliando suas ações educativas. Isso inclui considerar a organização institucional, sua definição, a estruturação dos conteúdos, os mecanismos que envolvem a aprendizagem e o desenvolvimento das competências dos professores, além da relação entre as escolas de formação e os sistemas de ensino. Não é possível falar de formação continuada de professores sem analisar com critérios o ambiente onde estão inseridos. Na verdade, é importante refletir sobre as falas de Nóvoa (1991) e Silva e Frade (1997) sobre os aspectos de desenvolvimento na formação continuada. O primeiro indica que a formação continuada é fundamental para que se construa um novo perfil da profissão de educador que se deu a partir dos anos 1990. Em seguida, as falas de Silva e Frade (1997) enfatizam o momento universal que o mundo experimenta, que é a globalização da economia e da cultura e o desenvolvimento da tecnologia. Os docentes tiveram que se adequar e se posicionar frente à situação real, adequando as questões de estudo e prática profissional. Conforme Mendes Sobrinho (2006), é preciso tomar cuidado para que a formação continuada docente não seja confundida com simplesmente “treinamento”. Não se pode colocar a capacidade reflexiva em segundo plano. Para Veloso (2015b), passar a ideia de treinamento com uma visão tecnicista é perigoso, pois se passa a ideia de que os conhecimentos específicos e próprios de cada área do conhecimento sejam a única ação possível frente à resolução de determinado problema. Em outras palavras, precisamos defender uma formação continuada que fortaleça transformações docentes. Com mecanismos que a reflexão e a visão crítica tornem o professor um ser capaz de investigar, melhorar sua prática pedagógica, ser um agente modificador a partir da sua capacidade de produzir conhecimento. Agora, discutindo mais especificamente sobre Educação em Astronomia, vamos relacionar o que diziam alguns pesquisadores. Segundo Bretones e Megid Neto (2005), o aumento nas pesquisas e trabalhos publicados com o tema e problema da relação entre educação e Astronomia, especialmente direcionados à educação em Astronomia, ocorreu a 50 partir de 1993, e também recebeu intensificação com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1997 (Bretones; Megid Neto, 2005). Analogamente, se pesquisarmos produções científicas ou estudos em níveis internacional e nacional, encontraremos afirmações dizendo que a Astronomia é a mais antiga das ciências. De acordo com Langhi (2005), ela ainda é pouco conhecida no âmbito escolar. E, de fato, também, na sociedade em geral. De acordo com as pesquisas, a Astronomia suscita a curiosidade nos alunos e docentes, sejam eles da Pedagogia, da Física, da Geografia, dentre outras disciplinas. Cabe se valer dessa curiosidade e oportunizar a construção de conhecimentos da Astronomia básica. Conforme Langhi e Nardi (2014), são muitas as razões para ensinar Astronomia. Esses autores selecionaram e examinaram 68 trabalhos completos de diversos periódicos na área de educação em Astronomia, encontrados no banco da Capes e classificados como A1 e A2. E, para aumentar o campo de análise, concentraram aproximadamente 70 artigos publicados pela Revista Latino-Americana de Estudos Avançados (Relea), tendo como referencial a Análise de Discurso e procurando resposta à seguinte pergunta: o que o pesquisador brasileiro afirma como justificativas para o ensino da Astronomia? E resumem as conclusões do estudo: [...] ela contribui para uma visão de conhecimento científico enquanto processo de construção histórica e filosófica; representa um exemplo claro de que a ciência e a tecnologia não estão distantes da sociedade; desperta a curiosidade e a motivação nos alunos e nas pessoas em geral; potencializa um trabalho docente voltado para a elaboração e aplicação autônoma de atividades práticas contextualizadas, muitas destas sob a necessidade obrigatória de uma abordagem de execução tridimensional que contribua para a compreensão de determinados fenômenos celestes; implica em atividades de observação sistemática do céu a olho nu e com telescópios (alguns construídos pelos alunos e professores, desmistificando sua complexidade); conduz o habitante pensante do planeta Terra a reestruturações mentais que superam o intelectualismo e o conhecimento por ele mesmo, pois a compreensão das dimensões do universo em que vivemos proporciona o desenvolvimento de aspectos exclusivos da mente humana, tais como fascínio, admiração, curiosidade, contemplação e motivação; é altamente interdisciplinar; sua educação e popularização podem contribuir para o desenvolvimento da alfabetização científica, da cultura, da desmistificação, do tratamento pedagógico de concepções alternativas, da criticidade sobre notícias midiáticas sensacionalistas e de erros conceituais em livros didáticos; fornece subsídios para o 51 desenvolvimento de um trabalho docente satisfatoriamente em conformidade com as sugestões dos documentos oficiais para a educação básica nacional, a partir da sua inserção na formação iniciale continuada de professores; possui potenciais de ensino e divulgação, ainda nacionalmente pouco explorados, nos âmbitos das comunidades de astrônomos profissionais e semiprofissionais (amadores colaboradores com profissionais), bem como de estabelecimentos específicos onde estes atuam (observatórios, planetários e clubes de Astronomia) (Langhi; Nardi, 2014, p. 53). Langhi e Nardi (2012) afirmam que ensinar Astronomia é importante na escola, pois é capaz de contribuir para motivar e despertar a curiosidade tanto em alunos quanto nas pessoas em geral. Do ponto de vista dos autores, a Astronomia também impacta na construção de um olhar sobre a Ciência, compreendendo-a esta enquanto histórica e filosoficamente construída. Além disso, pode contribuir para uma educação interdisciplinar, em conformidade com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e para alfabetizar cientificamente a sociedade por meio da educação (Langhi; Nardi, 2012). Por outro lado, de acordo com Langhi (2011), as pesquisas demostram que o ensino de Astronomia encontra muitas barreiras para sua inserção. Uma das barreiras se refere à formação inicial. Também o professor e pesquisador Caniato (1990) faz várias considerações que visam justificar o Ensino da Astronomia como elemento que desencadeia o processo de ensino e aprendizagem. Ele destaca algumas: a aproximação com atividades de ensino; o desenvolvimento de habilidades e a relação com outros saberes; realização de práticas ao ar livre, sem se preocupar com espaço físico de laboratórios e equipamentos dispendiosos à realidade de muitas escolas; entendimento sobre o funcionamento do Universo e as concepções de criação; a dimensão do homem em relação ao referencial Universo. Alguns pesquisadores, como Batista, Fusinato e Ramos (2017), ressaltam que a formação continuada deve ser permanente e não em determinado período. E o ideal seria que os professores tivessem um foco maior sobre o Ensino de Astronomia na sua formação inicial. Dessa forma, é necessário recorrer às questões curriculares para a formação de professores 52 nas licenciaturas dos cursos de Ciências Naturais, Pedagogia e Matemática, podendo se estender para a área de Ciências Humanas. Certamente, é preciso compreender que o professor necessita, para o exercício da prática pedagógica, de conhecimentos especializados e formais. Tais conhecimentos possibilitam que o profissional tenha competência para, de forma didática, trabalhar com criatividade e que a prática pedagógica seja reflexiva e eficiente. Contudo, falar de formação continuada de docentes sempre é algo importante e necessário a discutir. Ao ler e refletir sobre as falas dos pesquisadores relacionados ao Ensino de Astronomia e à ausência de conhecimentos básicos por parte dos profissionais, devemos ser firmes em propostas que enriquecem e possibilitam a esses educadores desempenharem com êxito suas práticas em sala de aula. Se na Astronomia Geral o conhecimento é limitado, quando falamos de Astronomia Cultural, ela também não é exceção. Por sua vez, ao falar de Astronomia Cultural, é preciso também conhecer a cultura de um povo, não necessariamente todas as culturas. Precisamos, na realidade, entender as relações sociais. Quando entendemos as bases das relações sociais, vamos compreender como funciona seu processo de conhecimento. E muitos profissionais não conseguem e/ou não querem falar sobre a relação de um povo tradicional com o céu. Precisamos deixar claro que outras formas de conhecimento podem ser associadas com a Astronomia e pensadas nas dimensões das relações céu- terra e não se trata de priorizar essa ou aquela Astronomia mais precisa ou evoluída. Mesmo que haja uma lei federal amparando a valorização da cultura dos povos tradicionais, pouco se trabalha nas instituições de ensino. E, no campo da pesquisa em Ensino de Astronomia, vamos encontrar apenas duas dezenas de publicações registradas na forma de teses e dissertações desde a década de 1960. Como na História da Ciência, pari passu, há muitos trabalhos que aparecem no âmbito de outros campos. Antes da Astronomia Cultural, há muitos trabalhos com temáticas que podem, salvo anacronismos, ser tratados dentro de um conceito amplo desse campo. 53 Vejamos o que nos diz o pesquisador Alejandro López (2016): A Astronomia Cultural é uma disciplina acadêmica que busca compreender as múltiplas maneiras pelas quais os objetos e fenômenos celestes são registrados, influenciam, impactam e orientam tradições culturais, crenças e sistemas de conhecimento. É altamente interdisciplinar, partindo dos fundamentos das ciências naturais e físicas e das humanidades, com aplicações práticas em áreas como educação, economia, artes, política e património (López, 2016, p. 12). Por conseguinte, ter formação continuada em Astronomia Geral também abre possibilidades para formação em Astronomia Cultural. Esse ramo da Astronomia se relaciona com outras áreas de conhecimento. Falar de Astronomia Cultural nos remete ao estudo e ao conhecimento da Antropologia, Sociologia, História, Geografia, Ciências da Religião e outras. Como enfatizado pelos pesquisadores, a falta de conhecimento e/ou a construção de conceitos equivocados em Astronomia Básica também são abordados pela Astronomia Cultural, que lida com esses aspectos no contexto da cultura de um povo. Aspectos como prec�nceit� e racism� são fortes. Lembrando que a visão eurocêntrica de mundo ainda permanece nos livros e na construção cultural de nações colonizadas. A memória de um povo fica delegada ao esquecimento. É como se os povos antigos fossem insignificantes. Uma dificuldade, e, talvez intencional, em não falar dos povos originários dos Continentes Africano, Asiático e Americano. Aqui no Brasil, podemos falar das diversas nações indígenas; no Peru, dos incas; no México, dos maias; na Austrália, dos aborígenes; e, na África, dos yurubás. Assim, em uma formação continuada de professores, há possibilidade para refletir, conhecer, criar condições e mecanismos para desenvolver e trabalhar as relações culturais e conhecimentos astronômicos de um povo, como os citados no parágrafo anterior. Não é porque hoje temos telescópios sofisticados e de longo alcance que podemos renegar ao esquecimento as contribuições epistemológicas de um povo. 54 Logo, podemos dizer que uma formação continuada de professores, construída e desenvolvida com objetivos claros e responsabilidade, é crucial para a tão almejada qualidade na educação. O conhecimento é imprescindível para que o professor possa refletir sobre suas práticas; para que ele possa ressignificar seu papel de educador; construir possibilidades de aprendizagem para seus alunos; melhorar as relações interpessoais e o trabalho colaborativo entre os docentes e seus alunos. Em suma, é verdade que vivemos tempos difíceis, em que a Ciência foi colocada à prova e a desinformação trouxe sérios problemas na sociedade, porém, é preciso exercer a profissão de professor com responsabilidade, enfrentar a realidade e vencer os obstáculos. 55 4 O Prêmio Jabuti Acadêmico, promovido pela Câmara Brasileira do Livro, com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), é uma distinção anual inédita destinada a obras acadêmicas publicadas em língua portuguesa no Brasil. Disponível em: https://www.premiojabuti.com.br/academico/. Acesso em: 23 set. 2024. 4. ASTRONOMIA CULTURAL: A PESQUISA ACADÊMICA Ao longo da história, podemos encontrar formulações de conhecimentos observacionais de fenômenos celestes por povos situados em variadas partes do globo terrestre. Lima e Figueirôa (2010) destacam que: Na década de 1990, surgem os trabalhos de D’Olne Campos (1991, 1992, 1995), lançando reflexões sobre o campo de pesquisa da EtnoAstronomia. Em 1992, o antropólogo norte-americano Stephen Fabian publicou o livro “Space-Time of the Bororo of Brazil” (Fabian, 1992), a obra mais completa sobre EtnoAstronomia de uma etnia brasileira, resultado de sua tese de doutorado. E a cartilha “O céu dos índios Tembé” (Corrêa et al., 2000), publicada pela primeira vez em 1999 pelo Planetário do Pará, traz uma visão didática sobre a Astronomia desta etnia (Lima; Figuerôa, 2010, p. 297). As pesquisas realizadas na aldeia Tekohaw, no Alto Rio Guamá, no Estado do Pará, pelo astrônomo Germano Bruno Afonso, com apoio do matemático Osvaldo Barros, foram de grande importância para a Astronomia Cultural no país. Elas foram adaptadas para uma linguagem infantil, feitas por Ivânia Neves, Lázaro Magalhães e Regina Mascarenhas, com ilustrações de Viviane Krause e coordenação de Maria do Rocio (Afonso; Barros; Chaves; Rodi, 1999). No entanto, no ano de 2000, o livro O céu d�s índi�s Tembé, de Correia (1999), foi condecorado com o prêmio Jabuti4 na categoria de melhor livro didático. Este é um marco muito importante, pois se inicia então um olhar para o céu, em uma perspectiva cultural dos povos indígenas, sem os paradigmas de uma visão eurocentrista da Astronomia, sobretudo na contribuição relevante para a nação brasileira em contextos culturais plurais. Na década de 2010, podemos evidenciar uma maior produção e publicação de pesquisas. Embora, ainda tímida, como propostas educacionais, há vários pesquisadores que muito contribuíram, como Luiz Carlos Jafelice (2009, 2010), Germano Afonso Bruno (2009), Ana Flávia Pedroza Lima (2010), 56 que se tornaram mais recorrentes entre as publicações relacionadas à Etnoastronomia ou Astronomia Cultural. A contribuição desses pesquisadores para o ensino de Astronomia no país é ignificativa, especialmente considerando a dimensão territorial continental e a diversidade étnica do Brasil. Essa diversidade inclui não apenas os povos indígenas, mas também reflete a localização geográfica, a formação histórica do povo brasileiro e seus variados hábitos e costumes, abrangendo múltiplos contextos culturais. Então, seguindo esses contextos culturais, desenvolver uma abordagem referente aos fenômenos do céu, de forma contextualizada, permite criar possibilidades de exercer a interculturalidade. Dialogar entre culturas, sem sua sobreposição. Considera