FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – JÚLIO DE MESQUITA FILHO CAMPUS- BOTUCATU AVALIAÇÃO DE DUAS TÉCNICAS COPROPARASITOLÓGICAS CONVENCIONAIS E DE UM KIT COMERCIAL NA INVESTIGAÇÃO DA EPIDEMIOLOGIA DE PARASITAS GASTRINTESTINAIS DE CÃES NO ESTADO DE SÃO PAULO. SATIE KATAGIRI Botucatu – SP 2006 FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA – JÚLIO DE MESQUITA FILHO CAMPUS- BOTUCATU AVALIAÇÃO DE DUAS TÉCNICAS COPROPARASITOLÓGICAS CONVENCIONAIS E DE UM KIT COMERCIAL NA INVESTIGAÇÃO DA EPIDEMIOLOGIA DE PARASITAS GASTRINTESTINAIS DE CÃES NO ESTADO DE SÃO PAULO. SATIE KATAGIRI Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, para obtenção do Título de Mestre em Medicina Veterinária. Orientadora: Profa. Adj. Teresa Cristina G. Oliveira Sequeira. Botucatu – SP 2006 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. E TRAT. DA INFORMAÇÃO DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSEMEIRE APARECIDA VICENTE Katagiri, Satie. Avaliação de duas técnicas coproparasitológicas convencionais e de um kit comercial na investigação da epidemiologia de parasitas gastrintestinais de cães no Estado de São Paulo / Satie Katagiri. – Botucatu : [s.n.], 2005. Dissertação (mestrado) – Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, 2005. Orientador: Profª. Drª. Teresa Cristina G. Oliveira-Sequeira. Assunto CAPES: 50501062 1. Parasitologia veterinária. 2.Cães. 3. Helminto. 4. Protozoário. CDD 636.089696 Palavras chave: Cães; Epidemiologia; Métodos diagnósticos; Parasitas gastrintestinais. Dedico aos meus pais, Teietsu Katagiri (in memorian) e Minako Katagiri, Que mesmo nos momentos mais difíceis, Não pouparam esforços e nem sacrifícios Para que eu pudesse continuar minha jornada Conseguindo alcançar mais esse objetivo de vida. Meus exemplos de determinação, dedicação, trabalho e honestidade. À minha família. AGRADECIMENTOS À Deus, por Tudo; À Professora Dra. Teresa Cristina Goulart de Oliveira-Sequeira, pela orientação, carinho, paciência e amizade conquistada durante o mestrado. Pela nossa agradável convivência, que contribuiu não só para meu crescimento profissional mas também pessoal. Um exemplo de profissionalismo, honestidade e dignidade; À Professora Dra. Semíramis Guimarães F. Viana, por toda ajuda, atenção e carinho durante o mestrado; À Professora Dra. Lucia Helena O’Dwyer de Oliveira, por todo o carinho e amizade; À Professora Dra. Luciene Maura Mascarini Serra e ao Professor Dr. Reinaldo José da Silva, pela amizade, carinho e atenção dispensada; Ao Dr. Jonas Lotufo Brant de Carvalho e Dr. Paulo Roberto Peguinelli, pelo o auxílio e autorização para coleta das amostras no canil municipal de Botucatu; Aos funcionários do Canil Municipal, Rodrigo Barbosa, Vanilde Mariano Ferreira, Juçara Fleury de Almeida e Alcione Batista Maitan, pela atenção e colaboração nas coletas; À médica veterinária Vera Lucia Pimentel, à bióloga Sislaine Aparecida Balestrim Alquati e ao zootecnista Paulo Sergio dos Santos Teixeira pela autorização e auxílio na coleta das amostras no Canil do Biotério Central da UNESP – Botucatu; Aos funcionários do canil da UNESP, Sérgio Aparecido Rosalem e Agnaldo Gonçalves Rosa pela ajuda durante a coleta das amostras; À Fátima Aparecida Mazzini Amâncio e ao Edno Miguel da Palma pelas orientações fornecidas durante o estágio no Laboratório de Parasitologia Humana do Hospital das Clínicas da Unesp-Botucatu. Aos funcionários do Departamento de Parasitologia, Roberto, Ângela, Márcia, Nilza e Valdir pela colaboração e amizade. Aos docentes do curso de pós-graduação que contribuíram para a ampliação dos meus conhecimentos. Às pós-graduandas Karina e Viviane pela amizade, carinho e apoio. Obrigada por sempre poder contar com vocês nos momentos difíceis e também nos momentos de alegria. Sem vocês na minha vida, o sorriso não seria uma constante; Aos colegas de departamento Gustavo, Nelson, Jaime, Aline, Bianca, Elen, Letícia e Karina pela amigável convivência durante todo o mestrado; Às amigas Mere, Lu, Eunice, Fabio, João, Edna, Camila, Letícia, Cris Nozaki, Tais, Flavio e Liguito pela amizade e momentos de descontração; Ao Leonardo Du Soo Kim, pelo carinho, companheirismo e compreensão em todos os momentos; A minha tia Shigueyo Sawasato e meus primos Marcelo, Daijiro e Taizo pelo apoio, carinho e atenção durante a estada em São Paulo. Aos meus irmãos Yukari, Jorge e Takayoshi e aos meus sobrinhos Tsuyoshi, Izumi, Thiemy, Satomi e Harue, pelo carinho. Aos meus grandes e queridos amigos Kazue, Satie, Fabi, Marcelo, Kanashiro, Rogério, Ricardo, Yuiti e Tadafumi pelo carinho e apoio constantes; Aos queridos e inesquecíveis amigos de Cuiabá, Sathie, Mika, Aryane, Giovana, Patrícia, Virgínia e Flávio pela nossa amizade, tão especial; Às funcionárias da seção de pós-graduação da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia por todo o auxílio e atenção; Às funcionárias da biblioteca central, pelas orientações e auxílio na correção das referências bibliográficas; E por último, mas não menos importante, a todos aqueles que estiveram ao meu lado e que de alguma forma contribuíram para a conquista desse título. “Portanto, ponham em primeiro lugar nas suas vidas o Reino de Deus e aquilo que Deus quer, e Ele lhes dará todas as outras coisas. Por isso não fiquem preocupados com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã trará suas próprias preocupações. Para cada dia bastam as suas próprias dificuldades.” Mateus 6:33-34. Lista de Tabelas TABELA 1. Freqüência de parasitas gastrintestinais detectada pelas técnicas de centrífugo-flutuação (CF), centrífugo-sedimentação (CS) e Kit TF-Test® (TF) em amostras de fezes de 254 cães no Estado São Paulo..... 33 TABELA 2. Freqüência de parasitas intestinais em amostras de fezes de 254 cães no Estado São Paulo....................................................................... 34 TABELA 3. Sensibilidade das técnicas de centrífugo-flutuação (CF), centrífugo-sedimentação (CS) e Kit TF-Test® (TF) no diagnóstico de Ancylostoma spp., Toxocara canis, Trichuris vulpis e Giardia sp. em amostras de fezes de 254 cães no Estado São Paulo.............................................................................................................. 35 TABELA 4. Índices de concordância entre as técnicas de centrífugo- flutuação (CF), centrífugo-sedimentação (CS) e Kit TF-Test® (TF) no diagnóstico de Ancylostoma spp., Toxocara canis, Trichuris vulpis e Giardia sp. em amostras de fezes de 254 cães no Estado São Paulo.............................................................................................................. 35 TABELA 5. Combinações dos gêneros de parasitas em 44 cães portadores de infecções mistas por dois gêneros, no Estado de São Paulo.............................................................................................................. 36 TABELA 6. Freqüência de parasitas intestinais em cães errantes (129) e domiciliados (125), no Estado de São Paulo................................................. 37 TABELA 7. Freqüência de parasitas intestinais em cães com raça definida (CRD) (n = 64) e sem raça definida (SRD) (n = 61) no Estado de São Paulo.............................................................................................................. 38 TABELA 8. Freqüência de parasitas intestinais de acordo com a faixa etária e o sexo de 254 cães no Estado de São Paulo................................... 38 Lista de Figuras FIGURA 1. Componentes do kit TF-Test®............................................ 30 FIGURA 2. Freqüência de infecções por Ancylostoma spp., Toxocara canis, Trichuris vulpis e Giardia sp. em 254 cães no período de outubro de 2004 a setembro de 2005....................................................................... 39 SUMÁRIO RESUMO ....................................................................................................... x ABSTRACT ................................................................................................... xi 1. INTRODUÇÃO............................................................................................ 1 2. REVISÃO.................................................................................................... 5 3. OBJETIVOS............................................................................................... 24 4. MATERIAL E MÉTODOS........................................................................... 26 4.1. Laboratórios........................................................................................ 27 4.2. Animais e Amostras........................................................................... 27 4.3. Técnicas Parasitológicas.................................................................... 28 4.3.1. Técnicas convencionais de concentração por sedimentação e flutuação.................................................................................... 28 4.3.1.1. Concentração por Centrífugo-Sedimentação....................... 28 4.3.1.2. Concentração por Centrífugo-Flutuação.............................. 29 4.3.2. Kit TF-Test®................................................................................ 29 4.3.3. Exame microscópico das Preparações...................................... 31 4.4. Análise Estatística.............................................................................. 31 5. RESULTADOS........................................................................................... 32 6. DISCUSSÃO............................................................................................... 40 7. CONCLUSÕES.......................................................................................... 51 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................... 53 RESUMO Katagiri, S. Avaliação de duas técnicas coproparasitológicas convencionais e de um kit comercial na investigação da epidemiologia de parasitas gastrintestinais de cães no Estado de São Paulo. Botucatu, 2006. 65 pp. Mestrado, Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia. As técnicas coproparasitológicas de concentração por sedimentação e por flutuação e o kit TF-Test® foram utilizadas na investigação da epidemiologia dos parasitas gastrintestinais de cães no Estado de São Paulo. Amostras de fezes de 129 cães errantes e de 125 domiciliados foram colhidas de outubro de 2004 a setembro de 2005 e processadas de acordo com os protocolos do kit TF- Test® e dos métodos de centrífugo-sedimentação e centrífugo-flutuação. Os seguintes parasitas e suas respectivas freqüências foram detectados: Ancylostoma spp. (38,2%), Giardia sp. (16,9%), Toxocara canis (8,7%), Trichuris vulpis (7,1%), Isospora spp. (3,5%), Sarcocystis spp. (2,7%) e Dipylidium caninum (2,4%). Dos 132 animais parasitados, 79 apresentaram parasitismo único e 53 estavam parasitados por dois ou mais gêneros. Em cães errantes a prevalência de Ancylostoma spp., T. canis e Giardia sp. e a ocorrência de poliparasitismo foi maior (P < 0,01) que em animais domiciliados. Não houve diferença na freqüência de parasitas intestinais relacionada ao sexo, raça ou ao tratamento anti-helmíntico dos animais (P > 0,05), no entanto a freqüência de T. canis foi maior (P < 0,05) em cães jovens. Com relação à sazonalidade, a detecção de cistos de Giardia sp. foi mais freqüente nos meses de outubro a março. A sensibilidade diagnóstica do método de centrífugo- flutuação foi maior para todos os parasitas intestinais diagnosticados, porém somente no caso de Ancylostoma spp. essa diferença (P < 0,05) se expressou em termos de uma maior freqüência de detecção de cães infectados. O elenco de parasitas diagnosticados na região estudada faz com que a técnica de centrifugo-flutuação com sulfato de zinco seja a mais apropriada tanto para os estudos epidemiológicos como para o diagnóstico individual, especialmente nas infecções subclínicas. ABSTRACT Katagiri, S. Evaluation of routine concentration procedures for fecal specimens and a commercial device in an epidemiological investigation of canine gastrointestinal parasites in São Paulo state. Botucatu, 2006. 65 pp. Mestrado, Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia. The sedimentation and flotation procedures for concentration of fecal specimens and the commercial device TF-Test® were used, in an epidemiological investigation of gastrointestinal parasites of dogs in São Paulo state. Fecal samples from 129 stray dogs and 125 dogs with an owner were collected from October 2004 to September 2005. All samples were concentrated by the sedimentation and flotation methods and by TF-Test® device. The following parasites, and their respective frequency were diagnosed in fecal samples : Ancylostoma spp. (38,2%), Giardia sp. (16,9%), Toxocara canis (8,7%), Trichuris vulpis (7,1%), Isospora spp. (3,5%), Sarcocystis spp. (2,7%) and Dipylidium caninum (2,4%). Fifty-three out of 132 infected animals had mixed infection with two or more parasite genera. The prevalence of Ancylostoma spp., T. canis and Giardia sp. as well as the occurrence of mixed infections were significantly higher in stray dogs (P < 0,01) than in dogs with an owner. No effect of gender, breed and anti-helminthic treatment (P > 0,05) on the parasite frequency was observed, but the frequency of T. canis was higher (P < 0,05) in young animals. Giardia sp. cysts were more frequently detected from October to March. The centrifugation-flotation method was generally more accurate in the diagnosis of all intestinal parasites of dogs, but only for Ancylostoma spp. this difference was observed in terms of prevalence. The species of parasites found in the studied region make the zinc sulfate flotation the most appropriate method not only to epidemiological studies, but also to individual diagnosis, specially in subclinical infections. Introdução 1. INTRODUÇÃO O interesse por animais de companhia tem aumentado, especialmente, em centros urbanos e embora as opções para a escolha de animais de companhia tenham se ampliado, inclusive com a introdução de animais exóticos, os cães ainda predominam largamente na preferência dos que se dispõem a conviver com esses animais. Principalmente para idosos e crianças os benefícios dessa convivência são inestimáveis (ASANO et al., 2004) e se expressam pela diminuição de problemas relacionados à pressão arterial, níveis de colesterol e uso de medicamentos, em comparação com pessoas que não possuem animais de estimação (HEADEY e KRAUSE, 1999). O maior contato entre cães e homem impõe a necessidade de maiores cuidados com a saúde desses animais, uma vez que apesar de todos esses benefícios, os cães podem representar uma importante fonte de agentes responsáveis por zoonoses, incluindo parasitas, bactérias, fungos e vírus (PLANT et al. 1996; GEFFRAY, 1999). Os cães podem albergar diversas espécies de helmintos e protozoários gastrintestinais que, além de poderem interferir desfavoravelmente na sanidade desses animais, eliminam nas fezes formas que contaminam o ambiente e posteriormente o homem, especialmente crianças. Mesmo cães portadores de infecções subclínicas eliminam formas evolutivas de parasitas que, sendo em sua maioria resistentes às condições ambientais, fazem com que essa contaminação seja cumulativa. A maioria dos parasitas gastrintestinais de cães tem distribuição cosmopolita, mas de modo geral são mais prevalentes em países tropicais e subtropicais e também naqueles em que as condições sócio-econômicas da população são precárias. Nos países desenvolvidos, as investigações relativas à prevalência das parasitoses intestinais de cães têm revelado que houve uma redução na freqüência de helmintoses nos últimos 20 anos (ROBERTSON et al., 2000). Por esse motivo, e também devido à eficácia dos novos parasiticidas, há uma percepção generalizada de que a parasitologia veterinária vem sendo considerada irrelevante para a clínica veterinária (ZAJAC et al., 2000). Entretanto, muito do que é atribuído à redução da prevalência desses parasitas pode ser devido às diferenças nos protocolos de amostragens, ao uso recente de anti-helmínticos nos animais amostrados, às técnicas parasitológicas e às condições ambientais (ROBERTSON et al., 2000). Embora não haja dúvidas quanto a maior eficácia e segurança das novas drogas tanto para a prevenção como para o controle das enfermidades parasitárias, existem evidências alarmantes de emergência e/ou reemergência de parasitoses como um sério problema em animais de companhia em todo o mundo (FAYER, 2000). Com isso, depreende-se que a mera disponibilidade de drogas mais efetivas não é suficiente para reduzir a prevalência dos parasitas. Nesse sentido, é ainda interessante destacar que no que diz respeito aos parasitas humanos, a prevalência de infecções por nematódeos gastrintestinais permaneceu praticamente inalterada nos últimos cinqüenta anos, apesar dos avanços tecnológicos e médicos verificados nesse mesmo período (CHAN, 1997). Infelizmente, o uso indiscriminado de parasiticidas, diretamente pelo proprietário ou por recomendação do médico veterinário, sem evidência de parasitismo pode trazer sérias conseqüências para a saúde do animal, além de constituir a principal causa potencial para o desenvolvimento de resistência (IRWIN, 2002). Por essa breve introdução, é possível concluir que a investigação das parasitoses intestinais dos cães é uma tarefa de caráter contínuo, cujos objetivos principais são orientar as condutas para a melhoria da saúde dos animais, identificar o surgimento de parasitoses emergentes e reemergentes, definir medidas profiláticas para as zoonoses parasitárias, avaliar as medidas de controle e monitorar a eficácia dos produtos anti-helmínticos a fim de detectar o surgimento de resistência. Para quaisquer desses aspectos, o diagnóstico preciso constitui o ponto de partida na investigação relacionada aos parasitas gastrintestinais. Apesar do aprimoramento das técnicas imunológicas e do surgimento das técnicas moleculares para o diagnóstico das parasitoses intestinais, as técnicas de diagnóstico coproparasitológico continuam sendo as de eleição, pela simplicidade, sensibilidade e baixo custo (NÚÑEZ, 1999). Entretanto, é importante reconhecer que as diversas técnicas coproparasitológicas convencionais apresentam limitações e por isso, o aprimoramento do diagnóstico deve constituir um objetivo dos parasitologistas veterinários. Revisão de Literatura 2. REVISÃO DE LITERATURA O exame microscópico é a base do diagnóstico de um grande número de enfermidades parasitárias e se baseia na detecção de ovos e larvas e de cistos ou oocistos de helmintos e protozoários, respectivamente, em amostras de fezes. Existem diferentes técnicas para processar amostras fecais para o exame microscópico de fezes, de forma que, para introduzir uma delas na rotina laboratorial, é preciso observar algumas características tais como sensibilidade, facilidade de execução e baixo custo (FOREYT, 1989). Além da sensibilidade, fatores como o volume da amostra examinada, quantidade de ovos produzidos pelo parasita e carga parasitária podem influenciar na eficiência de um determinado método diagnóstico. De acordo com ARAÚJO et al. (2003) o número de ovos nas fezes pode variar nas diferentes porções de um mesmo bolo fecal, estando essa variação relacionada à espécie do parasita e sua localização, à quantidade e tipo de alimento ingerido pelo hospedeiro ou à mistura desuniforme de ovos e fezes pelo movimento peristáltico. É importante salientar que fatores como tempo de coleta, uso de líquidos conservantes e condições de envio ao laboratório também podem influenciar os resultados dos exames; amostras velhas ou precariamente preservadas podem ser causa de erros diagnósticos (ASH e ORIHEL, 1987). Os métodos coproparasitológicos podem ser realizados com amostras fecais frescas ou preservadas. Para a fixação das amostras fecais são disponíveis diferentes classes de fixadores cuja principal utilidade é preservar as características morfológicas dos parasitas aumentando a chance de que eles sejam detectados e corretamente identificados (GARCIA, 1995). As características físicas das fezes são o primeiro aspecto a ser observado, pois podem sugerir a presença de organismos patogênicos. No que diz respeito aos parasitas, pode-se dizer, de modo geral, que em fezes diarréicas encontram-se predominantemente trofozoítas de protozoários, enquanto que em fezes formadas, predominam cistos; ovos e larvas de helmintos podem ser encontrados em fezes de qualquer consistência (ASH e ORIHEL, 1987). No que se refere aos parasitas intestinais de cães, o exame macroscópico das fezes pode revelar a presença de nematódeos adultos e, principalmente, proglotes de cestódeos. A importância desse aspecto pode ser confirmada pela informação de que em Taiwan a prevalência da dipilidiose em cães errantes, avaliada pelo exame microscópico de fezes, foi de 0.35% e chegou a 63,3% quando avaliada pelo exame macroscópico das fezes (SHIN e LIAO, 2002). O exame microscópico de fezes consiste em reconhecer as formas evolutivas típicas dos parasitas, distinguindo-as dos demais constituintes do material fecal. Dessa forma, independentemente da técnica coproparasitológica empregada, o exame microscópico apresenta valor preditivo positivo igual a unidade (= 1), ou seja não detecta falso-positivos. Por outro lado, a sensibilidade analítica do exame depende da técnica a que as amostras foram submetidas para se obter as preparações microscópicas. Os procedimentos mais comumente empregados na preparação de amostras fecais, frescas ou preservadas, são a diluição de uma pequena quantidade de fezes para o exame direto e os recursos de flutuação e sedimentação para concentração dos elementos parasitários (GARCIA, 2001). Tendo em vista a diversidade de parasitas que eliminam formas evolutivas nas fezes, é fácil entender a razão pela qual nenhum método diagnóstico, utilizado isoladamente, é suficientemente sensível para detectar todos os possíveis parasitas que infectam um determinado hospedeiro. Assim sendo, é importante conhecer as vantagens e desvantagens dos métodos disponíveis. O exame direto de fezes a fresco é realizado primariamente para detectar formas móveis de parasitas, tais como os trofozoítas de protozoários e larvas de helmintos. De acordo com ESTEVEZ e LEVINE (1985) trata-se de um método simples e rápido, cujos resultados positivos são tão válidos quanto os obtidos com métodos de concentração. O exame direto tem como principais desvantagens o fato de avaliar uma quantidade muito pequena de fezes e a dificuldade de se examinar amostras acondicionadas com conservantes, pois os parasitas podem morrer e com isso, perder a motilidade (BOWMAN et al., 2003). Embora possibilite a detecção de ovos e/ou larvas de helmintos, cistos ou oocistos de protozoários, estes são mais comumente encontrados quando se utilizam técnicas de concentração. Por tudo isso, as técnicas coproparasitológicas que empregam procedimentos de concentração acabaram substituindo o exame direto de fezes a fresco na rotina diagnóstica. Os métodos de concentração por flutuação (gravitacional ou por centrifugação) se baseiam na diferença de densidade específica (DE) entre as formas evolutivas dos parasitas, os detritos fecais e a solução empregada para flutuação (DRYDEN et al., 2005). De acordo com esses autores, as soluções mais usadas para flutuação incluem as soluções de: cloreto de sódio (DE = 1,18); açúcar (solução de Sheather, DE = 1,27); nitrato de sódio (DE = 1,18); sulfato de magnésio (DE = 1,20) e sulfato de zinco (DE = 1,20). Como a densidade específica da maioria das formas evolutivas dos parasitas é de 1,05 a 1,23 (DAVID e LINDQUIST, 1982), o emprego de soluções com alta densidade específica permite a separação de cistos de protozoários, oocistos de coccídeos e de ovos e larvas de helmintos, fazendo com que possam ser recuperados na superfície enquanto os detritos permanecem no fundo do tubo. Dessa forma, o material examinado em microscópio é uma preparação mais limpa que a obtida pela concentração por sedimentação. As preparações obtidas nos métodos de flutuação devem ser examinadas prontamente, pois as soluções empregadas produzem distorções nas formas parasitárias dificultando a sua identificação. Outra desvantagem dos métodos de concentração por flutuação é a baixa sensibilidade em detectar formas evolutivas de parasitas que apresentam DE mais elevada que a das soluções saturadas empregadas. Ovos de Physaloptera sp. e de Taenia spp., cujas densidades específicas são de 1,23761 e de 1,2251 (DRYDEN et al., 2005), podem não flutuar nessas preparações dando resultados falso-negativos. Nestes casos, as técnicas de sedimentação podem ser mais indicadas. Além de permitir a recuperação de cistos e oocistos de protozoários e de larvas de helmintos, as técnicas que utilizam a sedimentação para concentração de formas evolutivas de parasitas são particularmente recomendadas para detectar infecções por helmintos que eliminam ovos pesados (operculados ou muito densos) (GARCIA, 2001). A sedimentação pode ser obtida de forma natural (gravitacional), por centrifugação ou por meios químicos (TRUANT et al., 1981). A sedimentação por força gravitacional tem sido particularmente utilizada para detectar ovos operculados e de trematódeos como Schistosoma spp. (RABELLO et al., 1992). Uma das vantagens do método é a simplicidade e o fato de não alterar a viabilidade dos ovos. As desvantagens incluem o longo tempo requerido para a sedimentação espontânea e o fato de produzir uma preparação com grande quantidade de detritos. A sedimentação por centrifugação abole o primeiro inconveniente. A filtração prévia das amostras e a adição de formol-éter ou de acetato de etila às amostras de fezes facilitam o exame microscópio do sedimento, pois produzem uma preparação mais limpa. De acordo com TRUANT et al. (1981) as técnicas que utilizam a adição de formol-éter além de serem indicadas para a detecção de ovos mais pesados como os de trematódeos e cestódeos, permitem a identificação de formas evolutivas de helmintos e protozoários pois não provocam distorção nos organismos. O acetato de etila tem sido utilizado em substituição ao formol-éter e tem a vantagem de ser menos inflamável e perigoso. O diagnóstico coproparasitológico tem sido uma das áreas da patologia clínica médica que tem evoluído mais lentamente, sendo uma das mais carentes de instrumentação, automação e desenvolvimento tecnológico (PERRY et al., 1990). Entretanto, de acordo com estes autores, a partir de 1978, vários dispositivos para concentração de amostras fecais e kits diagnósticos se tornaram comercialmente disponíveis auxiliando na padronização dos métodos de concentração, dando maior consistência à metodologia diagnóstica e com isso melhorando a detecção de parasitas. Outra vantagem é que sendo muitos desses kits sistemas fechados, as amostras são processadas com um mínimo de manipulação. Com isso, a atividade diagnóstica torna-se mais limpa, biologicamente segura e praticamente livre dos odores desagradáveis característicos (GARCIA, 2001). Esses sistemas foram desenvolvidos originalmente para o diagnóstico de parasitoses intestinais humanas e embora utilizem diferentes procedimentos para a concentração dos parasitas, a maioria emprega o método original de sedimentação com algumas modificações (PERRY et al., 1990). Alguns kits comerciais são delineados para coleta de uma única amostra de fezes e outros para três amostras seriadas (Van GOOL et al., 2003). No Brasil, o conjunto comercial há mais tempo disponível é o Coprotest® (NL Comércio Exterior Ltda) (CERQUEIRA, 1988, AMATO-NETO et al., 1989), desenvolvido para o diagnóstico coproparasitológico humano utilizando uma única amostra de fezes. Atualmente é disponível sob uma nova denominação de Paratest® (Diagnostec - Comércio de Produtos Científicos), com adaptação para possibilitar a colheita de três amostras seriadas em um único frasco coletor. Neste kit, amostras de aproximadamente um grama de fezes são colhidas com um dispositivo que se acopla a um frasco coletor contendo formalina a 10%. Após agitar vigorosamente, o frasco é invertido e o material é filtrado por uma malha de 250 μ antes de ser depositado sobre uma lâmina histológica para exame microscópico. Recentemente, um outro kit comercial denominado TF-Test® (Immunoassay Comércio e Indústria Ltda), tornou-se disponível no mercado nacional. O kit foi delineado para coleta seriada de amostras em três tubos contendo formalina neutra tamponada. As amostras são tratadas com acetato de etila e detergente e processadas por dupla filtragem e centrifugação antes de serem examinadas ao microscópio óptico (GOMES et al., 2004). De acordo com estes autores, a sensibilidade geral desse método foi significativamente mais elevada em comparação com o Coprotest®, e os métodos convencionais de concentração por sedimentação espontânea (Lutz/Hoffman), flutuação com sulfato de zinco (Faust) e pesquisa de larvas vivas (Rugai). Embora a maioria dos estudos sobre a eficiência comparativa das técnicas coproparasitológicas convencionais e dos kits comerciais demonstrem uma certa equivalência dos métodos, eles se restringem a parasitas humanos. Os poucos dados disponíveis sobre a utilização de kits comerciais no diagnóstico de parasitoses de cães tem revelado resultados comparáveis aos obtidos no diagnóstico humano (DRYDEN et al.,2005). O aprimoramento das técnicas de diagnóstico têm sido de grande importância para a detecção de patógenos, entre eles, os parasitas, proporcionando assim avanços importantes nas pesquisas de prevenção e tratamento de enfermidades parasitárias. Os parasitas intestinais estão entre os agentes patogênicos mais comumente encontrados em animais de companhia e constituem uma das principais causas de transtornos intestinais em cães (BLAGBURN et al., 1996). Embora as infecções parasitárias possam ocorrer em cães de todas as idades, usualmente as prevalências são altas em filhotes; isso se deve principalmente ao fato de que alguns parasitas utilizam vias de transmissão que expõem especificamente recém- nascidos ou neonatos e também porque os cães jovens não respondem imunologicamente a esses parasitas de forma eficaz (RAMIREZ-BARRIOS et al., 2004). Embora os cães sejam parasitados por cerca de 17 espécies de trematódeos, 17 de cestódeos, 20 de nematódeos e um acantocéfalo (EGUÍA-AGUILAR et al., 2005) e por um grande número de protozoários, as informações disponíveis são mais ou menos abundantes dependendo da importância do parasitismo para os próprios cães, do seu envolvimento como causa de zoonoses ou de seu envolvimento com espécies economicamente importantes. Dessa forma, Ancylostoma spp., Toxocara canis, Giardia sp. e Cryptosporidium spp., por serem causa de zoonoses (GENNARI et al., 1999) e Neospora caninum (MOORE, 2005), por ser considerado uma das principais causas de aborto bovino em todo o mundo, têm recebido grande atenção. Outros parasitas, como por exemplo Echinococcus spp., têm grande importância econômica e em saúde pública, mas apresentam uma distribuição geográfica restrita às áreas de criação de ovinos (ECKERT et al., 2000). Muitos dos parasitas intestinais de cães têm distribuição cosmopolita, porém o elenco de espécies, bem como suas respectivas prevalências, em uma determinada região é afetado por fatores climáticos, hábitos culturais, recursos diagnósticos e nível de notificação (McCARTHY e MOORE, 2000). Ancylostoma caninum é um nematódeo hematófago do intestino delgado de cães. Como a principal forma de infecção é conseqüência da passagem de larvas pelo leite de cadelas lactantes, os animais jovens são os mais freqüentemente acometidos, porém ao longo da vida do animal a infecção continua a ocorrer tanto pela penetração cutânea como pela ingestão de larvas juntamente com alimentos e água (BOWMAN et al., 2002). A gravidade das infecções provocadas por estes nematódeos depende da via de infecção, do número de formas infectantes e da resposta dos cães. Em cães jovens, a passagem de larvas pelo leite pode ter conseqüências fatais ou ser responsável pela produção de quadros de anemia hemorrágica aguda ou crônica acompanhada de diarréia que pode conter sangue e muco. Em cães adultos causam deficiência de ferro e anemia hipocrômica microcítica (URQUHART et al., 1996). A. braziliensis é uma espécie menos prevalente que causa transtornos semelhantes. As larvas infectantes de ambas as espécies podem infectar seres humanos causando uma síndrome denominada Larva Migrans Cutânea (LMC). A penetração dessas larvas na pele humana provoca uma dermatite intensamente pruriginosa, constituindo um importante problema de saúde-pública. Na Austrália a infecção humana por adultos de A. caninum foi identificada recentemente como causa de enterite eosinofílica, caracterizada por dor e distensão abdominal, diarréia, perda de peso e hemorragia retal (ROBERTSON e THOMPSON, 2002). A via de infecção humana que leva ao estabelecimento de vermes adultos no intestino ainda não foi demonstrada com precisão. Como a exposição percutânea e as inoculações experimentais ou acidentais por essa via não foram capazes de reconstituir os sintomas abdominais, a eosinofilia significativa ou a produção de anticorpos, LANDMANN e PROCIV (2003) sugeriram que A. caninum poderia se desenvolver até verme adulto no lume do intestino humano como conseqüência da ingestão de larvas. A ubiqüidade de A. caninum e a dificuldade de diagnosticar essa patologia, que pode ser provocada por um único verme imaturo, fazem crer que a ausência dessa síndrome em outros países seja devida à falta de diagnóstico (McCARTHY e MOORE, 2000). Assim como Ancylostoma spp., Toxocara canis é encontrado no intestino delgado de cães. A principal via de infecção dos cães é pela passagem transplacentária de larvas que se encontram encistadas nos tecidos das cadelas. Desta forma, aproximadamente 80% dos cães com menos de seis semanas de idade apresentam Toxocara em seus intestinos, podendo ou não eliminar os ovos nas fezes (ROBERTSON e THOMPSON, 2002) e morrer em conseqüência do parasitismo. Embora seja uma infecção freqüente em animais jovens, cães adultos podem permanecer susceptíveis e contribuir para a contaminação ambiental (OVERGAAUW, 1997). Os efeitos da infecção por T. canis dependem da idade do animal, do número, localização e estágio de desenvolvimento dos vermes (PARSONS, 1987). Em infecções maciças, a migração de grande número de larvas pelos pulmões pode provocar tosse, aumento da freqüência respiratória e corrimento nasal espumoso, enquanto que os vermes adultos no intestino podem causar obstrução intestinal e dos ductos colédoco e pancreático (URQUHART et al., 1996). A infecção humana por T. canis ocorre pela ingestão de ovos larvados presentes no solo poluído, em fômites e em mãos contaminadas. Como o parasita não consegue atingir a maturidade nesses hospedeiros, as larvas permanecem vivas migrando erraticamente nos órgãos internos produzindo uma patologia denominada Larva Migrans Visceral (LMV) (PARSONS, 1987), ou invadindo o globo ocular e causando a Larva Migrans Ocular. Estima-se que anualmente a infecção humana por esse parasita seja a causa de centenas de casos de cegueira unilateral e outras formas inespecíficas de enfermidade em crianças nos Estados Unidos (ROBERTSON et al., 2000). Alguns pacientes apresentam-se assintomáticos enquanto outros podem apresentar febre, hipereosinofilia, hepatomegalia, manifestações oculares, pulmonares ou cardíacas, nefrose e sinais de lesão cerebral, podendo ser fatais (COSTA-CRUZ et al., 1994). Estas infecções são mais freqüentes em crianças entre 2 e 5 anos de idade e não é necessária a convivência direta com cães, bastando o contato com o solo contaminado com excremento de cães parasitados (REY, 1992). Dentre os nematódeos parasitas de cães, Ancylostoma spp. e T. canis são provavelmente os mais ubíquos e prevalentes. Em ambos os casos, a tolerância dos estágios de vida livre às diferentes condições ambientais é provavelmente a causa de suas amplas distribuições geográficas. Por outro lado, as elevadas prevalências desses parasitas parecem estar relacionadas a distintas estratégias. No caso de Ancylostoma, os animais permanecem susceptíveis às infecções ao longo de toda a vida (KALKOFEN, 1987) possibilitando que as larvas retidas nos tecidos retomem o desenvolvimento através da recolonização periódica do intestino com vermes adultos. Com isso, teoricamente toda a população de cães contribui de forma contínua para a contaminação ambiental. No caso de T. canis, embora os animais adultos possam albergar vermes adultos no intestino, a contaminação ambiental parece ser principalmente devida à grande fecundidade das fêmeas (HABLUETZEL et al., 2003) e à elevada resistência dos ovos no ambiente (OVERGAAUW, 1997). No Brasil, os dados de prevalência dessas duas parasitoses além de serem escassos, restringem-se a poucos locais, geralmente, sede de instituições de pesquisa. Sendo assim, alguns dados sugerem uma possível redução das prevalências em algumas localidades. Na cidade de São Paulo, no período de 1980 a 1985 (CÔRTES et al., 1988) as prevalências de 59,83% e 11,70% para ancilostomídeos e toxocarídeos respectivamente, foram mais elevadas que as registradas no período de 1991 a 1995 por GENNARI et al. (1999); neste último período, as prevalências obtidas foram de 20,40% para Ancylostoma spp. e 8,49% para T. canis. Entretanto, em outras localidades como em Balneário Cassino, RS, SCAINI et al. (2003) relataram que 86,1% das amostras de fezes de cães coletadas em vias públicas estavam contaminadas por ovos e larvas de helmintos, das quais 71,3% por Ancylostoma spp. e 3% por T. canis. Uma das conseqüências da elevada prevalência desses parasitismos em cães é a contaminação ambiental com as formas infectantes (COSTA-CRUZ, 1994), no entanto, são poucas as investigações em que as informações relativas ao parasitismo animal são correlacionadas à contaminação ambiental. Para verificar esse aspecto, ALCÂNTARA et al. (1989) realizaram uma investigação em que foram coletadas fezes e amostras de solo de locais públicos de 23 bairros de Salvador, BA. A maior taxa de infecção por toxocarídeos obtida nas amostras de solo (24,8%) em relação às amostras de fezes (18,4%) foi atribuída à persistência desses ovos no meio ambiente. As pesquisas de ovos de Toxocara spp. em amostras de solo de locais públicos revelam prevalências variáveis, porém bastante elevadas em diferentes localidades no Brasil. Além disso, considerando que essas informações se referem a registros que vão desde a década de 1970 até 2000 (FERREIRA et al., 1976; CHIEFF e MÜLLER, 1976; CAMPOS et al.,1987; COSTA-CRUZ et al., 1994; SANTARÉM et al., 1998; COELHO et al., 2001), constata-se que essas prevalências sofreram pouca interferência temporal. Nos inquéritos epidemiológicos realizados em diferentes regiões do mundo, as infecções por Ancylostoma em cães figuram quase que invariavelmente como as mais prevalentes, tanto em países desenvolvidos como Japão (ASANO et al., 2004) e Austrália (BUGG et al., 1999), como em países em desenvolvimento como México (EGUÍA-AGUILAR et al., 2005), África do Sul (MINNAAR et al., 2002), Venezuela (RAMIREZ-BARRIOS et al., 2004) e Brasil (GENNARI et al., 1999; OLIVEIRA- SEQUEIRA et al., 2002). No entanto, as investigações sobre a prevalência de larvas no ambiente, bem como sobre a ocorrência de LMC são esporádicas e geralmente precipitadas pela ocorrência de surtos (NUNES et al., 2000). De acordo com OLIVEIRA-SEQUEIRA et al. (2002), isso pode ser devido ao caráter benigno da infecção humana e à sua comezinha ocorrência na prática dermatológica. Thichuris vulpis é um nematódeo parasita do intestino grosso de cães cuja infecção se dá pela ingestão de ovos contendo uma larva de primeiro estágio. Após a ingestão dos ovos, as larvas são liberadas e penetram nas glândulas da mucosa cecal. Estes vermes se alimentam de pequenas quantidades de sangue, líquidos tissulares e do epitélio da mucosa (HENDRIX et al., 1987). A maioria das infecções são assintomáticas, mas de sinais tiflite e colite ocorrem em grandes infestações (URQUHART et al., 1996). De acordo com os dados de levantamentos recentes, as prevalências de infecções por esses nematódeos foram de 4,4% no Japão (ASANO et al., 2004), 2,9% na Venezuela (RAMÍREZ-BARRIOS et al., 2004) e 4,8% no Brasil (OLIVEIRA-SEQUEIRA et al., 2002). Em uma investigação retrospectiva realizada no Estado de Oklahoma, EUA, (JORDAN et al., 1993) a significativa diminuição na prevalência de Trichuris observada ao longo de uma década (1981- 1990) foi atribuída ao uso mais freqüente de anti-helmínticos eficazes e à implementação de medidas eficientes de controle por parte dos médicos veterinários. Por outro lado, ASANO et al. (2004) atribuíram ao uso rotineiro de drogas para a prevenção da dirofilariose a ocorrência de uma diminuição substancial na prevalência desse parasita no Japão, de 15,8% em 1979 para 4,4% em 2004. Spirocerca lupi é um nematódeo cujos adultos acomodam-se em grandes nódulos granulomatosos na parede do esôfago e têm por hospedeiros intermediários besouros coprófagos. Os cães se infectam pela ingestão desses besouros ou de uma variedade de hospedeiros paratênicos, como pássaros, ouriço, lagartixa, ratos e coelhos (MAZAKI-TOV et al., 2002). Durante a migração, as larvas produzem lesões características na parede da aorta que podem causar estenose ou mesmo ruptura do vaso. Granulomas esofágicos associados a vermes adultos podem ser responsáveis por disfagia, vômitos e, em raros casos, osteossarcoma e espondilose das vértebras torácicas (URQHUART et al., 1996). Os dados a respeito da prevalência dessa espécie são muito escassos, e nos poucos levantamentos epidemiológicos em que é registrado, constata-se que sua freqüência é bastante baixa (MINNAAR et al., 2002, OLIVEIRA-SEQUEIRA et al., 2002, THEVENET et al., 2003). No entanto, MAZAKI-TOV et al. (2002) verificaram que em Israel o número de casos anuais de cães infectados aumentou sete vezes no período de 1991 a 1999, sugerindo a ocorrência de um surto desta infecção. Todos os nematódeos abordados anteriormente têm o cão como hospedeiro primário sendo o parasitismo do homem considerado uma zoonose. No caso de Strongyloides stercoralis, ao que tudo indica, trata-se de um parasita encontrado predominantemente no homem, porém cães e primatas constituem hospedeiros permissivos (MANSFIELD e SCHAD, 1992a). A infecção ocorre por penetração ativa das larvas na pele e apesar da maioria das infecções humanas e caninas serem breves e assintomáticas (MANSFIELD e SCHAD, 1992a), pacientes humanos, imunocomprometidos, podem apresentar infecção fatal ou uma forma disseminada da doença (PAULA et al. 2000). O parasitismo tem ocorrência mundial, e embora a distribuição da infecção canina coincida com a infecção humana (ACHA e SZYFRES, 1977), as prevalências de infecção canina registradas na literatura são bastante baixas (NOLAN e SMITH, 1995; BUGG et al., 1999; ASANO et al., 2004). Apesar da infecção canina ser rara e dos cães eliminarem larvas por apenas um curto período de tempo (MANSFIELD e SCHAD, 1992b), a presença de cães infectados em residências humanas é considerada um sério problema de saúde pública devido ao seu potencial zoonótico (ITOH et al., 2003). Os principais cestódeos parasitas gastrintestinais de cães pertencem às famílias Taeniidae e Dilepididae, (FREITAS, 1981) e com poucas exceções, as espécies encontradas em cães são bastante adaptadas a esses hospedeiros, não lhes causando grandes transtornos (GEORGI, 1987). Na família Taeniidae, tanto no gênero Echinococcus quanto no gênero Taenia encontram-se espécies cujo parasitismo têm importância, ora econômica ora em saúde pública ou ambos, para os hospedeiros intermediários (GEORGI, 1987). Na família Dilepididae, Dipylidium caninum, espécie mais comumente encontrada no intestino delgado de cães, além de ter importância para a saúde dos cães, constitui uma zoonose (MOLINA et al., 2003). No caso dos cestódeos parasitas de cães, a distribuição dos hospedeiros intermediários, na maioria das vezes, constitui um fator limitante à disseminação do parasitismo, entretanto, no caso de D. caninum o potencial de transmissão é função da densidade das pulgas hospedeiras intermediárias (GEORGI e GEORGI, 1992). Dessa forma, prevalências tão elevadas quanto 60% têm sido registradas em algumas localidades (ÉGUIA-AGUILAR et al., 2005). O parasitismo por D. caninum é considerado pouco patogênico, já que os cães podem tolerar centenas de vermes adultos sem manifestarem sintomatologia. A saída de proglotes ativamente pelo ânus causa desconforto e prurido e os cães esfregam excessivamente a região perineal para se livrarem do incômodo (URQUART, 1996). A infecção humana resulta da ingestão acidental de pulgas parasitadas. Em crianças o parasita pode causar desconforto ou dores abdominais, diarréia, prurido anal e irritabilidade nervosa (REY, 1992). Um aspecto que se destaca quando se examina a literatura relativa à prevalência de D. caninum é a discrepância das prevalências registradas: extremamente elevadas quando o diagnóstico é feito pelo encontro dos vermes à necropsia (EGUÍA-AGUILAR et al., 2005) e muito baixas quando detectada por exames coproparasitológicos (GENNARI et al., 1999; OLIVEIRA-SEQUEIRA et al., 2002; ASANO et al., 2004; RAMIREZ-BARRIOS et al.,2004). A constatação de discrepâncias na prevalência desse parasita, devida à metodologia diagnóstica, em uma mesma região geográfica, tem incentivado a pesquisa de métodos sorológicos para diagnóstico dessa parasitose (SHIN e LIAO, 2002). A maioria das espécies do gênero Echinococcus tem por hospedeiro definitivo os canídeos domésticos ou silvestres e as larvas, ou cistos hidáticos, se desenvolvem em diversas espécies de mamíferos, inclusive o homem. Com relação às espécies parasitas de cães, os cestódeos adultos não são patogênicos, já que estes hospedeiros podem suportar um elevado número de parasitas sem apresentar sintomatologia clinica (RAETHER e HÄNEL, 2003), entretanto, como as formas larvais desses parasitas podem infectar os animais domésticos ou o homem, o parasitismo constitui um grave problema econômico e de saúde pública. À exceção do agente etiológico da hidatidose unicocular, Echinococcus granulosus, que se distribui de forma descontínua mas em todos os continentes, as demais espécies têm uma distribuição mais restrita (ECKERT e DEPLAZES, 2004). Das espécies que têm o cão por hospedeiro definitivo, apenas E. granulosus e E. vogeli ocorrem no Brasil. Os casos de infecção humana por E. vogeli são registrados exclusivamente nos Estados da Região Norte (MORAES et al., 2003). Com relação a E. granulosus, a infecção é comum no Estado do Rio Grande do Sul, onde o cão doméstico é o principal hospedeiro definitivo e os bovinos e ovinos os hospedeiros intermediários (FARIAS et al., 2004). Os dados sobre as prevalências da infecção canina são escassos, mas recentemente a constatação da presença de cães parasitados (7,7%) ou com sorologia positiva para esse cestódeo (13,8%) em zona urbana no Rio Grande do Sul (HOFFMANN, 2001) constitui um alerta para a possibilidade de urbanização da infecção humana, apesar de no Brasil a hidatidose ser considerada uma enfermidade tipicamente rural. Esta preocupação é reforçada pelo fato de que atualmente na Austrália a hidatidose constitui um problema emergente de saúde pública em função do estabelecimento de focos urbanos da infecção (ROBERTSON e THOMPSON, 2002). De acordo com GEORGI e GEORGI (1992) os cães são parasitados por 8 espécies de Taenia, das quais cinco têm uma ampla distribuição geográfica. No Brasil, foram registradas as espécies Taenia hydatigena, Taenia taeniformis e Taenia multiceps (COSTA et al., 1986). As espécies de Taenia que têm o cão como hospedeiro definitivo são pouco patogênicas para este hospedeiro, entretanto as formas larvais de algumas espécies podem se desenvolver em animais domésticos ou mesmo apresentar potencial zoonótico (ING et al., 1998). Os cisticercos de T. hydatigena se desenvolvem em ruminantes e suínos nos quais além de serem causa de condenação de vísceras, quando em grande número, podem levar à hepatite traumática severa (GEORGI e GEORGI, 1992). Os cenuros de Taenia multiceps se desenvolvem predominantemente em ruminantes e as infecções humanas parecem grandemente confinadas ao continente africano, com poucos casos registrados na França, Inglaterra e Américas do Norte e do Sul (RAETHER e HÄNEL, 2003). Uma das dificuldades de se investigar, especificamente, as prevalências de infecções por taenídeos em cães, é a impossibilidade de se distinguir os ovos das diferentes espécies de Taenia e de Echinococus (CABRERA et al., 2002). Os protozoários parasitas gastrintestinais de cães incluem os flagelados, como Giardia, e os coccídios, com os gêneros Isospora, Hammondia, Cryptosporidium, Sarcocystis e Neospora (GEORGI e GEORGI, 1992). Atualmente, são reconhecidas cinco espécies de Giardia que habitam o trato intestinal de virtualmente todas as classes de vertebrados, porém Giardia duodenalis (= Giardia intestinalis = Giardia lamblia) é a única espécie encontrada em seres humanos e na maioria dos mamíferos domésticos e silvestres (THOMPSON et al., 2002). Estudos moleculares recentes têm revelado que G. duodenalis é uma espécie que inclui um complexo de oito genótipos principais, denominados “assemblages” (MONIS et al., 2003). Todos os isolados humanos investigados foram identificados como pertencentes aos “assemblages” A e B e os genótipos exclusivos de cães foram identificados como assemblages C e D. No entanto, os estudos de epidemiologia molecular têm revelado que os cães podem ser infectados com os seus próprios genótipos de Giardia (assemblages C e D), bem como com genótipos zoonóticos (assemblage AI e BIII) (THOMPSON, 2004). G. duodenalis tem distribuição global e de acordo com a Organização Mundial de Saúde, na Ásia, África e América Latina, há cerca de 200 milhões de pessoas infectadas com giardíase sintomática e 500 mil novos casos registrados anualmente (WHO, 1996). Em países desenvolvidos, G. duodenalis tem sido reportada como o parasita entérico mais comum de cães domésticos (BUGG et al., 1999) e nos levantamentos realizados em países em desenvolvimento, quando não é o mais prevalente, figura entre os três mais comuns (GENNARI et al., 1999; OLIVEIRA-SEQUEIRA et al., 2002; PONCE-MACOTELA et al., 2005). Ainda assim, considera-se que a prevalência de Giardia em animais de companhia é freqüentemente subestimada por causa da baixa sensibilidade dos métodos convencionais de diagnóstico, do fato dos parasitas ocorrerem em níveis subclínicos e da eliminação de cistos ser naturalmente intermitente (McGLADE et al., 2003). Embora a maioria dos casos de infecção humana tenha origem na transmissão de pessoa a pessoa, na Índia, onde Giardia ocorre tanto em humanos como em cães, 20% dos cães foram encontrados parasitados com o genótipo zoonótico, principalmente com o “assemblage” A (THOMPSON, 2004). Esse dado associado ao fato de que as taxas de prevalências de Giardia em cães de diferentes partes do mundo são de aproximadamente 10% em animais domiciliados, 36-50% em filhotes e de até 100% em canis de criação (BARR et al., 1994), reforça a necessidade de se investigar a prevalência desse parasita, sobretudo com a utilização de métodos de diagnósticos sensíveis. Aparentemente o ciclo evolutivo da maioria das espécies de coccídios parasitas gastrintestinais de cães envolve um hospedeiro intermediário obrigatório (Sarcocystis, Neospora e Hammondia) ou facultativo (Isospora), sendo Cryptosporidium uma exceção (BOWMAN et al., 2002). Todas as espécies que têm o cão como hospedeiro definitivo eliminam nas fezes oocistos cujas características morfológicas nem sempre são suficientes para a identificação genérica, como é o caso de Neospora e Hammodia. A diarréia é a principal manifestação do parasitismo por Isospora em cães jovens (GEORGI e GEORGI, 1992) e de acordo com os levantamentos epidemiológicos de 3 a 38% dos cães são encontrados eliminando oocistos nas fezes; de modo geral, os cães vadios, por terem que caçar para obter alimento, são os mais afetados (LINDSAY et al., 1997). O parasitismo por Hammondia heydorni além de pouco freqüente é considerado apatogênico tanto para os cães como para os hospedeiros intermediários (KIRKPATRICK e DUBEY, 1987; BOWMAN et al., 2002). Os cães são hospedeiros definitivos de um grande número de espécies de Sarcocystis cujos hospedeiros intermediários incluem mamíferos domésticos e silvestres e também aves. As espécies de Sarcocystis que têm o cão por hospedeiro definitivo são consideradas apatogênicas para os cães (DUBEY et al., 2000). Cryptosporidium spp. é um coccídio intestinal que afeta diversas espécies de animais domésticos e também o homem. Nos mamíferos, são consideradas válidas 13 espécies de Cryptosporidium com mais de 30 genótipos distintos já descritos (XIAO e RYAN, 2004). De acordo com os estudos moleculares mais recentes, dois genótipos são mais comumente encontrados em humanos: o genótipo humano (ou tipo I; reconhecido como C. hominis) e o genótipo bovino (ou tipo II; C. parvum). Ao que tudo indica, o genótipo humano é restrito ao homem, mas o genótipo bovino, além de infectar o homem é infectante para outras espécies de mamíferos (MONIS e THOPMSON, 2003). Conseqüentemente, os cães infectados podem constituir uma fonte de infecção para o homem, especialmente, para indivíduos imunocomprometidos (MILSTEIN et al., 1995). Além disso, outras espécies de Cryptosporidium, incluindo Cryptosporidium canis, têm sido encontradas em amostras clínicas provenientes tanto de indivíduos imunocompetentes como de imunocomprometidos. De acordo com MONIS e THOMPSON (2003) a freqüência dessas infecções é mais baixa e envolve indivíduos com enfermidades concomitantes ou que vivem em condições que aumentam a susceptibilidade a essas infecções. Em cães, as infecções por Cryptosporidium são mais severas em animais jovens e podem ser exacerbadas por estresse e imunossupressão (ROBERTSON et al., 2000). A criptosporidiose foi diagnosticada pela primeira vez em cães em 1983 e tanto no cão como em outros hospedeiros o parasitismo provoca atrofia das vilosidades intestinais (WILSON, 1983). Muitas infecções de cães com C. parvum são assintomáticas, porém infecções simultâneas com o vírus da cinomose podem levar à doença clínica. Apesar de poucos cães eliminarem oocistos, as elevadas taxas de soropositividade encontradas sugerem um histórico de exposição prévia (ROBERTSON et al., 2000). Dos coccídios intestinais de cães, Neospora caninum se destaca pelo fato de ser patogênico tanto para os hospedeiros definitivos como para os hospedeiros intermediários (HALL et al., 2005), e pelo fato de que os cães se comportam tanto como hospedeiros definitivos como intermediários (McALLISTER et al., 1998). Desde que foi encontrado em cães na Noruega e de sua descrição como uma nova espécie (DUBEY et al., 1988) N. caninum tem emergido como uma grave infecção de cães e bovinos em diversas partes do mundo. Em cães, quando a infecção ocorre por via transplacentária, a apresentação típica da enfermidade é de paralisia flácida dos membros posteriores; em animais adultos, além dos sinais neurológicos, podem ocorrer dermatite nodular, pneumonia, incontinência fecal e urinária, hepatite, miocardite e miosites (BOWMAN et al., 2003). Em bovinos, a neosporose tem emergido como uma importante doença responsável por problemas reprodutivos no mundo inteiro, por causar abortos a partir de três meses de gestação. Estudos quantitativos realizados em vários países como EUA, Nova Zelândia, Holanda e Alemanha revelaram que em bovinos leiteiros a infecção por N. caninum é a principal causa de aborto (ANDERSON et al., 2000), sendo responsável por taxas que variam de 12 a 42% (DUBEY, 2003). Embora a pecuária bovina seja uma das mais importantes atividades econômicas da América do Sul, com aproximadamente 300 milhões de animais (FAO, 1996) muito pouco se sabe sobre a ocorrência de neosporose nessa região (MOORE, 2005). Como metade desse rebanho se encontra no Brasil, os prejuízos causados pela neosporose podem ser significativos (GONDIM et al., 1999). No Brasil, não se dispõe de informações sobre a prevalência de Neospora em cães, mas na Bahia foram detectados 14,09% de bovinos com sorologia positiva (GONDIM et al., 1999) e no Rio Grande do Sul, 11,2% dos fetos abortados encaminhados à Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil, estavam infectados com N. caninum (CORBELLINI et al., 2002). Do ponto de vista epidemiológico é fundamental identificar os cães infectados, entretanto, os oocistos de Neospora são morfologicamente indistinguíveis de Hammondia (DUBEY, 2003). Embora a maioria dos parasitas gastrintestinais de cães apresente distribuição cosmopolita, essas parasitoses, de modo geral, são mais prevalentes em países tropicais e subtropicais (CORDERO del CAMPILLO e ROJO, 1999) e naqueles em que as condições sócio-econômicas da população são precárias (GOMES et al., 2004). Entretanto, como a emergência ou reemergência de zoonoses parasitárias tem sido verificada em todo o mundo, vários autores têm enfatizado que para o controle dessas parasitoses é necessário dispor de métodos de diagnóstico sensíveis, de um sistema apropriado de investigação e acompanhamento e de educação sanitária cuja responsabilidade é principalmente dos médicos veterinários (THOMPSON, 1999). Por isso, os estudos sobre a prevalência desses parasitas devem ser feitos de forma contínua a fim de fornecer as informações indispensáveis para o estabelecimento de medidas de controle (OLIVEIRA-SEQUEIRA et al., 2002). Atualmente, apesar da disponibilidade de técnicas imunológicas e moleculares para o diagnóstico de algumas parasitoses intestinais humanas, dois aspectos restritivos à utilização dessas técnicas devem ser observados. Em primeiro lugar, que a disponibilidade de muitas dessas técnicas ainda é restrita aos laboratórios de pesquisa; em segundo, que em muitos casos não se justifica a substituição das técnicas coproparasitológicas convencionais, que em muitas situações continuam sendo as de eleição pela simplicidade, sensibilidade e baixo custo (THOMPSON, 1999). No que se refere à parasitologia veterinária, a situação é mais grave, já que, de acordo com IRWIN (2002), o controle das infecções parasitárias em animais de companhia tem se restringido à prescrição de drogas de amplo espectro; essa situação é agravada pela percepção de que os clínicos veterinários acreditam que o controle dos parasitas possa se restringir ao uso de drogas. O baixo interesse por parte dos clínicos veterinários em solicitar e realizar exames parasitológicos e a prescrição indiscriminada de parasiticidas parecem ser uma realidade no Brasil. Por isso, na tentativa de oferecer uma alternativa a essa situação, o presente trabalho foi proposto com o objetivo de testar uma metodologia simples para o diagnóstico parasitológico em cães, avaliando comparativamente essa metodologia na investigação epidemiológica do parasitismo gastrintestinal dos cães. Objetivos 3. OBJETIVOS O presente trabalho teve por objetivos: • Avaliar comparativamente a eficiência diagnóstica do kit comercial TF-Test® e das técnicas coproparasitológicas convencionais de centrífugo-sedimentação e de centrífugo- flutuação na detecção de parasitas gastrintestinais de cães; • Realizar um estudo das parasitoses gastrintestinais de cães para identificar as espécies presentes nessa população e os fatores que interferem na epidemiologia das infecções por estes parasitas. Material e Métodos 30 Material e Métodos 4. MATERIAL E MÉTODOS 4.1. Laboratórios As atividades laboratoriais do presente estudo foram realizadas nas dependências do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biociências, UNESP – Campus de Botucatu. 4.2. Animais e amostras Foram colhidas amostras de fezes de 254 cães dos quais 125 eram domiciliados e 129 errantes. As amostras foram colhidas em todos os meses, no período de outubro de 2004 a setembro de 2005. As amostras de fezes de cães errantes (129) foram colhidas de animais capturados pelo Centro de Controle de Zoonoses e encaminhados ao Canil da Prefeitura Municipal de Botucatu, ou de animais encaminhados ao Canil do Biotério Central da UNESP - Botucatu. As amostras de fezes de cães domiciliados (125) foram colhidas de animais para os quais se obteve autorização de proprietários residentes em Botucatu. No momento da colheita das fezes foram registrados para cada animal os dados de procedência, raça, sexo, idade, e no caso de animais domiciliados, a informação sobre vermifugações anteriores. A idade dos animais foi fornecida pelos proprietários e no caso dos cães errantes foi estimada pela análise da dentição. Animais com até seis meses de idade foram classificados como jovens. Dessa forma, as amostras foram distribuídas nas seguintes categorias etárias: machos jovens (5), fêmeas jovens (9), machos adultos (111) e fêmeas adultas (129). Dentre os cães jovens, a maioria era de animais domiciliados (9) e somente cinco eram cães errantes. As fezes colhidas sempre pela manhã, imediatamente após a eliminação, foram acondicionadas em gelo para posterior processamento laboratorial. No laboratório, as amostras foram divididas em duas alíquotas: uma alíquota, com aproximadamente 3 gramas de fezes frescas, foi Resultados 30 processada para concentração por meio de centrífugo-sedimentação e centrífugo-flutuação. Uma segunda alíquota, também de cerca de três gramas foi distribuída nos tubos coletores do Kit TF-Test® (cerca de um grama por tubo) contendo conservante (formalina neutra tamponada). Após vigorosa homogeneização das fezes com o líquido conservante, estas amostras foram estocadas e processadas no período de três a quatro dias após a colheita. 4.3. Técnicas Parasitológicas Para a pesquisa de parasitas intestinais de cães foram utilizadas as técnicas coproparasitológicas convencionais de concentração por sedimentação e de flutuação e o kit comercial TF-Test® (Immunoassay Indústria e Comércio Ltda). 4.3.1. Técnicas convencionais de concentração por sedimentação e flutuação Com base nos pressupostos dos métodos de concentração dos elementos parasitários por sedimentação e por flutuação em solução de sulfato de zinco, foram realizadas adaptações nos protocolos correspondentes, respectivamente, aos das técnicas de Hoffman, Pons & Janer e de Faust e colaboradores (REY, 2001), de forma que as amostras de fezes pudessem ser processadas, simultaneamente, para os dois métodos, utilizando a mesma quantidade de fezes empregada para as amostras analisadas pelo kit TF- Test®. Dessa forma, foram executados os seguintes procedimentos: 4.3.1.1. Concentração por centrífugo-sedimentação − Cerca de três gramas de fezes frescas foram colocadas em um copo descartável, diluídas em 10 ml de água corrente, filtradas através de uma peneira (coador de chá) e transferidas para um tubo de centrífuga. − O material foi centrifugado a 500 g (2.500 rpm) por 1 minuto. Resultados 31 − Após descartar o líquido sobrenadante, o sedimento foi homogeneizado em água corrente e novamente centrifugado. Este procedimento foi repetido até que o líquido sobrenadante ficasse relativamente claro. − Após a homogeneização do sedimento resultante dessa última centrifugação, uma ou duas gotas de material foi transferida para uma lâmina de microscopia, coberta com lamínula 22 x 22 mm e examinada ao microscópio óptico. 4.3.1.2. Concentração por centrífugo-flutuação − Ao sedimento restante no tubo foi adicionada solução de sulfato de zinco (densidade 1.180), homogeneizando o sedimento. − O material foi novamente centrifugado a 2.500 rpm por 1 minuto. − O volume foi completado com solução de sulfato de zinco até que se formasse um menisco no bordo do tubo. − Uma lamínula de 22 x 22 mm foi colocada sobre o menisco deixando-a em contato com o menisco por 1 minuto. − A lamínula foi removida por inversão rápida e colocada sobre uma lâmina à qual se havia depositado uma gota de lugol. A lâmina foi examinada em microscópio óptico. 4.3.2. Kit TF-Test® O kit TF-Test® é constituído dos seguintes elementos (Figura 1): Três tubos coletores contento formalina neutra tamponada (kit paciente), destinado a colheita de três amostras seriadas de fezes; Um conjunto formado por um frasco cônico para centrifugação e um sistema de dupla filtragem (kit laboratório), destinado à concentração das formas parasitárias. O kit TF-Test®, delineado originalmente para exame de fezes humanas, foi projetado para processar três amostras de fezes com a indicação de que as amostras sejam colhidas em dias alternados, a fim de aumentar a possibilidade Resultados 32 de detecção de parasitas. No presente trabalho embora tenha sido processado o volume de fezes correspondente às três colheitas preconizadas, foi realizada uma única colheita. Todo o processamento laboratorial das amostras pelo kit TF-Test® foi feito de acordo com a recomendação do fabricante que inclui os seguintes procedimentos: − Inicialmente, os três tubos coletores (contendo conservante mais fezes) de cada animal foram agitados para a homogeneização. − Os tubos foram abertos cuidadosamente para a adição uma gota de detergente neutro e 3 ml de acetato de etila, e, em seguida, fechados e agitados para homogeneização. − Após homogeneização os três tubos foram abertos e acoplados ao conjunto formado pelos filtros e pelo frasco cônico para centrifugação. − O material foi centrifugado por 1 minuto a 1.500 rpm. − Após desacoplar o frasco cônico dos demais elementos do conjunto, o líquido sobrenadante foi descartado e ao sedimento foram adicionadas 10 gotas de solução fisiológica, homogeneizando-as com o sedimento. − Uma gota do material homogeneizado foi transferida para uma lâmina de microscopia adicionando-se de uma gota de lugol. − A preparação obtida foi examinada em microscópio óptico após colocação de uma lamínula 22 x 22 mm. A BA B FIGURA 1. Componentes do kit TF-Test®. A – Tubos coletores (3) e conjunto de filtros e centrifugação. B – Detalhe do conjunto de filtros. Resultados 33 4.3.3. Exame microscópico das preparações Todas as lâminas preparadas pelos métodos de centrífugo- sedimentação (CS), centrífugo-flutuação (CF) e kit TF-Test® (TF) foram examinadas em microscópio Zeiss utilizando objetiva de 16 x. A objetiva de 40 x foi utilizada para confirmar o diagnóstico no caso de parasitas que apresentam formas muito pequenas (como cistos de Giardia e esporocistos de Sarcocystis) ou para dirimir dúvidas no caso de pseudoparasitas. 4.4. Análise estatística A freqüência de detecção de cada um dos parasitas diagnosticados nas três técnicas diagnósticas empregadas foi analisada empregando-se o teste de χ² (qui-quadrado). A sensibilidade diagnóstica das técnicas para cada parasita foi calculada individualmente pela fórmula: S = ca a + x 100 na qual “a” representa o número de casos positivos detectado pelo método e “c”, o número de casos verdadeiramente positivos. Considerou-se como o número de casos verdadeiramente positivos para um determinado parasita o total de animais com diagnóstico positivo para esse parasita, independentemente do método de diagnóstico (GARCIA et al., 2000). O indicie Kappa (k) foi calculado para determinar a taxa de concordância de diagnósticos obtidos com os três métodos. A influência das diferentes variáveis epidemiológicas investigadas (raça, sexo, idade, procedência, vermifugações e época do ano) sobre a freqüência de parasitas intestinais em cães foi comparada empregando-se o teste de χ² (qui-quadrado). Todas as análises foram feitas empregando-se os programas Excell e Poptools (Microsoft Co.). Resultados 35 Resultados 5. RESULTADOS Os parasitas intestinais e suas respectivas freqüências em amostras de fezes de 254 cães estão apresentados na Tabela 1, de acordo com o método diagnóstico utilizado. De modo geral, o método de centrífugo-flutuação foi capaz de identificar um maior número de animais infectados para todos os parasitas diagnosticados, no entanto, somente para Ancylostoma spp. esta diferença foi significativa (P < 0,05). TABELA 1. Freqüência de parasitas gastrintestinais detectada pelas técnicas de centrífugo-flutuação (CF), centrífugo-sedimentação (CS) e Kit TF-test® (TF) em amostras de fezes de 254 cães no Estado São Paulo. Parasita CF (%) CS (%) TF (%) Ancylostoma spp. 92 (36,2)a 49 (19,2)b 60 (23,6)b T. canis 22 (8,7) 10 (3,9) 16 (6,3) T. vulpis 17 (6,7) 6 (2,3) 6 (2,4) Giardia sp. 39 (15,3) 25 (9,8) 30 (11,8) Isospora spp. 9 (3,5) 2 (0,7) 1 (0,4) Sarcocystis spp. 7 (2,7) 1 (0,4) 1 (0,4) Valores seguidos de letras diferentes em uma mesma linha são significativamente diferentes (P < 0,05). Dos 254 cães, 132 apresentaram parasitas intestinais em infecções únicas ou múltiplas, com a seguinte distribuição: 79 animais com parasitismo único; 44 animais parasitados por dois; 7 animais por três e 2 animais por quatro gêneros e/ou espécies de parasitas. Dos 53 animais com poliparasitismo, 49 foram identificados pelo método de CF, 16 pelo Kit TF-Test® e 9 pelo CS. No que se refere à eficiência na detecção de poliparasitismo, a comparação entre as técnicas revela que a técnica de CF foi significativamente mais eficiente (P < 0,001) tanto em relação à técnica de CS quanto ao kit TF-Test® e que a eficiência destas duas foi semelhante (P > 0,05). Discussão 37 Os parasitas encontrados nas amostras de fezes dos cães e suas respectivas freqüências estão apresentados na Tabela 2, independentemente do método diagnóstico. O parasita mais freqüentemente encontrado foi Ancylostoma spp. (38,2%), seguido de Giardia sp., com uma freqüência de 16,9%. Embora não tenham sido encontradas cápsulas ovígeras de Dipylidium caninum nos três métodos diagnósticos empregados, foram detectados seis animais parasitados por esse helminto devido à presença de proglotes grávidas na superfície dos bolos fecais. TABELA 2. Associações de parasitas encontradas em 44 cães portadores de infecções mistas por dois gêneros, no Estado de São Paulo. Na Tabela 3, estão apresentados os resultados do cálculo de sensibilidade das três técnicas diagnósticas utilizadas enquanto que na Tabela 4 se encontram os índices de concordância entre as técnicas (índice Kappa). Esses cálculos foram considerados apenas para os parasitas que na população de cães estudada apresentaram freqüência igual ou superior a 5%. Parasita Animais positivos Freqüência (%) Ancylostoma spp. 97 38,2 T. canis 22 8,7 T. vulpis 18 7,1 D. caninum 6 2,4 Giardia sp. 43 16,9 Isospora spp. 9 3,5 Sarcocystis spp. 7 2,7 Discussão 38 TABELA 3. Sensibilidade das técnicas de centrífugo-flutuação (CF), centrífugo- sedimentação (CS) e Kit TF-Test® (TF) no diagnóstico de Ancylostoma spp., T. canis, T. vulpis e Giardia sp. em amostras de fezes de 254 cães no Estado São Paulo. Parasita CF (%) CS (%) TF (%) Ancylostoma spp. 95 49 60 T. canis 100 45 73 T. vulpis 94 33 33 Giardia sp. 91 58 70 TABELA 4. Valores de concordância (índice Kappa) entre as técnicas de centrífugo-flutuação (CF), centrífugo-sedimentação (CS) e Kit TF-Test® (TF) no diagnóstico de Ancylostoma spp., T. canis, T. vulpis e Giardia sp. em amostras de fezes de 254 cães no Estado São Paulo. Parasita CF x TF CF x CS CS x TF Ancylostoma spp. 0,63a 0,52 0,64a T. canis 0,83b 0,60a 0,68a T. vulpis 0,50 0,41 0,49 Giardia sp. 0,72a 0,75a 0,57 a = valores de kappa indicam concordância satisfatória; b = valores de kappa indicam concordância excelente. Os cálculos de sensibilidade revelaram que a técnica de centrífugo- flutuação apresentou maior sensibilidade diagnóstica para todos os parasitas e que a técnica de centrífugo-sedimentação, apresentou a mais baixa sensibilidade. Os resultados obtidos com kit TF-Test® situaram-se em posição intermediária em relação às demais. As técnicas que apresentaram maior Discussão 39 concordância foram a de CF e kit TF-Test® com valores de k considerados satisfatórios para três dos quatro parasitas mais prevalentes. Dos 53 animais poliparasitados, apenas 7 não estavam infectados por Ancylostoma spp. e nos 44 animais parasitados por dois gêneros, a combinação Giardia/Ancylostoma foi a mais freqüente (Tabela 5). Esta mesma combinação foi também encontrada em todos os animais infectados por três (sete animais) ou quatro gêneros (dois animais) de parasitas. TABELA 5. Combinações dos gêneros de parasitas em 44 cães portadores de infecções mistas por dois gêneros, no Estado de São Paulo. Parasita Giardia T. canis T. vulpis Sarcocystis Isospora Ancylostoma 14 8 6 7 2 T. canis 2 - - - - T. vulpis 2 1 - - - Isospora spp. 2 - - - - A análise dos dados em função da procedência dos animais revelou que 70,5% (91/129) dos cães errantes e 32,8% (41/125) dos cães domiciliados apresentaram infecção por pelo menos uma espécie de parasita, indicando ser a freqüência de parasitas intestinais em cães errantes significativamente maior (P < 0,01). A comparação entre cães errantes e domiciliados considerando cada parasita individualmente (Tabela 6) revelou que apenas as freqüências de Ancylostoma spp., T. canis e Giardia sp. (P < 0,01) eram significativamente distintas. Discussão 40 TABELA 6. Freqüência de parasitas intestinais em cães errantes (129) e domiciliados (125), no Estado de São Paulo. Parasita Errantes (%) Domiciliados (%) Ancylostoma spp. 74 (57,4)a 23 (17,6)b T. canis 18 (13,9)a 4 (3,2)b T. vulpis 12 (9,3) 6 (4,8) Giardia sp. 32 (24,8)a 11 (8,8)b Isospora spp. 5 (3,9) 4 (3,2) Sarcocystis spp. 4 (3,1) 3 (2,4) Total 91 (70,5) 41 (32,8) Valores com letras diferentes na mesma linha, são significativamente diferentes (P < 0,01). Na Tabela 7 estão apresentados os dados referentes às amostras de fezes dos 125 cães domiciliados classificados de acordo com a raça. Dessa forma, foram analisados os dados de 64 cães de raça definida (CRD) e 61 sem raça definida (SRD). Embora para alguns parasitas os dados absolutos sugiram uma freqüência aparentemente mais elevada de parasitas intestinais em cães SRD, a análise estatística dos dados revelou que essa diferença não foi significativa (P >0,05). Discussão 41 TABELA 7. Freqüência de parasitas intestinais em cães com raça definida (CRD) (n = 64) e sem raça definida (SRD) (n = 61) no Estado de São Paulo. Parasita CRD (%) SRD (%) Ancylostoma spp. 8 (12,5) 15 (24,6) T. canis 2 (3,1) 2 (3,3) T. vulpis 0 6 (9,8) Giardia sp. 5 (7,8) 6 (9,8) Isospora spp. 2 (3,1) 2 (3,3) Sarcocystis spp. 2 (3,1) 1 (1,7) Total 17 (26,6) 24 (39,3) Os dados relativos à freqüência de parasitas intestinais em relação à idade e ao sexo dos cães estão apresentados na Tabela 8. No que se refere ao sexo, não se observou diferença significativa na freqüência de parasitismo em machos e fêmeas adultos (P > 0,05). Com relação à idade, apenas a freqüência de T. canis (P < 0,05) foi significativamente mais elevada em animais jovens. TABELA 8. Freqüência de parasitas intestinais de acordo com a faixa etária e o sexo de 254 cães no Estado de São Paulo. Valores com letras diferentes na mesma coluna, são significativamente diferentes (P < 0,05). Categoria Ancylostoma T. canis T. vulpis Giardia Isospora Sarcocystis Jovens (14) 5 4a 1 6 1 0 Machos (111) 47 7b 6 16 3 6 Fêmeas (129) 45 11b 11 21 5 1 Total (254) 97 22 18 43 9 7 Discussão 42 De acordo com a informação dos proprietários 95 dos 125 cães já haviam recebido algum tratamento anti-helmíntico, entretanto, apenas para 30 o tratamento teria sido ministrado nos últimos 6 meses. A análise da freqüência de parasitas nesses dois grupos não revelou diferença que pudesse ser atribuída ao tratamento anti-helmíntico (P > 0,05). Na Figura 2, a freqüência de cães infectados pelos quatro gêneros de parasitas mais prevalentes foi plotada em relação aos meses em que foram feitos os diagnósticos. Embora todos os parasitas intestinais tenham sido detectados nos exames de fezes dos cães ao longo de todo o ano, a análise dos dados obtidos nos meses correspondentes à primavera/verão (outubro a março) e outono/inverno (abril a setembro) revelou não haver diferença significativa para a maioria dos parasitas, exceto Giardia sp. Com relação a esse parasita, o número de cães infectados de outubro a março foi maior que o encontrado de abril a setembro (P < 0,05). FIGURA 2. Freqüência de infecções por Ancylostoma spp., Toxocara canis, Trichuris vulpis e Giardia sp. em 254 cães no período de outubro de 2004 a setembro de 2005. 0 10 20 30 40 50 O-N2004 D-J2005 F-M2005 A-M2005 J-J2005 A-S2005 Meses % C ãe s In fe ct ad os Ancylostoma Toxocara Trichuris Giardia Discussão 43 Discussão 6. DISCUSSÃO O grande desenvolvimento da quimioterapia antiparasitária que se observou a partir do descobrimento dos benzimidazóis (CHAN, 1997) tem sido apontado como uma das causas para a negligência em se solicitar e realizar o exame coproparasitológico em clínica de pequenos animais. Além disso, é fácil constatar que a coproscopia é uma atividade de menor prestígio tanto em laboratório clínico humano como veterinário pois lida com material mal- cheiroso, de aspecto nauseabundo e para a qual houve muito pouco desenvolvimento tecnológico. No entanto, apesar da eficácia e segurança dos produtos disponíveis para prevenção e controle das enteroparasitoses, em todo o mundo existem evidências de que as infecções por parasitas emergentes ou reemergentes estejam aumentando nos animais de companhia (FAYER, 2000). O emprego de diferentes técnicas coproparasitológicas constitui a primeira providência capaz de identificar a presença de parasitas nesses animais e existem várias opções de técnicas diagnósticas que podem ser empregadas, cada uma com vantagens e limitações. Todavia, sabe-se que nenhuma das técnicas disponíveis é capaz de detectar todas as infecções quando empregadas isoladamente (OLIVEIRA-SEQUEIRA et al., 2002). No presente trabalho buscou-se avaliar a pertinência de se utilizar o que se dispõe de mais recente em termos de diagnóstico coproparasitológico na investigação da prevalência de parasitas gastrintestinais em cães, na expectativa de testar um método alternativo, cujas vantagens mais evidentes são a facilidade de coleta e conservação e que além disso proporciona uma menor manipulação das amostras de fezes tornando essa atividade mais limpa e segura. Os resultados obtidos no presente trabalho revelaram que embora a técnica de CF tenha sido a mais sensível na detecção de todos os parasitas intestinais presentes na população estudada, apenas para Ancylostoma essa maior sensibilidade se consolidou significativamente em uma maior freqüência de detecção de cães infectados. É provável que isso se deva ao fato de Ancylostoma ter sido o único parasita cuja prevalência tenha sido suficiente para demonstrar a maior sensibilidade do método de CF quando se analisa a eficiência do método em função do número de indivíduos parasitados detectados. Em relação às técnicas de CS e TF-Test®, constata-se mais uma vez que a maior sensibilidade apresentada pelo kit não se expressou por uma freqüência significativamente maior de cães com diagnóstico positivo por esse método. Embora ambos os métodos utilizem a sedimentação como método de concentração, é provável que a maior sensibilidade diagnóstica apresentada pelo kit se deva ao emprego de acetato de etila, de solução detergente e de duas malhas de filtragem que, em conjunto, propiciam a obtenção de uma preparação mais limpa, facilitando assim a identificação dos elementos parasitários. Esta observação está de acordo com as declarações de PERRY et al. (1990) que destacaram que a distribuição e a limpeza do material fecal são variáveis importantes que influenciam na detecção dos parasitas. De acordo com alguns autores, a maioria dos laboratórios clínicos utiliza variações da técnica original de concentração por sedimentação desenvolvida em 1948 por Ritchie (PERRY et al., 1990, GARCIA, 2001) e é fácil constatar que este princípio constitui a base dos dispositivos comerciais para o diagnóstico das parasitoses gastrintestinais humanas. A principal desvantagem atribuída às técnicas que empregam a sedimentação como método de concentração diz respeito à obtenção de uma preparação contendo grande quantidade de detritos, o que pode dificultar a identificação dos elementos parasitários (GARCIA, 2001). No caso do kit TF-Test®, embora a preparação seja mais limpa que a obtida pela CS, ela requereu mais tempo e cuidado para identificar os ovos e cistos presentes nas fezes que as preparações obtidas pela CF em sulfato de zinco. De acordo com DRYDEN et al. (2005) os métodos mais empregados para a detecção de ovos e cistos de parasitas em fezes de pequenos animais são os que utilizam a flutuação como método de concentração. Os resultados obtidos no presente trabalho demonstram que a técnica de CF apresentou maior sensibilidade na detecção tanto do parasitismo simples como do poliparasitismo em cães, endossando, de certa forma, essa escolha. No entanto, há que se destacar que nos cães da região estudada predominaram as infecções por nematódeos e protozoários que produzem ovos e formas císticas que flutuam bem em sulfato de zinco, e que não foram encontrados, mesmo nos métodos de sedimentação, ovos de trematódeos e cestódeos, considerados ovos densos. Por isso, essa maior sensibilidade não a credencia como mais indicada para qualquer região, pois é possível que onde o parasitismo por algumas espécies de nematódeos como Physaloptera, tenídeos e trematódeos seja prevalente, a adoção de métodos de concentração por flutuação possa resultar em um grande número de resultados falso-negativos. Os dados obtidos com o kit TF-Test® no diagnóstico coproparasitológico humano (GOMES et al. 2004) que demonstraram uma maior sensibilidade diagnóstica do kit TF-Test® em relação ao kit Coprotest®, e à combinação de várias técnicas convencionais de concentração não foram confirmadas pelos dados obtidos em relação ao diagnóstico coproparasitológico de cães. Entretanto, há que se destacar algumas observações. Em primeiro lugar, que embora o kit TF-Test® tenha sido desenvolvido para o diagnóstico de parasitoses intestinais humanas, contemplando a colheita de três amostras de fezes em dias alternados, no caso dos cães foi processado o volume de fezes equivalente a três amostras, mas colhido de um único bolo fecal. Outra consideração que pode ser relevante é que na investigação feita com fezes humanas houve predominância de infecções por protozoários e de acordo com CARTWRIGHT (1999) o exame de três amostras fecais aumenta particularmente a detecção de protozoários intestinais. No presente estudo, predominaram nos cães as infecções por nematódeos e a opção pela colheita de fezes em apenas uma ocasião se deu por considerar que seria mais viável convencer os proprietários de cães a colher uma amostra do que solicitar que colhessem três em dias alternados. Segundo CARTWRIGHT (1999), embora a maioria dos livros textos de parasitologia e os manuais de laboratório recomendem a coleta de três amostras de fezes no intuito de aumentar a sensibilidade de detecção de parasitas, essa recomendação é baseada principalmente em estudos muito antigos em que o aumento de detecção se deu apenas para determinados parasitas. Este autor afirma, inclusive, que a perpetuação dessa prática apresenta um alto custo-benefício e um uso imprudente dos recursos laboratoriais. No presente trabalho, as três técnicas diagnósticas foram comparadas utilizando-as em uma investigação epidemiológica, mas um dos propósitos foi o de compará-las em termos da melhor adequação também em relação ao diagnóstico de casos individuais. Embora os dados de prevalência obtidos com as técnicas de CF, CS e kit TF-Test® não tenham diferido significativamente para a maioria dos parasitas, o fato de Ancylostoma spp. constituir uma exceção já restringe a viabilidade de se utilizar a técnica de CS e do kit TF- Test®, isoladamente, em estudos epidemiológicos, em nossa região. Além disso, a maior sensibilidade apresentada pela centrífugo-flutuação em sulfato de zinco sugere que esta metodologia pode ser mais eficaz para o diagnóstico individual, principalmente, nos casos de infecções subclínicas. Ao se referir aos critérios que orientam a opção por uma determinada técnica para o diagnóstico coproparasitológico GARCIA (2001) destaca que são vários os parâmetros a serem considerados, e que para as diferentes técnicas não se aplicam os conceitos de “certa e errada” e “aceitável e inaceitável”. Dentre os parâmetros a serem considerados, a autora destaca os seguintes sem considerar a ordem de prioridade: clientela, número de amostras/mês, custo, disponibilidade de equipamentos, disponibilidade de microscopistas experientes e a região de atuação do laboratório com ênfase no conhecimento das infecções mais prevalentes. Neste sentido, um segundo propósito do presente trabalho foi o de se investigar os parasitas intestinais dos cães a fim de identificar as possíveis espécies, suas prevalências e os fatores que atuam na epidemiologia dessas infecções, a fim de oferecer algumas informações que pudessem orientar as futuras opções dos clínicos veterinários de pequenos animais da região. Ancylostoma foi o gênero mais comumente detectado (38,18%) tanto em animais com infecção única como nos poliparasitados. A maior prevalência desse gênero já havia sido registrada anteriormente nessa região (OLIVEIRA- SEQUEIRA, 2002) e é semelhante aos observados em outras localidades, nas quais esse parasita tem sido referido como um dos mais prevalentes (CÔRTES et al., 1988; GENNARI et al., 1999; BUGG et al., 1999; MINNAAR et al., 2002; BLAZIUS et al., 2005). O elevado número de cães infectados por Ancylostoma spp. pode ser devido às características do ciclo biológico do parasita e ao fato dos animais permanecerem susceptíveis à infecção por toda a vida. Assim sendo, apesar da principal via de infecção por este nematódeo ser via transmamária, o estabelecimento de adultos no intestino pode ocorrer por meio da penetração cutânea e da ingestão de larvas e também pela recolonização periódica do intestino através do desencistamento de larvas presentes na musculatura dos animais, que ocorre em situações de queda de imunidade (KALKOFEN, 1987) e quando a população de vermes adultos do intestino é eliminada por vermifugação. Além disso, é importante destacar que, sob condições adequadas, os ovos eliminados nas fezes dão origem a larvas infectantes em cerca de uma semana (BOWMAN et al., 2003). O parasitismo por Ancylostoma spp. é de grande importância tanto por causar danos à saúde dos animais parasitados, como à de seres humanos. A síndrome denominada Larva Migrans Cutânea, referida popularmente como “bicho-geográfico” é uma dermatite causada pela penetração de larvas, principalmente de Ancylostoma caninum e de Ancylostoma braziliensis. Os dados sobre a ocorrência dessa infecção no Brasil são esporádicos e se restringem ao relato de casos com apresentação clínica excepcional (VELHO et al., 2003) ou ao registro de surtos em grupos populacionais específicos como escolas e creches (ARAÚJO et al., 2000). Entretanto, os estudos de prevalência registram elevadas taxas de contaminação ambiental por ovos e larvas de Ancylostoma em locais públicos e de recreação infantil (COSTA- CRUZ et al., 1994; SANTARÉM et al., 1998; ARAÚJO et al., 1999; GUIMARÃES et al., 2005), assim como elevado percentual de cães infectados (GENNARI et al., 2001, OLIVEIRA-SEQUEIRA et al., 2002). Além da síndrome da Larva Migrans Cutânea, a contaminação humana por Ancylostoma caninum pode dar origem à síndrome de Larva Migrans Visceral e à enterite eosinofílica, uma zoonose emergente de difícil diagnóstico (MACPHERSON, 2005) que pode ser desencadeada pela presença de um único verme imaturo no intestino (McCARTHY e MOORE, 2000). Embora os relatos de enterite eosinofílica se restrinjam ao continente Autraliano, é possível que ela ocorra no Brasil, mas não seja diagnosticada (OLIVEIRA-SEQUEIRA et al., 2002). O segundo nematódeo mais freqüentemente diagnosticado em cães foi T. canis (8,7%) à semelhança do observado em estudos anteriores realizados em São Paulo (CÔRTES et al., 1988; GENNARI et al., 1999) e até mesmo em outros países (BUGG et al., 1999; ASANO et al., 2004). A transmissão transplacentária e transmamária, a grande produção de ovos que são eliminados nas fezes de animais infectados (HABLUETZEL et al., 2003) e a elevada resistência ambiental desses ovos (OVERGAAUW, 1997), contribuem para a contaminação do ambiente e conseqüentemente para a infecção humana e de outros cães. Chama a atenção a discrepância entre freqüência relativamente baixa de cães infectados com T. canis nos diferentes estudos de prevalência realizados no Brasil ⎯ 11,70 (CÔRTES et al., 1988), 8,49 (GENNARI et al., 1999), 5,54 (OLIVEIRA-SEQUEIRA et al., 2002) e 8,7% no presente estudo ⎯ e as elevadas soroprevalências detectadas em crianças (SILVA et al., 1998; CAMPOS-JÚNIOR et al., 2003) Uma possível explicação para essa discrepância é que embora cerca de 80% dos cães com menos de seis semanas de idade sejam parasitados (ROBERTSON e THOMPSON, 2002), a proporção de cães jovens nos inquéritos epidemiológicos é geralmente reduzida. Em segundo lugar há que se considerar a grande resistência dos ovos que podem permanecer viáveis no ambiente por vários meses (JORDAN et al., 1993). Tudo isso faz com que a contaminação ambiental seja cumulativa e que o risco de infecção humana seja maior que o sugerido pela prevalência de infecção nos cães (OLIVEIRA- SEQUEIRA et al., 2002). Talvez por isso, a infecção por T. canis seja a zoonose mais comumente adquirida de animais de companhia nos Estados Unidos, apesar da prevalência de cães infectados ter decrescido nas últimas duas décadas (ROBERTSON e THOMPSON, 2002). Dentre os protozoários diagnosticados, Giardia (16,9%) foi o mais freqüentemente encontrado em cães, à semelhança do que vem sendo registrado em diversas pesquisas realizadas tanto no Brasil como em outros países (BUGG et al., 1999; GENNARI et al., 1999; OLIVEIRA-SEQUEIRA et al., 2002). Na Austrália, onde é o parasita intestinal mais freqüente em cães, a elevada prevalência desse parasita foi atribuída ao fato desse parasita poder colonizar os nichos anteriormente ocupados por parasitas como T. canis e D. caninum, uma vez que a maioria dos anti-helmínticos utilizados em cães não interfere no desenvolvimento de Giardia (BUGG et al., 1999). Essa parece não ser uma explicação viável para a elevada prevalência de Giardia encontrada no presente trabalho pelos seguintes motivos: a maior freqüência da infecção em cães errantes ⎯ que não são objeto de tratamento anti-helmíntico e também pelo fato desse parasita haver sido um dos mais freqüentes em animais poliparasitados. Giardia duodenalis é um protozoário de distribuição cosmopolita, considerado o agente patogênico mais comumente diagnosticado em seres humanos em todo o mundo (ROBERTSON e THOMPSON, 2002) e o mais freqüentemente encontrado em surtos de enfermidades transmitidas pela água nos Estados Unidos (FAYER, 1994). Embora a maioria das infecções de cães por Giardia seja assintomática e que as infecções humanas sejam primordialmente devidas à transmissão pessoa-a-pessoa, o maior risco de transmissão zoonótica está relacionado aos animais de companhia (THOMPSON, 2004). No que diz respeito à procedência dos cães, a análise dos dados do presente estudo revelam que de modo geral, a prevalência de parasitas intestinais é mais elevada em cães errantes, tanto para parasitismo único como para poliparasitismo, porém essa diferença foi estatisticamente significativa somente para Ancylostoma spp., T. canis e Giardia sp.. Essa maior freqüência de parasitismo em cães errantes, também é verificada em países desenvolvidos onde existe um maior controle da população canina e se explica pela baixa qualidade dos alimentos ingeridos, falta de higiene e falta de cuidados relacionados à saúde do animal, como tratamentos anti-helmínticos, que influenciam negativamente as condições gerais da saúde desses cães (O’LORCAIN, 1994). Por isso, os cães errantes constituem um grave problema de saúde pública, contribuindo de forma constante para a contaminação ambiental com formas evolutivas dos parasitas, que podem infectar outros animais, inclusive o homem. Um exemplo dessa situação é descrita na Irlanda, (O’LORCAIN, 1994) onde se detectou uma prevalência elevada de infecções por T. canis (82,6%) em uma população que incluía majoritariamente cães errantes e com menos de 24 semanas de idade. No presente estudo, foram analisadas amostras de fezes de 64 animais de 17 diferentes raças e de 61 animais sem raça definida a fim de verificar a possível influência do fator raça sobre a freqüência de parasitas intestinais. Nessa análise só foram incluídos animais domiciliados e não foi observada nenhuma diferença significativa entre esses dois grupos. OLIVEIRA- SEQUEIRA et al., (2002) constataram uma maior prevalência de Toxocara e Cystoisospora em cães mestiços, mas como a maioria desses animais era de animais sem dono e os cães com raça definida eram cães domiciliados ponderaram que isso poderia estar mais relacionado ao nível de cuidado destinado aos cães do que uma influência da raça. Na Argentina, FONTANARROSA et al. (2005) não observaram diferença na prevalência de parasitas intestinais de cães relacionada à raça e ressaltaram que as variáveis: com ou sem raça definida e com ou sem dono estão intimamente associadas e não devem ser examinadas independentemente. Embora haja um relativo consenso de que a freqüência de parasitas intestinais seja mais elevada em cães jovens do que em cães adultos e os dados obtidos no presente trabalho revelem que a freqüência de T. canis tenha sido mais elevada em cães jovens, a comparação desse tipo de resultados é prejudicada pelo fato dos animais serem agrupados em categorias dissimilares pelos diferentes autores (FONTANARROSA et al., 2005). No entanto, a maior prevalência de Toxocara em animais jovens é esperada devido ao tipo de transmissão desse parasita, já que os cães jovens se infectam principalmente pela via transplacentária. Na medida em que ocorre o amadurecimento do sistema imune, a freqüência desse parasita diminui, embora alguns animais adultos permaneçam eliminando ovos nas fezes, contribuindo assim para a contaminação ambiental. No que diz respeito ao tratamento anti-helmíntico de cães, o fato de não terem sido detectadas diferenças na prevalência de parasitismo, que pudessem ser atribuídas ao tratamento dos animais, pode ser devido à inconsistência das informações fornecidas pelos proprietários e não à ineficácia dos possíveis tratamentos. Como muitos proprietários não sabiam precisar o tempo decorrido desde o último tratamento ou a droga empregada, a análise dessa associação foi completamente prejudicada. O interesse mais imediato nesse tipo de informação é o de avaliar se os tratamentos anti-helmínticos estão exercendo um papel relevante na redução do parasitismo e conseqüentemente da contaminação ambiental. Esse tipo de informação é também importante como meio de se suspeitar do surgimento de resistência dos parasitas aos antiparasitários. Outra observação interessante foi relatada por BUGG et al. (1999) que associaram o aumento na prevalência de parasitismo por Giardia em cães na Austrália, à utilização de anti-helmínticos. Em regiões de clima temperado a variação sazonal da prevalência de parasitas intestinais é freqüentemente observada, estando relacionada às variações de temperatura e umidade que afetam primariamente