LUCIANA FONTES PARZEWSKI Rumos da história contada pelos quinhentistas portugueses FRANCA 2007 LUCIANA FONTES PARZEWSKI Rumos da história contada pelos quinhentistas portugueses Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós- Graduação em História da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Franca, como requisição para obtenção de título de mestre. Sob orientação da Profª. Drª. Susani Silveira Lemos França. Área de concentração: História e Cultura Social FRANCA 2007 LUCIANA FONTES PARZEWSKI Rumos da história contada pelos quinhentistas portugueses Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, campus de Franca, como requisição para obtenção de título de mestre. Sob orientação da Profª. Drª. Susani Silveira Lemos França. Área de concentração: História e Cultura Social. BANCA EXAMINADORA _____________________________________ PRESIDENTE: Susani Silveira Lemos França _____________________________________ 1°EXAMINADOR _____________________________________ 2° EXAMINADOR Franca, de abril de 2007 Para Susani AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar agradeço a orientadora Susani, por sua generosidade em relação ao conhecimento, pela dedicação em tornar o resultado final do trabalho o melhor possível, mas, acima de tudo, pela gentileza com a qual conduz suas relações, que entre outras coisas, a tornam uma pessoa muito querida. Muito obrigada pela confiança! Agradeço, a Profª. Drª. Denise Aparecida Soares de Moura e a Profª. Drª. Márcia Regina Capelari Naxara pelas sugestões e apontamentos feitos no exame geral de qualificação que auxiliaram no encaminhamento dessa dissertação. Estendo ainda os agradecimentos à cara amiga Elisa, aos meus pais, ao meu marido César e a minha filha Alice. Esse trabalho contou com o apoio da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. RESUMO Em meados do século XVI foram publicadas as primeiras narrativas portuguesas que se preocuparam exclusivamente com as viagens marítimas para o oriente. Uma das primeiras narrativas acerca dessa presença portuguesa foi elaborada por Fernão Lopes de Castanheda, autor português que, na primeira metade do século XVI, se dedicou a elaborar, em dez livros, a história da expansão marítima portuguesa. O objetivo desse trabalho é tratar do modo como, na História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses, Castanheda enfatizou a predestinação divina do seu povo para ampliar o mundo conhecido. Em outras palavras, o trabalho versa sobre o modo como Castanheda e alguns de seus contemporâneos transformaram em história o que até então chegava aos homens do seu tempo apenas por meio de narrativas esparsas, preparadas por viajantes nem sempre cultivados para a escrita. Definidas como “crônica de expansão” pela historiografia especializada, narrativas como a de Castanheda e João de Barros, embora sigam de perto a forma explorada pelos cronistas do século XV, empreendem um significativo deslocamento na forma de organização do passado. Como se pretende observar, esse deslocamento, especialmente na obra de Castanheda, é perceptível sobretudo através da substituição de uma demarcação espaço-temporal centrada no rei e no seu reinado, para uma delimitação histórica que é conduzida pelas diversas partidas dos portugueses rumo ao oriente. PALAVRAS-CHAVE: Fernão Lopes de Castanheda, historiografia quinhentista, expansão marítima, partidas das naus. RESUMEN A mediados del siglo XVI se publican las primeras narrativas portuguesas preocupadas únicamente con los viajes marítimos en dirección al oriente. Una de las primeras narrativas, sobre la presencia de los portugueses, fue elaborada por Fernão Lopes de Castanheda, autor portugués, que en la primera mitad del siglo XVI se dedicó a escribir, en diez libros, la historia de la expansión marítima portuguesa. El objetivo de este trabajo es tratar el modo como, en la História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses, Castanheda enfatizó la predestinación divina de su pueblo para ampliar el mundo conocido. En otras palabras, el trabajo versa sobre el modo como Castanheda y algunos de sus contemporáneos transformaron en historia lo que hasta aquel momento llegaba a los hombres de su tiempo apenas por medio de las narrativas dispersas, redactadas por viajantes poco tallados para la escrita. Definidas como “crónica de expansión” por la historiografía especializada, narrativas como la de Castanheda y João de Barros, aunque sigan de cerca, principian un significativo desplazamiento en la forma de organización del pasado. Como la pretensión es observar, este desplazamiento, especialmente en la obra de Castanheda, es perceptible sobre todo a través de la substitución de una demarcación espacio-temporal centrada en la figura del rey y en su reinado, a una delimitación histórica conducida por las diversas partidas de los portugueses rumbo al oriente. PALABRAS-CLAVES: Fernão Lopes de Castanheda, historiografia del siglo XVI, expansión marítima, partidas de las embarcaciones. SUMÁRIO Apresentação.................................................................................................. 9 Capítulo I Os Descobrimentos na visão dos historiadores portugueses: Gomes Eanes de Zurara, Fernão Lopes de Castanheda e João de Barros...................................................................... 12 O impacto do descobrimento do caminho marítimo para a Índia............................. 12 A divulgação da notícia.............................................................................................. 17 A história como meio de divulgação.......................................................................... 23 O descobrimento para Barros e Castanheda............................................................. 33 Capítulo II O embate entre a primeira e a segunda edição do Livro primeiro da história quinhentista de Castanheda........................................ 42 A intervenção régia na publicação dos textos quinhentistas..................................... 42 Aproximações, distanciamentos formais e assuntos recorrentes............................... 46 Intervenções, alterações e novo sentido na 2° edição................................................ 57 Concepção de expansão e a predestinação................................................................ 67 O papel da providência divina nas duas edições....................................................... 74 Capítulo III O peso das partidas na história de Castanheda........................... 80 As descrições de partidas de naus nos textos quinhentistas............................................ 80 A escolha da frota............................................................................................................. 87 O momento da partida...................................................................................................... 95 As primeiras viagens para o oriente................................................................................ 101 Considerações Finais...................................................................................... 114 Documentos e Bibliografia............................................................................ 117 9 APRESENTAÇÃO A historiografia quinhentista elaborada por portugueses é tomada como uma das responsáveis pelas primeiras divulgações da expansão para o Oriente. Por meio de seus escritos, esses historiadores1 auxiliaram na construção da idéia de que houve um grande impacto desse feito sobre a concepção de mundo dos homens do século XVI. Assim, neste trabalho, enfatizar-se-á o modo como Castanheda e alguns de seus contemporâneos transformaram em história o que até então chegava aos homens do seu tempo apenas por meio de narrativas esparsas, preparadas por viajantes nem sempre cultivados para a escrita. O objetivo, em outros termos, é perceber como a historiografia quinhentista, em especial o texto de Fernão Lopes de Castanheda História do descobrimento e conquista do Oriente pelos portugueses, desdobra a importância da predestinação divina para as conquistas alcançadas na expansão, desde a chegada dos portugueses à Índia. Ainda que o alvo inicial tenha sido a ênfase dada por Castanheda à predestinação divina nos rituais de partidas das naus para o Oriente, o andamento da pesquisa levou à observação de que a presença divina só é enfatizada nas duas primeiras partidas que Castanheda descreve: a de Vasco da Gama e a de Pedro Álvares Cabral. Assim, a atenção da pesquisa passou a ser sobre o lugar que ocuparam, na história contada por Castanheda, essas partidas – tanto as duas primeiras que enfatizaram rituais religiosos no momento de saída e reforçaram a idéia de predestinação portuguesa para a expansão, quanto as outras partidas, que formam um conjunto homogêneo, por seguirem o mesmo padrão descritivo. 1 Destaca-se aqui, à partida, o fato de a historiografia especializada definir esses autores como cronistas. Todavia, nesta dissertação, optamos por defini-los como historiadores, dado que a discussão sobre a relação entre história e crônica será trabalhada em pesquisa futura. Por agora, vale apenas adiantar que não há um consenso entre os estudiosos acerca da natureza dessa produção. Além disso, os próprios autores, a saber, Fernão Lopes de Castanheda e João de Barros – não se definem como cronistas, nem tampouco, seus textos como crônicas. 10 Além dessa idéia de predestinação divina, o trabalho tratou de uma outra questão não menos fundamental e que, até então, não recebera da historiografia a atenção devida: as diferenças entre as duas edições do Primeiro Livro da história de Castanheda, edições elaboradas pelo próprio autor com uma distância de quatro anos entre uma e outra. Os motivos pelos quais o autor pode vir a ter alterado a primeira versão, incluindo, por exemplo, os nomes dos capitães não mencionados anteriormente, são os alvos nessa altura do estudo. O presente trabalho encontra-se dividido em três capítulos. O primeiro trata do modo como a Crônica da Guiné de Zurara, a História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses de Fernão Lopes de Castanheda e a Ásia de João de Barros, textos fundadores da história contada pelos portugueses sobre a expansão. Desta forma, iniciamos com a idéia de que o Oriente, antes mesmo de ter sido descoberto o caminho marítimo para a Índia, já estava presente, em especial a partir do século XII, nos escritos medievais. Além desse aspecto, tratou-se da recepção das notícias dos descobrimentos na Europa e dos textos que foram responsáveis por essa divulgação. Em um terceiro momento, foram abordados os contornos do gênero crônica e sua relação com outros textos que igualmente ajudaram a fixar uma certa idéia do "grande feito português". O capítulo termina com as impressões que as três narrativas, a de Zurara, a de Castanheda e a de Barros, responsáveis pelos primeiros passos na divulgação das notícias sobre as viagens, trazem a respeito da predestinação. Fernão Lopes de Castanheda, ao elaborar sua narrativa, aponta que ela seria dividida em dez livros, mas partes do nono livro e do décimo foram censuradas e não chegaram até nós. A questão importante, entretanto, que será condutora do segundo capítulo não é a das causas dessa censura, mas, sim, diz respeito ao fato de o Primeiro Livro, constituído por 95 capítulos, ter se tornado público em uma primeira versão, no ano de 1551, e ter ganhado, em 1554, uma segunda edição, também elaborada por Castanheda, com acréscimo de mais três capítulos. Os prováveis motivos dessa inclusão são de especial relevância aqui, porque esse 11 Primeiro Livro ganhou muita divulgação – ao menos comparativamente a outros que também abordam a expansão – na segunda metade do século XVI, tendo sido traduzido para o francês, o castelhano, o italiano e o inglês. Baseada, em um primeiro momento, na hipótese apontada por Luís de Sousa Rebelo de que a intervenção divina, ou melhor, o caráter de predestinação divina do povo português para a realização da expansão do mundo ganha mais ênfase na segunda edição, propusemo- nos a compará-las para observar em quais pressupostos Castanheda se ampara quando decide reeditar, com alterações, o Livro Primeiro de sua História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses. O que se observou, todavia, é que essa ênfase na predestinação não se estende por toda a segunda edição, antes aparece em dois momentos que podem ser tomados – e Rebelo o fez – como cruciais na nova versão: a inclusão da transcrição de uma carta de D. Manuel ao rei de Calicute e da informação encontrada, na praia de Sintra, em quatro colunas de pedras que continham escritos antigos – Sibila Cumea. O terceiro capítulo versa sobre as partidas das naus descritas na história de Castanheda, com a intenção de perceber, em um primeiro momento, quais são os pressupostos que regem as narrações da maioria das partidas das embarcações. O objetivo será perceber a função que certos aspectos recorrentes nessas narrações vão cumprir nessa história. Em seguida, a idéia é tratar das duas primeiras partidas que, apesar de serem exceções dentro da obra, também ocupam um papel importante na História do descobrimento e conquista da Índia ´pelos portugueses. A intenção do trabalho é, em suma, explorar algumas das bases sobre as quais se construiu esse discurso sobre a expansão, tendo sempre em conta que o historiador, especialmente o aqui visado, deu a entender que a sua observação direta dos acontecimentos foi decisiva para a elaboração da verdade que ele quis deixar registrada. 12 Capítulo I Os Descobrimentos na visão dos historiadores portugueses: Gomes Eanes de Zurara, Fernão Lopes de Castanheda e João de Barros O impacto do descobrimento do caminho marítimo para a Índia No ano de 1505, na cidade de Roma, considerada no período centro do mundo, o embaixador português Diogo Pacheco, em nome de D. Manuel, proclama ao Papa Júlio II: — “Recebei a obediência oriental, desconhecida de vossos antecessores mas reservada para vós [...]. Recebei, enfim, o próprio mundo. O mundo? Não, outras terras, outro mar, outros mundos, outras estrelas.”2 Eis a grandiosidade dos feitos portugueses para aquele que representava a Coroa diante do papa. Mas essa não é a única referência que engrandece tal conquista. A maior parte dos contemporâneos de Pacheco consideram que “não há dúvida que as navegações deste reino de cem anos a esta parte, são as maiores, mais maravilhosas, de mais altas e mais discretas conjecturas, que as de nenhuma outra gente do mundo.”3 Foi no reinado de D. Manuel, “senhor de grandíssimas conquistas e terras e senhoriais, mas muito mais no mar, e de riquezas de todo gênero”,4 que os descobrimentos, iniciados pelo infante D. Henrique, segundo os textos quinhentistas, ganharam novo impulso, de modo que este rei “terminou a esperança de tantos anos que era o descobrimento da Índia (...).” Assim, ele “procedeu da mais notável e maravilhosa obra que os homens viram, pois por ela o mundo foi estimado em mais do que se dele cuidava antes que descobríssemos esta sua tão grande parte.”5 2 ANSELMO, Artur. O livro português ao serviço do humanismo. Arquivos do centro cultural português, Lisboa-Paris, v.XXIII, 1987, p.361. 3 NUNES, Pedro. Tratado de Sphera. In:______. Obras. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1940, v.1, p.17. A idéia de o descobrimento português estar relacionado ao encontro de “novos céus, novas estrelas” foi fundamental e repetida por todos aqueles que reivindicavam para o reino tal feito, isso porque o meio pelo qual esse povo reivindicava para si o direito de descobridor estava diretamente ligado às técnicas que desenvolveram para mapear os novos céus. Sobre o assunto: SEED, P. Cerimônias de posse na conquista européia do Novo Mundo. São Paulo Unesp, 1999. 4 Giovanni da Empoli, navegador e comerciante, apud DORÉ, Andréa. Cristãos na Índia no século XVI: a presença portuguesa e os viajantes italianos. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.22, n.44, 2002. Disponível em: <>. 5 BARROS, João de. Ásia. Dos feitos que os portugueses fizeram no descobrimento e conquista dos mares e terras do Oriente. Lisboa: imprensa nacional-casa da moeda, 1988, v.1, p.165. 13 Vale lembrar, contudo, que, a despeito desses engrandecimentos em tons nacionalistas, o Oriente, de alguma forma, sempre esteve presente nos escritos europeus. Depois da primeira Cruzada, em 1095, que viabilizou um aumento no trânsito terrestre entre Europa e essas “novas” paragens, teve início uma nova interpretação dos dados de que se dispunha acerca dessa região.6 Essa movimentação, que conferiu à Ásia, “berço dos sonhos”,7 o status de atemorizante e sedutora, viu-se intensificada nos séculos XII, XIII e XIV, porém, não foram ainda esses viajantes que traçaram o promissor caminho para a Índia, que só o século XV viria a desenhar. O célebre relato que, nesses primeiros tempos, ajudou a alimentar uma idéia do que era o Oriente para a Europa foi o famoso “Livro das Maravilhas” de Marco Pólo,8 o qual, além de bastante divulgado, veio diferenciar-se de tudo que havia sido conhecido até então, justamente por trazer uma descrição minuciosa das culturas orientais.9 Apesar desse pioneirismo, não há um consenso a respeito da importância que esse relato teve no estímulo à empresa portuguesa. Luis de Albuquerque é categórico ao afirmar que, quanto à gênese da expansão, é diminuta a importância dos relatos de Pólo como impulsionadores dos grandes feitos. Para ele, essa influência só foi relevante depois que os navegadores chegaram à Índia.10 O texto de Marco Pólo, muito divulgado a partir do início do século XIV, não atraiu leitores, em razão de serem poucas as suas falácias. Foram apenas as descrições fabulosas, como as de Jean de Mandeville,11 que chamaram a atenção e obtiveram êxito, de modo que a atenção para lições geográficas e etnográficas só passou a ser importante 6 ANDRADE, António Alberto Banha de. Mundos Novos do Mundo. Panorama da Difusão pela Europa de Notícias dos Descobrimentos Geográficos Portugueses. 2.v., Lisboa: JIU, 1972, p.27-29. Na introdução desse texto, Banha de Andrade aponta quais foram esses viajantes e faz algumas referências aos seus itinerários e escritos. 7 CHAUNU, Pierre. Expansão européia do século XIII ao XV. São Paulo: pioneira, 1978, p.63. 8 O pai e o tio de Marco Pólo foram os primeiros a chegar à China e à Índia. Na segunda viagem que fizeram para o Oriente, levaram Marco Pólo, que escreveu o famoso texto ao qual nos referimos. 9 ANDRADE, António Alberto Banha de. Op. cit., p.29. Umas das primeiras edições de que se tem notícia desse texto teve como impressor um português, no ano de 1502. Valentim Fernandes, já na introdução, aponta para a importância do conteúdo desse escrito, repleto de “coisas novas e maravilhosas das terras e gentes novas e das suas coisas.” In: LOPES, Marília dos Santos. Artigo inter Os descobrimentos portugueses e a Europa. Mathesis, n.9, p.233-241, 2000, p.234. 10 Já Pierre Chaunu, considera, não somente o texto de Pólo, mas também o de Jean Mandeville, como alimento para a imaginação dos navegadores portugueses. CHAUNU, Pierre. Op. cit., p.63. 11 DELUZ, C. Le Livre de Merveilles du Monde. Paris: CNRS, 2000, p.9-10. 14 quando da chegada ao Oriente. Ainda no século XIV, os leitores não conseguiam distinguir – ou nem se preocupavam com isso – o que era verdadeiro ou falso nos relatos. Só a partir do século XV essa diferença começou a ser notada e a expansão auxiliou muito tal percepção. Os historiadores que costumam considerar a hipótese de o livro de Pólo ter sido importante para o início da expansão apontam que o famoso “Plano das Índias”12 foi escrito com base naquele livro. Apesar disso, para Albuquerque, esse plano não foi parte dos objetivos de D. Henrique, o que foi tomado – por muitos historiadores e pelo senso comum português – como iniciador da grande empresa portuguesa.13 Já para Banha de Andrade, o único texto que se pode afirmar ter, de alguma forma, auxiliado como motivador para os portugueses e suas navegações foi justamente o de Marco Polo, sendo possível documentar essa participação comparando-o com o pouco que os portugueses divulgaram para a Europa culta.14 Apesar dessa discordância, no caso da cronística do Século XVI, é possível reconhecer o “Livro das Maravilhas” como uma importante fonte, tendo sido utilizado inclusive por Fernão Lopes de Castanheda, quando descreve o senhorio do Preste João.15 E não é por menos que Castanheda se preocupa em descrever tal figura. Sua importância no período da expansão é inquestionável. Mitos que envolviam reinos cristãos na África e na Ásia ganharam muita força entre os séculos XI e XII. Entre eles, o do Preste João, que seria um rei sacerdote de um império cristão. Desde esse período até o século XVI, são muitas as referências, que se encontram por toda a Europa, a respeito da localização do reino 12 Para alguns autores, que se baseiam no texto de Barros, um dos objetivos do Infante com as navegações, foi circunavegar a África em direção ao Oriente em busca das especiarias, mas essa não é a posição de alguns especialistas, entre eles Duarte Leite, que não vêem esse como um dos objetivos do Infante, justamente porque somente Barros trata dessa possibilidade. 13 ALBUQUERQUE, Luís de. Crônicas de história de Portugal. Lisboa: Presença, 1987. 14 ANDRADE, António Alberto Banha de. Op. cit., p.32. 15 AVELAR, Ana Paula M. Visões do oriente. Formas de sentir no Portugal de quinhentos. Lisboa: Colibri, 2003, p.16-17. Zurara também faz referência a esse texto na Crônica de Guiné quando fala dos rituais antropofágicos dos guineus. “E isso me parece que não é de duvidar, que no Livro de Marco Polo se diz que geralmente se costumava estas cousas entre muitas nações daquelas partes orientais[...]”. ZURARA, Gomes Eanes de. Crónica de Guiné. Introdução, novas anotações e glossário de José de Bragança. Livraria Civilização, 1973, p.212. 15 do Preste João.16 No início das navegações, D. Henrique, dirigindo-se a Antão Gonçalves (um dos comandantes enviados pelo infante), disse “que lho tinha em serviço, e que não somente daquela terra desejava de haver sabedoria, mas ainda das Índias, 17 e da terra do Preste João se se pudesse”,18 ou seja, faz referência não só às terras orientais, mas também ao Preste João. No que diz respeito à busca pelo caminho marítimo ao Oriente, o rei D. Manuel tinha, segundo Castanheda, “muito grande desejo de descobrir o Preste João das Índias para o conhecer por amigo, e por sua causa ter entrada na Índia (...).”19 A idéia era que ter contato com um rei poderoso, que também fosse cristão, seria importante para facilitar o contato e interação entre os portugueses e estes novos povos. Também no reinado de D. João III, “quando falavam na Índia sempre era nomeado um rei muito poderoso a que chamavam preste João das Índias, o qual diziam ser Cristão: parecia ao rei que por via deste poderia ter alguma entrada na Índia.”20 A busca por alguma identidade entre os portugueses e a nova gente levou-os à procura do lendário reino cristão. Castanheda, em sua narrativa, destaca que na chegada de Vasco da Gama a Calicute encontrou-se um cristão que entendia a língua dele – o primeiro de toda a sua viagem e contato com as novas terras –, e todos da frota deram “graças ao Nosso Senhor, chorando de prazer.”21 O mito do Preste surge, pois, revigorado na narrativa do autor e este, por sua vez, vê um mesmo vigor entre os navegantes de quem conta a história. Uma outra questão presente tanto em um texto do século XV, de Zurara, quanto nos do século XVI de Castanheda e Barros foi a do medo que cercava as viagens marítimas iniciais e as que buscaram um possível caminho marítimo para o Oriente. Essas narrativas 16Sobre o tema ver GODINHO Vitorino Magalhães. Mito e mercadoria, utopia e prática de navegar séculos XIII – XVIII. Lisboa: Didel, 1990, p.153-167. 17 A idéia que se tinha de Índia, no período do infante D. Henrique é de uma localização geográfica no sentido meridional do Atlântico. 18 ZURARA, Gomes Eanes de. Crônica de Guiné, p.86. 19 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. História do descobrimento e conquista da Índia. Introd. e notas Pedro de Azevedo. Coimbra: Imprensa Universidade, 4.v., 1924, livro I, p.8. 20 BARROS, João de. Op. cit., p.84. 21 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro I, p.42. 16 traduziram e auxiliaram na construção da idéia do medo que cercava essas viagens. O temor de seguir para o sudeste foi intensificado pela maioria dos escritos antigos que descreviam situações subumanas não só no mar, perigoso para navegação, mas também de temperaturas elevadas que impossibilitavam a habitação daquelas paragens.22 Essas viagens iniciais causaram inquietação não só por parte dos mareantes, entre os quais era dito o provérbio “quem passar o cabo (Bojador) de nau, ou tornará ou não”,23 mas também por parte da população, porque a gente que saía nos navios deixava “muitos órfãos e viúvas no reino, além das despesas de suas fazendas, pois o perigo e os gastos ambos eram manifestos e o proveito tão incerto como todos.”24 Esse medo que cercava as viagens deixava “o coração de todos (...) entre prazer e lágrimas.25 Era grande dúvida qual seria o primeiro que quisesse pôr sua vida em semelhante aventura.”26 A passagem do cabo Bojador e a experiência que os portugueses ganharam no período de exploração do litoral africano foram importantes, mas não chegaram a minimizar o temor que ainda caracteriza as passagens dos textos sobre a expansão quando tratam da descoberta do caminho marítimo para a Índia. Este caminho continuou a causar certo medo, porque os “marinheiros naquele tempo não eram acostumados” a se engolfar tanto no perigo do mar “e toda a sua navegação era por singraduras sempre à vista da terra, e segundo lhes parecia, eram muito afastados da costa deste reino: andavam todos tão torvados e fora dos seus juízos pelo temor lhes ter tomado a maior parte deles, que não sabiam julgar em que paragem eram.”27 Depois desses primeiros momentos de absoluta incerteza, “toda a gente a uma só voz era no louvor deste descobrimento” (do caminho marítimo para a Índia).28 Centenas de 22 HOOYKAAS, R. Os descobrimentos e o humanismo. Lisboa: Gradiva. 1983, p.25. 23 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro I, p.20. 24 BARROS, João de. Op. cit., p.20 25 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro I, p.171. 26 ZURARA, Gomes Eanes. Op. cit., p.49. 27 BARROS, João de. Op. cit., p.15. 28 Idem, p.169 e 96. 17 homens partiam para a Índia, mesmo cogitando as dificuldades que seriam enfrentadas durante a viagem, já que não há vista de terra senão afastados trezentos e sessenta léguas partindo do fim do Ocidente e navegando até o do Oriente sem verem mais que água e céu, rodeando toda a esfera, coisa nunca cometida dos mortais, nem imaginada para se fazer. Com imenso trabalho de fome, de sede, de doenças e de perigos de morte, com a fúria e ímpeto dos ventos[...].29 As intenções que os moviam, segundo vários tipos de relatos, eram: uns de enriquecer com o comércio, e outros, em nome da consolidação do domínio português no oriente, partir para atividades que renderiam recompensas régias.30 O impacto da descoberta do caminho marítimo para as Índias implicou em uma nova possibilidade comercial para os portugueses, modificando a base da economia antes agrícola. O valor dessa experiência foi muito maior, porque, com ela, muito do que se considerava verdadeiro, como a concepção espacial que se tinha do mundo, caiu por terra. Os grandes centros europeus ficaram sedentos por informações a respeito da descoberta portuguesa. De modo que, neste percurso sobre a trajetória histórica da expansão, ou melhor, sobre o papel que a história elaborada pelos quinhentistas teve na construção de uma certa idéia de expansão e de descobrimento, é incontornável examinar um pouco as formas e dimensões da divulgação das viagens expansionistas. A divulgação da notícia Apesar de serem os portugueses responsáveis pela navegação que possibilitou a conquista do caminho do Oriente, a “nação portuguesa (...), que mais se apressa de fazer, que dizer (...)”,31 não se preocupou em divulgar o feito, segundo João de Barros. Foram os 29 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro I, p.4. 30 ALBUQUERQUE, Luis de. Um exemplo de “cartas de serviços” da Índia. Boletim da Biblioteca da Universidade de Coimbra, Coimbra, v.XXXIV, 1978, p.1. 31 BARROS, João de. Op. cit., p.2. 18 estrangeiros que primeiro se desdobraram para anunciar, por meio da escrita, toda e qualquer informação a que tinham acesso. O primeiro relato que se conhece a respeito das viagens portuguesas no Atlântico é o de Luis de Cadamosto, um italiano que participou de viagens marítimas32 e que, em função da falta de escritos portugueses que reivindicassem para si tal façanha, estruturou seu texto dando a impressão de que tal feito lhe pertencia.33 Por muito tempo, o comerciante foi conhecido como o responsável pelo descobrimento das ilhas de Cabo Verde.34 A participação estrangeira na expansão marítima justificava-se na medida em que a nação, recém estabelecida enquanto tal, além de não possuir riquezas, enfrentava a falta de contingente populacional. Não havia, pois, grande alternativa senão a de aceitar o auxílio que vinha de fora. Apesar disso, teria sido, segundo Banha, implantada a política de sigilo das técnicas náuticas, restando aos estrangeiros a função comercial. Apesar de toda a argumentação do autor, que procura justificar a falta de escritos portugueses que divulgassem suas conquistas, não parece que a política de sigilo seja uma das respostas para essa questão, justamente porque a divulgação não, necessariamente, deveria ser técnica, podendo os portugueses, por outra via, buscar essa divulgação.35 O que parece mais convincente é que, num primeiro momento, os portugueses não conseguiram dimensionar o significado de sua descoberta, cabendo aos estrangeiros a divulgação do achado. Essa tese da política de sigilo, a propósito, é creditada a Jaime Cortesão e foi muito questionada pela historiografia, que até considera possível uma tentativa portuguesa de não divulgar questões relacionadas à técnica de navegações desenvolvida por Portugal, mas nada que justifique o silêncio dos textos cronísticos, por exemplo, até meados do século XVI. 32 Para mais informações a respeito dos textos estrangeiros que tratavam da expansão portuguesa ver ANDRADE, António Alberto Banha de. Op. cit. 33 Idem, p.79. 34 Idem, p.82. Banha de Andrade, com o intuito de defender a expansão como feito exclusivo português, diz que o problema da pouca divulgação estava também na falta de interesses de intelectuais, que não queriam se desligar das concepções presentes em textos clássicos e demoraram para considerar relevantes as informações, mesmo que poucas, até então divulgadas, incluindo entre ela o texto de Cadamosto. 35 Segundo Leonardo Olschki, no texto Storia letteraria delle scoperte geografiche, “a descoberta acontece a partir do momento em que a consciência transforma em pensamento e em palavra o que é visto”, apud DORÉ, Andréa. Op. cit., p.2. 19 Uma das justificativas dadas por parte da cronística portuguesa do século XVI, para a demora na divulgação das conquistas no Oriente ressalta os portugueses como homens mais de ação que de reflexão, bem como ressalta seu árduo envolvimento nos campos de batalha. Mas João de Barros é mais depreciativo, ao dizer que: a “verdade é que os Portugueses não são muito curiosos, nem bons escritores: são mais amigos de fazer que de dizer.”36 Mesmo, porém, que se tome como sugestiva a avaliação de Barros, não se pode negligenciar que todos os capitães eram instruídos a desenvolverem relatórios com descrições de vários gêneros, desde geográficas até as que descreviam o comportamento religioso desses novos povos, contudo, quase nada desses relatórios chegou até nós.37 Um exemplo do que seriam esses escritos é o famoso Roteiro de Álvaro Velho, que foi utilizado por Castanheda quando este descreveu a viagem de Vasco da Gama, mas que, apesar disso, não é mencionado em nenhum outro texto do período e só foi encontrado em Portugal no século XIX.38 As notícias sobre a descoberta portuguesa foram ambicionadas “por livreiros, comerciantes, eruditos, entre outros que construíram as vias de recepção e divulgação.”39 Esses estrangeiros uniam-se em busca de novidades e transformaram-se em responsáveis pela transmissão de informações. Assim, “espargindo-se a fama deste feito pelas partes do mundo, houve de chegar à corte Del-Rei de Dinamarca e de Suécia e Noruega, e, como vedes, (...) homens nobres se entremetem de quererem ver e saber semelhantes cousas (...).”40 Essa dianteira estrangeira, em transmitir as notícias, pode ser percebida quando se observa que os prelos estrangeiros se empenharam mais em editar textos que falavam dos feitos portugueses que os próprios portugueses, quando da introdução da imprensa no país. Textos como a relação do Piloto Anônimo, o Livro das coisas do Oriente de Duarte Barbosa e 36 BARROS, João de. Op. cit. 37 ANDRADE, António Alberto Banha de. Op. cit., p.45-46 38 Idem, p.196-197 39 LOPES, Marília dos Santos. Artigo inter Os descobrimentos portugueses e os novos horizontes do saber nos discursos alemães dos séculos XVI e XVII. Disponível em: <> p.2. 40 ZURARA, Gomes Eanes. Op. cit., p.395. 20 as relações de Tomé Pires, foram primeiramente impressos fora de Portugal.41 A Coroa portuguesa, preocupada com as atividades marítimas, não soube, não pôde ou não quis, utilizar a imprensa, não se preocupando em divulgar culturalmente as descobertas e o conhecimento adquirido com as viagens.42 Várias notícias foram anunciadas a respeito de mares e terras povoados por monstros, além do terrível Cabo Bojador,43 que impossibilitava a passagem para o sul. O clima épico, num primeiro momento, marcou os textos que circularam pela Europa e que tratavam da expansão.44 Era um lugar comum, nos diferentes gêneros, o paralelo entre a expansão e a Antigüidade, o que pode ser observado justamente por ser o conhecimento que se tinha dos clássicos o que amparava a delimitação do mundo presente e o que não é negado nos textos. O que esses novos escritos trazem é um paralelo entre o conhecimento do passado, dado pelos clássicos, e o conhecimento do atual, trazido pelos textos que tratavam de expansão.45 O navegador Diogo Gomes juntou esse recurso de comparação com suas observações em viagens, ou seja, juntou seus conhecimentos às informações de Ptolomeu, no que diz respeito à impossibilidade, apontada pelo antigo, de habitar o extremo norte e os trópicos. Gomes “viu uma grande parte do mundo”, o que autenticou seu conhecimento e o levou a constatar que não só era possível habitar essas regiões, mas que nela havia população. Além 41 ANSELMO, Artur. O livro português ao serviço do Humanismo. Arquivos do centro cultural português, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa-Paris, v.XIII, p.359-372, 1987. 42 DIAS, Geraldo J. A. Coelho. A ideologia religiosa e os começos da imprensa em Portugal. Revista de história, Instituto nacional de investigação científica, Porto, v.VIII, p.159-168, 1988. 43 Transposto no ano de 1434 ,cuja manobra foi considerada por Chaunu uma “cabotagem mas ousada”. CHAUNU, Pierre. Op. cit., p.97. 44 RAMALHO, Américo da Costa. Os humanistas e a divulgação dos descobrimentos. Humanitas, Coimbra, v XLIII- XLIV, p.203-216, 1991-1992. 45 “Compreendendo-se como seguidores da cultura greco-latina, estes eruditos apoiavam-se neste quadro de valores, sem, no entanto, fecharem os olhos aos dados actuais.”. LOPES, Marília dos Santos. Os descobrimentos portugueses e a Europa. Mathesis, n.9, 2000, p.237. Na verdade para a autora os textos que trazem essa novidade para a Europa são os portugueses, mas como se sabe, essa é uma questão discutível porque na verdade muito, e para alguns autores quase tudo, que a Europa soube a respeito dos descobrimentos, tiveram como base textos de estrangeiros. DIAS, J.S. da Silva no texto “Os descobrimentos e a problemática cultural do século XVI ” ressalta que a produção dos “cientistas e < filósofos>” da expansão portuguesa ultramarina não tiveram a divulgação, pela Europa, que a historiografia atribui. Lisboa: Presença, 1982, p.77. 21 dele, Barros também se refere à falácia do antigo em relação à geografia, mas não tira os méritos de Ptolomeu e seus conhecimentos da astronomia.46 Os escritores quinhentistas não só apontam os “problemas” nos textos antigos, mas também se preocupam em descrever, nos seus textos, esses novos povos. Esse é um ponto corrente nesses registros. Barros referia-se a alguns desses como “pequenos de corpo, e feios de rosto, de cor baça, e quando falavam parecia que soluçavam (...).”47 Mas, somente em 1560 e 1570, Portugal foi palco de uma produção escrita preocupada em descrever a expansão – “da China e do Japão ao Brasil e à Guiné, do Canadá ao Cabo da Boa Esperança”. São textos de vários gêneros, desde roteiros até livros de pesos e medidas, apresentando um conhecimento “mais preciso de todo o planeta”.48 A tônica dos prólogos desenvolvidos pelos impressores de traduções de textos portugueses sobre a expansão era a importância, ou necessidade, de conhecer os novos dados que se tinha sobre a grande empresa promovida por Portugal. Isso pode ser visto na edição alemã, de 1567, da História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses, na qual o impressor destaca que os portugueses “descobriram uma grande parte do outro mundo(...). Eles viram nessas terras novas, que eles descobriram, várias espécies de gentes até então nunca vistas, costumes estranhos, plantas e animais maravilhosos(...).”49 Em meados do século XVI, os portugueses começam cada vez mais a se preocupar com divulgação do “novo” que seus curiosos desbravadores viram, ouviram e sentiram, em viagens longínquas a lugares somente imaginados, e a literatura de viagem cumpre, nesse 46 HOOYKAAS, R. Os descobrimentos e o humanismo. Lisboa: Gradiva, 1983, p.31. Para mais sobre o desenvolvimento da astronomia em Portugal no século XVI Cf: ALBUQUERQUE, Luís de. Crônicas de história de Portugal. Lisboa: Presença, 1987, p.131-152. 47 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro I, p.12. 48 GODINHO Vitorino Magalhães. Mito e mercadoria, utopia e prática de navegar séculos XIII – XVIII. Lisboa: Difel, 1990. 49 LOPES, Marília dos Santos. Os descobrimentos portugueses e os novos horizontes do saber nos discursos alemães dos séculos XVI e XVII. Disponível em: <>. p.1. 22 empenho, um papel de destaque.50 A Europa interessou-se, em um primeiro momento, pelas notícias que divulgavam o grande feito português e a verificação da existência desses novos lugares, alguns completamente desconhecidos e outros lendários. Em um segundo momento, as atenções voltaram-se para as descrições dessas novas terras, a geografia e os costumes dos novos habitantes.51 O rei D. Manuel foi o que mais se dedicou a divulgar as proezas de seu reino, de modo que divulgou, já em 1499, por meio de cartas, aos reinos com os quais tinha contato mais intenso, a descoberta do caminho para as Índias. Não se conhece, porém, a correspondência original, já que a imprensa e os editores do período não se preocuparam em divulgar esses escritos.52 Dado que foi em seu reinado que se descobriu o caminho marítimo para as Índias, o rei se sentiu estimulado a mostrar logo a obra sobre a terra: de maneira que a nossa Europa começou pôr os olhos nela, louvando assim os príncipes que abriram e encheram estes alicerces com o discurso da obra [História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses] [...] que até o ano de quinhentos e cinco o rei dom Manuel mandou fazer.53 Castanheda foi um dos portugueses que se desdobrou em tomar o trabalho de fazer a história dos descobrimentos e conquista da Índia, por “mandado do muito famoso e bem afortunado Rei dom Manuel para serem divulgadas pelo mundo as notáveis façanhas que fizeram com a ajuda do nosso senhor neste descobrimento e conquista.”54 Juntamente com ele, João de Barros foi outro dos grandes nomes que iniciaram o movimento, que chamou atenção de Portugal para a gravidade que era uma nação, “a quem deus deu tanto ânimo que se tivera criado outros mundos já lá tivera metido outros padrões de vitórias”, ser, por sua vez, “tão descuidada na posteridade de seu nome, como se não fosse tão grande louvor delatá-lo 50 LOPES, Marília dos Santos. Os descobrimentos portugueses e a Europa. Mathesis, n.9, 2000, p.234. 51 DIAS, J. S. da S. Os descobrimentos e a problemática cultural do século XVI . Lisboa: Presença, 1982. Dias faz um levantamento de obras de diversos gêneros, incluindo as crônicas de Castanheda e Barros, que circularam pela Europa e auxiliaram na construção do que se concebeu como expansão marítima portuguesa no século XVI. p.106-110. 52 ANDRADE, António Alberto Banha de. Op. cit., p 201-202. 53 BARROS, João de. Op. cit., Segunda Década, p.1. 54 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro I, p.4. 23 por pena, como ganhá-lo pela lança.”55 Diante de tamanho desleixo, ele se viu obrigado a “usar do ofício de estrangeiro, que da condição de natural”, para escrever sua Ásia.56 Ambos fizeram uso do modelo cronístico como meio de divulgação, mas importa perguntar quais são as características que regem esse gênero textual, ou melhor, esta forma encontrada pelos quinhentistas para registrar e construir seu passado. É importante igualmente perguntar quais as diferenças, ou semelhanças entre a divulgação de ambos os historiadores do século XVI e a produção do primeiro cronista português, Zurara, que trata do tema do descobrimento marítimo. Este confronto de dois momentos na elaboração dos feitos expansionistas é incontornável quando o que está em questão são as relações entre as crenças e as ações dos homens de determinado tempo, bem como os desdobramentos do fazer histórico em torno da expansão, como é o caso deste trabalho. A história como meio de divulgação Um ponto fundamental para o estudioso que se dedica à cronística quatrocentista e às narrativas históricas quinhentistas, foco deste trabalho, é interrogar aqueles próprios que escreveram acerca do gênero em que pretendem inserir e que inevitavelmente atualizam – em parte voluntariamente, em parte, não. Em geral, essa concepção é apresentada no prólogo dos textos,57 todavia, é conveniente destacar que aqui não importa pensar os limites e configurações do gênero com interesses formais, mas sim, indagar em que medida traduzem como um determinado grupo disse que percebeu o passado e desse modo ajudou a fixá-lo. Além de discutir se a crônica é um tipo de narrativa histórica e se o que os quinhentistas fizeram pode ser assim qualificado, a pergunta é: que tipo de concepção levou 55 BARROS, João de. Op. cit., p.160. 56 Idem, p.2. 57 GUENÉE, Bernard. Histoire et chronique. Nouvelles réflexions sur les genres historiques au moyen age. In:______(org.). La chronique et l’historie au Moyen Age. Colloque dês 24 at 25 mai 1982. p.3. 24 esses autores a escreverem nesse formato seus textos? Que concepções de história conduzem seu fazer? Mesmo que se argumente que as crônicas trazem consigo um teor moralizante, para White, esse teor está acima desse gênero textual, sendo parte integrante da narrativa medieval, ou seja, não se pode narrar sem moralizar.58 No século XV, quando escreve Zurara, e nos séculos anteriores, em especial a partir do século XII, os textos cronísticos se pretendiam verdadeiros, ou seja, os textos históricos buscavam trazer a verdade sobre o passado, e tinham como função principal manter viva a memória do reino, além de servirem como exemplo, em especial aos reis, do que fora feito por seus antepassados e quais as melhores escolhas a serem tomadas. Crônica era sinônimo de história59 e símbolo do saber medieval. A grande ambição de um erudito nesse período era escrever “uma compilação composta por uma ordem cronológica rigorosa”60 e a crônica, no contexto medieval, foi o meio que o historiador escolheu para transmitir seu conhecimento ao leitor, sem o afastar.61 Uma das principais características que fundamentavam esse gênero era a falta de dados numéricos, já que a maioria das referências à distância eram imprecisas ou incalculáveis, com freqüentes erros de datas, graças, em grande parte, à falta de algarismos árabes. Nesse tipo de texto, abundavam as citações eruditas, e era muito comum que fossem de segunda mão.62 No texto de Zurara, por exemplo, as citações tratam de temas gerais que, se 58 WHITE, Hayden. El contenido de la forma. Barcelona: Paídos, 1992, p.17-39. 59 Nos primeiros séculos da Idade Média a história e a crônica eram gêneros distintos. A história tinha como ponto fundamental a narração, já a crônica priorizava a cronologia. 60 GUENÉE, Bernard. Op. cit., p.10. 61 Sobre o tema ver: GUENÉE, Bernard. Histoire et culture histórique dans l’Ocident medieval. Paris: Aubier Montaigne, 1980 e do mesmo autor. Historie et chronique. Nouvelles reflexions sur les genres historiques au moyen age. In: Op. cit., p..3. 62 CARVALHO, J. Barradas de. A literatura portuguesa de viagens. (séculos XV, XVI, XVII). Revista de História , São Paulo, v.XL, n.81, 1970. Quando trata dessa questão o autor refere-se aos textos produzidos até o final do século XV, e nesse caso a única fonte foi a Crônica da Guiné, de modo que suas observações se limitam a ela. 25 comparados às de outros autores do período, permitiriam defini-lo como “modesto” quanto ao saber, que não se mostra muito “consistente”.63 A Crônica dos feitos de Guiné,64 escrita por Gomes Eanes de Zurara, foi, a propósito, o primeiro texto português que tentou fazer a história das conquistas ultramarinas portuguesas e, assim, dar a conhecer a outros povos o que tinham explorado os portugueses. Apesar de ter sido elaborada com o intuito de divulgar a empresa portuguesa ao exterior, não teve muito êxito, pois, em função da dificuldade que ainda se enfrentava no período para a reprodução dos escritos – ainda por meio de copistas –, não houve muito interesse na reprodução dos feitos heróicos ali descritos.65 Em muitos momentos, os textos de Castanheda, Barros e Zurara se aproximam, seja no empenho pedagógico,66 seja nos elogios e referências que os quinhentistas fazem à Crônica de Guiné e seu autor Zurara. O pioneirismo de Zurara é destacado por Barros, porque “não houve alguém que se entremetesse a ser primeiro nesse meu trabalho, somente Gomes Eanes de Zurara cronista mor destes reinos nas coisas do tempo do Infante D. Henrique.”67 Barros enfatiza, assim, a importância do texto de Zurara como fonte de seu trabalho.68 De modo geral, é possível apontar que a crônica tem não somente a função da divulgação dos feitos do reino, mas também a de servir, como exemplo, aos monarcas.69 Assim, para os príncipes “em especial foi feita a historia”, porque com ela é possível ter contato com “a experiência de exemplos, que são muito mais do que um homem pode ver em 63 CARVALHO, Joaquim de. Sobre a erudição de Gomes Eannes de Zurara. In:______. Estudos sobre a Cultura Portuguesa do século XV. Coimbra: Por ordem da Universidade, 1949, v.I, p.1-241. Carvalho, neste texto fez um levantamento de todas as possíveis fontes de Zurara, além de tratar das citações dos antigos. Aponta também a questão do plágio, que não fazia parte das concepções medievais (surge só no século XVIII). 64 O manuscrito desse texto foi encontrado somente em 1830, na biblioteca de Paris. BRAGANÇA, José de. Introdução. In: ZURARA, Gomes Eanes. Op. cit., p.LXV-LXXIV. 65 ANDRADE, António Alberto Banha de. Op. cit., p.54-78. 66 No século XVI, confrontam-se, segundo Ana Paula Avelar, duas tendências históricas, os petrarquistas e os ciceronianos, Castanheda, para a autora acaba por alimentar-se dessas duas tendências. AVELAR, A.P.M. Fernão Lopes de Castanheda historiador dos portugueses na Índia ou cronista do Governo de Nuno da Cunha? Lisboa: Cosmos, 1997, p. 71-72. 67 BARROS, João de. Op. cit., p.3 68 “(...) Zurara que foi cronista destes reinos de cuja escritura nos tomamos quase todo o processo do descobrimento da Guine (...).” Idem, p.18. 69 ANDRADE, António Alberto Banha de. Op. cit., p.55. 26 sua vida por mais comprida que seja.”70 A escrita é apresentada por ele, como se vê, como mais completa e pedagogicamente eficiente que a experiência da vida. A ênfase na descrição dos povos encontrados é preponderante no texto do cronista quatrocentista, de modo que há uma preocupação com a terminologia aplicada para tratar essas novas gentes. Zurara não se decide entre classificar os negros africanos de mouros – termo mais pejorativo – ou gentios. Ele assumiu uma postura favorável às medidas portuguesas, justificáveis pela tentativa de doutrinação dos cativos, porém, o cronista reconhece o sofrimento demonstrado pelos capturados como semelhante aos dos seus. Eram, no final das contas, “todos filhos de Adão”.71 Esse tipo de descrição não só dos povos, mas também de seus costumes e diferenças, também é parte integrante dos textos quinhentistas de Barros e Castanheda. Na Crônica da Guiné, fica evidenciada a idéia de que o que se escrevia nas crônicas era a verdade, ou melhor, o cronista deveria ter compromisso com a verdade, por isso, “entre os grandes cargos do historiador, principalmente devia ser lembrado de escrever verdade, e que escrevendo a verdade não minguasse dela nenhuma coisa”.72 A função desses escritos era, à semelhança do “cuidado que os antigos houveram”,73 de escrever para garantir aos descendentes o conhecimento dos feitos passados e manter na memória os feitos portugueses. Assim, o principal objetivo do cronista era eternizar, por meio da escrita, os grandes feitos, para que não fossem esquecidos. Outro lugar comum dessas três narrativas, e não só delas, mas de toda a cronística desenvolvida a partir de Fernão Lopes, primeiro cronista régio de Portugal, é que a história, além de memorialista, possuía também a função moralista, mostrando-se mais eficiente nesta 70 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro I, p.3. “Na época dos descobrimentos a palavra experiência designava o conjunto das aquisições do espírito em contato com a realidade. Já no final do século XVI, o termo adquire conotações científicas, significando [ praticar operações destinadas à estudar algo]” NOVAES, Adauto. Experiência e destino. In: NOVAES, Adauto. (org) A descoberta do homem e do mundo, São Paulo: Companhia das letras, 1998, p 9. 71 MACEDO, Helder. Op. cit. 72 ZURARA, Gomes Eanes. Op. cit., p.129. 73 Idem, p.12. 27 função, segundo os cronistas quatrocentistas e também as narrativas quinhentistas, do que outros agentes moralizadores, porque ela atua como as “pessoas desapaixonadas, dando mais verdadeiros conselhos que os conselheiros vivos”, pois estes estão sujeitos a afeições e parcialidades e “muitas vezes erram como humanos.”74 A história, ao registrar os acontecimentos passados, deveria ser utilizada como exemplo para as ações futuras, ou seja, as narrativas serviam de exemplo a serem seguidos ou não de acordo com as benesses alcançadas pelos antepassados.75 Um outro ponto importante para Zurara e Castanheda, que dá credibilidade ao trabalho, é o fato de ser o próprio escritor testemunha daquilo que narra; o que os leva em alguns momentos a destacar que, dos acontecimentos narrados, são “certa testemunha”.76 O autor da História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses destaca a importância de ver com os próprios olhos aquilo que vai narrar, para tanto, embarcou em direção ao Oriente, onde viu “os lugares em que se fizeram as coisas que havia de escrever para que fossem mais certas: porque muitos escritores fizeram grandes erros no que escreveram por não saberem os lugares de que escreviam.”77 O pressuposto por trás dessa busca de ouvir e ver em viagens era de que a vivência nos lugares visitados permitiria o distanciamento da “fábula” e a aproximação da verdade, ou seja, ser testemunha do acontecimento possibilitaria chegar ao que de fato ocorreu – tópico em vários autores dos séculos XV e XVI que remonta a Heródoto.78 74 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro I, p.4. 75 Essa idéia de história como fonte de exemplo está presente já na concepção que os Antigos apresentam para a história. “A lição da história para os Antigos, resume-se a uma negação da história. O que ela lega de positivo são os exemplos dos antepassados, heróis e grandes homens.” In LE GOFF, Jacques. Verbete história Enciclopédia Einaudi. Memória-História, v.I. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984. p.189. Em referência a Montesquieu, p.189. 76 ZURARA, Gomes Eanes. Op. cit., p.297. 77 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro I, p.5. O autor viajou para a Índia em 1528 com seu pai, onde recolheu o material que utilizou para escrever a crônica. 78 DORÉ, Andréa. Cristão na Índia no século XVI: a presença portuguesa e os viajantes italianos. Cristãos na Índia. Op. cit., p.3. 28 A intenção de Zurara, ao se dedicar ao trabalho, era “ordenar e ajuntar” fatos relacionados ao princípio da expansão marítima, era trabalhar para que “os ledores mais perfeitamente pudessem haver delas conhecimento.”79 Por ordem de D. Afonso, porque “pareceu-lhe que seria erro não haverem ante o conhecimento dos homens autorizada memória, especialmente pelos grandes serviços que o dito senhor sempre fizera aos reis passados e pela grande benfeitoria que pelo seu azo receberam seus naturais”,80 Zurara se dedicou a escrever os feitos do infante D. Henrique. Em função dessa necessidade do contato com a história dos antepassados, “foi instituído que nos reinos houvessem cronistas que fiel e particularmente escrevessem os feitos dos Reis.”81 A ênfase ao valor da escrita justificava-se para os autores, porque esse artifício, que mais parecia “por Deus inspirado que inventado por algum humano entendimento”,82 possibilitou a manutenção da memória do reino que se perderia, porque “as outras coisas que não são obras da natureza, mas feitos e atos humanos, estas porque não tinham virtude animada de gerar outras semelhantes a si e por a brevidade da vida do homem acabam com seu autor.”83 Barros, em certa medida, reafirma as concepções de Zurara, porque destaca “que tudo ou a maior parte do que” até ali havia escrito foi “tirado da escritura de Gomes Eanes, e assim deste Afonso Cerveira” – o antecessor de Zurara ao qual se refere mais de uma vez na Crônica da Tomada de Ceuta. E mais, adianta que não foi de pouca monta o trabalho que teve “em ajuntar coisas derramadas, e por papéis rotos e fora de ordem que ele Gomes Eanes levou 79 ZURARA, Gomes Eanes. Op. cit., p.10. 80 Idem, p.9. 81 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro I, p.3. Aqui é importante ressaltar que no momento em que Castanheda utiliza o termo cronista ele se refere a àqueles que escreveram a história dos reis. 82 BARROS, João de. Op. cit., p.1. 83 Idem, p.1. 29 no processo deste descobrimento.”84 Barros não se esquece de elogiar este cronista do reino como homem neste mister da história assaz diligente, e que mereceu o nome do ofício que teve. Porque se alguma coisa há bem escrita das crônicas deste reino é da sua mão: assim dos tempos que ele concorreu como alguns atrás, de coisas de que não havia escritura.85 A Crônica de Guiné dá muita ênfase à figura do infante D. Henrique, ou seja, seu tema principal é o infante e suas descobertas marítimas. Deste modo, Zurara afirma no texto que a conquista de Ceuta foi um dos feitos com os quais “todos seus dias passou em grandíssimo trabalho, que por certo entre todas as nações dos homens, não se pode falar de algum que mais grandemente senhoriasse a si mesmo,” enaltecendo desse modo a figura do infante.86 Isso porque diferentemente de Castanheda e Barros, o texto de Zurara tem um maior peso biográfico. Castanheda e Barros empenham-se em tratar de um grande feito português: a presença portuguesa no Oriente. Este é um ponto fundamental que os diferencia da cronística quatrocentista do descobrimento, cujo único exemplar mais célebre é a Crônica da Guiné. É importante ressaltar que, menos do que falar das diferenças entre a cronística oficial quatrocentista, representada pelo texto de Zurara, e a produção histórica quinhentista sobre a expansão, acabou-se por tratar mais das aproximações que existem entre ambas, isso porque, para além das questões que dizem respeito à mudança de temática, não há estudos que reflitam diretamente e sistematicamente sobre essas diferenças. Ao contrário, a historiografia tende a incluir essa produção histórica portuguesa sobre as descobertas e conquistas lusas em um grupo maior, que definem como narrativas de viagem ou de expansão e que englobariam as mais diversas produções que tratam do tema. Alguns historiadores e críticos, porém, preferem a classificação de historiografia marítima, um gênero que ganhou força em Portugal, em meados do século XVI, justamente com a publicação dos textos de Castanheda e de 84 Idem, p.64. Questão que será retomada no capítulo dois. 85 Idem, p.63. 86 ZURARA, Gomes Eanes. Op. cit., p.22. 30 Barros. Esse novo gênero teria fronteiras flexíveis, já notáveis nessas duas primeiras publicações que tratam da expansão marítima para o Oriente.87 Apesar disso, e tendo ainda em conta os riscos que se corre em optar apressadamente por uma dessas classificações ou definições, este trabalho apenas procurará apontar as diferenças e aproximações entre as narrativas dos dois séculos que se aproximam pela temática da expansão.88 Fernão Lopes de Castanheda, com sua História do descobrimento e conquista da Índia e João de Barros com a Ásia são, como já foi apontado, tidos como iniciadores de um movimento que se preocupou em tratar da empresa marítima, elaborando esses dois textos que são as primeiras obras significativas, desenvolvidas por portugueses, que trouxeram informações sobre a expansão marítima e que tiveram divulgação pela imprensa.89 Outros autores contemporâneos, como Duarte Pacheco e Diogo do Couto – um pouco mais tarde –, também se dedicaram a tratar da presença portuguesa no oriente, mas não serão referenciados. O primeiro porque não teve seu texto impresso no século XVI e o segundo porque é um pouco posterior a Barros e Castanheda e foi responsável pela continuação da Ásia de Barros, já que Barros escreveu somente as quatro primeiras décadas. Além disso, o trabalho vai abarcar somente os autores considerados precursores da cronística que trata da expansão, deixando também por ora de lado a obra de Gaspar Correia. Vale mencionar que, na Historia do descobrimento... e na Ásia, os “acontecimentos saíram da esfera da experiência para se tornar história”. Cada uma delas se diferenciando por serem textos pensados, organizados e escritos por somente um autor, ao contrário das divulgações que até então esses feitos haviam ganhado a partir de relatos diversos e dispersos 87 MATTOSO, José. Op. cit., p.361. 88 José Manuel Garcia propõe uma reflexão acerca das definições dadas aos textos que tratam da expansão. Fala da falta de trabalhos que se dediquem a refletir sobre esse problema, já que as definições da historiografia ou são muito abrangentes, ou propõe um recorte muito limitado. Seu texto segue com uma possível ordenação, na qual as crônicas seriam classificadas dentro do grupo designado por literatura portuguesa de expansão, o qual teria em comum o fato de descrever “viagens, terras e acontecimentos nos novos mundos”. In GARCIA, José Manuel, Ao encontro dos descobrimentos. Lisboa: Presença, 1994, p.191-194. 89 Ambos se consideram o primeiro autor a tratar da expansão marítima para o oriente. 31 sobre a experiência no mar90 e, como foi adiantado na introdução, elaborados por homens quase sempre de pouco saber, com pouca familiaridade e quase nenhuma reflexão sobre o significado cultural do alargamento do mundo. O descobrimento do caminho marítimo para a Índia é o alvo do século XVI, mostrando-se como uma problemática incontornável para Castanheda e Barros. O contato com novos povos levaram esses dois historiadores a refletir sobre a relação do descobridor com o outro.91 O primeiro texto cronístico impresso, que tratou da descoberta e conquista da Índia, foi o de Castanheda, apesar de João de Barros também reivindicar para si essa realização.92 É certo que ambos publicaram seus textos em datas muito próximas, mas Castanheda teve o Primeiro Livro da história do descobrimento e conquista da Índia publicado no ano de 1551, enquanto Barros publicou sua primeira Década, em 1552. O texto de Castanheda teve grande divulgação, sendo traduzido para o francês por Grouchy, em 1553. Em seguida, vieram as versões espanhola, em 1554, a italiana, um pouco depois, em 1578, e finalmente a inglesa, em 1582. A Ásia de Barros ganha somente uma versão em língua italiana no ano de 1562.93 Esses dois textos têm em comum o fato de tratarem do mesmo tema, qual seja, a presença portuguesa na Índia e serem considerados crônicas da expansão destinadas a um público curioso por notícias; razão pela qual importava que fossem impressos e alcançassem uma divulgação maior. Essas duas preocupações, o 90 AMADO, Janaina; FIGUEIREDO, Luiz Carlos. Brasil 1500: Quarenta Documentos. São Paulo: Imprensa Oficial, Brasília: Unb, 2001, p.413. 91 REBELO, Luís de Sousa. Damião de Góis, Diogo de Teive e os arbitraristas do século XVII. Humanitas, Coimbra, v.XLIII-XLIV, p.203-216, 1991-1992. Sobre o tema ver ALBUQUERQUE, Luís de (org.). O confronto do olhar. O encontro dos povos na época das navegações portuguesas. Lisboa: Caminho, 1991. 92 Já que ambos reivindicam para si o privilégio de ser o primeiro a escrever acerca dos descobrimentos no oriente é possível pensar em uma “concorrência entre agentes de uma mesma configuração intelectual”. MATTOSO, José (dir. e coord.). História de Portugal. A Monarquia Feudal, v.III. Lisboa: Editorial Estampa, 1993. “[...] fui o primeiro que brotei este fruto de escritura dessa vossa Ásia.” BARROS, João de. Op. cit., p.4. 93 ANDRADE, António Alberto Banha de. Op. cit., p.69. O autor não se refere à tradução alemã que ganhou vida em 1565. 32 público alvo e a divulgação, faziam parte do universo daqueles que utilizaram fontes de diversos gêneros, desde cartas, manuscritos ou impressos até testemunhos orais.94 A obra de João de Barros estava ligada a uma geração que até meados do século XVI, segundo Antônio Rosa Mendes, gerenciou a “modernização da cultura portuguesa”. O fato de os homens letrados do reino português terem, em sua maioria, se formado no exterior e trazerem consigo “uma orientação mental livresca e estruturalmente divorciada da realidade prática das coisas”, atrapalhou na introdução em suas obras da questão dos descobrimentos, o que tornou esse um tema de menor grandeza.95 O grupo de poetas, artistas e acadêmicos portugueses, menos envolvidos com a navegação, apresentava uma postura “humanista típica”, de “admiração incondicional” aos antigos.96 Os descobrimentos e as mudanças culturais que a Europa sofreu, no século XVI, estavam desarticulados, ou seja, de algum modo as concepções humanistas que se desenvolveram na Europa, no período, não estiveram relacionadas à expansão marítima portuguesa.97 De outro lado, o grupo, no qual se enquadrou Castanheda, encontrava-se à margem dessa corrente e, por isso, a seu modo, trouxe a público a expansão portuguesa. Eles estariam mais ligados à idéia de experiência, de contato com o novo, em oposição ao outro, mais voltado para o livro e “seu saber codificado”. Outros autores do século XVI, como Duarte Pacheco, D. João de Castro e o já citado Pedro Nunes, enaltecem a experiência marítima como fundamental para perceber os erros que os antigos cometeram. O próprio Camões tece elogios ao equilíbrio entre o conhecimento dos livros e a experiência, para a qual se dava mais valor.98 94 AVELAR, Ana Paula Menino. Breves sombras da China na cronística da Expansão (século XVI). Camões, n.7, p.148-155, 1999. 95MATTOSO, José. Op. cit., p.377. Esse é um ponto abordado também por J. S. da Silva Dias no livro Os descobrimentos e a problemática cultural do século XVI . Lisboa: Presença, 1982, p.13-76. Para Dias, a questão da divulgação tardia está diretamente ligada a essa formação estrangeira dos intelectuais que, em função da distância, não estavam inteirados do “espírito e da problemática criados pela empresa”, p.21. 96 HOOYKAAS, S. Os descobrimentos e o humanismo. Lisboa: Gradiva, 1983, p.42. 97 DIAS, J.S. da Silva. Os descobrimentos e a problemática cultural do século XVI , p.115. 98 HOOYKAAS, S. Op. cit., p.37. 33 E essa diferença foi observada ainda no século XVI por Pêro Magalhães Gândavo que, em uma publicação de 1574, elenca quais eram os escritores portugueses, listando Barros, juntamente com Francisco Sá de Miranda, Camões, André de Resende, entre outros quase desconhecidos nos dias de hoje.99 A intenção não é entrar nos méritos dessa escolha, em especial porque não só Castanheda não foi citado, mas outros nomes como Gil Vicente também não foram contemplados, mas apenas notar que, de alguma forma, um contemporâneo diferencia os textos de Barros e Castanheda, ou melhor, destaca Barros em relação a Castanheda. O fato de os dois autores apresentarem formações distintas em seus textos, sendo o de Barros considerado, sob o ponto de vista literário, superior ao de Castanheda, e de o enfoque deste último em discussões filosóficas e teóricas ser bem menor se comparado a Barros, faz emergir a interrogação de se isso implica, necessariamente, em uma mudança de concepção em relação à expansão marítima. Em outras palavras, vale tratar da forma como os textos desses dois autores concebem a expansão e qual a diferença entre a divulgação de ambos e a divulgação da primeira crônica sobre o descobrimento (Zurara). O descobrimento para Barros e Castanheda Antes de tratar especificamente dos textos do século XVI, tratar-se-á das razões, apontadas por Zurara, que levaram o infante D. Henrique a dar continuidade às navegações, porque o fato de Castanheda e Barros utilizarem, como base das suas investigações na elaboração das suas histórias, o texto de Zurara, aproxima muito a concepção que os três apresentam da expansão, pelo menos no que diz respeito à grandeza da mesma para ser feita história. 99 MATTOSO, José. Op. cit., p.361. O autor do texto propõe a seguinte reflexão a respeito da exclusão de alguns nomes importantes “Apontará esta exclusão pra uma desqualificação de um gênero que ainda hoje é considerado popular?”. 34 Para os autores, a expansão marítima foi um grande feito, que trouxe muitas glórias ao reino, em função, em grande parte, das qualidades de seu iniciador, o infante. Já nas narrativas de Zurara, ou melhor, na sua crônica de Guiné, a idéia de que os predicados da expansão estavam relacionados às muitas qualidades de D. Henrique, seu primeiro realizador, é muito forte, ou seja, as benesses desse evento estavam diretamente ligadas aos muitos predicados de seu agente.100 D. Henrique “tinha vontade de saber a terra que ia além das ilhas de Canária, e de um cabo que se chama Bojador”, já que até o momento não se tinha podido “determinar a qualidade da terra que ia para além do dito cabo.”101 A figura do infante ganha, na crônica de Zurara e também na de Castanheda e Barros, importância determinante para o início e desenvolvimento da expansão marítima e exploração da costa africana. Assim, a Crônica de Guiné aponta os motivos que levaram D. Henrique a investir em tal empresa Uma dessas razões foi a busca por “alguma povoação de Cristãos, ou alguns tais portos em que sem perigo pudessem navegar”, para que assim abrissem caminho para um comércio com essas terras, com as quais “não tratavam outras pessoas estas partes, nem doutras nenhumas que sabidas fossem.”102 Outra era diminuir o poder dos “Mouros” que lá habitavam, causa, pois, diretamente relacionada à busca por “alguns príncipes Cristãos em quem a caridade e o amor de Cristo fossem tão esforçadas que o quisessem ajudar contra aqueles inimigos da fé.”103 Para os autores quatrocentistas e quinhentistas, o infante tem como objetivo a consagração da fé católica, por duas razões: uma pré-disposição natural, inerente ao infante, e o vínculo à Ordem de Cristo, o que o obrigava a promover a guerra contra os infiéis.104 Um outro ponto, talvez mais predominante para tal empreendimento era o desejo de salvar as almas dessas terras desconhecidas. Por fim, a razão, “raiz donde todas as outras procedem”, está ligada à predestinação do infante à conquista, questão já apontada 100 GODINHO, Vitorino Magalhães Documentos sobre a expansão portuguesa. Lisboa: Glala, s/d., p.136. 101 ZURARA, Gomes Eanes. Op. cit., p.43. 102 Idem, p.44-45. 103 Idem, p.45 104 GODINHO, Vitorino Magalhães. Op. cit., p.132. 35 anteriormente105 e que, como veremos adiante, é um tópico dessa produção histórica sobre a expansão, pois a idéia da predestinação dos portugueses é recorrente na história contada tanto por Castanheda quanto por Barros. No final da crônica, Zurara, sobre este tema da salvação, enfatiza que “a maior parte [das gentes encontradas] foram tornadas ao verdadeiro caminho da salvação”.106 E enfatiza que ele próprio, que a “história” escreveu, viu “tantos homens e mulheres daquelas partes tornados à santa Fé.”107 Ou seja, a questão da salvação das almas que desconheciam a doutrina cristã é mencionada como a razão maior que move o infante em suas navegações, de modo que esse ideal remanescente da idéia de cruzada contra o Islã e da expansão do cristianismo foram o mote da iniciativa do infante e o que mais o tornou digno de louvor.108 Apesar de abordar também a questão da possibilidade de comércio com as novas terras, não é esse o ponto fundamental para o texto. Como o período mercantil, envolvendo a África, inicia-se em 1448, são poucas as referências da crônica de Zurara a questões comerciais.109 D. Henrique, assim que soube das novas terras, tratou “logo de enviar embaixada ao Santo Padre para lhe requerer que dividisse com ele os tesouros da santa Igreja para salvação das almas daqueles que nos trabalhos desta conquista fizeram seu fim (...).”110 Ele recebe do papa a autorização para evangelizar, além da certeza de que “a cada um que na dita guerra e batalha forem, pela autoridade apostólica e pelo teor das presentes letras, concederia e outorgaria comprida perdoança de todos os pecados, dos quais de coração seriam contritos, e 105 ZURARA, Gomes Eanes. Op. cit., p.46-47. 106 Idem, p.405. 107 Idem, p.46. 108 PERES. Damião. História dos descobrimentos portugueses. Porto: Vertente, 1992, p.37-38. O autor destaca também a importância econômica da expansão para Portugal, porém reconhece que o texto de Zurara não dá tanta ênfase à questão comercial como razão para a iniciativa do Infante. 109 LEITE. Duarte. Acerca da “Crônica dos feitos de Guiné”. Lisboa: Bertrand, 1941, p.127. Para Antônio Baião a expansão marítima está relacionada à necessidade de mais terras por parte da Coroa portuguesa, da nobreza e da burguesa quatrocentista. BAIÃO, Antônio. História da expansão portuguesa no mundo. Lisboa: Ática, 1937, p.353. 110 ZURARA, Gomes Eanes. Op. cit., p.81. 36 por boca confessados.”111 Essa idéia de evangelização desses novos povos é recorrente no texto, e a possibilidade de compor uma aliança com o Preste João foi parte do plano do infante para promover a cristianização.112 As novas terras eram habitadas por guineus – negros africanos –, por isso, são todas nomeadas de “Guiné, e não por que a terra seja toda uma, que grande diferença tem umas das outras.”113 Na verdade, o objetivo desse texto, mais do que falar do descobrimento da Guiné, era tratar da conquista de várias terras africanas.114 Essas propensões de Zurara de alguma forma estão presentes no texto de Barros que, apesar de ter como objetivo “escrever os feitos que vossos vassalos [do rei] na milícia e conquista delas fizeram”115 – para o que pediu autorização ao rei e, em 1520, começou a escrever –, tomou como ponto de partida os primórdios da expansão e, por isso, teve a crônica de Zurara como principal fonte. Castanheda também faz referência a Zurara quando trata da importância de o historiador presenciar aquilo que descreve, como já dito anteriormente. Outra questão importante para Castanheda, Barros e Zurara é a da predestinação divina, já que a expansão é um feito português que consideram dever muito à divina providência, porque “Nosso senhor, (...) por sua misericórdia, queria abrir as portas de tanta infidelidade e idolatria para salvação de tantas mil almas que o demônio no centro daquelas regiões e províncias bárbaras tinham cativas (...).” Assim, os portugueses surgem como os instrumentos para a efetivação da vontade divina. Essa é uma característica também presente no texto de Castanheda e no relato de Duarte Pacheco, que compreendem a influência da providência divina como fator preponderante no desenvolvimento das ações dos portugueses 111 Idem, p 83. Trecho da carta de resposta do Santo Padre. 112 BAIÃO, Antônio. Op. cit., 1937 113 ZURARA, Gomes Eanes. Op. cit., p.146. 114 LEITE. Duarte. Op. cit., p.126. 115 BARROS, João de. Op. cit., p.4. 37 no oriente.116 Todos esses autores contemplam que a predestinação divina garantiu o sucesso das navegações. Esse é um ponto fundamental na narrativa de Barros e Castanheda, já que na percepção de ambos o rei dom Manuel louvava a Deus, pois lhe provera ser ele o instrumento por quem quisera conceder um bem tão universal como era abrir as portas de outro novo mundo de infiéis, onde seu nome pode ser conhecido e louvado e as chagas de seu precioso filho Cristo Jesus recebidas por fé e batismo, para redenção de tantas mil almas como o demônio naquelas partes da infidelidade imperava.117 E não só D. Manuel foi digno dessa inspiração, mas ainda, nos primórdios da expansão, [...] parece que por inspiração divina começou o infante Dom Henrique este descobrimento por mar que outro nenhum príncipe da Europa que eram senhores de muito maior estado que ele, porque dele herdassem os reis de Portugal que foram dali por diante este descobrimento principalmente o ilustríssimo rei dom Manuel, para quem a divina providência tinha guardado o feito dele que era a Índia.118 Assim, é possível perceber que, para os três autores, as dádivas da expansão são também fruto de inspiração divina e o infante sai à frente, porque foi ele que iniciou o movimento, tendo sido seguido por D. Manuel. São, assim, ambos abençoados pelo auxílio divino em suas decisões, idéia de predestinação que é fundamental e reger a concepção que esses autores apresentam da expansão portuguesa. A narrativa de Castanheda traz, a propósito dessa predestinação, a reprodução de uma carta,119 possivelmente enviada por D. Manuel na viagem de Pedro Álvares Cabral, ao rei de Calicute, na qual o rei assinala que Deus quis que fosse, inspirado haverá sessenta anos em um nosso tio vassalo nosso chamado Infante Dom Henrique, Príncipe de virtuosa vida e santos costumes, que por serviço de Deus tomou propósito inspirado por ele de fazer esta navegação e pelos Reis nossos antepassados foi até agora proferida.120 116 AVELAR. Ana Paula M. Visões do Oriente. Formas de sentir no Portugal de quinhentos. Lisboa: Colibri, 2003, p.148. 117 BARROS, João de. Op. cit., p.169. 118 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro I, p.71. 119 A autoria dessa carta é atribuída a Duarte Galvão no texto de Castanheda. 120 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro I, p.80. 38 Toda a história de Castanheda é de alguma forma construída de modo a fazer com que as medidas tomadas pelos portugueses apareçam justificadas como se esses não passassem de instrumentos de uma vontade divina “tão manifesta”121. As navegações portuguesas, além dos benefícios temporais que possibilitavam, traziam, desse modo, igualmente benefícios espirituais. Os portugueses nada mais eram que títeres de Deus na divulgação da doutrina cristã. Essa questão da predestinação da expansão nas páginas da cronística quinhentista é fundamental para o trabalho e será retomada nos demais capítulos. A despeito das semelhanças entre o cronista quatrocentista e os quinhentistas, há uma diferença fundamental entre a crônica de Zurara e as de Barros e Castanheda, no que concerne ao objetivo da expansão: sua função comercial, ou seja, a idéia de que o comércio com essas novas terras era o objetivo central da expansão ganha muito mais peso no século XVI. Para Castanheda e Barros, D. Manuel deu prosseguimento ao projeto de expansão e chegou da Índia por via marítima justamente porque se, já com a costa da Etiópia, o reino vinha adquirindo “novos títulos, novos proveitos e renda”, poder-se-ia esperar mais com o prosseguimento do descobrimento, como, por exemplo, “aquelas orientais riquezas tão celebradas dos antigos escritores, parte das quais por comércio tem feito tamanhas potências como são Veneza, Genova, Florença e outras muitas grandes comunidades de Itália.”122 O comércio com o Oriente foi fundamental no século XVI e mudou a estrutura econômica do reino, que antes era essencialmente agrícola e, a partir desse período, passa a depender do ouro e das especiarias, responsáveis pela metade da receita de Portugal.123 Para tanto, era essencial que fizessem um bom contato com essas novas gentes, para o desenvolvimento do já referido comércio com essas novas paragens. Por isso, as embarcações oficiais levavam negros bem vestidos e com “mostra de prata, ouro e especiarias”, que eram 121 Idem, p.81. 122 BARROS, João de. Op. cit., p.123. 123 GODINHO, Vitorino Magalhães. Os descobrimentos e a economia mundial. Lisboa: Presença, 1981, v.I, p.49. 39 deixados pela costa para que, ao chegarem ao seu povoado, “pudessem notificar de uns a outros a grandeza do (...) reino [de Portugal] e as coisas que nele havia” 124. Acreditava-se que essa demonstração da grandeza do reino facilitaria o descobrimento da Índia. Apesar do destino da viagem de Vasco da Gama estar repleto de incertezas, o rei Dom Manuel mesmo assim o envia para as Índias. O próprio Vasco aponta ao príncipe da Índia que a causa principal que movera ao rei seu senhor enviá-lo àquelas partes orientais tão remotas do seu estado: fora ser ante ele muito celebrada a fama da real pessoa dele Çamori e da grandeza de seu senhorio, e estarem em seu poder a maior parte das especiarias que por mãos dos mouros se navegavam para as partes da cristandade.125 Ele partiu em busca das especiarias e trouxe de sua viagem informações acerca dessas e da seda, não tratando em momento algum da existência de ouro no oriente.126 A mercância, principal razão de o contato português com o Oriente ganhar muita força na cronística, e a crença nos benefícios que o comércio proporciona são destaques não só em meados do século XVI, mas também no final deste século e início do seguinte, como pode ser visto em Couto, que aponta que “nem o marinheiro, nem o mercador, nem o soldado, nem ainda o fidalgo querem que lhe pergunte senão pelos preços das fazendas que correm na terra, pelo que valerá em Ormuz e em Malaca.”127 Não é por menos que um tema muito recorrente nos textos, desde meados do século XVI, é o “preçário das especiarias”, que está presente não só nos escritos portugueses, mas também nos estrangeiros.128 Os portugueses optaram pela supremacia militar na Índia, já que perceberam nos contatos com os mouros que não tomariam o controle do comércio de outra forma,129 e podiam ver glória em “suas conquistas, pois são contra infiéis”.130 Duas idéias puderam ser utilizadas para justificar moral e juridicamente essa posse dos portugueses das terras 124 BARROS, João de. Op. cit., p.125. 125 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op.cit., Livro I p 82. 126 GODINHO, Vitorino Magalhães. Op. cit., p.209-210. 127 COUTO, Diogo do, Década V, parte II, livro VIII, p.2002, apud MATTOSO, José. Op. cit., p.47. 128 ANDRADE, António Alberto Banha de. Op. cit., p.198. 129 MATTOSO, José. Op. cit., p.46. 130 BARROS, João de. Op. cit., p.308. 40 descobertas. A primeira tem suas bases fundadas na herança do Direito Romano e na doutrina do “agostinismo político”. Esse direito foi importante, porque possibilitou a fundação da idéia do descobrimento seguido de posse. Para os expansionistas, os mares eram de todos os navegantes das nações Cristãs, com exceção dos mares extra-europeus, nos quais os portugueses foram os primeiros a navegar. Desse modo, os mouros e gentis não se incluem nessa regra, que se baseia em uma lei cristã, ou seja, os descobridores poderiam tomar posse das novas terras, desde que elas fossem habitadas por povos não cristãos. Reforçando essa idéia, apelavam também para a doutrina baseada na teoria de Santo Agostinho, que tira dos infiéis a capacidade de mando.131 Luis de Sousa Rebelo, dando prolongamento a essa argumentação, destaca também a política cultural que, com a fundação do Colégio das Artes, possibilitou a formação de um grupo nacional de intelectuais que defenderam a posse destas novas terras, baseando-se em uma comparação entre Portugal e seu império com o império romano, ou seja, com base na cultura greco-latina, criaram um imaginário clássico nacional. Mas os autores do mesmo período, cada qual a seu modo, questionaram algumas medidas tomadas por portugueses no oriente; foram eles: Damião de Góis, Diogo de Teive, Diogo do Couto e o próprio Castanheda. De qualquer modo, em Castanheda e Barros a expansão está diretamente ligada à questão do comércio, principalmente se compararmos com a Crônica de Guiné, na qual a possibilidade de comércio nas novas terras é até levantada, mas não como objetivo primordial do infante navegador. Zurara chega a subestimar a idéia de fazer comércio no final de seu texto, quando diz que tem a intenção de fazer “outro livro que chegue até o fim dos feitos do Infante, ainda que as coisas seguintes não [tenham sido] tratadas com tanto trabalho e 131 REBELO, Luís de Sousa. Damião de Góis, Diogo de Teive e os arbitristas do século XVII. Humanitas, Coimbra, v.XLIII-XLIV, p.203-216, 1991-1992. 41 fortaleza como as passadas”, ou seja, esse novo período foi marcado “mais por tratos e avenças de mercadoria que por fortaleza nem trabalho das armas.”132 Castanheda e Barros, como já foi apontado, atribuíram as navegações ao auxílio dos desígnios divinos, além disso, ambos apresentam a missão evangelizadora como um dos objetivos das viagens lusitanas, mas essa idéia está mais presente no texto de Zurara.133 Nas narrativas quinhentistas, a questão do comércio acaba por se sobrepor à anterior. Em se tratando, contudo, da História do descobrimento e conquista da Índia, é importante assinalar que a versão utilizada, neste trabalho, para pensar essas primeiras questões, foi a edição de 1554, que, porém, não é a primeira edição do Livro I. Castanheda havia editado, em 1551, uma primeira versão, na qual, pelo que foi possível apurar, não dá tanta ênfase no referido aspecto da predestinação divina, que depois se tornaria tão fundamental. Dessa forma, será importante uma comparação entre esses dois textos para percebermos quais as diferenças entre um e outro no que diz respeito à idéia do que foi o descobrimento dessa nova rota marítima e qual o papel da predestinação nessa trajetória dos portugueses. E essa é a questão que vai reger o próximo capítulo. 132 ZURARA, Gomes Eanes. Op. cit., p.406. 133AMADO, Janaina; FIGUEIREDO, Luiz Carlos. Op.cit., p.415. 42 CAPÍTULO II O embate entre a primeira e a segunda edição do Livro Primeiro da história quinhentista de Castanheda A intervenção régia na publicação dos textos quinhentistas Diogo do Couto, na continuação das Décadas de João de Barros, falou da viagem em que o rei D. João III mandou Fernão Lopes de Castanheda “à Índia para escrever os feitos daquelas partes”. Por lá andou ele, segundo seu congênere, “quase dez anos, correndo a maior parte dela, até chegar a Maluco, escrevendo as coisas daquele tempo”, e o fez de forma tão “diligente, que recopilou em dez livros, acabando o seu décimo com o governador D. João de Castro”, mas, lamentavelmente, não viu todos serem publicados, pelo contrário, teve o décimo livro, “como disseram algumas pessoas dignas de fé”, recolhido a mando do Rei D. João III em atenção à solicitação “de alguns Fidalgos, que se achavam naquele raro e espantoso cerco” e julgavam que faltava nele verdades.134 Essa alusão ao recolhimento do Livro décimo a pedido de alguns fidalgos que tinham suas ações descritas por Castanheda foi seguida por uma reflexão de Couto acerca da dificuldade de se escrever história “enquanto vivem os homens sobre quem o fazem”, porque isso podia gerar algum tipo de incômodo com o texto. Nem por isso, contudo, o autor das Décadas IV, V, VI e VII deixou de produzir, defendendo que, “posto que também em algum tempo se mande recolher algum volume”135 daqueles que fez, outro viria para de novo dar- lhes a conhecer. 134 COUTO, Diogo do. Décadas. Década 4, livro V, capítulo I, p.383-384 (obra digitalizada). Disponível em: <>. Acessado em agosto de 2006. Pedro de Azevedo chamou a atenção para um lapso cometido por Couto ao apontar D. João III como o responsável pela proibição da publicação do décimo livro, já que segundo o autor isso aconteceu durante e regência de D. Sebastião. Apud AVELAR, A.P.M. Fernão Lopes de Castanheda historiador dos portugueses na Índia ou cronista do Governo de Nuno da Cunha? Lisboa: Cosmos, 1997, p.109. 135 COUTO. Diogo do. Op. cit. p.383-384. 43 Assim, pode-se ver que Castanheda não enfrentou dificuldades somente com a edição do Livro primeiro da sua obra – como foi adiantado no capítulo anterior –, mas que também o Décimo não pôde ser editado; fato que mereceu de um dos seus sucessores essa reflexão a respeito das intervenções que um texto pode sofrer ou dos obstáculos que lhe podiam ser postos. O próprio Castanheda, no Livro terceiro, tratou das dificuldades que enfrentava e do desgosto por “todos saberem tachar e poucos fazer”, ou seja, destacou a facilidade de encontrar pessoas que censurassem os livros e a dificuldade de achar, poucos que fossem, para se aventurarem a escrevê-los. O autor chegou mesmo a pensar em “não levar à luz”136 seus livros, mas mudou de idéia em função dos incentivos reais que recebera. Este capítulo pretende, considerando as adversidades enfrentadas pelo quinhentista na publicação de quase todos os volumes da História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos portugueses, tratar especificamente do Primeiro Livro e das duas edições que esse volume ganhou, a primeira em 1551 e a segunda em 1554. O objetivo desse capítulo é notar, neste cenário em que as personagens da história procuram intervir no resultado final das narrativas, as alterações que o autor empreendeu na primeira edição do Primeiro Livro, quando ainda em vida o reeditou. Dessa primeira edição de 1551, é importante ressaltar, restaram até os dias atuais somente três cópias, mas, apesar disso, esse foi um livro muito publicado. Como já foi apontado no capítulo primeiro da dissertação, nenhuma outra obra quinhentista portuguesa foi traduzida para o francês, façanha alcançada somente pelo Primeiro Livro da História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses. Impressa em 1553, no prelo de Michel Vascosin, em Paris, o texto ganhou o título de L’Historie des Indes de Portugal, contenant 136 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro III, p.495. Segundo Joaquim Veríssimo Serrão, não somente o livro décimo não pôde ser impresso, o nono também não recebeu autorização régia “devido à influência de certas casas nobres que se julgavam atingidas pela omissão ou menos realce que delas fizeram o cronista. É quase certo que este – Castanheda – não quis reformar os livros IX e X como fora obrigado a fazer com o livro I, em 1554”. SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal (1495 – 1580). Lisboa: Verbo, 1978, p.191. 44 comme l’Inde a été? decouverte...faict par Fernand de Castanheda et traduict de portugués em français par Nicolás de Grouchy – este Grouchy era um amigo de Castanheda do Colégio das Artes. O próprio Castanheda refere-se a essa façanha, apontando que estava sendo impresso em Paris, em língua Francesa, o Primeiro Livro desta história.137 O texto ganhou ainda versões quinhentistas em espanhol, no ano de 1554, outras três francesas – tamanho o sucesso que alcançou –, em 1576, 1581 e 1587, em inglês, no ano de 1582 e em italiano, no ano de 1577.138 As poucas informações que se têm das exportações dos textos produzidos em Portugal apontam para uma total falta de um qualquer “movimento exportador”, apesar de ter havido um interesse estrangeiro pela produção portuguesa que, ao menos no que se refere a textos em língua latina, era editada no exterior. Em uma escala bem menor era a tradução de textos em português para outras línguas vernáculas,139 como foi o caso da obra de Castanheda e a de Barros, dois portugueses de destaque num tempo de crescente interesse por textos sobre a expansão. Já em relação à segunda versão, 1554, as edições disponíveis são ainda em maior número e, a princípio, seria aqui trabalhada apenas a edição portuguesa de 1924. Todavia, logo de saída, algumas questões emergiram a partir do estudo da introdução dessa edição elaborada por M. Lopes de Almeida. Este autor menciona que, na segunda edição da obra histórica, de 1554, na qual se baseia sua própria edição, haveria uma referência, talvez do editor, a mudanças empreendidas por Castanheda. A despeito do exame minucioso realizado no volume de Almeida, a tal menção não foi localizada. O referido comentário anunciando modificações na nova edição do Primeiro Livro só foi encontrado em uma outra edição dessa segunda versão do Primeiro Livro. 137 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. Op. cit., livro III, p.495. 138 SERRÃO, J V. Op. cit. p.191. Cf.: AVELAR, Ana Paula M. Op. cit., p.98-99. 139 ANSELMO, Artur. Estudos de história do livro. Lisboa: Guimarães, 1997, p.94. 45 Nessa outra edição, que data de 1554,140 ano da reedição com modificações do Primeiro Livro da História dos Descobrimentos e conquista da Índia pelos portugueses, há uma nota introdutória que, além de fazer referência à reedição do Primeiro Livro, agora “emendado e acrescentado”, também inclui comentário ao projeto da obra como um todo: que seria composta por dez livros que conteriam o que ocorreu em um “espaço de cinqüenta anos”.141 Ainda, na mesma nota, é destacado o privilégio dado a Castanheda por D. João III para a edição dos dez livros, informação seguida pela carta em que eram concedidos esses privilégios, a qual carta deveria ser impressa “no princípio de cada um dos ditos livros”. Nessa carta, o rei declara que “pessoa alguma de qualquer qualidade que seja, não possa imprimir, nem mandar imprimir os ditos livros da dita história da Índia, nem cada um deles: nem os possa fazer, nem mandar vir impressos de fora do reino, se não o dito Fernão Lopes, ou quem seu poder para isso tiver”.142 Esse privilégio, que havia sido solicitado pelo autor ao rei, duraria dez anos a partir da data do decreto. Todos os livros a serem publicados necessitavam desse tipo de privilégio régio, isso porque a publicação, em Portugal, passava pelo cunho do rei, que concedia esse chamado privilégio àquele que iria publicar a obra,143 o que garantia ao seu editor e vendedor – já que no início do século XVI uma mesma pessoa assumia as funções relacionadas à reprodução e venda dos livros – o direito de reproduzir e comercializar as obras por um determinado tempo, dez anos mais precisamente, como foi o caso do concedido a Castanheda. A partir de 1536, a inquisição, instalada em Portugal, assume também papel importante na publicação de textos, não permitindo a impressão de nenhum livro sem 140 Essa edição foi localizada no IEB – Instituto de Estudos Brasileiros e tem a peculiaridade de não referir uma data de edição, ou melhor, só traz no volume uma anotação à mão, provavelmente recente, ao ano de 1554. 141 CASTANHEDA, Fernão Lopes de. História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses. Edição de 1554 (arquivo do IEB/USP), p.4. 142 Idem, p.5 143No caso de Castanheda, quem recebeu o privilégio foi o próprio autor, o que não era muito comum, já que a separação entre as funções de editor, impressor e livreiro inicia-se a partir de meados do século XVI e, nesse século, a figura do tipógrafo ganha um destaque que chega a suplantar até mesmo a figura do autor, que em alguns textos impressos não são nem citados. ANSELMO, Arthur. Op. cit., p.77. 46 autorização inquisitorial. A Inquisição incide sobre várias instâncias, atendo-se ao processo tipográfico, e acompanhando também a aquisição do papel, entrada e saída de obras estrangeiras, bibliotecas particulares e o legado dos livros aos herdeiros.144 Apesar de todo esse rigor, livreiros estrangeiros apontavam que a inquisição, no país, era menos rígida que a da Espanha145 e, ao que tudo indica, não foi ela que levou à elaboração de uma segunda versão para o Primeiro Livro. Além dessa referência à mudança que encontramos na edição que data de 1554, a consulta a essas duas versões da segunda edição do Primeiro Livro de Castanheda possibilitou também perceber diferenças na forma como os textos se apresentam. A primeira diferença está no frontispício das duas edições, como veremos adiante. Outras diferenças passam pela forma e pelo conteúdo, desde o formato de apresentação. A apreciação das diferenças formais observadas na comparação entre as duas edições é fundamental, porque indica que foram alterados os dispositivos que convidam à interpretação da parte material do texto.146 Aproximações, distanciamentos formais e assuntos recorrentes Já na abertura dos textos, pode-se notar que os frontispícios utilizados nas duas edições são diferentes: 144 Sobre obstáculos à circulação de livros em Portugal. Cf. ANSELMO, Artur. O livro português ao serviço do humanismo. Arquivos do centro cultural português, Fundação Calouste Gulbenkian, v.XXIII, Lisboa- Paris: 1987, p 369-370. 145 ANSELMO, Arthur. Op. cit., p.12-14. 146 CHARTIER, Roger. A ordem do livro. Brasília: Universidade de Brasília, 1994, p.13. 47 IMAGEM 1 – Frontispício da obra Panegyrica oratio de Antônio Luis, editada por Luís Rodrigues em 1539147 147 A imagem é a mesma disposta no frontispício da edição de 1551 da História do Descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses, cuja diferença está somente no título que a imagem traz. O frontispício original não pode ser utilizado em função dos direitos de imagem reservados à Biblioteca da Ajuda, em Portugal. 48 O frontispício de 1551 (imagem 1) traz na gravura dois sátiros segurando o que parece ser uma cortina aberta, tendo acima dois anjos que auxiliam na tarefa. Na parte i