UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE EDUARDO PIZZOLIM DIBIESO PLANEJAMENTO AMBIENTAL E GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS: ESTUDO APLICADO À BACIA HIDROGRÁFICA DO MANANCIAL DO ALTO CURSO DO RIO SANTO ANASTÁCIO - SÃO PAULO/BRASIL Tese de Doutorado Presidente Prudente 2013 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA CAMPUS DE PRESIDENTE PRUDENTE EDUARDO PIZZOLIM DIBIESO PLANEJAMENTO AMBIENTAL E GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS: ESTUDO APLICADO À BACIA HIDROGRÁFICA DO MANANCIAL DO ALTO CURSO DO RIO SANTO ANASTÁCIO - SÃO PAULO/BRASIL Tese de Doutorado elaborada junto ao Programa de Pós-graduação em Geografia - Área de Concentração: Produção do Espaço Geográfico, para obtenção do Título de Doutor em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Antonio Cezar Leal Presidente Prudente, janeiro de 2013 FICHA CATALOGRÁFICA D539p Dibieso, Eduardo Pizzolim. Planejamento ambiental e gestão dos recursos hídricos: estudo aplicado à bacia hidrográfica do manancial do alto curso do Rio Santo Anastácio/SP/ Eduardo Pizzolim Dibieso. – Presidente Prudente : [s.n.], 2013. xviii, 283 f.: il. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia Orientador: Antonio Cezar Leal 1. Geografia Física. 2. Análise Integrada da Paisagem. 3. Planejamento Ambiental. 4. Gestão de Recursos Hídricos. 5. Bacia Hidrográfica do Manancial do Alto Curso do Rio Santo Anastácio (SP). I. Dibieso, Eduardo Pizzolim. II. Leal, Antonio Cezar. III. Título. CDD 910 COMISSÃO EXAMINADORA Orientador: Prof. Dr. Antonio Cezar Leal (FCT/UNESP). Examinador: Prof. Dr. Edson Vicente da Silva (UFC). Examinador: Prof. Dr. Paulo Augusto Romera e Silva (CTH/DAEE). Examinador: Prof. Dr. Edson Luis Piroli (UNESP/Unidade de Rosana). Examinador: Prof. Dr. Paulo Cezar Rocha (FCT/UNESP). Presidente Prudente, 28 de janeiro de 2013 Dedico este trabalho à minha esposa, Gabriela, e à minha mãe, Diva. AGRADECIMENTOS A realização deste trabalho só foi possível graças à colaboração de muitas pessoas. Manifesto minha gratidão a todas elas e de forma especial: À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, pelo apoio financeiro; Ao Prof. Dr. Antonio Cezar Leal, pela orientação e apoio; Ao Prof. Dr. Paulo Augusto Romera e Silva e ao Prof. Dr. José Manuel Mateo Rodriguez, pela “co-orientação” e apoio; Aos amigos do Grupo de Pesquisa em Gestão Ambiental e Dinâmica Socioespacial (GADIS), pelas contribuições; Ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Pontal do Paranapanema – CBH-PP, à Companhia de Desenvolvimento Agrícola de São Paulo – CODASP e ao Departamento de Águas e Energia Elétrica - DAEE, pelo apoio e fornecimento de materiais; Ao Dr. Salvador Carpi Júnior pelos aprendizados com os trabalhos de mapeamento ambiental participativo; Ao Prof. Dr. Edson Luís Piroli e ao Prof. Dr. Paulo Cezar Rocha pelas contribuições no exame de qualificação da tese; Ao Prof. Dr. João Osvaldo Rodrigues Nunes, pela ajuda na elaboração do mapeamento geomorfológico; Aos professores dos programas de pós-graduação em Geografia da Unesp de Presidente Prudente e da Universidade Federal do Paraná. SUMÁRIO Índice ................................................................................................................. vii Lista de figuras ................................................................................................. ix Lista de quadros ............................................................................................... x Lista de cartas ................................................................................................... xi Lista de tabelas ................................................................................................ xii Resumo ............................................................................................................. xvi Abstract ............................................................................................................. xvii ÍNDICE INTRODUÇÃO ................................................................................................ 01 CAPÍTULO I – ÁGUA, PAISAGEM E PLANEJAMENTO .......................... 11 1.1. Dinâmica da água na paisagem .............................................................. 11 1.1.1. Ciclo hidrológico ............................................................................. 12 1.1.2. Bacia hidrográfica ............................................................................ 17 1.1.3. Água e sociedade ............................................................................. 21 1.2. Análise integrada da paisagem .............................................................. 24 1.3. Planejamento ambiental ......................................................................... 38 CAPÍTULO II - GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS ................................ 46 2.1. Legislação federal de recursos hídricos ................................................. 50 2.2. Águas pluviais, superficiais, subterrâneas e minerais ............................ 51 2.3. Política nacional de recursos hídricos - Lei nº 9.433/97 ....................... 52 2.3.1. Planos de recursos hídricos .............................................................. 55 2.3.2. Enquadramento dos corpos de água ................................................. 56 2.3.3. Outorga ............................................................................................ 57 2.3.4. Sistema de informações sobre recursos hídricos ............................. 57 2.3.5. Sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos ................ 58 2.3.6. Cobrança pelo uso da água .............................................................. 59 2.3.7. Comitês de bacias hidrográficas ...................................................... 61 2.4. Política paulista de recursos hídricos ..................................................... 63 2.5. Análise da Lei 9.866/1997 (APRM)....................................................... 66 2.5.1. Ecodinâmica e a definição das APRMs ........................................... 69 CAPÍTULO III - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ......................... 75 3.1. Roteiro metodológico ............................................................................. 79 CAPÍTULO IV - INVENTÁRIO DA PAISAGEM NATURAL...................... 84 4.1. Hidrografia ............................................................................................. 84 4.2. Análise morfométrica da drenagem ....................................................... 88 4.3. Litologia ................................................................................................. 95 4.4. Relevo .................................................................................................... 97 4.5. Declividades ........................................................................................... 102 4.6. Solos ....................................................................................................... 106 4.7. Nascentes difusas .................................................................................. 113 4.8. Clima ...................................................................................................... 117 CAPÍTULO V - INVENTÁRIO DO USO E OCUPAÇÃO DA TERRA ........ 123 5.1. Uso e ocupação da terra ....................................................................... 123 5.1.1. Vegetação nativa ............................................................................. 124 5.1.2. Vias de acesso ................................................................................. 131 5.1.3. Uso e ocupação rural da terra ....................................................... 135 5.1.4. Áreas urbanizadas ........................................................................... 143 5.2. Caracterização socioeconômica dos municípios que compõem a bacia 154 CAPÍTULO VI - USO DA ÁGUA NA BACIA ............................................... 158 6.1. Uso da água outorgada .......................................................................... 159 6.2. Uso da água de acordo com as verificações de campo ......................... 161 6.2.1. Uso da água na área urbanizada ..................................................... 161 6.2.2. Uso d'água nas indústrias e em empresas de prestação de serviços.. 162 6.2.3. Uso da água nas propriedades rurais ................................................ 163 CAPÍTULO VII-ESPACIALIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO, PRÁTICAS DE CONSERVAÇÃO E PRESERVAÇÃO E PROBLEMAS AMBIENTAIS. 171 7.1. Mapeamento ambiental participativo ................................................... 171 7.2. Áreas protegidas pela legislação .......................................................... 179 7.2.1. Aspectos legais técnicos e práticos nas APPs .................................. 181 7.2.2..Áreas de preservação e proteção ambiental ..................................... 188 7.3. Práticas de preservação e conservação ................................................. 191 7.4. Riscos ambientais .......................................................................... 198 7.5. Problemas ambientais ............................................................................ 200 CAPÍTULO VIII - DEFINIÇÃO DAS UNIDADES DO MEIO FÍSICO, USO E OCUPAÇÃO DA TERRA E AMBIENTAIS (PAISAGEM) ......... 213 8.1. Definição de unidades de paisagem natural (meio físico) .................... 213 8.2. Definição de unidades de uso e ocupação da terra .............................. 219 8.3. Definição das unidades de paisagem (ambientais) ............................... 223 CAPÍTULO IX - DIAGNÓSTICO DA BACIA DO MANANCIAL COM BASE NAS UNIDADES AMBIENTAIS .................................................... 230 9.1. Compatibilidade entre Uso Real e Potencial da Terra ........................... 230 9.2. Usos e Ocupações das Áreas Protegidas ................................................ 233 9.2.1. Restrição legal a ocupação antrópica das unidades ambientais .......... 236 9.3. Práticas de Conservação e Preservação Ambiental ................................ 239 9.4. Uso da Água por Unidades Ambientais ................................................. 243 9.5. Análise dos Problemas ........................................................................... 246 9.6. Definição do Estado Ambiental ............................................................. 249 CAPÍTULO X - PROJEÇÃO ........................................................................... 254 10.1. Propostas .............................................................................................. 254 10.1.1. Propostas gerais ............................................................................. 256 10.1.2. Zoneamento ambiental ................................................................... 259 10.2. Prognóstico ........................................................................................... 266 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 270 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 276 LISTA DE FIGURAS Figura 01 - Possíveis relações entre temas e funções ocorrentes no território . 02 Figura 02 - Localização da bacia do manancial do Rio Santo Anastácio ........ 05 Figura 03 - Ciclo hidrológico ........................................................................... 13 Figura 04 - Ciclo hidrológico, intervenção antrópica e poluentes .................. 16 Figura 05 - Esboço da definição teórica de geossistema, conforme Bertrand .. 35 Figura 06 - Definição e ordenamento de unidades homogêneas ...................... 37 Figura 07 - Fases do planejamento ambiental ................................................. 40 Figura 7a - Procedimentos metodológicos do planejamento ambiental ......... 44 Figura 7b - Fases do planejamento e estrutura organizacional.......................... 45 Figura 08 - Processo de ordenamento do uso e ocupação da terra ................... 73 Figura 09 - Articulações para o planejamento e gestão dos recursos hídricos . 74 Figura 10 - Organograma da metodologia adotada ........................................... 81 Figura 11 - Sistema de relevo predominante na bacia do manancial ............... 99 Figura 12 - Padrões de ocorrência de nascentes difusas ................................... 113 Figura 13 - Identificação das nascentes difusas em campo .............................. 114 Figura 14 - Presença de vegetação nativa ......................................................... 125 Figura 15 - Tamanho das propriedades rurais da bacia do manancial .............. 135 Figura 16 - Destino final das embalagens de agrotóxicos ................................ 137 Figura 17 - Destino dos resíduos sólidos produzidos nas propriedades rurais . 138 Figura 18 - Áreas dos municípios e da bacia do manancial .............................. 154 Figura 19 - População total dos municípios ..................................................... 155 Figura 20 - Participação dos vínculos empregatícios no total de vínculos ....... 155 Figura 21 - Rendimento médio nos vínculos empregatícios ............................. 156 Figura 22 - Captação de água nas indústrias e prestadoras de serviços ............ 162 Figura 23 - Fonte de captação de água subterrânea .......................................... 163 Figura 24 - Lançamento de esgoto doméstico na área rural ............................. 165 Figura 25 - Quantidade e qualidade das águas superficiais .............................. 167 Figura 26 - Áreas de preservação permanente. Escala aproximada 1: 50.000.. 180 Figura 27 - Áreas de preservação permanente e uso da terra, 1: 50.000 ........ 181 Figura 28 - Principais elementos fluviais em um sistema de várzea ................ 185 Figura 29 - Principais elementos fluviais em um sistema de várzea vegetada.. 185 Figura 30 - Problemas relacionados aos processos erosivos ............................. 201 Figura 31 - Ampla ocorrência de processos erosivos ....................................... 204 Figura 32 - Espacialização dos processos erosivos ........................................... 204 Figura 33 - Unidades taxonômicas do relevo ................................................. 214 Figura 34 - Índices de uso e ocupação da terra ................................................. 219 Figura 35 - Capacidade de uso potencial do solo ............................................. 227 Figura 36 - Análise entre uso potencial e real da terra ..................................... 231 Figura 37 - Restrição ao uso e ocupação antrópico com base na legislação ..... 236 Figura 38 - Práticas de conservação ambiental ................................................. 239 Figura 39 - Práticas de preservação ambiental ................................................. 241 Figura 40 - Concentrações de captações de água superficial e subterrânea ..... 244 Figura 41 - Concentração de problemas ambientais por unidade ..................... 247 Figura 42 - Definição do estado ambiental ..................................................... 251 Figura 43 - Definição do estado ambiental área (hectares) ............................ 252 Figura 44 - Relação entre uso real e potencial e problemas ambientais ........... 252 Figura 45 - Zoneamento ambiental (ordenamento do uso e ocupação da terra) 261 LISTA DE QUADROS Quadro 01 - Relação entre a água e doenças infecciosas .................................. 21 Quadro 02 - Doenças relacionadas pela e ingestão e contato com a água ........ 22 Quadro 03 - Enfoque e métodos de análise da paisagem ................................ 29 Quadro 04 - Conceitos e métodos de análise da paisagem ............................. 30 Quadro 05 - Diferentes sistemas de classificação da paisagem em unidades ... 32 Quadro 06 - Classificação para o globo terrestre em oito níveis de grandeza .. 33 Quadro 07 - Classificação da paisagem proposta por Bertrand (1971) ............ 34 Quadro 08 - Processo de planejamento ambiental ........................................... 41 Quadro 09 - Contexto da gestão das águas ..................................................... 47 Quadro 10 - Usos com derivação e sem derivação da água ............................. 48 Quadro 11 - Proposta de estágios de planejamento na gestão de águas ........ 49 Quadro 12 - Fundamentos da política nacional de recursos hídricos ............ 53 Quadro 13 - Instrumentos da política nacional de recursos hídricos.............. 54 Quadro 14 - Fundamentos da lei paulista de recursos hídricos ..................... 63 Quadro 15 - Instrumentos da política e plano estadual de recursos hídricos. 64 Quadro 16 - Definição de instrumentos de planejamento e gestão das APRMs . 67 Quadro 17 - Áreas de intervenção nas APRMs ................................................ 69 Quadro 18 - Classificação das unidades ecodinâmicas ..................................... 71 Quadro 19 - Metodologia de planejamento ambiental para a bacia .................. 77 Quadro 20 - Características dos solos da bacia hidrográfica do manancial ..... 106 Quadro 21 - Relações entre relevo, declividade e distribuição dos solos ......... 116 Quadro 22 - Classificação de uso do recurso hídrico Norma DAEE 717/1996. 158 Quadro 23 - Modalidades de outorga ................................................................ 159 Quadro 24 - Uso da água na bacia hidrográfica do manancial ......................... 169 Quadro 25 - Objetivos da Lei Municipal 6.878/2008 APRM-CC .................... 183 Quadro 26 - Definição de unidades de paisagem natural ................................. 215 Quadro 27 - Fontes poluidoras relacionadas ao uso e ocupação da terra ......... 221 Quadro 28 - Definição do estado ambiental .................................................... 250 Quadro 29 - Propostas gerais ........................................................................... 256 Quando 30 - Prognóstico e definição de cenários para a bacia do manancial . 267 LISTA DE CARTAS Carta 01 - Municípios que compõem a bacia .................................................. 06 Carta 02 - Hipsometria .................................................................................... 85 Carta 03 - Sub-bacias ....................................................................................... 87 Carta 04 - Geomorfologia ................................................................................ 101 Carta 05 - Declividade ..................................................................................... 105 Carta 06 - Pedológica ....................................................................................... 112 Carta 07 - Nascentes difusas ........................................................................... 115 Carta 08 - Ventos ............................................................................................. 122 Carta 09 - Vegetação nativa ............................................................................ 130 Carta 10 - Vias de acesso ................................................................................ 134 Carta 11 - Área das propriedades rurais ........................................................ 136 Carta 12 - Destinos dos resíduos sólidos domésticos na área rural da bacia .. 139 Carta 13 - Uso rural do solo ............................................................................. 142 Carta 14 - Histórico expansão urbana ............................................................. 144 Carta 15 - Impermeabilização do solo ............................................................. 147 Carta 16 - Área urbanizada .............................................................................. 152 Carta 17 - Área urbanizada no entorno da bacia ............................................ 153 Carta 18 - Uso da água outorgada .................................................................... 160 Carta 19 - Captação de água subterrânea ......................................................... 164 Carta 20 - Concentração de fossas negras ........................................................ 166 Carta 21 - Uso da água superficial ................................................................... 168 Carta 22 - Concentração de fossas negras e poços semiartesianos ................. 170 Carta 23 - Mapeamento participativo .............................................................. 178 Carta 24 - Áreas de preservação permanente .................................................. 189 Carta 25 - Práticas de preservação, conservação e recuperação ambiental ..... 197 Carta 26 - Riscos ambientais ............................................................................ 199 Carta 27 - Problemas ambientais ..................................................................... 212 Carta 28 - Definição de unidades de paisagem natural (meio físico) .............. 218 Carta 29 - Definição de unidades de uso e ocupação da terra ......................... 222 Carta 30 - Definição de unidades ambientais .................................................. 229 Carta 31 - Compatibilidade entre uso real e potencial da terra ........................ 232 Carta 32 - Usos e ocupações das áreas protegidas por lei ............................... 234 Carta 33 - Restrição legal a ocupação antrópica das unidades ambientais ...... 238 Carta 34 - Práticas de conservação ambiental por unidades ambientais .......... 240 Carta 35 - Práticas de preservação ambiental por unidades ambientais ........... 242 Carta 36 - Uso da água por unidades ambientais ............................................. 245 Carta 37 - Análise dos problemas por unidades ambientais ............................. 248 Carta 38 - Definição do estado ambiental ........................................................ 253 Carta 39 - Zoneamento ambiental (propostas) ................................................ 262 Carta 40 - Esboço das áreas com restrição a ocupação, ocupação dirigida e recuperação ambiental ..................................................................... 265 Carta 41 - Prognóstico ...................................................................................... 269 LISTA DE TABELAS Tabela 01 - Área e perímetro das bacias e sub-bacias hidrográficas ............... 89 Tabela 02 - Número de segmentos de canais .................................................... 90 Tabela 03 - Densidade hidrográfica .................................................................. 91 Tabela 04 - Comprimento dos segmentos de canais ......................................... 92 Tabela 05 - Densidade da drenagem ................................................................. 93 Tabela 06 - Coeficiente de manutenção ............................................................ 94 Tabela 07 - Pluviosidade média (1970 - 2008) ................................................. 118 Tabela 08 - Precipitação em 24 horas (1970 – 2008) ....................................... 118 Tabela 09 - Número de dias com chuva no mês (1970 – 2008) ....................... 119 Tabela 10 - Temperatura média (1970 – 2008) ................................................ 120 Tabela 11 - Espécies florestais .......................................................................... 126 Tabela 12 - Área de preservação permanente e de proteção ambiental ............ 190 Tabela 13 - Uso e ocupação das áreas protegidas por lei ................................ 233 LISTA DE FOTOS Foto 01 - Arenitos da Formação Adamantina (Kav)......................................... 96 Foto 02 - Arenitos da Formação Adamantina (Kav)......................................... 96 Foto 03 - Arenitos da Formação Adamantina (Kav)......................................... 97 Foto 04 - Arenitos da Formação Adamantina (Kav)......................................... 97 Foto 05 - Colinas forte onduladas (Morrotes)................................................... 100 Foto 06 - Colinas médias................................................................................... 100 Foto 07 - Colina suave ondulada e relevo plano................................................ 100 Foto 08 - Planície do Rio Santo Anastácio........................................................ 100 Foto 09 - Gleissolo Háplico............................................................................... 111 Foto 10 - Latossolo vermelho-amarelo............................................................ 111 Foto 11 - Neossolo litólico .............................................................................. 111 Foto 12 - Argissolo vermelho .......................................................................... 111 Foto 13 - Fragmentos de vegetação nativa ....................................................... 128 Foto 14 - Remanescente florestal ..................................................................... 128 Foto 15 - Detalhe da vegetação nativa .............................................................. 128 Foto 16 - Vegetação nativa ............................................................................... 128 Foto 17 - Rodovia Assis Chateaubriand ........................................................... 131 Foto 18 - Estrada rural ...................................................................................... 131 Foto 19 - Cultivo de eucalipto .......................................................................... 140 Foto 20 - Cultivo de hortaliças .......................................................................... 140 Foto 21 - Pastagens ........................................................................................... 141 Foto 22 - Gado pastando na planície do córrego Noite Negra .......................... 141 Foto 23 - Empresas de prestação de serviços, comércios e indústrias .............. 143 Foto 24 - Recinto de exposições ...................................................................... 143 Foto 25 - Empresas e prestação de serviços, comerciais e indústrias ............... 145 Foto 26 - Área empresarial ............................................................................... 145 Foto 27 - Conjunto Habitacional Ana Jacinta, médio padrão de construção..... 146 Foto 28 - Conj. Hab. Ana Jacinta, impermeabilização do solo ......................... 146 Foto 29 - Residencial Damha, alto padrão de construção ................................. 148 Foto 30 - Residencial Damha, amplas áreas verdes e de lazer ......................... 148 Foto 31 - Parque Higienópolis, alto padrão de construção ............................... 148 Foto 32 - Parque Higienópolis, amplas áreas verdes e de lazer ........................ 148 Foto 33 - Trecho da Vila Formosa, baixo padrão de construção ...................... 149 Foto 34 - Trecho V. Formosa, impermeabilização do solo ............................... 149 Foto 35 - Vila Nova Prudente, baixo padrão de construção ............................. 149 Foto 36 - Vila Nova Prudente, baixo padrão de construção ............................. 149 Foto 37 - Jardim Prudentino ............................................................................. 150 Foto 38 - Jardim Prudentino ............................................................................. 150 Foto 39 - Residencial Golden Village, alto padrão de construção .................... 150 Foto 40 - Residencial Quinta das Flores, alto padrão de construção ................ 150 Foto 41 - Distrito de Espigão ............................................................................ 151 Foto 42 - Distrito de Espigão ............................................................................ 151 Foto 43 - Mapeamento ambiental participativo, Bairro Palmitalzinho ............. 173 Foto 44 - Mapeamento ambiental participativo, Bairro Palmitalzinho ............. 173 Foto 45 - Mapeamento ambiental participativo, Bairro Palmitalzinho ............. 173 Foto 46 - Mapeamento ambiental participativo, Bairro Palmitalzinho ............. 173 Foto 47 - Mapeamento ambiental participativo, Bairro Noite Negra ............... 174 Foto 48 - Mapeamento ambiental participativo, Bairro Noite Negra ............... 174 Foto 49 - Mapeamento ambiental participativo, Bairro Noite Negra ............... 174 Foto 50 - Mapeamento ambiental participativo, Bairro Noite Negra ............... 174 Foto 51 - Mapeamento ambiental participativo, Escola Francisco Pessoa ....... 175 Foto 52 - Mapeamento ambiental participativo, Escola Francisco Pessoa ....... 175 Foto 53 - Levantamentos de campo, alunos da Escola Francisco Pessoa ......... 176 Foto 54 - Levantamentos de campo, alunos da Escola Francisco Pessoa ......... 176 Foto 55 - Adequação de estrada rural no Município de Regente Feijó ............ 191 Foto 56 - Adequação de estrada rural no Município de Regente Feijó ............ 191 Foto 57 - Adequação de estrada rural no Município de Anhumas ................... 192 Foto 58 - Adequação de estrada rural no Município de Pirapozinho ............... 192 Foto 59 - Adequação de estrada rural no Município de Presidente Prudente ... 192 Foto 60 - Adequação de estrada rural no Município Álvares Machado ........... 192 Foto 61 - Terraceamento bacia hidrográfica do Córrego São Sebastião .......... 193 Foto 62 - Terraceamento bacia hidrográfica do Córrego Embiri ...................... 193 Foto 63 - Terraceamento bacia hidrográfica do Córrego Pindaíba ................... 193 Foto 64 - Terraceamento bacia hidrográfica do Córrego da Olga .................... 193 Foto 65 - Vegetação nativa, bacia hidrográfica do Córrego Embiri ................. 194 Foto 66 - Vegetação nativa, Rio Santo Anastácio ............................................ 194 Foto 67 - Vegetação nativa, Rio Santo Anastácio ............................................ 194 Foto 68 - Vegetação nativa, bacia hidrográfica do Córrego Noite Negra ........ 194 Foto 69 - Reflorestamento, bacia hidrográfica do Córrego do Cedro .............. 195 Foto 70 - Reflorestamento, bacia hidrográfica do Córrego do Cedro .............. 195 Foto 71 - Reflorestamento, nascente do Rio Santo Anastácio .......................... 195 Foto 72 - Reflorestamento, nascente do Rio Santo Anastácio .......................... 195 Foto 73 - Deposição de resíduos em erosão marginal na estrada, “Arilena” .... 202 Foto 74 - Processo erosivo acelerado, proveniente da água da estrada ............ 202 Foto 75 - Sulcos e ravinas em área de pastoreio excessivo .............................. 202 Foto 76 - Processo erosivo em área com ausência de terraceamento ............... 202 Foto 77 - Processo erosivo, em encosta íngreme .............................................. 203 Foto 78 - Sulcos e ravinas, foz do Córrego da Olga ......................................... 203 Foto 79 - Processo erosivo acelerado ................................................................ 203 Foto 80 - Processo erosivo acelerado ................................................................ 203 Foto 81 - Movimento de terra, chácaras Arilena .............................................. 205 Foto 82 - Movimento de terra, próximo ao Condomínio Damha II .................. 205 Foto 83 - Pastagem em área de preservação permanente ................................. 205 Foto 84 - Gado pastando em áreas de preservação permanente ....................... 205 Foto 85 - Drenagem degradada, bacia hidrográfica do Córrego Pindaíba ........ 206 Foto 86 - Solapamento da margem da drenagem, afluente do Córrego embiri. 206 Foto 87 - Drenagem degradada, Córrego Lajeadinho ....................................... 206 Foto 88 - Instalação de processo erosivo pelo pisoteio do gado ....................... 206 Foto 89 - Solapamento das margens do curso d’água ....................................... 207 Foto 90 - Drenagem degradada, nascentes do Rio Santo Anastácio ................. 207 Foto 91 - Curso da água extremamente degradado, Conj. Hab. Ana Jacinta ... 207 Foto 92 - Aprofundamento do canal de drenagem e solapamento da margem . 207 Foto 93 - Grande deposição de sedimentos, Rio Santo Anastácio ................... 208 Foto 94 - Grande deposição de sedimentos, Córrego do Cedro ....................... 208 Foto 95 - Represamento do curso d’água, afluente do Córrego Lajeadinho .... 208 Foto 96 - Represamento da nascente do Rio Santo Anastácio .......................... 208 Foto 97 - Lançamento das águas pluviais sem um sistema adequado .............. 209 Foto 98 - Deposição irregular de resíduos sólidos ............................................ 209 Foto 99 - Turbidez elevada da água, Rio Santo Anastácio ............................... 209 Foto 100 - Lançamento de efluente, curso d’água próximo as “Arilena” ........ 209 Foto 101 - Deposição de resíduos sólidos em contato direto com solo ............ 210 Foto 102 - Deposição irregular de resíduos sólidos .......................................... 210 Foto 103 - Lançamento de efluentes e deposição irregular de resíduos ........... 210 Foto 104 - Deposição irregular de resíduos sólidos .......................................... 210 Foto 105 - Poluição atmosférica ....................................................................... 211 Foto 106 - Poluição atmosférica ....................................................................... 211 PLANEJAMENTO AMBIENTAL E GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS: ESTUDO APLICADO À BACIA HIDROGRÁFICA DO MANANCIAL DO ALTO CURSO DO RIO SANTO ANASTÁCIO - SÃO PAULO - BRASIL RESUMO A quantidade e a qualidade das águas dos mananciais de abastecimento público estão diretamente relacionadas com o processo de uso e ocupação da terra e com as interdependências entre diferentes componentes ambientais. Desta forma, considerar uma bacia hidrográfica como uma unidade de planejamento para a implantação e/ou gestão de recursos hídricos impõe abordar todos os elementos de sua paisagem e compreendê-la como uma totalidade, composta por elementos naturais e sociais, os quais são dinâmicos e estão inter-relacionados (LEAL, 2000). Para isso, utilizamos a análise integrada da paisagem, como referencial teórico-metodológico, para subsidiar o planejamento ambiental e a gestão dos recursos hídricos, da bacia hidrográfica do manancial do alto curso do Rio Santo Anastácio, que abastece 30% da cidade de Presidente Prudente, mas localiza-se em eixo de expansão urbana e vem sofrendo forte pressão e degradação por pressão antrópica. Neste contexto, elaboramos estudos com o objetivo de reverter o atual estado de degradação ambiental, aplicando-se metodologia de planejamento ambiental com as etapas de inventário, diagnóstico, prognóstico e elaboração de propostas, considerando-se as potencialidades, fragilidades, a legislação e as restrições ao uso e a ocupação da terra nessa bacia hidrográfica visando à proteção da água. A pesquisa foi realizada na perspectiva de subsidiar a elaboração do Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental da bacia desse manancial, notadamente com possível criação de uma Área de Proteção e Recuperação de Manancial (APRM), prevista na Lei 9.866/1997 como um dos instrumentos de gestão para a proteção dos mananciais de abastecimento público do Estado de São Paulo - Brasil. Palavras-chave: Geografia Física; Análise Integrada da Paisagem; Planejamento Ambiental; Gestão de Recursos Hídricos; e Bacia Hidrográfica do Manancial do Alto Curso do Rio Santo Anastácio/SP. ENVIRONMENTAL PLANNING AND MANAGEMENT OF WATER RESOURCES: APPLIED STUDY TO THE WATERSHED OF THE WELLSPRING OF THE HIGH CURRENT OF SANTO ANASTÁCIO RIVER - SÃO PAULO - BRAZIL ABSTRACT The quantity and quality of the water in wellsprings of public supply are directly related to the process of use and occupation of the land and to the interdependences among the different environmental components. Thus, by considering a watershed as a planning unit to the implantation and/or management of water resources, it is necessary to approach all the elements of its landscape and understand it as a total, composed by natural and social elements, which are dynamic and inter-related (LEAL, 2000). For that, landscape integrated analysis was used as a theoretical and methodological reference to support the environmental planning and management of water resources of the watershed of the wellspring of the high current of Santo Anastácio River, which supplies 30% of the total water in the city of Presidente Prudente. It is, however, located in the axis of urban expansion and has been suffering high pressure and degradation because of anthropic pressure. In this context, we elaborated studies aiming to reverse the current state of environment degradation, applying environmental planning methodology with stages of inventory, diagnosis, prognosis and proposal elaboration, considering the potential, the fragilities, the legislation and the restrictions of use and occupation of the land in this watershed aiming at the water protection. This research has been done with purpose of supporting the elaboration of a Plan of Development and Environmental Protection in the watershed of this wellspring, remarkably with the possible creation of an Area of Protection and Restoration of the wellspring, as stated in the Law nº 9866/1997 as one of the managing tools to the protection of the wellsprings that supply the public water in the state of São Paulo, Brazil. Key words: Physical Geography; Integrated Landscape Analysis; Environmental Planning; Management of Water Resources; Watershed of the wellspring of the High Current of Santo Anastácio River - SP 1 INTRODUÇÃO O filósofo Pierre Girard (2001 apud BRANCO, 2005, p. 330) reflete: “qual é a natureza da água? O físico responde: é um líquido à temperatura normal. O economista retruca: é um recurso e precisa manejá-lo. Para o biólogo é um fator essencial para o crescimento das espécies. Para o psicólogo ela é um símbolo. O poeta diz que é a própria vida”. As diversas percepções sobre a água manifestam-se, inclusive, quanto ao seu valor econômico, social e cultural, como as mais abordadas, mas há outras: ecológica, medicinal, depurativa, curativa, etc., necessitando de uma visão cada vez mais inclusiva e abrangente do tema. Desta forma, a gestão das águas, “a partir das bacias hidrográficas, denotam as estreitas vinculações existentes entre as águas, os demais recursos naturais e as atividades humanas. De forma geral, os gerenciamentos integrados e os planos de manejo de bacias hidrográficas voltados aos recursos associados à água, são mais amplos e efetivos quando somam medidas de conservação do solo, dos remanescentes vegetacionais e fauna e com o controle de atividades rurais e urbanas” (SANTOS, 2004, p. 37). A “gestão integrada das águas numa visão sistêmica significa melhorar a compreensão de que a gestão da água que flui pelos rios é muito diferente da gestão de bacia hidrográfica como unidade básica de planejamento. Neste caso, é preciso considerar, além do blue water flow, as condições de uso e ocupação do binômio solo-água ou água que infiltra e dá suporte ao desenvolvimento da biomassa da bacia hidrográfica em apreço, green water flow, as águas subterrâneas ou gray water flow e os recursos hídricos não convencionais de reciclagem e o reuso, principalmente” (REBOUÇAS, 2004, p. 65). A qualidade da água dos rios que compõem uma bacia hidrográfica está relacionada com o uso da terra e com o grau de controle sobre as fontes de poluição existentes na bacia. Alterando a quantidade e, principalmente, a qualidade das águas, degradando-as (BOTELHO, 2011). A quantidade e a natureza dos constituintes presentes na água variam principalmente conforme as características ambientais e do grau de poluição que lhes é conferido, especialmente pelos despejos municipais e industriais e a utilização indiscriminada de agrotóxicos. Durante o ciclo hidrológico, a água sofre alterações em sua qualidade. Isso ocorre nas condições naturais, em razão das inter-relações dos componentes do sistema de meio ambiente e quando os recursos hídricos são influenciados devido ao uso para suprimento das demandas dos núcleos urbanos, das indústrias, da agricultura e das alterações do solo, urbano e rural (SETTI et al., 2001, p. 30). 2 De acordo com Santos (2004, p. 128), a integração dos temas e temáticas ambientais é possível se for estabelecida uma estrutura clara e representativa das interações no território [paisagem] e consequentemente nas bacias hidrográficas, conforme demonstra a Figura 1. Para Mota (1999, p. 139), “o planejamento territorial de uma bacia hidrográfica com base em princípios ambientais constitui o melhor método para evitar a degradação de seus recursos hídricos”. Pois, medidas como o controle do escoamento das águas superficiais, de proteção da vegetação, de disciplinamento da ocupação da terra e de controle da erosão têm reflexos na proteção dos recursos hídricos, tanto quantitativa como qualitativamente. Figura 1 - Possíveis relações entre temas e funções ocorrentes em um território e nas bacias hidrográficas (Fonte: SANTOS, 2004, p. 128). De acordo com Botelho (2011, p. 93) diante das variadas e intensas intervenções antrópicas no sistema hidrográfico, faz-se necessária a adoção de novos paradigmas, novos conceitos, novas visões e novas medidas que garantam o melhor 3 funcionamento das bacias de drenagem urbanas, de modo a combater e prevenir problemas ambientais, notadamente a degradação dos corpos hídricos. As rotas dos fluxos superficiais ou subsuperficiais definem os mecanismos erosivo-deposicionais preponderantes e resultam da interação dos diversos fatores bióticos (flora e fauna), abióticos (clima, rocha, solo e posição topográfica) e antrópicos (uso do solo), que compõem o respectivo ambiente de drenagem. Alterações na composição destes fatores podem induzir a modificações significativas na dinâmica espaço-temporal dos processos hidrológicos e, consequentemente, na configuração da paisagem (COELHO NETTO, 2009). Desta forma, no processo de planejamento e gestão dos recursos hídricos de uma bacia hidrográfica devem ser considerados todos os elementos que compõem a sua paisagem (água, relevo, solo, flora, fauna, pastagem, agricultura, residências, indústrias, população, economia, etc.) e compreendê-la como uma totalidade, composta por elementos naturais e sociais, os quais são dinâmicos e estão inter-relacionados. Nesta perspectiva, o planejamento ambiental possui importante papel na interação e integração dos sistemas ambientais, a fim de manter a máxima integridade possível dos seus elementos componentes. O “objetivo do planejamento ambiental é estabelecer normas para territórios complexos e, para tanto, ele precisa estar suficientemente ligado à realidade em seus múltiplos aspectos. Tem que interpretar o meio em relação à sua composição, estrutura, processo e função, como um todo contínuo no espaço. Por essa razão, seu diagnóstico procura compreender o meio de forma global, por intermédio do levantamento de dados ligados a diversas disciplinas” (SANTOS, 2004, p. 72). De acordo com Mateo Rodriguez (2008, p. 9, tradução nossa) “planejar é pensar antecipadamente o que se deseja alcançar e como conseguir. A idéia de planejamento se fundamenta na possibilidade de pensar e criar o futuro a partir do conhecimento e da valorização do presente e sua articulação com o passado”. Conforme Santos (2004, p. 23) “vários conceitos foram criados ao se definir planejamento. De uma forma bastante simples, entende-se que o processo de planejamento é um meio sistemático de determinar o estágio em que você está, onde deseja chegar e qual o melhor caminho para chegar lá”. Para Ross (2009, p. 9), a geografia aplicada está diretamente ligada ao planejamento ambiental, que é o suporte para gestão territorial, e condicionadora, consequentemente, da produção do espaço, do ordenamento e reordenamento territorial. O “conhecimento gerado, no campo de ação da Geografia Física, surge como inerentemente básico para a compreensão dos elementos que constituem o grande conjunto do estoque dos recursos naturais e ambientais, no tocante a diagnóstico, análise, avaliação e manejo, e para a 4 complexidade do próprio sistema [...]. Nesse conjunto do meio natural devem-se inserir a ação e os fluxos relacionados com as atividades humanas, cuja interação torna-se participativa, tanto nas características como na dinâmica do sistema ambiental físico” (CHRISTOFOLETTI, 2009, p. 433). Dentre os recursos naturais de uma determinada bacia hidrográfica, a água destaca-se como o mais importante. Por sua vez, a qualidade da água de um manancial está intimamente ligada com os usos e atividades desenvolvidas em sua bacia hidrográfica. A manutenção de um manancial hídrico, livres das degradações promovidas pela ocupação humana, é uma “garantia” de que o mesmo seja capaz de produzir água em quantidade e qualidade adequadas para o abastecimento público (DIBIESO, 2007). Neste contexto, a análise integrada da paisagem foi utilizada como referencial teórico-metodológico, para subsidiar o planejamento ambiental e a gestão dos recursos hídricos, da bacia hidrográfica do manancial1 do alto curso do Rio Santo Anastácio, responsável por, aproximadamente, 30% do abastecimento público de água da cidade de Presidente Prudente/SP. Nesta perspectiva, a hipótese desta pesquisa é a de investigar como a análise integrada da paisagem aplicada ao planejamento ambiental de bacia hidrográfica pode contribuir para subsidiar a gestão dos recursos hídricos de uma bacia hidrográfica, especialmente em área de manancial de abastecimento público. A bacia hidrográfica do manancial do alto curso do Rio Santo Anastácio está localizada na Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Pontal do Paranapanema, no oeste do Estado de São Paulo - Brasil, entre as coordenadas 22º 07’ 37”S e 22º 16’ 52”S e as coordenadas 51º 19’ 46”W e 51º 31’27”W (Figura 2). A bacia é atravessada pelas rodovias Assis Chateaubriand, no sentido NE-SW e a Raposo Tavares, localizada no divisor de água da margem direita do Rio Santo Anastácio. O Rio Santo Anastácio, após a represa utilizada para o abastecimento público de Presidente Prudente, segue seu curso até desaguar no rio Paraná, na divisa dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. 1 Manancial - qualquer corpo d’água superficial ou subterrâneo, que serve como fonte de abastecimento (IBGE, 2004). 5 Figura 2 - Localização da bacia hidrográfica do manancial do Rio Santo Anastácio. A bacia hidrográfica do manancial do alto curso do Rio Santo Anastácio, possui área de 197,70 km2, abrangendo parte dos municípios de Presidente Prudente, Pirapozinho, Regente Feijó, Anhumas e Álvares Machado (Carta 1). � Ri o Pa ra ná do Rio Ba cia Hidrográfica S c t á o. ts Ana io B d ac Hi ia ro gr áfi ca do Manancial do Alto Curso do Rio Santo An i astác o Ro d. As sis Ch at ea ub r ia nd Rod. Assis Chateaubriand Rod. Raposo Tavares BRASIL Des. e Org. Por: Eduardo Pizzolim Dibieso ESTADO DE SÃO PAULOUGRHI-22 51°19'46"W 22°07'37"S 51°31'27"W 22°16'52"S 51°19'46"W 22°16'52"S Manancial 51°31'27"W 22°07'37" 7 Neste contexto, o objetivo geral da pesquisa é definir os conceitos e métodos gerais dados pelo referencial teórico da análise integrada da paisagem, aplicando-os ao planejamento ambiental de bacia hidrográfica, para subsidiar a gestão dos recursos hídricos da bacia do manancial do alto curso do Rio Santo Anastácio. Os objetivos específicos são: � Analisar as políticas e os sistemas de gerenciamento territorial e de recursos hídricos referentes à área de estudo, destacando: objetivos, princípios, diretrizes e instrumentos; � Identificar e compreender a dinâmica processual do meio físico, através da investigação dos seguintes elementos: geologia, clima, geomorfologia, solos e hidrografia; � Delimitar e espacializar as áreas de restrições à ocupação, através da representação cartográfica das normas legais (Código Florestal, Lei de Parcelamento do Solo, etc.); � Caracterizar as ocupações e usos da terra, através da investigação histórica e atual, focando na investigação das seguintes classes: urbana, rural, industrial e vegetação nativa; � Analisar a relação sociedade�natureza, através das vinculações existentes entre as águas, a paisagem e o território da bacia hidrográfica do manancial do alto curso do Rio Santo Anastácio; � Desenvolver proposta de ordenamento físico-territorial, subsidiando, desta forma, o planejamento ambiental da área de estudo; � Contribuir para tornar a bacia uma Área de Proteção e Recuperação de Mananciais – APRM, baseando-se na Lei Estadual Paulista nº 9.866/97. Para a consecução dos objetivos propostos, a metodologia de planejamento ambiental, para subsidiar a gestão de recursos hídricos da bacia do manancial, foi desenvolvida com base nos conceitos da análise integrada da paisagem, na compreensão da dinâmica da paisagem natural, no ordenamento do uso e ocupação da terra e na legislação ambiental. Para isso, foram utilizadas técnicas de cartografia temática informatizada. As informações e dados coletados foram analisados e sistematizados e os resultados divulgados, visando subsidiar a implementação de propostas de planejamento ambiental, compatibilizando o uso e a ocupação da terra com a proteção ambiental e com o bem-estar coletivo dos habitantes da bacia hidrográfica e da população prudentina que utiliza as águas desse 8 manancial no seu dia-a-dia. A pesquisa de doutorado foi realizada em cinco fases. Na Fase I, o foco foi centrado no levantamento bibliográfico sobre o referencial teórico e metodológico. Na Fase II, foi realizado o inventário e análise das informações referentes à área de estudo. Já na Fase III, foi realizado o diagnóstico das unidades ambientais. A fase IV caracteriza-se pela definição de propostas e prognósticos para a área de estudo. A Fase V foi a de sistematização dos resultados e avaliação. Estas fases foram divididas e organizadas em dez capítulos. O Capítulo I trata da dinâmica da água na paisagem, análise integrada da paisagem e planejamento ambiental. Na dinâmica da água na paisagem foram abordados os temas: sistemas naturais; a importância da água no desenvolvimento socioeconômico e ecológico; interação da água com os demais elementos de sua respectiva bacia hidrográfica; ciclo hidrológico e análise de suas fases, em especial, do escoamento/infiltração da água; influência antrópica no ciclo hidrológico e suas consequências na quantidade e qualidade das águas; conceito de bacia hidrográfica e sua importância para o planejamento ambiental e gestão dos recursos hídricos; doenças vinculadas à água; e a importância da água como indutora do processo de desenvolvimento econômico e social. Na análise integrada da paisagem foram abordados: os conceitos e métodos da análise integrada da paisagem que servem de subsídio ao planejamento ambiental e a gestão de recursos hídricos; a necessidade e importância da análise do contexto geográfico no planejamento do ambiente e na gestão dos recursos naturais, em especial, o da água; o conceito de paisagem a partir da abordagem sistêmica; as contribuições da geografia para a análise da paisagem; e definição de unidades de paisagem como espaços operacionais e recurso metodológico. Abordou-se o planejamento ambiental realizado como base na análise integrada da paisagem, o planejamento ambiental como proposta de superação da inadequada utilização dos recursos naturais e da distribuição e organização da sociedade e das atividades econômicas sobre o território e as fases do processo de planejamento ambiental. O Capítulo II discorre sobre a gestão dos recursos hídricos: conceitos; contexto da gestão das águas no Brasil; usos com e sem derivação de águas; proposta de estágios de planejamento na gestão de águas; legislação federal de recursos hídricos; política nacional de recursos hídricos (fundamentos, plano de recursos hídricos, enquadramento dos corpos de água, outorga, sistema de informações sobre recursos hídricos, sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos, cobrança pelo uso da água, comitês de bacias hidrográficas); a política de recursos hídricos do Estado de São Paulo; e a Lei 9.866, de 28 de 9 novembro de 1997, referente à proteção e recuperação dos mananciais de abastecimento público do Estado de São Paulo. O Capítulo III refere-se aos procedimentos metodológicos: temas; autores; escalas utilizadas para elaboração e compilação da base cartográfica e mapeamento temático; técnicas operacionais de apoio; etapas utilizadas no processo de mapeamento; a metodologia de planejamento ambiental aplicada à bacia hidrográfica do manancial do Rio Santo Anastácio; e o organograma da pesquisa realizada. O Capítulo IV trata do inventário da paisagem natural (meio físico) da bacia hidrográfica do manancial do alto curso do Rio Santo Anastácio: hidrografia; análise morfométrica da drenagem; geologia; geomorfologia; declividades; solos; nascentes difusas; e clima. Já o Capítulo V trata do inventário do uso e ocupação da terra do manancial do alto curso do Rio Santo Anastácio e informações sociais e econômicas dos municípios que compõem a bacia: vegetação nativa; vias de acesso; uso e ocupação rural da terra (área das propriedades, destino dos resíduos, pastagens, agricultura temporária e permanente); áreas urbanizadas (histórico de ocupação e impermeabilização do solo); área urbanizada no entorno da bacia; e a caracterização socioeconômica dos municípios que compõem a bacia do manancial. O Capítulo VI refere-se ao uso da água na bacia hidrográfica do manancial do alto curso do Rio Santo Anastácio: uso da água outorgada; uso da água de acordo com as verificações em campo (uso da água na área urbanizada, uso da água nas indústrias e empresas de prestação de serviços específicos e uso da água nas propriedades rurais); captações, utilizações e lançamentos das águas. O Capítulo VII versa sobre o mapeamento ambiental participativo das áreas da bacia hidrográfica do manancial do alto curso do Rio Santo Anastácio, protegidas pela legislação, das práticas de preservação e conservação e dos riscos e problemas ambientais. O mapeamento ambiental participativo abrangeu: atividades com produtores rurais dos bairros Palmitalzinho e Noite Negra, com alunos da escola Francisco Pessoa e técnicos de instituições públicas e privadas que desenvolvem atividades relacionadas ao tema e à área de estudo. As áreas protegidas pela legislação compreendem: procedimentos; legislações incidentes sobre a área de estudo; aspectos legais técnicos e práticos nas áreas de preservação permanente; e espacialização e quantificação da legislação em relação à área da bacia. 10 As práticas de preservação, conservação e recuperação ambiental na bacia hidrográfica do manancial do alto curso do Rio Santo Anastácio estão relacionadas à manutenção e recomposição da vegetação nativa, às práticas de conservação do solo através de terraceamentos e adequação de estradas rurais e atividades de educação ambiental. Na identificação dos riscos ambientais foram realizadas verificações de campo e entrevistas. São áreas que oferecem riscos de contaminação do ar, do solo e das águas superficiais e/ou subterrâneas. Na Bacia do manancial Santo Anastácio os principais problemas ambientais estão relacionados aos processos erosivos (voçorocas, ravinas, sulcos e assoreamento). A erosão laminar e a supressão da vegetação nativa em área de preservação permanente (mata ciliar) ocorrem de forma generalizada em grande parte da Bacia. A impermeabilização do solo, a deposição irregular de resíduos sólidos e líquidos e a poluição atmosférica e sonora ocorrem com maior frequência e intensidade na área urbanizada. O Capítulo VIII trata da definição de unidades de paisagem natural (meio físico), unidades de uso e ocupação da terra e unidades de paisagem (ambientais): definição das características do meio físico; os critérios utilizados para a definição das unidades; espacialização e quantificação das unidades; e a função geoecológica, estabilidade/fragilidade, uso potencial da terra, o uso real (atual) da terra e função socioeconômica da unidade. No Capítulo IX foi realizado o diagnóstico das unidades ambientais da bacia hidrográfica do manancial do alto curso do Rio Santo Anastácio/SP: compatibilidade entre uso real e potencial da terra; usos e ocupações das áreas protegidas por lei; restrição legal ao uso e ocupação antrópicos; práticas de conservação e preservação ambiental; uso da água; análise dos problemas; e definição do estado ambiental, com base na incompatibilidade entre uso real e potencial da terra e a ausência de práticas de conservação e preservação gerando problemas ambientais difusos e pontuais. O Capítulo X considera as projeções (propostas e prognóstico). As propostas foram elaboradas para toda a bacia do manancial (propostas gerais) e para as unidades ambientais (propostas específicas), visando à melhoria do seu estado ambiental. Para a definição do prognóstico da bacia foram considerados, principalmente, dois cenários futuros: tendencial e com a implementação das propostas, com reflexos na quantidade e qualidade das águas. 11 CAPÍTULO I ÁGUA, PAISAGEM E PLANEJAMENTO AMBIENTAL 1.1. A DINÂMICA DA ÁGUA NA PAISAGEM A água, principal agente modelador e modificador da paisagem, adquire diferentes estados e trajetórias ao longo do seu ciclo. Sua entrada nos sistemas terrestres, abrangendo a biosfera, a litosfera, a pedosfera e a própria hidrosfera, desencadeia uma série de processos e possíveis trajetórias, que dependem não só das características da precipitação, mas, sobretudo dos atributos e condições das diferentes esferas por onde irá circular (BOTELHO, 2011, p. 71). A água constitui um dos elementos mais importantes na composição da paisagem terrestre, interligando fenômenos da atmosfera e da litosfera, e interferindo diretamente no desenvolvimento socioeconômico e ecológico, a partir da interação com os demais elementos de sua respectiva bacia hidrográfica. Além disso, a água doce, proveniente da precipitação, é o mais importante recurso da humanidade. A disponibilidade da água condiciona a expansão da agricultura, a localização de certas indústrias, a geração de energia e o estabelecimento de povoações. O planeta Terra pode ser entendido como sendo um sistema gigantesco. Um sistema é um conjunto de componentes ligados por fluxos de energia e funcionamento como uma unidade. Se o sistema recebe energia do exterior e devolve energia, diz-se que é um sistema aberto. Se a energia e, por consequência, a massa, são retidas dentro do sistema (autocontenção), diz-se que é um sistema fechado (DREW, 2010, p. 21). Sistema pode ser definido como o elemento real ou virtual que apresenta uma zona de entrada que se relaciona com outra de saída por meio de uma zona de trânsito, onde ocorrem processos determinísticos ou probabilísticos (REBOUÇAS, 2004, p. 60). O planeta Terra é considerado um sistema constituído por quatro elementos operacionais ou esferas: a litosfera, a hidrosfera, a atmosfera e a biosfera. O mundo em que o homem vive deve ser dividido em classes, categorias e seções para que lhe faça algum sentido. Na Antiguidade, os gregos consideravam que o mundo se compunha de fogo, água, terra e ar; o homem moderno classifica os seres vivos, os minerais e os tipos de solo. Muito embora o planeta Terra possa ser considerado como um enorme sistema, ele pode ser dividido em inúmeros subsistemas. Os três principais subsistemas são: o atmosférico, o continental ou litosférico e o aquático ou hidrosférico, sendo na zona de interação dessas três unidades que ocorre a vida (DREW, 2010, p. 21). De acordo com Rebouças (2004), há cerca de 2,7 bilhões de anos, pelo 12 menos, os processos fotossintéticos fazem com que as plantas verdes misturem água e sais minerais (vindos de baixo) com luz solar e dióxido de carbono (vindos de cima), estabelecendo-se as interações entre a litosfera/hidrosfera e a atmosfera. Embora a vida ocorra apenas em uma fina película em torno da Terra, da perspectiva cósmica esta também constitui uma esfera: a biosfera. A água líquida é considerada essencial à vida, e esta não existiria na Terra sem as interações constantes que ocorrem entre a litosfera, a hidrosfera, a atmosfera e pela ação da luz e o calor irradiados pelo Sol. A atuação antrópica exerce grande influência nas interações entre os diferentes elementos operacionais que compõem a Terra, que tem sido considerada como um elemento distinto, ou seja, uma nova esfera, sendo denominada de antroposfera, tecnosfera, esfera humana, esfera da inteligência ou noosfera. Neste contexto, a água é elemento vital, purificadora, recurso natural renovável. Estes são alguns dos significados referidos em diferentes mitologias, religiões, povos e culturas, em todas as épocas. O grande desafio atual é o de usá-la de forma cada vez mais eficiente. Até a última década do século passado, os indicadores mais seguros de estabilidade e riqueza de uma nação eram suas reservas de petróleo e dos recursos minerais não renováveis. Atualmente, esses indicadores são questionados por estratégias de mercado, em relação à água, recurso natural renovável no mundo, mas não inesgotável e de valor econômico em muitas partes da Terra (REBOUÇAS, 2004). 1.1.1. O Ciclo Hidrológico A energia que move a máquina da terra provém da gravidade, do interior da Terra e do seu próprio movimento gravitacional, mas em grau muito superior da energia do Sol. A energia solar alcança a Terra via atmosfera, distribui-se de modo variado e desigual pelo Planeta, cumpre a sua função e retorna ao espaço (DREW, 2010, p. 20). A Terra é o único corpo do Universo, até agora conhecido, onde a água ocorre simultaneamente nos três estados físicos fundamentais: sólido ou gelo, líquido e gasoso ou vapor, dependendo da pressão e da temperatura na sua atmosfera. Regra geral, o calor da atmosfera transforma as águas líquidas da Terra em vapor, sejam dos oceanos, açudes grandes e pequenos, pantanais ou espalhadas no solo pelos métodos de irrigação, sejam aquelas situadas a profundidades inferiores a um metro no subsolo (REBOUÇAS, 2004, p. 19). A circulação incessante da água entre seus reservatórios oceânico, terrestre e atmosférico é chamada ciclo hidrológico (Figura 3). Nesse ciclo, com o calor obtido da energia solar absorvida, a água evapora dos oceanos e, em quantidade proporcionalmente menor, dos continentes para a atmosfera, onde se formam as nuvens. Os ventos transportam o 13 ar carregado de umidade até que haja a formação de nuvens e a precipitação. A precipitação que cai no oceano terminou seu ciclo e está pronta para recomeçá-lo. Já a água que cai sobre os continentes, contudo, ainda pode seguir várias etapas. Uma porção infiltra-se no solo como água subterrânea, parte da qual deságua em lagos e rios ou diretamente no oceano. Quando a taxa de precipitação é maior que a capacidade de absorção do solo, outra porção escorre sobre a superfície, para rios e lagos. Grande parte da água que se infiltra ou que escorre acaba evaporando. Em adição a essa evaporação do solo, rios e lagos, uma parte da água que se infiltra é absorvida por plantas que então a liberam na atmosfera pela transpiração. Medidas da evaporação direta e da transpiração são usualmente combinadas como evapotranspiração (BARBEDO, 2005, p. 193). Figura 3 - Ciclo Hidrológico - balanço das entradas e saídas de água dos vários reservatórios globais. Fonte: Unesco (1998, apud Agência Nacional de Águas, 2005). O ciclo hidrológico pode também ser entendido “como uma série de armazenagens de água por transferências. De fato, muitos ‘depósitos’ são na realidade transferências mais demoradas (por exemplo, água subterrânea) e algumas transferências mais rápidas (por exemplo, rios) também exercem limitada função de armazenagem” (DREW, 2010, p. 89). Assim, “a energia solar que atinge a Terra transforma a água em vapor, que sobe à atmosfera e esfria, formando as nuvens, a água líquida dos oceanos, rios, lagos, pantanais e que escoa pelos rios (Blue water flow), a umidade dos solos que dá suporte ao 14 desenvolvimento da exuberante cobertura vegetal (Green water flow), e as águas subterrâneas (Gray water flow) rasas. Por sua vez, as nuvens são atraídas pela gravidade da Terra, voltam a cair nos continentes e nos oceanos na forma de chuvas, neblinas e neves, donde são novamente evaporadas, fechando o infindável ciclo hidrológico” (REBOUÇAS, 2004, p. 22). O ciclo hidrológico “é o contínuo movimento da água em nosso planeta. É a representação do comportamento da água no globo terrestre, incluindo ocorrência, transformação, movimentação e relações com a vida humana. É um verdadeiro retrato dos vários caminhos da água em interação com os demais recursos naturais” (FELIZATTO, 2005, p. 671). Dessa forma, o ciclo hidrológico envolve principalmente os processos evaporação, precipitação, infiltração e escoamento. A evaporação é o nome que se dá ao processo de transformação de uma substância do estado líquido para o gasoso. Quanto maior é a superfície onde incide o calor emanado pelo Sol, tal como a dos oceanos e lagos, mais intenso é o processo de evaporação. Quanto mais forte é o vento que varre o vapor assim formado, mais intenso e importante será o processo de transformação da água líquida por evaporação. As raízes dos vegetais retiram água do solo ou subsolo, a qual infiltra durante os períodos de chuvas na bacia hidrográfica e “perdem-na” por transpiração das folhas. O vapor de água sobe progressivamente à atmosfera, onde esfria e forma grandes massas de água, as nuvens. Essas massas de água assim formadas, ao serem atraídas pela força da gravidade da Terra, voltam a cair nos oceanos e nos continentes, sob a forma de chuva, neblina e neve (REBOUÇAS, 2004). A Precipitação, desta forma, compreende toda a água que cai da atmosfera na superfície da terra. A água precipitada pode infiltrar ou escoar superficialmente. O Escoamento superficial é a água de chuva que, atingindo o solo, corre sobre as superfícies do terreno, preenche as depressões, fica retida em obstáculos e, finalmente, atinge os córregos, rios, lagos e oceanos. Na grande superfície exposta dos oceanos ela entra em processo de evaporação e condensação, formando as nuvens que voltam a precipitar sobre o solo (FELIZATTO, 2005, p. 672). A infiltração é o movimento da água na percolação pelo solo. Os solos definem as quantidades de chuvas que infiltram ou que excedem para escoar na superfície do terreno. Considerando que o deslocamento da água sobre a superfície é mais rápida, tornando-se cada vez mais lenta em profundidade, pode-se dizer que os solos determinam o volume do escoamento da chuva, a sua distribuição temporal e as descargas-máximas, tanto em superfície como em subsuperfície (COELHO NETTO, 2009, p. 114). É por meio da infiltração que a água de chuva penetra por gravidade nos interstícios do solo, chegando até as camadas de saturação, constituindo assim os aquíferos 15 subterrâneos, ou lençóis freáticos. Esses depósitos são, em muitas regiões, provedores de água para uso humano e também para a vegetação. Dependendo do modo como esteja confinada, essa água pode afluir em certos pontos em forma de nascentes (FELIZATTO, 2005, p. 672). Além disso, o processo de escoamento superficial está diretamente relacionado ao desenvolvimento dos processos erosivos. Conforme Coelho Netto (2009, p. 119) diversas variáveis-controle regulam a capacidade de infiltração, incluindo: a) características físicas das chuvas – a intensidade da chuva, junto com as demais variáveis do solo, define o que entra e o que excede a capacidade de infiltração; as chuvas mais intensas causam maiores impactos no solo exposto, e os picos de chuva de longa duração preenchem o potencial de estocagem e eventualmente conduzem os solos à saturação b) condições de cobertura dos solos – a cobertura vegetal tende a aumentar a capacidade de infiltração; solos recobertos por florestas geralmente apresentam os maiores valores de capacidade de infiltração, especialmente pela influência da serrapilheira, como mencionamos anteriormente. A redução na densidade de cobertura vegetal é acompanhada pelo decréscimo da infiltração; c) condições especiais dos solos – se por um lado, a compactação pelo impacto das chuvas e a selagem por partículas finas deslocadas pelo salpico das gotas de chuvas promovem uma diminuição da água infiltrada, por outro, o aumento da carga hidráulica na superfície ou das rachaduras de ressecamento do solo ou do declive da superfície aumentam a infiltração; d) condições de textura, profundidade e umidade antecedente do solo – estas variáveis importam na definição da quantidade de água que poderá ser estocada antes de o solo atingir a saturação: solos profundos e bem drenados, com textura grosseira e grandes quantidades de matéria orgânica apresentarão alta capacidade de infiltração; já os solos rasos e mais argilosos mostrarão baixas taxas e volumes de infiltração; a umidade antecedente, se por um lado reduz a ação capilar que inibe a infiltração, por outro limita o volume de água que pode ser estocado no solo, especialmente nos mais finos; e) atividade biogênica no topo dos solos – a formação de bioporos pela atividade da fauna escavadora e do enraizamento dos vegetais aumenta a capacidade de infiltração e a percolação, conforme foi apontado anteriormente (COELHO NETTO, 2009, p. 119). Os processos de escoamento superficial nas vertentes promovem a erosão dos solos e o assoreamento dos cursos d’água. “Esse processo está relacionado com as características da precipitação, com as do solo e com a morfologia das vertentes. Assim, em função da densidade hidrográfica, da rugosidade topográfica e da grandeza da bacia, surgem as respostas do comportamento hidrológico nos canais, assinalada a magnitude e frequência dos fluxos. O transporte de sedimentos, os processos de agradação e degradação do leito, a 16 morfologia dos canais e a tipologia dos canais fluviais estão ligadas aos aspectos dos fluxos”. (CHRISTOFOLETTI, 2009, p. 436). Desta forma, verifica-se que a água não é encontrada “pura” na natureza. Ao cair em forma de chuva, já carreia impurezas do próprio ar. Ao atingir o solo, seu grande poder de dissolver e carrear substâncias altera ainda mais sua qualidade (Figura 4). Entre o material dissolvido, podem-se encontrar as mais variadas substâncias como, por exemplo, as substâncias calcárias e magnesianas que tornam a água dura; substâncias ferruginosas que dão cor e sabor diferentes à mesma; e substâncias resultantes das atividades humanas, tais como produtos industriais, que a tornam imprópria ao consumo. Por sua vez, por onde passa, a água de drenagem pluvial pode carrear substâncias em suspensão, tais como partículas finas dos terrenos, que dão turbidez à mesma; pode também carrear substâncias como algas, que modificam seu sabor, ou ainda, quando passa sobre terrenos com atividade humana, podem levar em suspensão microrganismos patogênicos (IDE, 2005, p. 461). Figura 4 - Ciclo Hidrológico, Intervenção Antrópica e Poluentes (Fonte: IDE, 2005, p. 535). Desta forma, os aspectos de quantidade e qualidade são indissociáveis. “Os recursos hídricos têm capacidade de diluir e assimilar esgotos e resíduos, mediante processos físicos, químicos e biológicos, que proporcionam a sua autodepuração. Entretanto, essa capacidade é limitada em face da quantidade e qualidade de recursos hídricos existentes. A 17 água pode servir, ainda, de veículo para a transmissão de doenças, principalmente quando recebe lançamento de esgotos sanitários não tratados, constituindo sério risco à saúde pública” (SETTI et al., 2001, p. 30). Neste contexto, o funcionamento do ciclo hidrológico deve ser compreendido a partir das características do meio físico, do uso e ocupação da terra, problemas ambientais, entre outros, pelo que o ciclo hidrológico deve ser compreendido como um conjunto interdependente. Conforme salienta Botelho (2011, p. 74) os recursos hídricos têm sido alvo de intervenções antrópicas há longo tempo, desde o surgimento das primeiras comunidades humanas, que se utilizavam deles para sua dessedentação, preparo de alimentos, higiene, construção, navegação, irrigação, etc. Contudo, é em tempos historicamente mais recentes que são registradas as maiores intervenções nesses recursos, notadamente nos rios. Embora as necessidades humanas básicas apresentadas permaneçam, outras necessidades surgiram pelo grande aumento das demandas de forma geral, em especial, pelos chamados usos consuntivos da água. 1.1.2. Bacia Hidrográfica A bacia hidrográfica pode ser definida como a área drenada por um determinado rio ou por um sistema fluvial, funcionando como um sistema aberto (CHRISTOFOLETTI, 1980), em que cada um dos elementos, matérias e energias presentes no sistema apresentam uma função própria e estão estruturados e intrinsecamente relacionados entre si. O que ocorrer a qualquer um deles terá reflexos sobre os demais. Desta forma, tudo o que ocorre na bacia hidrográfica repercute direta ou indiretamente nos rios e na qualidade e quantidade das águas (LEAL, 1995). Encostas, topos ou cristas e fundos de vales, canais, corpos de água subterrânea, sistemas de drenagem urbanos e áreas irrigadas, entre outras unidades espaciais, estão interligados como componentes de bacias de drenagem. A bacia de drenagem é uma área da superfície terrestre que drena água, sedimentos e materiais dissolvidos para uma saída comum, num determinado ponto de um canal fluvial. O limite de uma bacia de drenagem é conhecido como divisor de drenagem ou divisor de águas. Uma determinada paisagem pode conter um certo número de bacias drenando para um reservatório terminal comum, como os oceanos ou mesmo um lago. A bacia de drenagem pode desenvolver-se em diferentes tamanhos, que variam desde a bacia do rio Amazonas até bacias com poucos metros quadrados que drenam para a cabeça de um pequeno canal erosivo ou, simplesmente, para o eixo de um fundo de vale não-canalizado. Bacias de diferentes tamanhos articulam-se a partir dos divisores de drenagem principais e drenam em direção a um canal, tronco ou coletor principal, constituindo um sistema de drenagem hierarquicamente organizado (COELHO NETTO, 2009, p. 97). 18 Para Cunha e Guerra, (2003, p. 352), “os desequilíbrios ambientais originam-se, muitas vezes, da visão setorizada dentro de um conjunto de elementos que compõem a paisagem. A bacia hidrográfica, como unidade integradora desses setores (naturais e sociais) deve ser administrada com esta função, a fim de que os impactos ambientais sejam minimizados”. Além disso, a bacia hidrográfica, no caso brasileiro, foi assumida como a unidade físico-territorial para o planejamento e o gerenciamento dos recursos hídricos, como estabelecido na Lei Estadual (São Paulo) 7.663/91 e na Lei Federal 9.433/97. A adoção da bacia hidrográfica constitui um princípio básico para a gestão de recursos hídricos, como estabelecido nas leis mencionadas, sendo empregada em várias experiências estrangeiras. Considerar uma bacia hidrográfica como uma unidade de planejamento, portanto, impõe abordar todos seus elementos (água, litologia, relevo, solo, flora, fauna, agropecuária, indústrias, urbanização, etc.) e compreendê-la como uma totalidade composta por elementos naturais e sociais, inter-relacionados e dinâmicos. Sobre esta questão, Tundisi (2003), destaca que o “conceito de bacia hidrográfica aplicada ao planejamento de recursos hídricos estende as barreiras políticas tradicionais (Municípios, Estados, Países) para uma unidade física de gerenciamento e planejamento e desenvolvimento econômico e social. [...] A capacidade de desenvolver um conjunto de indicadores é um aspecto importante do uso dessa unidade de planejamento. A bacia hidrográfica é também um processo descentralizado de conservação e proteção ambiental, sendo um estímulo para a integração da comunidade e a integração institucional”. Os estudos das bacias hidrográficas geralmente têm sido realizados seguindo fundamentalmente as características hidroclimatológicas, porém nos últimos anos, a bacia hidrográfica está sendo analisada com um enfoque cada vez mais ambiental, relacionando o espaço físico com os grupos sociais que ali vivem e/ou utilizam os seus recursos. A bacia está sendo utilizada, cada vez mais, como unidade de gestão ambiental por diversas instituições governamentais. Porém, considerar a bacia como unidade de gestão exige, além disso, fazer uma abordagem mais abrangente em seus estudos (MATEO RODRIGUEZ, 2008, p. 54, tradução nossa). Conforme salienta Capobianco (2002, p.7), “A conservação da quantidade e da qualidade da água depende das condições naturais e antrópicas das bacias hidrográficas, onde ela se origina, circula, percola ou fica estocada, na forma de lagos naturais ou reservatórios artificiais. Isto porque, ao mesmo tempo em que os rios, riachos e córregos alimentam, por exemplo, uma determinada represa, eles também podem trazer toda sorte de 19 detritos e materiais poluentes que tenham sido despejados diretamente neles ou no solo por onde passaram”. Nesta perspectiva, gerenciar águas implica em trabalhar com processos territoriais (naturais e sociais), com o objetivo de garantir água para os múltiplos usos, para as atuais e futuras gerações de forma sustentável. A água, “inserida no sistema hidrogeomorfológico representado pela bacia de drenagem, é o receptor final de materiais que circulam no sistema. Nas áreas urbanas, os resíduos industriais, o lixo urbano e o esgoto doméstico quando atingem os rios comprometem o consumo de suas águas, exigindo maiores gastos no seu tratamento” (BOTELHO, 2011, p. 87). Para o estudo de bacias hidrográficas Mateo Rodriguez (2008, p. 57, tradução nossa), define as seguintes premissas básicas: � Considerar a bacia como uma totalidade sistêmica, formada pela interação de diversos sistemas ambientais (eco e geossistemas e sociossistemas). � Considerar que em uma bacia interagem componentes de caráter natural, social, econômico, cultural e político que formam os diversos sistemas ambientais. � Considerar que esses sistemas se manifestam de maneira complexa na superfície do globo terrestre, formando sistemas espaciais, territoriais e paisagísticos de caráter individual. Permitindo analisar as unidades geoecológicas e as unidades espaciais como estruturas no interior das bacias. � Considerar que a bacia é formada fundamentalmente pela organização que impõe os fluxos de água superficial, manifestam-se sistemas de caráter espacial e territorial, paragenético e paradinâmico que não são completamente subordinados a essa dinâmica hídrica e que, portanto, têm sua própria organização e sua lógica. � Considerar que o projeto de um processo de planejamento e de gestão deve ter um caráter holístico, prospectivo, que responda a diferentes cenários e que deve partir não só das necessidades “objetivas”, mas, sobretudo, das exigências e expectativas dos moradores locais. � Considerar uma bacia sustentável, incorporando principalmente a sustentabilidade ambiental ao processo de desenvolvimento, ou seja, o uso ambientalmente correto dos recursos e espaços que nela se encontram, com o objetivo de satisfazer às necessidades da população e elevar sua qualidade de vida. Para isso, será imprescindível não só conhecer como é formada e baseada a sustentabilidade dos sistemas ambientes naturais, e os outros sistemas (econômico, sociocultural e político) podem contribuir com essa sustentabilidade (MATEO RODRIGUEZ, 2008, p. 57, tradução nossa). 20 Desta forma, “a bacia hidrográfica, através da rede de drenagem fluvial, integra grande parte das relações causa-efeito que devem ser tratadas na gestão. Embora existam outras unidades político-administrativas a serem consideradas, como os municípios, estados, regiões e países, essas unidades não apresentam necessariamente o caráter integrador da bacia hidrográfica, o que poderia tornar a gestão parcial e ineficiente caso fossem adotadas” (SETTI et al., 2001, p. 78). De acordo com Leal (2000), a possibilidade de organizar a população por bacias hidrográficas constitui um dos grandes desafios a serem enfrentados na gestão das águas. É preciso desenvolver uma maior percepção pelas pessoas sobre a noção espacial da bacia hidrográfica, com seus limites e interações naturais, alterações provocadas pela ação antrópica, sua não conformação aos territórios administrativos e sua rede de drenagem. Trata- se de um processo lento de mudança cultural, que envolve o trabalho educativo desde as séries escolares iniciais, com uma nova alfabetização espacial, de caráter ambiental. Poucos são os indivíduos que têm a noção de que habitam uma bacia hidrográfica, a compõem e são elementos que interagem dentro de um sistema, cujo funcionamento também depende das suas ações. Se nas áreas rurais essa visão é tênue, nas áreas urbanas ela é ainda mais nebulosa, pois muitas vezes os rios estão “invisíveis”. Como muito correm em canais fechados e subterrâneos, eles não são vistos. Parece que aquele velho estigma “o que não se vê não se sente” encaixa com perfeição neste caso. É preciso conhecer o lugar que se habita. Nosso endereço precisa ser mais do que uma rua, um bairro e uma cidade; precisa ser também uma bacia hidrográfica. É preciso saber de onde vêm suas águas e, principalmente, para onde vão e em que parte desse trajeto nos encontramos. Vale ressaltar aqui que só se pode cuidar daquilo que se conhece. Não se pode proteger o desconhecido (BOTELHO, 2011, p. 80). O primeiro princípio da Lei Federal n° 9.433/97 é o da adoção da bacia hidrográfica como unidade de Planejamento. Os limites da bacia definem o perímetro da área a ser planejada para o balanço entre disponibilidade e demandas de água. A bacia hidrográfica é um sistema físico que define uma área de captação da água precipitada da atmosfera, onde toda água que flui nesta área converge para um único ponto de saída, o “exutório”. No entanto, a bacia hidrográfica, segundo o seu conceito holístico, deve considerar os recursos d’água não convencionais, tais como os dos reservatórios de acumulação de água de chuva, as águas subterrâneas, umidade do solo que dá suporte ao desenvolvimento da biomassa natural ou cultivada, as perspectivas de reuso da água, as relações com as bacias hidrográficas adjacentes e o restante do território da unidade federada (REBOUÇAS, 2004). 21 1.1.3. Águas e Sociedade As principais doenças infecciosas relacionadas com a água podem ser agrupadas em cinco categorias gerais que ajudam a prever os prováveis efeitos, das mudanças verificadas no abastecimento de água, para a saúde do homem (Quadro 1). Dos cinco grupos, quatro são diretamente relacionados à água, ao passo que o quinto é determinado, principalmente, pela adequação da disposição de dejetos (SETTI et al., 2001, p. 35). Quadro 1 – Relação entre a água e doenças infecciosas Doenças transmitidas pela Água. A água atua somente como um veículo passivo para o agente infeccioso. Todas essas doenças dependem também das precárias condições da disposição de dejetos. Doenças controladas pela limpeza com água. A falta de água e a higiene pessoal insuficiente criam condições favoráveis para a sua disseminação. As infecções intestinais neste grupo resultam também da falta de disposição adequada de dejetos. Doenças associadas à água Parte necessária do ciclo de vida do agente infeccioso se passa num animal aquático. Algumas são também afetadas pela disposição de dejetos. Não estão incluídas as infecções que não tenham sido propagadas pelo contato da água ou por sua ingestão. Doenças cujos vetores se relacionam com a água As doenças são propagadas por insetos que nascem na água ou picam perto dela. O encanamento nas casas faria com que as pessoas se afastassem das áreas onde são picadas, ou permitiria que elas dispensassem o uso de potes para a armazenagem de água, onde os insetos proliferam. Não são afetadas pela disposição de dejetos. Doenças associadas ao destino de dejetos e muito pouco afetadas pela água mais diretamente Estas constituem o extremo de um espectro de doenças, na maioria, controladas pela limpeza com a água, juntamente com um grupo de infecções do tipo associadas à água, que podem ser transmitidas somente através da ingestão de peixe ou de outros organismos aquáticos crus. Fonte: (SETTI et al., 2001, p. 36). Existe um grande número de doenças vinculadas à água. A Organização Mundial de Saúde, órgão das Nações Unidas, estima que de cada dez litros de esgoto domésticos produzidos nos países do Terceiro Mundo, nove são lançados nos rios sem tratamento. A OMS estima que cada dólar investido em saneamento básico poderia representar uma economia de 4 a 5 dólares nas despesas médicas, salientando a importância do fornecimento de água potável para toda a população (REBOUÇAS, 2004, p. 66). As principais doenças relacionadas pela ingestão e contato com a água estão descritas no Quadro 2. 22 Quadro 2 - Principais doenças relacionadas pela ingestão e contato com a água Por ingestão de água contaminada Cólera, disenteria amebiana, disenteria bacilar, febre tifóide e paratifóide, gastroenterite, giardíase e criptosporidíase, hepatite infecciosa, leptospirose, paralisia infantil e salmonelose. Por contato com água contaminada Escabiose (doença parasitária cutânea conhecida como sarna), tracoma (mais freqüente nas zonas rurais), verminoses, tendo a água como um estágio do ciclo e esquistossomose Por meio de insetos que se desenvolvem na água Dengue, febre amarela, filariose e malária Fonte: (IDE, 2005, p. 461). De acordo com Rebouças (2004, p. 65), o setor de saneamento necessita urgentemente de mais investimentos e a alternativa escolhida de solução deve adaptar-se a cada realidade em foco. Porém, os problemas da água do mundo e do Brasil, além dos problemas financeiros, enfrentam problemas físicos, uma vez que nas vielas e becos onde mora a população mais pobre, muitas vezes não há espaço suficiente para a passagem de uma rede de água ou coletora de esgotos ou um caminhão de coleta do lixo através de um sistema convencional de saneamento. Aproximadamente 70% da água doce do Brasil se encontra na região amazônica, que é habitada por menos de 5% da população. Além das disparidades entre oferta e demanda, os problemas de escassez hídrica no Brasil decorrem, fundamentalmente, da combinação entre o crescimento exagerado das demandas localizadas e da degradação da qualidade das águas. Esse quadro é consequência dos desordenados processos de urbanização, industrialização e expansão agrícola. Essencial à vida, a água constitui elemento necessário para quase todas as atividades humanas, sendo, ainda, componente da paisagem e do meio ambiente. Presta-se para múltiplos usos: geração de energia elétrica, abastecimento doméstico e industrial, irrigação de culturas agrícolas, navegação, recreação, aquicultura, piscicultura, pesca e também para assimilação e afastamento de esgotos (SETTI et al., 2001). Conforme Leal (2000, p. 36), as águas podem constituir recursos limitantes ou indutores do processo de desenvolvimento econômico social de determinada área e sua gestão pode interferir no uso e ocupação da terra. Assim, se as intervenções antrópicas na bacia hidrográfica têm influência direta na disponibilidade e qualidade de água, de maneira semelhante à gestão de recursos hídricos, afetam os usos da água e, consequentemente, interferem nos usos da terra na bacia hidrográfica, como, por exemplo, com a implementação 23 dos instrumentos de gestão – enquadramento dos corpos d’água, planos de bacias hidrográficas e cobrança pelo uso das águas. No Brasil, omite-se a precariedade dos serviços de saneamento básico - oferta irregular de água, falta de coleta e tratamento de esgoto e de coleta e deposição adequada do lixo que se produz nas cidades. A falta de saneamento básico nas cidades brasileiras é significativo gerador das doenças que afetam, principalmente, a população mais pobre e um dos mais fortes impedimentos ao desenvolvimento do País com justiça social. O problema de abastecimento de água no Brasil não é devido à falta de água, mas ao quadro de pobreza endêmica que atinge a maior parte da sua população, a qual não pode pagar pelo serviço de captação, transporte, tratamento e distribuição da água limpa para beber (REBOUÇAS, 2004). Essa abordagem da dinâmica da água na paisagem foi o contexto considerado na análise integrada da paisagem como subsídio para o planejamento ambiental e para a gestão dos recursos hídricos, que é detalhada nos capítulos seguintes da presente pesquisa. 24 1.2. ANÁLISE INTEGRADA DA PAISAGEM Nesta pesquisa, foram utilizados os conceitos e métodos da análise integrada da paisagem que servem de subsídio ao planejamento ambiental e a gestão de recursos hídricos. Partindo da premissa de que “as relações sociedade-natureza são o objeto da Geografia e desempenham um importante papel, não só para a produção do conhecimento humano, mas também para transformar esse conhecimento em um bem voltado para a humanidade” (ROSS, 2009, p. 47). De acordo com Mateo Rodriguez et al. (2007, p. 213) “a teoria das paisagens pode em muito apontar na reconstrução do mundo baseado na equidade, satisfação das necessidades e sustentabilidade geoecológicas, garantindo um processo de ocupação ambientalmente equilibrado do espaço. Por isso é necessário divulgar e consolidar seus fundamentos teóricos, seus métodos e suas vias de aplicação”. Desta forma, salientamos a necessidade e importância da análise do contexto geográfico no planejamento do ambiente e na gestão dos recursos naturais, em especial da água. As análises integradas em Geografia, desde australianos, russos/soviéticos, franceses e alemães, perseguem o caminho da aplicação voltada para o ordenamento do território e, consequentemente, para o planejamento dos usos racionais dos recursos naturais, considerando as potencialidades e fragilidades dos sistemas ambientais (ROSS, 2009, p. 47). Conforme salientam Guerra e Marçal (2006, p. 93) o aumento crescente dos problemas ambientais: [...] tem levado a comunidade científica a conduzir seus trabalhos na busca de soluções para os impactos ambientais provocados pela sociedade sobre o espaço ocupado. Por conta disso, talvez um dos maiores desafios para as ciências, na atualidade, seja o de ajustar suas metodologias, ou redirecionar suas ações, na tentativa de apontar mecanismos e possíveis respostas que possam levar a soluções, que, no mínimo, orientem a forma adequada de planejar, recuperar ou conservar as diversidades de paisagens da superfície terrestre (GUERRA e MARÇAL, 2006, p. 93). À medida que a sociedade se conscientiza de que os problemas ambientais estão relacionados com as diversas formas como a sociedade se relaciona com o ambiente, torna-se necessária a adoção de novas metodologias e conceitos que abordem de forma abrangente e integrada a totalidades de informações relacionadas com natureza e a sociedade, a partir da análise integrada da paisagem e da abordagem sistêmica. O conceito de paisagem, a partir da abordagem sistêmica, teve grande influência sobre as pesquisas relacionadas ao 25 ambiente. [...] entender a complexidade dos sistemas dinâmicos que compõem a natureza ou, melhor, a paisagem, com toda a sua dinâmica de evolução e transformação imposta pela sociedade ao longo dos anos, constitui-se em um grande desafio. A busca de metodologias que permitam dimensionar a paisagem para se projetarem, ao longo dos anos, um planejamento adequado à realidade imposta e as possibilidades de mudanças aleatórias impostas ao sistema ambiental constitui-se em um desafio ainda maior. A paisagem corresponde ao todo ambiental, e sua abordagem, como conceituação teórico-metodológica, correspondem à compreensão dos estudos ambientais de forma integrada. A identificação de uma unidade ambiental, ou unidade de paisagem, com suas respectivas intervenções sofridas ao longo dos anos pela sociedade, permite a aplicação de métodos e técnicas, necessários à sua análise, proporcionando a sua identificação, classificação, diagnóstico e prognóstico da paisagem (GUERRA e MARÇAL, 2006, p. 101). A relação entre o homem e o meio sempre esteve presente nos estudos geográficos, oferecendo subsídios ao planejamento e gestão ambiental. [...] “O objetivo geral desse entendimento integrativo – sociedade e natureza – consiste em obter um conjunto de informações, elaborado e organizado de forma que se consubstancie em um conteúdo básico, com a qual seja possível desenvolver um planejamento de gestão ambiental para um determinado espaço territorial diretamente atingido, com a finalidade de conservar, preservar e recuperar a natureza e, ao mesmo tempo, promover o desenvolvimento econômico e social em bases sustentáveis” (ROSS, 2009, p. 58). Para Bolós (1981 apud GUERRA e MARÇAL, 2006, p. 113), “o objetivo do estudo da geografia e da paisagem deve ser visto como uma realidade integrada, onde os elementos abióticos, bióticos e antrópicos aparecem associados de tal maneira, que os conjuntos podem ser trabalhados como um modelo de sistema”. Desta forma, as paisagens analisadas a partir de uma concepção sistêmica e dos processos decorrentes permitem elaborar diagnósticos e prognósticos da área pesquisada. Neste contexto, “a natureza concebe-se como o fundamento de toda a vida da humanidade (o mundo material). Numa acepção mais estreita conceitua-se como o sistema complexo auto-regulado de objetos e fenômenos do planeta Terra. A sociedade, por sua vez, designa-se para conceituar o conjunto de relações e atividades econômicas próprias da atividade humana” (MATEO RODRIGUEZ, 2007, p. 56). Desta forma, os conceitos e métodos de estudo oferecidos pela análise integrada da paisagem podem enquadrar-se como uma ciência ambiental, que oferece uma contribuição essencial ao conhecimento da base natural do meio ambiente, entendido como o meio global. Subsidiando a elaboração das bases 26 teóricas e metodológicas do planejamento e gestão ambiental. Assim, “a Geografia é de vital importância no trabalho de inventariar e analisar o quadro ambiental, que é antes de mais nada um espaço, humanizado ou não, eminentemente geográfico” (ROSS, 2008, p. 16). A “análise paisagística é o conjunto de métodos e procedimentos técnico- analíticos que permitem conhecer e explicar a estrutura da paisagem, estudar suas propriedades, índices e parâmetros sobre a dinâmica, a história do desenvolvimento, os estados, os processos de formação e transformação da paisagem e a pesquisa das paisagens naturais, como sistemas manejáveis e administráveis” (MATEO RODRIGUEZ et al., 2007 p. 40). De acordo com Ross (2009, p. 27) “o naturalismo das pesquisas germânicas, ajudou a construir os paradigmas da Geografia, sobretudo da Geografia física [...]. Também é conhecida a influência da Geografia alemã na França, no final do século XIX e em grande parte do século XX”. A partir daí, o desenvolvimento teórico-metodológico do conceito de paisagem desenvolveu-se diferentemente nas várias escolas de Geografia Física (com destaque para a germânica, francesa, russa e americana), gerando diferentes abordagens e aplicações do conceito de paisagem nas últimas décadas. No século XIX, o estudo da paisagem caracterizou-se por uma abordagem descritiva e morfológica, tendo como pilar os naturalistas que trabalhavam a natureza do ponto de vista da sua fisionomia e funcionalidade. A abordagem morfológica perdura até aproximadamente a década de 20 do século XX, quando então começa a incorporar uma reflexão mais integradora entre as partes que compõem a paisagem, destacando, ao mesmo tempo, a sua função na natureza. O período que se segue é marcado pela Teoria Geral dos sistemas, que incorpora uma nova orientação aos estudos da paisagem sob uma perspectiva sistêmica e dinâmica entre os componentes da natureza (GUERRA & MARÇAL, 2006, pg. 103). Baseada na “Teoria Geral dos Sistemas”, criada pelo biólogo Ludwing Von Bertalanffy, a análise da Ciência da Paisagem volta-se para a preocupação com a dinâmica das unidades, ou seja, com metodologias acerca da morfologia e dos fenômenos de integração, manifestados pelos fenômenos de funcionamento dos sistemas. A concepção sistêmica consiste em uma abordagem em que qualquer diversidade da realidade estudada (objetos, propriedades, fenômenos, relações, problemas, situações, etc.) pode-se considerar como uma unidade (um sistema) regulada em um ou outro grau que se manifesta mediante algumas categorias sistêmicas, tais como: estrutura, elemento, meio, relações, intensidade, etc. (MATEO RODRIGUEZ et al., 2007, p. 41). 27 Na concepção da teoria dos sistemas, os diferentes ambientes naturais encontrados na superfície da Terra, decorrentes das relações de troca de energia e matéria entre os componentes, são denominados ecossistemas ou geossistemas. As relações de troca energética, absolutamente interdependentes, não permitem, por exemplo, o entendimento da dinâmica e da gênese dos solos sem que se conheçam o clima, o relevo, a litologia e seus respectivos arranjos estruturais, ou a análise da fauna, sem associá-la à flora – e esta lhe proporciona suporte -, que, por sua vez, não pode ser entendida sem o conhecimento do clima, da dinâmica das águas, dos tipos de solos, e assim sucessivamente. A partir da visão sistêmica, concebe-se a paisagem c