UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Química, Araraquara Departamento de Engenharia, Física e Matemática Transitando entre Matéria Condensada e Informação Quântica Fundamentos, Metodologias e Aplicações Vivian Vanessa FRANÇA Tese apresentada ao Instituto de Química, UNESP como parte dos requisitos para a obtenção do título de Professor Livre Docente. Fevereiro, 2022 iii Aos meus queridos Emanuel, Júlia e Artur . . . v Sumário 1 Introdução 1 2 Pesquisa em Fundamentos 9 2.1 Mecânica Quântica via Espaços Métricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 2.2 Mapeamento local entre Férmions e Spins . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 2.3 Teorema Hohenberg-Kohn em Sistemas Discretos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 2.4 Polarização Crítica em Superfluidos Exóticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 3 Pesquisa em Desenvolvimento de Metodologias 35 3.1 Funcional da Densidade para Sistemas Dependentes de Spin . . . . . . . . . . . . . . 37 3.2 Funcional da Densidade via Redes Neurais Artificiais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 3.3 Funcional da Densidade para Emaranhamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 3.4 Modelo de Hubbard para descrição de nanoestruturas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 4 Aplicações em Nanoestruturas, Sólidos e Átomos Frios 65 4.1 Transições de Fase em Superfluidos Exóticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 4.2 Emaranhamento entre Blocos em Superredes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 4.3 Susceptibilidade como Medida Experimental de Emaranhamento . . . . . . . . . . . 76 4.4 Transições de Fase Quânticas em Sistemas Desordenados . . . . . . . . . . . . . . . . 80 5 Considerações Finais 93 1 1 Introdução Férmions fortemente interagentes estão entre os sistemas físicos mais estudados atualmente e são considerados responsáveis por fenômenos importantes, como por exemplo, supercondutividade a altas temperaturas (em cupratos) e magnetoresistência colossal (em manganitas) [1–3]. Sistemas de átomos fermiônicos fortemente correlacionados podem ser realizados experimentalmente em redes óticas e têm sido investigados intensamente, em particular por atuarem como simuladores quânticos para a compreensão de fenômenos da física da matéria condensada [4–6]. Por outro lado, do ponto de vista teórico, o grande desafio em descrever completamente a matéria, isto é entender todas as suas propriedades, reside justamente em tratar a nível quântico sistemas de muitas partículas interagentes. Embora a função de onda de um dado sistema − e assim qualquer de suas propriedades − possa em princípio ser obtida resolvendo-se a equação de Schrödinger, este método exato é extremamente custoso do ponto de vista computacional e se torna exponencialmente proibitivo com o número de partículas interagentes no sistema. Um possível caminho para simplificar o tratamento quântico é explorar o conceito matemático de espaços métricos, contido no espaço de Hilbert em mecânica quântica. O espaço de Hilbert combina dois espaços matemáticos, o vetorial e o métrico. O mais comum tem sido explorar propriedades associadas ao espaço vetorial, por exemplo através de combinações lineares das funções de onda, multiplicações por números reais ou complexos. Neste caso, a similaridade entre funções de onda é quantificada pela sobreposição entre elas, via produto escalar. O que fizemos nesta linha de pesquisa mais fundamental [7, 8] (Seção 2.1) foi explorar os conceitos relacionados ao espaço métrico, como a possibilidade de se definir uma distância entre dois dos seus elementos, tal como tem sido investigado em vários contextos e em diferentes sistemas físicos [9–17] Neste contexto, o modelo de Hubbard [18] também se destaca como um approach alternativo. Trata-se de um modelo simplificado, que descreve aproximadamente os graus de liberdade de carga e de spin de férmions interagentes e itinerantes em uma rede (isto é, com posições discretas 2 1. Introdução K. Capelle, V.L. Campo Jr. / Physics Reports 528 (2013) 91–159 99 Fig. 2. Partial map of the universe of model Hamiltonians, highlighting the central role of the Hubbard and the Heisenberg models, which can give rise to several other familiar models of many-body physics either through special choices of parameters or by the introduction of additional terms. of cold atoms in optical lattices. This possibility of finding additional, sometimes completely unexpected, uses of model Hamiltonians contributes a lot to the continued activity in this field. If the models are well constructed, a mathematical connection between two different model Hamiltonians may well be a consequence of a physical connection between the different phenomena they describe. A typical example is the connection between the Heisenberg model and the Hubbard model. In fact, the Heisenberg model can also be obtained in a completely different way, by considering the strong-coupling limit of the Hubbard model [34,35,40] instead of the angular momentum of two-electron systems. This derivation takes the strongly repulsive half-filled Hubbard model into the weakly antiferromagnetic spin-half Heisenberg model. Although the values of the parameters U and J for which the mapping becomes exact are distant from those encountered in actual solids [40], this relation implies that the physics of antiferromagnetic spin–spin interactions can arise from that of strongly Coulomb interacting electrons, which is an important ingredient for the analysis of, e.g., cuprate materials. Similar considerations can be made for many of the other commonmodel Hamiltonians. Most of them can be connected in some way either to an underlying first-principles Hamiltonian or to other, more complex, model Hamiltonians. Instead of describing all of these, we limit us to referring the reader to Fig. 2, which is a schematic (and certainly incomplete) map of the universe of model Hamiltonians and their interrelations. (Not all of these models have been treated with DFT yet.) 3. DFT as input for model Hamiltonians: ab initio calculations of model parameters Model Hamiltonians are typically devised to represent the essential physics at low energies. A restricted set of degrees of freedom is retained and some model parameters, with values fixed by physical processes on the eliminated high energy scales, are introduced. Even when ab initio calculations using DFT with one of the standard approximate functionals fail in reproducing experimental results at low energies, one expects that a DFT calculation can give appropriate values for the model parameters, which incorporate all the subtleties of the real atomic structure of the solid. This offers an alternative to the usual way of obtaining values for model parameters by means of fitting experimental results. Here, we discuss two parameters, the Hubbard U and the Heisenberg J, since the corresponding models are widely used in condensed-matter physics and are also discussed in later sections of this review in the context of being themselves treated by DFT. 3.1. Hubbard U One of the first connections betweenDFT andmodel Hamiltonianswas through the use of DFT-based ab initio calculations to extract theHubbard interactionU [41,42]. There have beendifferent proposals for how to extractU , which lead to different values for the parameter, sometimes with large deviations between them. One important point to keep in mind is that the values found forU depend on the basis set used in theDFT calculations [43–46]. If the resultingU is to be used in a subsequent DFT + U calculation, it is crucial that the same basis set be adopted. We describe here three ways of extracting the Hubbard U from DFT calculations: the method of constrained DFT [41], Gunnarsson’s method [42,47,48] and the linear-response method [43,44,49,50]. Although the last one also uses a constrained-DFT calculation, a separated discussion is appropriate given its growing popularity among LDA + U practitioners. FIGURA 1.1: Modelo de Hubbard como modelo central em Física e Química [19]. nos sítios da rede). Em sua versão mais simples, o modelo de Hubbard apenas inclui interações intra-sítio e itinerância entre sítios vizinhos, com Hamiltoniano ĤHubb = − L ∑ iσ ti(ĉ† iσ ĉi+1,σ + H.c.) + L ∑ i Uin̂i↑n̂i↓ + L ∑ i,σ Vin̂iσ, (1.1) onde Ui é a interação intra-sítio e ti o parâmetro de hopping entre sítios vizinhos. O potencial externo Vi pode ser usado para simular heterogeneidades espaciais na cadeia, como impurezas localizadas, potenciais confinantes, superredes, desordem. Aqui L é o número total de sítios, n̂iσ = ĉ† iσ ĉiσ é o operador densidade de partículas com spin σ =↑, ↓ no sítio i, onde n = 〈n̂↑〉+ 〈n̂↓〉 é o fator de preenchimento ou densidade média, m = 〈n̂↑〉 − 〈n̂↓〉 a magnetização, e 0 ≤ n ≤ 2 (para modelos de uma única banda: até duas partículas com spins opostos no mesmo sítio) e ĉ† iσ, ĉiσ são operadores fermiônicos de criação e aniquilação respectivamente. Existem várias maneiras de estender a aplicabilidade do modelo de Hubbard, incluir por ex- emplo i) mais bandas por sítio, ii) itinerância entre outros sítios que não apenas os vizinhos, iii) interações entre sítios e/ou iv) parâmetros dependentes do sítio, ti e Ui. Mas mesmo em sua versão mais simples, o modelo é capaz de capturar os fenômenos mais relevantes da física de muitos corpos [19–29], como o crossover de pares de Cooper para superfluido [30] (para U < 0, 1. Introdução 3 m = 0), a transição metal-isolante [22] (para U > 0, n = 1), supercondutividade a altas temperat- uras [21], superfluidez exótica [31] (para U < 0 e m 6= 0) e sistemas desordenados [32]. Para n = 1 e U >> t, o Hubbard é mapeado no modelo de Heisenberg, usado na descrição de interações magnéticas entre spins, e demonstramos [33] (Seção 2.2) que este mapeamento se mantém inclu- sive na presença de heterogeneidades espaciais. Mais recentemente mostramos que o modelo de Hubbard e o modelo de Hubbard estendido podem ser usados com boa aproximação para a de- scrição de emaranhamento em pontos quânticos e nanoestruturas [25, 27] (Seção 3.4). Portanto, o modelo de Hubbard desempenha papel central em vários outros modelos importantes em física e química [19]− seja com a escolha de parâmetros específicos ou pela inclusão de termos adicionais em seu Hamiltoniano − como ilustra a Figura 1.1. Apesar da simplicidade do modelo de Hubbard, sua solução analítica exata é em geral descon- hecida − exceto em algumas condições e limites específicos [34] − portanto é necessário recorrer a cálculos numéricos. Para cadeias homogêneas, L = ∞, pode-se resolver numericamente as in- tegrais de Lieb-Wu [35]. Entretanto, heterogeneidades em escala nanométrica − como bordas, impurezas, interfaces, potenciais periódicos, potenciais confinantes, desordem − são não apenas comuns, mas frequentemente inevitáveis em sistemas quânticos complexos. Seja por ocorrência natural ou artificialmente preparadas em nanoestruturas e átomos frios, as heterogeneidades es- paciais podem influenciar propriedades óticas, elétricas, magnéticas, de transporte, as transições de fase e o emaranhamento da matéria [36–49], sendo portanto imprescindível incorporá-las na modelagem teórica e assim garantir que as simulações sejam susceptíveis aos setups experimen- tais e dispositivos reais. Para cadeias finitas e heterogêneas, podemos usar métodos de diagonalização exata para re- solver o modelo de Hubbard, porém limitados quanto ao tamanho da cadeia, L . 15. Outra alternativa é via técnicas de grupo de renormalização da matriz densidade (DMRG) [50], que é aproximadamente exata, podendo resolver cadeias de L . 200 sítios. Contudo, DMRG é um método custoso: um único cálculo pode facilmente levar horas ou dias, mesmo em clusters de computação de alto desempenho. Neste contexto, uma ferramenta interessante e poderosa é a Teoria do Funcional da Densidade (DFT) [51–53]: um cálculo típico de DFT para o modelo de Hubbard heterogêneo leva alguns se- gundos. Em DFT a densidade de partículas n(r) de um sistema de N partículas interagentes é usada como a grandeza central, em vez da função de onda Ψ(r1, r2, ..., rN). Os cálculos de DFT são portanto muito mais simples que os cálculos quânticos baseados na função de onda, pois o prob- lema de tratar uma função 3N-dimensional se reduz à obtenção de uma função tridimensional. 4 1. Introdução O mapeamento unívoco entre a densidade e a função de onda é garantido pelo teorema de Hohenberg-Kohn [51], inclusive em sistemas discretizados como as cadeias de Hubbard [14] (Seção 2.3). Dentre as consequências do teorema está o fato de que todos os observáveis são funcionais da densidade e, portanto, podem em princípio ser obtidos via cálculos de DFT. Entretanto o teorema em si não provê qualquer indicação de como se obter ambos, a densidade do sistema e o funcional da densidade para um dado observável desejado. A limitação de encontrar a densidade foi rapidamente solucionada através do esquema pro- posto por Kohn e Sham (KS) [54]. Trata-se de um mapeamento iterativo entre o sistema de muitos corpos interagente e um sistema auxiliar, fictício e não-interagente. Constrói-se o sistema auxiliar com um potencial efetivo − denominado potencial de KS vKS − de forma a reproduzir a densi- dade n(r) do sistema interagente. Porém, como vKS de forma geral depende da energia de troca e correlação eXC, e eXC por sua vez é um funcional da densidade tipicamente desconhecido, cálculos práticos de DFT só são viáveis via aproximações e a performance dos resultados de DFT depende crucialmente das aproximações adotadas. Por este motivo um ramo muito ativo na comunidade de DFT é o de desenvolvimento e otimização de funcionais da densidade para melhorar a precisão dos cálculos de DFT. Em posse de funcionais da densidade apropriados no limite homogêneo, DFT pode ser aplicada aos sis- temas heterogêneos graças a aproximações − locais e não-locais − tanto para a energia de troca e correlação, quanto para o funcional da densidade de qualquer grandeza de interesse. Nossas con- tribuições neste contexto, incluem o desenvolvimento de funcionais da densidade − analítico [34] (Seção 3.1) e numérico via redes neurais artificiais [55] (Seção 3.2) − para a energia do estado fun- damental do modelo de Hubbard, e o desenvolvimento de um funcional da densidade analítico para a entropia linear [45] (Seção 3.3), usada para quantificar emaranhamento. Emaranhamento é sem dúvida um dos fenômenos mais intrigantes da mecânica quântica. Além de ser um ingrediente importante na teoria de informação quântica [56], estados emaran- hados são considerados essenciais para o desenvolvimento de tecnologias quânticas [57]. Emaran- hamento tem sido investigado em diversos sistemas físicos, como fótons em cavidades óticas [58], átomos ultrafrios interagindo com luz [59, 60] e em sólidos [49, 61]. Do ponto de vista experimen- tal, vários protocolos têm sido propostos para medidas de emaranhamento [62–69], porém como muitos deles escalam exponencialmente com o tamanho do sistema, ficam restritos a sistemas de poucas partículas. Uma alternativa a este approach é determinar e quantificar emaranhamento em experimentos atuais através de relações intrínsecas do emaranhamento com outras propriedades 1. Introdução 5 físicas cuja medição experimental já esteja bem estabelecida. Este é o caso por exemplo, da suscep- tibilidade magnética, medida atualmente tanto em átomos frios como em experimentos da matéria condensada [67, 70]. Por isso recentemente investigamos o mapeamento entre o emaranhamento e a susceptibilidade magnética em metais, isolantes, superfluidos convencionais e superfluidos exóticos [71] (Seção 4.3). Apesar do crescente interesse multidisciplinar, a determinação das medidas capazes de quan- tificar o grau de emaranhamento de um determinado sistema, como entropias e concorrência, não é trivial e em muitos casos é computacionalmente custosa [49]. No modelo unidimensional de Hubbard, contudo, o emaranhamento entre quaisquer dois blocos de sítios [72, 73] do estado fun- damental é bem definido e quantificado pela entropia de von Neumann e pela entropia linear. As relações de escala entre o emaranhamento de um único sítio e o emaranhamento entre um bloco de sítios tem sido extensivamente exploradas do ponto de vista estatístico [74–80]. Entretanto, uma das questões que permanecia em aberto era o impacto das heterogeneidades espaciais no emaranhamento entre blocos, visto que de forma geral no emaranhamento de um único sítio as heterogeneidades sempre diminuem o grau de emaranhamento do sistema. O que nossos resul- tados mostraram, contudo, é que para o caso de emaranhamento entre blocos de sítios, existem situações em superredes em que as heterogeneidades aumentam o grau de emaranhamento em até 27% em relação aos casos homogêneos [81] (Seção 4.2). O emaranhamento também tem desempenhado papel central em construir pontes de mão dupla entre a teoria de informação quântica e diferentes áreas, como em física da máteria con- densada, de altas energias e de átomos frios [25, 60, 70, 72, 80, 82–90]. Em particular na comu- nidade da física da matéria condensada, o emaranhamento tem sido considerado uma ferramenta importante para identificar e caracterizar fenômenos críticos, tais como transições de fase quân- ticas [49, 83, 91–96], incluindo estados exóticos da matéria [97–101], como localização de muitos corpos [98,102], líquidos topológicos de spin [97] e superfluidez Fulde-Ferrell-Larkin-Ovchnnikov (FFLO) [99–101, 103–106]. A fase FFLO, também denominada superfluidez exótica ou heterogênea, é esperada surgir em superfluidos a baixas temperaturas na presença de campos magnéticos externos ou por polariza- ção interna produzida pela população desbalanceada de spin. Sua principal característica é uma quebra espontânea de simetria espacial, que se reflete também em outras propriedades do sistema, como por exemplo a correlação de pares [31, 107]. Esta exótica coexistência entre superfluidez e magnetismo está sob investigação teórica há décadas [31] e atualmente tem sido explorada tam- bém em experimentos estado-da-arte em átomos frios [108,109] e supercondutores orgânicos [110]. 6 1. Introdução Apesar disso, ainda não há observação irrefutável da fase FFLO, apenas evidências indiretas. Do ponto de vista teórico, foram diversos avanços desde sua predição original, graças a méto- dos computacionais robustos, como Monte Carlo Quântico, teoria de campo médio dinâmico e DMRG [31, 107, 111–113]. DFT entretanto não havia sido aplicada neste contexto e embora hou- vessem alguns trabalhos que analisassem a relação entre FFLO e emaranhamento, estes eram fo- cados em sistemas gravitacionais [114–116]. Portanto nesta importante linha de pesquisa: i) apli- camos cálculos de DFT para explorar um grande regime de parâmetros na fase FFLO [99] (Seção 2.4), o que nos permitiu por exemplo determinar uma expressão analítica para a polarização crítica abaixo da qual o estado FFLO se manifesta, e ii) investigamos a relação da fase FFLO com o grau de emaranhamento do sistema [101] (Seção 4.1). Já as transições de fase quânticas são caracterizadas por mudanças nas propriedades físicas do sistema induzidas por um dos seus parâmetros. A transição pode ser de primeira ordem, caracter- izada por uma descontinuidade na primeira derivada da energia em relação ao parâmetro, ou ser mais suave, de segunda ordem ou simplesmente um crossover [117]. Idealmente a investigação da transição de fase em um sistema requer um parâmetro de ordem, mas defini-lo e obtê-lo não é triv- ial na maioria dos casos. Portanto é muito comum usar as variações nas próprias propriedades do sistema − como correlações quânticas e medidas de emaranhamento − para testemunhar e caracterizar as transições de fase [91–94, 101, 118]. Neste contexto, a análise via espaços métricos surge como uma ferramenta matemática poderosa para investigar as transições de fase quânticas. Sistemas que são fisicamente semelhantes (perten- centes à mesma fase) são esperados apresentar menores distâncias entre pares de propriedades (pares de densidades, funções de onda e potenciais) do que sistemas pertencentes a fases difer- entes, com comportamentos físicos distintos [7–17]. Em um trabalho recente, aplicamos as métri- cas para investigar transições quânticas em superfluidos exóticos [100] (Seção 4.1). O modelo de Hubbard, em particular, possui várias fases distintas, como ilustra a Tabela 1.1. Portanto surgem diversas transições de fase importantes, como por exemplo a transição metal- isolante (MIT) de Mott [119–123], em que fortes interações Coulombianas repulsivas suprimem a itinerância das partículas favorecendo sua localização [124]. No estado localizado, os graus de liberdade de carga são congelados e as interações magnéticas se tornam dominantes. Na ausência de interação, a transição MIT pode ser alternativamente induzida por desordem, a chamada lo- calização de Anderson [125,126], devido ao espalhamento coerente das impurezas aleatoriamente distribuídas. Já em sistemas com interações efetivas atrativas como em supercondutores, descritos pelo modelo de Hubbard com U < 0, desordem pode induzir à transição superfluido-isolante 1. Introdução 7 (SIT) [127–129], caracterizada por uma diminuição da fração superfluida [130] e um comporta- mento não-monotônico da fração condensada com a intensidade da desordem [131]. Importante notar que metais e supercondutores têm características antagônicas às propriedades dos isolantes. Por exemplo, em um supercondutor as interações efetivas atrativas levam a um or- denamento eletrônico de longo alcance, permitindo supercorrentes sem resitência. Em contraste, sistemas localizados (isolantes) não possuem fluxo de carga elétrica. Portanto sistemas da matéria condensada, nanoestruturas e átomos frios exibindo ambas as fases, condutora (ou supercondu- tora) e isolante, representam um cenário rico com propriedades interessantes e não-convencionais. De modo que a compreensão de MIT e SIT vai além da ciência básica, implica também na com- preensão e domínio de metais e supercondutores complexos de grande interesse tecnológico, incluindo por exemplo supercondutores de altas temperaturas (intrinsecamente desordenados [129]), nanofios supercondutores, supercondutores amorfos e gases ultrafrios [129, 132–136]. Recentemente, exploramos uma oportunidade única − via cálculos de DFT para medidas de emaranhamento em cadeias de Hubbard com um funcional da densidade especialmente con- struído para a entropia linear [45] (Seção 3.3) − de melhor compreender SIT em superfluidos desordenados [137,138] e MIT em sistemas apenas interagentes (Mott MIT), apenas desordenados (Anderson MIT) e em sistemas com ambos interação e desordem (Mott-Anderson MIT) [139, 140] (Seção 4.4). Localização já havia sido investigada via emaranhamento em metais [32, 141–143], sistemas bosônicos [144–147], misturas Bose-Fermi [148] e spinless férmions [149–151]. Entretanto nenhum destes estudos: i) considerou sistemas realmente fermiônicos (com graus de liberdade de carga e spin), ii) usou DFT, computacionalmente mais barata (que DMRG e dynamical mean-field theory) permitindo analisar um vasto regime de parâmetros, ou iii) encontrou uma inequívoca assinatura das transições no comportamento do emaranhamento (como não-monotonicidade, de- scontinuidade, saturação, características típicas de uma transição de fase quântica). Além disso, características importantes de MIT e SIT estão em debate, como por exemplo a existência ou não de uma intensidade de desordem mínima para a localização em sistemas 1D e 2D [129, 152–156] e a natureza da transição, se é mais pronunciada ou mais um crossover [130, 157]. Esses fatos garantem tanto a originalidade quanto a relevância do nosso trabalho nessa linha de pesquisa. Até aqui focamos em contextualizar de forma geral nossas principais linhas de pesquisa (após o doutoramento da Profa. Vivian), apenas permeando nossas contribuições. Nossa atuação, incor- porando questões fundamentais, desafios metodológicos e aplicações em sólidos, nanoestruturas e átomos frios, evidencia versatilidade e um intenso trânsito entre áreas distintas, principalmente 8 1. Introdução TABLE 1.1: Sumário das principais fases do modelo de Hubbard para um dado U, densidade n e polarização P. U > 0 U < 0 n 6= 1 metal P=0 superfluido convencional n = 1 isolante P < PC superfluido exótico P > PC normal polarizada entre a física da matéria condensada e os conceitos da teoria de informação quântica. Nos próxi- mos capítulos, focamos nos detalhes dos principais resultados em fundamentos (Capítulo 2), de- senvolvimento de metodologias (Capítulo 3) e aplicações (Capítulo 4). Conclusões e perspectivas são apresentadas no Capítulo 5. 9 2 Pesquisa em Fundamentos Neste capítulo apresentamos resultados em pesquisa de fundamentos de mecânica quântica, de sistemas fortemente correlacionados e de superfluidos: 1. Quantum Mechanics in Metric Space: Wave Functions and Their Densities I. D’Amico, J. P. Coe, V. V. França and K. Capelle, Physical Review Letters 106, 050401 (2011). 2. D’Amico et al. Reply: Quantum Mechanics in Metric Space: Wave Functions and Their Densities I. D’Amico, J. P. Coe, V. V. França and K. Capelle, Physical Review Letters 107, 188902 (2011). 3. Effect of spatial inhomogeneity on the mapping between strongly interacting fermions and weakly interacting spins V. V. França and K. Capelle, Physical Review B 82, 134405 (2010). 4. Uniqueness of density-to-potential mapping for fermionic lattice systems J. P. Coe, I. D’Amico, and V. V. França, EPL 110, 63001 (2015). 5. Fulde-Ferrell-Larkin-Ovchinnikov critical polarization in one-dimensional fermionic optical lattices V. V. França, D. Hörndlein, and A. Buchleitner, Physical Review A 86, 033622 (2012). 2.1 Mecânica Quântica via Espaços Métricos Um dos conceitos fundamentais em mecânica quântica é o espaço de Hilbert, constituído por to- dos os possíveis estados quânticos de um dado sistema de N partículas. Matematicamente, o espaço de Hilbert combina dois espaços, o espaço vetorial e o espaço métrico. De forma geral, explora-se as propriedades associadas ao espaço vetorial, como por exemplo via combinações lineares dos seus elementos ou vetores de estado, funções de onda são rotineiramente multipli- cadas por números reais ou complexos, e a similaridade entre funções de onda é medida pela 10 2. Pesquisa em Fundamentos sobreposição entre elas, quantificada pelo produto escalar. Já os aspectos relacionados ao es- paço métrico, como a possibilidade de se definir uma distância entre dois dos seus elementos, são menos explorados em mecânica quântica. Neste trabalho [7, 8] exploramos as propriedades dos espaços métricos de espaços de Hilbert para um número N fixo de partículas. Propusemos uma distância apropriada entre funções de onda e uma distância apropriada entre densidades de partículas, e investigamos a relação entre essas distâncias no contexto do mapeamento entre densidades e funções de onda do teorema de Hohenberg-Kohn (HK) [51]. Embora o mapeamento de HK seja extremamente não trivial na descrição de coordenadas, encontramos que pode ser bastante simples, monotônico, no espaço métrico. Analisamos três modelos bastante distintos e encontramos que para um vasto regime de parâmetros a relação entre densidade e função de onda é a mais simples possível: linear. O teorema de Hohenberg-Kohn, pilar da Teoria do Funcional da Densidade (DFT) [52], esta- belece a existência de uma relação unívoca entre a função de onda Ψ(r1, r2, ...rN) de N partícu- las interagentes e a densidade de partícula única ρ(r). A simplificação computacional é imensa: substitui-se uma função 3N-dimensional por outra de apenas 3 coordenadas, justificando a pop- ularidade da DFT no tratamento de sistemas quânticos complexos. Embora o teorema HK seja matematicamente provado e garanta uma relação unívoca entre Ψ e ρ(r), o teorema não provê qualquer indicação de como é esta relação. Assim, oferecemos uma nova perspectiva ao teorema HK ao analisar distâncias apropriadas para essas duas grandezas, Ψ e ρ(r), em vários sistemas e um vasto regime de parâmetros. Definimos a distância Dψ(ψ1, ψ2) entre quaisquer duas funções de onda de um sistema com- posto por N partículas interagentes como Dψ(ψ1, ψ2) = min φ D̃ψ(ψ1, ψ2) (2.1) = min φ [∫ |ψ1(r1, ..rN)− ψ2(r1, ..rN)|2dr1..drN ]1/2 (2.2) = [∫ (|ψ1|2 + |ψ2|2)dr1..drN − 2 ∣∣∣∣∫ ψ∗1 ψ2dr1..drN ∣∣∣∣]1/2 . (2.3) onde r representa coordenadas espaciais e de spin e a fase φ é definida por ∫ ψ∗1 ψ2dr1..drN = eiφ| ∫ ψ∗1 ψ2dr1..drN |. Esta distância fora usada anteriormente e se trata de um caso especial da distância de Bures [158] aplicada a estados puros [159]. Importante notar que a desigualdade 2.1. Mecânica Quântica via Espaços Métricos 11 triangular é satisfeita Dψ(ψ1, ψ2) ≤ Dψ(ψ1, ψ3) + Dψ(ψ3, ψ2), (2.4) e o espaço de todas as funções de onda se torna um espaço métrico. Note que a minimização em φ é crucial para que funções de onda diferindo apenas por uma constante de fase possuam distância nula pela métrica (2.2). Se adotarmos a convenção de que a função de onda de um sistema de N partículas é normal- izado por N, a densidade ρ(r) pode ser escrita como, ρ(r) = ∫ |ψ(r, r2, ..rN)|2dr2..drN , (2.5) onde ∫ ρ(r)dr = N. Definimos então a distância Dρ(ρ1, ρ2) entre quaisquer duas densidades deste sistema de N fixo como Dρ(ρ1, ρ2) = ∫ |ρ1(r)− ρ2(r)|dr (2.6) = ∫ √ |ρ1(r)|2 + |ρ2(r)|2 − 2ρ1(r)ρ2(r)dr, (2.7) que satisfaz à desigualdade triangular, Dρ(ρ1, ρ2) ≤ Dρ(ρ1, ρ3) + Dρ(ρ3, ρ2), (2.8) e portanto o espaço de todas as densidades formam um espaço métrico, mas não um espaço de Hilbert. De fato, as definições (2.2) e (2.6) determinam a geometria dos espaços das funções de onda e das densidades sem usar qualquer conceito do espaço de Hilbert, como produtos escalares ou combinações lineares. De acordo com a Eq. (2.6), todas as densidades estão em uma esfera de raio N, centrada na função densidade zero, ρ(0)(r) ≡ 0, pois Dρ(ρ, ρ(0)) = N. Analogamente, da Eq. (2.2) temos que todas as funções de onda de um dado N estão em esferas de raio √ N, centrada na função de onda zero ψ(0) ≡ 0. Portanto ambos os espaços, de todas as densidades e de todas as funções de onda, podem ser vistos como esferas concêntricas, com uma estrutura tipo cebola, tal como ilustrado na Fig. 2.1. A soma direta de todos os espaços de Hilbert de um dado N de partículas é o espaço de Fock. Do ponto de vista das métricas, o espaço de Fock é então estratificado em um número infinito de esferas concêntricas, cada uma representando um espaço métrico de N partículas. 12 2. Pesquisa em Fundamentos FIGURA 2.1: Ilustração dos espaços métricos para densidades e funções de onda. A máxima distância entre duas densidades de um dado sistema de N partículas pode ser deduzida da normalização e da Eq. (2.8), ρ3 = ρ(0): Dρ(ρ1, ρ2) ≤ Dρ(ρ1, ρ(0)) + Dρ(ρ (0), ρ2) = 2N, (2.9) o que está de acordo com o raio da esfera sendo N. Podemos ver pela Eq. (2.7) que ρ1(r)ρ2(r) ≥ 0, e que o máximo do lado direito ocorre quando ρ1(r)ρ2(r) ≡ 0. Então o produto ser nulo implica que essas distribuições de densidade não se sobrepõe, tal que Dmax ρ = ∫ ρ1(r)dr + ∫ ρ2(r)dr = 2N. Também podemos deduzir um limite superior para a distância entre funções de onda de um dado sistema com N fixo, a partir da Eq. (2.4), fazendo ψ3 = ψ(0): Dψ(ψ1, ψ2) ≤ Dψ(ψ1, ψ(0)) + Dψ(ψ (0), ψ2) = 2 √ N, (2.10) em acordo com o raio da esfera sendo √ N. Porém da Eq. (2.3) está claro que a distância máxima é √ 2N, obtida para funções de onda não sobrepostas. Ou seja, o limite superior obtido da desigual- dade triangular não é alcançado se as distâncias forem obtidas por Dψ. Já se as distâncias forem calculadas por D̃ψ, que apropriadamente estabelece distância nula para funções de onda que se diferem apenas por uma constante de fase, então a distância 2 √ N é alcançada para φ = π, ou seja para ψ e −ψ. Uma propriedade fundamental do espaço vetorial e muito usada em mecânica quântica é a combinação linear de elementos do espaço, ou seja, podemos somar duas funções de onda e o 2.2. Mapeamento local entre Férmions e Spins 13 resultado é também uma função do espaço vetorial. Contudo as funções de onda do estado fun- damental não satisfazem essa propriedade: duas funções de onda de estado fundamental quando somadas, se tornam outra função de onda mas não necessariamente de estado fundamental. Por- tanto o conjunto de todas as funções de onda de estado fundamental não é um espaço vetorial, não formam um espaço de Hilbert. Entretanto ainda é um espaço métrico e toda a discussão feita neste trabalho permanece aplicada. De acordo com o teorema HK, cada densidade do estado fundamental, ρGS, corresponde a uma única função de onda do estado fundamental, ψGS. Como D(x, y) satisfaz D(x, y) = 0 ⇔ x = y, o teorema HK implica que as funções de onda de estado fundamental com distâncias não nulas, Dψ(ψGS 1 , ψGS 2 ) 6= 0, são sempre mapeadas em densidades com distâncias não nulas, Dρ(ρGS 1 , ρGS 2 ) 6= 0. Analisamos portanto esse mapeamento entre Dψ e Dρ numericamente para três diferentes sis- temas: o modelo de Hubbard unidimensional, séries de Hélio isoeletrônicas e um sistema de 2 elétrons confinados em potencial parabólico (átomo de Hooke). O teorema HK garante que o grá- fico de Dρ como função de Dψ começa com uma inclinação positiva na origem, onde Dψ = Dρ = 0, e nunca cruza o eixo horizontal novamente. Nossos resultados numéricos, Figura 2.2, apropriada- mente captam esse comportamento, mas revelam comportamentos adicionais. Encontramos para todos os sistemas que a inclinação inicial é menor ou igual a 45 graus, pois como a densidade é um funcional integrado da função de onda, Eq.(2.5), Dρ deve ser afetado no máximo tanto quanto Dψ por uma variação pequena na função de onda. Contudo, a inclinação permanece positiva para todo o regime de Dψ, ou seja, as curvas crescem monotonicamente. Sur- preendentemente em alguns regimes encontramos que as curvas crescem linearmente, revelando que nestes casos o teorema HK é o mais simples possível, linear: um aumento na distância entre densidades é seguido por um aumento proporcional na distância entre funções de onda associadas àquelas densidades. Este comportamento linear se mantém até valores de Dψ que são próximos à distância máxima √ 2N, limite em que as funções de onda não se sobrepõe, e uma pequena variação da distância entre funções de onda pode levar a uma grande variação na distância entre densidades. 2.2 Mapeamento local entre Férmions e Spins Neste trabalho [33], combinamos um tratamento numérico com uma análise analítica para prover um mapeamento eficiente entre a física de férmions fortemente interagentes e spins fracamente 14 2. Pesquisa em Fundamentos Z=1 Z=1.5 Z=1 Z=2 Z=3 Z=1.5 Z=2.5 Z=2.5 Z=2.8 Z=2.9 t=0.017 t=0.07 t=0.1 t=10 t=5 t=3 t=2 t=0.15 t=0.25 t=1 t=0.45 t=0.48 t=0.4 de ns ity d is ta nc e/ N (a) (b) wavefunction distance/sqrt(N) de ns ity d is ta nc e/ N (c) de ns ity d is ta nc e/ N 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 1.2 1.4 2 1 0 0 0.8 1.6 Hubbard N=2 1.6 1.4 1.2 1 0.8 0.6 0.4 0.2 0 0.2 0 0.4 0.6 0.8 1 1.2 1.4 1.6 Hooke’s atom Helium series 0 0.4 0.8 1.2 1.6 2 1.6 1.4 1.2 0.8 0.6 0.4 0.2 1 0 0.2 0.6 1 1.4 1.8 1 1.2 1.4 1.6 0.8 0.6 0.4 0.2 0 FIGURA 2.2: Distância entre densidades em função da distância entre funções de onda (a) para série de átomos de Hélio (sistema de Referência Z = 3); (b) para o átomo de Hooke, referência tem ω = 0.5; (c) para o modelo de Hubbard, referência tem ω = 4 interagentes. Na ausência de heterogeneidades espaciais, ou seja no limite termodinâmico, o mapeamento existe e é bem conhecido: para suficientemente forte interação o modelo de Hubbard recai no modelo t-J que, por sua vez, quando semi-preenchido culmina no modelo de Heisenberg com ordenamento antiferromagnético. Este mapeamento é matemática e fisicamente bem compreendido [160, 161] e tem sido us- ado em física da matéria condensada de forma rotineira na interpretação de experimentos em sólidos fortemente correlacionados. Contudo, na presença de heterogeneidades − efeitos de tamanho finito, impurezas, superredes, interfaces, desordem − não se conhecia se o mapeamento se mantinha da mesma forma ou se quer se existia. 2.2. Mapeamento local entre Férmions e Spins 15 0 5 10 15 20 25 30 -3.0 -2.5 -2.0 -1.5 -1.0 -0.5 0.0 2 4 6 8 -3.0 -2.5 -2.0 -1.5 -1.0 -0.5 0.0 en er gy U Heisenberg Hubbard L= FIGURA 2.3: Energia do estado fundamental por sítio em função da interação para L = ∞. Mostramos que o mapeamento em sistemas heterogêneos é mantido da forma mais local pos- sível, através da média harmônica das interações de sítios vizinhos. Isso implica que toda a física do mapeamento, de congelamento gradual dos graus de liberdade de carga se tornando spins localizados, independe da geometria e da presença ou ausência de simetria translacional. Mostramos ainda que até mesmo o mapeamento padrão, em sistemas homogêneos, pode não ser quantitativamente preciso para interações U consideradas fortes (U ∼ 6t) para aplicações em es- tados sólidos: apenas para U > 20t, onde t é o parâmetro de hopping, o mapeamento é eficiente, com desvios de ∼ 1%. Este regime de interação é muito superior às interações típicas de estado sólido, mas são acessíveis em experimentos de átomos frios. Para fortes interações o modelo de Hubbard, Eq.(1.1), pode ser expandido em potências de t/U [160, 161]. O termo predominante desta expansão é justamente o modelo t-J, ĤtJ = −t ∑ iσ (ĉ† iσ ĉi+1,σ + H.c.) + 4t2 U ∑ i [ ~̂Si · ~̂Si+1 − n̂in̂i+1 4 ] , (2.11) onde ~̂Si é o operador de spin meio no sítio i. Note que este modelo é usualmente o ponto de partida dos estudos de cupratos dopados. Em metais com banda semi-preenchida, n = N/L = 1, isto é, com número N de férmions igual ao número de sítios L da cadeia, o termo de itinerância é suprimido, uma vez que não há sítios vazios, e o modelo t-J se reduz ao modelo de Heisenberg antiferromagnético, 16 2. Pesquisa em Fundamentos ĤHeis = J ∑ i [ ~̂Si · ~̂Si+1 − 1 4 ] , (2.12) onde a interação entre spins é dada por J = 4t2/U e não há flutuações de carga ao longo da cadeia. Portanto o sistema original de férmions itinerantes e fortemente interagentes (U/t � 1) fora mapeado em um sistema de spin localizados com ordenamento antiferromagnético e fracamente interagentes (0 ≤ J/t� 1). Para quantificar a taxa em que as flutuações de carga são congeladas e o sistema se torna uma cadeia de spins localizados com fraca interação, quantificamos as energias do estado fundamental de cada modelo, Hubbard e Heisenberg, no limite termodinâmico (homogêneo). Neste limite a energia do estado fundamental por sítio das cadeias de Heisenberg é dada por: eHeis(J) = lim L→∞ EHeis L = −J ln(2). (2.13) Por outro lado a energia por sítio do estado fundamental do modelo de Hubbard homogêneo em semi-preenchimento (n = 1) para U/t→ ∞ é eHubb(n = 1, U t → ∞) = lim L→∞ EHubb L = −4t2 U ln(2), (2.14) de modo que os modelos são idênticos para J = 4t2/U. Porém para quantificar o mapeamento em valores finitos de U/t, resolvemos numericamente as integrais de Lieb-Wu [35] obtendo eHubb(n = 1, U) em função da interação e comparamos com a energia do modelo de Heisenberg com o J que o mapeia ao Hubbard, eHeis(J = 4t2/U). Como mostram a Figura 2.3 e a Tabela 2.1, encontramos desvios percentuais entre as energias consideravelmente grandes em valores de interação repre- sentativos de cupratos e outros materiais fortemente correlacionados: em U = 6t as energias dos modelos diferem por ∼ 10%. Ou seja, as flutuações de carga ainda são significativas e portanto o mapeamento não é quantitativamente preciso neste regime de interação. Já na presença de heterogeneidades espaciais, tais como observadas em cupratos e em superre- des [2,21,92,162–169], os parâmetros que caracterizam o Hamiltoniano se tornam dependentes do sítio. Neste caso, não sabíamos se o efeito seria o mesmo em ambos os modelos, de forma que o mapeamento se preservasse sem modificações. Portanto consideramos o mapeamento Hubbard- Heisenberg em sistemas com diversas heterogeneidades. Consideramos inicialmente um sistema contendo uma única impureza (ou defeito) localizada em um sítio central da cadeia e caracterizada por uma interação U′ 6= U distinta dos demais sítios. 2.2. Mapeamento local entre Férmions e Spins 17 TABLE 2.1: Desvio percentual relativo entre as energias dos modelos de Hubbard e Heisenberg, D(%) = 100 eHubb−eHeis eHubb . Os regimes de interação são tais que U = 1 corresponde a sólidos fra- camente correlacionados, U = 6 sistemas fortemente correlacionados e valores superiores são atingidos em átomos resfriados por armadilhas óticas. U 1 6 10 20 50 100 200 D(%) -166.50 -10.01 -3.78 -0.97 -0.16 -0.04 -0.01 FIGURA 2.4: Ilustração do modelo de Hubbard com uma única impureza U′ 6= U e o modelo de Heisenberg com as interações equivalentes entre sítios vizinhos J′ 6= J. Note que neste caso enquanto o modelo de Hubbard é afetado localmente, em um único sítio com U′ distinto, na cadeia de Heisenberg essa impureza deve afetar no mínimo a conexão J′ entre os dois sítios adjacentes, como ilustra a Figura 2.4. Ou seja, o efeito da impureza local no Hubbard não pode ser local no Heisenberg e, em princípio, pode ser totalmente não-local, afetando o J de todos os sítios da cadeia. Refizemos então analiticamente o mapeamento Hubbard-Heisenberg, iniciando com o Hamil- toniano de Hubbard na presença de uma impureza U′ 6= U em um sítio k, ĤHubb inh = −t ∑ iσ (ĉ† iσ ĉi+1,σ + H.c.) + U ∑ i 6=k n̂i↑n̂i↓ +U′n̂k↑n̂k↓, (2.15) tomando U e U′ muito maiores que t, para obter o modelo t-J, ĤtJ inh = −t ∑ iσ (ĉ† iσ ĉi+1,σ + H.c.) (2.16) + 4t2 U ∑ i 6=k [ ~̂Si · ~̂Si+1 − n̂in̂i+1 4 ] + 4t2 U′ [ ~̂Sk · ~̂Sk+1 − n̂kn̂k+1 4 ] , 18 2. Pesquisa em Fundamentos que pode ser reescrito de modo a extrair da somatória o sítio k, ĤtJ inh = −t ∑ iσ (ĉ† iσ ĉi+1,σ + H.c.) (2.17) + 4t2 U ∑ i 6=k,l [ ~̂Si · ~̂Si+1 − n̂in̂i+1 4 ] + 4t2 U [ ~̂Sk · ~̂Sk+1 − n̂kn̂k+1 4 ] + 4t2 U′ [ ~̂Sl · ~̂Sl+1 − n̂l n̂l+1 4 ] . e finalmente tomando n = 1, temos ĤtJ inh(n = 1) = + 4t2 U ∑ i 6=k,l [ ~̂Si · ~̂Si+1 − 1 4 ] (2.18) +4t2 ( 1 U + 1 U′ ) [ ~̂Sl · ~̂Sl+1 − 1 4 ] , que pode ser rearranjado na forma HHeis inh = J ∑ i 6=l,l+1 [ ~̂Si · ~̂Si+1 − 1 4 ] + 2J′ [ ~̂Sl · ~̂Sl+1 − 1 4 ] , (2.19) onde l é um sítio vizinho de k, isto é k = l + 1, tal que ~̂Sl · ~̂Sl+1 = ~̂Sk · ~̂Sk+1. Note que este resultado tem a forma do Hamiltoniano de Heisenberg com dois defeitos J′ = 4t2/ŪH e interação J = 4t2/U entre os demais sítios, onde ŪH é a média harmônica entre U e U′, ŪH = 2UU′ U + U′ . (2.20) Essa derivação analítica nos permitiu evidenciar que o mapeamento Hubbard-Heisenberg per- siste mesmo na presença de impurezas, com J′ obtido pela média harmônica entre as interações U e U′, ou seja, da forma mais local possível. Confirmamos numericamente esse resultado de duas formas: i) testando outras possíveis médias entre as interações, e ii) comparando as energias de sistemas heterogêneos mais complexos, como interfaces e superredes ilustradas na Figura 2.6. A Fig. 2.5 comprova que apenas a média harmônica descreve corretamente o mapeamento férmions-spin no limite U, U′ → ∞. Já a Fig. 2.7 mostra comportamento semelhante para o desvio 2.2. Mapeamento local entre Férmions e Spins 19 (b) (a)(a) 0 2 4 6 8 10 -160 -120 -80 -40 0 harmonic geometric arithmetic quadratic homogeneous De via tio n (% ) U 20 40 60 80 100 -4 -3 -2 -1 0 1 2 harmonic geometric arithmetic quadratic homogeneous De via tio n (% ) U FIGURA 2.5: Desvio percentual relativo entre as energias do estado fundamental do modelo de Hubbard com uma impureza e do modelo de Heisenberg com dois defeitos, obtidas numerica- mente para J′ = J(Ū) com quatro escolhas diferentes para a média Ū: harmônica ŪH = 2UU′ U+U′ , quadrática ŪQ = √ U2+U′2 2 , aritmética ŪA = U+U′ 2 e geométrica ŪG = √ UU′. Em (a) valores de U típicos de sólidos, (b) regimes de U atingidos em átomos frios. L = 8, N = 8, cadeia aberta, U′ = 3U/2. das energias em todas as geometrias, demonstrando que o mapeamento permanece válido con- tanto que através da média harmônica. Essa independência com a geometria reflete o caráter local do mapeamento Hubbard-Heisenberg: a essência da física destes sistemas é sensível apenas à vizinha imediata de cada impureza e não da distribuição específica das impurezas ao longo da cadeia. Esses resultados nos permitiram generalizar a receita do mapeamento via média harmônica en- tre férmions fortemente correlacionados e spins fracamente interagentes com facilidade e precisão para uma ampla gama de heterogeneidades espaciais, incluindo sistemas desordenados, que de forma geral requerem análise estatística de muitas amostras. Note contudo que o processo não se trata da localização de Anderson, induzida por desordem (Seção 4.4), em vez disso neste caso o comportamento de spin (localizado) é fruto da forte interação. 20 2. Pesquisa em Fundamentos FIGURA 2.6: Ilustração de interfaces e estruturas de superredes no modelo de Hubbard e as inter- ações J, J′ e J∗ equivalentes no modelo de Heisenberg. 0 10 20 30 40 50 -160 -120 -80 -40 0 U D ev ia tio n (% ) 10 20 30 40 50 -4 -3 -2 -1 0 homogeneous single impurity interface superlattice FIGURA 2.7: Desvio percentual relativo entre as energias fundamental dos modelos de Hubbard e de Heisenberg para os sistemas: homogêneo, com uma única impureza, com uma interface e com estrutura de superrede. L = 8, U′ = 3U/2, J′ = 4t2/U′ and J∗ = 4t2/Ū, onde Ū é a média harmônica de U e U′. 2.3 Teorema Hohenberg-Kohn em Sistemas Discretos Como vimos na seção anterior, modelos como o Hubbard e o Heisenberg são uma maneira sim- plificada, porém tratável, de descrever as principais propriedades de sistemas de muitos corpos interagentes. Mapear as partículas em uma rede, negligenciando interações a partir de uma dada ordem, é uma ferramenta bem sucedida e muito explorada em física da matéria condensada e, mais recentemente, tem recebido atenção em cálculos de química quântica, em particular quando as funções de onda de uma única partícula podem ser mapeadas apropriadamente aos sítios da cadeia unidimensional e então técnicas de DMRG (density-matrix renormalization group) [50] são usadas para modelar o sistema [170–172]. Esses sistemas discretos podem ser simulados em ex- perimentos de átomos frios com redes óticas (tanto para bósons, quanto para férmions) [173–175] e, portanto, são de grande interesse como simuladores quânticos e para o desenvolvimento de tecnologias quânticas. 2.3. Teorema Hohenberg-Kohn em Sistemas Discretos 21 Em contra-partida, a DFT através do teorema de HK, tem sido uma ferramenta poderosa na compreensão de propriedades de materiais e nanoestruturas, permitindo a investigação de tais redes/cadeias heterogêneas [19]. Mas apesar deste sucesso e popularidade da DFT, algumas questões teóricas ainda não estavam resolvidas, incluindo a própria existência de um mapea- mento único entre a densidade de partículas do estado fundamental (ou a função de onda) e o potencial externo, quando se trata de sistemas discretos (lattice DFT, L-DFT) [176–178], ou seja, embora seja frequentemente aplicada, havia uma incompleteza na base da teoria. O que fizemos neste trabalho [14] foi justamente provar que para cadeias de férmions fini- tas a densidade do estado fundamental determina univocamente o potencial externo do sistema, com exceção para os sítios que correspondam aos nós da função de onda e ao caso extremo de que todos os sítios estão totalmente (duplamente) preenchidos. Com este estudo, completamos a correspondência unívoca entre estados fundamentais, suas densidades e o potencial externo, ou seja, completamos a prova do teorema HK base da L-DFT. Embora nossa demonstração seja vál- ida para qualquer cadeia de férmions, ilustramos os resultados aplicando-os em cadeias finitas de Hubbard. Uma parte do teorema HK para sistemas discretos [176] já havia sido demonstrada: para esta- dos fundamentais não-degenerados a densidade de partículas determina univocamente a função de onda na rede. A partir daqui, demostramos o mapeamento um-para-um entre o potencial externo e o estado fundamental da rede: dada uma cadeia finita de L sítios, com número de partículas 0 < N < 2LM em que M é o número de bandas, o potencial externo é univocamente determinado pela função de onda. Consideramos inicialmente funções de onda sem nós e redes de uma única banda. Sejam dois diferentes potenciais ∑j vj e ∑j v′j que levam à mesma função de onda |Ψ〉. Então ( Ĥ0 + ∑ j vjn̂j ) |Ψ〉 = E|Ψ〉 (2.21) e ( Ĥ0 + ∑ j v′jn̂j ) |Ψ〉 = E′|Ψ〉. (2.22) Subtraindo a Eq. 2.22 da Eq. 2.21 temos ∑ j (vj − v′j)n̂j|Ψ〉 = (E− E′)|Ψ〉, (2.23) 22 2. Pesquisa em Fundamentos que pode ser reescrita como ∑ j ṽjn̂j|Ψ〉 = Ẽ|Ψ〉. (2.24) Iniciamos a análise das possíveis ocupações − uma partícula com spin up ou down, duas partículas ou vazio − dos sítios 1 e 2. Consideramos uma função de onda que possui coeficientes |↑↓, S, X〉 e |S, ↑↓, X〉, que podem assumir valores bem pequenos, mas não-nulos, onde S repre- senta a ocupação simples e X representa alguma configuração das partículas remanescentes nos sítios remanescentes. No modelo de Hubbard, por exemplo, essa situação corresponderia ao caso de N > 2, excluindo os seguintes casos extremos: i) de ocupação completa (dupla ocupação em todos os sítios e todas as bandas), ii) polarização completa e iii) interação e/ou potencial infinitos. Temos então ∑ j ṽjn̂j |↑↓, S, X〉 = (2ṽ1 + ṽ2 + k) |↑↓, S, X〉 (2.25) onde k inclui os termos devido a X e ∑ j ṽjn̂j |S, ↑↓, X〉 = (ṽ1 + 2ṽ2 + k) |S, ↑↓, X〉 . (2.26) Mas |Ψ〉 é uma autofunção de ∑j ṽjn̂j, portanto 2ṽ1 + ṽ2 + k = ṽ1 + 2ṽ2 + k (2.27) o que leva a ṽ1 = ṽ2. (2.28) O mesmo procedimento pode ser feito para os sítios 2 e 3, e então para os sítios 3 e 4, e assim por diante; de forma que todos os ṽj são iguais, ou seja, ṽj = c. (2.29) onde c é uma constante. Isso significa portanto que vj e v′j só podem diferir por no máximo uma constante. Uma prova semelhante pode ser feita considerando |↑↓, 0, X〉 e |0, ↑↓, X〉 ou termos tais como |S, 0, X〉 e |0, S, X〉. Seriam o caso por exemplo do modelo de Hubbard com duas partículas ou uma partícula, respectivamente. Para o semi-preenchimento, com U → ∞ ou máxima magnetização, então temos apenas ocupação simples e neste caso o potencial não é unívoco, tal como seria para 2.3. Teorema Hohenberg-Kohn em Sistemas Discretos 23 o modelo de Heisenberg. Podemos estender essa prova para sistemas com múltiplas bandas considerando termos na forma |(Ba) ↑↓, (Bb)S, X〉 e |(Ba)S, (Bb) ↑↓, X〉, onde escrevemos a ocupação das bandas mais altas ocupadas para os sítios 1 e 2, e Bk representa alguma ocupação da banda mais baixa em um sítio consistente com o número de partículas. Temos então (2 + na)ṽ1 + (1 + nb)ṽ2 + k = (1 + na)ṽ1 + (2 + nb)ṽ2 + k (2.30) onde nk é a contribuição para a densidade devido a Bk. Assim ṽ1 = ṽ2, e iterando esse processo para os outros sítios, mostramos que ṽj = c para todos os j. A prova para N = 1 e N = 2 segue o mesmo caminho. Para estender a demonstração para funções de onda com nós, consideramos por simplicidade um único nó no sítio 3 (a generalização para mais nós é direta). Realizamos o procedimento para os sítios 1 e 2, em seguida em 2 e 4, etc; ou seja, desconsiderando o sítio com nó, obtemos nova- mente vj e v′j apenas diferindo por uma constante para todos os sítios, exceto os com nó. Portanto demonstramos que a densidade do sistema de fato determina univocamente o potencial praticamente em toda a amostra, a exceção sendo os sítios onde há nós da função de onda. Porém como os nós signifi- cam sítios isolados de uma rede pode-se concluir que em termos práticos, a densidade do estado fundamental determina o potencial na rede. Para ilustrar a validade desta demonstração, consideramos um Hamiltoniano genérico com um potencial externo vi, Ĥ = Ĥ0 + ∑ j vjn̂j. (2.31) Dada a função de onda |Ψ〉 para este sistema, temos então 〈Ψ|n̂i Ĥ|Ψ〉 = Eni. (2.32) onde usamos ni = 〈Ψ|n̂i|Ψ〉. Em termos dos termos do Hamiltoniano isto implica 〈Ψ|n̂i Ĥ0|Ψ〉+ vi〈Ψ|n̂2 i |Ψ〉+ ∑ j 6=i vj〈Ψ|n̂in̂j|Ψ〉 = Eni. (2.33) 24 2. Pesquisa em Fundamentos Rearranjando a Eq. (2.33) tal como a Ref. [179], v(k+1) i = 1 〈Ψ(k)|n̂2 i |Ψ(k)〉 ( ntarget i E(k) − 〈Ψ(k)|n̂i Ĥ0|Ψ(k)〉 − ∑ j 6=i v(k)j 〈Ψ(k)|n̂in̂j|Ψ(k)〉 ) , (2.34) usaremos esta equação para encontrar o potencial que leva à densidade ntarget i a partir de um potencial tentativa v(0)i . Este processo é chamado de esquema inverso, pois de forma geral tem-se o potencial e deseja-se (via DFT) obter a densidade. Usando a identidade 〈Ψ(k)|n̂i Ĥ0|Ψ(k)〉+ ∑ j 6=i v(k)j 〈Ψ(k)|n̂in̂j|Ψ(k)〉 = −v(k)i 〈Ψ(k)|n̂2 i |Ψ(k)〉+ E(k)n(k) i , (2.35) reescrevemos a Eq. (2.34) na forma v(k+1) i = ( ntarget i − n(k) i ) E(k) 〈Ψ(k)|n̂2 i |Ψ(k)〉 + v(k)i . (2.36) De acordo com a Ref. [179], esta equação é esperada convergir para E < 0, assim definindo a expressão geral v(k+1) i = ( n(k) i − ntarget i ) |E(k)| 〈Ψ(k)|n̂2 i |Ψ(k)〉 + v(k)i . (2.37) Na convergência, v(k+1) i = v(k)i o potencial externo reproduz a densidade alvo via a equação de Schrödinger de muitos corpos. Nosso resultado, Eq. (2.37), é semelhante ao derivado para coor- denadas espaciais contínuas [179] exceto pela mudança no denominador. Aplicamos então nosso esquema para uma cadeia finita, com fixo número de partículas e in- teração finita, como descrita pelo modelo de Hubbard (HM) em uma dimensão, HHM = −t ∑ i,σ ( c† i,σci+1,σ + c† i+1,σci,σ ) +Ũ ∑ i n̂i,↑n̂i,↓ + ∑ i vin̂i. (2.38) Adotamos condições de contorno abertas, L sítios, interação U = Ũ/t e N partículas (com popu- lação de spin balanceada N↑ = N↓ = N/2. 2.4. Polarização Crítica em Superfluidos Exóticos 25 1 2 3 4 5 6 7 8 Site 0 1 2 3 4 5 6 P o te n ti a l (a .u ) k=1 Iterative scheme starting from k=0.1 Iterative scheme starting from k=2 FIGURA 2.8: Potenciais deslocados por constantes encontrados para potenciais harmônicos tenta- tiva com k = 0.1 ou k = 2 em comparação com o potencial exato com k = 1. Em todos os casos L = 8, N = 2 e U = 2. Demonstramos que alcançamos o mesmo potencial final (a menos de uma constante), inde- pendentemente do potencial inicial. Para o sistema exato usamos o potencia harmônico, vi = 1 2 k ( i− (L+1) 2 )2 com k = 1 para gerar a densidade alvo. Aplicamos então o esquema iterativo (2.37) começando com um potencial harmônico com k = 2 e então iniciando com k = 0.1. A Figura 2.8 mostra que encontramos o mesmo potencial final a menos de uma constante aditiva. 2.4 Polarização Crítica em Superfluidos Exóticos O fenômeno de supercondutividade tem fascinado cientistas de diversas áreas, desde sua de- scoberta há mais de 100 anos [180, 181]. Em sistemas fermiônicos não polarizados, a superfluidez é descrita pela teoria de Bardeen-Cooper-Schrieffer (BCS) [30], em que os férmions sujeitos a uma interação efetiva atratativa compõe pares de Cooper com momento zero. A presença de cam- pos magnéticos fortes e polarização interna, produzida por populações de spin desbalanceadas, pode destruir o mecanismo dos pares BCS e forçar o sistema a uma fase normal polarizada, não superfluida. Entretanto, de acordo com Fulde e Ferrell (FF) [103] e, de forma independente, com Larkin e Ovchinnikov (LO) [104], haveria um regime de baixa polarização para o qual o fenômeno de superfluidez ainda sobreviveria, fase que tem sido denominada como estado FFLO. Esta exótica coexistência de supercondutividade e magnetismo é predita se manifestar através de uma que- bra espontânea de simetria espacial, caracterizada por um parâmetro de ordem oscilante ou het- erogêneo na amostra [105], sendo portanto muitas vezes referida também como superfluidez in- omogênea. 26 2. Pesquisa em Fundamentos Do ponto de vista experimental, as evidências do estado FFLO são indiretas, tanto em sóli- dos [110] quanto em átomos frios em tubos unidimensionais [106]. Teoricamente, por outro lado, muitas propriedades gerais da fase FFLO já foram compreendidas [105], mesmo com as dificul- dades teórica/computacionais de tratar sistemas complexos de muitas partículas interagentes e incluir o confinamento harmônico, necessário para descrever os experimentos estado-da-arte em átomos frios. Mas ainda havia uma importante limitação nos tratamentos teóricos na época em que realizamos esta pesquisa: os diagramas de fase − determinando a polarização crítica máxima para a persistência da fase superfluida − eram determinados de forma empírica, ou seja, através de assinaturas indiretas da fase FFLO obtidas para parâmetros e sistemas específicos, sem funda- mentação teórica sólida. Neste trabalho, derivamos uma expressão para a polarização crítica PC abaixo da qual o estado FFLO surge, partindo de considerações gerais e independentes do sistema. Construímos então o diagrama de fases para sistemas finitos não confinados e provemos um mapeamento quantitativo para que este diagrama fosse também aplicado a sistemas harmonicamente confinados, como nos experimentos. Demonstramos analiticamente, e confirmamos numericamente, que PC possui um limite superior universal, Pmax C = 1/3 para qualquer densidade, interação e intensidade de con- finamento harmônico. Este resultado contradizia na época estudos que indicavam a presença da fase FFLO em polarizações muito elevadas [107, 121–123], até PC ∼ 0.8. Demonstramos, neste mesmo trabalho, que os estudos prévios possuíam uma análise incorreta e que, se corrigido o problema, levavam a PC condizentes com nosso upper bound. Consideramos o modelo de Hubbard em uma dimensão, Eq. (1.1), à temperatura zero. Real- izamos cálculos de DMRG e de DFT (via aproximação de densidade local, LDA) para obter pro- priedades do estado fundamental de cadeias finitas e a solução Bethe-Ansatz e uma parametriza- ção então recém proposta (Seção 3.1) [34] para cadeias infinitas. Inicialmente consideramos as probabilidades de ocupação de cada sítio, cujo espaço de Hilbert é 4-dimensional: vácuo, spins emparelhados (up e down), ocupação simples up e down. Para a fase FFLO as probabilidades principais são a dupla ocupação, w↑↓ ≡ 1 L ∑ i 〈 n̂i↑n̂i↓ 〉 = 1 L ∂E0(n, P, U) ∂U , (2.39) intimamente relacionada à superfluidez, e a probabilidade de spins excedentes (aqui consider- amos P>0), 2.4. Polarização Crítica em Superfluidos Exóticos 27 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 BA-FVC (PI 0.29) DMRG (PI 0.30) DMRG (PI 0.33) DFT (PI 0.33) V=0 V=0.02t O cc up at io n Pr ob ab ili tie s Polarization w w PI FIGURA 2.9: Probabilidades de ocupação em função da polarização P: w↑ para ocupação simples da espécie excedente (spin up) e w↑↓ para a dupla ocupação. O ponto de intersecção PI coincide para diferentes métodos, para sistemas com (V = 0.02t) e sem (V = 0) confinamento harmônico para o regime fortemente interagente, U = −8t, com n = 0.7. w↑ ≡ 1 L ∑ i 〈 n̂i↑ 〉 −w↑↓ = n 2 [1 + P]−w↑↓, (2.40) associada à fase normal, onde E0(n, P, U) é a energia total do sistema no estado fundamental. Monitoramos essas probabilidades, como apresentamos na Figura 2.9, em função da polariza- ção no regime fortemente atrativo (U = −8t): observamos que as probabilidades são indepen- dentes da presença ou não do confinamento, já que há uma menor relevância do potencial neste regime de forte interação. Verificamos também uma concordância muito grande entre os diversos métodos com os cálculos de DMRG, o que se justifica pelo fato de que as probabilidades são quan- tidades médias. Em particular para o ponto de interseção das probabilidades, PI ≡ P(w↑ = w↑↓), a tabela 2.2 mostra que os métodos BA-FVC (para sistemas não confinados) e DFT (para confina- dos harmonicamente) são confiáveis para qualquer densidade e regime de interação, a um custo computacional muito menor que os cálculos de DMRG. Note entretanto que aparentemente nenhum caráter especial ocorre nas probabilidades ao longo da polarização, parecem variar linearmente com P. Se este fosse o caso, a susceptibili- dade de pares, χpair ≡ |dw↑↓/dP| (ou equivalentemente a susceptibilidade da espécie majoritária, χ↑ = |dw↑/dP|) seriam constante em P, ou seja, não existiria um regime especial de polariza- ção para o qual o mecanismo de pares e a superfluidez fosse favorecida e protegida quanto ao magnetismo. 28 2. Pesquisa em Fundamentos TABLE 2.2: Polarização crítica PC para vários regimes de densidade n e interação U em cadeias com e sem confinamento harmônico. Cálculos via DMRG e DFT, para cadeias finitas com L = 80 sítios e condições abertas de contorno, e BA-FVC [34], para cadeias infinitas Sem confinamento V = 0 Confinamento V = 0.02t n DMRG BA-FVC DMRG DFT U=-8t 0.2 0.28 0.30 0.32 0.32 0.5 0.29 0.29 0.33 0.33 0.7 0.29 0.29 0.33 0.33 1.0 0.31 0.31 0.33 0.33 U=-4t 0.2 0.17 0.13 0.27 0.26 0.5 0.19 0.15 0.32 0.33 0.7 0.21 0.20 0.32 0.33 1.0 0.27 0.26 0.33 0.33 U=-2t 0.2 0.00 0.00 0.17 0.14 0.5 0.00 0.00 0.30 0.33 0.7 0.07 0.00 0.30 0.33 1.0 0.19 0.18 0.33 0.33 Porém o que vemos na Figura 2.10 é que ambas as susceptibilidades, χpair e χ↑, claramente possuem dois comportamentos distintos em função da polarização, com ponto de inflexão jus- tamente em PI : para P < PI a susceptibilidade de pares diminui com P, ou seja, o sistema atua contra o aumento da polarização, protegendo o mecanismo de pares, o que é consistente com a fase supercondutora FFLO. Já para P > PI os pares desprotegidos se tornam cada vez mais sus- ceptíveis a P, isto é, o sistema atua em favor do aumento da polarização, característica de uma fase normal, não-superfluida. Esta proteção ao mecanismo de pares na fase FFLO é feita através da espécie minoritária, w↓ (para P > 0): com P aumentando (para N fixo), o sistema possui dois canais para flip de spins, (I) via estados desemparelhados |↓〉 → |↑〉 ou (II) via pares |↑↓〉 → |↑〉 , |↑〉. Energeticamente, o canal (I) é favorável, pois só requer a energia da polarização em si, enquanto (II) tem o custo adicional de vencer a interação atrativa de pares. Contudo, como a probabilidade do estado desemparelhado da espécie minoritária é bem pequena (mas finita) para todo o regime de P, o processo de flipping possui sempre contribuições dos dois canais (I) e (II). Como o canal (I) não afeta os pares, quanto maior a contribuição deste canal, determinada pela susceptibilidade χ↓ = |dw↓/dP|, mais robus- tos os pares contra P. Isto é exatamente o que observamos na Fig.2.10b: para P < PI , χ↓ aumenta com a polarização, enquanto para P > PI diminui com P. Portanto para P > PI a superfluidez é suprimida devido ao fato de que a polarização é progressivamente produzida pela quebra de pares, via o canal (II). O estudo quantitativo do papel dos canais de flipping de spins na proteção da fase FFLO fora realizado mais tarde [101] (Seção 4.1). 2.4. Polarização Crítica em Superfluidos Exóticos 29 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 0.31 0.32 0.33 0.34 0.35 U = - 3t (a) pair pair Polarization FFLO PN P~PI=PC U = - 8t 0.67 0.68 0.69 0.70 0.71 0.14 0.50 1 0.17 0.20 0.24 0.28 0.55 0.60 0.65 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 0.00 0.01 0.02 0.03 0.04 U = - 3t 0.14 0.5 1.0 0.05 0.10 0.15 0.20 (b) Polarization P~PI=PC FFLO PN U = - 8t FIGURA 2.10: Susceptibilidade de pares e susceptibilidades de spins desemparelhados para n = 0.7 e U = −8t, extraídos dos resultados analíticos BA-FVC, com um ponto de inflexão em P ≈ PI . Esta polarização corresponde à polarização crítica PC que delimita a fase superfluida, P < PC (FFLO), e a fase normal polarizada e não-superfluida, P > PC (PN). Portanto PI tem um significado físico fundamental: corresponde à polarização crítica PC que delimita o estado FFLO da fase normal, e é dada por PC(n, U) = ± [ 4w↑↓(n, PC, U) n − 1 ] , (2.41) onde fizemos w↑↓ = w↑ nas equações (4.3)−(4.2). O sinal da Eq.(4.6) depende de qual é a espécie predominante, spin up (+) ou down (−). A Figura 2.11 mostra o diagrama de fases delimitando as fases FFLO e normal polarizada (PN) para várias densidades. Encontramos que para U e n pequenos, a fase FFLO é suprimida: qualquer valor pequeno de polarização é suficiente para induzir diretamente a transição de BCS para PN. Para densidades maiores e fraca interação, a 30 2. Pesquisa em Fundamentos 0 0.2 0.4 0.6 0.8 1 0 2 4 6 8 10 12 n=0.2 n=0.5 n=0.7 n=1 FP In te ra ct io n Polarization B C S FFLO PN Pmax C (a) (b) (c) (d) FIGURA 2.11: Diagrama de fases em função da polarização P e da intensidade da interação atra- tiva |U|/t, para cadeias não confinadas. A linha delimitando FFLO e PN, obtida via Eq.(4.6), é mostrada para quatro densidades. A linha vertical tracejada representa o limite superior obtido analiticamente, Pmax C = 1/3. área FFLO aumenta com n, enquanto para U grandes PC se torna independente de n. Isto porque quanto maior a densidade, maior a probabilidade de pares em P = 0, o que ajuda a manter a superfluidez para maiores polarizações em U moderado, mas se torna irrelevante para fortes interações. De fato obtivemos analiticamente o limite superior da polarização crítica, Pmax C , calculando w↑↓. Aplicando a transformação partícula-buraco para mapear sistemas atrativos e repulsivos [45,185], w↑↓(n, P, U < 0) = n 2 [1− |P|]−w↑↓(n′, P′, |U|), (2.42) onde n′ = nP + 1 e P′ = (n − 1)/n′, vemos que o valor máximo wmax ↑↓ (U < 0) corresponde ao mínimo de w↑↓(|U|). Este é precisamente o caso para U → −∞: dupla ocupação no sistema repulsivo se anula, w↑↓(|U| → ∞) = 0, enquanto a dupla ocupação no sistema atrativo é máxima, wmax ↑↓ (U → −∞) = (n/2)(1− |P|). Usando esta última equação na fórmula para PC, encontramos o limite superior |Pmax C | = 1 3 , (2.43) que é consistente com o diagrama de fases da Fig.2.11 e com nossas observações numéricas para U grande (Tabela 2.2). 2.4. Polarização Crítica em Superfluidos Exóticos 31 0 20 40 0.00 0.05 0.10 0.15 0.20 0.25 0.30 (a) Lo ca l P ro ba bi lit ie s w w n n P=0.13 0 20 40 0.05 0.10 0.15 0.20 0.25 0.30 w w n n P=0.22 Lo ca l P ro ba bi lit ie s (b) 0 20 40 0.05 0.10 0.15 0.20 0.25 w w n n Lattice site (c) P=0.39 Lo ca l P ro ba bi lit ie s 0 20 40 0.0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 w w n n (d) P=0.65 Lo ca l P ro ba bi lit ie s Lattice site FIGURA 2.12: Evolução dos perfis de magnetização, de w↑ e de w↑↓ em função de P: (a), (b) no regime FFLO (P < PC); (c), (d) na fase normal polarizada (P > PC). Linhas sólidas indicam as médias w↑↓ e w↑ da cadeia. Resultados de DMRG para L = 40, N = 23, U = −8t e V = 0. Neste caso PC(n = 0.58, U = −8t) = 0.29, e cada painel é marcado − por uma estrela − no diagrama de fase da Fig.2.11. Note que no limite U → −∞, a probabilidade da espécie majoritária para P > 0 torna-se w↑(n, P, U → −∞) = nP = N L ( N↑ − N↓ N ) = n↑ − n↓, (2.44) onde m = n↑− n↓ é a magnetização. Esta convergência das médias w↑ e m no limite U → −∞ sug- ere que no regime fortemente atrativo as propriedades da probabilidade da espécie majoritárias podem ser obtidas através da magnetização local. De fato verificamos numericamente, na Figura 2.13, a concordância local − isto é, ao longo da amostra − entre wi,↑ e mi, para U = −8t. No regime superfluido, P < PC, encontramos que w↑↓ domina toda a cadeia, enquanto os spins desemparelhados são distribuídos de forma heterogênea, com um acúmulo (probabilidade local acima da média) no centro da cadeia. Já no regime normal, P > PCvemos o oposto: w↑ prevalece sobre os pares em toda a cadeia, com oscilações do tipo das de Friedel em torno da média, enquanto w↑↓ acumula no centro da cadeia. Do ponto de vista experimental, átomos ultrafrios constituem sistemas ideais para a detecção de superfluidez exótica [108, 109]. Para sistemas fortemente interagentes (|U| ≥ 8t), mostramos 32 2. Pesquisa em Fundamentos 0 0.01 0.02 0.03 0.04 0 2 4 6 8 10 12 In te ra ct io n n=0.2 0 0.01 0.02 0.03 0.04 0 2 4 6 8 10 12 PC shift n=0.5 0 0.083 0.17 0.25 0.33 0 0.01 0.02 0.03 0.04 0 2 4 6 8 10 12 n=0.7 Confinement In te ra ct io n 0 0.01 0.02 0.03 0.04 0 2 4 6 8 10 12 n=1.0 Confinement FIGURA 2.13: Mapeamento da polarização crítica do sistema harmonicamente confinado a partir do diagrama de fases do sistema sem confinamento obtidos por dados de DFT. PC(n, U, V) − PC(n, U, V = 0) para diferentes densidades representando o deslocamento em P − C necessário para que o diagrama de fases da Fig.2.11 seja usado em sistemas confinados com intensidade V/t. contudo que o confinamento harmônico produz um deslocamento pouco relevante para a po- larização crítica. Portanto o diagrama de fases apresentado na Figura 2.11, construído para sis- temas não confinados, pode ser aplicado diretamente a sistemas harmonicamente confinados neste regime de interação. Para interações mais fracas, dependendo da densidade de partícu- las e do confinamento V, há um deslocamento em PC que não pode ser negligenciado. Portanto, comparando as polarizações críticas de cadeias com e sem confinamento, apresentamos na Figura 2.13 qual deve ser o deslocamento aplicado a PC para que o diagrama da Fig. 2.11 possa ser usado em sistemas harmonicamente confinados. Perceba que independente do deslocamento exigido, o polarização crítica continua limitada a Pmax C = 1/3 para qualquer densidade, interação e confina- mento, ou seja, o limite superior que encontramos é um limite universal. Embora este limite superior seja consistente com o predito originalmente e também com cál- culos via Monte Carlo quântico [31], havia uma aparente discrepância entre nossos resultados e estudos em sistemas harmonicamente confinados que reportavam fase FFLO para polarizações críticas muito maiores, até PC ≈ 0.8 [107, 121–123, 182, 183]. Verificamos contudo que a aparente contradição fora apenas um artefato de uma análise inapropriada realizada por tais estudos. As assinaturas da fase FFLO heterogênea foram observadas exclusivamente no centro da armadilha 2.4. Polarização Crítica em Superfluidos Exóticos 33 0 0.05 0.10 0.15 0.20 0.3 0.4 0.5 0.6 0.7 0.8 0.9 C rit ic al P ol ar iz at io n Confinement P at w = w Pcore at wcore= wcore P at wcore= wcore 0 0.01 0.02 0.03 0.04 0 0.0 0.1 0.2 0.3 0.4 0 0.005 0.010.2 0.5 1.0 co re d en si ty U = - 2tC rit ic al P ol ar iz at io n Confinement n = 0.2 n = 0.5 (b) (a) FIGURA 2.14: a) Polarização crítica PC em função do confinamento harmônico V, no regime em que não há FFLO em V = 0. A medida que V aumenta, o estado FFLO surge (PC 6= 0). Inset: densidade efetiva no centro da cadeia, como definida na Ref. [183], em unidades de n, em função de V. b) Polarização crítica em cadeias confinadas calculadas: i) para toda a cadeia (P em w↑↓ = w↑), ii) apenas no centro da armadilha (Pcore em wcore ↑↓ = wcore ↑ ) e iii) para toda a cadeia, mas usando como referência as probabilidades apenas no centro da armadilha (P at wcore ↑↓ = wcore ↑ ). A linha sólida indica o limite superior Pmax C = 1/3. Em todos os casos L = N = 80 e U = −8t. harmônica, mas foram associadas à polarização global P, da cadeia como um todo, que contem bordas caracterizadas por uma grande concentração de partículas desemparelhadas, ou seja, bor- das não superfluidas. A Figura 2.14 mostra que se a análise for realizada consistentemente para ambas, assinatura e polarização, seja em toda a cadeia ou apenas no centro da armadilha, a po- larização crítica satisfaz o limite superior PC < 1/3. Note que inclusive nossos resultados, se analisados incorretamente com P global e probabilidades no centro da armadilha, levam a polar- izações artificialmente maiores para PC. 35 3 Pesquisa em Desenvolvimento de Metodologias A DFT destaca-se entre estes métodos, pois aplicada ao modelo de Hubbard tem sido capaz de tratar e prever muitos dos fenômenos físicos do modelo. Em particular, a aproximação mais sim- ples usada em DFT, a aproximação de densidade local (LDA), que geralmente tem baixa precisão em outros sistemas, para o modelo de Hubbard oferece resultados quantitativamente confiáveis para a maioria das grandezas. A essência da LDA consiste em usar informação (funcionais da densidade) conhecidos para o sistema homogêneo, localmente (em cada sítio) como uma aprox- imação para os sistemas mais realistas, heterogêneos. De forma geral, conhecido o funcional da densidade para uma grandeza X no limite homogêneo, ou seja Xhom(n), a aproximação LDA para tal grandeza no regime inomogêneo Xinh é obtida por: Xinh ≈ XLDA ≡ 1 L L ∑ i=1 Xhom(n)|n→ni , (3.1) onde n é substituída localmente pela densidade ni do sítio. Na presença de magnetização na amostra, m = n↑ − n↓, podemos fazer uma aproximação de densidade de spin local (LSDA), dada por Xinh ≈ XLSDA ≡ 1 L L ∑ i=1 Xhom(n, m)|n→ni m→mi . (3.2) Portanto neste Capítulo apresentamos nossos resultados em pesquisa de desenvolvimento de funcionais da densidade Xhom(n), metodologia crucial para uso de DFT via LDA em cadeias de Hubbard heterogêneas. Na seção 3.1 apresentamos um funcional da densidade analítico (FVC) para a energia do estado fundamental mais preciso que funcionais anteriores para sistemas não magnetizados e que pode adicionalmente ser usado em sistemas dependentes de spin. Na seção 36 3. Pesquisa em Desenvolvimento de Metodologias 3.2 apresentamos um funcional da densidade numérico para a energia do estado fundamental obtido via redes neurais artificiais cujo desempenho e custo computacional supera o funcional FVC. Por fim, na seção 3.3, apresentamos um funcional da densidade analítico para o emaran- hamento de um sítio com relação ao restante da cadeia. Estes resultados estão contidos nos seguintes artigos: 1. Simple parametrization for the ground-state energy of the infinite Hubbard chain incorporating Mott physics, spin-dependent phenomena and spatial inhomogeneity V. V. França, D. Vieira, and K. Capelle, New Journal of Physics 14, 073021 (2012). 2. Artificial neural networks for density-functional optimizations in fermionic systems C. A. Custódio, E. R. Filletti, and V. V. França, Scientific Reports 9, 1886 (2019). 3. Entanglement from density measurements: Analytical density functional for the entanglement of strongly correlated fermions V. V. França and I. D’ Amico, Physical Review A 83, 042311 (2011). 4. Hubbard model as an approximation to the entanglement in nanostructures J. P. Coe, V. V. França, and I. D’Amico, Physical Review A 81, 052321 (2010). 5. Feasibility of approximating spatial and local entanglement in long-range interacting systems using the extended Hubbard model J. P. Coe, V. V. França, and I. D’Amico, EPL 93, 10001 (2011). 6. Entanglement and position-space information entropy: Hubbard model as an approximation to nanos- tructure systems J. P. Coe, V. V. França, and I. D’Amico, J. Phys. Conf. Series 303, 012110 (2011). 7. Approximation of the entanglement in quantum dot chains using Hubbard models J. P. Coe, V. V. França, and I. D’Amico, J. Phys. Conf. Series 286, 012048 (2011). 8. Testing density-functional approximations on a lattice and the applicability of the related Hohenberg- Kohn-like theorem V. V. França, J. P. Coe, and I. D’Amico, Scientific Reports 8, 664 (2018). 3.1. Funcional da Densidade para Sistemas Dependentes de Spin 37 3.1 Funcional da Densidade para Sistemas Dependentes de Spin Neste trabalho [34], propusemos uma parametrização analítica para a energia do estado funda- mental do modelo de Hubbard em uma dimensão com maior acurácia em todos os regimes de parâmetros do que expressões anteriores [184] e tendo o diferencial de poder ser aplicada a sis- temas dependentes de spin. Usamos este funcional em aproximações de densidade local e explo- ramos, via DFT, sistemas com impurezas e potenciais confinantes, mostrando que os resultados estão em excelente acordo com outros cálculos independentes de muitos corpos, como DMRG, a uma fração do custo computacional. Na presença de um potencial externo Vi, o modelo de Hubbard unidimensional é dado pela Eq.(1.1). Cálculos de DFT com a aproximação LSDA podem ser realizados para este modelo [19], de forma que a energia do estado fundamental do sistema inomogêneo seja obtida aproximada- mente por: Einh 0 ≈ ELSDA 0 ≡ N ∑ i=1 ehom 0 (n, m, U)|n→ni m→mi , (3.3) onde ehom 0 (n, m, U) é a densidade de energia do estado fundamental, funcional de n, m e depen- dente da interação U. Para o caso não magnetizado, isto é m = 0, a expressão comumente usada para este funcional é conhecida como parametrização LSOC [184], dada por eLSOC 0 (n, U) = −2β(U) π sin ( πn β(U) ) , (3.4) onde a função β(U) é determinada pela igualdade −2β(U) π sin ( π β(U) ) = −4 ∫ ∞ 0 dx J0(x)J1(x) x (1 + eUx/2) . (3.5) Por construção, a LSOC se torna exata para U → 0 e qualquer n (onde β = 2), para U → ∞ e qualquer n (onde β = 1), e para n = 1 e qualquer U (onde 0 ≤ β ≤ 1), e para os demais parâmetros é uma aproximação razoável para a solução numérica de Bethe-Ansatz (BA). Existem várias vantagens em se usar um approach analítico, através de parametrizações, em vez do numérico. Uma delas é a facilidade em si de implementar a LSDA, via uma equação funcional da densidade em vez de muitos dados/tabelas com dados numéricos do modelo homogêneo. Especialmente porque na solução numérica BA não temos liberdade de especificar a densidade 38 3. Pesquisa em Desenvolvimento de Metodologias e a magnetização que desejamos, em vez disso determina-se quantidades auxiliares, os limites inferior e superior das integrais BA, e as densidades são obtidas como parte da solução. Torna- se portanto necessário um volume grande de dados, para cobrir todos os valores possíveis das densidades e tornar os resultados de DFT precisos o suficiente. Expressões analíticas também têm a vantagem de permitir resultados analíticos para grandezas que envolvem derivadas da energia, como susceptibilidade magnética [71], gap de Mott, equações de Euler em redes óticas [185], etc. Entretanto a expressão LSOC possuía sérios problemas e limi- tações, que foram resolvidos por nossa parametrização FVC: • A função β(U) na LSOC é independente das densidades de carga e spin. Esse fato é conve- niente para que se possa obter β(U) de forma independente, fora do ciclo autoconsistente de DFT, em vez de ter que calculá-lo para todas as iterações até que as densidades convirjam. Entretanto é fisicamente incorreto: a energia de correlação deve depender das densidades. Em vez disso a energia LSOC tem uma dependência senoidal com a densidade para todos os U′s, o que só é correto nos limites U = 0 e U → ∞. • O gap de Mott obtido via LSOC é incorretamente negativo. O gap de Mott, Egap, pode ser calculado através da diferença entre energias totais [186], o que via LSOC obtém-se ELSOC gap (U) = U + 4 cos ( π β(U) ) , (3.6) que se torna negativo entre U = 0 e U = 2t. O gap de Mott deve ser positivo para n = 1 e U > 0, visto que representa o custo energético da repulsão Coulombiana para acomodar mais de uma partícula no mesmo sítio. • A LSOC não incorpora magnetização, ou seja, não pode ser aplicada para estudar fenômenos com n↑ 6= n↓, como fenômenos dependentes de i) spin em sólidos ou ii) polarização de estados hiperfinos em átomos aprisionados em redes óticas. Portanto construímos um novo funcional da densidade, denominado FVC (iniciais para França, Vieira e Capelle), que não apenas resolvesse essas falhas e limitações da LSOC, mas também que fosse mais precisa que a LSOC de forma geral e, ainda continuasse satisfazendo quatro limites exatos conhecidos em função de variáveis físicas relevantes [187], a saber: 1) Para sistemas não interagentes (U = 0), e0(n, m, U = 0) = − 4 π sin (πn 2 ) cos (πm 2 ) . (3.7) 3.1. Funcional da Densidade para Sistemas Dependentes de Spin 39 2) Para interação infinita (U → ∞), e0(n, m, U → ∞) = − 2 π sin(πn). (3.8) 3) Para semi-preenchimento sem polarização (n = 1, m = 0), e0(n = 1, m = 0, U) = −4 ∫ ∞ 0 dx J0(x)J1(x) x (1 + expUx/2) . (3.9) 4) Para máxima magnetização (m = n), e0(n, m = n, U) = − 2 π sin(πn). (3.10) Outros cuidados importantes também foram tomados na construção do funcional FVC, tais como evitar polinômios de ordens altas (produzem oscilações não físicas), evitar funções especiais não usuais, manter a forma semelhante à LSOC (já implementada em vários grupos). Todos esses limites/vínculos/cuidados são considerados no funcional FVC, dado por: eFVC 0 (n, m, U) = −2β(n, m, U) π sin ( πn β(n, m, U) ) cos ( πm γ(n, m, U) ) , (3.11) onde β(n, m, U) = β(U)α(n,m,U), (3.12) γ(n, m, U) = 2 exp [ √ U 1− (m/n)3/2 ] , (3.13) e α(n, m, U) = [ n2 −m2 n15/8 ] 3√U . (3.14) Aqui β(U) é a mesma quantidade usada na LSOC. A equação (3.11) é válida para U ≥ 0 e n ≤ 1, mas pode ser estendida para n > 1 e U < 0 via transformações partícula-buraco [185, 186]. E o gap de Mott obtido via FVC é EFVC gap (U) = U + 4 cos ( π β(U) ) − 1 2 β(U)U1/3 ln β(U)×[ − 1 π sin ( π β(U) ) + 1 β(U) cos ( π β(U) )] . (3.15) Naturalmente a Eq. (3.11) não é a única parametrização possível. De fato exploramos outras variações, que também satisfaziam os limites e considerações descritos, mas escolhemos esta por 40 3. Pesquisa em Desenvolvimento de Metodologias 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 -0.8 -0.6 -0.4 -0.2 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 0 1 2 % e rro r (a) en er gy n FN FVC LSOC U=6t 0 10 20 30 40 50 -0.90 -0.85 -0.80 -0.75 -0.70 -0.65 0 10 20 30 40 50 0 1 2 3 % er ro r (b) en er gy U/t FN FVC LSOCn~0.5 FIGURA 3.1: Energia por sítio do estado fundamental em função da (a) densidade, para U = 6t; b) interação, para n ∼ 0.5. Insets: desvio percentual 100(eFVC(LSOC) − eFN)/eFN dos resultados numéricos (FN). desviar da solução BA por menos que os erros típicos da aproximação LSDA para este tipo de sistema: a partir daí, qualquer melhora na forma da parametrização seria indistinguível quando aplicada a sistemas heterogêneos devido aos erros intrínsecos da LSDA. Na Figura 3.1 apresentamos uma comparação entre a FVC, a LSOC e as soluções numéricas (FN) das integrais de Bethe-Ansatz para m = 0. Os desvios relativos da FVC em relação a FN são tipicamente menores que 2% e no máximo ∼ 4%. Esses erros são equivalentes aos erros da LDA (quando usamos BA com FN e comparamos com diagonalização exata), ou seja, a FVC é uma parametrização confiável para cálculos LDA incluindo o regime de interação U � 6t, que não pode ser realizado em sólidos, mas em átomos frios. Como ilustramos na Figura 3.2, o gap de Mott também fora corrigido com a FVC, que deixou de ser negativo entre U = 0 e U = 2t, como previa incorretamente a LSOC [186]. Para U > 3.1. Funcional da Densidade para Sistemas Dependentes de Spin 41 0 1 2 3 4 5 6 0.0 0.4 0.8 1.2 1.6 2.0 2.4 2.8 6 7 8 9 10 3.2 4.0 4.8 5.6 6.4 LSOC FVC Exact E ga p n=1 U/t FIGURA 3.2: Gap de Mott Egap de cadeias infinitas, obtido pela solução numérica das integrais de Bethe-Ansatz, comparado com as predições analíticas LSOC e FVC. 0.0 0.1 0.2 0.3 0.4 0.5 -1.0 -0.9 -0.8 -0.7 -0.6 0.2 0.4 -2 0 2 4 U=t U=6t U=20t % e rr or U=20t U=6t en er gy m FN FVC U=t n~0.5 FIGURA 3.3: Energia do estado fundamental por sítio em função da magnetização para n ∼ 0.5 e vários valores de U. Inset: desvio percentual 100(eFVC(LSOC) − eFN)/eFN . 2t tanto a LSOC quanto a FVC são positivos, porém a FVC é significativamente mais próxima dos resultados numéricos. Mas note que a FVC também não reproduz apropriadamente o sutil comportamento não-perturbativo para U → 0, apesar do termo logarítmico na Eq. (3.15). 42 3. Pesquisa em Desenvolvimento de Metodologias Na Figura 3.3 apresentamos a performance da FVC em sistemas com magnetização. Clara- mente a dependência do spin de sistemas homogêneos é recuperada via FVC com a mesma pre- cisão que a dependência da carga. Nas Figuras 3.4 e 3.5 ilustramos a confiabilidade da FVC em cálculos BALSDA para reproduzir os perfis de densidade e magnetização ao longo de cadeias com heterogeneidades espaciais. Na Fig. 3.4 comparamos a BALSDA via FN e via FVC com dados de DMRG para cadeias cuja única heterogeneidade é produzida pela presença de bordas, para cadeia de L = 100 sítios. A energia do estado fundamental deste sistema obtida via BALSDA/FVC desvia-se da energia obtida via DMRG por apenas 0.01%, enquanto a BALSDA/FN produz energia com desvio de 0.64% da ener- gia via DMRG. Os desvios somados para todos os sítios dos perfis de densidade e magnetização também são inferiores entre BALSDA/FVC e DMRG (0.42% para a densidade local e 2.20% para a magnetização local) do que entre BALSDA/FN e DMRG (0.58% para ni e 5.86% para mi). Este menor desvio via FVC do que via FN demonstra que esta parametrização em particular se bene- ficia consideravelmente por cancelamento de erros da LSDA em si. Importante comparar o custo computacional dos métodos: em 32 processadores um cálculo de DMRG típico para estes sis- temas dura aproximadamente 17 horas, enquanto os cálculos BALSDA duram aproximadamente 40 segundos. Na Fig. 3.5 comparamos cálculos de diagonalização exata com BALSDA/FN e BALSDA/FVC para as densidades e magnetizações locais para um sistema mais complexo: confinado harmoni- camente com duas curvaturas distintas (k = 0.05 e k = 0.5). Dentro da acurácia típica que se espera de aproximações de densidade local para este tipo de sistema, a concordância entre todos os métodos é excelente. As amplitudes das densidades de carga e de spin são superestimadas pelas aproximações locais, o que é consistente com aproximações/sistemas semelhantes estuda- dos anteriormente [188]. 3.2 Funcional da Densidade via Redes Neurais Artificiais Neste trabalho [55], propusemos uma maneira alternativa de se obter a energia do estado fun- damental do modelo de Hubbard homogêneo, visando sua utilização em aproximações de densi- dade local em cálculos de DFT com maior precisão do que as parametrizações analíticas discutidas na seção anterior, FVC e LSOC. Para isso construímos um funcional da densidade numérico via redes neurais artificiais (ANN − Artificial Neural Network) [189]. ANN’s são modelos computa- cionais (um tipo de machine learning) que se assemelham ao funcionamento do cérebro biológico: 3.2. Funcional da Densidade via Redes Neurais Artificiais 43 0 10 20 30 40 50 0.35 0.40 0.45 0.50 0.55 0 10 20 30 40 50 -0.1 0.0 0.1 0.2 0.3 (b) DMRG BALSDA/FN (D = 0.58%) BALSDA/FVC (D = 0.42%) Lo ca l d en si ty site (a) site DMRG BALSDA/FN (D = 5.86%) BALSDA/FVC (D = 2.20%) Lo ca l m ag ne tiz at io n FIGURA 3.4: (a) Perfil de densidade ni de uma cadeia aberta com L = 100 sítios, N↑ = 30, N↓ = 20 férmions, e U = 4t, obtido autoconsistentemente com BALSDA, via solução numérica FN e via FVC, e via cálculos de DMRG. (b) Magnetização local mi do mesmo sistema. Desvios percentuais somados em todos os sítios são apresentados em parênteses. 1 3 5 7 9 11 13 15 0.0 0.3 0.6 0.9 1.2 1.5 1 3 5 7 9 11 13 15 -0.2 0.0 0.2 0.4 0.6 0.8 1.0 Exact BALDA/FN BALDA/FVC Vext = k ( i - 8 )2 Lo ca l d en si ty site (a) k = 0.5 k = 0.05 (b) mi + 0.6 k = 0.05 k = 0.5 Lo ca l m ag ne tiz at io n site FIGURA 3.5: Sistemas confinados harmonicamente: (a) Perfis de densidade ni de cadeias periódi- cas para duas curvaturas (k = 0.05 and k = 0.5). L = 15, N↑ = 4, N↓ = 3 e U = 4t, obtidos au- toconsistentemente via BALSDA, com FN e FVC, e via diagonalização exata (Lanczos). (b) Perfis de magnetização mi dos mesmos sistemas. O potencial parabólico é ilustrado esquematicamente pela curva tracejada. podem ser treinadas com conjuntos de dados/informações sobre um determinado sistema e são capazes de aprender durante este processo e em seguida podem generalizar o aprendizado para situações relacionadas porém não apresentadas explicitamente durante o treinamento. Este tipo de ferramenta tem sido muito explorada em diversas áreas do conhecimento − in- cluindo neurocomputação, engenharia química, aplicações industriais, medicina, química e física [190–197] para calcular funções matemáticas não-lineares, estimar parâmetros e reconhecer padrões, pois é de fácil implementação e pode atingir resultados muito precisos com cálculos rápidos [198]. Aqui aplicamos conceitos de ANN’s para estimar a energia do estado fundamental de férmions interagentes em cadeias homogêneas de Hubbard. Nosso funcional da densidade neural apresentou uma excelente performance quando comparado com métodos de muitos corpos independentes: 44 3. Pesquisa em Desenvolvimento de Metodologias 0 200 400 600 800 1000 Epochs 10-6 10-4 10-2 100 M ea n S q u ar ed E rr o r Train Validation Test Best FIGURA 3.6: Estrutura 3-20-1 do funcional ANN Structure of our ANN model e sua performance durante o treinamento com o algoritmo Levenberg-Marquartd [201]. desvia-se de cálculos precisos de DMRG por menos que 0.15% para um vasto regime de interações (0 ≤ U ≤ 10t) e para todos os regimes de densidade e magnetização. O funcional neural portanto é muito mais preciso que as parametrizações LSOC e FVC. Quando usado em aproximações de densidade local em cálculos de DFT para sistemas heterogêneos (finito, com impurezas localizadas e sistemas harmonicamente confinados), o funcional ANN atingiu resultados mais precisos do que outros métodos rápidos de DFT e performance semelhante a métodos mais custosos computa- cionalmente. Portanto nosso funcional ANN poderia ser aplicado em sistemas mais complexos, tais como superredes [199, 200] e sistemas desordenados [32, 137–140], para os quais os cálculos são não triviais e em geral requer muitas amostras de configurações. Consideramos cadeias unidimensionais de férmions descritas pelo modelo de Hubbard, Eq.(1.1), com interação intra-sítio U e termo de hopping t entre sítios vizinhos, onde a densidade de partícu- las ou fator de preenchimento é n = N/L = 〈 n̂↑ 〉 + 〈 n̂↓ 〉 , enquanto a magnetização ou densidade de spin é m = 〈 n̂↑ 〉 − 〈 n̂↓ 〉 , em que N = N↑ + N↓ é o número total de partículas e L o tamanho da cadeia. Para o treinamento do modelo neural, usamos 20.891 dados exatos da densidade de energia do estado fundamental do Hubbard, ehom 0 (n, m, U), obtidos para L = ∞ via solução numérica das integrais de Bethe-Ansatz dentro dos regimes 0 ≤ U ≤ 10t, 0 ≤ n ≤ 1 e 0 ≤ m ≤ n. O treinamento foi realizado com o algoritmo Levenberg-Marquartd [201], em que separamos aleatoriamente o conjunto de dados em três conjuntos: 70% deles para o treinamento em si, 15% para a validação do treinamento e os 15% restante para testar a performance do funcional ANN. Os parâmetros de entrada do nosso modelo são as variáveis n, m e U, enquanto a saída é a energia do estado 3.2. Funcional da Densidade via Redes Neurais Artificiais 45 fundamental por sítio, eANN 0 (n, m, U), portanto temos um funcional numérico das densidades de carga e spin. As possíveis topologias da rede são então do tipo: 3 neurônios de entrada, {n, m, U} − um certo número de camadas internas, ocultas, com um dado número de neurônios − um único neurônio de saída, {eANN 0 (n, m, U)}. Estudamos diversas topologias, como por exemplo 3-5-1, 3-10-1 e 3-20-1, com apenas uma camada interna; e 3-12-12-1 e 3-10-10-1, com duas camadas in- ternas. Adotamos o seguinte critério de performance: o erro quadrático médio deveria ser igual ou inferior a 10−6. Esse critério foi satisfeito, após extensivo treinamento, pela topologia 3-20-1 com 1000 épocas (escolhemos parar o treinamento para evitar over-fitting, o que poderia afetar a performance da rede neural no processo de generalizar o aprendizado), como mostra a Figura 3.6. Portanto a arquitetura do funcional ANN contem uma camada oculta composta por 20 neurônios, com função de transferência tangente sigmoide, enquanto a camada de saída é formada por um único nó com uma função de transferência linear. A rede neural treinada foi disponibilizada on- line no Material Suplementar da revista. Na Figura 3.7 comparamos a performance do funcional ANN com a parametrização FVC em função da densidade para um regime fortemente correlacionado (U = 6t) em sistemas não- magnetizados. O comportamento geral dos dois métodos, ANN e FVC, são próximos ao resultado numérico exato FN. Contudo encontramos que os desvios entre ANN e FN (∼ 0.1%, veja inset) são menores que entre FVC e FN, que em alguns casos é 10 vezes maior. Esta performance superior do ANN em relação à FVC no regime fortemente interagente é surprendente, pois é um regime em que a FVC é considerada suficientemente precisa [34]. Na Figura 3.8 comparamos os funcionais para a energia em função da interação para sistemas não-magnetizados. Verificamos que a excelente performance do funcional ANN não se restringe aos sistemas fortemente correlacionados: para n ∼ 0.5 o ANN desvia por menos que ∼ 0.08% para todas as interações entre 0 ≤ U ≤ 10t, enquanto a FVC tem desvio médio de ∼ 0.5%. Na Figura 3.9 comparamos ANN e FVC em função da magnetização para várias interações. Observamos que, enquanto a FVC em alguns casos falha em reproduzir até mesmo qualitativa- mente o comportamento da energia em função de m, o funcional ANN descreve apropriadamente a tendência da curva exata. Quantitativamente, os desvios da FVC chegam até a ∼ 7% (para U = 0.5t), enquanto o funcional ANN se mantém confiável, com desvios inferiores a 0.15%. Também calculamos numericamente a susceptibilidade magnética χ, que relaciona-se à energia por χ−1 = ∂2e/∂m2|m=0. Para o caso de U = 0.5t encontramos χFN = 0.896, χANN = 0.825 e χFVC = 1.335, ilustrando como a acurácia na energia pode ser propagada a outros observáveis. 46 3. Pesquisa em Desenvolvimento de Metodologias 0 . 0 0 . 2 0 . 4 0 . 6 0 . 8 1 . 0 - 0 . 8 - 0 . 7 - 0 . 6 - 0 . 5 - 0 . 4 - 0 . 3 - 0 . 2 - 0 . 1 0 . 0 en erg y n F N F V C ( D = 0 . 4 6 % ) A N N ( D = 0 . 0 3 % ) U = 6 t m ~ 0 0 . 0 0 . 2 0 . 4 0 . 6 0 . 8 1 . 00 . 0 0 . 5 1 . 0 1 . 5 % err or FIGURA 3.7: Energia do estado fundamental por sítio em função da densidade para os funcionais FVC e ANN em comparação com resultados numéricos exatos FN. O inset mostra os desvios percentuais obtidos por 100× |(eapprox 0 − eexact 0 )/eexact 0 |. Em todos os casos U = 6t, m ∼ 0 e D é o desvio percentual médio. 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 0 - 0 . 9 0 - 0 . 8 5 - 0 . 8 0 - 0 . 7 5 - 0 . 7 0 en erg y U / t F N F V C ( D = 0 . 5 2 % ) A N N ( D = 0 . 0 3 % ) n ~ 0 , 5 0 2 4 6 8 1 0 0 . 0 0 . 2 0 . 4 0 . 6 0 . 8 1 . 0 % err or FIGURA 3.8: Energia do estado fundamental por sítio em função da interação U (em unidades de t), para os funcionais FVC e ANN em comparação com resultados numéricos exatos FN. Aqui n ∼ 0.5 e m ∼ 0. O inset mostra os desvios percentuais obtidos por 100× |(eapprox 0 − eexact 0 )/eexact 0 |, enquanto D é o desvio percentual médio. Também comparamos o desempenho do funcional ANN em cálculos de DFT via aproximações LSDA em sistemas heterogêneos: i) cadeias finitas, ii) presença de impureza localizada (Vi = Vδi,iV ) e iii) cadeias com confinamento harmônico (Vi = k(i − i0)2). O potencial harmônico é particularmente relevante para simular experimentos estado-da-arte em férmions ultrafrios em redes óticas. A Figura 3.10 sumariza os principais resultados destes sistemas heterogêneos, onde compara- mos a performance do approach DFT-LSDA− com cada funcional, ANN, FVC e FN− em relação aos cálculos exatos de DMRG. Para cadeias finitas vemos que as oscilações típicas de Friedel [202] 3.3. Funcional da Densidade para Emaranhamento 47 0 . 0 0 . 1 0 . 2 0 . 3 0 . 4 0 . 5 - 0 . 9 0 - 0 . 8 5 - 0 . 8 0 - 0 . 7 5 - 0 . 7 0 - 0 . 6 5 U = 0 . 5 t en erg y m U = 1 0 t U = 6 t U = 1 t F N U : 0 . 5 t 1 t 6 t 1 0 t F V C D ( % ) : 2 . 9 2 2 . 0 1 0 . 7 5 1 . 0 4 A N N D ( % ) : 0 . 0 4 0 . 0 3 0 . 0 4 0 . 0 7 FIGURA 3.9: Energia do estado fundamental por sítio em função da magnetização m, obtidas via funcionais FVC e ANN em comparação com a solução numérica FN. Aqui n ∼ 0.5 e D é o desvio percentual médio. nas densidades locais são em geral bem reproduzidas pelos três funcionais. Os desvios percentu- ais são semelhantes neste caso (ligeiramente maiores para a FVC), porque a cadeia é relativamente grande, L = 40. Para cadeias menores e/ou presença de potenciais Vi, como mostram as Figuras 3.10b e 3.10c, fica claro que a FVC é menos precisa que o funcional ANN. Para o caso harmoni- camente confinado, Fig. 3.10d, embora os desvios oscilem com a curvatura k do potencial para todos os métodos, os desvios da FVC são sistematicamente maiores do que FN e ANN. Assim, nossos resultados comprovam que o método ANN tem um bom equilíbrio entre acurácia e custo computacional: o método ANN é duas ordens de magnitude mais rápido que FN e DMRG, e significativamente mais preciso que FVC. 3.3 Funcional da Densidade para Emaranhamento Como apresentamos na Introdução, embora a DFT seja uma teoria formalmente exata, a existência de um mapeamento entre a função de onda e a densidade de partículas em si não determina a forma como se dá essa relação. Da mesma forma, o fato de que todos os observáveis são funcionais da densidade não determina os funcionais em si. Portanto para cada grandeza que se queira explorar via DFT, um dos primeiros passos é obter seu funcional da densidade ou então encontrar relações entre esta grandeza e outros funcionais da densidade acessíveis (como a energia) para o sistema de interesse. Assim, para que possamos investigar o emaranhamento quântico em sistemas descritos pelo 48 3. Pesquisa em Desenvolvimento de Metodologias 2 4 6 8 1 0 1 2 1 40 . 0 0 . 1 0 . 2 0 . 3 0 . 4 0 . 5 4 8 1 20 4 8 1 2 l o c a l i z e d i m p u r i t y de ns ity pro file s i t e D M R G F N ( D = 1 . 4 1 % ) F V C ( D = 1 . 8 5 % ) A N N ( D = 1 . 4 2 % ) V i = V δi , 8 V = 2 t % err or ( a ) 0 . 0 0 0 0 . 0 0 2 0 . 0 0 4 0 . 0 0 6 0 . 0 0 8 0 . 0 1 0- 1 . 2 - 1 . 0 - 0 . 8 - 0 . 6 - 0 . 4 - 0 . 2 0 . 0 0 0 0 . 0 0 4 0 . 0 0 80 . 0 0 . 1 0 . 2 0 . 3 0 . 4 en erg y h a r m o n i c c u r v a t u r e k D M R G F N ( D = 0 . 0 2 % ) F V C ( D = 0 . 1 9 % ) A N N ( D = 0 . 0 6 % ) h a r