ELISABETE MANIGLIA O TRABALHO RURAL SOB A ÓTICA DO DIREITO AGRÁRIO: UMA OPÇÃO AO DESEMPREGO NO BRASIL FRANCA 2000 ELISABETE MANIGLIA O TRABALHO RURAL SOB A ÓTICA DO DIREITO AGRÁRIO: UMA OPÇÃO AO DESEMPREGO NO BRASIL Tese apresentada a Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Câmpus de Franca, para obtenção do Título de Doutor em Direito. Orientador: Prof. Dr. Hélio Borghi FRANCA 2000 Maniglia, Elisabete O trabalho rural sob a ótica do Direito Agrário: uma opção ao desemprego no Brasil/ Elisabete Maniglia. Franca, 2000. Tese – Doutorado – Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP – Franca. 1. Direito agrário. 2. Trabalho rural. 3. Atividades Agrárias. CDD- 342.1243 ELISABETE MANIGLIA O TRABALHO RURAL SOB A ÓTICA DO DIREITO AGRÁRIO: UMA OPÇÃO AO DESEMPREGO NO BRASIL COMISSÃO JULGADORA TESE PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR Presidente e orientador: ........................................................................................... 1º Examinador .................................................................................................................... 2º Examinador .................................................................................................................... 3º Examinador .................................................................................................................... 4º Examinador .................................................................................................................... Franca, ....... de .......................... de 2000. DADOS CURRICULARES ELISABETE MANIGLIA Nascimento: 16.10.1955 – Franca/SP Filiação: Newton Maniglia Zélia Yolanda Delia Maniglia 1972-1975 – Curso de Graduação Comunicação Social – USP/São Paulo 1984-1988 – Curso de Graduação Bacharel em Direito – UNESP/Franca 1989-1994 – Pós-Graduação – Nível Mestrado USP – Área de Concentração – Direito Penal Orientador – Prof. Dr. Miguel Reale Júnior 1990-1994 – Professor Auxiliar de Ensino(MS-1) do Departamento de Direito da Faculdade de História, Direito e Serviço Social de Franca – UNESP 1995-2000 – Professor Assistente do Departamento de Direito Público da Facul- dade de História, Direito e Serviço Social de Franca – UNESP 1995-2000 – Curso de Pós-Graduação – Nível Doutorado UNESP – Área de Concentração – Direito das Obrigações Orientador – Prof. Dr. Hélio Borghi Associações que participa: OAB, OAB Mulher, Associação Brasileira de Direito Agrário, Associação Brasileira de Reforma Agrária, Conselho Estadual de Defesa de Pessoa Humana, Rede dos Advogados em Defesa da Terra, Comissão de Especialistas do MEC. Para meu pai, meu amigo, minha força, meu exemplo, minha profunda saudade. Aos meus filhos: Ricardo e Aloysio, com a certeza que ambos construam um mundo melhor. AGRADECIMENTOS A Deus, pela força que manifesta em mim todos os dias. Ao Prof. Dr. Hélio Borghi, que me recepcionou com o mesmo carinho, saber e dedicação dos tempos da graduação. Ao Prof. Dr. Paulo de Tarso Oliveira, o grande amigo e mestre, pelas orientações metodológicas de grande valia. A minha brilhante ex-aluna e amiga Viviane Grego, sempre tão prestativa, por toda colaboração despendida. Ao Ricardo, pelo apoio moral, paciência e ajuda nas horas de alegria e angústia decorrentes da tese. O PÃO DO POVO Bertold Brecht A justiça é o pão do povo. Às vezes bastante, às vezes pouca. Às vezes de gosto bom, às vezes de gosto ruim. Quando o pão é pouco, há fome. Quando o pão é ruim, há descontentamento. Fora com a justiça ruim! Cozida sem amor, amassada sem saber! A justiça sem sabor, cuja casca é cinzenta! A justiça de ontem, que chega tarde demais! Quando o pão é bom e bastante O resto da refeição pode ser perdoado. Não pode haver logo tudo em abundância. Alimentado do pão da justiça Pode ser feito o trabalho De que resulta a abundância. Como é necessário o pão diário É necessária a justiça diária. Sim, mesmo várias vezes ao dia. De manhã, à noite, no trabalho, no prazer. No trabalho que é prazer. Nos tempos duros e nos felizes. O povo necessita do pão diário Da justiça, bastante e saudável. Sendo o pão da justiça tão importante Quem, amigos, deve prepará-lo? Quem prepara o outro pão? Assim como o outro pão Deve o pão da justiça, Ser preparado pelo povo. Bastante, saudável, diário. S U M Á R I O Lista de abreviaturas ................................................................................ 10 INTRODUÇÃO ....................................................................................... 11 METODOLOGIA ................................................................................... 21 CAPÍTULO I – POR UM NOVO CONCEITO DE TRABALHO.......... 1.1 O desemprego como fato social ameaçador ..................................... 25 35 CAPÍTULO II – NATUREZA JURÍDICA DO TRABALHO RURAL.. 47 CAPÍTULO III – A HISTÓRIA DO TRABALHO RURAL NO BRA- SIL ............................................................................ 61 CAPÍTULO IV – TRABALHO RURAL E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE ....................................................... 70 CAPÍTULO V – O MST E O TRABALHO RURAL NO BRASIL........ 81 CAPÍTULO VI – ASSENTAMENTOS RURAIS E A NOVA EX- PRESSÃO DE TRABALHADORES RURAIS........ 91 CAPÍTULO VII – PEQUENOS PROPRIETÁRIOS OU PROPRIETÁ- RIOS FAMILIARES................................................. 100 CAPÍTULO VIII – ARRENDATÁRIOS E PARCEIROS RURAIS ..... 107 CAPÍTULO IX – EMPREGO RURAL .................................................. 115 CAPÍTULO X – O PAPEL DA MULHER NO TRABALHO RURAL. 123 CAPÍTULO XI – OS DESATINOS DO TRABALHO RURAL NO BRASIL............................................................ 132 11.1 Trabalho escravo ............................................................................ 132 11.2 Trabalho infantil ............................................................................. 139 11.3 Desemprego na agricultura ............................................................. 143 CAPÍTULO XII – SINDICALISMO RURAL........................................ 147 CAPÍTULO XIII – TRABALHO RURAL DOS SAFRISTAS, BÓIA- FRIA E COOPERATIVAS DE TRABALHO RU- RAL ........................................................................ 153 CAPÍTULO XIV – TRABALHO RURAL E O DIREITO ESTRAN- GEIRO ................................................................... 172 CAPÍTULO XV – O TRABALHO RURAL COMO OPÇÃO AO DE- SEMPREGO ............................................................. 181 CONCLUSÕES ....................................................................................... 204 BIBLIOGRAFIA ..................................................................................... 213 Resumo..................................................................................................... 233 Resumé .................................................................................................... 234 Riasunto ................................................................................................... 235 LISTA DE ABREVIATURA ABRINQ - Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos CEE - Comunidade Econômica Européia CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas CNBB - Conselho Nacional dos Bispos do Brasil CONCRAB - Confederação Nacional das Cooperativas de Reforma Agrária Brasileira CONTAG - Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ET - Estatuto da Terra ETR - Estatuto do Trabalhador Rural FAO - Organização para a Alimentação e a Agricultura FEA/USP - Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo INCRA - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ITESP - Instituto de Terras de São Paulo MST - Movimento dos Trabalhadores Sem Terra OIT - Organização Internacional do Trabalho PROCERA - Programa de Crédito de Reforma Agrária PRONAF - Programa Nacional de Agricultura Familiar PRONAGER - Programa Nacional de Geração de Empregos TRT - Tribunal Regional do Trabalho UDR - União Democrática Ruralista INTRODUÇÃO O Direito Agrário vem tomando corpo próprio em todo mundo à medida que se constata que é necessário a efetividade da justiça, a defesa de grupos e interesses sociais e humano, tomando como referência o setor agrário, os agricultores, os profissionais da agricultura, que são aqueles que, de acordo com seu modo de vida, se dedicam e vivem principalmente do trabalho da terra e da atividade agropecuária e florestal. A produção agrária básica para a alimentação da humanidade deve ser organizada de acordo com o interesse público, mediante a adequada ordenação das explorações das empresas agrárias, partindo do fator terra, da propriedade privada da terra seu uso e meio de produção, modelado nos diferentes padrões de atividade rural, contando com agricultores adequadamente organizados. O uso adequado do solo e conservação de recursos naturais devem estar no equilíbrio ecológico previsto para garantir o habitat adequado para a preservação da espécie . Assim pois o Direito Agrário por meio de suas normas surge para disciplinar os três grupos de interesse que enumeramos, ou seja, terra, trabalho e produção. De outra parte as inovações tecnológicas, os novos pensadores sociais, as grandes correntes migratórias, as grandes cidades, as aglomerações 12 urbanas, as convulsões sociais e políticas dos povos, as novas idéias, a cultura, o dever de solidariedade e de justiça social, a insatisfação da realidade do estado econômico, da miséria, da pobreza e marginalização dos povos, tem impressionado as principais e originárias normas que constituem o Direto Agrário . Sob esta ótica ocupa-se este trabalho de dedicar especial estudo aos que lutam pela terra, construindo a atividade agrária, quer enquanto empregado, empregador, proprietário familiar, arrendatário, parceiro, assentado, empresário rural. Para tanto ocupa-se em desvendar o universo do trabalho rural, no raciocínio do Direito Agrário, tomando em conta os aspectos jurídico- sociais e suas decorrências, supondo a atividade rural como meio alternativo para a crise do desemprego do Brasil. Esta é a nossa tese: demostrar que são múltiplas as atividades rurais e que bem conduzidas pelas normas jurídicas e sociais poderão representar múltiplas alternativas para a execução de trabalho digno, sanando em parte as desigualdades sociais. No ponto de vista acadêmico destaca-se a ampla relação do Direito Agrário com outros ramos jurídicos, tendo como premissa a unicidade do Direito e, portanto, todos os seus ramos se interligam. Deixamos o alerta inicial que não é possível pensar e trabalhar o Direito Agrário de modo isolado. Preleciona Sanz Jarque1 “que o Direito Agrário está imerso no conteúdo científico de outros ramos do Direito, de modo que seu cultivo e estudo tem que estar 1 SANZ JARQUE, Juan Jose. Derecho agrário: general, autonomico, comunitario. Madrid: REUS, 1985. p. 167. v.1. 13 harmoniosamente com o cultivo, estudo e conhecimento, mínimo do conteúdo básico dos demais ramos do Direito e da ciência do Direito em seu conjunto.” Em particular a tese aqui apresentada, se relaciona de modo especial com o Direito do Trabalho, uma relação múltipla de trabalho aplicado ao cultivo da terra, à agricultura no sentido amplo, que imprime e dá caráter especial à relação jurídica que surge do mesmo.2 Sem trabalho não há como contribuir para a produção e atividade da terra, sendo inclusive o trabalho o modo mais legítimo de justificar o domínio, uso e propriedade da terra. As relações entre o Direito Agrário e o Direito do Trabalho têm como referência as seguintes questões que matizam as relações ordinárias, a agricultura associativa, cooperativas, sociedades agrárias, trabalho familiar, contratos agrários, contrato individual de trabalho e sindicalismo agrário entre outras. Com relação a outras ciências, o Direito Agrário mantém vínculos estritos com a Economia, pois todo trabalho agrário é uma atividade econômica por excelência. As normas jurídicas agrárias visam o bem estar social que deve estar em consonância com a perspectiva econômica. No mesmo raciocínio se estreitam as relações entre o Direito Agrário e a Sociologia. Sanz Jarque3 explica que: “toda norma jurídica agrária ao estabelecer um direito e uma obrigação responde a existência prévia de um fato social rural de maneira tal que o Direto Agrário positivo se apóie sobre uma 2 SANZ JARQUE, op. cit., p.170, nota 1. 3 ibid., p. 174. 14 base constituinte, a qual consiste em um fenômeno de poder social, ou seja, há segmentos constitucionais. Pela realidade social que em definitivo sustenta efetivamente esse sistema de Direto positivo”. Por não ser o ordenamento jurídico agrário nem estático nem rígido, ao contrário um sistema de normas que se desenvolve, se modifica e se adapta, segundo as circunstâncias trocando alguma de suas partes e criando novas formas, torna-se inegável que o ordenamento jurídico é, como nos ensina Sanz Jarque4: “resultante de uma série de fatos sociais que originam relações que se concretizam juridicamente em leis decretos e em jurisprudências”. Outrossim, confirma-se que este estudo se alicerça sobre as instituições jurídicas no ambiente rural, nos permitindo utilizar tanto da terminologia agrária no sentido de agrariedade, termo empregado na esfera jurídica como um vocábulo rural mais utilizado no sentido sociológico . Isto posto, pode-se deixar aqui apresentado um trabalho que não se esgota em si mesmo, busca trazer uma nova concepção de Direito Agrário que anseia em regular relações jurídicas sociais sobre o campo, melhorando e renovando situações de fato e substituindo as normas e concepções já em desuso. Não obstante, pretendemos ir além, provando que o melhor desempenho da atividade agrária sustentado pelas normas jurídicas e de incentivo político agrário podem criar novas frentes de trabalho, alterando o quadro social como um todo. 4 SANZ JARQUE, op. cit., p. 175, nota 1. 15 Repensando o Direito Agrário e suas atividades agrárias que implicam no uso da mão-de-obra rural pode-se determinar novas fontes de trabalho, novas propostas de execução de atividades que podem de tal modo deslocar o homem de volta para o campo, numa perspectiva de vida saudável e agradável e não mais de forma humilhante ou degradante. Constrói-se, assim, novas perspectivas de vida social para o campo e para a cidade, que por sua vez pode usufruir da diminuição populacional e de todos efeitos cascatas decorrentes deste, tais como: meio ambiente mais saudável, menos violência, menos miséria e, ainda, novos produtos alimentares mais baratos e de melhor qualidade. A reorganização do campo é meta de uma reforma agrária consciente, já promovida em grande parte do mundo e ainda contemplada em passos lentos no Brasil. Cumpre à sociedade como um todo, e ao Direito em especial, regular esses mecanismos que por meio de leis adequadas e promoção de incentivos normativos construam um novo horizonte para a atividade rural, cerceada de opções que fixem com dignidade o trabalhador rural no seu sentido mais amplo. Nesta proposta constrói-se esta tese que no primeiro capítulo transcreve o novo sentido do trabalho enquanto atividade humana, num mundo globalizado com teorias que incentivam o trabalho em menor escala, estimulando o ócio como meio inclusive de abrir novas alternativas de emprego. Trabalha-se com a idéia de reorganização do trabalho deixando claro o sentido de que este, enquanto parte integrante da vida humana e necessário para a sobrevivência, não 16 pode admitir todas formas, sobretudo as degradantes. O desemprego é colocado em questão, pesquisando-se sua origem, problema da migração rural e o avanço tecnológico. Hoje tido como fenômeno mundial, o desemprego deve ser combatido em todas esferas, dando especial atenção à formação social e à ordem jurídica. O desemprego deve movimentar as políticas de luta pela cidadania e deve ser estudado junto com os movimentos sociais, que clamam pelo fim do desemprego estrutural colocando entre uma e outra alternativa o retorno ao campo, como uma opção à massa sem emprego, sem perspectiva e sem condição de vida digna. O capítulo segundo ocupa-se em discutir a natureza jurídica do trabalho rural, discorrendo sobre as posturas nacionais e estrangeiras vinculadas ao tema. Caminha-se entre a discussão radical do agrarista argentino Fernando Brebbia, que defende o estudo do trabalho rural sob a ótica exclusiva do Direto Agrário, motivado pelas especificidades desse instituto. Comenta-se a postura do Direito do Trabalho que disciplina as relações vinculadas entre empregador e empregado no meio rural até a posição intermediária adotada como tese neste trabalho onde postula-se em afirmar que o trabalho rural pertence como gênero ao mundo do Direito Agrário, pois trabalho é atividade agrária desenvolvida pelo homem. O que diferencia e determina a natureza jurídica é o vínculo que se estabelece entre o homem com a terra e homem com o homem. No caso de subordinação, horário, salário, relação personalíssima, temos sem sombra de dúvida a ingerência do Direto do Trabalho, pois há o vínculo de emprego e, 17 conseqüentemente, o domínio dessa área no estudo e aplicação da legislação pertinente. Por fim, delimita-se nessa parte do estudo o conceito sobre trabalho rural onde abraça-se a idéia que essa modalidade de atividade humana deve ser contemplado pelo Direto Agrário, excepcionando a relação empregatícia que pertence ao mundo do Direito do Trabalho, embora acentue que, quando este cuida da relação agrária deve tomar em conta as peculiaridades do mundo rural, definidas pelo Direito Agrário. À frente, trabalha-se com a história do trabalhador rural desde os tempos que a mão-de-obra se fundamentava na escravatura, a princípio do índio e depois do negro. Analisa-se a influência da mão-de-obra do imigrante e seus reflexos na formação de leis de proteção aos colonos, bem como os modelos que esses instituíram de variantes ao trabalho rural como a parceria e o arrendamento. As leis pertinentes à terra também são descritas como pano de fundo para a promoção do acesso à terra e a formação de posseiros, lavradores, camponeses, criando uma posição definida entre latifundiários e os demais trabalhadores. A escassa e tardia legislação trabalhista rural é verificada até se chegar na igualdade constitucional entre empregados urbanos e rurais. Ocupa-se o capítulo quinto em associar o trabalho rural à função social da propriedade, princípio maior do direito agrário, que no direito pátrio é contemplado no texto constitucional no art.186, que no inciso III e IV traz a observância das disposições que regulam as relações de trabalho e a exploração que favoreça o bem estar dos proprietários e dos trabalhadores, como requisitos 18 para o cumprimento da função social da propriedade rural. Com auxílio da lei ordinária 8629/93, esses requisitos são mais bem compreendidos e definem que a função social da propriedade tem como escopo a obediência às leis trabalhistas, aos contratos de arrendamento e parceria e o atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra. Assim, a função social da propriedade é extensiva aos trabalhadores rurais, criando, portanto, a obrigação constitucional do respeito e favorecimento de melhores condições para todos eles. Posteriormente, dedica-se espaço ao movimento social dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST, vinculando sua luta e sua reivindicação a favor do trabalhador rural, lutando para a queda dos velhos paradigmas que repousam sobre o latifúndio, a monocultura e a economia de exportação. Preocupa-se o movimento em enfatizar a organização dos trabalhadores na luta de seus direitos políticos e sociais, recolocando-os na atividade agrária, minimizando as diferenças e promovendo a justiça social. Na seqüência expõe-se sobre o trabalho realizado nos assentamentos onde se discute a inclusão dos assentados como trabalhadores rurais e os métodos com os quais adquirem a terra para seu trabalho e a legislação que os ampara. Como não poderia deixar de ser este capítulo comporta o estudo da reforma agrária promovida pela União, discutindo sua relação com o trabalho rural. No capítulo seguinte discorre-se sobre o pequeno proprietário e o proprietário familiar que por vezes se confundem na doutrina e na sua atividade 19 prática, criando relações especiais de atividades trabalhistas, explorando sua terra pessoalmente ou com ajuda eventual de terceiros. Este modelo, prestigiado na doutrina estrangeira, tem motivado a sua implantação como meio de alocar- se o trabalhador para a atividade rural, propiciando-lhe crédito rural específico e apoio para que seu trabalho seja prestigiado na política agrícola. Os arrendatários e parceiros, embora tenham leis específicas que os regulem, são considerados como trabalhadores rurais e, em capítulo aqui dedicado, são lembrados em suas peculiaridades como titulares de direitos e obrigações amparados pelo Direito Agrário, que os qualifica como sujeitos dos contratos típicos e promotores do desenvolvimento rural. Embora descritos na legislação, esses agentes são muitas vezes equiparados pelos patrões em situações dúbias, onde assumem papéis também de empregados sem remuneração. Como não poderia deixar de ser, há o capítulo dedicado ao empregado rural, onde suas mazelas são descritas na universalidade apresentada das leis ordinárias e constitucionais levando em conta as relações trabalhistas que devem mover esta relação empregatícia. Em que pese a dedicação do Direito do Trabalho para com estes cidadãos tem-se a importância da interdisciplinaridade que motiva o estudo ora em questão. Na continuidade, levanta-se problemas pertinentes a degradação do trabalhador rural, como o trabalho escravo, o trabalho infantil e a mecanização agrícola que motiva o desemprego rural. No rol desses excluídos, discute-se a importância que o trabalho da mulher vem 20 ganhando no universo agrário embora, ainda, em condições desiguais mas com relevância indiscutível. Os sindicatos rurais também são contemplados em nosso estudo, no capítulo posterior, bem como as cooperativas de trabalho são estudadas como mecanismos que trouxeram muita decepção ao trabalhador rural, criando uma situação crítica principalmente para os trabalhadores volantes. Numa análise rápida passa-se para o leitor a visão de outros países sobre o estudo do trabalhador rural, para, no capítulo posterior, estabelecer o que deve ser feito pela política estatal com o manejo de leis e providências para construir um novo horizonte rural que contemple parte dos desempregados criando mecanismos para que todos trabalhadores rurais já existentes sejam reconhecidos como cidadãos trabalhadores e, por fim, motivem o retorno ao campo daqueles que um dia ambicionaram esta volta. Por derradeiro, apresenta-se as conclusões da pesquisa com a certeza de que esta é o início de uma tarefa, construída ao longo dos dias com a sofreguidão de quem ambiciona levar ao campo a certeza de dias melhores, galgados na busca da justiça social. METODOLOGIA Ensina Angel5 “que a investigação em direito pode ser desenvolvida em dois sentidos diferentes: em primeiro os problemas se firmam no interior do Direito e sua solução deve ser baseada nas fontes formais dos mesmos, e, em segundo, os problemas nascem fora do ordenamento jurídico. Partem do suposto caráter normativo do direito como instrumento para produzir certos efeitos na realidade social. Esta é a investigação que inclui a valoração do fim da norma, sua evolução em termos de suficiência e adequação, levando em conta os elementos condicionantes da realidade social a este tipo de investigação, que o autor denomina sociojurídica.” Nesta linha de pensamento o trabalho ora apresentado se posiciona neste raciocínio onde o propósito é questionar o direito em termos políticos e com fundamentos empíricos. O modelo sóciojurídico implica em hipóteses normativas formuladas capazes de produzir o que a sociedade necessita. Se tomarmos em conta que o fim último do Direito Agrário bem como de todo o Direito é a execução da Justiça e que seu fim imediato é a realização prática e instrumental do ideal de vida, pode-se dizer que o método 5 ÁNGEL, Jaime Girardo. Metodología y técnica de la investigación jurídica. 2.ed. Bogotá: Temis Libréria, 1980. p. 1. 22 para investigação científica antes de tudo deve ser um método simples, mas completo, que parte da realidade sociológica, se apoia no jusnaturalismo enquanto sua razão de ser e o seu fim é ter sempre em mente o Direito Positivo vigente e sua evolução histórica. A investigação sociológica que observa e capta as relações sociais existentes são o pano de fundo para a investigação, que completa com o conhecimento das normas legais e consuetudinárias aplicáveis ao meio rural, que irão determinar o conjunto harmônico da sociedade. O método utilizado no trabalho foi clássico e próprio de toda investigação sociojurídica, a observação, a indução e a dedução na área da atividade trabalhista do meio rural. A investigação caminhou buscando fatos históricos que mesmo já acontecidos deixam marcas no presente das pessoas e na realidade atual de cada grupo social. Em matéria agrária não se pode deixar de levar em conta a história da propriedade da terra e os meios utilizados na exploração da mão-de-obra rural. Num processo científico de análise de Direito Agrário é dever discorrer sobre a realidade normativa, jurídica e histórica. O entroncamento e a ordenação científica da exposição científica do Direto Agrário há de ser fruto do método lógico e da síntese sobre a natureza própria e o esquema do conteúdo objetivo do mesmo. As duas hipóteses centrais levantadas foram que o trabalho rural deve ser visto à luz do Direito Agrário, permitindo o estudo em conjunto com o 23 Direito do Trabalho quando versar sobre a relação trabalhista com vínculo empregatício, e a segunda que o trabalho rural, em sua amplitude, fulcrado no princípio da função social, determinada em lei, pode vir a ser uma opção ao desemprego no Brasil. Enquanto ciência, o direito é um objeto e um método e todo conhecimento advindo deste é considerado científico. Neste raciocínio, o objeto se vincula às fontes formais emanada do Estado e seu estudo é obrigatório. As leis, normas e regras jurídicas são as fontes primordiais de um estudo jurídico, juntamente com a realidade social, quando o intuito é comparar o direito posto e o fato social. Neste diapasão o trabalho constrói o estudo das normas agrárias co-relacionadas com o trabalho rural e se estabelece a relação existente entre a realidade social e a normatividade. Assim, o trabalho exposto tem por objeto as normas, regras jurídicas envolvidas na temática, aliadas à aplicabilidade da realidade agrária, narrando fatos e situações nem sempre de cunho legal, mas real, visando por fim o meio urbano e sua melhoria de vida. Com referência aos métodos de investigação, pode-se determinar o significado dos conceitos teóricos e dos juízos de valor das fontes formais do direito. Esta interpretação tem uma ampla dimensão. Estabelece o significado dos termos e determina seu alcance enquanto valor que o integra. O estudo passa a ser interpretação específica da norma, seu conteúdo, a vontade de quem a formulou o estudo lógico e a revisão minuciosa dos antecedentes históricos de 24 sua formulação. Este procedimento adotado ao longo do trabalho se qualifica como método exegético. Mas o estudo da estrutura jurídica do Estado, os princípios gerais que informam as distintas instituições de direito, são vistos nesta pesquisa qualificando o método sistemático, como outro meio metodológico empregado. De suma importância é o conceito da realidade social do grupo de trabalho e do valor atribuído a cada instituto descrito, a cada norma contida e aplicada. Destarte, se faz presente o método sociológico, fartamente utilizado no estudo. A operacionalidade do trabalho se fundou na seleção das fontes mediatas e imediatas diretas e indiretas. As informações foram organizadas em fichas e, posteriormente, a autora fez as críticas correspondentes. Definido o objeto e os métodos de trabalho, constrói-se a pesquisa diante do conteúdo material do Direito, onde a interpretação integrada pelos seus métodos próprios (fenômenos naturais, comportamentos humanos, fenômenos sociológicos e juízos de valor) passaram a ter grande peso na elaboração do texto, que se formou na postura filosófica definida pela interpretação exegética sistemática e sociológica, arrematada pela interpretação jurídica definida politicamente pelas conclusões jurídico-sociais assumidas na tese em questão. CAPÍTULO I – POR UM NOVO CONCEITO DE TRABALHO A história da humanidade nunca registrou situação tão desastrosa quanto a relação de emprego no mundo. Se, em tempos pretéritos, havia como localizar focos de desemprego e estudar mecanismos para combatê-lo, quer num setor, quer numa região, num determinado momento, hoje, pode-se considerar que a situação encontra-se tão grave no universo como um todo. Respeitadas as diferenças sociais, geográficas, culturais, estruturais, o desemprego é o mal da humanidade. O mundo se ressente de uma condição básica para assegurar sua própria sobrevivência: um emprego. A competição das máquinas, a velocidade dos computadores e a racionalidade que eles trouxeram à produção, foram fatores que contribuíram para o aumento de trabalhadores que, dispensados de suas tarefas, recorrem à reformulação profissional, quando possível, ou esperam que o Estado os amparem, ou ainda, sem perspectivas, entregam-se à sorte, ao desespero, ou ao sustento caritativo. Paralelamente, muitos foram os estudos que se entregaram à preocupação da busca de uma melhor condição de vida, onde se trabalhasse menos e se obtivesse melhor padrão de rendimentos e lazer. Os países 26 desenvolvidos dirigiram-se para essa preocupação durante o período de pleno emprego. A corrente italiana, defendida por Domenico De Masi6, persiste na idéia de que o ócio deve ser aceito, sem nenhum senso de culpa. Embora tenhamos sido acostumados ao trabalho e a sermos dependentes culturalmente dele, a ausência deste não pode levar a pessoa a entender que sua existência não é válida. Ulisses Capazoli7 entende que as utopias e as previsões de tempos melhores só poderão se concretizar se houver uma reformulação radical nos valores, deixando para as máquinas as tarefas malditas. Todavia, são muitas as variáveis que permitem a utilização desse raciocínio e, até o luxo de se pensar num trabalho menos penoso e mais rentável. A preocupação central se cria e gira em torno da ausência do trabalho. Refletindo sobre a questão, tem-se momentos diferenciados, que conduzem a afirmar que existem, ao menos, duas realidades distintas: países que apresentam crescimento econômico, com taxas altas de desemprego8 e países subdesenvolvidos, onde a miséria e a fome são decorrentes do desemprego, do subemprego, entre outros fatores9. Incontáveis subempregados, milhares de trabalhadores escravos, crianças trabalhando em árduas tarefas, na vigência de uma Carta Constitucional que espelha a riqueza e determinação de uma lei 6 DE MASI, Domenico. As emoções e a regra. São Paulo: José Olímpio, 1996. 7 CAPAZOLI, Ulisses. O avanço da Ciência e a utopia do ócio. O Estado de São Paulo, São Paulo, 10 mar. 1996. p. 7. (Caderno Especial de Domingo). 8 Veja-se, por exemplo, a Itália, com 3% de crescimento econômico e 12% de desemprego, e a Espanha, com crescimento do PIB e 20% de desemprego. 9 O Brasil, por exemplo, registra, conforme dados do IBGE, 3 milhões de desempregados oficiais. 27 solidária, humana que cuida em especial da dignidade humana e dos direitos sociais. Sem desprezo à teoria do ócio, considera-se que essa formulação deve ser uma meta a ser atingida e que, em parte, seu estudo pode colaborar, de forma prática, para a questão do desemprego. Ora, diminuindo-se as horas trabalhadas de cada cidadão, existe a perspectiva de que essas horas sejam redistribuídas para outras pessoas, de forma que o trabalho seja mantido em nível constante. Lamentavelmente, o que se pressente é que essa diminuição de horas vem sendo aproveitada pelo uso das máquinas ou ainda, pela diminuição da produção. A divulgação do ócio inteligente10 é, acima de tudo, a nosso ver, uma condição cultural, fortalecida pelos benefícios sociais, que permitem a mantença das condições de diminuição de horas trabalhadas, com o mesmo padrão de vida. Conforme ensina Domenico De Masi11, seus estudos na Universidade Sapienza, de Roma, conduziram-no a vincular, ao rol da diminuição de empregos, os países que produzem idéias, pois estes têm o poder. Quanto maior for a dedicação à pesquisa, aos laboratórios da Universidade, à formação de pensadores e artistas, maior será a possibilidade de se construir qualidade de vida. 10 Aproveitamento das horas não trabalhadas, sem culpa, em lazer e descanso. 11 DE MASI, op. cit., p.76, nota 6. 28 Não adianta produzir mercados e trabalhadores. A China tem 400 milhões de trabalhadores e pouca qualidade de vida; enquanto os EUA preparam- se para ser um produtor intelectual, com níveis de vida respeitáveis e diminuição da carga horária trabalhada. Por certo, que a proposta do sociólogo italiano se perfaz na ambicionada meta de se viver num quase paraíso terrestre. Mesmo que a situação social e a economia brasileiras permitissem a condução inteligente de uma diminuição do trabalho, com níveis satisfatórios de sobrevivência, restaria a batalha cultural, contra todo um processo histórico, em que o trabalho foi o norteamento da dignidade de vida. Pelo menos, há 700 mil anos, a lição que está apresentada foi a de luta pelo trabalho. Sem exercer o trabalho, a existência ficaria prejudicada e o homem estaria ameaçado. A religião também colaborou com sua ideologia de incentivo ao trabalho. O catolicismo pregava a importância do trabalho para se ganhar o céu; o apóstolo São Paulo chegava a afirmar que quem não trabalhasse, não tinha direito a comida. Também o hino comunista retumbava na mesma direção. Todas as ideologias e todas as religiões são baseadas no trabalho e todas as economias trataram de distribuir sua riqueza baseada no trabalho. Este hábito do trabalho se enraizou e passou a incorporar a personalidade dos cidadãos. Portanto, o mundo se estruturou sobre o trabalho e 29 este passou a integrar a condição humana e, como lembra Dalmo Dallari12, não se pode tratar trabalho como coisa supérflua, ou então, como se fosse apenas mais um dos componentes na conjugação de elementos, que irão proporcionar vantagens materiais a alguém. O trabalho é, portanto, independente de ser exercido mais ou menos, em grande ou pequena escala, o norteador e base estrutural na vida das pessoas. Em que pese a luta pela sua diminuição, conquanto seja anulada a condição de qualidade de vida, o trabalho é elemento essencial da condição humana, um dever absoluto e inderrogável para o homem, bem como um direito a ser preservado. Felice Bataglia, citado por Dalllari, em Filosofia do Trabalho, enfoca o tema Trabalho, sob a visão humanista, admitindo que o sujeito tem o dever moral de desenvolver uma atitude produtiva; ele tem o direito a trabalhar e de cumprir esse seu dever. Numa interpretação mais detalhista, Dallari conclui que: “Assim, pois, o trabalho e os direitos e os deveres que se ligam a ele não podem ser reduzidos à condição de mercadorias descartáveis, irrelevantes para a história, para a justiça nas relações sociais e para a preservação da dignidade humana”13. Trabalho e dignidade estão implícitos espiritualmente nos destinos do homem. Seja qual for a forma de trabalho e a luta para sua existência e preservação, a necessária condição moral deve estar presente, não se admitindo mais a idéia de que todo trabalho dignifica o homem. Certas atividades, ao 12 DALLARI, Dalmo de Abreu. Revolução das máquinas. O Estado de São Paulo, São Paulo, 10 mar. 1996. p. 10. (Caderno Especial de Domingo). 13 id., ibid. 30 contrário, por mais que justifiquem a razão da sobrevivência, não justificam sua permanência. Retratam a degradação do homem e a violação à dignidade ao direito do trabalho. A manutenção do enquadramento jurídico do trabalho foi o ponto de partida para que se criasse a garantia de direitos, como a jornada de trabalho, o direito a férias, descanso remunerado, preservação de vida e saúde do trabalhador, salário mínimo, aposentadoria, participação em lucros, igualdade jurídica entre os sexos e outros direitos mais. Muito se sabe que, grande parte desses direitos, até hoje, apenas existem no papel e outros estão, mais do que nunca, sendo ameaçados pela crise econômica, que avança em todos os setores. Todavia, a previsão legal cria, ao menos, a expectativa que a legislação tem como meta, a proteção dos direitos mínimos do trabalhador. Nessa linha de raciocínio, é de se afirmar que o trabalho, como integrante da condição humana, não pode faltar no quotidiano da população, sob pena de gerar pânico, desespero e miséria. Mas, antes de adentrar à falta de trabalho, temos que, ainda, analisar que o trabalho, além de tudo o que já foi apresentado, representa fonte de prazer. O sociólogo Rubens Alves14, em ensaio publicado, trabalha com a idéia marxista de que o trabalho é fonte de prazer: “Aquilo que Freud atribui ao sexo, Marx atribui ao poder humano para transformar a natureza, ele erotiza o trabalho”. 14 ALVES, Rubens. Não há salário que pague a degradação. O Estado de São Paulo, São Paulo, 10 mar. 1996. p. 3. (Caderno Especial de Domingo). 31 A consideração sobre o trabalho, como fonte de prazer, é, segundo o autor, comparável ao amor, que só deve gerar prazer; porém, assim como este, pode e gera muito sofrimento. Estranha comparação na história do trabalho e diversa de outros segmentos que, como as religiões, deram ao trabalho o sentido produtor de riqueza, conquista do céu ou, como ainda, ato de humildade.15 Rubens Alves16 vê nas visões religiosas, o sentido da utilidade prática do trabalho, seja como de não pecar, seja como meio de ficar rico; porém, lembra que, embora considerando essa postura, admira o sentido que Marx deu ao trabalho e afirma que: “Marx paradoxalmente viu o trabalho com olhos de artista, como algo que dá prazer e alegria, como se fosse uma obra de arte, por isso classificou que também existe o trabalho maldito e enquanto maldito, não pode ser pago. O próprio Marx diz que “não há salário que paga a degradação do corpo e da alma e o uso do ser humano para fins de lucro”. Conquanto, conclui o sociólogo que os sindicalistas muito ainda teriam que aprender, quando se dão por satisfeitos, quando suas reivindicações salariais são atendidas. Não se dão conta de que a essência do trabalho é muito mais que salário e, quando vista só nesse prisma, permanece a mesma, sem alterar a forma. O trabalho é fonte de prazer direto, quando realizado com satisfação e remunerado a contento. Entretanto, pode ser considerado como 15 Os protestantes ambicionavam o trabalho, no sentido de produzir riquezas. Os católicos, de associar o trabalho ao dever de conquistar o céu. Os espíritas entendem que só o trabalho, a favor dos pobres, pode conduzir a Deus. 16 ALVES, op. cit., p. 3, nota 14. 32 meio indireto, que permite a obtenção de outras fontes de prazer, através da renda econômica, advinda desse trabalho. Assim posto, só não se pode admitir o trabalho como fonte de prazer, quando exercido sob a forma escrava ou simplesmente para satisfação de necessidades elementares, pois, aí, deixa ele de representar satisfação, para ser meramente gerador de subsistência. Mesmo que o considere meio de se evitar miséria e degradação, não se pode admitir que aí ele seja prazer. Muito embora esteja passando a terceira onda da civilização17, está se vivendo um momento onde a civilização tem uma nova concepção sobre os métodos do trabalho, que devem estar associados à lógica, ao tempo, ao espaço, com um novo código de comportamento que deve estar além da padronização e da uniformização. Os valores são outros e devem ser peculiares, a cada sociedade e a cada necessidade que desperta no momento vivido. O trabalho, sobremaneira, busca se estruturar nesta convulsão social e restruturação criativa, através de novas concepções, sem, todavia, deixar de existir como ideal e meta do ser humano. Alvin e Heidi Toflfer, citados por Rubens Alves18, dão um novo conceito ao desemprego, atribuindo a denominação de Política da Terceira Onda a este momento vivenciado pela nova reformulação do conceito de emprego, que não deve ser visto no sentido quantitativo, mas, sim qualitativo. O casal considera como terceira onda a fase em que se inicia com a era do computador, 17 Considerando que a primeira foi a revolução agrícola e a segunda, a Revolução Industrial. 18 ALVES, op. cit., p. 3, nota 14. 33 da aviação comercial , da pílula anticoncepcional e outra inovações de grande impacto. O Trabalho, como parte integrante da condição humana, é uma verdade irrefutável. Sua ausência na vida das pessoas é sinal de degradação psicológica e econômica. Visualizar a ausência de trabalho como uma benesse e uma ocupação virtuosa do ócio a nós é possível, quando a sobrevivência está garantida e a infra-estrutura permite a instalação do que foi chamado por De Masi, como ócio inteligente, com custo econômico muito baixo. Já os integrantes de países subdesenvolvidos, ou conceituados por sociólogos como em via de desenvolvimento, muito embora estejam no processo da terceira onda, permeados de mudanças ideológicas, conceituais e valorativas, continuam, por questões culturais, na ânsia do trabalho. Sua ausência representa frustração, fome e desespero. O trabalho, mesmo que não tenha finalidade de propiciar lucro, permite a acumulação de melhorias. Sem trabalho, não há que se falar em prazer e satisfação. Concordamos plenamente, que nem todo trabalho dignifica o homem. O trabalho deve, sim, refletir prazer, realização e sobrevivência digna. A luta pelo trabalho reduzido, conforme propõe De Masi, só pode existir nos países em que o Estado oferece a infra-estrutura necessária, com finalidade de ócio inteligente. Em termos de Brasil a idéia é prematura. Todavia, pode perpetuar, como meta a ser atingida e, sobretudo, como fator de distribuição de riqueza. Os acordos para diminuição de horas de redução de jornada semanal, de 34 férias coletivas, banco de horas, medidas para coibir horas extras, podem incentivar o melhor aproveitamento do tempo e, por tabela, a melhoria da qualidade de vida. Porém não é tudo. O direito, como instrumento regulador da ordem social, manifesta, através da legislação, principalmente no Direito do Trabalho19, a forma de uma mais profunda socialização da pessoa e a realização de valores morais mais substanciais, mediante a inserção de todos os homens na comunidade, organizada sob o signo da solidariedade humana. A sociedade deve clamar por mais. Mudanças profundas na estrutura econômica devem ocorrer, com a finalidade de se impor um modelo que possa oferecer a garantia de emprego, trabalho e igualdade do povo, perante a um direito secular: o exercício do trabalho. A realização do trabalho honesto, digno, remunerado justamente, oferece, em decorrência, a qualidade de vida e os instrumentos para a efetivação do lazer, da cultura e da produção de novas idéias que, por conseqüência, revelarão uma sociedade onde as riquezas serão melhor distribuídas e as pessoas menos sofridas. A dependência do trabalho é inevitável e dar outra conotação ao trabalho é um processo, a nosso ver gradual, que deve ser discutido na sociedade, demonstrando que, por vezes a diminuição das atividades e a conseqüente 19 NOVOA MONREAL, Eduardo. O Direito como obstáculo à transformação social. Trad. Gerson Pereira dos Santos. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1988, p. 117. Comenta o autor o papel dos direitos sociais e sua importância nas transformações dos velhos conceitos individualistas; inclui, no rol dos direitos sociais, o Direito Agrário, Direito Previdenciário, Direito Econômico. 35 diminuição de renda pode ser compensada com atos mais prazerosos, que representam uma convivência mais saudável. É preciso extrair dos novos valores da terceira onda, os meios que geram um trabalho mais sensato, dividido, cooperado, que efetive a distribuição de riquezas. Distribuindo riquezas, a sociedade está criando idéias, pesquisa, igualdade de condições, amparo social, por conseqüência gerando melhores cabeças, arte, cultura e lazer. Mecanismos esses capazes de fazer a sociedade aceitar a diminuição do trabalho, como forma de prazer. Dessa proposição é que se necessita, mas essa só será atingida à custa da manutenção da luta pelo trabalho e das condições dignas para que ele exista. 1.1 O desemprego como fato social ameaçador A luta pelo trabalho e sua valorização, como parte integrante da condição humana, é fruto da crise de emprego, ausência de trabalho digno, proliferação do subemprego e aumento considerável da miséria. Estamos em face de uma crise do emprego tradicional que, pari passu, vem sendo substituído por outros mecanismos, endossados pelo Estado que, ainda, não encontrou a fórmula 36 para rebater o problema. Por conseguinte a sociedade começa a reagir com perplexidade e medo. Essa sensação, provocada entre outras razões, é fruto do fato de as empresas urbanas e rurais usarem o corte de pessoal como um dos investimentos centrais do aumento de eficiência e competitividade. De fato, o corte de pessoal não é de agora: a substituição do homem pela máquina já é um fato consolidado desde o século passado. As primeiras manifestações na defesa do emprego surgiram na Inglaterra, quando trabalhadores organizados, destruindo as máquinas têxteis, protestaram pela manutenção de seus empregos. Embora identificassem as máquinas como destruidoras de seus empregos, os trabalhadores compreenderam que acabar com elas, não era a solução para suas dificuldades. Iniciaram os trabalhadores uma luta que, até hoje, permanece. Lutaram pela redução de horas e por direitos outros. Em 1º de maio de 1886, novos protestos foram celebrados e a data entrou para a história, como marco pelos direitos trabalhistas. Mortes, feridos e prisões, marcaram o Dia Internacional do Trabalho que, neste fim de século, tem muito pouco a comemorar . A falta de emprego e o desrespeito às normas trabalhistas, duramente alcançadas, afastam as comemorações e motivam o debate sobre o desemprego, o novo conceito de emprego e a busca do trabalho alternativo. No Brasil, as condições de trabalho, em muitos casos, lembram os primórdios da 37 Revolução Industrial, o que nos faz concluir que ainda não conseguimos atingir a plenitude das boas relações de trabalho, do trabalho digno e justo. Os encargos sociais foram sempre tidos como um dos grandes empecilhos à expansão do emprego. O desrespeito às regras legais, hodiernamente, invadiram o meio urbano; todavia, quase sempre estiveram presentes no meio rural. Nos tempos de globalização, a crise do trabalho vem sendo reforçada pela crise econômica, pela substituição do homem pela máquina, pelo produto da evolução científico-tecnológica, deixando a certeza de que o desemprego vai aumentar. Muitas têm sido as sugestões de combate à crise do desemprego. O Ministério do Trabalho, no Brasil, publicou alguns elementos necessários, que poderiam vir a se tornar paliativos, no momento; seriam eles: eliminar férias, acabar com os fins-de-semana remunerados, diminuir encargos, criar banco de horas, utilizando compensação, reduzir salários e outros mecanismos mais, de fundo emocional, do que real. Ao nosso ver, a finalidade de diminuir o custo do emprego ou diminuir as horas trabalhadas, acelerando a expansão do trabalho, não cria esperanças reais de que o emprego será aumentado. A crise do emprego tem afetado todos os segmentos da sociedade. A Igreja, na Campanha da Fraternidade, do ano de 1999, lançou, pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), assumindo a postura de combate ao desemprego, o slogan “Sem Trabalho... Por quê?” A Igreja conclama os cristãos à “indignação ética” e à “misericórdia ativa”, contra o desemprego. 38 Conforme entrevista, concedida ao Jornal “O Estado de São Paulo”, em 17 fevereiro de 1999, p. 8, o Monsenhor Arnaldo Beltrami, Vigário de Comunicação da Arquidiocese de São Paulo, disse que “nenhum cristão pode aceitar o desemprego como algo inevitável”. Segundo ele, a Campanha da Fraternidade busca levar os cristãos à mobilização, para obtenção de soluções negociadas, contra o desemprego. Entre as alternativas propostas pela Igreja, para atacar o problema, estão a redução da jornada de trabalho, a adoção de medidas para coibir as importações e as horas extras, a ampliação dos programas de renda mínima e a aceleração da Reforma Agrária, capaz de fixar o homem no campo. A campanha pretende, também, estimular a solidariedade em relação às famílias de desempregados e promover um amplo debate sobre o modelo econômico que produz o desemprego. Isto posto, nos leva à reflexão de que a sociedade, como um todo, deve se mobilizar em função do desemprego, tendo em vista que o desemprego atual é uma questão social mundial, vista não só pelos economistas, mas também pelos operantes do Direito, que devem manter o equilíbrio e a ordem social. Ulisses Capazoli20 descreve o desemprego como basicamente estrutural e, por isso, até em certa parte, bem-vindo no mundo atual. Segundo o autor, ele resulta da transferência do conhecimento científico para a produção de máquinas, capazes de potencializar e, em muitos casos, substituir inteiramente o trabalho humano. O novo desemprego representa o fim da maldição bíblica, do 20 CAPAZOLI, op. cit., p. 7, nota 7. 39 “comer com o suor do seu corpo”, um antigo sonho humano, que a ciência começa a concretizar. O problema está em equilibrar a evolução tecnológica das máquinas com os mecanismos de sobrevivência. O desemprego é fato concreto que tende a não diminuir; no entanto, novas formas de emprego ou suplementos de trabalho devem surgir para garantir a sobrevivência e a manutenção da espécie. O estudo das opções para criação de novas frentes de trabalho tem sido elaborado no mundo, como um todo, e as sugestões são múltiplas, como já vimos as retro apresentadas não só pelo Ministério do Trabalho, como também pela Igreja. No caso do Brasil, acreditamos que um repensar político se faz necessário; algumas opções têm que ser feitas rapidamente, como investimentos na educação, na Reforma Agrária, na distribuição de riquezas, na preservação de direitos humanos, de direitos infantis e na preservação da vida humana. Como ilustração, poderíamos apontar que uma revisão da dimensão do trabalho, beneficiaria, especialmente, às crianças. A Central Única de Trabalhadores do Brasil21 estima que 4 milhões de crianças, com menos de 14 anos de idade, e ganhos iguais ou inferiores a R$ 30,00 (trinta reais) ao mês, trabalham na agricultura e na indústria, desde a dura e insalubre produção de carvão à perigosa confecção de sapatos, sem contar o trabalho escravo, especialmente, nas propriedades agrícolas isoladas. Se, por exemplo, os dados do IBGE, apontando a existência de três milhões de desempregados forem reais, em princípio, bastaria eliminar o trabalho 21 CAPAZOLI, op. cit., p. 7, nota 7. 40 infantil, para assegurar que os homens adultos tivessem ocupação profissional; com isto, as crianças estariam indo para a escola, onde deveriam estar, para assegurar um futuro melhor a elas próprias e ao próprio Brasil. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil foi criado para estimular a ida da criança para a escola e para que isto se concretizasse o programa atendia com R$ 50,00 (cinqüenta reais) cada família que retirasse de área de trabalho os filhos que tinham atividades em carvoarias (MS), canaviais (PE e RJ), produção de sizal (BA), garimpos (RO), colheita de laranja (SE) e fábrica de calçados, em Franca/SP. No início de fevereiro desse ano, o governo federal decidiu cortar em 30% o orçamento destinado para essas famílias, em virtude do ajuste fiscal do governo. Segundo as informações prestadas, ao Jornal “Folha de São Paulo”, de 11 de fevereiro de 1999, pela assessoria do Ministro da Previdência, o programa só não teve maiores cortes por causa das críticas que o governo iria sofrer no exterior, se as crianças atendidas deixassem as escolas e retornassem ao trabalho em condições subumanas. As recentes informações demonstram, entrementes, que se de um lado se constrói novas perspectivas de combate ao desemprego de forma indireta, a própria crise econômica se incumbe de reduzir as perspectivas. Muito embora o Banco Interamericano de Desenvolvimento tenha cobrado das autoridades brasileiras a formação de uma rede de proteção social, como condição para liberação dos recursos financeiros acertados em conjunto com o FMI, os cortes 41 aconteceram sob a alegação de que havia desperdícios a serem eliminados. Mais sensato seria e, socialmente mais justo, que essas situações fossem apuradas e os desperdícios eliminados, em substituição aos cortes. Mesmo porque os programas sociais são modestos diante do tamanho da dívida com a miséria. Os operadores do Direito não podem compactuar com o descaso das políticas sociais mínimas, amplamente expostas na Constituição. O desrespeito à dignidade dos cidadãos torna mais traumático o processo de manutenção do Estado de Direito, aprofundando a situação de subcidadania em que vivem os mais pobres. O que, conseqüentemente, provoca o aumento dos conflitos sociais22. Outras situações semelhantes podem ser analisadas como o desvio de profissionais de suas reais ocupações. A política de investimento no ensino superior, por analogia, pode criar opções outras que não permitam que o advogado se torne vendedor de frutas ou que o engenheiro venda roupas, por falta de oportunidades. Pesquisas científicas, investimentos em educação universitária deveriam ser redimensionadas, de acordo com a necessidade social. Assim, estariam evitando o uso predatório de recursos humanos. Ademais, não se pode mandar a ordem jurídica às urtigas, a pretexto de combater o desemprego. As medidas apresentadas, em sua maioria, violam a ordem jurídica e, no concluir de Ulisses Capazzoli, pode-se dizer que 22 O MST é expressão da luta pelo cumprimento da realização constitucional, no tocante à Reforma Agrária, garantia dos direitos sociais e proteção à função social da propriedade. 42 as idéias de contrariar a Constituição para salvar o emprego seduzem o Ministério do Trabalho e sindicalistas sem noções de história. E o equívoco, nesse caso, certamente não é apenas legal. Se as máquinas substituem os homens e eles correm o risco de inanição, então, neste fim de milênio, é de se perguntas não apenas para que servem as leis; mas, especialmente, qual o sentido da ciência se ela não é capaz de mudar para melhor a sorte da humanidade. Deparando com o fato de que o conceito de emprego tradicional entra em crise, temos que 78% da população acham que a segurança no emprego acabou, sensação provocada entre outras razões pela enorme agressividade das grandes empresas de usar o corte de pessoal como instrumento central do aumento, da eficiência e da competitividade23. Não muito diferente, tem se apresentado a situação do Brasil, os índices atingidos pelo desemprego são os maiores neste fim de século e os sindicatos, antes agentes ativos do processo na luta pelas melhorias do trabalhador, pouco têm conseguido realizar. O papel dos sindicatos já começa a ser repensado. A bandeira tradicional dos sindicatos perdeu suas cores, numa sociedade altamente tecnificada em forte globalização. A conseqüência tem sido a acentuada redução do número de sindicalizados, em todo o mundo. O sindicato, hoje, preocupa-se sobremaneira em defender os empregos, contraditando com sua bandeira que sempre prestigiou o aumento de salários. 23 Pesquisa realizada nos EUA, publicada pelo Jornal “O Estado de São Paulo”, São Paulo, 7 jul. 1996, p. 1. (Caderno D). 43 A informalização dos trabalhadores não só provocou a diminuição dos sindicalizados, como também inviabiliza, em muito, o Estado que fragilizado na sua natureza fiscal sente-se incapaz de atender as políticas sociais. Mas em tempo de subemprego o vale tudo começa a ser admitido como saída para crise e o mercado de trabalho informal ganha espaço como alternativa ao desemprego formal, impondo ganhos de renda e maior flexibilidade às pessoas . A constatação do desemprego estrutural tem abalado a segurança do sistema econômico e, por incrível que seja, a opção apresentada tem sido sempre a redução da jornada de trabalho com o fim de “civilizar” o desemprego. Outras propostas, como até o lançamento exótico do ano sabático para o trabalhador que trabalhasse a cada seis seguidos, foi apresentada num Congresso Internacional. Gilberto Dupas24 considera essas hipóteses idéias muito pobres, para um sistema econômico tão pujante e sofisticado, como o capitalismo moderno. Espera o autor que as corporações globais negociem sobre o desenvolvimento tecnológico e desemprego estrutural. Mais ainda, coloca outra alternativa que é o investimento no terceiro setor. A globalização do mercado e a redução do papel do setor público tem induzido as comunidades a se organizarem, para garantir seu futuro. O terceiro setor inclui, hoje, o conjunto de entidades, associações sem fins lucrativos – inclusive as ONGS – instituições filantrópicas e assemelhadas que, no sentido de solucionar os interesses das próprias comunidades onde atuam, já empregam por volta 14,4 milhões de norte- 24 DUPAS, Gilberto. Reflexões sobre o desemprego. O Estado de São Paulo, São Paulo, 7 jul. 1996. p. 2. 44 americanos e já é visto como uma eventual alternativa de geração de empregos, na fria sociedade informatizada do futuro. A evolução das taxas de desemprego, em países como o Brasil, precisam ser bem analisadas e compreendidas à luz dos múltiplos fatores que influenciam. O desemprego dos jovens e a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho precisam abrir mais alternativas, e a informalização não pode ser vista como saída única. O alívio dos encargos sociais nas folhas é um dos passos, assim como o incentivo ao terceiro setor. Apenas uma coisa parece definida no mundo da globalização e automação: o trabalho não será mais o mesmo. O balanço final de lucros e perdas ainda está longe de se delinear. Mas, as evidências são no mínimo inquietantes. O desemprego, no Brasil, tem raízes fincadas na migração rural, conseqüência da mudança do padrão tecnológico, na produção agrícola e outros fatores, que serão tratados ao longo do trabalho, como pressões da mídia, motivação das empresas, padrões culturais alterados, melhores garantias salariais e proteção social . Em apenas cinco décadas, o percentual de pessoas vivendo nos aglomerados urbanos passou de 31% para 76,5% da população, significando um acréscimo de 98 milhões de brasileiros dependentes de um emprego, no setor industrial ou de serviços nas cidades. Gilberto Dupas25 coloca que a principal conseqüência foram os bolsões da miséria das regiões metropolitanas, pólos principais de atração dos migrantes quer pela oferta bastante elástica de 25 DUPAS, op. cit., p. 2 , nota 24. 45 Subemprego, quer pelas atrações ilusórias da mídia de consumo. Uma vez adaptados, ainda que mal, a um novo universo de possibilidades urbanas, o ex- trabalhador rural não tinha como objetivo voltar ao meio agrário. Pesquisa efetuada pela UNICAMP, em algumas favelas de São Paulo, há até poucos anos, revelaram que o retorno ao campo era uma das últimas prioridades do migrante. Todavia, sobre essa massa de desemprego começou a se acumular parte da população atingida pela recessão da década passada (anos 80) e, mais recentemente, o trabalhador vítima do chamado desemprego estrutural (ou tecnológico), o mesmo apontado como responsável pelas demissões nas grandes corporações mundiais. Como conseqüência, o aumento brutal das taxas médias de desemprego provocaram uma reação diversa sobre a volta ao campo. Não importa se com desejos reais ou não o trabalhador citadino já passa a encarar o retorno ao campo como uma possibilidade de recuperação da dignidade ou, ao menos, como paliativo temporário para enfrentar a fome. A prova de tal fato se encontra no aumento considerável do número de adeptos e filiados ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, do Brasil. Em entrevistas realizadas, ficou provado que grande parte dos integrantes do movimento são desempregados, que têm no seu passado raízes agrárias, mas que num passado recente são desempregados, abandonados na cidade sem a perspectiva de encontrar novas colocações. 46 Sobre o retorno do trabalhador para o meio rural, ocupa-se, doravante, este trabalho. Foram necessários anos de penúria e miséria urbana, degradação do homem, trabalhos árduos, teorias sociológicas, redução de jornadas e desemprego estrutural em massa, para se repensar, nas academias, sobre o retorno ao campo e valoração da vida agrária, como instrumento social alternativo ao desemprego. Neste raciocínio, propõe-se, analisados e vistos os problemas emergentes da globalização, refletir sobre um novo conceito do trabalho rural e alternativas para o desemprego no Brasil. CAPÍTULO II - NATUREZA JURÍDICA DO TRABALHO RURAL A conjuntura atual, neste fim de século, demonstra, inevitavelmente, uma grande preocupação com a agricultura. Quer sobre a garantia com a alimentação para os povos, quer sobre o questionamento ecológico, aproveitamento dos solos e, mais recentemente, sobre a questão do emprego rural, como mecanismo alternativo para os desempregados do mundo. Particularmente no Brasil, a questão agrária, afora apresentar todas as características retro mencionadas, destaca-se pela tônica política apresentada pelo movimento social dos Sem Terra, considerado, hoje, a única oposição organizada do país, contra os ditames antidemocratas dos políticos da situação. O campo retorna às manchetes jornalísticas, demonstrando que todo desprezo a ele atribuído, por séculos, hoje, motiva o repensar sobre sua constituição, incentivando uma nova postura sobre este tema. A concentração no “pensamento” agrário deixa de ser chavão dos partidos de esquerda e ganha discussões em todas as esferas políticas, de cunho capitalista ou socialista. É muito difícil encontrar, na sociedade de hoje, alguém que se manifeste desfavorável à Reforma Agrária, aos problemas rurais, ao movimento de retorno ao campo. 48 Neste diapasão, temos novos atores sociais no campo, que operam suas atividades de diferentes formas. Constituem eles a força de trabalho rural brasileira, defendidos sob diferentes designações; porém, com o ponto comum de exercer a atividade agrária neste país, com diversidades regionais abundantes. A identificação dos trabalhadores rurais sempre apresentou dúvidas, quer sob o ponto de vista sociológico, quer sob o ponto de vista jurídico. O fomento dos conflitos no campo adquirem caráter nacional, desde os idos dos anos 50 e, desde então, definir os personagens rurais tornou-se complexo. Problemas da linguagem, alterações regionais, indefinições políticas, costumes locais e relacionamentos difusos, reuniram diferentes categorias para uma luta única pela Reforma Agrária. Tornou-se, então, a união de trabalhadores rurais que se identificam como moradores, colonos, camaradas, peões, parceiros, foreiros, arrendatários, posseiros, que passou a ser sintetizada pela designação de trabalhadores agrícolas, lavradores ou camponeses, conforme ensina Leonilde Sérvolo de Medeiros26. A autora descreve que essas categorias constituíram-se e distinguiram-se em contraposição às de latifundiários e grileiros, denominações que passaram a abranger todo um conjunto de relações que não podem ser, simplesmente, reduzidas à dimensão da exploração econômica, mas recebem, também, formas particulares e diversificadas de exercício da dominação. 26 MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de. Os trabalhadores rurais na política: o papel da imprensa partidária na constituição deuma linguagem de classe. In: COSTA, Luís Flávio C., SANTOS, Raimundo (org.). Política e reforma agrária. Rio de Janeiro: Mauad, 1998. p. 41. 49 Repensando o mesmo tema, José de Souza Martins27 também coloca que os termos para identificação do trabalhador rural sempre apresentam diversidades e, de uma certa forma, estes foram sempre depreciativos e, sequer, chegavam a ser reconhecidos na esfera política institucional. Martins28 designa as diferenças regionais, elencando os diferentes apelidos regionais: caipira, caiçara, tabaréu, jacu, caboclo. São palavras depreciativas, ofensivas, que se referem a uma leitura urbana do mundo rural. Caminhando mais a fundo na questão, pode-se concluir que, além de receber vocábulos jocosos, o trabalhador do campo não se diferenciava em categorias jurídico-sociais pré-determinadas, como empregados, arrendatários, parceiros, peões, pequenos proprietários; todos passaram a ser qualificados como trabalhadores rurais, criando um gênero jurídico, que, posteriormente, foi absorvido pelo instituto do Direito Agrário, criando estudo sobre essa classe que, em oposição à classe dos grandes proprietários, partiram juntos para a luta da Reforma Agrária, desempenhando, simultaneamente, o papel de realizadores da atividade agrária. Destarte, cria-se um embaraço geral ao se tentar delimitar trabalhadores rurais. Quem são eles e de quem é a responsabilidade sobre seu estudo? Competência do Direito do Trabalho, do Direito Agrário, ou de ambos? Assuntos correlatos ou interdisciplinares? O gênero trabalhador rural, como já foi descrito, aborda a execução 27 MARTINS, José de Souza. Campesinato e política no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1981. p. 22. 28 id., ibid. 50 da atividade agrária, que, diferentemente da atividade urbana, não se restringe somente à relação empregado/empregador. Por características sociológicas, históricas, costumeiras e, até pela própria definição das figuras que exercem a atividade agrária, o trabalho rural passou a ser utilizado como gênero, de uma realidade que envolve não só empregados rurais, mas inclui outros personagens que, embora não qualificados nos moldes de empregado rural, são considerados como trabalhadores da atividade agrária. Em recente debate, levantou-se a questão, quando presentes um civilista e um profissional da área do Direito do Trabalho, que relutaram em aceitar a postura agrarista, pois, antes entendiam que trabalho rural está somente vinculado ao Direito do Trabalho, impondo a figura do trabalhador empregado em contraponto ao empregador. Para quem não milita na especificidade da realidade agrária, torna- se complexo compreender esta relação que se estabelece, de trabalho rural, diferentemente do conceito de Direito do Trabalho, mas com certa proximidade em seus institutos. Fernando Brebbia29, agrarista argentino, tem se dedicado sobre essa questão, lecionando que a doutrina tem selado as relações entre o Direito do Trabalho e o Direito Agrário, como sendo ambos direitos especiais, postulados como direitos sociais, encaminhados para se adquirir o equilíbrio entre as partes; 29 BREBBIA, Fernando. Derecho agrario y desarrollo sustentable. El trabajo agrario. Trabalho apresentado no Congresso Mundial de Direito Agrário, 5., 24-26mai. 1988, Porto Alegre. 25p. mimeogr. 51 postura que parece ser uma orientação geral do ordenamento jurídico moderno. Atenta o mestre argentino para as diferenças entre as atividades urbanas e as agrárias, abrangendo não só as questões de estrutura física, como as emocionais dos trabalhadores e, ainda, a dos ciclos promovidos pela natureza, que estabelecem que “el trabajo campesino es por lo demás estacional, intermitente y descontinuo por la periodicidad cíclica de las estaciones y fundamentalmente por império del ciclo biológico animal o vegetal que escapa a ala acción del hombre gobierna y domina la descontinidad de las tareas, provocando una división natural del trabajo agrario en dos grandes categorias, modalidades que el legislador no puede ignorar, según se trate de trabajos permanentes de la explotación o bien de tareas cíclicas estacionales o acidentales, lo que impone reglas propias para cada una de ellas” Nesta linha de raciocínio, entende Brebbia que deve haver a necessidade de uma regulamentação independente, que regule, com brilho, a realidade e o funcionamentos dos institutos tradicionais do Direito do Trabalho, pois cada tipo de contrato de trabalho subordinado reconhece a singularidade, a tipicidade e as notas características de cada atividade laboral, respeitando as diferenças notórias entre o contrato de safra e as demais atividades que diferem do contrato ortodoxo. 52 Essas diferenças provocadas pelas especificidades agrárias, têm motivado posturas múltiplas sobre as relações de trabalho rurais, que, para alguns juristas, é uma espécie do trabalho comum, que corresponde ao âmbito natural do Direito do Trabalho, a quem compete regular toda relação de subordinação e dependência. Compartilham dessa idéia o jurista paraguaio Carlos Alberto Gonzalez30 que estabelece que a situação do trabalhador rural interessa tanto ao direito agrário como ao direto do trabalho. Explica o autor que se partimos da base que o Direito Agrário é o conjunto de normas e princípios jurídicos que regulam a atividade agrária e as relações dos sujeitos que nela intervém, podemos concluir que a situação do trabalhador rural não pode escapar ao seu interesse. Sem embargo, não se pode perder de vista que o direito do trabalho de sua parte regula as relações jurídicas que existem entre trabalhadores e empregados derivada da prestação subordinada e retribuída da atividade laboral relação que também é da atividade rural. Antonino Vivanco31 considera que o contrato de trabalho agrário constitui uma vinculação jurídica agrária mesmo quando existe relação de dependência. Define o contrato agrário de trabalho como a relação jurídica em virtude da qual um sujeito auxiliar presta um serviço material ou intelectual, inerente a atividade agrária por um prazo determinado, a favor de um sujeito agrário ou qualquer outro com o qual manterá uma relação de dependência. 30 GONZALEZ, Carlos Alberto. El trabajo rural como instituto del derecho agrário del derecho laboral. In: PROENÇA, Alencar Mello (org.). O direito agrário no Cone Sul. Pelotas: EDUCAT, 1995. p. 47-60. 31 VIVANCO, Antonio. Teoria de direito agrário. La Plata: Libreria Jurídica, 1967. p. 453, t.2. 53 Observa o ilustre agrarista que o contrato só será válido se forem cumpridos os requisitos que a lei agrária estabelece. Surge portanto a vinculação do contrato de trabalho ao direito agrário . Vanin Tello32, agrega que o direito do trabalho regula o trabalho dependente subordinado em qualquer campo da atividade humana, desde que esteja presente o sentido econômico, podendo ser ela agrária, industrial, mineira, comercial, cultural, doméstica e de beneficência. O venezuelano Roman Duque Corredor33 considera que o trabalho remunerado em dinheiro e em espécie tem o caráter de subordinação e remonta ao direito do trabalho. Na mesma linha de pensamento se situam ali Jose Venturini34 e Juan J. Sanz Jarque35. No México Mario de la Cueva, citado por Nestor de Buen36, conclui que muito embora a tendência seja do Direito do Trabalho disciplinar as relações trabalhistas no meio rural, dificilmente estas poderão resolver os conflitos e problemas dos trabalhadores do campo. Fernando Brebbia, em estudos evolutivos sobre o assunto, tem se posicionado de forma diversa, sustentando que o trabalho rural deve ser regulado pelo Direito Agrário, enquanto está ligado à organização da empresa agrária e passa a ser um elemento dela, enquanto constitui um contrato de empresa. As razões para tal posicionamento decorrem da idéia apoiada por Raul Mugaburu, 32 TELLO, Vanin. Derecho agrário: teoria general. Colombia: Universidad Externato de Colombia, 1985. p. 734. 33 CORREDOR, Roman Duque. Derecho agrário. Estudios selecionados. Caracas: Magon, 1978. p. 116. 34 VENTURINI, Jose. Derecho agrário venezuelano. Caracas: Magon, 1976. p. 425. 35 SANZ JARQUE, Juan Jose. Derecho agrario. Madrid: Fundación Juan March, 1975. p. 590-591. 36 BUEN, Nestor de. Derecho del trabajo. Mexico: Porrua, 1985. p. 445. 54 que o trabalho rural é um elemento essencial à exploração agropecuária e, enquanto ele é visto pela legislação trabalhista (Direito do Trabalho), ele não recebe o interesse necessário. Antonio Vivanco, citado por Brebbia37, “diz que o trabalho rural constitui um aspecto fundamental da atividade agrária, que nos possibilita regular a produção, mediante a adoção de medidas adequadas, em matéria de trabalho”. Sobre essas considerações, Brebbia reafirma sua postura e, ainda, busca, no conceito moderno de agricultura, a questão do desenvolvimento sustentável, que exige de quem trabalha a terra, conhecimentos específicos, avançados, que requerem um determinado nível de conhecimentos e de idoneidade, entre os quais a melhoria das técnicas, para que se conserve e preserve os recursos naturais. Isto, conforme Brebbia, implica numa agricultura desenvolvida, que exige um elemento humano com bom nível qualitativo, diferente da agricultura subdesenvolvida, que requer trabalhadores meramente quantitativos. Portanto, para a modernização da agricultura, é necessário que o elemento humano esteja cada vez mais aperfeiçoado, para enfrentar a modernidade agrícola e, para acompanhar essa evolução, deve ele estar vinculado ao Direito Agrário. Mantero de San Vicente38 considera que, à medida em que se 37 BREBBIA, op. cit., p. 5, nota 29. 38 SAN VICENTE, Mantero. El derecho del trabajo en los países del Mercosur. Apud: BREBBIA, op. cit., p. 7, nota 29. 55 começa a regular normativamente o trabalho rural, manifestam-se tendências, a saber: uma quer procurar criar um regime especial para o trabalhador rural, não aplicando a estes trabalhadores as normas de Direito do Trabalho, somente utilizando-as em caso de remissão expressa; é o exemplo da Argentina. Outras, que regulam o trabalho rural com as mesmas normas que o trabalho industrial ou comercial, agregando normas especiais, mas não excepcionais. Enfrentam dificuldades de estender a proteção do Direito do Trabalho a situações em que o vínculo de subordinação assume características especiais, quando o trabalho para outro não se realiza mediante contrato típico; é o caso do Brasil. Brebbia considera, ainda, uma terceira posição, que, em sua opinião, é absolutamente insustentável: é a decorrente da Resolução nº 141, da Organização Internacional do Trabalho, que, em seu art. 2º, declara que a expressão “trabalhadores rurais” abarca todas as pessoas dedicadas às regiões rurais, às tarefas agrícolas ou artesanais ou em ocupações similares ou conexas, tratando-se de assalariados, pessoas que trabalham a terra por conta própria, como arrendatários, parceiros e pequenos produtores, cuja principal fonte de renda é a agricultura, trabalhando a terra por si mesmos, com a ajuda de familiares, recorrendo ocasionalmente a trabalhadores. Brebbia rechaça essa idéia, pois alega que se incluem no mesmo círculo, na categoria de trabalhadores rurais, pessoas que carecem de uma relação de subordinação e dependência, como as mencionadas na Convenção e, por outra parte, inclui as que têm um vínculo contratual, claramente laboral e, 56 ainda, os pequenos empresários, que utilizam o pessoal assalariado, compreendido nas leis laborais e, como tais, são, em rigor, empregadores. Como bem lembra Mario de la Cueva39 não se pode perder de vista que a OIT tem uma intima vinculação com o Direito do Trabalho e que suas recomendações são base para as legislações nacionais. Todavia, essa postura da OIT merece crítica, uma vez que no tocante ao trabalhador rural ela estende seus interesses a temas que ultrapassam o âmbito do direito trabalhista, fato muito bem lembrado, por Carlos Alberto Gonzalez40. De nossa parte, tem-se a colocar que entendemos ser, a princípio, procedente a idéia de que o Direito Agrário regule o trabalho rural, ao mesmo tempo em que entendemos ser procedente, em parte, a postura da Organização Internacional do Trabalho, o que vem contrariar a posição do Prof. Brebbia. Entende-se, pela vivência teórica, dogmática e prática, que a agricultura enfrenta sérias dificuldades no âmbito trabalhista. Cada país traça sua realidade; em alguns, há prioridade para o setor urbano, em outros, igualdade de condições e em outros, ainda, um menosprezo acentuado para com o setor rural. Muito embora, por vezes, o aparato legislativo proteja em igualdade de condições, sabe-se que o meio rural fica renegado, na prática, quando em comparação ao urbano. Em termos de Brasil, enfrentamos essa realidade. Quanto à postura da natureza jurídica do trabalho rural, entende-se a questão da seguinte forma: trabalho rural é a forma de atividade agrária 39 CUEVA, Mario de la. Derecho mexicano del trabajo. Mexico: Porrua, 1963. t. 1, p. 318. 40 GONZALEZ, op. cit., p. 54, nota 30. 57 desempenhada de diferentes formas. Constitui trabalho rural a função exercida pelo empregado rural, com vínculo de subordinação, e também é trabalho rural o desempenhado pelo parceiro, arrendatário, pequeno proprietário familiar assentado, por todo aquele que, de alguma forma, realiza uma atividade tipificada como agrária, nos moldes postos pelo Direito Agrário. Mas, não deixa de ser pertinente ao Direito do Trabalho, as relações estabelecidas entre empregado e empregador rural, onde existe subordinação, horário e salário. Concorda-se que o Direito Agrário é responsável pelo exercício da atividade laboral que, qualificada como agrária, é regida por esse ramo, que, muitas vezes, por ser desconhecido por juristas, sofre má interpretação ou, até, interpretação errônea. Assim, é de competência do estudo do Direito Agrário, a parceria rural pura, o arrendamento - ambos se intitulando como contratos agrários típicos. Pertence a este estudo a relação estabelecida pelo trabalho de assentados no processo de Reforma Agrária, dos proprietários familiares que conduzem suas propriedades com a força pessoal e de sua família, do médio produtor, considerado como empresário agrário que, muito embora dispondo de mão-de-obra subordinada (empregados), exerce um trabalho agrário. Até em parte, não obstante a relação empregado/empregador seja objeto de estudo do Direito do Trabalho, o Direito Agrário pode contribuir neste processo, com as especificidades rurais, que caracterizam o trabalhador do meio rural. 58 Pode-se concordar com Carlos Alberto Gonzalez41 quando diz que existe uma zona não claramente definida na qual podem estar presentes figuras incorporadas pelo Direito do Trabalho e pelo Direito Agrário. O caso da parceria é um exemplo que se intitula como figura típica do Direito Agrário, enquanto o empregado rural possuí características de dependência econômica peculiar ao Direito do Trabalho Considera-se que, muito embora o Prof. Brebbia discorde da classificação da Organização Internacional do Trabalho, esta procede em diversos países, pois reúnem pessoas em situações jurídicas pré-estabelecidas de forma diferenciada, porém, com objetivos comuns de retirar da agricultura seu sustento e seu progresso, através da força de seu trabalho. Compõem essa massa de trabalhadores, todos os que trabalham a terra, que desempenham atividade agrária independente de ser empregados, proprietários, arrendatários e parceiros, autônomos, bóias-frias, safristas, etc. Seus ideais estão mais próximos de trabalhadores e bem mais distantes dos que acumulam terra e vêem nesta símbolo de poder e concentração de riquezas. Assim, respeita-se a opinião do mestre argentino de que o trabalho rural deva estar sob a ótica do Direito Agrário para atingir seus objetivos; porém, não se concorda que esta posição seja extensiva a todos os países, de forma genérica. O amadurecimento do Direito Agrário ainda não atingiu seu ápice em todas as localidades. Seguramente, o trabalhador empregado estaria melhor 41 GONZALEZ, op. cit., p. 57, nota 30. 59 protegido sob os anseios do Direito do Trabalho, hoje já consolidado, ou mais bem estabelecido que o Direito Agrário, nos países em via de desenvolvimento. Portanto, pode-se concluir que o trabalho rural torna-se o gênero de uma atividade agrária, enquanto empregados, assentados, pequenos proprietários, parceiros são as espécies desse gênero. São essas categorias, muitas vezes, injustiçadas, não compreendidas. Seu melhor conhecimento será feito se houver a junção do Direito do Trabalho e do Direito Agrário, para executar a melhor forma de se aplicar a justiça no meio rural. Destarte, o meio jurídico se fortalece nas relações de trabalho, reunindo o Direito Agrário e do Trabalho. Sob o ponto de vista social, sabe-se que os problemas do campo são mais amplos: são problemas oriundos da má redistribuição de renda, da má produção, da racionalização de culturas, da capitalização do setor, da aplicação de técnicas de organização, de indústrias complementares, da regulação comercial da produção e, em geral, de todas aquelas questões que condicionam a regulação do trabalho agrário42. Este rol, estabelecido pelo mestre espanhol Villar, apenas amplia o universo da problemática do trabalho rural nos países subdesenvolvidos, como é o caso do Brasil. Afora o acima elencado, temos que o problema do trabalho rural, no Brasil, tem agravantes sérias e marcantes, trazidas pelos fatos históricos da 42 SOLDEVILLA Y VILLAR, Antonio D. Derecho agrário (lecciones para un curso). Valladolid/Espanha: Andrés Martín, 1993. v. 3 (Parte Especial 2ª). p. 137. 60 colonização, que acentuaram as desigualdades sociais, ainda tão fortes em nossos dias. A situação hodierna traz a força dos movimentos sociais, a luta pela terra, ainda agora agravada pelo desemprego, que ronda o meio urbano. Trabalho rural é, portanto, assunto interdisciplinar, sem estabelecimentos gerais de fronteiras, difere de país para país, apenas pelo grau de amadurecimento; porém, reflete uma gama de relações que devem ser estudadas pelo Direito do Trabalho, enquanto cuidar da figura empregado, com nuances específicas do Direito Agrário, exclusivamente pelo Direito Agrário, quando administrar as demais relações oriundas das atividades agrárias. CAPÍTULO III - A HISTÓRIA DO TRABALHO RURAL NO BRASIL A formação histórica do trabalho rural em sentido amplo, no Brasil, remonta ao descobrimento e vem sob a égide do regime feudal português, onde as terras eram dadas aos amigos do rei, com a denominação de sesmarias. O aproveitamento dessas terras de grande extensão que vieram a formar os latifúndios posteriormente, era realizado basicamente com o intuito da exploração e o trabalho desenvolvido tinha como escopo a obtenção de grandes vantagens econômicas para cobrir as despesas com os impostos para a Coroa portuguesa e ainda o resgate do lucro. Disfarçadamente, o que se assegurava era que a dação de terras tinha como meta a Colonização, mas os relatos históricos demonstram que a exploração foi o único intento realizado ao longo dos anos. A prova de tal fato é que os exploradores não se estabeleciam com suas famílias. Trabalhavam a terra de forma monocultural, em grandes extensões visando o mercado externo. Sulaiman Miguel Neto43 retrata que o trabalho rural no Brasil foi modelado pelo controle dos sesmeiros até 1822, onde, a princípio, prevaleceu o trabalho escravo indígena, posteriormente o trabalho do negro, que foi trocado pelos imigrantes até a formação dos trabalhadores hodiernos. Os ciclos 43 MIGUEL NETO, Sulaiman. A questão agrária. Campinas: Bookseller, 1997. p.27. 62 evolutivos da atividade econômica foram no dizer de Rusinete Dantas de Lima44 os que fizeram surgir como manifestação primeira do trabalho rural no Brasil, quer no amanho da terra, na semeia, no cultivo, na colheita, quer na criação e cuidados com animais, além da extração de riquezas que o solo proporciona. Só que essa atividade, secularmente, desde seu nascedouro, era exercida em condições duras do agreste, sem início nem término, muitas vezes obedecendo como horário o nascer e o pôr do sol. As jornadas visavam somente o interesse do proprietário da terra. Com a escravatura o regime de trabalho era aviltante por representar a negação completa dos direitos e prerrogativas inerentes ao ser humano. Recebiam o suficiente para se manter trabalhando e levar avante o objetivo do senhor da terra. Com a libertação da escravatura o braço estrangeiro através de correntes migratórias, veio substituir os negros e daí se iniciou o surgimento das primeiras normas de proteção aos colonos, que vieram somente na década de sessenta, consolidar-se no estatuto do trabalhador rural e posteriormente na Lei 5889/73 até a constituição de 1988, que igualou trabalhadores urbanos e rurais. Estes fatos se deram na questão do trabalhador rural empregado. Na esfera do trabalhador rural, enquanto agente de trabalho agrário sem subordinação, os relatos marcam como pioneiros os bandeirantes paulistas que iniciaram um trabalho de exploração dos sertões, por conta própria exercendo atividade agrária independente dos ditames da coroa portuguesa, ou 44 LIMA, Rusinete Dantas. O trabalho rural no Brasil. São Paulo: LTR, 1992. p.15. 63 até em contradição a ela. Contavam é certo com braços escravos indígenas ou até negros, mas tinham acesso a terra, desbravando áreas e fincando posse. Alfredo Abinagem45 descreve que até o fim do regime sesmarial no Brasil o pequeno produtor rural, baseado no trabalho familiar, geralmente plantava em terras que dificilmente iriam lhe pertencer, mas tinha acesso à propriedade da terra. Entre o fim das sesmarias, e a promulgação da lei 601, de 1850, denominada Lei de Terras, houve um hiato de 20 anos, o que possibilitou ao trabalhador rural posseiro a ocupação primária como modo originário de aquisição de terra e possibilidade de expansão do trabalho familiar em pequenos sítios . Com o avanço da lavoura cafeeira paulista os imigrantes foram trazidos do Continente Europeu como solução para a escassez de mão-de-obra especializada. Todavia, como ensina Abinagem46, era necessário coibir a esses imigrantes o livre acesso à terra para não se tornarem proprietários continuando, assim, como força de trabalho nas grandes fazendas. Terra livre e homem livre são incompatíveis com as condições necessárias para o desenvolvimento do capitalismo rural. Estabeleceu-se então uma legislação que dificultasse o acesso dos trabalhadores rurais imigrantes ou camponeses nativos à propriedade da terra. Foi promulgada a lei 601, de 28 de setembro de 1850, que, segundo a análise posterior de historiadores, recebeu duras críticas de Alberto Passos 45 ABINAGEM, Alfredo. A família no direito agrário. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 54. 46 ibid., p. 55. 64 Guimarães47 e Ruy Moreira48 O primeiro historiador descreve que a lei se propunha fundamentalmente a três objetivos: 1. proibir as aquisições de terras por outro meio que não a compra e por conseguinte extinguir o regime de posses; 2. elevar os preços das terras e dificultar sua aquisição; 3. destinar o produto das vendas de terras à importação de colonos . Já Ruy Moreira, considera que “a lei de terras veio com a finalidade de excluir o acesso à terra da quase totalidade da população colonial, à qual só resta oferecer-se em trabalho aos proprietários fundiários, a um só tempo a lei de terras preserva o latifúndio e organiza a nova relação de trabalho”49. A discriminação contra o homem do campo não escapou do agrarista e magistrado trabalhista Prof. Raimundo Laranjeira50: “A lei 601 de 1850, na verdade, promoveria singularmente as chances da regularização formal da terra, transformando em domínio as posses primárias e secundárias e as sesmarias que se haviam tornado irregulares. No entanto, não dispôs sobre medidas que limitando o direito de propriedade, estimulassem fazer-se rurais continuaram a se expandir, em nome do seus detentores, revelando-se esse apraiamento terreal um exercício de poder dos mesmos”. Mais adiante arremata o pensador baiano: “Inegavelmente a formação, que se delineou, da força substitutiva dos escravos, formação de obreiros livres, segundo fossem livres para contratar o dador 47 GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro século de latifúndio. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. p. 134. 48 MOREIRA, Ruy. Formação do espaço agrário brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 36. 49 ibid., p.37. 50 LARANJEIRA, Raymundo. Direito agrário. São Paulo: LTr, 1984. p. 42-43. 65 prestador de serviços, exigiu a paga. Não deveria haver mais juridicamente, o trabalho gratuito. Com a libertação dos escravos e um novo contigente de trabalhadores livres ganhando salário, em dinheiro ou in natura, gente sem terra e com só a força de trabalho para subsistir, iniciou-se entre nós o processo de proletarização do homem do campo”. A lei de Abolição do Tráfico e A Lei de Terras somaram-se num processo que mais tarde foi interpretado por José Graziano da Silva51 como: “De um lado, restringia-se o acesso à terras (devolutas ou não) apenas àqueles que tivessem dinheiro para comprá-las, de outro, criavam as bases para a organização de um mercado de trabalho livre para substituir o sistema escravista. É fácil entender a importância da Lei de Terras de 1850 para a constituição do mercado de trabalho. Enquanto a mão-de-obra era escrava, o latifúndio podia até conviver com terras de “acesso relativamente livre” (entre aspas porque a propriedade dos escravos e de outros meios de produção aparecia como condição necessária para alguém usufruir a posse dessas terras). Mas quando a mão-de-obra se torna formalmente livre, todas as terras tem que ser escravizadas pelo regime de propriedade privada. Quer dizer se houvesse homem livre com terra livre ninguém iria ser trabalhador de latifúndios.” Estrutura-se a partir de então, a classe de trabalhadores rurais no Brasil, por muitos chamada de campesinato rural, que genericamente pode ser definida por camponeses. Essas categorias constituíram-se e distinguiram-se em 51 SILVA, José Graziano da. O que é a questão agrária? 16.ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 24-25. 66 contraposição às de latifundiários e grileiros, denominações que passaram a abranger todo um conjunto de relações que, como já foi indicado, não podem ser simplesmente reduzidas à dimensão da exploração, mas recobrem também formas particulares e diversificadas de exercício da dominação . Como sendo camponês o trabalhador rural que trabalha por salário nas fazendas, quer resida na zona rural quer na cidade, neste caso chamado trabalhador volante ou bóia fria . Antes era comum chamá-lo de camarada52. Todavia, o termo camponês é usado mais em áreas intelectuais restritas que refletem a literatura sóciojurídica européia e nos meios sindicais. Abinagem citando Mario Aldighieri que por sua vez se fundamenta em José Luiz Calva ensina haver duas significações para o termo camponês: “Lato sensu considerando camponês aquele que tem uma relação de trabalho, vida e cultura com a terra englobando então todos os que trabalham a terra: proprietários, parceiros, arrendatários, posseiros e, até mesmo os bóias frias, trabalhadores volantes residentes na periferia das cidades. Strito sensu, tomando como camponês o agricultor direito pessoal utilizando-se o trabalho de seus familiares e eventualmente de outros, estes assalariados, mas produzindo principalmente para a subsistência da própria família. Entre os camponeses strito sensu, Aldighieri inclui também o posseiro e aquele que, expulso da terra, em busca de uma nova posse, o que no Sul do país corresponde ao atuante movimento dos sem-terra”53. 52 ABINAGEM, op. cit., p. 52, nota 45. 53 id., ibid. 67 Ao nosso ver, a confusão estabelecida no emprego dos termos se deriva, primeiramente, da fundação da Liga dos Camponeses, que no início reunia arrendatários e colonos e passou, posteriormente, a reunir todos os que trabalhavam a terra inclusive os assalariados. Num segundo momento, pelo fato de não ser pacífica a abrangência do termo trabalhador rural mesmo na lei, assim, enquanto na Consolidação das Leis do Trabalho o empregado é o subordinado, na legislação agrária designa tanto o empregado assalariado como o pequeno proprietário, o arrendatário, o parceiro e o empreiteiro, que trabalham individualmente ou em regime de economia familiar (Decreto nº 83080/79). A lei 5889/73 usa o termo empregado para designar o trabalhador assalariado: “Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico presta serviço de natureza não eventual