unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP REGINALDO DOS SANTOS SOUZA UMA PERSPECTIVA POLÍTICA DO PERFIL DOS FIÉIS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS DA CIDADE DE SÃO CARLOS – SP ARARAQUARA-SP ANO 2024 REGINALDO DOS SANTOS SOUZA UMA PERSPECTIVA POLÍTICA DO PERFIL DOS FIÉIS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS DA CIDADE DE SÃO CARLOS – SP Tese de Doutorado, apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Programa de Pós- graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras –Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais. Área de concentração: Estado, Sociedade e Políticas Públicas Orientadora: Profa. Dra. Carla Gandini Giani Martelli ARARAQUARA – SP ANO 2024 Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). S729p Souza, Reginaldo dos Santos UMA PERSPECTIVA POLÍTICA DO PERFIL DOS FIÉIS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS DA CIDADE DE SÃO CARLOS – SP / Reginaldo dos Santos Souza. -- Araraquara, 2024 212 p. : tabs., mapas Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientadora: Carla Gandini Giani Martelli 1. Religião. 2. Política. 3. Igreja Universal do Reino de Deus. 4. Neopentecostal. I. Título. IMPACTO POTENCIAL DESTA PESQUISA A crescente polarização política no Brasil, intensificada a partir de 2018, torna crucial a análise do papel de instituições religiosas na formação do perfil político de seus fiéis. Neste contexto, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) se destaca por sua expressiva influência, justificando a investigação do impacto de suas práticas na construção da identidade política de seus membros em São Carlos, SP. Adotando uma abordagem empírica e documental, a pesquisa combina métodos qualitativos e quantitativos. A coleta de dados envolveu entrevistas com fiéis da IURD, análise de documentos da igreja e observação participante em cultos e eventos religiosos. Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo temático, buscando identificar os principais elementos que moldam o perfil político dos fiéis da IURD. A pesquisa revela que o processo evangelizador da IURD constrói diversos caminhos que, consciente ou inconscientemente, contribuem para a formação do perfil político de seus fiéis. Entre esses caminhos, destacam-se: discurso religioso com conteúdo político: As pregações da IURD frequentemente associam valores religiosos a posições políticas específicas, moldando a identidade política dos fiéis. A pesquisa demonstra que a IURD exerce um papel significativo na formação do perfil político de seus fiéis, contribuindo para a polarização política no Brasil. Essa influência se manifesta por meio do discurso religioso com conteúdo político, da mobilização política dos fiéis e da visão de mundo dicotômica da igreja. A pesquisa apresenta uma análise crítica da influência da IURD na formação do perfil político de seus fiéis, contribuindo para a compreensão das complexas relações entre religião e política no Brasil. Os resultados da pesquisa são relevantes para o debate público sobre a crescente influência das igrejas neopentecostais no cenário político brasileiro e para a busca por formas de promover o diálogo inter-religioso e a tolerância política. POTENTIAL IMPACTIC OF THIS RESEARCH The growing political polarization in Brazil, intensified since 2018, makes it crucial to analyze the role of religious institutions in shaping the political profile of their faithful. In this context, the Universal Church of the Kingdom of God (IURD) stands out for its significant influence, justifying the investigation of the impact of its practices on the construction of the political identity of its members in São Carlos, SP. Adopting an empirical and documentary approach, the research combines qualitative and quantitative methods. Data collection involved interviews with IURD faithful, analysis of church documents and participant observation in religious services and events. The collected data was subjected to thematic content analysis, seeking to identify the main elements that shape the political profile of IURD faithful. The research reveals that the IURD's evangelizing process builds several paths that, consciously or unconsciously, contribute to the formation of the political profile of its faithful. Among these paths, the following stand out: religious discourse with political content: IURD sermons often associate religious values with specific political positions, shaping the political identity of the faithful. The research demonstrates that the IURD plays a significant role in shaping the political profile of its faithful, contributing to political polarization in Brazil. This influence manifests itself through religious discourse with political content, the political mobilization of the faithful and the dichotomous worldview of the church. The research presents a critical analysis of the influence of the IURD on the formation of the political profile of its faithful, contributing to the understanding of the complex relationships between religion and politics in Brazil. The research results are relevant to the public debate about the growing influence of neo-Pentecostal churches in the Brazilian political scene and to the search for ways to promote inter-religious dialogue and political tolerance. REGINALDO DOS SANTOS SOUZA UMA PERSPECTIVA POLÍTICA DO PERFIL DOS FIÉIS DA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS DA CIDADE DE SÃO CARLOS – SP Tese de Doutorado, apresentada à Universidade Estadual Paulista (UNESP), Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras – Araraquara, como requisito para obtenção do título de Doutor em Ciências Sociais. Área de concentração: Estado, Sociedade e Políticas Públicas. Orientadora: Profa. Dra. Carla Gandini Giani Martelli Data da defesa: 2 9 / 0 4 / 2 0 2 4 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: __________________________________________________________________________________ Presidente e Orientador: Profa. Dra. Carla Gandini Giani Martelli Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP __________________________________________________________________________________________ Membro Titular: Prof. Dra. Alessandra Santos Nascimento Universidade de Araraquara – UNIARA - SP __________________________________________________________________________________ Membro Titular: Prof. Dr. Diogo Henrique da Silva Paiva Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé – UNIFEG – MG Membro Titular: Prof. Dr. Gabriel Henrique Burnatelli de Antônio Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - IFSP. __________________________________________________________________________________ Membro Titular: Prof. Dr. Alexandre José Romagnoli Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - IFSP. Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara Dedico esta tese a todos que de certa forma acreditaram que a realização desse sonho seria possível. Em especial a minha família, meu filho e minha esposa, que me deram o suporte necessário para que eu pudesse chegar até aqui. Dedico esta tese também a todos que sempre acreditaram que, por mais dificuldades que a vida nos impõe, nunca devemos desistir dos nossos sonhos. AGRADECIMENTOS Ao meu pai Osvaldino José de Souza e a minha mãe Raquel Soarde de Souza, por todo suporte necessário para que eu pudesse desenvolver o gosto pelo estudo e por me fazerem acreditar no poder transformador da educação; À minha orientadora Professora Dra. Carla Gandini Giani Martelli, por sua competência e acolhimento desde o início da minha trajetória em 2020. Agradeço sua paciência, o apoio incondicional e todas as oportunidades e sabedoria que me proporcionou desde o referido ano. Estará para sempre em minha memória com muita gratidão; À minha esposa Elizabeth, a quem dedico este trabalho, pelo companheirismo, compreensão, carinho e sempre ter uma palavra de apoio nos momentos mais difíceis dessa caminhada, Elizabeth de Jesus dos Santos Souza: obrigado por todo apoio e amor! Agradeço ao meu filho Luiz Felipe, por compreender as ausências do pai trancafiado no escritório lendo e escrevendo. Este trabalho é para você e por você. Agradeço a todos os meus familiares, em especial a minhas irmãs que sempre acreditaram que tudo daria certo no final. Agradeço a minha sogra Luiza, por ter dado suporte nos momentos das minhas ausências para trabalho e estudos. À Universidade Estadual Paulista e, em especial à Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara (FCLAr), por ter me acolhido e me ajudado a realizar esta conquista. Obrigado por tudo que me proporcionou, sobretudo o salto qualitativo que tive na minha carreira; Aos meus professores, que, em maior ou menor grau, colaboraram para minha formação. Agradeço aos meus alunos do curso de graduação em Ciências Sociais da Unesp de Araraquara, que, na breve jornada que passamos juntos, me ajudaram na realização da pesquisa, em especial aos alunos Gustavo Belarmino Gomes de Araújo, Mariana Chiericchi Lima, Caroline da Silva Mota, Noemi de Souza Abreu, Maria Clara Ferreira e Ana Caroline Ferriani. Agradeço aos professores Dr. Gabriel Henrique Burnatelli de Antonio e Dr. Pablo Emanuel Romero Almada, pelas observações, apontamentos e sugestões feitos na banca de qualificação desta pesquisa. Agradeço a Gilberto Aparecido Prataviera, companheiro de trabalho e amigo, pela revisão da minha tese, apontamentos e sugestões. Agradeço ao casal Carolina Matheos Guedes dos Santos Souza e Emerson Ricciardi de Souza, amigos e companheiros de trabalho pela leitura atenta e pelos apontamentos importantes para a elaboração da tese; Agradeço aos meus amigos Paulo Sergio Gonçalves e Aurélio Miguel, companheiros que contribuíram na realização da tese com suas observações e debates pontuais sobre o tema. Agradeço à professora Dariê Silva Pasqua, pela revisão do texto. Agradeço aos meus alunos do presente e do passado que, ao longo da minha jornada, sempre me fizeram acreditar que a educação é transformadora. Agradeço ao Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé - UNIFEG - pelo apoio institucional, em algumas ausências do trabalho para me dedicar à pesquisa. Por fim, agradeço ao companheirismo do meu cachorro Ozzy que, como fiel escudeiro, ficou sempre ao meu lado enquanto redigia a tese. "O cientista não é o homem que fornece as verdadeiras respostas; é quem faz as verdadeiras perguntas". (LEVI-STRAUSS, 2010 p.10). RESUMO Nesta pesquisa, analisou-se os fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), com o principal objetivo de compreender como a influência religiosa contribui para a formação de suas inclinações políticas. O estudo foi conduzido junto aos membros da IURD na cidade de São Carlos, São Paulo, utilizando uma abordagem empírica descritiva. A metodologia se fundamentou na da aplicação de questionários e uma análise documental. Buscou-se coletar dados para analisar e descrever o perfil político desses fiéis. Os resultados revelaram que o alinhamento dos fiéis com as agendas religiosas, especialmente aquelas relacionadas às pautas de costumes, desempenha um papel significativo na configuração de seus perfis políticos. As respostas dos participantes indicaram uma visão política fortemente influenciada pela interação com os discursos propagados nos templos da IURD. Os comportamentos políticos dos fiéis, em grande medida, são moldados por esse mecanismo de cooptação subjetiva, que se manifesta de forma concreta em suas atividades cotidianas. O crescimento do segmento evangélico na sociedade brasileira, sua crescente participação nos debates políticos do país e a busca em se entenderem os fatores que influenciam as decisões políticas desses grupos religiosos justificam a relevância desta pesquisa, que busca compreender melhor os complexos vínculos entre religião e política na sociedade contemporânea. Palavras-chave: religião; política; neopentecostal; conservadorismo; poder. ABSTRACT In this research, the faithful of the Universal Church of the Kingdom of God (IURD) were analyzed, with the main objective of understanding how religious influence contributes to the formation of their political inclinations. The study was conducted with IURD members in the city of São Carlos, São Paulo, using an empirical descriptive approach. The methodology was based on the application of questionnaires and a documentary analysis. It sought to collect data to analyze and describe the political profile of these faithful. The results revealed that the alignment of the faithful with religious agendas, especially those related to customs issues, plays a significant role in shaping their political profiles. The responses of the participants indicated a political view strongly influenced by the interaction with the discourses propagated in the IURD temples. The political behaviors of the faithful are largely shaped by this mechanism of subjective cooptation, which manifests itself concretely in their daily activities. The growth of the evangelical segment in Brazilian society, its increasing participation in the country's political debates and the search to understand the factors that influence the political decisions of these religious groups justify the relevance of this research, which seeks to better understand the complex links between religion and politics in contemporary society. Keywords: religion; politics; neo-Pentecostal; conservatism; power. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Parcela salarial e o índice de Gini no período de 2003-2010 ................................. 28 Gráfico 2: O avanço evangélico no Brasil: Percentual de católicos e evangélicos no Brasil de 1940 até 2020 com a projeção para 2030. ................................................................. 44 Gráfico 3: Número de estabelecimento religiosos de denominações selecionadas no Brasil (2000-2021) .................................................................................................................... 47 Gráfico 4: : Relação entre as religiões (católicos, evangélicos e outro) e voto para presidente no segundo turno de 2010, 2014 e 2018. ................................................................ 73 Gráfico 5: A interferência religiosa no voto ............................................................................ 99 Gráfico 6: Eleições e religião ................................................................................................ 100 Gráfico 7: Gênero e conversão evangélica. ........................................................................... 104 Gráfico 8: Conversão evangélica em relação à faixa etária e ao nível de renda ................... 105 Gráfico 9: Conversão evangélica em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade ........ 107 Gráfico 10: Assiduidade na Igreja em relação ao gênero ...................................................... 108 Gráfico 11: Assiduidade na Igreja: faixa etária e nível de renda. ......................................... 109 Gráfico 12: Assiduidade na Igreja: faixa etária e o nível de escolaridade............................. 111 Gráfico 13: Participação em trabalhos evangelizadores: em relação ao gênero .................... 112 Gráfico 14: Participação em trabalhos evangelizadores: em relação à faixa etária e ao nível de renda.......................................................................................................................... 113 Gráfico 15: Participação em trabalhos evangelizadores: em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade. ............................................................................................................. 115 Gráfico 16: Trabalho social na igreja em relação ao gênero. ................................................ 116 Gráfico 17: Trabalho social na igreja em relação à faixa etária e ao nível de renda. ............ 117 Gráfico 18: Trabalho social na igreja em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade. ........................................................................................................................... 119 Gráfico 19: Pauta de costumes em relação ao gênero ........................................................... 121 Gráfico 20: Pauta de costumes em relação à faixa etária e ao nível de renda. ...................... 123 Gráfico 21: Pauta de costumes em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade. ........... 125 Gráfico 22: Organização familiar em relação a gênero. ........................................................ 127 Gráfico 23: Organização familiar em relação à faixa etária e ao nível de renda. .................. 128 Gráfico 24: Organização familiar em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade ........ 130 Gráfico 25: A percepção da política em relação ao gênero. .................................................. 132 Gráfico 26: A percepção da política em relação à faixa etária e ao nível de renda. .............. 133 Gráfico 27: A percepção da política em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade. .......................................................................................................................... 135 Gráfico 28: Ideologia política em relação a gênero............................................................... 137 Gráfico 29: Ideologia política em relação à faixa etária e ao nível de renda. ....................... 138 Gráfico 30: Ideologia política em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade. ............ 140 Gráfico 31: Decisão do voto considerando a variável gênero ............................................... 142 Gráfico 32: Decisão do voto em relação à faixa etária e ao nível de renda .......................... 143 Gráfico 33: Decisão do voto em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade. .............. 145 Gráfico 34: (In)Formação política em relação a gênero. ....................................................... 148 Gráfico 35: (In)Formação política em relação à faixa etária e ao nível de renda ................. 149 Gráfico 36: (In)Formação política em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade. ..... 151 Gráfico 37: Participação em campanhas eleitorais por gênero. ............................................ 153 Gráfico 38: Participação em campanhas eleitorais por faixa etária e nível de renda. ........... 154 Gráfico 39: Participação em campanhas eleitorais por faixa etária e nível de escolaridade. ........................................................................................................................... 156 Gráfico 40: Simpatia por partido político em relação ao gênero. .......................................... 158 Gráfico 41: Simpatia a Partido Político em relação à faixa etária e ao nível de renda ......... 160 Gráfico 42: Simpatia a Partido Político em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade. ........................................................................................................................... 162 Gráfico 43: Filiação partidária em relação ao gênero ........................................................... 164 Gráfico 44: Filiação partidária em relação à faixa etária e ao nível de renda. ...................... 165 Gráfico 45: Filiação partidária em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade. ........... 166 Gráfico 46: A abordagem de questões políticas em reuniões religiosas numa perspectiva de gênero. ............................................................................................................ 167 Gráfico 47: Abordagem de temas políticos em reuniões religiosos na percepção dos fiéis, em relação à faixa etária e ao nível de renda. ................................................................ 169 Gráfico 48: Abordagem de temas políticos em reuniões religiosos na percepção dos fiéis, em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade. ..................................................... 171 Gráfico 49: O voto evangélico considerando-se o gênero. .................................................... 173 Gráfico 50: O voto evangélico em relação à faixa etária e ao nível de renda. ...................... 174 Gráfico 51: O voto evangélico em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade. ........... 177 Gráfico 52: Democracia e religião em relação a gênero. ...................................................... 179 Gráfico 53: Democracia e religião em relação à faixa etária e ao nível de renda. ................ 180 Gráfico 54: Democracia e religião em relação à faixa etária e ao nível de escolaridade. ..... 182 LISTA DE MAPAS Figura 1. Mapa Localização cidade São Carlos – SP .................................................................. 102 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Aderência dos fiéis aos ensinamentos religiosos em temas do cotidiano ................ 56 Tabela 2. Opiniões dos fiéis em temas da política .................................................................. 57 Tabela 3. Parlamentares evangélicos: o gráfico circular apresenta o percentual de deputados federais em cada grupo e a parte amarela contém a quantidade de deputados das diferentes igrejas evangélicas: ............................................................................................ 68 Tabela 4. Comunismo e América Latina ................................................................................. 87 Tabela 5. As Famílias e o Pânico moral .................................................................................. 88 Tabela 6. Lula e o PT ............................................................................................................... 89 Tabela 7. Matérias do Segundo Turno das Eleições de 2022. ................................................. 91 Tabela 8. Evangélicos na mídia ............................................................................................... 94 Tabela 9 Eleitores evangélicos ................................................................................................ 96 Tabela 10. Divisão dos partidos políticos por espectro ideológico ....................................... 164 LISTA DE QUADROS QUADRO 1. Divisões das religiões no Brasil ........................................................................ 47 QUADRO 2. Pessoas que se declararam evangélicas nas últimas quatro décadas: porcentagem em relação à população total do País. .................................................................. 47 QUADRO 3. Pentecostais e Neopentecostais com suas subdivisões ....................................... 48 QUADRO 4. Neopentecostais: subdivisões em Igrejas e Comunidades .................................. 48 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS IURD – Igreja Universal do Reino de Deus IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPEA – Instituto Pesquisa e Economia Aplicada PT – Partido dos Trabalhadores MDB – Movimento Democrático Brasileiro PDT – Partido Democrático Trabalhista PTB – Partido Trabalhista Brasileiro PL – Partido Liberal PSC – Partido Social Cristão SUMÁRIO 1.INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 19 2. UM BREVE RETRATO POLÍTICO, SOCIAL E ECONÔMICO DO BRASIL A PARTIR DOS ANOS 2000 ............................................................................................ 26 2.1 Anos 2000: o início de um novo momento ............................................................ 26 2.2 2013 – O marco da ruptura ................................................................................... 32 2.3 A religião no cenário pluralista ....................................................................................... 36 3. EVANGÉLICOS E ELEIÇÕES ................................................................................... 40 3.1 Religião e política: os evangélicos ......................................................................... 40 3.2 O objeto de estudo .................................................................................................. 40 3.3 Os evangélicos ......................................................................................................... 42 3.4 Os neopentecostais ................................................................................................. 48 3.5 A Igreja Universal do Reino de Deus – IURD e o seu viés político .................... 51 3.6 A Teologia da Prosperidade: “dar para receber” ............................................... 61 3.7 Evangélicos no centro do debate político brasileiro: a participação em pleitos Eleitorais ............................................................................................................................ 64 3.8 Os evangélicos e a eleição de Jair Messias Bolsonaro ......................................... 71 4. O SUJEITO POLÍTICO NEOPENTECOSTAL ........................................................ 79 4.1 Edir Macedo e o Plano de Poder: Deus, os cristãos e a política. ........................ 79 4.2 A panfletagem política no interior da igreja ........................................................ 84 4.3 A mídia oficial e a busca do voto evangélico......................................................... 93 5. A ANÁLISE DO PERFIL POLÍTICO DOS FIÉIS DA IURD – SÃO CARLOS -SP . ............................................................................................................................................ 95 5.1 A Amostra .............................................................................................................. 101 5.2 Análise de dados .................................................................................................... 102 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 184 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 190 ANEXOS ............................................................................................................................ 198 ANEXO A– Matéria correio braziliense .. ...................................................................... 199 APÊNDICES.......................................................................................................................208 Apêndice - A - Questionário de pesquisa ........................................................................ 209 Apêndice – B - Quadros de respondentes - por gênero/ escolaridade/ renda/ Faixa etária ............................................................................................................................................. 212 19 1. INTRODUÇÃO O tema religião e política apresenta um espaço progressivamente maior no debate acadêmico das Ciências Sociais nos últimos anos. No Brasil, a religião tem um papel particularmente importante na sociedade. Isso se deve, em parte, à forte presença da religião católica no país. Além disso, o Brasil é um país de grande diversidade religiosa, com a presença de diferentes denominações cristãs, religiões afro-brasileiras, religiões orientais e outras. A religião desempenha um papel fundamental na vida individual e coletiva, fornecendo sistemas de crenças, valores, rituais e práticas, que contribuem para a formação da identidade, da moral e da construção da interação entre seus adeptos e a sociedade. Ao longo do tempo, o Brasil testemunhou uma profunda diversificação religiosa, com a chegada de diferentes denominações religiosas, incluindo o protestantismo, o espiritismo, as religiões afro-brasileiras e outras formas de religiosidade. Essa pluralidade religiosa reflete as complexidades da sociedade brasileira. Diante dessa pluralidade religiosa do Brasil, é cada vez mais evidente o impacto da religião na vida social dos indivíduos. As religiões designam um conjunto de valores e doutrinas que interagem com a vida dos indivíduos, inclusive na dimensão política. Assim, nas últimas décadas, esse impacto ganha destaque pela crescente participação das denominações evangélicas nos processos políticos do país, o que tem sido evidenciado de diversas formas, desde o apoio de líderes religiosos a candidatos e partidos até a articulação de agendas políticas em sintonia com os valores religiosos específicos e, dentre eles, a pauta de costumes. As relações entre religião e política no Brasil constituem um vasto e complexo campo de estudo. O surgimento de movimentos religiosos conservadores e a ascensão de líderes evangélicos ao poder político trouxeram novas dinâmicas para o cenário político brasileiro. Nesse contexto, a compreensão das dinâmicas religiosas e políticas torna-se essencial para desvendar os complexos mecanismos que moldam o cenário sociopolítico brasileiro. A busca em compreender esse universo religioso sedimentou um terreno cognitivo na dinâmica política em relação aos evangélicos, pois a disputa por esse segmento tornou-se algo relevante nos últimos anos, quando se trata da conquista do voto dos fiéis. Ancorada nestas considerações, a pesquisa encontra sua justificativa no contexto de crescente polarização política, iniciada em 2018 e intensificada no debate eleitoral de 2022. Este último foi marcado por uma acirrada disputa entre um candidato progressista de centro- 20 esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, e outro de orientação política de direita, Jair Bolsonaro. Essa polarização conferiu ao segmento evangélico uma posição de destaque no pleito eleitoral. Nesse contexto, as pesquisas de opinião passaram a priorizar a temática da religião e política. Só como exemplo, em 3 de setembro de 2022, o portal de notícias Terra veiculou um estudo realizado pelo Instituto Datafolha que tinha como manchete: “Datafolha: Para 56% dos brasileiros, política e religião devem andar juntas”. E no decorrer da matéria demonstrava que: “Para 60% dos eleitores, valores da família importam mais do que boas propostas para a economia. Mais da metade dos eleitores brasileiros consideram que política e valores religiosos devem andar sempre juntos para que o Brasil possa prosperar”1. Diante desse contexto, nossa pesquisa procurou, por meio da análise dos questionários respondidos, adquirir informações que pudessem enriquecer a compreensão do perfil político dos fiéis da IURD em São Carlos. Esse esforço analítico se insere nesse cenário que tem destacado a intersecção entre religião e política. Assim, o presente trabalho tem como hipótese que amaneira como a mensagem religiosoa é transmitida e interpretada pelos fiéis exerce uma influência significativa nas suas decisões e comportamentos políticos. Diante disso, a tese tem como objetivo analisar a relação entre o perfil dos fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus do município de São Carlos, interior do Estado de São Paulo, e suas inclinações políticas. Para tanto, apresentamos os seguintes objetivos específicos: (I) Identificar o crescente processo de evangelização que permeia a sociedade brasileira; (II) Analisar como o paradoxo religião e política é utilizado nas disputas eleitorais; (III) Identificar o perfil dos fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) de São Carlos - SP. Para tanto, a metodologia utilizada para a realização da pesquisa baseou-se em um estudo de natureza qualitativa e quantitativa, de abordagem descritiva, com pesquisa bibliográfica, análise documental e aplicação de um questionário. Na pesquisa descritiva bibliográfica foram apresentados levantamentos referentes ao histórico dos evangélicos, em especial, os neopentecostais, sua relação com as disputas eleitorais e a sua formação enquanto sujeitos políticos. Além da pesquisa bibliográfica, realizamos uma pesquisa empírica por meio de um questionário aplicado aos fiéis da IURD de São Carlos – SP. A justificativa para a aplicação do questionário para os fiéis é a coleta do maior 1 https://www.terra.com.br/noticias/brasil/datafolha-para-56-dos-brasileiros-politica-e-religiao-devem-andar- juntas,f57af26371f9bc42fad16c1bfdfb9f418ye4nhhk.html acesso em: 23/11/2023. 21 número possível de informações dos respondentes, com o objetivo de analisar como esses participantes decodificam as mensagens políticas passadas de forma direta ou indireta, por meio do processo evangelizador. Para tanto, foram enviados questionários para os fiéis da IURD da cidade de São Carlos - SP, através da plataforma Google Forms. Vale ressaltar que a pesquisa primou pela discrição total dos respondentes. Assim, as respostas chegavam automaticamente, através da utilização do link criado, sem nenhum tipo de identificação dos respondentes. Isso garantiu total liberdade para os respondentes, pois sabiam que os dados enviados não poderiam identificar a sua origem. Os questionários foram fundamentais para se compreender a questão central da pesquisa: o quanto o perfil dos fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) de São Carlos nos diz sobre suas atitudes em relação à política. Todos os respondentes da pequisa pertecem a essa denominação, pois isso foi critério de inclusão e de exclusão das respostas enviadas. Vale ressaltar que a construção dos caminhos para responder à questão central está focada na compreensão de como os fiéis recebem as mensagens oriundas da evangelização e como decodificam essas mensagens e, consequentemente, como as reproduzem no direcionamento de suas escolhas políticas. Assim, a pesquisa empírica permitiu obter suporte e indicativos que respaldem o tema básico de nossa pesquisa, o perfil dos fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus, em São Carlos, em relação às questões políticas. Há muitos evangélicos que não se percebem como sujeitos políticos, apesar de toda a orientação que está no projeto evangelizador que associa religião e política. Assim, torna-se necessário analisar como esse fiel recebe a mensagem passada, ou seja, como a decodifica e quais códigos são de fato relevantes na formação do seu perfil político dentro do processo evangelizador. O trabalho está organizado da seguinte maneira: a introdução, quatro seções e as considerações finais. Na seção 1, foi feito um breve retrato político, social e econômico do Brasil a partir dos anos 2000. Destacamos como os anos 2000 apresentaram um novo momento político para o país. E finalizamos numa análise do ano de 2013, como marco de ruptura desse período. Para tanto, fez-se necessário apontar o panorama político, social e econômico do Brasil nas últimas décadas, em especial a partir da primeira eleição de Lula, em 2003. Esse período foi marcado por uma forte relação entre o governo e os movimentos sociais. A aproximação com os mais variados setores da sociedade inclui, consequentemente, também o setor evangélico. Os anos 2000 foram marcados por um período de forte inclusão social e econômica promovida pelos governos petistas. Nesse momento, há um alinhamento com parte do segmento evangélico e, como resultado, espaço para o seu crescimento, pois as políticas sociais atingiam 22 as camadas menos favorecidas da sociedade brasileira, camada em que se tem um grande número de evangélicos. A partir de 2013, o cenário político e econômico brasileiro torna-se mais conflitivo e complexo e há vários eventos que contribuem para a ruptura de muitos segmentos sociais, antes base de apoio, com o PT. Nesse contexto, os evangélicos, que já eram um grupo numeroso e influente, passam a ocupar um papel de destaque no debate político. Alguns alinham- se com os ideais da direita conservadora na defesa de suas pautas morais e religiosas. Soma- se, a esse fator, a formação de uma subjetividade moldada pelo processo de evangelização pentecostal, com destaque para a Teologia da Prosperidade. A partir dessa teologia, parte dos evangélicos é estimulada a buscar o sucesso individual, rompendo com uma visão coletiva de conquistas sociais. Ademais, passam a assumir como prioridade uma visão moralista da sociedade e da política. Dito isso, vale ressaltar que nosso estudo, ao focalizar os neopentecostais e, em particular, a Universal do Reino de Deus (IURD), delimita um cenário que abrange um grupo mais conservador dos evangélicos, mas sabemos que o panorama evangélico não é homogêneo, havendo, sim, entre seus adeptos, setores progressistas. Em algumas denominações evangélicas, observa-se uma mudança significativa nas abordagens e perspectivas, reflexo de uma dinâmica interna complexa influenciada por fatores socioeconômicos, culturais e teológicos. Freston (2017), em sua análise sobre a relação entre evangélicos e democracia na América Latina, destaca a relevância desse grupo na esfera política e social, incluindo aqueles que adotam uma postura mais progressista. Esses evangélicos procuram articular uma visão de fé mais alinhada com a justiça social, os direitos humanos e a inclusão de minorias, desafiando as narrativas conservadoras predominantes. Na seção 2, nossos objetivos foram destacar como os evangélicos se relacionam com o processo eleitoral. Como se dá, dentro desse contexto, a relação religião, política e os evangélicos. Para essa descrição, destacamos, em um primeiro momento, quem são os evangélicos e, portanto, como se caracterizam os neopentecostais, especialmente os da denominação da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD –, que é o nosso objeto de estudo. Nessa seção analisamos como os evangélicos interiorizam e como replicam as informações recebidas no processo evangelizador, no processo de “formação” política e, consequentemente, como ocorrem as suas tomadas de decisões na esfera política, com o objetivo de se buscar a compreensão da influência da evangelização na formação desses sujeitos políticos. E, assim, compreender como se dá o interesse cada vez maior por parte das igrejas evangélicas neopentecostais no processo político institucional. A investigação desenvolveu-se com a 23 proposta de observar como se dá a ponte entre o que diz respeito às perspectivas de vida dos seus fiéis e a forma como a evangelização direciona a necessidade de conciliar o mundo religioso com sua vida cotidiana, inclusive no que diz respeito às suas escolhas políticas. Na seção 3, discorremos sobre como o perfil político é construído dentro das perspectivas do processo neopentecostal. O ponto importante de observação recai sobre os discursos das denominações neopentecostais. É necessário pontuar que a relação entre religião e política sempre existiu, mas o nosso propósito está em analisar como esse processo discursivo evangelizador neopentecostal corrobora o direcionamento da vertente político partidária, ou seja, como direciona politicamente seus fiéis nas escolhas eleitorais. Ainda nessa seção, apresentou-se uma análise do livro Plano de poder: Deus, os cristãos e a política, escrito pelo bispo Edir Macedo e Carlos Oliveira. A referida obra dá um panorama de como ocorre a construção do discurso evangelizador neopentecostal na construção da subjetividade dos fiéis. Como o nome sugere, o plano de poder se revela pelo projeto de nação que Deus orquestra para pôr em prática por seus escolhidos. O livro desenha, de forma didática, orientações de como os cristãos devem se comportar frente à política, já que toda sua lógica literário-discursiva cria um elo cognitivo das passagens bíblicas com as questões políticas, operacionalizando, de forma sútil, elementos de formação política aos adeptos dessas denominações. A obra é dividida em nove capítulos, que obedecem a uma sequência, propiciando aos cristãos leitores um paralelo entre o “céu e a terra”. Todo o caminho desenhado na elaboração do livro supracitado atende a um projeto de formação de um sujeito político que olhe para a política como um campo de atuação necessário para que os propósitos de Deus sejam colocados em prática. Para encerrar a seção, foi feita uma análise de como se constrói uma teia de propaganda política partidária no interior dos templos. No caso específico de nosso estudo, os templos em São Carlos seguem um padrão estabelecido em todo o território nacional. Isso inclui a presença de propaganda política específica, encontrada nos editoriais dos jornais distribuídos dentro das igrejas, bem como em residências e praças públicas das cidades. No interior dos templos, esses jornais ou panfletos são estrategicamente posicionados na entrada, garantindo fácil acesso aos fiéis. Além disso, é evidente que os livros do líder principal dessa denominação, o bispo Edir Macedo, ocupam um espaço privilegiado para que os fiéis possam adquiri-los. Durante uma de nossas visitas a um dos templos, o pastor fez questão de nos presentear com dois livros de Edir Macedo. Dentro dessa perspectiva organizacional das denominações evangélicas, em especial 24 nas periferias, fomenta-se um poderio de informações panfletárias, com o objetivo de construir narrativas capazes de alimentar subjetivamente os fiéis para a formação de sujeitos políticos alinhados aos seus propósitos eleitorais. Assim, a propaganda política ganha espaço e se constrói com o alinhamento das questões religiosas com a construção de pautas políticas, que legitimam discursos de bases morais ao debate político. O efeito de objetividade e subjetividade está ligado à formação de opiniões, que são caracterizadas pela maneira como as informações chegam aos indivíduos. Destaca-se, também, no final dessa seção, como a pauta evangélica se tornou presente nos noticiários brasileiros. Dessa maneira, descrevemos como o crescimento dos evangélicos se tornou algo presente no cotidiano da mídia brasileira. A relação entre política e religião estampou as manchetes dos principais jornais e canais de notícias do país. No período que antecedeu o pleito eleitoral de 2022, as manchetes com temas relacionados à disputa pelo voto evangélico ou pela notoriedade da força política deste segmento ganhou destaque semanal nesses órgãos de notícias. Assim, as reportagens relacionadas na seção 3 atestam algo que já era perceptível no campo político, a força eleitoral dos evangélicos. Na seção 4, apresentamos os resultados da pesquisa realizada junto aos fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus de São Carlos. O problema de pesquisa focou em identificar o perfil socioeconômico dos fiéis, analisando a relação desse perfil com suas escolhas políticas. A maioria dos fiéis não se veem como atores políticos, mesmo com toda a orientação que ocorre no projeto evangelizador, representado pelo livro: Plano de poder: Deus, os cristãos e a política, escrito pelo bispo Edir Macedo e Carlos Oliveira. Para tanto, foi necessário estabelecer um diálogo com os autores, que tratam da temática da religião no contexto da modernidade, da subjetividade e da construção do sujeito político. Diante disso, reforça-se que o sujeito político é definido como o indivíduo que se posiciona no espaço público e participa da vida política. No decorrer do trabalho, fica nítido que, na formação do perfil político dos fiéis, há uma forte identificação religiosa, ou seja, a religião desempenha um papel importante. Isso ocorre porque a religião fornece aos indivíduos um conjunto de valores e princípios que orientam suas escolhas políticas. A pesquisa de campo da IURD – Igreja neopentecostal – consistiu na aplicação de um questionário aos fiéis, tendo como objetivo analisar de forma quantitativa e qualitativa as respostas dadas. O questionário abordou a formação religiosa dos fiéis; suas crenças, seus valores políticos e suas escolhas eleitorais. Vale ressaltar que, devido à polarização política radicalizada no Brasil desde 2018, houve uma recusa e uma proibição, por parte das lideranças, 25 em permitir que os fiéis respondessem ao questionário. Mesmo assim, dentro da restrição de tempo para a realização deste trabalho, conseguiu-se uma amostra considerável de130 fiéis que responderam ao questionário. Os procedimentos metodológicos para a construção das análises e a avaliação das hipóteses se fundamentaram em uma revisão bibliográfica. Como afirma Berger (1985, p. 122), “a religião tem sido um dos mais eficientes baluartes contra a anomia ao longo da história humana. [...] a religião tem sido uma força de nomização muito poderosa, exatamente porque tem sido uma poderosa, talvez, a mais poderosa, força de alienação. [...] tem sido uma forma de falsa consciência muito importante”. Vale dizer que a nomização se refere à atribuição de sentido à vida humana, diante dos acontecimentos que envolvem o homem na sua vida social. Esta tese pautou-se na figura do fiel com o objetivo de consubstanciá-lo como um objeto de estudo capaz de ajudar a compreender como as igrejas evangélicas se tornaram verdadeiras máquinas eleitorais (Prandi; Santos; Bonato, 2019). O nosso foco é na formação do perfil político dos fiéis dessa denominação. Finalmente, na seção 5, apresentamos as considerações finais do trabalho, em que se faz uma discussão geral sobre o tema desenvolvido e os resultados obtidos, as limitações e sugestões para trabalhos posteriores. 26 2. UM BREVE RETRATO POLÍTICO, SOCIAL E ECONÔMICO DO BRASIL A PARTIR DOS ANOS 2000 A perspectiva conjuntural do Brasil, a partir dos anos 2000, propiciou dar subsídios para compreender a inserção de atores importantes no cenário político brasileiro, em especial, os evangélicos conservadores. Vale ressaltar que nosso foco de pesquisa fundamenta-se na perspectiva do segmento evangélico conservador, já que há, dentro desses segmentos, grupos progressistas que buscam fazer o contra discurso às tendências do discurso político-ideológico conservador que impera nos templos, como mostram Tatagiba et al (2022): Em contraposição ao senso comum, à direita e à esquerda, que trata os evangélicos como grupo homogeneamente conservador[...]. O mundo evangélico é extremamente descentralizado e em constante fluxo, permeado por possibilidades de transformação. A própria falta de unidade denominacional, inerente do protestantismo, o torna um espaço em que a luta contra-hegemônica é uma possibilidade presente. (TATAGIBA; ALMEIDA, LAVALLE; SILVA, 2022, p. 181) A análise passou pelas questões políticas, sociais e econômicas com o objetivo de pontuar marcos importantes para identificar a formação de um sujeito político que se espelha no viés do crescimento do conservadorismo na sociedade brasileira, principalmente a partir de junho de 2013. De acordo com Almeida (2017), o crescimento do conservadorismo se apresenta na insurgência de grupos organizados, que se pautaram favoráveis a uma agenda governamental que se apoia em retrocessos das políticas sociais e na retirada dos direitos adquiridos, garantidos no contexto da Constituição de 1988. Esse sujeito político institui-se numa onda conservadora que se estabelece no princípio da formação de uma sociedade, que flerta com fundamentalistas. Para tanto, foi preciso estabelecer o caminho que sedimentou a trajetória da ocupação dos espaços políticos desses novos agentes, a reverberar as vozes do conservadorismo, mais presente no Brasil. Torna-se, então, primordial fazer um pequeno retrato político, social e econômico do Brasil a partir dos anos 2000. 2.1 Anos 2000: o início de um novo momento Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva do PT (2003-2010), registra-se um momento ímpar de crescimento econômico, desde o início da redemocratização. 27 É inegável que o governo Fernando Henrique Cardoso teve seus méritos, principalmente no que diz respeito à consolidação do controle inflacionário, advindo do Plano Real, elaborado pelo governo do presidente Itamar Franco, do qual Fernando Henrique foi o ministro da Economia, ajudando a criar as bases sólidas da nova moeda e, consequentemente, a política de estabilização inflacionária no país. Contudo, será no governo Lula que se tem um círculo virtuoso de crescimento econômico, que propicia forte mobilidade social entre as classes sociais brasileiras. Lavinas e Gentil (2018) apresentam alguns desses elementos: Entre 2003 e 2014, muitos e incontestáveis sinais alimentavam promessas de dias melhores e também de um futuro que parecia redentor. O rendimento médio do trabalho registrou crescimento real de 3,5% ao ano, muito embora, é fato, as despesas com educação e saúde das famílias brasileiras tenham aumentado, também em termos reais, 7,1% e 8,1% respectivamente, no mesmo período. (LAVINAS; GENTIL, 2018, p. 192) Nos anos de 2003 a 2014 houve um crescimento substancial do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, que propiciou a inserção de vários segmentos sociais no PIB brasileiro, o que ajuda a compreender, dentro do viés da inclusão social, como o debate político vai se construindo no decorrer deste período e, consequentemente, quais transformações são operadas para o enfraquecimento, pós 2014, dos mecanismos de sustentação política, iniciados em 2002, que culminaria com as eleições de 2018. Vejamos: De fato, de 2003 a 2006 o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu em média 3,5% (mais do que o dobro do período de 1998 a 2002) e de 2007 a 2010 cresceu 4,6%. Nos últimos dois anos, seja por efeito do agravamento da crise mundial, seja pelos importantes ajustes realizados nas taxas de juros e no câmbio (cujos efeitos positivos só serão sentidos em longo prazo), esse crescimento foi inicialmente menor (2,7% em 2011 e menos de 1% em 2012), mas com expansão mais acentuada nos dois últimos trimestres de 2012 e perspectivas bem melhores para 2013 e 2014. (MATOSO, 2013 p. 112) De acordo com Silva (2018), os anos 2000 se caracterizam por um período de maior sintonia entre o crescimento do PIB e a distribuição de renda. Atenta-se a um declínio em 2009, devido à crise internacional. Vale dizer que nosso objetivo não é focar as questões econômicas de forma isolada, ou seja, não será centrado em dados econômicos como ponto central de análise, mas sim como um elemento, até então, considerado por vários analistas como fundamental para se analisar o comportamento político da população brasileira. Apesar de continuar sendo fundamental pensar na economia, a pauta dos costumes parece ter ganhado relevância ímpar na política brasileira a partir de 2014, pois, até esse momento, os ganhos econômicos e sociais de grande parte da população brasileira davam suporte eleitoral aos partidos progressistas, em especial ao PT. Carvalho & Rugistsky apud 28 Silva (2018, p. 206) afirma que: [...] o governo Lula (2003-2010) tomou como estratégia a expansão do mercado de consumo de massa através da inclusão de famílias e trabalhadores anteriormente excluídos e o aumento do investimento público. Portanto, já observa-se um direcionamento diferente do período do “milagre econômico” (grifo do autor). O período de 2003-2010 foi de ascensão social e de conquistas importantes dos menos favorecidos, o que fica evidente com o gráfico 1, que destaca a relação entre os ganhos salariais e a diminuição da pobreza mensurada pelo índice de Gini.2 A linha azul correspondente à renda, com seus valores no eixo à esquerda, mostrando que houve um aumento nos salários na primeira década dos anos 2000 e, concomitante a isso, a linha vermelha mostra o índice de Gini, com valores no eixo da direita, mostrando a queda do nível desigualdade nessa primeira década. Gráfico 1: Parcela salarial e o índice de Gini no período de 2003-2010 _____Parcela Salarial na Renda (eixo esquerdo) _____ Gini (eixo direito) Fonte: Silva 2018, p. 207) 2 O Índice de Gini, criado pelo matemático italiano Conrado Gini, é um instrumento para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de zero a um (alguns apresentam de zero a cem). O valor zero representa a situação de igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda. O valor um (ou cem) está no extremo oposto, isto é, uma só pessoa detém toda a riqueza. Na prática, o Índice de Gini costuma comparar os 20% mais pobres com os 20% mais ricos. No Relatório de Desenvolvimento Humano 2004, elaborado pelo Pnud, o Brasil aparece com Índice de 0,591, quase no final da lista de 127 países. Apenas sete nações apresentam maior concentração de renda. WOLFFENBÜTTEL, Andréa. O que é? Índice de Gini. Revista Desafios do Desenvolvimento. IPEA, v. 1, n. 4, 2004. 29 Percebe-se que há um forte crescimento dos salários nesse período, o que pode ser um dos fatores a corroborar para o aumento do grau de aprovação do governo, ponto importante para as futuras análises, para se entender a mudança de direcionamento de grande parte da população, que se mostrará mais atrelada às pautas conservadoras, fazendo com que ganhem forças no cenário político brasileiro. Junta-se a esse processo o rol de políticas sociais implementadas pelo governo com o objetivo de inserir um grupo de pessoas como consumidores em potencial na economia brasileira. De acordo com Neri (2007, p. 71): Em outubro de 2003, o governo adotou o Bolsa-Família, que seguia a mesma linha dos programas sociais de governos anteriores, expandindo o número de beneficiários e o tamanho médio do benefício e diversas melhorias, como promover o aumento dos benefícios aos mais pobres, integrar os diferentes programas, unificando no sistema o registro do beneficiário, e promover maior transparência e credibilidade para a sociedade. Em 2004, a economia brasileira apresentou boas melhoras, com o PIB crescendo a 4,5 % e a pobreza caindo. É importante notar que, apesar da instabilidade no crescimento do PIB no período de 2001-2004, a desigualdade caiu durante todo o período, principalmente entre 2003 e 2004. Segundo Singer (2009, p .99), o governo Lula operou um capital político ao promover a inserção de “uma substância política de promoção do mercado interno voltado aos menos favorecidos”. Mas isso não foi suficiente para a autonomia político-ideológica do segmento evangélico. De acordo com Burnatelli de Antonio (2015), não foi condição sine qua non para que esse segmento pudesse criar uma consciência autônoma em relação aos posicionamentos políticos e ideológicos. Tem-se que: A ausência de autonomia política e de claros posicionamentos ideológicos leva a que essa parcela significativa da população brasileira encontre-se às voltas com um passado recente de plena destituição material e simbólica e um futuro que, embora alentado pela melhoria nas condições econômico-salariais, não a projeta solidamente como sujeito político internalizado, capaz de arrogar para si o papel de contribuir com as funções de autogoverno e representação de que tanto depende uma república democrática para reproduzir-se e atualizar-se ao longo do tempo. Isto quer dizer que, no limite, a ausência das precondições sociais, morais e culturais acima aludidas cria entraves à substantivação dessa nova classe enquanto componente fundamental do patrimônio democrático do país, uma vez que parte de sua condição estrutural de exclusão, qual seja, aquela relativa à inexistência de um repertório simbólico indutor de uma vida gregária, associativa e autodeterminada, permanece praticamente inalterada. (BURNATELLI DE ANTONIO, 2015, pp. 114-15) Esses aspectos postos evidenciam condicionantes importantes para a análise posteriori de volatilidade desse segmento religioso, no que se refere a se tornarem as vozes do conservadorismo político religioso da segunda década dos anos 2000. Concomitantemente a esse novo momento, está o crescente discurso meritocrático, 30 que transfere para os indivíduos a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso dos seus projetos de vida por estes executados ou não. Burnatelli de Antonio (2015, p. 115) afirma que: [...] os valores e o ímpeto organizativo destes setores estão subordinados ao protagonismo ideológico desse novo capitalismo, o qual interpela os indivíduos a se desligarem de concepções holísticas e estruturais de sociedade para compreenderem- se como mônadas cujo sucesso ou fracasso resultam do nível de desenvolvimento de qualidades e atributos intrinsecamente pessoais, aplicáveis a projetos/empreendimentos quase sempre circunscritos a curtos intervalos de tempo, seguindo os ditames impostos pelo comportamento volátil dos mercados. Esse novo capitalismo, que tem no neoliberalismo seu arcabouço teórico de definições de princípios de economia política, com vistas a cooptar ideologicamente a população para o princípio de que: “o valor da dignidade humana é substituído pelo valor econômico da existência humana”. (ANDRADE; CÔRTES; ALMEIDA, 2021, p. 2) A estratégia se dá pela concorrência acirrada em todos os segmentos e pelas ameaças do desemprego crescente de um mercado de trabalho precarizado. Assim, segundo Andrade, Côrtes e Almeida (2021), o sujeito se sente obrigado a se insurgir na lógica da luta individual, ou seja, a se tornar empreendedor de si mesmo, o que se formaliza em práticas da individualização progressivamente mais crescente na sociedade. O neoliberalismo chegou, com força no Brasil, com o processo de redemocratização. O primeiro governo eleito por voto direto nesse período, Fernando Collor de Melo, apresentava um forte apego às políticas neoliberais. Mas foi nos períodos do governo Fernando Henrique Cardoso que esse modelo econômico ganha notoriedade no país, marcado pelo debate da desestatização da economia brasileira. Os governos do PT, principalmente na era Lula, conseguem frear o ímpeto neoliberal, o que não implica afirmar que o neoliberalismo foi banido, mas sim que houve um mecanismo de maior inclusão da população pobre, com a possibilidade de crédito e de políticas sociais voltadas aos grupos em situação de vulnerabilidade social, pois o governo optou por uma inclusão financeira focada no indivíduo que, de acordo com Machado e Scalco (2018, pp. 3 - 4), implica num forte mecanismo de resistência à crise econômica que assolava o mundo em 2008: A inclusão financeira, especialmente via consumo, tornou-se um emblema nacional na era Lula. As pessoas de grupos de baixa renda desfrutaram pela primeira vez de várias oportunidades, incluindo ofertas de cartões de crédito, a possibilidade de comprar produtos manufaturados e/ ou eletrônicos em várias parcelas e o acesso ao sistema bancário de crédito. [...] Brasil não apenas resistiu à crise econômica internacional de 2008, mas também atingiu seu pico de crescimento econômico (7,5%) em 2010, reduzindo os impostos para produtos manufaturados e incentivando o consumo interno. O Brasil deixou a condição de “país do futuro” e acessou o 31 privilegiado status de um país emergente no sistema internacional. (MACHADO e SCALCO 2018, pp. 3 - 4). Assim, os dois ciclos do governo Lula chegam ao fim com êxito, no que diz respeito à inclusão econômica de grande parte da população brasileira. Em resumo Singer (2012, p. 8) apresenta que: Em dezembro de 2010 os juros tinham caído para 10,75% ao ano, com taxa real de 4,5%. O superávit primário fora reduzido para 2,8% do pib e, “descontando efeitos contábeis”, para 1,2%. O salário mínimo, aumentado em 6% acima da inflação naquele ano, totalizava 50% de acréscimo, além dos reajustes inflacionários, entre 2003 e 2010. Cerca de 12 milhões de famílias de baixíssima renda recebiam um auxílio entre 22 e duzentos reais por mês do Programa Bolsa Família (pbf). O crédito havia se expandido de 25% para 45% do Pib, permitindo o aumento do padrão de consumo dos estratos menos favorecidos, em particular mediante o crédito consignado. As consequências dessas medidas, voltadas para reduzir a pobreza, ativando o mercado interno, foram igualmente lógicas. O crescimento do Pib, em 2010, pulou para 7,5%. O desemprego, em dezembro, havia caído para 5,3%, taxa considerada pelos economistas próxima ao pleno emprego. O índice de Gini, que mede a desigualdade de renda, foi de 0,5886 em 2002 para 0,5304 em 2010. Entrevistada em novembro de 2010, a economista de origem portuguesa Maria da Conceição Tavares afirmava: “Eu estou lutando pela igualdade desde que aqui cheguei [1954]. E só agora é que eu acho que estamos no rumo certo”. Um ano antes, Conceição assinalava que o governo Lula estava “tocando três coisas importantes: crescimento, distribuição de renda e incorporação social” (grifo do autor). (SINGER 2012, p. 8) As marcas deixadas pelo governo Lula o credenciaram a ajudar na eleição de sua sucessora no pleito de 2010, a presidenta Dilma Rousseff. Inicia-se um período mais turbulento e de rupturas dos apoios populares aos governos petistas. O primeiro mandato da então presidenta Dilma Rousseff segue a mesma linha do seu antecessor, e dessa forma, o PIB cresce em média 2,1% (CORSI, 2016). Ainda segundo Corsi: “O crescimento foi puxado, sobretudo, pelo aumento do consumo das famílias, que cresceu 3,1% ao ano, o que se deveu a uma série de fatores, quais sejam: aumento do emprego e da renda, ampliação do crédito e a manutenção de programas sociais, como o bolsa família. ” (CORSI, 2016, p. 2). Crescimento este que deu ao primeiro mandato uma sensação de certa estabilidade, visto que não afetou de forma considerável a população brasileira. O segundo mandato se inicia num cenário desfavorável tanto no âmbito nacional, quanto no internacional. Este cenário começou a se desenhar já em 2011, pois de acordo com Corsi (2016), há um forte processo de desaceleração da economia brasileira, sendo várias as causas da política econômica do governo Dilma Rousseff. Vejamos: A inflação permaneceu colada ao teto da meta, mas não estava fora de controle. As causas do fracasso dessa política são múltiplas e não se devem necessariamente as razões apontadas pelos neoliberais. Cabe destacar os seguintes pontos: 1- cenário internacional adverso; 2- efeitos defasados das medidas restritivas adotadas no 32 primeiro semestre de 2011; 3- deterioração das expectativas dos empresários; 4- dificuldade de o Estado deslanchar os investimentos no setor de infraestrutura para enfrentar os pontos de estrangulamento da economia; 5- juros altos; 6- câmbio apreciado; 7- crescimento lento da produtividade do trabalho e 8- baixo nível de investimento. (CORSI, 2016, p. 8) Todos os aspectos elencados acima, nos mostram que o governo Dilma deu margens a sua queda de popularidade e, consequentemente, abriu caminhos paras as vozes opositoras, que se insinuavam nos movimentos de ruas de junho de 2013. Corsi (2016, p. 12), mostra como se deu os reflexos de sua política econômica no campo das disputas políticas; [..] o governo Dilma ao optar pela política ortodoxa se afastou de grande parte dos setores populares. Ao mesmo tempo, sua base de sustentação no Congresso desmoronou. O governo enfrenta acirrada oposição da esmagadora maioria da classe dominante e das classes médias. Independentemente de Dilma permanecer à frente do governo, a saída da crise que se desenha parece tender para a direita, em consonância com o encaminhamento da crise estrutural do capitalismo global, que até o momento tem sido conservador. (CORSI, 2016, p. 12) Vale ressaltar que este trabalho não tem como objetivo fazer uma análise das questões econômicas dos governos petistas, mas sim, atestar que a deterioração do cenário econômico, principalmente, no segundo mandato presidencial de Dilma Rousseff, se tonou eixo central para o crescimento de setores opositores, da sociedade civil, ao seu governo. O momento emblemático se dará com as manifestações de 2013. 2.2 2013 – O marco da ruptura O que se projeta, no cenário político brasileiro para 2016, o impeachment da presidente Dilma, ganha sustentabilidade a partir das manifestações de rua que se iniciaram em 2013, especialmente em junho desse ano, trazendo à tona uma série de situações, que indicam fragilidades do governo, em consequência de condições de políticas econômicas conturbadas. De acordo com Rolnik (2013, p. 9): “As manifestações de junho podem ser entendidas como um terremoto, que fez emergir uma série de agendas mal resolvidas, contradições e, porque não, paradoxos”. Vários são os autores que buscam compreender, de forma teórica, as movimentações sociais deste período. Para atender aos objetivos deste trabalho, nos apoiaremos nas análises de André Singer. Assim, Singer (2013, p. 27) apresenta que: “a partir de dados empíricos reunidos, sintetizou a leitura sobre os acontecimentos sob dois eixos principais: as classes sociais participantes e suas variantes ideológicas”. Com a questão ideológica percebe-se que poderá 33 haver um ponto de inflexão, que dará sustentação a ruptura dos grupos evangélicos com o PT. Vale dizer que, nossa perspectiva está nos caminhos que levaram ao desgaste desta relação e como os segmentos evangélicos construíram um discurso que, subjetivamente, foi incorporado pelos seus fiéis. O que corrobora com esta busca foi a aplicação de um questionário a um segmento neopentecostal, com o objetivo de identificar como esta construção subjetiva foi construída e quais elementos se tornaram preponderantes para o seu direcionamento eleitoral, pós 2014. Na lógica de Singer (2012), houve uma migração da base de apoio do PT, que se estruturava nas classes médias urbanas, com um nível elevado de escolaridade, para um grupo que se via excluído do processo político e social brasileiro, que ele denomina de ‘subproletariado’, cuja definição é: Aqueles que oferecem a sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais. [...] empregados domésticos, assalariados de pequenos produtores diretos e trabalhadores destituídos das condições mínimas de participação na luta de classes. ” (SINGER, 2012 pp. 22-89) A compreensão deste movimento na base de apoio do PT nos leva a refletir sobre a nossa hipótese central, que tem como ponto importante analisar se o processo de formação do sujeito político decorrente do processo de evangelização apresenta questões oriundas de aspectos sócio-políticos com o objetivo de propiciar a emancipação do sujeito, ou se foca a evangelização num processo de criar sujeitos reprodutores de um projeto político apropriado pelas lideranças da igreja. Assim, torna-se necessário analisar como este fiel recebe a mensagem passada, ou seja, como a decodifica, e quais códigos são de fato relevantes na sua formação de sujeito político, neste processo evangelizador. É necessário analisar como as questões socioeconômicas são mensuradas, por estes fiéis, na sua tomada de decisões, no que se referem as suas escolhas políticas. Cabe entender como se dá a estrutura socioeconômica dos fiéis, e como os aspectos econômicos e ideológicos permearam a subjetividade da formação deste grupo. De acordo com Burnatelli de Antonio (2015, p. 116): A religião se torna, doravante, uma das formas precípuas através da qual esta ideologia é incorporada, pelas classes subalternas, sob o formato de organização. No caso em tela, o movimento religioso que entroniza os pressupostos individualistas supracitados chama-se pentecostalismo, sobretudo em sua vertente conhecida como neopentecostal. 34 O que se tratará adiante intitula-se Teologia da Prosperidade. Este ponto é fundamental, pois a premissa estará num contexto em que o processo de ruptura de grande parte da sociedade com os governos progressistas se ancora no perfil, e na forma como o segmento evangélico, e em especial, o neopentecostal se configurou; tanto no quesito econômico, quanto no social e político. As manifestações de 2013, dessa forma, ajudaram a fomentar um espaço de ocupação política do segmento evangélico. Seu legado está em cooptar uma camada social que anseia por respostas mais pontuais e de caráter individualista para a solução dos seus problemas. De acordo, Goulart; Frias (2021), o que possibilitou este movimento foi a penetrabilidade da lógica neoliberal nas periferias das grandes cidades, que fortalece relações de auto independência em relação aos governos, ou seja, cria-se uma subjetividade em que a matriz transformadora da vida dos indivíduos está na sua capacidade de superar as dificuldades impostas pela inoperância dos governos. Não sem razão, empreendedorismo é a palavra de ordem, que trará independência e empoderamento aos indivíduos. Nas palavras de Gago (2018, p.19) significa que se estabelece o: “neoliberalismo de baixo para cima, ou seja, um conjunto de condições que se concretizam para além da vontade de um governo [...], mas que se transformam diante das condições sobre as quais opera uma rede de práticas e saberes que assume o cálculo como matriz subjetiva primordial [...]”. Pauta que foi apropriada pela direita como um mote de respostas à crescente crise política e econômica pela qual passava o país desde 2013, o que gera potencialização para a ruptura e, consequentemente, para a ocupação de novas pautas no debate político brasileiro, que se organizam em torno das questões morais. Almeida (2017, p. 23) afirma que: A crise política pela qual passa o país, pelo menos desde as manifestações de junho de 2013, ocorre tanto no plano do sistema político como também desceu para as relações interpessoais da parcela da população mais mobilizada por tal crise. Na conjuntura atual, muitos brasileiros – pelo menos entre aqueles que acompanham com maior atenção à política nacional – têm experienciado, por um tempo prolongado, cisões entre opiniões e posições políticas e morais que têm tensionado alguns laços de amizade, de trabalho e familiares. Inicia-se aqui um caminho, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que levaria à eleição de Jair Messias Bolsonaro, como presidente do Brasil, em 2018. Acontecimento que determina o término da era progressista para a entrada em um período conservador de intolerância social, fortemente perceptível, na sociedade brasileira. Neste aspecto o segmento evangélico conservador apresenta um papel de destaque no direcionamento e suporte desse novo momento político brasileiro. Aqui, o diálogo se estabeleceu no entendimento da formação do sujeito político através do processo de 35 evangelização neopentecostal, como forma de inserir no debate político nacional aspectos socioeconômicos e culturais dos integrantes desse segmento, com o objetivo de identificar como suas escolhas de cunho político se moldam subjetivamente. De acordo com Berger (2019, p. 113), “o discurso secular está sempre copresente com o discurso religioso. Os dois discursos criam pressões entre si”. Fé e razão não seguem, dentro deste contexto, caminhos marcadamente opostos, pois a conjuntura sempre é apresentada por um elemento de dúvida. O que corrobora com essa questão são as forças das ideologias dominantes, pois estas se destacam na formação das opiniões dos indivíduos, já que propiciam uma ideia de pertencimento. Segundo Althusser (1998), as questões ideológicas têm, por princípios, que dar aos indivíduos potencial de sujeitos: “(...) a categoria de sujeito é constitutiva de toda a ideologia, mas, ao mesmo tempo, e imediatamente, - acrescentamos que a categoria de sujeito não é constitutiva de toda a ideologia, uma vez que toda a ideologia tem por função (é o que a define) ‘constituir” indivíduos concretos em sujeitos. É nesse jogo de dupla constituição que se localiza o funcionamento de toda ideologia, não sendo a ideologia mais do que o seu funcionamento nas formas materiais de existência deste mesmo funcionamento”. (ALTHUSSER, 1998, p. 93 – 94) Nesse aspecto, a religiosidade ganha um grau de importância sui generis, pois projeta no ideário dos sujeitos a luta do bem contra o mal. Ou seja, estabelece a conexão entre a espiritualidade e a vida social. Pode-se, a partir deste pressuposto, propor um diálogo com Burnatelli de Antonio (2015) quando afirma que: [...] ao longo das últimas décadas, foi se constituindo, no Brasil, uma identidade cultural entre os menos favorecidos cuja interface com o mundo secular se opera num registro moral, eminentemente religioso, orientado pragmaticamente para o êxito individual no mundo econômico e sustentado através de afinidades eletivas entre o comportamento ávido e apetitivo de uma classe social emergente, e a disposição moral rígida no que diz respeito à forma excessivamente ritual e mística de lidar com alteridades sociais e contextos adversos e/ou desconhecidos, vistos em conjunto como ameaças à integridade ética da sociedade e de suas instituições centrais, entre as quais o mercado e a política. (BURNATELLI DE ANTONIO p. 120) Além desses aspectos, pode-se destacar a iminência de um projeto de poder por parte das instituições neopentecostais, em destaque a IURD, na figura de seu líder supremo, Edir Macedo. Assim, a pesquisa de campo e a escolha do local da pesquisa ajudam a dimensionar a estratégia de ação da evangelização, que pode ir além do processo epistemológico de fundamentação ético religiosa como princípio lógico de sua atuação. Aqui, se aproxima do que defende Lacerda (2019, p. 59): 36 [...] existe um movimento político que contempla: a) defesa de valores morais e religiosos e da família tradicional em reação ao feminismo e ao movimento LGBT; b) o punitivismo; c) o militarismo anticomunista; d) a defesa de Israel; e) o neoliberalismo. Tudo isso deve ser informado pela atuação política de algo equivalente à direita cristã. Esse movimento se torna mais evidente no cotidiano político brasileiro. Cenário que se mostrou persistente após o resultado do segundo turno das eleições presidenciais de 2022, com a vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva, para o seu terceiro mandato como presidente do Brasil. Vale destacar que este trabalho se limitou a fazer um percurso cronológico até o ano de 2018, ou seja, momento da eleição de Jair Messias Bolsonaro, candidato considerado de extrema direita e que chega ao poder com um enorme apoio dos evangélicos do país, como mostraremos a seguir. Outrossim, interessa-nos como os evangélicos formam sua subjetividade política e, a partir dela, optam na sua maioria por Bolsonaro, sendo que, até a eleição presidencial de 2014, esses vieses de ruptura com os governos progressistas do Partido dos Trabalhadores não eram perceptíveis, pelo menos de forma acentuada. A grande questão está em mostrar se há ou não um discurso homogêneo e, portanto, institucional, por isso, não só em relação a pautas de costumes, mas também a pautas políticas, no processo evangelizador da Igreja, objeto desta pesquisa. 2.3 A religião no cenário pluralista Os pressupostos centrais na construção do objeto da pesquisa levaram a compreender mais sobre o pluralismo religioso presente na modernidade. Lembramos Peter Berger (2017), no que diz respeito ao pluralismo, pois, de acordo com o autor, essa tendência se fundamenta em uma situação histórica e social a demonstrar que “pessoas de diferentes etnias, cosmovisões e moralidades vivem juntas pacificamente e interagem amigavelmente” (BERGER, 2017, p. 20), o que facilita o sincretismo religioso. Esse ponto nos ajuda a demarcar os caminhos para compreender como as religiões se tornaram tão presentes na vida das pessoas no mundo contemporâneo. O pluralismo apresentado por Berger (2017) se consolida, no que diz respeito à religião, em um processo de transformação ocorrido com a modernidade, que levou à adaptação das religiões ao multiculturalismo mais presente no mundo. Apesar de o pluralismo religioso ser o ponto central da percepção do papel da religião no mundo contemporâneo e ser o requisito para o desenvolvimento do raciocínio lógico desta pesquisa, isto não implica que 37 podemos descartar de forma definitiva o discurso secular. Assim, coexistem o discurso secular e o discurso de diferentes religiões. Ou seja, há uma adaptação da religião à pluralidade de discursos, das visões de mundo e do novo ordenamento das esferas institucionais. De acordo com Peters (2019, p. 299): A coexistência de variadas visões de mundo e orientações de vida só pode ser descrita como “amigável”, segundo Berger, quando tais visões e orientações estabelecem um diálogo duradouro sobre uma multiplicidade de temas. Tal conversação sociocultural distinguiria condições históricas genuinamente pluralistas dos cenários em que a coexistência entre diferentes se reduz essencialmente à dominação (p.ex., na relação de colonos europeus com escravizados africanos) ou a um intercâmbio puramente exterior (p.ex., na transação comercial entre membros de comunidades que, quanto a quaisquer outros propósitos, permanecem segregadas entre si). [...] Esse argumento ajudou na elaboração da nossa análise do mundo contemporâneo, frente às mais variadas denominações religiosas e sua coexistência na sociedade. E, consequentemente, como sua relação com a política se consolida dentro do debate do Estado laico. Berger aponta que “o pluralismo enfraquece a certeza religiosa e abre uma plenitude de escolhas cognitivas e normativas. Em grande parte do mundo, contudo, muitas destas escolhas são religiosas”. (2019, p. 52). Os mecanismos religiosos mundiais e a forma como engendram suas influências nas escolhas dos indivíduos evidenciam que no mundo contemporâneo se instalou um pluralismo religioso global (BERGER, 2019), ou seja, há uma percepção clara do papel das religiões em todas as partes do mundo, o que leva às interpretações de como isso se opera na vida dos indivíduos e do Estado. Dentro do aspecto religioso, a vertente do pluralismo opera uma mudança significativa na vida dos indivíduos, pois faz uma alternância da visão de destino para a opção de escolha. Colocando o indivíduo em uma linha tênue que aproxima os extremos, ou seja, escolher pode levá-lo a um processo de liberdade como também acorrentá-lo em um método de alienação. Assim, ao mesmo tempo em que as escolhas são individuais há os processos coletivos, que precisam ser diferenciados. De acordo com Berger (2019, p. 104-105): [...]dois grandes efeitos do pluralismo caminham juntos – a fé enquanto baseada mais na escolha individual do que no destino ou no acaso do nascimento, e a fé enquanto institucionalizada na forma da associação voluntária. Ambas têm uma profunda afinidade com a modernidade, afinidade que enfraquece o dado-como-certo de todas as instituições, não somente as religiosas. Na verdade, uma descrição concisa da modernização é que ela constitui uma enorme mudança do destino para a escolha na condição humana. Esses argumentos ajudam a compreender o crescente número de instituições 38 religiosas que surgem com a modernidade e, de fato, como o pluralismo cria a possibilidade da convivência tolerante entre elas, o que interfere também na relação com outras instituições na sociedade e, dentre elas, o Estado. Observa-se que na citação é apontado o enfraquecimento do ponto no qual a religião se apoiava, “o dado-como-certo”; contrariamente, quer se afirmar que o pluralismo quebra a objetividade da religião e a encaminha para um processo de subjetivação. Com isso, conclui-se que, pela visão do pluralismo, o discurso secular faz-se presente, ou seja, encontra-se na sociedade uma coexistência entre o discurso secular e o discurso religioso. Isso não cria nos indivíduos um processo contraditório, mas se evidencia a atenção que é dada à realidade da pluralidade de visões sobre o mundo (BERGER, 2019). A visão do pluralismo nos ajudará na construção das interpretações dos sujeitos políticos dentro do processo evangelizador neopentecostal, pois nos guiará para uma reflexão sobre a realidade que perpassa o discurso religioso e o não religioso, dentro de um processo de escolhas, como foi dito acima. Berger diz que: [...] o mundo contemporâneo está cheio de religião, mas há também um discurso secular muito importante, que levou a que a religião fosse substituída por maneiras de lidar com o mundo etsi Deus non daretur3. O indivíduo moderno pode desenvolver, e em muitos casos realmente desenvolveu, a capacidade de administrar tanto as definições religiosas quanto as definições seculares da realidade, dependendo de qual é diretamente relevante para o assunto em questão. (BERGER, 2017, p. 118) A grande questão está em encontrar como as relevâncias podem ser institucionalizadas pela religião. Ou seja, identificar se há ou não um discurso homogêneo no processo evangelizador quando a pauta é direcionada ao campo da política institucional. De acordo com Berger (2017, pp. 44-45): Em uma sociedade pluralista, o Estado é obrigado a definir seu relacionamento com a religiosidade como tal, bem como a regular as relações entre as diferentes religiões que vigem no seu interior. [...] o pluralismo trilha uma via média entre as posições extremas do fundamentalismo e do relativismo. Quando encontra resistências, as quais podem advir inclusive (mas não só) de fundamentalismos rivais, o projeto fundamentalista ameaça mergulhar a sociedade em um estado de conflito permanente. O “sucesso” do projeto fundamentalista, por outro lado, aniquila o pluralismo somente pelo recurso à “coerção totalitária [...]. 3 A expressão do latim significa fazer referência a lidar com o mundo como se Deus não fosse dado. Foi cunhada pelo jurista holandês do século XVII Hugo Grotius. Seu objetivo era fortalecer um discurso fortemente secular. Berger (2019). 39 A citação acima leva diretamente ao foco desta pesquisa, pois dá pistas de como a relação Estado/religião tende a ser construída numa sociedade pluralista. A próxima seção tem o propósito de investigar se os processos políticos estão sendo elaborados dentro desses princípios e se há a tendência a um fundamentalismo na formação do sujeito político neopentecostal, ou se há a perspectiva de um relativismo que tendo como objetivo se apropriar do Estado. 40 3. EVANGÉLICOS E ELEIÇÕES 3.1 Religião e política: os evangélicos 3.2 O objeto de estudo Estudos sobre o impacto da religião na vida social dos indivíduos não é algo novo nas Ciências Sociais, contudo, nas últimas décadas o tema ganhou maior destaque em virtude do crescimento das denominações evangélicas e da sua participação paulatinamente mais efetiva nos processos políticos dos vários países. No caso brasileiro, esse fato fez-se presente desde o processo da Assembleia Constituinte, em 1986, que deu início à participação desse segmento nos pleitos eleitorais. O reflexo dessa maior participação mostra que, nos últimos 20 anos, os evangélicos duplicaram sua representação no Congresso Nacional, “representando 13,64% dos 513 deputados que compõem a Câmara, o que demonstra que o avanço desse segmento não é só expressivo nos planos religiosos e geográficos, mas se estende pelos campos da cultura e da política” (CUNHA, 2017, p. 4). Esses dados e as observações empíricas cotidianas provocaram um olhar para a relação religião e política como um dueto importante no cenário político nacional a impulsionando reflexões sobre o assunto. Consequentemente, propiciou o desenvolvimento desta pesquisa, cujo objetivo é analisar o fortalecimento das intersecções que operam a dinâmica da ocupação dos evangélicos, em especial os neopentecostais, no cenário político brasileiro, ou seja, mapear com se dá esse crescente ativismo político do segmento evangélico. A referência para analisar o presente objetivo se consitui em identificar o perfil dos fíeis e, a partir daí, observar como se dão suas escolhas políticas. O diálogo proposto centra suas forças analíticas na compreensão de como os processos evangelizadores dessa denominação atuam na construção da subjetividade do fiel, ou seja, atuam na construção de valores, de percepções e concepções do mundo, e como elas podem direcionar, ou não, a sua formação política. A busca de pessoas desse grupo, que quer participar ativamente da vida política institucional do país, direciona os olhares para o comportamento dos fiéis e, a partir desse ponto, tenta compreender como ele reage ao processo de (in)formação política, que é reverberado nos templos, no processo de evangelização, ainda que em um primeiro momento isso ocorra de maneira sutil, com o objetivo de uma construção lenta e gradual de uma subjetividade a ser posta à prova nos embates eleitorais a partir de 2018. 41 Apesar da importância de se analisarem lideranças religiosas e suas opções políticas, optou-se, neste trabalho, pelo objetivo de se entenderem as escolhas políticas dos fiéis e a sua percepção do mundo da política e, dessa maneira, identificar se são, direta ou indiretamente, influenciados pelo processo evangelizador. Ou seja, o ponto de referência está em analisar como a percepção política desses fiéis conecta-se com o que é vivenciado e aprendido nos templos evangélicos. Alguns trabalhos que relacionam religião e política são referências na nossa pesquisa, a saber: BAPTISTA, S. DE T. C. (2007). MARIANO, R.; PIERUCCI, A. F. DE O. O (1992). PIERUCCI, A. F. DE O. LACERDA. F. (2017). CUNHA, V. C. (2017). NICOLAU, JAIRO. (2020). MACHADO; BURITY, M. D. C., J. (2014). PIERUCCI, A. F. (2013). PRANDI; SANTOS; BONATO, (2109). Esses autores centram suas análises no processo da religião focado nas suas lideranças e na maneira como seus líderes atuam na busca dos votos para a efetivação representativa desse segmento nas instituições políticas brasileiras. Essas perspectivas de análise não buscam de forma direta dialogar com os fiéis, no sentido de perceber como esses reagem à institucionalização das igrejas como braços organizados de propaganda político partidária. Prandi, Santos e Bonato (2019) observam que as igrejas evangélicas se apresentam como máquinas eleitorais, pois funcionam como verdadeiros comitês políticos. Dialogando com esses trabalhos, o objetivo da tese é analisar como os fiéis canalizam isso e como replicam a ‘formação’ política nas suas escolhas, focando na influência da evangelização na formação do sujeito político. E, assim, compreender o interesse cada vez maior, por parte das igrejas evangélicas neopentecostais, no processo político institucional. A presente pesquisa busca analisar a interconexão entre as perspectivas de vida dos fiéis e a metodologia evangelizadora, investigando como a evangelização direciona a necessidade de conciliar a fé com a vida cotidiana, inclusive no âmbito das decisões políticas. Ponte esta que fez o pesquisador enveredar pelo debate acerca dos simbolismos utilizados pelas denominações neopentecostais na ocupação e expansão nas periferias das grandes cidades. Conforme Côrtes (2021), No Brasil, a racionalidade neoliberal, quando chega, encontra – ao mesmo tempo que produz – uma configuração social previamente estabelecida. Ao se conjugar com essa última, a governamentalidade neoliberal incita a co-fabricação de estranhas combinações, que agora estamos em condições de delinear sua inusitada arquitetura. Mundo do crime, organizações milicianas e movimento pentecostais compõem esse caleidoscópio multifacetado. [...] O movimento pentecostal se expandia nas periferias das cidades, em múltiplas configurações: 1) megatemplos neopentecostais, próximos a pontos de ônibus, em largas avenidas, com intensa circulação de pedestres, em busca 42 de uma população flutuante (Almeida, 2009); 2) denominações consolidadas que se inseriam nas redes de vizinhança compondo congregações estáveis de fieis; 3) e igrejas que pareciam nascer do dia para noite, resultados de dissidências imprevistas e empreitadas privadas de pastores autônomos, que alugavam uma sala comercial onde antes havia sido um boteco, uma padaria ou um salão de cabelereiros, e criavam um novo nome para seu estabelecimento religioso, na pretensão de que seus cultos, mais do que os dos concorrentes, encontravam-se encharcados da unção de Espírito Santo.(CÔRTES, 2021, p. 3) Adiante será mostrado como o crescimento dos estabelecimentos evangélicos aumentou significativamente nos últimos vinte anos, oriundo de uma nova realidade socioeconômica, que fundamenta seu discurso na luta do bem contra o mal e no “cada-um- por-si-Deus-por-todos”, rompendo com o período no qual as conquistas advindas das políticas sociais eram o marco da melhora significativa da vida da maioria dos brasileiros. Este novo tempo se notabiliza pelo discurso de que os propósitos de vida dos homens devem estar apoiados na prosperidade material, ou seja, que a melhoria de vida está diretamente ancorada em ser um escolhido de Deus e, dessa maneira, os dizeres “os humilhados serão exaltados” ganham forte dimensão. Vejamos a seguir. 3.3 Os evangélicos O termo evangélico é utilizado no Brasil para caracterizar as denominações protestantes e propicia a categorização, de acordo com os autores, em dois segmentos: protestantes históricos e pentecostais. De acordo com (GONÇALVES & PEDRA, 2017 p. 72): “Os pentecostais surgiram nos Estados Unidos nos primórdios do século XX e tiveram como referência religiosa o metodismo wesleyano e o movimento holiness, que, entre outros aspectos, enfatiza a santificação do Espírito Santo, o falar em línguas e os estados de êxtase”. Para os fins deste trabalho, a intenção não é fazer uma análise cronológica do protestantismo, mas sim a diferenciação do segmento evangélico no Brasil e, para isso, temos em Freston (1993) e Mariano (2012) os referenciais que caracterizam como o pentecostalismo se divide em três ondas no Brasil: o de primeira onda, denominado clássico, das primeiras décadas do século XX; o deuteropentecostalismo, de 1950 e 1960 e o neopentecostalismo, do final dos anos de 1970 até os dias de hoje. Seguindo a lógica da nossa investigação, cabe fazer um recorte a fim de apresentar a terceira onda, o neopentecostalismo. A divisão do estudo procura seguir um roteiro que 43 concatene as partes para que o todo possa apresentar um conjunto de elementos que ajude a pensar como o dueto religião e política criou uma forte intersecção nos dias atuais. Nesta primeira parte, far-se-á uma contextualização entre religião e política com o objetivo de introduzir as vertentes principais do crescente protagonismo do segmento religioso no cenário político brasileiro. Após as explanações dos tópicos citados faremos uma análise do ponto central deste capítulo: os evangélicos e as eleições no Brasil, com ênfase ao pleito eleitoral de 2018, que apresenta de forma marcante a disputa do voto deste segmento do eleitorado brasileiro. De acordo com Lacerda (2017, p. 19): O apoio e participação de igrejas evangélicas pentecostais nas eleições das últimas décadas tem sido alvo de críticas por parte da mídia e da academia. [...] A literatura acadêmica que se debruçou sobre a relação entre evangélicos e política na América Latina questionou a adequação da mobilização política evangélica a um sistema democrático. A partir de uma leitura das teorias da modernização, e, particular, de um de seus principais componentes, a secularização, a expansão das igrejas evangélicas e sua incursão na política eleitoral e partidária seriam vistas com reservas. A relação entre candidatos e eleitores seria, com frequência, caracterizada como deletéria para o sistema político. A ascensão dos evangélicos poderia representar uma ameaça ao Estado laico. (LACERDA, 2017, p.19, grifos no original). A afirmação acima evidencia o momento em que o debate acerca da participação deste segmento não mensurava um forte ativismo político, ou seja, ainda não se percebia a organização e a mobilização que os levaria a se empoderar ativamente na vida política brasileira. Dentro desse crescente ativismo é que se direciona a fundamentação do debate teórico metodológico com vistas a responder à questão que norteia todo o trabalho: o processo de evangelização neopentecostal exerce forte grau de influência na formação e nas tomadas de decisão de seus membros? O que propicia a análise de como se deu a participação dos evangélicos nas eleições nas últimas décadas no Brasil. Foi feita uma pequena contextualização da dualidade religião e política com o objetivo de se compreenderem as afinidades e as controvérsias que estão alocadas nas suas vertentes conceituais. O objetivo não é explorar o conceito religião, mas sim, analisar como o segmento religioso apresenta um protagonismo cada vez maior no cenário político brasileiro. A concentração foi em analisar como, dentro da vertente religiosa, o segmento evangélico se tornou uma peça importante nos pleitos eleitorais no Brasil. Para isso, destaca-se o pleito eleitoral nacional de 2018, que coloca de maneira contundente a participação dos evangélicos enfatizando o poder que as instituições religiosas obtiveram no debate político, não que este segmento só aparecesse naquele momento no jogo 44 político, mas naquele cenário eleitoral de 2018 a relação entre religião e política ganhou maior destaque, tanto nos debates acadêmicos quanto nos debates midiáticos. O mais significativo desta percepção, dentre tantas outras, está no slogan do governo de Jair Messias Bolsonaro (2019-2022): “Brasil acima de todos e Deus acima de tudo”. Frase que reforça a premissa que o interesse ao segmento evangélico pela política é algo concreto e que a relação contrária também é crescente, ou seja, a entrada gradativamente maior dos evangélicos na política, o que se reforça com a afirmação de Oro (2005, p. 48) O atual dado mais visível desse processo consiste na presença significativa de igrejas evangélicas na política, sobretudo pentecostais, e a formação das chamadas «bancadas evangélicas», nos diferentes níveis políticos, indo das Câmaras Municipais ao Congresso Nacional, passando pelas Assembleias Legislativas dos Estados. Esse fato, por sua vez, tem alguma importância na produção de um efeito mimético sobre outros segmentos religiosos, sobretudo os afro-brasileiros e o católico, que, nos últimos anos, parecem ter aumentado o interesse pela sua representatividade na política, sendo esta, com relação à Igreja Católica, mais uma faceta de uma longa história de relação, ora mais estreita, ora mais distanciada, com o Estado brasileiro. A crescente participação dos evangélicos na política também se percebe no crescimento significativo deles na população brasileira, como pode ser visto no gráfico 2, reproduzido de reportagem da revista Veja de 04 de fevereiro de 2020, que mostra o percentual de católicos e evangélicos desde 1940 até 2020 e uma projeção para 2030. Gráfico 2: O avanço evangélico no Brasil: Percentual de católicos e evangélicos no Brasil de 1940 até 2020 com a projeção para 2030. Fonte: José Eustáquio Alves, revista veja 04/02/2020. 45 De acordo com Machado e Burity (2014), o Brasil vem se destacando no cenário da América Latina no quesito que se refere à participação do segmento evangélico, em especial aos membros das comunidades pentecostais e neopentecostais na arena política. Burity (2021) relata que se caracterizam como uma minoria religiosa com um forte ativismo político. Analisar a trajetória crescente desse ativismo político no Brasil proporcionará compreender a construção do arcabouço da estrutura teórica que referenciou o debate do papel dos evangélicos nos pleitos eleitorais brasileiros, em particular no de 2018. Através do ativismo político e eleitoral, a minorização tornou-se uma experiência de grande sucesso. Uma sequência sustentada de avanços eleitorais, inicialmente por meio de candidatos “corporativistas” endossados por suas próprias igrejas ou recebendo o apoio de outras igrejas, permitiu que eles inclinassem a balança nas urnas em todo o país. Algumas igrejas pentecostais, como as Assembléias de Deus, a Igreja Universal do Reino de Deus ou a Igreja do Evangelho Quadrangular, estabeleceram estruturas altamente profissionais para eleger as pessoas e tiveram muito sucesso nisso. (BURITY, 2021, p.6) A presença evangélica no cenário político brasileiro não é algo recente, data da década de 1980, do século passado, no processo da Constituinte. Fato este que desperta o debate sobre o Estado laico e, sobrepujada a isso, a acirrada disputa, mesmo que velada, entre católicos e evangélicos no embate político. Centenas de milhares de eleitores tiveram seus votos influenciados a partir dessa disputa. Segundo Machado (2006, p. 17) Os evangélicos ganharam visibilidade durante a Assembleia Constituinte de 1988, quando a maioria de seus representantes se posicionou de forma alinhada nas discussões parlamentares, atuando como uma bancada religiosa, mais precisamente evangélica. As investigações sobre a inserção eclesial e o comportamento dos atores religiosos naquele con