UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP Júlio de Mesquita Filho Instituto de Geociências e Ciências Exatas - IGCE Campus Rio Claro NA BELEZA DO LUGAR, O RIO DAS CONTAS INDO... AO MAR Rita Jaqueline Nogueira Chiapetti Orientadora: Profª. Drª. Lívia de Oliveira Rio Claro - SP 2009 2 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP Júlio de Mesquita Filho Instituto de Geociências e Ciências Exatas - IGCE Campus Rio Claro NA BELEZA DO LUGAR, O RIO DAS CONTAS INDO... AO MAR Rita Jaqueline Nogueira Chiapetti Orientadora: Profª. Drª. Lívia de Oliveira Tese de Doutorado elaborada junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, na Área de Organização do Espaço, para obtenção do título de Doutora em Geografia. Rio Claro - SP 2009 3 A Jorge, Emília e Isabela, amores da minha vida... 4 AGRADECIMENTOS Como o poeta Fernando Pessoa, acreditei que “navegar era preciso” e, por isso, sonhei uma grande viagem... a do conhecimento... pelas águas do rio das Contas, na Bahia, “terra” que escolhi, com o coração, para viver! Agora... quero externar meu reconhecimento e minha eterna gratidão àqueles que viajaram comigo... na realidade ou na imaginação... cada um no seu espaço, no seu tempo e do seu jeito! O rio das Contas é um ser vivo, do qual brota a vida, que se manifesta nas pessoas do rio... Com ele senti a indescritível sensação de estar mais perto da vida, ao exercitar a fraternidade com suas águas e sua gente, no amor à natureza! Agradeço ao rio e às pessoas do rio de Itacaré, pela colaboração na pesquisa e pela oportunidade de aprender com eles... À minha orientadora, Professora Doutora Lívia de Oliveira, agradeço pela orientação desta tese, pelo que me ensinou e acrescentou em meu crescimento profissional e, também, na vida... À Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC, em Ilhéus; ao Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais - DCAA e ao Colegiado de Geografia, agradeço pelo apoio e liberação. E, agradeço, especialmente, aos professores do curso de geografia, que me substituíram neste período... De modo especial, agradeço ao meu marido, Jorge, pela escolha da Geografia. Assim, a família ficou unida, estudando... Também reconheço seu amor, carinho, apoio, paciência, companheirismo, compreensão, atenção, auxílio na pesquisa de campo, preocupação e cuidado com a família... De maneira muito especial, pois ainda são crianças, agradeço à minhas queridas e amadas filhas, Emília e Isabela. Espero que um dia entendam esta fase importante da minha vida... difícil para elas... mas, que, para mim, era preciso! Involuntariamente e de maneiras diferentes, elas ajudaram-me a viver esta etapa, sendo compreensivas, dando-me amor e carinho, força e sentido à minha vida. Viajaram comigo pela vida... pelo rio das Contas... e eu, nunca deixei de me dedicar a elas, dentro do possível e do impossível... Às minhas famílias de Francisco Beltrão-PR, os Nogueira’s e os Chiapetti’s, agradeço o carinho com que sempre nos acolheram e torceram por nós. Afinal, escolhemos morar em Rio Claro, neste período, também, para ficar mais perto deles! À minha amada mãe, serei eternamente grata, porque sempre me incentivou e apoiou nas escolhas da vida... e vibrou muito (do seu jeito) quando passei no concurso da UESC e no doutorado. Agora, imagino como deve estar feliz! Também, sou muito grata às minhas queridas irmãs Rachel e Sarita, pela força nas mudanças... Também da família (mas, que mora em Florianópolis-SC), minha estimada irmã Ruth, agradeço pelos ensinamentos sobre cartografia e pelos papos de tese. À minha cunhada Sandra (que mora em Toledo-PR), sempre muito prestativa e competente, agradeço pela revisão da tese... À Ana e ao Valério, no tempo de Piracicaba, sou grata por me acolher, juntamente com minha família, no período da seleção para o doutorado e, ainda, por cuidar das minhas filhas nestes dias... Aos Professores Doutores da UNESP, Lúcia Helena Gerardi, agradeço por me receber na Pós, João Afonso Zavattini, por me acolher no doutorado, no lugar da Lívia; e à Lucy Marion Calderini Philadelpho Machado, pelas contribuições no Exame de Qualificação. Sou grata, ainda, à Professora Doutora da UEL, Lúcia Helena Batista Gratão, também pelos ensinamentos no Exame de Qualificação e, especialmente, pela maravilhosa disciplina com que presenteou àqueles que tinham curiosidade e interesse em aprender sobre Geopoética e Imaginação Geográfica. Sempre ficará na minha memória... Agradeço, também, ao Professor Doutor Werther Holzer, da UFF, pela atenção e contribuição, mesmo sem me conhecer... 5 Ao Instituto Floresta Viva (IFV), de Ilhéus, nas pessoas de Rui, Xavier, Sayonara e Vivaldo, agradeço, imensamente, pelo imprescindível apoio na pesquisa de campo em Itacaré... À Dona Otília, de Itacaré, sou grata pela grande colaboração na pesquisa de campo e, principalmente, por permitir usar na minha tese, parte da sua obra inédita sobre Itacaré... Ao Jeferson, de Itacaré, também agradeço pela preciosa ajuda na pesquisa de campo... À Isa, agradeço pelo acolhimento em sua fazenda, na beira do rio das Contas, pela disponibilização da sua poesia e, ainda, pelo carinho, presenteando-me com o livro de Eric Dardel... A todos e a tantos amigos especiais de Ilhéus, inclusive os da UESC... agradeço pela grande amizade, incentivo, apoio, ajuda, visita... São tantos amigos, que prefiro não nomear, para não cometer o terrível ato do esquecimento do nome de alguém: aqueles que nos visitaram em Rio Claro; que nos enviaram material para a tese; que cuidaram dos nossos interesses em Ilhéus, durante nossa ausência.... Serei eternamente grata... Aos novos amigos de Rio Claro, que também não nomearei, sou grata pelo acolhimento; pela confiança; pelos bons momentos da vida paulista; pelo cuidado com a Conny... Espero que nos visitem em Ilhéus, para podermos retribuir um pouquinho do carinho e da amizade dispensados... Aos amigos muito especiais do doutorado, sejam paulistas ou não: Mirlei, Amanda, Sérgio, Inês, Samira, Marcos, Adriano, Célia, Cecília, Vilma, Bruna e Simone, agradeço por tê-los conhecido e aprendido muito com eles nesta viagem intelectual. Continuemos nossa amizade para sempre... À família Copriva Clemente: Adriana, Isaías, Amanda e Luana, sou muito grata pela irrestrita amizade; pela compreensão dos distanciamentos (em muitos momentos); pelas vezes que deram uma força, com relação às minhas filhas... enfim, pela amizade incondicional. Eles são especiais; estão e estarão sempre em meu coração e da minha família... À Sra. Sílvia e ao Sr. Osmar Rossini, agradeço por nos receber, literalmente, em sua casa e socorrer-nos sempre que precisamos... À Maíca, Denise, Inajara e Ubirajara da Pós e Nilza da Biblioteca, sou grata pelo carinho... A todos da família My House, agradeço pela atenção e desvelo às minhas filhas, no período da tarde... À Milena, sou grata pelo carinho com minhas filhas e pelo seu trabalho em minha casa, aliviando-me nas atividades domésticas... Enfim, agradeço a todos que, de alguma forma, contribuíram com minha vida e com minha tese. 6 O rio das Contas, com suas águas e alegria, namora cada canto, da nossa linda Bahia! 216 O rio Ser como o rio que deflui Silencioso dentro da noite. Não temer as trevas da noite. Se há estrelas nos céus, refleti-las. E se os céus se pejam de nuvens, Como o rio as nuvens são água, Refleti-las também sem mágoa Nas profundidades tranqüilas. Manuel Bandeira (1886 - 1968). 7 NA BELEZA DO LUGAR, O RIO DAS CONTAS INDO... AO MAR RESUMO O rio das Contas é o principal elemento de confluência e de convergência das relações sociais e da subjetividade humana no espaço geográfico da sua bacia hidrográfica, relações estas representadas nas paisagens dos lugares. Esta tese tem a proposição de compreender o significado do rio das Contas na vida das pessoas de Itacaré, município do sul do estado da Bahia, registrando os sentimentos e os olhares destes indivíduos de diversas idades e profissões que experienciam, vivenciam o espaço-lugar-rio das Contas. Como estratégia da pesquisa de campo optamos pela história oral e, para coleta das informações, utilizamos a entrevista aberta. Entrevistamos 41 sujeitos em três locais, quais sejam: cidade de Itacaré, distrito de Taboquinhas e ao longo do rio. A partir das entrevistas, elaboramos quatro categorias, com a intenção de reunir os significados dados ao rio, pelos sujeitos da pesquisa: trabalho, subsistência, pertença e alegria. A água do rio provoca reflexões, não meramente geográficas... mas, carregadas de afetos... emoções... sentimentos... que, no dia-a-dia, constroem vínculos hidrotopofílicos entre as pessoas e o rio e, ainda, promovem a construção da identidade do rio- lugar. O rio das Contas é um lugar e um elemento da paisagem itacareense, percebido e vivenciado pelas pessoas que vivem próximas a ele, através de uma intensa relação afetiva... uma geograficidade... que se realiza na existência humana. Palavras-chave: Geografia Humanista; paisagem; lugar; geograficidade; rio das Contas; Itacaré. 8 IN THE BEAUTY OF THE PLACE, RIO DAS CONTAS FLOWING… TO THE SEA ABSTRACT Rio das Contas is the main confluence and convergence element of the social relations and the human subjectivity in the geographic space of its hydrographic basin, relations which are represented in the landscapes of the places. This thesis has the proposition of understanding what Rio das Contas means to the people from Itacare, a city in the south of Bahia state, registering the feelings and the views of these individuals of varied ages and occupations, people who experience the space-place-Rio das Contas. We have chosen the oral history as field research strategy and used open interview for information collection. We interviewed 41 subjects in three places, namely: Itacaré city, Taboquinhas district and along the river. Based on the interviews we elaborated four categories, with the intention of gathering the meanings given to the river by the subjects of the research: work, subsistence, belongness and happiness. The water of the river provokes reflections which are not merely geographic… but filled with affection... emotions... feelings... which day by day build hydrotopophilic bonds between the people and the river and, still, promote the construction of the identity of the river-place. Rio das Contas is a place and an element from the landscape of Itacaré, perceived and experienced by the people that live nearby through an intense affective relation... a geographicity which manifests itself in the human existence. Key words: Humanistic Geography; landscape; place; geographicity; rio das Contas; Itacaré. 9 LISTA DE FIGURAS Página 1. Localização da Bacia Hidrográfica do rio das Contas no estado da Bahia ........... 25 2. Imagens e paisagens ao longo do rio das Contas, BA .......................................... 27 3. Domínios geomorfológicos da BH do rio das Contas, BA .................................. 28 4. Hipsometria da BH do rio das Contas, BA ........................................................... 32 5. Esboço da distribuição pluviométrica da BH do rio das Contas na BA, 2003 ..... 34 6 Uso e cobertura da terra na BH do rio das Contas, BA ........................................ 37 7. BH do rio das Contas com os municípios que têm as áreas urbanas localizadas nas margens do rio ................................................................................................ 43 8. Principais rodovias federais e estaduais e ferrovia que cruzam a BH do rio das Contas, BA ............................................................................................................ 45 9. Serra do Tromba no município de Piatã, BA ........................................................ 49 10 e 11. O rio das Contas cruzando os municípios de Jequié e de Itacaré, BA .................. 50 12 Caminho-rio das Contas na Chapada Diamantina, Piatã-BA ............................... 52 13. Homens na canoa... rio das Contas, Itacaré-BA ................................................... 58 14. Vista panorâmica da cidade de Piatã, BA ............................................................. 60 15. Vista parcial da cidade de Jussiape, na Chapada Diamantina, com o rio das Contas em segundo plano ..................................................................................... 61 16. O rio das Contas cruzando a cidade de Jequié, BA .............................................. 62 17. Ponte sobre o rio das Contas na BR 116, em Jequié-BA....................................... 63 18 e 19. Usina Hidrelétrica e Balneário de Pedras no rio das Contas, Jequié-BA ............. 64 20. Usina Hidrelétrica do Funil no rio das Contas, Ubatã-BA ................................... 65 21. Reportagem sobre a poluição do rio das Contas em Jequié-BA, 2006 ................. 65 22. Rafting nas corredeiras do rio das Contas em Taboquinhas, Itacaré-BA ............. 69 23. Cânion do rio das Contas em Taboquinhas, Itacaré-BA ....................................... 69 24 Trecho navegável do rio das Contas, município de Itacaré-BA ........................... 70 25. Rio das Contas: da Chapada Diamantina ao Oceano Atlântico ............................ 72 26. Otília Maria Nogueira ........................................................................................... 76 27. Pescador de acaris no rio das Contas em Taboquinhas, Itacaré-BA ..................... 96 28. Pescador com munzuá no rio das Contas em Taboquinhas, Itacaré-BA .............. 96 10 LISTA DE FIGURAS (Continuação) 29. Paisagem do entardecer no rio das Contas, Itacaré-BA ........................................ 104 30. Barcos no anoitecer do rio das Contas, Itacaré-BA .............................................. 105 31. Paisagem vivida por Manoel Palada no rio das Contas em Itacaré, BA ............... 106 32. Sede de uma fazenda de cacau, nas margens do rio das Contas, Itacaré-BA ....... 109 33. Roça de cacau nas margens do rio das Contas, Itacaré-BA .............................. 110 34. Cânion do rio das Contas em Taboquinhas, Itacaré-BA ....................................... 111 35 e 36. Cachoeira do Fumo e Pé da Pancada, no rio das Contas em Taboquinhas, Itacaré-BA ............................................................................................................. 111 37 e 38. Corredeira e rafting no rio das Contas em Taboquinhas, Itacaré-BA ................... 112 39. Prainha do rio das Contas em Taboquinhas, Itacaré-BA .................................. 113 40. Paisagem do passeio de turistas pelas águas do rio das Contas em Itacaré-BA ... 113 41. Restaurante na beira do rio das Contas em Itacaré, BA ........................................ 113 42. Lavadeiras no rio das Contas em Taboquinhas, Itacaré-BA ................................. 114 43 e 44. Pescadores no rio das Contas, Itacaré-BA ............................................................ 114 44 e 45. Canoagem no rio das Contas, Itacaré-BA ............................................................. 115 46. Água escura no rio das Contas, Itacaré-BA ...................................................... 116 46 e 47. Baronesas na superfície da água do rio das Contas e acumuladas nas margens do mesmo rio, em uma praia do centro da cidade de Itacaré-BA ......................... 116 48. Mangue na margem do rio das Contas, Itacaré-BA .............................................. 117 49. Coroa no estuário do rio das Contas, Itacaré-BA .............................................. 117 50 e 51. Visão de parte do distrito de Taboquinhas e da cidade de Itacaré, BA ................ 118 52. Balsa Rio de Contas II, Itacaré-BA ...................................................................... 118 53. Despejo de esgoto no rio das Contas, centro de Itacaré-BA ................................. 119 54. Locais da pesquisa de campo no município de Itacaré-BA, 2007 ........................ 133 55. Parte de um texto de divulgação do rio das Contas, disponível em um site da Internet .................................................................................................................. 158 56. Espacialização dos significados atribuídos ao rio das Contas pelos sujeitos da pesquisa em Itacaré-BA ........................................................................................ 192 57 e 58. Foz do rio das Contas, praia da Concha e espigão do Farol em Itacaré-BA ..... 196 59 e 60. O rio das Contas chegando em Itacaré... a cidade “olhando” o rio e o mar ......... 197 11 LISTA DE POESIAS Página 1. Canção ........................................................................................................................ 55 2. O que é um rio..............................................................................................................57 3. Como um rio ............................................................................................................... 57 4. De costas para o rio .................................................................................................... 59 5. Rio e oceano ................................................................................................................ 71 6. Nas águas do rio de Contas ........................................................................................ 95 7. Nosso rio ..................................................................................................................... 119 8. Soneto do amor como um rio ...................................................................................... 142 9. História do rio de Contas de Lino Goiano ................................................................. 144 10. Meditation sur l´eau ................................................................................................... 190 LISTA DE TABELAS Página 1. Número absoluto e relativo dos sujeitos que participaram da pesquisa de campo no município de Itacaré-BA, 2007................................................................................... 132 2. Distribuição dos sujeitos da pesquisa por faixa etária e sexo, em Itacaré-BA, 2007 135 3. Distribuição dos sujeitos da pesquisa por ocupação e escolaridade, em Itacaré-BA, 2007 137 12 LISTA DE SIGLAS APA Área de Preservação Ambiental ARIE Área de Relevante Interesse Ecológico BH Bacia Hidrográfica CBHRC Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio de Contas CEPLAC Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira CERC Centrais Elétricas do Rio das Contas CHESF Companhia Hidrelétrica do São Francisco CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente CONERH Conselho Estadual de Recursos Hídricos CRA/BA Centro de Recursos Ambientais da Bahia CTIL Câmara Técnica de Assuntos Institucionais e Legais DBO Demanda Bioquímica de Oxigênio DEF Deficiência Hídrica DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra a Seca EMARC Escola Técnica de Uruçuca EXC Excedente Hídrico FCP Fundação Cultural Palmares IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IFV Instituto Floresta Viva MMA Ministério de Meio Ambiente ODER Organização em Defesa do Rio das Contas RPGA Região de Planejamento e Gestão das Águas II SEI/BA Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SEMA/BA Secretaria do Meio Ambiente da Bahia SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação SRH/BA Superintendência dos Recursos Hídricos da Bahia UC Unidade de Conservação UESC Universidade Estadual de Santa Cruz UH Usinas Hidrelétricas 13 SUMÁRIO Página DE INÍCIO, PENSANDO... O RIO DAS CONTAS .................................................. 14 Capítulo 1 CONHECENDO... O RIO DAS CONTAS ................................................................. 21 O rio das Contas e sua bacia hidrográfica .................................................................. 23 As “curvas” do rio das Contas: da Chapada ao Oceano ........................................... 48 Capítulo 2 PERCEBENDO... O RIO DAS CONTAS ................................................................... 73 Um rio chamado Contas: um lugar chamado rio das Contas ................................... . O rio das Contas “na escrita” de uma moradora de Itacaré.................................. 76 78 Rio das Contas: um olhar afetivo e imaginativo ........................................................ 93 Rio das Contas: um contemplar da paisagem ............................................................ . O rio das Contas “na construção” da paisagem itacareense ................................ 100 109 Capítulo 3 VIVENCIANDO... O RIO DAS CONTAS ................................................................. 121 Um “olhar” sobre a pesquisa ....................................................................................... 124 A oralidade como trajetória da coleta de dados ......................................................... 126 “Navegando”... no lugar-rio das Contas em Itacaré .................................................. . Preparação do material coletado .......................................................................... 132 139 O rio das Contas... das pessoas de Itacaré .................................................................. . O rio como fonte de trabalho ............................................................................... . O rio como subsistência ....................................................................................... . O rio como pertença ............................................................................................ . O rio como um lugar de alegria ........................................................................... 140 156 176 180 185 AO FINALIZAR: O RIO DAS CONTAS CHEGANDO... AO SEU DESTINO .... 195 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 203 BIBLIOGRAFIAS CONSULTADAS ......................................................................... 212 14 Rio das Contas, BA. DDee iinníícciioo,, PPEENNSSAANNDDOO...... OO RRII OO DDAASS CCOONNTTAASS 15 DE INÍCIO, PENSANDO... O RIO DAS CONTAS [...] sur le domaine continental, les eaux lacustres et fluviales, les étanges et les sources jouent um rôle preponderant. Là où manquent les eaux, l’espace a quelque chose d’incomplet, d’anormal [...]. Le domaine des eaux, inséparable de l’espace vert, est du côté de la vie (DARDEL, 1990, p. 26 e 27). A epígrafe que inicia esta tese expressa que o espaço tem qualquer coisa de incompleto, quando a ausência da água se faz sentir, pois as águas são inseparáveis do espaço verde, do espaço da vida... Além de sustentar a vida, a água nos seduz com sua beleza, tanto no irromper das nascentes... no movimento dos rios... no cair da chuva... no jorrar de uma fonte... na calma dos lagos... quanto no vigor e vivacidade das cachoeiras, das corredeiras, dos estreitos dos rios... A água encanta nossos sentidos e reporta-nos à nossa essência, pois simboliza a pureza, o inconsciente, as emoções, os ciclos da vida... Para Chevalier e Gheerbrant (2007, p. 19), “a água simboliza a vida [...]. A água primeira, a água nascente, que brota da terra e da aurora branca, é feminina [...], terra grávida, de onde a água sai para que, desencadeada a fecundação, a germinação se faça” (Grifos dos autores). Esta valorização feminina da água doce dos rios, também existe em Bachelard (2002, p. 136): “um traço do seu caráter feminino: ela embala como uma mãe. [...]. A água leva-nos. A água embala-nos. A água adormece-nos. A água devolve-nos a nossa mãe”. A mãe que nos dá a vida, assim como a água convida-nos à vida, já que possibilita o sustento da vida: água para beber, para cultivar, para pescar... Mas, também, “a água convida-nos à viagem imaginária” (p. 137). As águas de um rio, por suas características, permitem-nos navegar... passar... deslocar... viajar... e, ainda, dão prazer... felicidade... Um rio pode ser vivido por quem o percorre, por quem flui junto às suas águas que correm... Mas, um rio também está ligado ao seu fluir... no movimento contínuo da sua corrente... e à “segurança” das suas margens por onde escorre... Margens estas que separam, mesmo que seja uma separação só aparente, pois um rio pode delimitar, separar ou juntar, depende da nossa percepção. Como escreve Arbués 16 (1997 p. 26), “no rio que banha dois lados, tudo se mistura numa coisa só. Não se sabe se a lavadeira que está desse lado nasceu cá ou lá, pois as águas e as tradições se confundem”. Os rios quase sempre estiveram no centro da história, como fronteira ou limite de países, estados, municípios, bairros, propriedades rurais; como separadores de povos ou, ainda, como “estradas aquáticas”, transportando riquezas e pessoas, situações que fazem fluir dentro deles diferentes culturas e conhecimentos. Resgatamos Ramos (1999b), em sua obra sobre A poética da água, de Thiago de Mello e García Lorca, para revelar que foi através da água, “matéria que nutre, que dá substância à imaginação, ao devaneio”... que tivemos a imaginação de estudar o rio das Contas, um rio de “água doce, que em sua supremacia sobre a água salgada, flui viva para a vida” (p. 37). Como todos os rios, a presença do rio das Contas, em Itacaré, sempre teve destaque na vivência das pessoas. Isto levou-nos à escolha do tema da pesquisa, ou seja, a percepção geográfica do rio das Contas por pessoas que habitam próximas a ele. Nesta tese, a percepção é abordada no sentido da interpretação dos aspectos afetivo-emocionais dos sujeitos da pesquisa, vinculados ao meio em que vivem. Nossa proposição é compreender como as pessoas de Itacaré percebem este importante elemento geográfico da paisagem itacareense, qual é o significado do rio para elas, registrando suas emoções, seus sentimentos e os olhares destes sujeitos de diversas idades e profissões que experienciam e vivenciam o lugar-rio das Contas. Lançamos mão da história oral como estratégia da pesquisa de campo e, para buscar as informações, fizemos entrevistas a 41 sujeitos de Itacaré, com a intenção de compreendê-los como pessoas que têm visões de mundo particulares e, ao mesmo tempo, sociais, buscando o sentido dos significados do rio em suas vidas, desvelando seus mundos vividos, suas experiências, suas vivências. Também realizamos registros de situações e paisagens, através de fotografias e, ainda, fizemos observações no espaço geográfico do rio das Contas em Itacaré, para conhecermos, convivermos e interagirmos com os sujeitos da nossa pesquisa, enfim, vivenciarmos diretamente os locais da pesquisa. A nossa pesquisa insere-se em um contexto da Geografia Humanista, ou seja, considera a afetividade humana. Com isto, pretendemos dar uma contribuição, no sentido de ampliar o conhecimento sobre a relação que as pessoas têm com o seu lugar, valorizando o rio das Contas enquanto um elemento geográfico importante para Itacaré, bem como, subsidiar ações de agências públicas e privadas, com relação a este elemento hídrico. Propomos a tese de que existe uma intensa relação afetiva entre o rio das Contas e as pessoas que habitam seu espaço geográfico-hídrico, relação esta desvelada pelos significados 17 dados ao rio, transformando-o em um lugar de vida, de sentimentos, de experiências, de vivências... paisagens hidrotopofílicas! O estudo por nós realizado, encontra-se assim organizado: o capítulo 1: Conhecendo... o rio das Contas, está dividido em duas partes: a primeira com uma descrição da Bacia Hidrográfica do rio das Contas (de oeste para leste, no mesmo sentido das suas águas), acompanhada por mapas que representam as características principais da bacia. Nesta parte do trabalho, buscamos conhecer os elementos físicos, os quais juntos com as atividades humanas sobre o espaço geográfico do rio, ao longo do tempo, formaram as paisagens. A segunda parte trata, especificamente, do rio das Contas, desde a nascente (município de Piatã) até a foz (cidade de Itacaré), desvendando-o fisicamente e afetivamente. O rio representa o elemento de confluência e de convergência das relações sociais e da subjetividade humana neste espaço. A contribuição deste capítulo dá-se, no sentido de apresentar o espaço geográfico de um rio que promove a confluência entre os três biomas do estado da Bahia, quais sejam: Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica. O capítulo 2: Percebendo... o rio das Contas, encontra-se organizado em três partes: a primeira tem o propósito de estudar o rio das Contas como um lugar, através de um poema inédito escrito por uma moradora de Itacaré, uma mulher simples que, com toda sua emoção, demonstra como este rio foi e ainda é muito importante para a Bahia e, principalmente, para os itacareenses. Os laços topofílicos da autora com as águas que fluem no leito do rio, em Itacaré, transparecem na concretude do lugar-rio das Contas. Esta poetisa, guiada pelas águas e pela vivência deste elemento hídrico, experiência-o cotidianamente, transformando sua experiência em conhecimento e imaginação geográfica. Esta imaginação mexe com seus sentimentos... suas emoções escorrem pelas águas do rio... e ela canta em versos, as histórias e as paisagens de todo o seu percurso. Na segunda parte, o rio das Contas revela-se na sua afetividade e imaginação, para aqueles que o vivenciam. Este herói líquido é concreto e ao mesmo tempo imaginário, povoado de sonhos, devaneios, imaginação e criatividade para os pescadores itacareenses, que o sentem com uma intensa afetividade, construindo uma verdadeira geograficidade do afeto... uma paisagem-espaço-lugar-vivido. A emoção, evocada pela lembrança, incute fortes imagens no imaginário destes homens, criando vínculos efetivos de fortalecimento intensos e duradouros, capazes de perdurarem por uma vida inteira. Eles “retiram” do rio seus medos, suas histórias, seus mitos, suas lendas... além do alimento para sua sobrevivência. São manifestações ilusórias mas, necessárias, que enfeixam as relações entre o “ser pescador” e o 18 “ser rio”. É como se o rio adquirisse uma capacidade quase sobrenatural em ditar as ordens da vida cotidiana aos homens que sobrevivem das suas águas. E, na terceira parte deste capítulo, discutimos sobre as diferentes paisagens marcadas pela história do rio das Contas, paisagens estas vivenciadas pelas pessoas de Itacaré e pelos turistas que visitam o local, com a intenção de praticar esportes de aventura, nas águas agitadas e estreitas das suas corredeiras e do seu cânion. A paisagem geográfica não é, na sua essência, somente para ser contemplada mas, refere-se à inserção das pessoas no mundo, um lugar de luta pela vida, uma manifestação do seu ser com os outros, base de seu ser social! Portanto, a paisagem pressupõe a presença das pessoas, mesmo quando estão fisicamente ausentes, pois expressa sua realização e existência na Terra. São as águas do rio das Contas que expressam o sentimento topofílico. Mas, são as suas paisagens que guardam as vivências das pessoas, em sua familiaridade. São, portanto, paisagens vividas, em que são evidentes as mais íntimas relações existenciais das pessoas com o seu rio-lugar... sendo substrato das suas experiências no rio. O encontro das águas do rio das Contas com as pessoas da foz, no litoral... inspira paisagens imaginadas da nascente, na Chapada... de um outro rio, no sertão... enfim, paisagens reais de um rio que vai escrevendo sua trajetória ao longo do tempo e, em suas margens vai desenhando, sucessivamente, paisagens marcadas na história da Bahia, nos 500 quilômetros de extensão aproximada, em que cruza o Estado. Paisagens vividas por mineradores, indígenas, escravos, exploradores europeus, colonizadores portugueses, piratas- ladrões, canavieiros, habitantes das vilas e depois das cidadezinhas que foram se formando em suas margens ao longo do tempo, cacauicultores, condutores de barcos, canoeiros, balseiros, pescadores, marisqueiras, lavadeiras de roupas, quilombolas, guias turísticos, instrutores de rafting, turistas, esportistas, contempladores, habitantes de Itacaré... paisagens construídas por pessoas que construíram e continuam construindo a identidade do rio. É como se o rio das Contas fosse despejando em suas margens, paisagens que vêm transportando em suas águas desde tempos imemoráveis, tornando-se memória da história baiana e, quiçá, do Brasil. Como exemplo, em suas margens ele abriga raízes culturais de habitantes do passado, como no caso das Comunidades Quilombolas Rurais de Itacaré e das fazendas cacaueiras, as quais historicamente mantêm-se produzindo da mesma maneira. As paisagens registradas nas margens e nas águas desta estrada fluvial, em todo seu percurso, são manifestações concretas da relação da sociedade com o seu espaço geográfico, sendo, portanto, expressão da existência humana e, ao mesmo tempo, expressão do imaginário 19 humano. Elas guardam as intenções e as ações das pessoas sobre o meio, pois vão sendo impressas marcas sobre as paisagens originais, as quais registram os acontecimentos ao longo do tempo, considerando diferentes fatores naturais e culturais. Por isso, as paisagens são resultado de uma sucessão de fatores superpostos intrincados, os quais ficam registrados na memória coletiva, tornando-se elementos poderosos de identificação cultural, que estão permanentemente se atualizando. O Capítulo 3: Vivenciando... o rio das Contas, está escrito em quatro partes principais. Na primeira constam: a escolha do tema e do local da pesquisa e a sua justificativa; na segunda relatamos a opção pela oralidade, como instrumento de coleta das informações em campo; na terceira parte deste capítulo explicamos como fizemos a pesquisa de campo e a escolha dos sujeitos, incluindo sua caracterização e, na quarta e última parte, qual seja, O rio das Contas... das pessoas de Itacaré, interpretamos as entrevistas feitas na cidade, no distrito de Taboquinhas e ao longo das margens do rio. Esta interpretação revela os principais significados dados ao rio pelos sujeitos da pesquisa. Significados estes agrupados em quatro categorias, com o objetivo de desvelar os sentimentos destas pessoas que vivenciam, cotidianamente, o lugar-rio das Contas. Expressada pelos sentimentos, a afetividade transparece, o tempo todo, nas relações dos sujeitos da pesquisa com o seu meio, ou seja, o espaço geográfico do rio das Contas. Mas, é no lugar-rio que eles adquirem conhecimento, vivem seus momentos de rio e manifestam suas visões de mundo e, assim, vivem suas experiências cotidianas, aprendem a partir da própria vivência no rio e constroem paisagens... paisagens estas entendidas através da interpretação das camadas de significados que as envolvem. O rio das Contas é um elemento organizador do seu espaço geográfico, é fonte de alimento e de contemplação, é uma estrada fluvial, é um recurso econômico, através da atividade turística e da pesca... é muito[s outros rios. Mas, enquanto um lugar, o rio das Contas é único e particular para cada sujeito entrevistado, que por razões, emoções e experiências próprias experimenta-o, vivencia-o e relaciona-se com ele, atribuindo significados de acordo com sua percepção, cognição, experiência, familiaridade e consciência. A última parte do trabalho: Ao finalizar: o rio das Contas chegando... ao seu destino, tem o propósito de finalizar a tese. Para tanto, escrevemos sobre o rio das Contas enquanto um atrativo turístico, com a valorização da sua beleza natural e respeito aos sentimentos e saberes das pessoas que habitam o lugar e, ainda, a apreciação dos sabores do espaço-lugar-rio das Contas, em Itacaré. 20 Então... para conhecer, perceber e vivenciar o rio das Contas... façamos uma viagem imaginária pelas suas águas, através deste trabalho... com curiosidade, prazer, paixão e encantamento... 21 Serra do Tromba, Piatã-BA. CCaappííttuulloo 11 CCOONNHHEECCEENNDDOO...... OO RRII OO DDAASS CCOONNTTAASS 22 … Capítulo 1 CONHECENDO... O RIO DAS CONTAS A água é objeto de uma das maiores valorizações do pensamento humano: a valorização da pureza (BACHELARD, 2002, p. 15). É muito importante conhecer os lugares os quais estamos estudando, principalmente se formos perguntar às pessoas que moram nestes lugares o que significam (para elas) determinadas coisas ao seu redor. Por isso, a primeira parte deste capítulo diz respeito a todo o espaço geográfico da Bacia Hidrográfica (BH) do rio das Contas, porém com um vínculo mais próximo ao seu principal fluxo de água, ou seja, o próprio rio das Contas. Para tanto, efetuamos um levantamento sobre dados e informações disponíveis em sites de órgãos federais e estaduais baianos, em bibliografias e, ainda, em documentos técnicos para fazer uma descrição da BH do rio das Contas, com o objetivo de reunir esses dados e informações e disponibilizá-los para consulta, através da publicação de artigos científicos, depois da pesquisa concluída. Para Gratão (2002, p. 12): a bacia hidrográfica (área drenada pelo rio) - território municipal, estadual, nacional e internacional - (onde os únicos limites são os divisores d’água) - é uma manifestação [das relações sociais, do meio ambiente e da subjetividade humana]. E o rio representa o elemento e/ou a substância e/ou o canal de confluência e de convergência dessas relações. 23 Nesta perspectiva, nesse capítulo procuraremos primeiro contribuir para ampliar, tanto a compreensão da realidade da BH do rio das Contas, como de suas águas, reconstruindo o percurso do rio, o cotidiano das suas águas... das suas margens... O rio das Contas não é apenas um rio que nasce num oásis dentro do sertão baiano (Chapada Diamantina), que o atravessa sem secar suas águas, representando a subsistência do homem sertanejo, depois transpõe a floresta e deságua no mar. Mas, é um rio histórico, como todos os grandes rios que, até bem pouco tempo atrás, eram referências para a grande maioria das sociedades humanas. Pela correnteza das águas dos rios entrava e saía “a sorte da garantia de vida” das pessoas e dos demais seres vivos, como as riquezas e os mantimentos, pois os rios eram as principais estradas. Quase tudo era movido pela ação e orientação dos rios. Ainda hoje, isso continua sendo assim, para um grande número de comunidade, cidade e país, nos quais a vida seria insuportável se não existissem os rios. Por isso, os rios carregam, simbolicamente, a existência humana e toda a sua imensidão de desejos, sentimentos, intenções e ações. O rio das Contas e sua bacia hidrográfica O curso de um rio, seu discurso-rio, chega raramente a se reatar de vez; um rio precisa de muito fio de água para refazer o fio antigo que o fez (MELO NETO, 1979, p. 26). Esse texto tem o objetivo de conhecer a BH do rio das Contas através de um olhar sobre o caminho das águas no leito do seu rio principal, o qual tem vínculo com toda a área abrangida pela sua bacia. Tudo que ocorre em um determinado local, dentro da área de uma bacia hidrográfica tende a repercutir na bacia como um todo, pois a água que desce para o nível, cada vez mais baixo, leva consigo as marcas de todos os locais. Precisamos entender que grande parte do que está acontecendo em um local dentro de uma bacia hidrográfica é reflexo de outro, ou seja, geralmente, o que afeta um determinado local desce pelos veios de água abaixo, afetando também outros locais e dando uma identidade ao espaço geográfico da bacia hidrográfica. 24 Segundo Ortiz e Pompéia et al. (s.d., p. 24), uma “bacia hidrográfica é uma região dividida por morros e montanhas cujas nascentes de água convergem aos veios d’água”. Estes descem formando córregos que desembocam em rios pequenos até chegar à formação de um rio maior. Como a água sempre procura descer até o ponto mais baixo do terreno, devido à força da gravidade, podemos considerar a calha do rio das Contas como o ponto mais baixo e, portanto, o pivô da sua bacia hidrográfica. Para Barbosa; Paula e Monte-Mór (1997, p. 258), “o termo ‘bacia hidrográfica’ refere- se literalmente a ‘divisor de águas’. Essa definição é utilizada, portanto, no sentido de instrumentalizar a identificação de uma área geográfica bem delimitada pela hidrografia, onde as questões ambientais se interpenetram”. Ou ainda, uma bacia hidrográfica é o conjunto de terras drenadas por um rio principal e seus afluentes, cuja delimitação é dada pelas linhas divisoras de águas que demarcam seu contorno (GUERRA, 1993). Ao utilizar a noção de bacia hidrográfica estaremos referindo-nos a esta unidade espacial em sua acepção geográfica. Dessa forma, podemos dizer que bacias são sistemas terrestres e aquáticos geograficamente definidos, compostos por sistemas físicos, econômicos e sociais. Assim, uma bacia hidrográfica tem considerável mérito enquanto unidade física e econômica de análise, dada a interação entre a geologia, geomorfologia, solo, clima, vegetação, uso da terra e o homem. A maioria dos efeitos físicos de relevância e das interações de ecossistemas está presente dentro de um sistema definido por um divisor de águas. A BH do rio das Contas pertence à grande Bacia Hidrográfica do Nordeste Brasileiro ou Região Hidrográfica do Atlântico Leste. De acordo com a maneira como fluem as suas águas, ela é exorréica, isto é, quando as águas drenam direto para o mar. Está localizada na porção centro-sul do estado da Bahia e é a maior bacia inteiramente baiana, com uma área de drenagem de aproximadamente 55.334 km2, correspondendo a pouco mais de 10 % do território baiano (Figura 1). Estende-se de forma alongada no sentido oeste-leste, entre os paralelos 12º 55’ e 15º 10’ S e entre os meridianos 42º 35’ e 39º 00’ W, conectando os biomas: Cerrado, Caatinga (bacia superior e média) e Mata Atlântica (bacia média e inferior), dentro do estado da Bahia. Cerca de 75 % da área da bacia situam-se no Polígono das Secas. Segundo o Sistema Estadual de Informações Ambientais (SEIA, 2009), o Cerrado aparece em áreas de altitudes superiores a 1.000 m e em solos mais arenosos no lado oeste da BH do rio das Contas, mais precisamente na área ocupada pela Chapada Diamantina. Como a maior parte da Chapada dentro da bacia está acima dos 1.000 m, optamos por caracterizá-la como área ocupada pelo bioma Cerrado. 25 Figura 1 – Localização da Bacia Hidrográfica do rio das Contas no estado da Bahia. 26 Já o bioma Caatinga aparece em áreas abaixo dos 1.000 m dentro da Chapada Diamantina (pequena extensão) e em toda a área da bacia de clima semi-árido; e o bioma Mata Atlântica ocorre no lado leste da bacia (Figura 2). Considerando os domínios geomorfológicos, a área da BH do rio das Contas, coberta pelo bioma Cerrado, é chamada de Chapada Diamantina (Figura 3), a qual em pleno sertão baiano é uma paisagem de relevo antigo e desgastado, com montanhas, planaltos dissecados e chapadões que se sobressaem esculpidos pela água e pelo vento, cortados por vales profundos, por cânions e seus rios (BRASIL, 1981). É mister reconhecê-la como participante da Serra do Espinhaço, um grande sistema de montanhas desenvolvido segundo uma direção sul-norte. O relevo que compõe a Chapada Diamantina decorre da erosão ao longo de milhões de anos. Como algumas rochas sedimentares são mais compactas e outras mais permeáveis, isto é, mais fáceis de serem infiltradas pelas águas, com o passar dos tempos umas foram resistindo, outras foram sendo mais desgastadas. O arenito, por exemplo, mais resistente ao desgaste pela água, continua nas maiores altitudes até os dias de hoje. As fendas nas rochas facilitam a infiltração de água que, assim, vão erodindo os níveis rochosos menos resistentes, ainda com o auxílio das variações climáticas. O lado ocidental da Chapada Diamantina foi uma área submetida a dobramentos, reconhecidos pelas barras e cristas alinhadas de maneira característica, e a falhamentos, identificados através de profundos sulcos retilinizados e das escarpas que se elevam paralelamente a estes vales adaptados à estrutura e escarpas de falha (BRASIL, 1981). As serras do Atalho e do Tromba (lado ocidental) são consideradas as mais conservadas da Chapada. O lado escarpado destes relevos, geralmente, é constituído por uma cornija rochosa na parte superior, seguida de um talus detrítico já dissecado no sopé. A rede de drenagem destas serras ocidentais dirige-se para o rio das Contas, o qual tem suas nascentes no extremo sul da Sinclinal de Piatã, na Serra do Tromba. Nesta parte da bacia, podemos citar como exemplo os municípios de Abaíra e Rio de Contas, que têm nos seus relevos um aspecto peculiar, em virtude das serras elevadas e dos vales de ordens variadas, das nascentes dos pequenos rios, das corredeiras e cachoeiras desses rios, afluentes do expressivo rio das Contas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1960) a região da Chapada Diamantina, da mesma forma que todo o sertão nordestino, foi sujeita a uma série de sistemas morfoclimáticos diversos. Inicialmente, houve um período úmido quando os vales foram entalhados e iniciou-se a inversão do relevo na série de dobras semelhantes à evolução 27 F ig ur a 2 – Im ag en s e p ai sa ge ns a o lo ng o do r io d as C on ta s n a B ah ia , 2 00 9. 1 - C h ap ad a D ia m an tin a 2 - S er ra d o T ro m b a 3 - P ia tã 8 - R ep re sa d e P ed ra s 6 - C aa tin g a 9 - J eq u ié 7 - C ap ri n o cu ltu ra 1 3 - R a ft in g 14 - C ân io n 1 5 - T ab o qu in h as 1 6 - C as a q u ilo m bo la 1 0 - M at a A tlâ n tic a 1 1 - F az en d a ca ca u ei ra 12 - C ac au 1 7 - I ta ca ré e o r io 1 8 - F ar o l n a fo z d o r io 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 4 - J u ss ia p e 5 - C er ra d o 11 14 17 16 15 13 18 12 28 F ig ur a 3 – D om ín io s ge om or fo ló gi co s da B H d o ri o da s C on ta s, B A . 29 do relevo jurássico. Posteriormente, o clima tornou-se mais seco, as rochas graníticas foram removidas mais rapidamente, ficando proeminentes os arenitos e os calcários. Com o clima seco, ampliaram-se as planícies intermontanas e os depósitos constituídos por sedimentos calcários finos, conhecidos como calcário da caatinga. Estes sedimentos é que dão indícios de que a região esteve sujeita à alternância de climas. Quando o clima tornou-se mais úmido, os rios começaram a entalhar seus leitos no calcário. Porém, posteriormente, ao advir outra fase seca, eles começaram a ser entulhados novamente por depósitos trazidos pela ação das águas das chuvas. Esta alternância climática ocorreu nos períodos geológicos pleistoceno e holoceno. As oscilações climáticas do pleistoceno afetaram todas as superfícies antigas, introduzindo uma série de alterações na evolução das vertentes, podendo-se vislumbrar a ação de sistemas morfoclimáticos diversos. Assim, encontram-se, no alto da superfície da Chapada Diamantina, alguns relevos residuais que correspondem a inselberg (relevos residuais cristalinos que sofreram os efeitos pronunciados da pediplanação). Também aí se encontram as mesmas superfícies que evoluíram por pediplanação, modificando bastante o relevo original destas antigas superfícies de denudação (BRASIL, 1981). Para entendermos a evolução da paisagem da Chapada Diamantina, devemos ter em mente que a formação das rochas e o seu modelado em paisagens são processos distintos, que ocorreram em tempos geologicamente muito afastados entre si. O embasamento cristalino ocupa aproximadamente 2/3 da área da BH do rio das Contas, representado principalmente por ortognaisses, paragnaisses e granitos (gnaisses e migmatitos), atravessados por intrusões ácidas e básicas. Na área ocupada pela Chapada Diamantina, as camadas que constituem a sua topografia são representadas por arenitos, quartzitos e conglomerados e são constituídas por formações do Pré-Cambriano Médio, correspondendo ao Grupo Chapada Diamantina, pertencente ao Supergrupo Espinhaço. Abrangem, principalmente, as rochas metassedimentares dobradas e falhadas da Formação Caboclo e da Tombador-Lavras (BRASIL, 1981). Há evidência da atuação da tectônica sobre a região pela presença de extensas falhas longitudinais e falhas transversais menores. Enfim, trata-se de um domínio tipicamente serrano, estruturado em rochas metassedimentares, nas quais os quartzitos e os arenitos apresentam-se como litologias dominantes. De acordo com a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI, 1994), a área da BH do rio das Contas, coberta pelo bioma Caatinga, é atravessada pelas Depressões Periféricas e Interplanálticas e pelo Planalto Sul-Baiano. Segundo Brasil (1981), estas áreas correspondem ao domínio das Depressões Interplanálticas. 30 As Depressões Periféricas e Interplanálticas compreendem uma larga faixa interiorana deprimida entre planaltos de regiões adjacentes. Abrangem relevos evoluídos sobre rochas altamente metamorfizadas, áreas de escudos cristalinos que se caracterizam por terem sido submetidas à remoção intensa e, nas quais, predominam, no modelado, influências morfoclimáticas sobre estas estruturas (BRASIL, 1981). A litologia na área de caatinga da bacia é composta por rochas do Pré-Cambriano Indiferenciado, principalmente metatexitos, gnaisses e migmatitos, e do Pré-Cambriano Médio, representado pelo Complexo de Brumado e Grupo Contendas-Mirante, além de intrusões graníticas (BRASIL, 1981). A área caracteriza-se por um modelado bastante uniforme, com um intenso fraturamento que submete toda a dissecação como o principal fator de individualização. A atuação da tectônica deixou sua marcante contribuição no direcionamento dos vales, os quais não possuem predominância de direção. É preciso destacar a existência de áreas rebaixadas com relevo plano e morros estruturais, mas também morros alongados, cujo agrupamento recebe o nome de serra e são cobertos por pastagens. O lado leste da BH do rio das Contas ou aquele inserido no bioma Mata Atlântica possui um relevo topograficamente rebaixado em relação ao Planalto Sul-Baiano, são o Planalto Pré-Litorâneo e o Planalto Costeiro. Abrangem relevos montanhosos com feições de serras, entremeados por áreas relativamente planas, com altitudes decrescentes em relação ao litoral (BRASIL, 1981). O lado ocidental do Planalto Pré-Litorâneo encontra-se com intensa atuação dos processos de erosão através de ravinamentos e movimentos de massa. As rochas parecem estar próximas da superfície, observando-se afloramentos, principalmente, sob a forma de matacões e blocos basculados nas encostas, os quais mostram indícios de fragmentação. Trata-se de uma área de ocorrência de granulitos migmatizados, piroxênio-granulitos e de metatexitos do Pré-Cambriano Inferior, além de pequenas intrusões localizadas de sienitos, gabros e granitos. No Planalto Costeiro, parte mais oriental da BH do rio das Contas, o relevo é bastante uniforme, mesmo que a erosão tenha dissecado, intensa e indiferentemente, os granulitos e charnockitos muito alterados do Pré-Cambriano Inferior. Os solos dominantes são os álicos, devido à alta umidade e elevada temperatura, representados por latossolos e podsolos. Ainda dentro do bioma Mata Atlântica, nas proximidades da foz do rio das Contas, no município de Itacaré, representada pela região geomorfológica Planície Litorânea, encontram- se Planícies Marinhas e Fluviomarinhas, as quais englobam modelados de origem marinha, fluviomarinha, coluvial e eólica, que traduzem as etapas de evolução do litoral e dos cursos 31 inferiores dos rios (BRASIL, 1981). As formas de ocorrência mais comuns são extensas praias, às vezes, limitadas por bancos de arenitos. Eventualmente, as planícies marinhas formam terraços, reelaborados pelas ações fluviais e marinhas, apresentando pequenos desníveis em relação às formas mais recentes. Nesta parte da bacia os solos são aluviais e hidromórficos. A hipsometria da BH do rio das Contas está representada na Figura 4, na qual podemos observar que as maiores altitudes estão no lado oeste, ou seja, no bioma Cerrado e, vão diminuindo no sentido leste, até o litoral. A Chapada Diamantina, pertencente à área do bioma Cerrado, dentro da BH do rio das Contas é um conjunto topograficamente elevado, com altimetria quase sempre superior a 800 m, nas áreas mais planas e, passando rapidamente a mais de 1.500 m, nos trechos de relevo mais movimentado. As serras encontram-se em posição altimétrica, quase sempre acima de 1.000 m de altitude e, nelas estão localizados os pontos mais altos do estado da Bahia e do nordeste brasileiro, com altitudes próximas a 2.000 m. No município de Abaíra, quase no limite com Piatã, encontram-se os cumes mais elevados do estado da Bahia: o pico do Barbado, com 2.033 m e o pico Itubira, com 1.970 m (estão representados na Figura 4, em área limítrofe, no lado oeste da bacia, dentro da Chapada Diamantina). No restante da área do Cerrado na BH do rio das Contas, as altitudes variam entre 600 m a 1600 m. A maior parte da bacia está inserida no bioma Caatinga, no domínio dos planaltos cristalinos, encontrando-se entre 400 e 800 m de altitude, com patamares geomorfologicamente caracterizados por relevos dissecados, alongados no sentido norte/sul, bastante uniformes, compondo sucessões de amplas lombadas e colinas baixas (topos residuais). Nos vales do rio das Contas e seus afluentes, as altitudes vão de aproximadamente 200 m a 400 m. No bioma Mata Atlântica, bacia média e inferior, a altitude diminui drasticamente de 200 m para o nível do mar, com trechos rebaixados chegando a menos de 100 m, enquanto alguns topos residuais atingem cotas superiores a 1.000 m. Os aspectos climáticos da BH do rio das Contas estão condicionados às condições climáticas do estado da Bahia, que sofre influência do Centro de Alta Pressão do Atlântico Sul, estendendo-se em todo sertão baiano. Esta circulação apresenta condições gerais de estabilidade e aridez, mas no seu percurso para o litoral brasileiro adquire umidade, transformando-se na Massa Tropical Marítima, também constante e estável. 32 F ig ur a 4 - H ip so m et ria d a B H d o rio d as C on ta s, B A . 33 A Massa Tropical Marítima sofre perturbações no interior do continente causadas tanto pela irregularidade do relevo, assim como pelo avanço da Massa Polar Marítima, sendo o fator principal da ocorrência de chuvas na BH do rio das Contas. À medida que a massa de ar se interioriza, o volume de precipitações diminui. Nestas condições, a BH do rio das Contas é caracterizada pela alternância de duas estações: uma chuvosa no verão e outra seca no inverno. Com exceção dos trechos próximos à costa, o período chuvoso acontece nos meses de novembro a fevereiro, com o trimestre de novembro a janeiro mais chuvoso. Os demais meses representam a estação seca (março a outubro), com destaque para o trimestre junho/julho/agosto como o mais seco. No litoral não há déficit hídrico devido à alta pluviosidade, em torno de 1.500 mm a 2.500 mm anuais, ocasionada, principalmente, pelos ventos alísios de sudeste. Este regime pluviométrico simples mas, contrastante, por sua vez, condiciona a hidrologia, a vegetação e, conseqüentemente, a morfologia atual. A distribuição das chuvas na BH do rio das Contas decresce de leste para oeste (Figura 5), sendo que nos Planaltos Pré-Litorâneo e Costeiro, área de Mata Atlântica, os índices pluviométricos giram em torno de 2.000 mm anuais, a umidade relativa supera os 80 % e o excedente hídrico é elevado durante a maior parte do ano. Na parte da bacia caracterizada pelo clima semi-árido, o regime pluviométrico é contrastante: distribuição irregular das precipitações durante o verão e um período de estiagem bem acentuado, que varia de 5 a 9 meses por ano, quando as chuvas se reduzem a 500 mm e 600 mm nos anos normais e a 300 mm e 400 mm nos anos secos. Coberta pela caatinga, a soma das precipitações equivale a apenas um quinto das médias registradas no domínio dos cerrados (AB’SÁBER, 2003). Ainda, no domínio do sertão, também denominado de semi-árido, nos quase oito meses de ausência de chuvas anuais, as características edafoclimáticas são semelhantes às de outros climas semi-áridos quentes do mundo: secas periódicas e cheias freqüentes dos rios intermitentes, solos arenosos, rasos, salinos e pobres em nutrientes essenciais ao desenvolvimento das plantas; o que explica a presença da caatinga como sendo a vegetação básica do sertão. Tal vegetação apresenta grande variedade de formações, todas adaptadas à prolongada estação seca. Já, na área da BH do rio das Contas dentro do bioma Cerrado, quanto mais próximo dos divisores d’água a precipitação aumenta, podendo atingir 1.000 mm anuais, com um clima considerado de montanha (frio e úmido). A Chapada Diamantina corresponde a um enclave dentro da região tropical semi-árida nordestina, predominando o clima tropical sub- 34 F ig ur a 5 - E sb oç o da d is tr ib ui çã o pl uv io m ét ric a d a B H d o rio d as C on ta s n a B A , 2 00 3. 35 quente a sub-úmido. Situada dentro de uma grande zona semi-árida, esta região se diferencia pelo aspecto de relevo, considerado montanhoso, cujas altitudes elevadas (1.000 m a mais de 2.000 m) proporcionam temperaturas baixas e altos índices pluviométricos, muitas vezes, condicionados por chuvas orográficas. No que concerne às temperaturas, verifica-se o seguinte na BH do rio das Contas: a área coberta pelo bioma Caatinga é a mais quente, com as maiores temperaturas que vão decrescendo para os limites da bacia, nos divisores d’água. A região de menores temperaturas encontra-se na área do bioma Cerrado (Chapada Diamantina), mais especificamente na Serra do Tromba, coincidindo com as suas maiores altitudes (ver a Figura 4). Um exemplo a ser citado é Piatã, que tem como características principais ser o município mais frio da Bahia, com temperaturas que variam de 2º C a 17º C durante o inverno e, ainda, ser o município mais alto do norte e nordeste brasileiros, com 1.268 m de altitude. Normalmente, os meses mais quentes são janeiro e fevereiro e julho é o mês mais frio em toda a bacia. Com relação à hidrologia, a BH do rio das Contas apresenta um ligeiro Excedente Hídrico (EXC) de 30 mm a 80 mm e Deficiência Hídrica (DEF) abaixo de 13 mm, no seu lado noroeste. É a área em que o fator orográfico é determinante, por favorecer a intensificação das chuvas de maneira expressiva. O EXC é a água desnecessária, sujeita à infiltração ou percolação e ou escoamento superficial na estação chuvosa, sendo definido pelo número de meses em que este excesso permanece no solo. A DEF corresponde à insuficiência de água no solo. Em outras palavras, é a água que deixa de ser evapotranspirada no período seco, sendo contabilizada pelo número de meses com deficiência. De acordo com a Superintendência dos Recursos Hídricos da Bahia (SRH/BA, 1993), a disponibilidade hídrica da BH do rio das Contas é, em média, de 143,30 m³/s. Os rios dentro do sertão baiano (incluindo a Chapada Diamantina), como toda a hidrologia do nordeste seco brasileiro, são íntima e totalmente dependentes do ritmo climático sazonal dominante no espaço geográfico dos biomas Cerrado e Caatinga. Todas as cabeceiras dos rios secam nos períodos de estiagem - com exceção do rio das Contas, que é intermitente na nascente - o lençol freático se aprofunda e se resseca, desaparecendo, são os rios que passam a alimentá-lo. A respeito desse fenômeno, popularmente, diz-se que a drenagem cortou. Portanto, toda a rede hidrográfica dos biomas Cerrado e Caatinga é intermitente (com exceção do rio das Contas) mas, nestas circunstâncias, a população descobriu um modo de utilizar o leito arenoso dos rios cavando poços, pois eles possuem água por baixo das areias de seu leito seco, capazes de fornecer água para fins domésticos e dar suporte para culturas de 36 vazantes. Em muitos locais, quando os rios secam, o próprio leito dos cursos d’água é parcialmente utilizado para produção agrícola, centrada em produtos alimentares básicos; estas áreas são chamadas de sequeiro. Os principais rios da bacia em questão são: Brumado e seu principal afluente, o rio do Antônio; Gavião; do Peixe e Gongogi, na margem direita; e Sincorá; Jacaré e Jequiezinho, na margem esquerda (ver Figura 5). Segundo o SRH/BA (1993), a BH do rio das Contas é bem dotada de recursos hídricos e condições topográficas para produção de energia elétrica, possuindo apreciáveis desníveis naturais na região da sua nascente e caudais elevados na porção oriental, já próximo à sua foz. Ao mesmo tempo, há também o grave problema de lançamento de efluentes tóxicos e lixos nos rios de toda bacia, por indústrias e pela população urbana. Aparentemente, considerando o que ocorre nas bacias hidrográficas vizinhas (Recôncavo Sul e Leste), os terrenos da BH do rio das Contas não apresentam grandes disponibilidades de água em mananciais subterrâneos, o que pode ser explicado pela maior parte da região estar sobre o embasamento cristalino. Associado às baixas vazões, ocorre o problema da má qualidade das águas deste sistema aqüífero, bastante salinizado, restringindo seu uso para a maioria das atividades. Na faixa litorânea, com precipitação maior, esta disponibilidade de água é mais promissora (SRH/BA, 1993). A cobertura vegetal da BH do rio das Contas é formada pelo cerrado (em áreas de altitudes superiores a 1.000 m e em solos mais arenosos) e campos rupestres (no alto dos maiores picos) na Chapada Diamantina; pela caatinga (em áreas abaixo dos 1.000 m) na maior parte da bacia, correspondendo ao sertão baiano; pela Mata Atlântica no lado leste, mais precisamente a Floresta Ombrófila Densa; além da presença de mangue e restinga (Figura 6). A vegetação sempre está relacionada com os tipos climáticos, com a distribuição das chuvas, com a altitude e, ainda, com a natureza dos solos. Dentro da área da Chapada Diamantina, a presença do cerrado é caracterizada por um tipo de vegetação na qual predominam espécies herbárias e pequenos arbustos, típicos dos cerrados brasileiros. Este tipo de vegetação campestre é denominado localmente de “campos gerais”, tendo seu porte arbóreo-arbustivo em solos arenosos ou cobertos por fragmentos de rochas (BRASIL, 1981). Outro tipo de vegetação da Chapada Diamantina são os campos rupestres, mas com menor expressão. Conhecidos também como campos de altitude, os campos rupestres são formações que ocorrem exclusivamente no alto de algumas serras brasileiras, situadas em altitudes acima de 1.200m. Em geral, são campos abertos e atravessados por inúmeros riachos 37 F ig ur a 6 - U so e c ob er tu ra d a te rr a na B H d o rio d as C on ta s, B A . 38 e rios permanentes; as temperaturas neste ecossistema são sempre mais baixas que nos seus arredores. A biodiversidade deste ecossistema é grande, variando inclusive de uma região para outra. Os campos rupestres da Chapada Diamantina, portanto, estão condicionados às partes mais elevadas e úmidas, tal como é sua característica, tendo as gramíneas como as espécies predominantes, muitas vezes, associadas a pequenos arbustos e a poucas árvores esparsas, que não passam dos 2 m de altura. O ambiente, portanto, é seco, mas as plantas desenvolveram adaptações diversas para resolver o problema da falta de água. No sudoeste da Chapada Diamantina (local da nascente do rio das Contas), apesar dos campos rupestres ocuparem áreas em que o turismo ecológico é a principal atividade econômica (municípios de Piatã, Abaíra e Rio de Contas, por exemplo), este tipo de vegetação está sendo descaracterizado por diversas agressões, tais como: desmatamento, pastagem, queimada e extração de espécies nativas para comercialização. A BH do rio das Contas tem como vegetação predominante a caatinga (vegetação do tipo xerófita ou que se adapta às condições de aridez), sendo a vegetação principal em clima semi-árido. Por isso, a falta de água é o seu fator limitante, o que faz as árvores e arbustos perderem as folhas durante o período da seca, a fim de diminuir a transpiração ao mínimo. A caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro, o que significa que grande parte do seu patrimônio biológico não pode ser encontrada em nenhum outro lugar do planeta. Antigamente, considerava-se que a caatinga seria o resultado da degradação de formações vegetais mais exuberantes, como a Mata Atlântica ou a Floresta Amazônica. Essa opinião sempre levou à falsa idéia de que o bioma Caatinga seria homogêneo, com biota pobre em espécies e em endemismos, estando pouco alterada ou ameaçada, desde o início da colonização do Brasil, tratamento este que tem permitido a degradação do meio ambiente e a extinção, em âmbito local, de várias espécies, principalmente, de grandes mamíferos. Entretanto, estudos e compilações de dados mais recentes apontam a caatinga como rica em biodiversidade e endemismos, e bastante heterogênea. Muitas áreas de caatinga que eram consideradas como primárias são, na verdade, o produto de interação entre o homem nordestino e o seu ambiente, fruto de uma exploração que se estende desde o século XVI. Porém, este patrimônio nordestino se encontra ameaçado. A exploração feita de forma extrativista pela população local, desde a ocupação do semi-árido, tem levado a uma rápida degradação ambiental. Segundo estimativas, cerca de 70 % da caatinga já se encontram alterados pelo homem e, somente 0,28 % de sua área encontra-se protegida em Unidades de Conservação (UC). Estes números conferem à caatinga a condição do bioma menos preservado e um dos mais degradados do Brasil. 39 Na BH do rio das Contas, da mesma forma que em todo nordeste brasileiro, a caatinga se encontra completamente degradada, sendo pouquíssimas as áreas que não sofreram a intervenção humana, através de cortes sucessivos para a retirada de lenha ou para a implantação de diversas culturas de subsistência. Para Ab’Sáber (2003), não existe melhor termômetro para delimitar os ambientes semi-áridos do que os extremos da própria vegetação da caatinga. “O mapa da vegetação é mais útil para definir os confins do domínio climático regional do que qualquer outro tipo de abordagem, por mais racional que pareça” (p. 86). Numa faixa mais a leste, dentro da região semi-árida da BH do rio das Contas já existe mata. Segundo Ab’Sáber (2003), a umidade atlântica é a principal responsável pela denominação destas matas das terras baixas, quentes e úmidas e das matas de rebordos orientais do Planalto Sul-Baiano, que atingem um trecho restrito do reverso da serra (lado ocidental), tomando aí o nome popular de matas frias. Dentro do domínio dos Planaltos Costeiro e Pré-Litorâneo encontra-se o bioma Mata Atlântica, vegetação primitiva bastante devastada e substituída por culturas (cacau principalmente) ou por pastagens. Sua folhagem é sempre verde, mas no dossel superior pode apresentar árvores sem folhas durante alguns dias. A altura das árvores varia de 20 a 30 m, mas algumas chegam a alcançar em torno de 40 m (BRASIL, 1981). É importante salientar que os remanescentes da Mata Atlântica encontram-se, apenas, nos relevos tabulares do Planalto Costeiro, nos topos e encostas do Planalto Pré-Litorâneo ou, ainda, relacionam-se às plantações de cacau, pois a floresta é utilizada como sombreamento para o seu cultivo (plantio em forma de cabruca, como é chamado este sistema agroflorestal, na região). Trata-se de uma área de ocupação antiga, em que o desmatamento e a substituição da vegetação natural por pastagens, outra atividade praticada na região, levou à aceleração dos processos erosivos, intensificando os movimentos de massa com o pisoteio do gado. Ainda dentro do bioma Mata Atlântica, próximo à desembocadura do rio das Contas, com influência fluviomarinha e marinha, as vegetações características são o mangue e a restinga, respectivamente. O mangue ocorre ao longo da costa, nas embocaduras dos rios e dos córregos e, é conseqüência do fluxo das marés que, em seu constante movimento, arrasta diversas partículas em suspensão, as quais floculam na água salgada e depositam-se por gravidade, nos períodos de maré cheia, formando um substrato aluvial fluviomarinho, composto por solos indiscriminados, ricos em detritos orgânicos (BRASIL, 1981). É uma vegetação arbórea, com poucos sinais de interferência antrópica na área em estudo. 40 As restingas são constituídas por espécies com altura máxima de 5 m, predominando a palmeira coco-da-baia. Entre as faixas de restinga aparecem gramíneas, alguns arbustos, coqueiros-anões, bromeliáceas e pequenas cactáceas. O relevo no cerrado e o clima na caatinga da BH do rio das Contas, agravados pelos solos pouco férteis, foram os principais fatores que não possibilitaram um tipo de exploração econômica que propiciasse um povoamento denso. Contudo, na área de mata, o densamento populacional é maior em relação aos outros biomas da bacia, devido ao tipo de exploração econômica que ocorreu no lugar. Dentro da área ocupada pela BH do rio das Contas, a Chapada Diamantina foi o local de maior importância econômica nos séculos passados. Apesar de já ser habitada pela população indígena, começou a ser mais intensamente povoada no final do século XVI, estimulada pela política da metrópole de distribuição de terras (Sesmarias) ou motivada pela própria ambição dos homens. As expedições que buscaram atravessar a porção central da Bahia para atingir a BH do Rio São Francisco se depararam, ao meio do caminho, com este lugar de relevo acidentado e de difícil acesso. Contudo, a maioria desses pioneiros apenas o contornou, sem desbravá-lo, pois o relevo parecia intransponível (IBGE, 1960). Segundo Teixeira et al. (2005), foi somente no século XVII que, aos poucos, ocorreu sua ocupação, no sentido das bordas para o interior, com núcleos populacionais ligados à pecuária. Depois de expulsar ou escravizar os índios, as glebas de terras no rio das Contas começaram a ser distribuídas e, em 1663, o lado sudoeste da Chapada Diamantina, local das nascentes do rio das Contas, já se encontrava totalmente apropriado e ocupado por grandes latifúndios de criação de gado. No século seguinte (XVIII), o processo de fixação do homem na Chapada Diamantina ganhou impulso extraordinário com o ouro encontrado no cascalho de seus rios, fato que a transformou em importante pólo de convergência dos movimentos migratórios da época. Mesmo sendo proibida pela Coroa Portuguesa, durante aproximadamente duas décadas, a exploração clandestina do ouro logo tomou conta dos rios da região. Data deste período a exploração de ouro nas margens do rio das Contas Pequeno, atual rio Brumado. Em 1720, a metrópole retrocedeu e decretou livre a exploração do ouro, com o pagamento da quinta parte à Coroa. Foi, então, que surgiu o primeiro povoamento - Freguesia de Santo Antônio de Mato Grosso ou, simplesmente, município de Rio de Contas, como passou a se chamar em 1885. A cidade de Rio de Contas (no sudoeste da Chapada Diamantina), juntamente com Jacobina (no norte da Chapada Diamantina), foram as mais 41 prósperas do ciclo do ouro da Bahia, tanto que chegaram a se equiparar, em pompa e refinamento, com cidades do Recôncavo Baiano Açucareiro (TEIXEIRA et al., 2005). A partir do rio das Contas, a frente de exploração do ouro,, avançou no sertão baiano, sendo criados povoamentos e vias de comunicação terrestre em boa parte do lado ocidental da Chapada Diamantina. Bom Jesus do Rio de Contas, atual Piatã, é um exemplo de cidade que nasceu neste período. Antes que completasse um século de efervescência, a região aurífera da Chapada Diamantina entrou em declínio. O ouro de aluvião escasseou, veio a crise e nos primeiros anos do século XIX, a mineração já era, então, uma atividade praticada por poucos garimpeiros. As frágeis cidades mineradoras estruturadas econômica e administrativamente, com vistas a dar quintas (impostos) à metrópole, viram-se condenadas ao esquecimento. Na primeira metade do século XIX, entretanto, teve início a fase mais próspera da Chapada Diamantina com a descoberta de grandes depósitos de diamantes no leito do rio Mucugê. Supõe-se que os garimpeiros já sabiam da existência desse mineral há um século, mas, como Portugal, mais uma vez, tinha proibido sua exploração, a não ser no estado de Minas Gerais, tudo ficou na clandestinidade. As origens das atividades mineradoras do diamante na região foram as mesmas que a do ouro, uma vez que, no Brasil, os aluviões diamantíferos ocorrem, geralmente, associados aos auríferos. No ano de 1832, dez anos após a Proclamação da Independência do Brasil, foi revogada a lei que proibia a exploração diamantífera fora de Minas Gerais. Começou, então, o período que a Chapada se tornou diamantina de fato. Inicialmente, encontrou-se o valioso mineral na região norte da Chapada. Mas, foi no sul, por volta de 1844, às margens dos riachos das Combucas e do Mucugê, que se identificou diamante de melhor qualidade, num local em que, até então, só se praticava pecuária (TEIXEIRA et al., 2005). Rapidamente, os riachos foram tomados por mineradores de todo tipo e origem e, desta vez, em número muito superior ao que viera no século anterior, em busca do ouro. Reviraram os cascalhos de todos os riachos, rios, encostas de serras, tudo que supunham ser produtivo. Muitos povoados surgiram e os que já existiam cresceram junto com a mineração. Este ciclo diamantífero foi efêmero, mas representou a redenção da Chapada Diamantina, sendo seu principal fator de povoamento. Com a descoberta de grandes jazidas na África do Sul, em 1867, despencou o preço do diamante no mercado internacional e acabou com a hegemonia do Brasil. Ao mesmo tempo, os aluviões e conglomerados chapadinos tiveram redução na sua capacidade produtiva, o que pôs fim a este período 42 diamantífero. Mas, o oásis no meio do sertão baiano, um lugar de paisagens sem igual, continuou sendo chamado de Chapada Diamantina. Nos 100 anos seguintes, aproximadamente (1870 - 1980), a mineração continuou de forma incipiente, entretanto, suficiente para causar degradação em grandes áreas da Chapada Diamantina. Depois de um período (1980 - 1990) de muitos confrontos entre garimpeiros e órgãos governamentais de proteção ambiental - que estavam tentando intervir quanto à utilização de dragas na mineração, as quais alteravam, significativamente, as paisagens dos vales dos rios – a partir dos anos 1990, os dias são marcados por uma postura preservacionista da maioria da população local. Mas, sem dúvida alguma, o responsável pelo fim da mineração na Chapada Diamantina foi o segmento da população, que já estava envolvido nas questões ambientais, fazendo denúncias, documentando as irregularidades e, também, porque já se previa o turismo, como uma alternativa econômica para a região. A população das cidades da Chapada Diamantina, outrora tão acostumada ao garimpo, criou outra forma para viver. Um exemplo a ser citado é a cidade de Piatã, cuja população preserva as águas cristalinas das nascentes do rio das Contas, que brotam da Serra do Tromba, criando um cenário de beleza sem igual. Hoje, a ocupação humana no bioma Cerrado da BH do rio das Contas (dentro da Chapada Diamantina) está condicionada pela estrutura do relevo, restringindo-se à atividade agrícola nos fundos dos vales e ao turismo nas serras. Por exemplo, nos municípios de Abaíra e Rio de Contas, entre as cristas das serras dissecadas pelos rios, cultivam-se arroz e cana-de- açúcar irrigada e, nas serras, o turismo de aventura é predominante. A BH do rio das Contas abrange 74 municípios baianos de forma total ou parcial, segundo dados da SRH/BA (1993), sendo que o rio principal atravessa cerca de 30 municípios. Destes, somente Jussiape (Cerrado), Jequié (Caatinga), Jitaúna, Ipiaú, Barra do Rocha, Ubatã, Aurelino Leal, Ubaitaba e Itacaré (Mata Atlântica) têm suas sedes banhadas pelo rio das Contas (Figura 7). A população residente em toda a área da bacia é de aproximadamente 1.550.000 habitantes. Entre estes, cerca de 300.000 vivem nas cidades que margeiam o rio das Contas (SRH/BA, 1993). As cidades de maior população são: Vitória da Conquista, Jequié e Brumado (bioma Caatinga) e Ipiaú (bioma Mata Atlântica), as quais se destacam na economia da bacia por possuírem uma produção econômica mais diversificada. Concentradas nas áreas da Chapada Diamantina e da Mata Atlântica seguem as atividades de turismo e lazer de aventura. 43 F ig ur a 7 - B H d o rio d as C on ta s co m o s m un ic íp io s qu e tê m a s ár ea s ur b an a s lo ca liz ad as n as m ar ge n s do r io . 44 Nos municípios de Piatã, Abaíra, Rio de Contas e Jussiape (Chapada Diamantina), a prática de traking e caminhada ecológica aos picos tem sido realizada por brasileiros adeptos ao turismo de natureza mas, principalmente, por estrangeiros. Tal fato explica-se por esta área ser ainda pouco conhecida no cenário nacional e de difícil acesso. Por isso, encontra-se bastante preservada, com suas serras grandiosas, sua biodiversidade vegetal e animal e seus rios de águas límpidas. Vale ressaltar que os referidos municípios estão incluídos na Área de Preservação Ambiental (APA) da Serra do Barbado. As principais rodovias federais que cruzam a BH do rio das Contas, no sentido norte/sul são: a BR 116, na área do bioma Caatinga e a BR 101, na área do bioma Mata Atlântica (próximo ao litoral). No sentido leste/oeste, as principais rodovias federais são: a BR 330, que liga a BA 101 à BA 026, passando por Jequié; e a BR 030, que atravessa todo o território da bacia, indo desde Maraú (leste) até Caetité (oeste). É a BA 026 que faz a ligação entre as rodovias BR 330 e BR 030 (Figura 8). A BR 116 promove a ligação das regiões norte, nordeste, sudeste e sul dentro do território brasileiro, permitindo a interligação dos maiores pólos econômicos regionais. Por isso é considerada uma das principais vias responsáveis pelo comércio nacional. Na BH do rio das Contas, ela atravessa o rio dentro da cidade de Jequié, faz a ligação desse município com Vitória da Conquista e segue na direção sul, até o limite da bacia com o estado de Minas Gerais. A BR 101 é considerada a rodovia do turismo, pois acompanha o litoral brasileiro, quase sempre muito próximo à costa. Dentro da BH do rio das Contas as principais cidades que a BR 101 atravessa são Aurelino Leal e Ubaitaba, as quais têm o rio das Contas dividindo seus perímetros urbanos. Quanto à presença de rodovias estaduais na BH do rio das Contas, a BA 001 passa bem próxima ao litoral, chegando, em alguns trechos, a margear a linha da praia. Dentro do município de Itacaré, a BA 001 atravessa o rio das Contas, bem próximo da sua foz. Esta rodovia tem muita importância na região, devido à atividade de turismo, que vem crescendo na economia regional. Devemos citar ainda a BA 148, por atravessar o sudoeste da Chapada Diamantina, no sentido norte/sul, indo desde a BR 030 até a nascente do rio das Contas, na altura do município de Jussiape, inclusive margeando-o em alguns trechos. De acordo com o Centro de Recursos Ambientais do Estado da Bahia (CRA/BA, 2000), os principais usos da terra na BH do rio das Contas, além da presença de cidades, contemplam as atividades de irrigação, mineração, agropecuária e geração de energia elétrica. 45 F ig ur a 8 - P rin ci pa is r od ov ia s fe de ra is e e st ad u ai s e fe rr ov ia q ue c ru za m a B H d o rio d as C on ta s, B A . 46 As atividades de irrigação concentram-se nos biomas Cerrado e Caatinga, apesar de ocuparem um espaço reduzido no cenário regional. Segundo a SRH/BA (1993), o principal projeto de irrigação, dentro da área da bacia, fica localizado no município de Brumado, razão, inclusive, de alguns conflitos de uso da água. Tal como ocorre em outras bacias hidrográficas, os principais conflitos pelo uso da água presentes na BH do rio das Contas decorrem, naturalmente, pela exigência da população ao direito de ter água potável, bem como, por problemas de disponibilidade. Segundo estudos do Ministério de Meio Ambiente (MMA), a presença de minerais nesta bacia é mais expressiva em áreas localizadas próximas às nascentes do rio das Contas e dos seus afluentes e nas áreas situadas ao sul da cidade de Jequié. Nos municípios de Caetité e de Lagoa Real, por exemplo, ficam as maiores reservas de urânio do país. Contudo, sua exploração pode ser prejudicada pela escassez da água, característica principal do bioma Caatinga. Além do urânio, minas de manganês, de talco, de dolomita e de calcário também são encontradas nesta região. Os minérios utilizados como materiais de construção (areia lavada, seixo, pedras decorativas, argila e cascalho) ocorrem, praticamente, em todos os rios da bacia. Entretanto, é importante destacar a retirada desordenada de areia do leito do rio das Contas no município de Jequié, o que vem contribuindo para a sua difícil sobrevivência. Já, em todos os espaços colinosos do bioma Caatinga dominam as velhas práticas de pastoreio extensivo, com gado solto por entre arbustos e capim nativo. Vale ressaltar que, o solo tem pouquíssima matéria orgânica. Dentro desse bioma, os municípios de Jequié, Vitória da Conquista, Caetité e Brumado são os que mais se dedicam à pecuária, criando gado, principalmente, para o corte. A produção de leite é pequena. Todavia, no bioma Mata Atlântica há um predomínio quase absoluto de lavouras (ver a Figura 6), com destaque para o cultivo do cacau consorciado com a mata. Este tipo de cultivo é chamado de sistema tradicional ou cabruca, o qual mantém parte do estrato arbóreo da mata original para servir de sombreamento ao cacau, já que é uma cultura que não suporta exposição ao sol. Com essa prática, evita-se a erosão do solo e, como resultado, preserva- se o sistema hidrológico, pois boa parte ocupa área de declive (ROCHA, 2008, p. 20). Durante quase todo o século XX, o cacau foi o principal gerador de riqueza da Região Sul Baiana. No entanto, o plantio de cacau no continente africano acabou reduzindo o preço do produto, explicando, em parte, a diminuição da produção baiana. Além disso, a 47 disseminação do fungo “vassoura-de-bruxa” ou Crinipellis perniciosa (doença que compromete a produção de frutos de cacau), também contribuiu para o declínio da produção baiana de cacau. Contudo, poucos cultivos agroflorestais são tão adequados para a preservação dos solos, das florestas e dos recursos hídricos como os de cacau, mesmo que haja degradação (é pequena se comparada a outras formas de cultivo), justificando todos os esforços para a sua recuperação econômica. As indústrias voltadas para a produção de alimentos se concentram, de maneira geral, nos municípios situados entre a BR 116 e a faixa litorânea, na área do bioma Mata Atlântica, principalmente nos municípios de Ipiaú, Ubatã, Ubaitaba e Aurelino Leal. São indústrias de secagem e pré-torrefação do café, produção de farinha de mandioca e de azeite de dendê. Na BH do rio das Contas, a área coberta pela Mata Atlântica é bastante divulgada pela mídia brasileira, devido à tradicional cultura do cacau. Entretanto, nos últimos anos, tem sido difundida a idéia da beleza da sua costa, por ainda preservar a mata e também pela presença do rio das Contas, principalmente, no município de Itacaré, o qual vem se despontando no turismo brasileiro. O rio, com suas corredeiras, seu cânion e suas quedas d’água, proporciona inúmeras atividades de recreação e de aventura, tendo o trecho que cruza o distrito de Taboquinhas, como seu maior exemplo. Os principais impactos na BH do rio das Contas estão diretamente relacionados à destruição da cobertura vegetal, por atividades agropecuárias e agroindustriais. As iniciativas de reflorestamento para a recuperação das áreas degradadas, em toda bacia e, dos cultivos de cacau, dentro da Mata Atlântica, ainda são muito incipientes. As poucas iniciativas restringem-se à pesquisadores da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (CEPLAC - órgão federal autárquico, criado para “desenvolver” a lavoura cacaueira) e à pesquisas desenvolvidas por professores da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), instituições localizadas na Região Litoral Sul da Bahia. Por tudo isso, a BH do rio das Contas é muito peculiar e requer uma especial atenção das autoridades federais e estaduais. O argumento econômico soma-se aos de origem ecológica, já que esta bacia e regiões próximas reúnem todas as condições ambientais e culturais favoráveis, para se transformar em um local de grandes projetos de desenvolvimento humano. Dentro dessa perspectiva, a proteção dos recursos hídricos adquire uma importância ímpar, justificando, ainda mais, quaisquer iniciativas de revitalização agroflorestal na bacia e de projetos que atendam às necessidades das pessoas que mais precisam. Do ponto de vista da Geografia Humanista, além de uma bacia hidrográfica ser uma área banhada por um rio principal e seus afluentes é, também, uma manifestação das relações 48 sociais, do meio ambiente e da subjetividade humana e o seu rio principal pode representar o elemento de confluência e de convergência dessas relações (GRATÃO, 2002). Assim, por estes motivos, passaremos a conhecer o rio das Contas no mesmo sentido de suas águas, ou seja, da nascente à foz, com o desejo fluente de desvendar este elemento da natureza na perspectiva humanista. As curvas do rio das Contas: da Chapada ao Oceano O rio é certeza de que existe lugar [...] (SOUZA NETO, 1997, s. p.). Um rio é uma corrente natural de água que flui com continuidade, possui um caudal considerável e desemboca no mar, num lago ou em outro rio, e em tal caso denomina-se afluente. Segundo Guerra (1993, p. 369) rio é uma “corrente líquida resultante da concentração do lençol d’água num vale”. Quando um rio nasce, sempre numa região elevada, é leve e buliçoso, como qualquer criança ou filhote de animal. Ele corre, salta, ora atirando-se de grandes alturas, ora saltitando rumoroso por entre os seixos, ora tranqüilo e descansando, arquejante em seu leito. O aspecto da sua água é saudável e límpido (quando não poluído), irradiando pureza e refletindo o azul do céu. Seu alimento, ou seja, a água, é o que proporciona o seio fértil da Terra-mãe. Essencialmente baiano, o rio das Contas nasce a aproximadamente 1.500 metros de altitude, em planaltos e maciços centrais do estado da Bahia, na majestosa Serra do Tromba (Figura 9) (sul do município de Piatã), pertencente às serras da Borda Ocidental da Chapada Diamantina; e “navega” por vários municípios baianos, percorrendo cerca de 500 quilômetros em direção leste, até a sua foz, no município de Itacaré, quando então, deságua no Oceano Atlântico. 49 Fonte: : http://images.google.com.br. Acesso em: ago. 2006. Figura 9 - Serra do Tromba no município de Piatã, BA. O rio das Contas pode ser dividido em três trechos ao longo de sua extensão, devido aos diferentes tipos de biomas que atravessa (ver Figura 2): a) Trecho que banha o bioma Cerrado - área da Chapada Diamantina, com 135 km, aproximadamente. b) Trecho que corta o bioma Caatinga - área do sertão baiano, com 225 km, aproximadamente. c) Trecho que atravessa o bioma Mata Atlântica - área de floresta, com 125 km, aproximadamente. Inicialmente, dentro da área municipal de Piatã, o rio das Contas, que é uma drenagem intermitente, possui direção de fluxo para norte até a confluência com o rio Gritador e com o rio Três Morros, passando, então, a fluir para nordeste. Mais à jusante, na confluência com o riacho do Vão, toma a direção sudeste no sentido do município de Abaíra (já em Depressões Periféricas e Interplanálticas), quando, então, corre no sentido sul, passando por Jussiape e, depois, por Rio de Contas (margem direita), município que faz o limite sul da Chapada Diamantina (na sua margem esquerda tem o município de Ituaçu, que está fora da área da Chapada Diamantina); este é o percurso do rio das Contas no bioma Cerrado. Dentro do bioma Caatinga, desde o município de Ituaçu o rio das Contas atravessa as Depressões Periféricas e Interplanálticas e o Planalto Sul-Baiano e, sempre em direção leste corta a região semi-árida da Bahia, até o município de Jequié (Figura 10). Ainda em sentido leste, a partir dos municípios de Itagi e Jitaúna mas, agora, dentro do bioma Mata Atlântica, o seu leito transpõe os Planaltos Pré-Litorâneo e Costeiro e segue por entre a mata, até sua desembocadura na cidade de Itacaré (Figura 11). 50 Fonte: Jequié Notícias, 23/06/2006. http://images.google.com.br. Acesso em: ago. 2006 e maio 2007. Figuras 10 e 11 - O rio das Contas cruzando os municípios de Jequié e de Itacaré, BA. O rio das Contas tem vazão de cerca de 1,76 m3/s na Chapada Diamantina, chegando a aproximadamente 100 m3/s próximo a sua foz, apresentando-se perene em todo seu curso (com exceção da nascente). Porém, a maioria dos seus tributários é intermitente (nos biomas Cerrado e Caatinga). Seu regime fluvial é de caráter essencialmente torrencial. Isto ocorre em decorrência do relevo movimentado e da baixa retenção de água, aliados à baixa permeabilidade de alguns tipos de solos que se localizam na área, facilitando o escoamento. As irregularidades pluviométricas ao longo do ano causam acentuada variabilidade nos seus deflúvios, existindo grande diferença de escoamento ao longo do seu per(curso), devido aos rigores do clima semi-árido, quando há grande perda de água por evaporação, contribuindo, consideravelmente, para diminuição do seu volume de água. Já na direção do litoral, os deflúvios do rio das Contas elevam-se novamente, não apenas devido ao clima mais úmido, mas, também, pela presença de reservatórios subterrâneos com capacidade de manter os deflúvios em época de estiagem (SRH/BA, 2004). A demanda atual de água no rio das Contas, em todo seu curso, é de 54,7 m3/s, sendo: abastecimento - 1,88 m3/s; irrigação - 10,08 m3/s; mineração - 0,02 m3/s e geração de energia - 42,00 m3/s. A disponibilidade hídrica superficial é de 143,30 m3/s. O rio das Contas já teve várias denominações desde o início da ocupação do território brasileiro. Os índios que habitavam as suas margens, antes da chegada dos europeus, chamavam-no de rio Juciape, que no vocabulário tupi juci-a-pê significa “lugar onde a caça bebe água”(www.brasilchannel.com.br/municípios, set. 2008). Silva Campos (2006) escreve que, de acordo com o professor e historiador português Duarte Leite, intérprete de mapas portugueses da época de 1535, o rio das Contas aparece 51 como rio Santo Agostinho, nome dado por viajantes desconhecidos que navegavam próximos à costa da Terra de Vera Cruz e registraram em mapas a onomástica dos maiores rios que desaguavam no Oceano Atlântico. Este mesmo nome foi dado pelo perito da nossa cartografia antiga, Orville Derby, que o identificou como rio S. Agostinho em Os mais antigos mapas do Brasil. “Julgamos que em 1531, quando Martin Afonso por ali passava [...]” (p. 25), assim se referiu Silva Campos (2006) a uma interpretação feita à obra Diário de Navegação, de Pero Lopes de Souza, para mostrar que o rio das Contas era chamado na época de rio Santagostinho. Mas, para o renomado professor baiano Honório Silvestre, que escreveu o artigo O Sul da Bahia, na Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, em 1926, “o rio das Contas ou Jussiape, dos indígenas, é, historicamente, o rio São Julião [...]” (p. 25), batizado por cronistas espanhóis que acompanhavam as expedições de Vicente Yañez Pinzón e Diego de Lepe às terras desconhecidas, antes de Pedro Álvares Cabral, feitas em 1499 e 1500, respectivamente (há muitas controvérsias quanto à realização destas expedições espanholas à costa oriental da América do Sul). Quanto à origem do seu atual nome, para Silva Campos (2006, p. 29) existem várias versões: Rio de Contas ou das Contas? Aristides Milton [Engenheiro Civil, professor, deputado e escritor baiano], nas “Efemérides Cachoeiranas” ([Salvador: Tipografia Baiana, 1903], p. 159), diz em nota: - “Digo Rio das Contas e não Rio de Contas, como, no entanto, é de uso quasi geral. O rio aludido não é cheio de contas, nem poderia ser formado por elas. Mas, como era a beira dele que os interessados na mineração do ouro se reuniam, nas épocas prefixadas, para ajustar as suas contas e fazer os respectivos dividendos, o rio naturalmente ficou denominado o Rio das Contas”. Segundo [Historiador baiano Francisco] Borges de Barros (Anais do Archivo Público do Estado da Bahia, 1933, II, p. 47), tal nome lhe foi aplicado devido a se encontrarem no seu leito umas pedras redondas e azuladas, idênticas às que corriam na Ásia como dinheiro. [O escritor baiano João] Guimarães Cova (Terra Prodigiosa, [Salvador: Imprensa Oficial do Estado, 1934], p. 14) apresenta esta variante da opinião de Aristides Milton: - “Os mineradores recebiam os seus salários num certo ponto de suas margens, onde se acertavam as contas, por isto eles diziam: lá no rio das contas”. Explica [o professor Luiz dos Santos] Vilhena ([Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas contidas em XX cartas anotadas por Braz do Amaral. Salvador: Edição oficial do Estado da Bahia, 1921], v. II, p. 530) a origem do topônimo pela história de dois religiosos que, chegados à margem do rio, tinham de transpô-lo para a outra banda, onde viram grande número de índios ferozes. Então qualquer deles disse ao companheiro, aludindo à possibilidade de serem massacrados: - “Hoje, meu irmão, iremos às contas” (Grifos do autor). Podemos perceber que essas denominações são reveladoras dos múltiplos sentidos que foram atribuídos ao rio das Contas, tanto que ele é apreendido, invocado ou representado por 52 diversas funções, sentidos e olhares, sendo divisor e fixador a partir das relações espaço, tempo e história. Neste trabalho, optamos pela denominação RIO DAS CONTAS porque propicia a distinção entre o nome do rio e o nome do município Rio de Contas, localizado próximo a Piatã (local da nascente do rio das Contas), embora sejam usadas as duas denominações por diversas instituições federais e estaduais que se referem a ele. Como exemplo: o IBGE adota o nome rio das Contas e a SRH/BA atribui a ele a denominação rio de Contas. O rio das Contas teve e, ainda, tem muita importância para a ocupação humana de toda sua bacia hidrográfica. Já serviu e ainda serve de estrada ou caminho; serve para alimentar muitas famílias; serve para o gasto doméstico dessas famílias; serve como local de trabalho para marisqueiras, lavadeiras, pescadores, etc; serve para irrigar lavouras; serve para a criação de gado; serve de berçário para muitas espécies de peixes e mariscos; serve para a prática de esporte de aventura; serve para propiciar paisagens deslumbrantes... serve para embalar sonhos... serve para contar estórias... serve para fonte de inspiração poética... enfim, serve para... Como divisor, um rio é fronteira geográfica que pode separar pessoas, fazendas, sítios, bairros, cidades, municípios, estados e até países. Mas, ao mesmo tempo em que divide os lugares, um rio pode ser vetor de integração local, regional, estadual e nacional. “No sentido de travessia o rio é caminho, estrada, navegação, via fluvial [...]. O rio é, assim, uma individualidade viva, aglutinadora que nivela e aumenta [...], dispersa e fixa pessoas, escrevendo na face da te