UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS ANABELLA PAVÃO DA SILVA OS NOVOS “CAPITÃES DA AREIA” E A ATUALIDADE DO ESTADO PENAL: Uma análise sobre os fundamentos históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais do Sistema Socioeducativo brasileiro FRANCA 2020 ANABELLA PAVÃO DA SILVA OS NOVOS “CAPITÃES DA AREIA” E A ATUALIDADE DO ESTADO PENAL: Uma análise sobre os fundamentos históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais do Sistema Socioeducativo brasileiro Tese apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, campus de Franca, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Serviço Social. Área de concentração: Serviço Social: Trabalho e Sociedade. Linha de Pesquisa: Serviço Social: Mundo do Trabalho. Orientadora: Profª. Drª. Neide Aparecida de Souza Lehfeld. FRANCA 2020 ANABELLA PAVÃO DA SILVA OS NOVOS “CAPITÃES DA AREIA” E A ATUALIDADE DO ESTADO PENAL: Uma análise sobre os fundamentos históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais do Sistema Socioeducativo brasileiro Tese apresentada à Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, campus de Franca, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Serviço Social. Área de concentração: Serviço Social: Trabalho e Sociedade. Linha de Pesquisa: Serviço Social: Mundo do Trabalho. Orientadora: Profª. Drª. Neide Aparecida de Souza Lehfeld. Banca Examinadora Presidente: _________________________________________________________ Profª. Drª. Neide Aparecida de Souza Lehfeld Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP/Franca 1º Examinador: ______________________________________________________ Profª. Drª. Eliana Mendes de Souza Teixeira Roque Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) 2º Examinador: ______________________________________________________ Profª. Drª. Maria Cristina Vidotte Blanco Tárrega Universidade Federal de Goiás (UFG) 3º Examinador: ______________________________________________________ Profª. Drª. Maria Cristina Piana Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP/Franca 4º Examinador: ______________________________________________________ Profª. Drª. Adriana Giaqueto Jacinto Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP/Franca Franca, 19 de março de 2020. À memória das minhas avós, Lourdes Ferreira Pavão e Guilhermina Maria da Silva, dedico este trabalho na certeza da presença em espírito de vocês ao meu lado. A saudade somente cresce e a esperança de reencontrá-las em outras vidas também aumenta a cada dia. Amo vocês, minhas queridas avós. À minha mãe, Vilma Aparecida Pavão da Silva, pelo seu amor, generosidade, sacrifícios e pelo grande ser humano que é. Mãe, a senhora é uma mulher incrível, um anjo que sempre cuida de mim, que chora quando choro e sorri quando sorrio. Sou grata por ter sido gerada em seu ventre e por ser a sua filha. Eu te amo! Ao meu pai, José Luis da Silva, meu super- herói, trabalhador aguerrido que sempre lutou para cuidar de mim e de minha mãe. Obrigada por tudo, pelos sacrifícios, por abrir mão de seus sonhos para que eu pudesse viver os meus. A nossa relação não poderia estar melhor e isso me alegra muito. Te amo, pai! Mãe, Pai, obrigada por serem presentes em minha vida, por se preocuparem comigo e por tudo que fizeram até hoje por mim. Mesmo em um corpo diferente, continuo a mesma pessoa que vocês deram a vida, cuidaram e educaram. Dedico esta tese e o meu título de Doutora a vocês, pois nada disso seria realidade sem a suas bênçãos, proteção e apoio. Amo vocês! Aos meus anjos de quatro patas, Pierre (memória), Branca, Finn e Marx, pelo amor incondicional e por me trazerem alegrias todos os dias. Amo vocês! A cada sujeito de pesquisa que, gentilmente participou deste estudo, a minha dedicatória e votos de força e de muita luta. Gratidão! AGRADECIMENTOS O meu processo de doutoramento não foi nada fácil. Passei por muitas provações, mudanças, perdas e ganhos que me transformaram profundamente. Desde a transição de gênero, assaltos em casa, falecimento de um cãozinho estimado, mudanças de endereço, horas de estrada, crises de ansiedade, vontade de desistir até os muitos compromissos assumidos em vários espaços. O que me felicita, neste momento, é olhar para trás e ver cada obstáculo superado e uma força inimaginável que toma conta do meu ser. A contar desde o mestrado, os seis anos e meio que passei na UNESP/Franca me levaram a momentos de força, de questionamentos e de baixa com a minha fé católica. Contudo, a crença em um Deus de bondade e de generosidade nunca abandonou o meu coração. Diante de todas as provações de que fui alvo, agradeço, em primeiro lugar, a este Deus que creio, um Ser de luz apresentado a mim pelos meus pais e avós. Sei que este encerramento é fruto de muito esforço, trabalho, suor e ações, porém, sem Ele, suas bênçãos e proteção, jamais teria chegado até aqui. Agradeço em segundo lugar, à uma mulher extraordinária que não foi só a orientadora desta tese, mas um grande apoio intelectual e ser humano incrível, que me acolheu nos melhores e piores momentos que vivi durante estes anos. Professora Neide Lehfeld, a minha eterna gratidão por tudo. Desejo que outros estudantes possam ser agraciados e honrados de tê-la como orientadora. Saiba que sentirei saudade desta convivência. Tens a minha admiração e carinho. Muito obrigada! Registro os meus agradecimentos a cada professora e professor pelas contribuições durante todo o processo de doutoramento. Um especial abraço a Professora Helen por me provocar a sair da bolha, dialogar com outras áreas e trazer um pouco da arte para a pesquisa científica. Aos Professores Marcelo Gallo e Cristina Piana pelas contribuições durante o meu exame de qualificação em abril de 2018. Vocês balançaram as estruturas do meu objeto de pesquisa e me levaram a uma tese que amei construir. Gostaria de deixar um agradecimento carinhoso à Joice Sousa Costa – meu par de vaso, minha amiga e companheira de momentos floridos e difíceis. Você é um grande presente que a UNESP/Franca me agraciou. Amo você e espero que a nossa amizade dure não só nesta vida, mas nas próximas também. Um agradecimento à galera do GEPPIA – UNESP/Franca, pelas trocas, reflexões e pelos momentos tão felizes e profícuos que passei ao lado de vocês. Em especial à Vitória Miranda por compartilhar comigo, a doçura e a provocação de Jorge Amado em Os Capitães da Areia. Agradeço também à Tatiana Borges e Talismara Guilherme, Assistentes Sociais e Supervisoras da DRADS Franca pela acolhida e apoio durante a aplicação da pesquisa no GECCATS e a Jacqueline David, pela autorização para a realização da pesquisa de campo. Este espaço, sem dúvida, foi muito importante para este estudo e muito enriqueceu esta tese. Gratidão à vocês! Com a alegria que enche o meu peito, que compartilho esta vitória, agradecendo aos meus amados amigos – minha família por afeto e cumplicidade, que, sem a existência de vocês, quem sabe o que seria da minha história. Gratidão a vocês, Rafael Martins, Lívia Cezillo, Teresa, Aline Ravage, Bruno Piola, Rogério Tercal, Aline Duarte, Juliana Paiúca, Guilherme Moraes, André Misaka e Aline Fogaça, que me acompanham desde o início desta caminhada e que sempre estenderam os braços e me deram colo nos momentos mais difíceis que passei. Amo vocês! Um agradecimento especial aos amigos e amigas que chegaram durante esta árdua caminhada. Á vocês, André Danezzi (Cher), Patrícia Thomazella (Paticelena), Rosana Pugina, Murilo Reis, Fabiano Fernandes (Bim), Thiago Sousa (Thi), Luiz Paulo (Luizona), Gabriela Marques (Landinha), Junot e Marcela Cabrini (Marcelaine), a minha gratidão pelas risadas, pelos momentos de descontração e pelo companheirismo. Com saudade e carinho, agradeço às amizades que construí ao longo desta jornada na UNESP/Franca: Bárbara Rosa, Maicow, Tais Pereira, Arlei, Lígia Fernandes, Eliane Amicucci, Rosely, Tatiana Almeida, Vanessa Oliveira, Miriam Coelho, Danila, Aldovano, Julieno, Cacildo, Valquíria, Fernanda Varandas, Cris Olegário, Fabrícia Maciel, Érika Lucchesi, Bruna Bonalume, Cléo, Thais Gaspar, Lucélia Cardoso, Valéria Gimenes e Maira Franciane. Que os nossos laços possam se manter firmes ao longo da nossa vida. Deixo aqui um agradecimento especial às queridas alunas e alunos, dos cursos de Serviço Social e História da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e dos cursos de Serviço Social e Relações Internacionais da UNESP/Franca. Cada turma, cada discente, para mim, tem uma representação especial nesta caminhada. Estes anos como professora muito me ensinaram. Espero ter semeado contribuições na formação de cada um de vocês. Aos docentes do curso de Serviço Social da UFTM e da UNESP Franca, pelos anos de convivência, trabalho e trocas que têm permitido o meu crescimento enquanto professora universitária. Vocês têm grande importância em minha vida. Ao Professor Genaro, por me presentear com Fundamentos Sociológicos I, Ética e Assistência Humanitária Internacional. Ministrar estas disciplinas foi fundamental para a minha trajetória enquanto ser humano e profissional. A todos vocês, gratidão! À Marcia Abdou e à Professora Alessandra Perez, pela preocupação, carinho e atenção em trazer até mim as mensagens da minha orientadora. Vocês são maravilhosas! À Paulinha, da Associação El Shadai de Batatais e em seu nome, a cada protagonista da Rede Socioassistencial de Batatais pelos anos de trabalho e trocas que me provocam a ser uma profissional cada vez melhor. Gratidão a vocês. Ao grupo do Facebook – Bolsistas Capes, pelas risadas, pelos “memes” divertidos, pelas trocas, informações e reflexões. Foi muito bom estar virtualmente ligada a vocês. Agradeço por fim, à CAPES, pelo financiamento dos meus estudos desde o mestrado até aqui com a concessão da Bolsa Demanda Social. CARTA DE UMA MÃE, COSTUREIRA, A' REDAÇÃO DO "JORNAL DA TARDE" Sr. Redator: Desculpe os erros e a letra pois não sou custumeira nestas coisas de escrever e se hoje venho a vossa presença é para botar os pontos nos ii. Vi no jornal uma noticia sobre os furtos dos "Capitães da Areia" e logo depois veio a policia e disse que ia perseguir eles e então o doutor dos menores veio com uma conversa dizendo que era uma pena que eles não se emendavam no reformatorio para onde ele mandava os pobres. É pra falar no tal do reformatorio que eu escrevo estas mal- traçadas linhas. Eu queria que seu jornal mandasse uma pessoa ver o tal do reformatorio para ver como são tratados os filhos dos pobres que teem a desgraça de cair nas mãos daqueles guardas sem alma. Meu filho Alonso teve lá seis mezes e se eu não arranjasse tirar ele daquele inferno em vida não sei se o desgraçado viveria mais seis mezes. O menos que acontece pros filhos da gente é apanhar duas e três vezes por dia. O diretor de lá vive caindo de bebedo e gosta de ver o chicote cantar nas costas dos filhos dos pobres. Eu vi isso muitas vezes porque eles não ligam pra gente e diziam que era para dar exemplo. Foi por isso que tirei meu filho de lá. Se o jornal do senhor mandar uma pessoa lá, secreta, ha de ver que comida eles comem, o trabalho de escravo que teem, que nem um homem forte agüenta, e as surras que tomam. Mas é preciso que vá secreto sinão se eles souberem vira um ceu aberto. Vá de repente e ha de ver quem tem razão. É por essas e outras que existem os "Capitães da Areia". Eu prefiro ver meu filho no meio deles que no tal reformatorio. Se o senhor quizer ver uma coisa de cortar coração vá lá. Também se quizer pode conversar com o padre José Pedro que foi capelão de lá e viu tudo isso. Ele também pode contar e com melhores palavras que eu não tenho. Maria Ricardina, costureira. (Jorge Amado, 1937). SILVA, Anabella Pavão da. Os novos “Capitães da Areia” e a atualidade do Estado Penal: uma análise sobre os fundamentos históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais do Sistema Socioeducativo brasileiro. 2020. 560 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2020. RESUMO A tese de doutorado que ora apresentamos teve o desafio de responder à questão central do seu objeto: a quem se destina a política social de atendimento socioeducativo: ao resgate da dignidade humana sob a construção de novos projetos de vida por adolescentes ou ao capital que regride direitos e criminaliza a pobreza para o seu processo acumulativo? Esta indagação norteou toda a construção desta pesquisa que teve como objetivo – construir conhecimento científico acerca da gestão e execução das medidas socioeducativas no estado de São Paulo e os rebatimentos das contrarreformas neoliberais do Estado Brasileiro no atendimento aos adolescentes autores de ato infracional. A partir da questão norteadora e do objetivo central da pesquisa, compreendemos, enquanto proposições hipotéticas, que as medidas socioeducativas aplicadas ao adolescente autor de ato infracional estão submissas às determinações do sistema capitalista. Esta submissão se materializa no histórico processo de atendimento institucional, realizado a priori, pelo Estado e, posteriormente, compartilhado com as Organizações da Sociedade Civil, que responsabiliza exclusivamente o adolescente por todas as suas ações, esvaziando uma reflexão acerca das desigualdades e injustiças sociais que nivelam a violência e aprofundam o abismo socioeconômico que separa ricos e pobres. Além da violência que desenha o Estado penal em face destes jovens, o sistema socioeducativo ao adolescente vivencia a contraditória fase de avanços técnicos, legais e normativos ao mesmo compasso que precariza a qualidade do atendimento pelas medidas de ajuste fiscal aplicadas pelo Estado para amenizar e salvar o capital do seu momento de crise. A pesquisa permitiu inferir que, enquanto o debate da política social preza pela proteção social e bem-estar dos sujeitos, a socioeducação se concentra em medidas de mal-estar e punição para adolescentes que não reconhecem no esforço e no mérito, os caminhos para a ascensão social e econômica. A lógica neoliberal da meritocracia é a batuta que rege a reprodução da vida social e material no capitalismo, defendendo medidas punitivas, vazias de significado àqueles que não seguem os ditames da ordem vigente. Neste sentido, alicerçada em uma perspectiva crítica marxiana, analisamos por meio de pesquisa de bibliográfica, documental e de campo, a relação e os impactos do neoliberalismo na gestão e no trabalho do Sistema Nacional Socioeducativo (SINASE), com recorte espacial voltado ao estado de São Paulo, situando-o a um panorama nacional. Sob esta análise, construímos categorias teóricas, analíticas e filosóficas que permitiram a sistematização das reflexões propostas. A pesquisa permitiu o alcance dos objetivos estabelecidos e ratifica os pressupostos elaborados durante o seu planejamento, sintetizados nesta tese de doutorado que finalmente vem à público. Palavras-chave: Adolescências. Ato Infracional. Sistema Nacional Socioeducativo. Estado Penal. Neoliberalismo. SILVA, Anabella Pavão da. The new “Captains of the Sand” and the current state of the Penal State: an analysis of the historical, political, economic, social and cultural foundations of the Brazilian socio-educational system. 2020. 560 s. Thesis (Doctorate in Social Work) - Faculty of Humanities and Social Sciences, Paulista State University “Julio de Mesquita Filho”, Franca, 2020. ABSTRACT The doctoral thesis we presented here had the challenge of answering the central question of its object: who is the social policy of socio-educational assistance for: the rescue of human dignity under the construction of new life projects by teenagers or the capital that regresses rights and criminalizes poverty for its cumulative process? These questions guided the entire construction of this research that aimed to build scientific knowledge about the management and execution of socio-educational measures in the state of São Paulo and the repercussions of the neoliberal counter-reforms of the Brazilian State in assisting adolescent authors of an infraction. From the guiding question and the central objective of the research, we understand, as hypothetical propositions that the socio-educational measures applied to the adolescent who committed an infraction are subject to the determinations of the capitalist system. This submission is materialized in the historical process of institutional assistance, carried out a priori by the State and, later, shared with Civil Society Organizations that still exclusively hold adolescents responsible for all their actions, emptying a reflection on the inequalities and social injustices that level the violence and deepen the socioeconomic gap that separates rich and poor. In addition to the violence that draws the penal state in the face of these young people, the adolescent's socio-educational system experiences the contradictory phase of technical, legal and normative advances, at the same time that precarious the quality of care through the fiscal adjustment measures applied by the State to mitigate and save the capital of your crisis moment. The research allowed us to infer that, while the social policy debate values the social protection and well-being of the subjects, socio-education focuses on measures of malaise and punishment for adolescents who do not recognize the effort and merit, the paths to social and economic rise. The neoliberal logic of meritocracy is the baton that governs the reproduction of social and material life in capitalism, defending punitive measures, meaningless to those who do not follow the dictates of the current order. In this sense, based on a critical Marxian perspective, we analyzed, through bibliographic, documentary and field research, the relationship and impacts of neoliberalism in the management and work of the National Social and Educational System (SINASE), with a spatial focus on the state of São Paulo, placing it in a national panorama. Under this analysis, we constructed theoretical, analytical and philosophical categories that allowed the systematization of the proposed reflections. The research allowed the achievement of the established objectives and also confirms the assumptions made during its planning, synthesized in this doctoral thesis that finally comes to the public. Keywords: Adolescences. Infractional Act. National Socio-Educational System. Criminal State. Neoliberalism. SILVA, Anabella Pavão da. Los nuevos "Capitanes de la arena" y el estado actual del Estado penal: un análisis de los fundamentos históricos, políticos, económicos, sociales y culturales del sistema socioeducativo brasileño. 2020. 560 h. Tesis (Doctorado en Trabajo Social) - Facultad de Humanidades y Ciencias Sociales, Universidad Estatal Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Franca, 2020. RESUMEN La tesis doctoral que presentamos aquí tuvo el desafío de responder a la pregunta central de su objeto: quién es la política social de asistencia socioeducativa para: el rescate de la dignidad humana bajo la construcción de nuevos proyectos de vida por parte de adolescentes o la capital que retrocede derechos y criminaliza la pobreza por su proceso acumulativo? Estas preguntas guiaron toda la construcción de esta investigación que tenía como objetivo construir conocimiento científico sobre el manejo y la ejecución de medidas socioeducativas en el estado de São Paulo y las repercusiones de las contrarreformas neoliberales del Estado brasileño para ayudar a los autores adolescentes de una infracción. A partir de la pregunta guía y el objetivo central de la investigación, entendemos, como proposiciones hipotéticas, que las medidas socioeducativas aplicadas al adolescente que cometió una infracción están sujetas a las determinaciones del sistema capitalista. Esta presentación se materializa en el proceso histórico de asistencia institucional, llevado a cabo a priori por el Estado y, más tarde, compartido con organizaciones de la sociedad civil que aún responsabilizan exclusivamente a los adolescentes de todas sus acciones, vaciando una reflexión sobre las desigualdades e injusticias sociales que nivelar la violencia y profundizar la brecha socioeconómica que separa a ricos y pobres. Además de la violencia que atrae al Estado penal frente a estos jóvenes, el sistema socioeducativo del adolescente experimenta la fase contradictoria de los avances técnicos, legales y normativos, al mismo tiempo que precaria la calidad de la atención a través de las medidas de ajuste fiscal aplicadas por el Estado para mitigar y ahorrar. la capital de tu momento de crisis. La investigación permitió inferir que, si bien el debate sobre la política social valora la protección social y el bienestar de los sujetos, la educación social se centra en medidas de malestar y castigo para los adolescentes que no reconocen el esfuerzo y el mérito, los caminos hacia ascenso social y económico. La lógica neoliberal de la meritocracia es la batuta que gobierna la reproducción de la vida social y material en el capitalismo, defendiendo medidas punitivas, sin sentido para quienes no siguen los dictados del orden actual. En este sentido, desde una perspectiva marxista crítica, analizamos, a través de la investigación bibliográfica, documental y de campo, la relación e impactos del neoliberalismo en la gestión y el trabajo del Sistema Socioeducativo Nacional (SINASE), con un enfoque espacial en el estado de São Paulo, colocándolo en un panorama nacional. Bajo este análisis, construimos categorías teóricas, analíticas y filosóficas que permitieron la sistematización de las reflexiones propuestas. La investigación permitió el logro de los objetivos establecidos y también confirma los supuestos realizados durante su planificación, sintetizados en esta tesis doctoral que finalmente llega al público. Palabras clave: Adolescencias. Ley de Infracción. Sistema Socioeducativo Nacional. Estado criminal. Neoliberalismo. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Maioridade no Brasil ............................................................................. 63 Figura 2 – Ulysses Guimarães ergue a Constituição na sessão de promulgação ................................................................................................................................ 101 Figura 3 – Pirâmide etária absoluta – Brasil, censo de 1991 ............................. 110 Figura 4 – O primeiro metalúrgico na rampa presidencial ................................ 127 Figura 5 – Tripé do neodesenvolvimentismo brasileiro .................................... 128 Figura 6 – Representação do Sistema de Garantia de Direitos ......................... 132 Figura 7 – Dilma Rousseff, a primeira mulher empossada presidenta do Brasil ................................................................................................................................ 133 Figura 8 – Comemoração da vitória de Bolsonaro nas eleições de 2018 ........ 140 Figura 9 – Divisão do Estado Brasileiro .............................................................. 161 Figura 10 – Lei Áurea ............................................................................................ 167 Figura 11 – Elizabeth I, rainha da Inglaterra (1533 – 1603) ................................ 191 Figura 12 – Crianças fichadas pelo DOPS .......................................................... 215 Figura 13 – Composição do Sistema Socioeducativo ao Adolescente ............ 228 Figura 14 – Concentração geográfica de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa ......................................................................................... 270 Figura 15 – Ato Infracional – meio aberto – Estado de São Paulo .................... 277 Figura 16 – Ato Infracional – meio aberto – Estado de São Paulo .................... 278 Figura 17 – Ato Infracional – meio aberto – Estado de São Paulo .................... 278 Figura 18 – Resumo orçamentário – Fundação CASA, 2019 ............................. 348 Figura 19 – Dimensões de Plano, Programa e Projeto ...................................... 379 Figura 20 – Mapa estratégico da Fundação CASA ............................................. 384 Figura 21 – Quadro síntese dos Serviços Socioassistenciais .......................... 390 Figura 22 – Logotipo da ENS ................................................................................ 423 Figura 23 – Portal SIPIA – Módulo Conselhos Tutelares ................................... 434 Figura 24 – Portal SIPIA – Módulo SINASE ......................................................... 435 Figura 25 – Logotipo da Rede SUAS ................................................................... 437 Figura 26 – Portal SAGI – aba “navegue aqui” – eixo Cidadão ......................... 440 Figura 27 – Portal SAGI – aba “navegue aqui” – eixo Técnico e Pesquisador 441 Figura 28 – Portal do MMFDH ............................................................................... 444 Figura 29 – Portal eletrônico do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento com acesso restrito ....................................................................................................... 446 Figura 30 – Portal eletrônico do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento com acesso público ...................................................................................................... 446 Figura 31 – Portal eletrônico com acesso restrito do CNACL ........................... 448 Figura 32 – Portal eletrônico com acesso aberto do CNACL ............................ 448 Figura 33 – Visão inicial do Sistema MSE Web .................................................. 449 Figura 34 – Portal CASA – Fundação CASA – SP .............................................. 452 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Atos infracionais cometidos por adolescentes em 2007 nos EUA. ................................................................................................................................ 233 Gráfico 2 – Principais infrações cometidas por adolescentes em 2017 ........... 234 Gráfico 3 – Casos de abuso de autoridade no Brasil ......................................... 248 Gráfico 4 – Atos infracionais nas medidas em meio fechado – Brasil, 2016 ... 272 Gráfico 5 - Atos infracionais nas medidas em meio aberto – Brasil, 2018 ....... 272 Gráfico 6 – Atos infracionais cometidos, segundo os participantes da pesquisa de campo................................................................................................................ 274 Gráfico 7 – Média de atendimento de adolescentes pelos participantes da pesquisa ................................................................................................................. 275 Gráfico 8 – Perfil étnico/racial no meio fechado – Estado de São Paulo ......... 276 Gráfico 9 – Ato Infracional – meio fechado – Estado de São Paulo ................. 277 Gráfico 10 – Concentração de Renda no Brasil – 1995-2005 ............................. 289 Gráfico 11 – Orçamento Público Federal, 2018 .................................................. 295 Gráfico 12 – População socioeducativa brasileira – 2004, 2012 e 2018 ........... 322 Gráfico 13 – Vínculo institucional dos participantes da pesquisa .................... 326 Gráfico 14 – Cofinanciamento do Sistema Socioeducativo .............................. 335 Gráfico 15 – A pacificação na Fundação CASA .................................................. 343 Gráfico 16 – Centros de Atendimento Socioeducativo em números ................ 344 Gráfico 17 – Adolescentes em internação e semiliberdade 1999 - 2019 .......... 349 Gráfico 18 – Gestão estadual das medidas em meio aberto ............................. 353 Gráfico 19 – Unidades de Atendimento de LA e PSC – Estado de SP .............. 356 Gráfico 20 – Regimes de contratação, segundo os participantes .................... 406 Gráfico 21 – Trabalhadores “cedidos” por OSCs para o Poder Público .......... 406 Gráfico 22 – Participação em formações de educação permanente ................ 417 Gráfico 23 – Periodicidade das participações em educação permanente ....... 417 Gráfico 24 – Espaços de educação permanente por busca independente ...... 419 Gráfico 25 - Taxas de homicídios de negros e de não negros a cada 100 mil habitantes dentro destes grupos populacionais – Brasil (2007-2017) ............. 478 Gráfico 26 – A quem serve o sistema socioeducativo, segundo os sujeitos participantes da pesquisa .................................................................................... 483 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Brasil: indicadores macroeconômicos selecionados – 1968-1973 . 91 Quadro 2 – Divisão do Estatuto da Criança e do Adolescente ......................... 117 Quadro 3 – Continuidades e descontinuidades entre o Código de Menores de 1979 e o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 ................................... 118 Quadro 4 – Presidentes da República no período desenvolvimentista brasileiro ................................................................................................................................ 172 Quadro 5 – Medidas Socioeducativas, segundo o Estatuto .............................. 221 Quadro 6 – Eixos norteadores para a Administração dos Centros de Detenção para jovens, segundo a ONU (1990) .................................................................... 246 Quadro 7 – Síntese das Regras de Tóquio.......................................................... 252 Quadro 8 – Estrutura da Reforma do Aparelho do Estado ................................ 290 Quadro 9 – Estrutura da Lei do SINASE .............................................................. 303 Quadro 10 – Gestão do SINASE – Poder Executivo ........................................... 329 Quadro 11 – Gestão do SINASE – Instâncias de articulação ............................ 331 Quadro 12 – Gestão do SINASE – Instâncias de Controle................................. 338 Quadro 13 – Critérios de partilha para o cofinanciamento federal de LA e PSC ................................................................................................................................ 358 Quadro 14 – Parâmetros para a composição da equipe de referência do CREAS ................................................................................................................................ 391 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Princípios constitutivos do Plano Beveridge, 1944 ......................... 203 Tabela 2 – Lugar da gestão no SINASE (medidas em meio fechado) ............... 319 Tabela 3 – Estimativa de custeio anual – meio fechado, 2018 .......................... 335 Tabela 4 – Rendimentos dos profissionais contratados em Centros de Gestão Plena e Gestão Compartilhada – Fundação CASA ............................................. 346 Tabela 5 – Diferença salarial entre os profissionais contratados pelos Centros de Gestão Plena e Gestão Compartilhada – Fundação CASA .......................... 346 Tabela 6 – Repasses dos fundos dos direitos da criança e do adolescente para os programas de medidas meio aberto – Estado de São Paulo, 2018 ............. 360 Tabela 7 – Repasses dos fundos de assistência social para os programas de medidas meio aberto – Estado de São Paulo, 2018 ........................................... 361 Tabela 8 – Buscam educação permanente de forma independente ................. 418 LISTA DE SIGLAS AI Ato Institucional ANCINE Agência Nacional do Cinema BID Banco Interamericano de Desenvolvimento BM Banco Mundial BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNH Banco Nacional de Habitação CadÚNICO Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal CAIC Centro de Apoio Integral à Criança e ao Adolescente CAPs Caixas de Aposentadorias e Pensões CASA Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente CCJ Comissão de Constituição e Justiça CEB Comunidades Eclesiais de Base CEDECAS Centros de Defesa da Criança e do Adolescente CEP Comitê de Ética em Pesquisa CF Constituição Federal CFESS Conselho Federal de Serviço Social CFP Conselho Federal de Psicologia CGU Corregedoria Geral da União CIT Comissão Intergestores Tripartite CLT Consolidação das Leis do Trabalho CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente CNACL Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei CNAS Conselho Nacional de Assistência Social CNJ Conselho Nacional de Justiça CNMP Conselho Nacional do Ministério Público CNS Conselho Nacional de Saúde CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente CPI Comissão Parlamentar de Inquérito CRAS Centros de Referência de Assistência Social CREAS Centro de Referência Especializado de Assistência Social CT Conselho Tutelar DC Desenvolvimento de Comunidade DNCr Departamento Nacional da Criança DOPS Departamento de Ordem Política e Social DPVAT Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre DRADS Diretoria Regional de Desenvolvimento Social DSD Depoimento Sem Dano DSN Doutrina da Segurança Nacional ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EFCP Escola para Formação e Capacitação Profissional ENEM Exame Nacional do Ensino Médio ENS Escola Nacional de Socioeducação ESG Escola Superior de Guerra EUA Estados Unidos da América FBI Federal Bureau of Investigation FCBIA Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência FDCA Fóruns de Defesa da Criança e do Adolescente FEBEM Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor FEDCA Fundo Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FGV Fundação Getúlio Vargas FHC Fernando Henrique Cardoso FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz FMDCA Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente FNDCA Fundo Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente FMI Fundo Monetário Internacional FONACRIAD Fórum Nacional de Dirigentes de Entidades Executoras de Políticas de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor GECCATS Grupo de Estudos e Capacitação Continuada dos Trabalhadores do SUAS IAPS Institutos de Aposentadorias e Pensões IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INPS Instituto Nacional de Previdência Social IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPM Inquérito Policial-Militar JK Juscelino Kubistchek LA Liberdade Assistida LAI Lei de Acesso à Informação LBA Legião Brasileira de Assistência LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação LGBTQIAP Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Trangêneros, Queers, Intersexuais, Assexuais, Agênero e Pansexuais LOAS Lei Orgânica de Assistência Social LTE Lei Tutelar Educativa MDB Movimento Democrático Brasileiro MDH Ministério dos Direitos Humanos MDSA Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário MDS Ministério do Desenvolvimento Social MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MMFDH Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos MNMMR Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua MPAS Ministério da Previdência e da Assistência Social MROSC Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil MSE Medidas Socioeducativas NOB/SUAS Norma Operacional Básica do SUAS NOB-RH/SUAS Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS NUPRIE Núcleo de Produção de Informações Estratégicas ONG Organizações Não-Governamentais ONU Organização das Nações Unidas OPEP Organização dos Países Exportadores de Petróleo OSC Organização da Sociedade Civil PAC Programa de Aceleração do Crescimento PAEFI Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos PAIF Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família PASEP Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público PCB Partido Comunista Brasileiro PCdoB Partido Comunista do Brasil PCF Programa Criança Feliz PDRAE Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado PEC Projeto de Emenda Constitucional PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PIA Plano Individual de Atendimento PIB Produto Interno Bruto PMAS Plano Municipal de Assistência Social PNAS Política Nacional de Assistência Social PNBEM Política Nacional do Bem-Estar do Menor PNCFC Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária PNEP Política Nacional de Educação Permanente do SUAS POLI Diagnóstico Polidimensional PPI Programa de Parcerias e Investimentos da Presidência da República PPP Parcerias Público-Privadas PRN Partido da Reconstrução Nacional PRODASEN Centro de Informática e Processamento de Dados do Senado Federal PRONAICA Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e Adolescente PROUNI Programa Universidade para Todos PSC Prestação de Serviços à Comunidade PSD Partido Social Democrático PSDB Partido da Social Democracia Brasileira PSL Partido Social Liberal PT Partido dos Trabalhadores PTC Partido Trabalhista Cristão RMA Registro Mensal de Atividades RMV Renda Mensal Vitalícia SAICA Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes SAGI Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação SAM Serviço de Assistência ao Menor SCFV Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos SEDS Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social SGD Sistema de Garantia de Direitos SINASE Sistema Socioeducativo ao Adolescente SIPIA Sistema de Informação para a Infância e Adolescência SISU Sistema de Seleção Unificada SNF Sistema Financeiro de Habitação STF Supremo Tribunal Federal SUAS Sistema Único de Assistência Social SUS Sistema Único de Saúde TCLE Termo de Compromisso Livre e Esclarecido TCU Tribunal de Contas da União TI Tecnologia da Informação TIC Tecnologia da Informação e Comunicação TSE Tribunal Superior Eleitoral UNE União Nacional dos Estudantes UNESP Universidade Estadual Paulista UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância URSS União da República Socialista Soviética SUMÁRIO PROLEGÔMENOS PARA O ESTUDO DA SOCIOEDUCAÇÃO BRASILEIRA NO CONTEXTO NEOLIBERAL – INTRODUZINDO O OBJETO DE PESQUISA .......... 25 I - Sobre o Sistema Socioeducativo ao adolescente no capitalismo .................. 26 II - Indagações ao objeto de pesquisa ................................................................... 29 III - Os pressupostos do objeto de estudo ............................................................ 30 IV - Os objetivos da presente pesquisa ................................................................. 32 V - A caminhada metodológica – considerações iniciais .................................... 32 VI - O posicionamento teórico e ideopolítico da pesquisa: o método e sua pertinência ............................................................................................................... 34 VII - Sobre o objeto, universo, lócus e os sujeitos da pesquisa ......................... 37 VIII - Sobre a abordagem metodológica ................................................................ 38 IX - Os momentos da pesquisa .............................................................................. 40 X - Técnicas de apreensão e análise dos dados .................................................. 41 XI - Os fundamentos éticos da pesquisa no Sistema Socioeducativo ............... 42 XII - A estrutura da tese .......................................................................................... 44 CAPÍTULO 1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS, POLÍTICOS E ECONÔMICOS DA ASSISTÊNCIA À INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NO BRASIL ........................................................ 46 1.1 Amparo, punição, correção e educação de crianças e adolescentes na história do Brasil: da colonização aos primeiros anos da república ................. 48 1.2 A infância e adolescência no século XX: das legislações punitivas, tratados internacionais à emergência da luta brasileira pela proteção integral ............... 69 1.3 A decadência do regime militar, a reabertura democrática, a Constituição de 1988 e as convenções internacionais: trilhando os caminhos da proteção integral ..................................................................................................................... 90 1.4 O Estatuto da Criança e do Adolescente na mira do neoliberalismo: a assistência e proteção a infância e adolescência na despedida do século XX ................................................................................................................................ 107 1.5 A assistência a infância e adolescência no século XXI: considerações sobre os governos Fernando Henrique, Lula, Dilma ao primeiro ano da “gestão” Bolsonaro............................................................................................................... 126 CAPÍTULO 2 PROTEÇÃO SOCIAL E O SISTEMA SOCIOEDUCATIVO: OS FUNDAMENTOS CONSTITUTIVOS, AS VIAS TEÓRICAS E O CONTEXTO BRASILEIRO ............ 147 2.1 Concepções clássicas e contemporâneas sobre o Estado ......................... 149 2.2 Tramas e contradições na formação do Estado e do capitalismo brasileiro entre 1500 a 1990: uma breve contextualização histórico-crítica ..................... 158 2.3 Os Fundamentos teóricos da proteção social: aproximações sucessivas ao Welfare State a partir da análise do liberalismo econômico clássico .............. 180 2.4 Proteção Social à brasileira e a construção do Sistema Socioeducativo ao Adolescente em 2006 ............................................................................................ 207 2.5 O cenário internacional e o ato infracional: a delinquência juvenil, justiça penal e tratados internacionais para jovens autores de infração penal........... 230 CAPÍTULO 3 AS CONTRARREFORMAS NEOLIBERAIS E AS IMPLICAÇÕES NA CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO AO ADOLESCENTE NO BRASIL ................................................................................................................... 258 3.1 A categoria trabalho e o sistema socioeducativo ........................................ 260 3.2 Traçando o perfil dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa no eixo Brasil – São Paulo ......................................................... 266 3.3 Brasil em contrarreforma: o Plano Diretor de Bresser Pereira e as implicações na política social e na socioeducação brasileira .......................... 281 3.4 O SINASE como política social híbrida: a interface entre justiça, educação e assistência social .................................................................................................. 303 3.5 A gestão do Sistema Socioeducativo ao Adolescente: aproximações analíticas Brasil – São Paulo sobre as medidas em meio aberto e fechado.... 320 CAPÍTULO 4 AS PARTICULARIDADES DA SOCIOEDUCAÇÃO NO CAPITALISMO: CRÍTICAS À EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NO TEMPO PRESENTE .. 366 4.1 Perfis pedagógicos do sistema socioeducativo e seus pontos conflitantes ................................................................................................................................ 368 4.2 Os processos de trabalho no sistema socioeducativo: o planejamento, as metodologias de atendimento ao adolescente e suas implicações na construção do PIA e do Diagnóstico Polidimensional ........................................................... 376 4.3 A precarização do trabalho e os desdobramentos no sistema socioeducativo ................................................................................................................................ 404 4.4 Gestão da informação no Sistema Socioeducativo: avanços, desafios e importância para a produção do conhecimento ................................................. 426 4.5 A socioeducação e o controle penal no tempo do capital ........................... 456 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 490 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 500 APÊNDICES ........................................................................................................... 545 ANEXOS ................................................................................................................. 555 25 PROLEGÔMENOS PARA O ESTUDO DA SOCIOEDUCAÇÃO BRASILEIRA NO CONTEXTO NEOLIBERAL – INTRODUZINDO O OBJETO DE PESQUISA “Crianças que estudam para cangaceiro na escola da miséria e da exploração do homem”. (Jorge Amado) 26 I - Sobre o Sistema Socioeducativo ao adolescente no capitalismo A discussão acerca do Sistema Socioeducativo ao Adolescente (SINASE) é permeada por problematizações de várias determinantes sociohistóricas que nos provocam a conhecer e refletir acerca dos percursos que o Estado tem construído em conjunto com as Organizações da Sociedade Civil (OSC’s) para a (re)construção desta, que é uma das mais importantes políticas sociais de resgate à dignidade da pessoa humana em face aos adolescentes, autores de ato infracional. É sabido que, historicamente, esta política foi pensada a partir da perspectiva da menoridade em situação irregular, cujo objetivo do Estado era o de corrigir os denominados “menores” (infratores, irregulares, delinquentes, desviados...), devolvendo-os à sociedade sob novas condições de vida após uma permanência em Instituições correcionais. De forma profunda e poética, Jorge Amado (1912 – 2001), em 1937, vai envolver a situação do “menor delinquente” na literatura, a partir de suas vivências em Salvador/Bahia, denominando-os de “Capitães da Areia, considerando que estes garotos viviam em um trapiche na urbe da praia e praticavam vários delitos importunando o sossego do cidadão de bem (AMADO, 2019). Sob uma construção estética e científica, provocando um diálogo entre a arte e a ciência, apropriamo-nos da expressão “Capitães da Areia” e a inserimos no título deste trabalho como uma forma de poetizar esta construção de conhecimento, associando as provocações que a literatura de Jorge Amado no apresenta com a proposta desta pesquisa ora concluída. Amado (2019) ainda retrata um pouco da institucionalização destes menores em Instituições correcionais que “tratavam” da regeneração destes garotos nas cartas para o jornal. “Um estabelecimento modelar onde reinam a paz e o trabalho” (AMADO, 2019, p. 21). Este modelo de atendimento se volta às premissas de uma perspectiva positivista e funcionalista que defendia a manutenção do sistema e a adequação dos sujeitos a partir das regras de uma dada ordem social em vigor. Contudo, a qualidade das ações, neste período sombrio da história do sistema de proteção à infância e adolescência, não possuía respaldo nos princípios do direito à vida, tampouco da dignidade e da humanidade destes sujeitos. Ao contrário, o atendimento institucional, tão antigo e ainda atual, voltou-se para as práticas de violência das mais diversas expressões, na crença de que a dor e o sofrimento seriam os caminhos para a regeneração. 27 O sistema correcional institucional, que emerge no início do século XX com a sua institucionalização em lei nacional na década de 1920 e reformulado na década de 1970, pautou-se mais pela barbárie, do que pela reconstrução de projetos de vida fundados nos pilares da educação, ou, sendo mais ousado, da emancipação (ao menos social e política) dos sujeitos. A revisão de literatura permitiu compreender a institucionalização da violência e da repressão historicamente impostas à criança e ao adolescente – pobres e negros. A partir de 1990, com a doutrina da proteção integral somada a intenção de ruptura da lógica da menoridade pela distinção entre crianças e adolescentes e sua inserção de fato no campo dos direitos sociais, é que o Estado e Sociedade repensam, em tese, as bases fundamentais para o atendimento aos adolescentes autores de ato infracional, preservando traços e ações com base no direito menorista de doutrina da situação irregular. Em contradição, caminhando em sintonia com o avanço neoliberal e suas regras para o crescimento econômico, o atendimento socioeducativo ao adolescente se subordina ao capital, com impactos significativos nas estratégias de atendimento. A lógica estatal é de qualificar o atendimento a um baixo custo. Esta premissa se baseia no princípio da economicidade e na responsabilidade compartilhada entre Estado e Sociedade, estabelecidas na Constituição Federal de 1988, que abre as portas para a reestruturação das políticas sociais a partir dos ditames do neoliberalismo. Com o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, de 1995, elaborada pelo então ministro da Reforma do Estado, o economista e cientista político Luis Carlos Bresser-Pereira, no primeiro mandato do governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 1998), são estabelecidos parâmetros para reduzir as ações do Estado, segundo a onda neoliberal. A proposta do Estado Mínimo começa a ganhar forma e, dentre as reduções das ações do Estado, organiza-se a “publicização” das políticas sociais para a esfera pública não estatal, ou seja, as OSC’s (BRASIL, 1995). Observamos que, pouco menos de uma década, o atendimento socioeducativo ao adolescente se reconfigura a partir da proposta de terceirizar as ações para as Organizações que compõem o chamado “Terceiro Setor”. Fica a cargo da União regular as ações de atendimento socioeducativo ao adolescente. Aos estados, a execução das medidas em meio fechado e semiaberto e, aos municípios, o atendimento em meio aberto. 28 Somada aos percursos de terceirização dos programas de atendimento de meio aberto e fechado, outros fenômenos vão deteriorando o sistema socioeducativo, impedindo-o de efetivar suas próprias leis, regras, normas e orientações técnicas. Observamos a precarização do trabalho, tanto pela execução direta (poder público), quanto pela execução indireta (sociedade civil organizada), baixo investimento para uma alta população de adolescentes inseridos no sistema, educação continuada tecnicista e acrítica e manutenção da repressão e coerção estatal dentro e fora das medidas socioeducativas. A precarização do SINASE como das demais políticas sociais se fundamenta na justificativa de “amargas medidas” de ajuste fiscal, necessárias para a retomada do crescimento econômico. Todavia, o que se observa, é que estas medidas, referidas como “gastos sociais” pelo Estado e mercado, vêm prejudicando a qualidade de vida da população de forma geral, enquanto o crescimento econômico ainda permanece no seu atraso. O ajuste fiscal, como vocês poderão observar ao longo deste trabalho, esvazia o fundo público para investir nos juros e amortizações da dívida pública, dentre outras medidas, financiando o capitalismo monopolista e financeiro, empobrecendo e desqualificando a vida social cotidiana dos trabalhadores por meio da destruição dos seus direitos. Sobre os adolescentes envolvidos em atos infracionais, as medidas de ajuste fiscal comprometem a garantia da proteção integral, distanciando-os de oportunidades efetivas para a retomada do direito à convivência familiar e comunitária desconectados dos espaços delitivos. A concepção de gastos sociais e a defesa de sua redução compõem os ditames do Consenso de Washington de 1989 e, posteriormente, indicadas no receituário neoliberal proposto pelo Banco Mundial (BM) entre finais dos anos de 1990 do século XX e nos primeiros anos do século XXI, visando, obviamente, a expansão e potencialização exclusiva da política macroeconômica desvinculada da política social de combate à pobreza e desigualdades sociais. Estas medidas configuram o atual cenário de precariedade dos serviços públicos ainda executados plenamente pela máquina estatal e serviços executados pelas OSCs, cujo custo é mais baixo. As orientações internacionais materializam o que Antunes (2011) denomina metamorfoses do trabalho. Ou seja, há transformações significativas nas relações e nas condições de trabalho nos espaços públicos e privados que impactam no atendimento ao adolescente autor de ato infracional e, consequentemente, rebate nas 29 possibilidades de um trabalho que resignifique a vida de cada adolescente que cumpre medida socioeducativa nos programas de atendimento nos âmbitos estaduais e municipais. Neste sentido, observamos uma concreta subserviência do Estado e suas instituições aos interesses do capital. Uma superestrutura, composta de outras que se complementam, que agem mediante demandas burguesas, transformando a democracia clássica em uma democracia burguesa, a classe trabalhadora em mercadoria explorável e os excedentes não produtivos em objetos de descarte, inúteis ao sistema capitalista. Considerando a pluralidade territorial, governamental e econômica do Brasil, cabe destacar que, a respeito do sistema socioeducativo, a sua materialização se forma distintamente em cada estado deste país. Alguns estados avançam na luta pela qualificação do SINASE, enquanto outros enfrentam graves problemas para efetivar as medidas conforme as exigências legais, técnicas e normativas. Isto posto, considerando os avanços da precarização e desmonte dos direitos sociais e, consequentemente do sistema socioeducativo, a presente pesquisa, se volta ao enfrentamento do discurso neoliberal sobre os benefícios do enxugamento do Estado para o fortalecimento da economia e da justiça social, com uma proposta de tese de doutoramento que problematiza o processo de reconfiguração da execução das medidas socioeducativas, com recorte no estado de São Paulo, por ser um estado de referência neste atendimento, contribuindo sob a perspectiva crítica, com o pensamento social das políticas de proteção social à infância e adolescência na atual conjuntura capitalista brasileira, com destaque à aceleração no avanço da onda neoliberal e do ultraconservadorismo no Estado brasileiro nos últimos anos que rebatem diretamente no atendimento ao adolescente autor de ato infracional. II - Indagações ao objeto de pesquisa As reflexões elaboradas até aqui, permitiram o levantamento de quatro indagações para melhor direcionar o planejamento e a construção desta pesquisa. Entendemos que o resultado desta tese é a síntese de trabalhos de reflexões, leituras e análises voltadas à busca pelas respostas dos questionamentos que este objeto de estudo no direcionou a construir. 30 I. O Sistema Socioeducativo ao Adolescente na atual conjuntura social, política, econômica e cultural brasileira está posto para quem? II. Por que a legislação punitiva e corretiva estabelecida no extinto Código de Menores ainda rebate na aplicação do atendimento socioeducativo ao adolescente do tempo presente? III. De que forma os ditames do neoliberalismo implicam nas medidas socioeducativas a adolescentes autores de ato infracional? IV. É possível afirmar, considerando a atual conjuntura brasileira e suas implicações no cotidiano de adolescentes autores de ato infracional, que o Sistema Nacional Socioeducativo permanece invisível em face à doutrina da proteção integral? Elegemos a primeira indagação como a questão central que nos motivou a construir este estudo que ora se apresenta. Neste sentido, alguns pressupostos foram essenciais para contribuir no direcionamento desta pesquisa. III - Os pressupostos do objeto de estudo A quem se destina a política social de atendimento socioeducativo: ao resgate da dignidade humana sob a construção de novos projetos de vida por adolescentes ou ao capital que regride direitos e criminaliza a pobreza para o seu processo acumulativo? Sob esta indagação, pressupomos que, as atuais configurações do sistema socioeducativo ao adolescente, quando materializado no cotidiano, não atende, de fato, às necessidades daqueles que, por vias judiciais, se inserem na política de socioeducação por cometimento de ato infracional. Isso não quer dizer que não exista um atendimento ao adolescente. Contudo, a potencialidade para a mudança de vida destes adolescentes é que se encontra deficitária devido a uma série de determinantes: mentalidade dos trabalhadores, condições de trabalho, financiamento precário, terceirizações dos serviços de atendimento, sucateamento dos serviços públicos, dificuldades de articulação em rede, principalmente com políticas de emprego e renda, conservadorismo da sociedade, observado pelas expressões e sentimentos como – 31 preconceitos, estigmas, estereótipos, criminalização da pobreza, violência e extermínio. Outro fator que desenha esta construção se apresenta na precarização dos direitos sociais a partir da financeirização das políticas sociais. O Estado brasileiro tem repensado as políticas sociais não pela via da sua democratização e qualificação para o acesso universal, mas pela via econômica, onde os custos sociais não podem interferir na acumulação de capital pelas grandes empresas e bancos, garantindo assim, o cumprimento do receituário neoliberal para o crescimento econômico. Isto posto, entendemos que o Sistema Socioeducativo ao Adolescente (SINASE) vai ao encontro das necessidades do capital. A legislação que organiza este Sistema, quanto a sua materialização, não contempla de fato o compromisso ético- político e a responsabilidade em resignificar a vida de adolescentes, envolvidos em atos delitivos. A configuração do SINASE é contraditória, pois o financiamento não é compatível com o custo necessário para a execução das ações. Além disso, inferimos ainda que o discurso neoliberal do mérito e do esforço alimenta um mito de igualdade de oportunidades ao mesmo compasso que acentua a criminalização da pobreza e esvazia a socioeducação e demais políticas públicas em garantir a proteção integral ao adolescente que cumpre medida socioeducativa. Neste sentido, a tese deste trabalho é que o alinhamento da política social ao neoliberalismo configura uma dinâmica social selvagem e violenta, o qual, o adolescente autor de ato infracional é julgado pelo ato cometido, mas também, indiciado moralmente por ter recorrido a meios mais “acessíveis” para alcançar os seus objetivos. O ato infracional vai na contramão do esforço e a medida socioeducativa e a violência social e estatal legitimam o lugar marginalizado do adolescente que não possui mérito nenhum para viver em sociedade. Podemos inferir, assim, considerando a perspectiva crítica marxiana, que a relação entre adolescência, ato infracional e o pauperismo, expressa o aprofundamento da barbarização da vida humana pelo Estado através do enxugamento de suas responsabilidades e das ações violentas, autoritárias e truculentas, endossadas pela sociedade burguesa neoconservadora, contribuindo de 32 forma perversa na inserção de adolescentes, autores de ato infracional, a uma nova configuração do lumpemproletariado1. IV - Os objetivos da presente pesquisa A partir do exposto, esta pesquisa apresenta enquanto objetivo geral – construir conhecimento científico acerca da gestão e execução das medidas socioeducativas no estado de São Paulo e os rebatimentos das contrarreformas neoliberais do Estado Brasileiro no atendimento aos adolescentes autores de ato infracional. Enquanto objetivos específicos: estabelecer uma análise crítica sobre as políticas correcionais para menores delinquentes (Código de Menores – 1927/1979) e seus reflexos nas medidas socioeducativas a adolescentes autores de ato infracional (ECA – 1990 e SINASE – 2012); analisar a produção teórica sobre a política social para relacioná-la à literatura sobre adolescência, ato infracional e socioeducação; avaliar os processos de trabalho das medidas socioeducativas por meio de aproximação amostral nacional e estadual; aferir, por meio de indicadores, as condições estruturais e de trabalho das medidas socioeducativas no estado de São Paulo. Destaca-se que, a priori, a proposta da pesquisa concentrava-se apenas nos 23 municípios que compõem a região administrativa de Franca no que diz respeito às medidas socioeducativas em meio aberto. Porém, após o Exame de Qualificação realizado em 2018 e a publicação de estudos nacionais inéditos sobre as medidas em meio aberto e fechado (2018 e 2019), consideramos oportuna a expansão do nosso objeto de estudo em nível de estado em comparação ao cenário nacional, tendo em vista a conjuntura que se apresenta e seus reflexos na gestão e atendimento ao adolescente pelo SINASE. Dessa forma, foram necessárias algumas adequações na direção dos objetivos da pesquisa. V - A caminhada metodológica – considerações iniciais A busca pelo conhecimento da realidade e sua compreensão consistem em uma inquietação do ser humano desde os primórdios da sua existência. As 1 Segundo Marx (2013a), é a camada mais subalternizada do proletariado, composto por delinquentes, prostitutas e vagabundos. Estas expressões foram extraídas da obra do pensador. Marx traz esta concepção quando apresenta a compreensão do pauperismo no livro I d’O Capital. 33 experiências de vida ao longo dos anos, as reações diante de situações de variadas naturezas, as alegrias, as tristezas, a obtenção de prazer e frustração motivam o homem a compreender as razões pelas quais uma situação tenha discorrido de certa forma e o por que as reações foram desencadeadas de diferentes formas em cada pessoa. Para Barros e Lehfeld (2007, p. 36), o conhecimento é a “[...] manifestação da consciência em conhecer”, isto é, ultrapassar a vivência prática, construindo a sua explicação e interpretação. A inquietação e a sede do saber geralmente estão vinculadas às curiosidades humanas por determinadas questões. A ciência, ao longo dos séculos, busca explicações sobre vários aspectos da vida humana, do mundo que o circunda, a natureza, os animais e aspectos além deste planeta. O que antigamente era chamada de “coisa de gênio” (ANDRADE, 2002), hoje é possível afirmar que o desejo de construir explicações sobre as realidades deve estar embasado em um conhecimento técnico e científico inicial. A pesquisa, neste sentido, com toda sua metodologia e técnicas para execução, interpretação e avaliação exige do homem um conhecimento prévio de estratégias para buscar e alcançar as informações que ele deseja. Para isso, existe a metodologia da pesquisa que: [...] consiste em estudar e avaliar os vários métodos disponíveis, identificando suas limitações ou não no que diz respeito às implicações de suas utilizações. A metodologia quando aplicada examina e avalia os métodos e as técnicas de pesquisa, bem como a geração ou verificação de novos métodos que conduzam a captação e ao processamento de informações com vistas à resolução de problemas de investigação. (BARROS; LEHFELD, 2007, p. 1-2). Para as autoras, a metodologia é uma “metaciência”, pois ela apresenta os caminhos para a construção da ciência, como também desenvolve estudos sobre a mesma, possuindo assim, uma relação epistemológica. Para Minayo (2008, p. 14) entende-se por metodologia “[...] o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade”. Esta engloba os métodos que serão utilizados na construção do conhecimento, as técnicas ou instrumentais de operacionalização que nortearão os caminhos do conhecimento e também engloba a criatividade do pesquisador, no sentido de atribuir à pesquisa seu toque pessoal, oriunda de uma experiência adquirida. 34 Metodologia e pesquisa estão em plena sintonia, pois a primeira organiza os caminhos para a construção da segunda, possuindo a responsabilidade de sistematizar todas as informações elencadas, dados colhidos e ideias que fluem formatando um corpo coeso entre “dado vivido” e sua explicação científica. Neste ínterim, a pesquisa nas ciências humanas e sociais tem a responsabilidade e o compromisso de atentar-se às particularidades desta área do conhecimento. Para Demo (2009, p. 13), as ciências humanas justificam a utilização de uma metodologia relativamente específica, pois o fenômeno humano “possuí componentes irredutíveis às características da realidade exata e natural”. Em outras palavras, o gênero humano deve ser compreendido em uma perspectiva histórica de totalidade e socialidade. Ser histórico significa caracterizar-se pela situação de “estar”, não de “ser”. A provisoriedade processual é a marca básica da história, significando que as coisas nunca “são” definitivamente, mas “estão” em passagem, em transição. Trata-se do “vir-a-ser”, do processo inacabado e inacabável, que admite sempre aperfeiçoamentos e superações (DEMO, 2009, p. 15). Segundo Demo (2009), as ciências humanas não são unitárias e o objeto é socialmente condicionado e histórico, devendo ser compreendidos sempre nas interrelações em seus contextos sociais, considerando os processos sociais e históricos de uma conjuntura complexa. VI - O posicionamento teórico e ideopolítico da pesquisa: o método e sua pertinência Esta tese sintetiza reflexões construídas a partir da perspectiva de totalidade, compreendendo a sociedade capitalista contemporânea como uma totalidade concreta que se configura a partir de totalidades menos complexas que se inter-relacionam. Estudamos o sistema socioeducativo paulista, instituído e concretizado em espaços marcados pelas contradições e pelas disputas de poder político, econômico e ideológico e seu papel construído e mediado pelo Estado a favor do capital. O objeto de estudo2 reúne reflexões teóricas para a compreensão dos novos fenômenos que vem circundando-o. Apresentamos aqui a forma ideal (teoria) 2 O objeto de estudo, “é a estrutura e a dinâmica do objeto que comandam os procedimentos do pesquisador” (PAULO NETTO, 2011a, p. 53). 35 dos caminhos reais do objeto de estudo em seu contexto sociohistórico. Para Marx, “teoria é uma modalidade peculiar de conhecimento [...] é a reprodução ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa: pela teoria, o sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do objeto que pesquisa” (PAULO NETTO, 2011a, p. 20-21). Esta reprodução ideal do objeto considera as relações de produção e reprodução da vida material que, em constante mediação, formata as relações sociais e de trabalho, com direcionamento para a acumulação capitalista e produção da mais- valia. Neste bojo, fazendo alusão à Paulo Netto (2011a), a teoria do capital, construída ao longo dos anos por Karl Marx, permite pensar a realidade a partir de uma lógica crítica, considerando o homem como sujeito que transforma e é transformado pela natureza a partir dos processos de trabalho. Marx não nos apresentou o que “pensava” sobre o capital, a partir de um sistema de categorias previamente elaboradas e ordenadas conforme operações intelectivas: ele (nos) descobriu a estrutura e a dinâmica reais do capital; não lhe “atribuiu” ou “imputou” uma lógica: extraiu da efetividade do movimento do capital a sua (própria, imanente) lógica – numa palavra, deu-nos a teoria do capital: a reprodução ideal do seu movimento real (PAULO NETTO, 2011a, p. 52 – 53, grifos do autor). Considerando as premissas de Karl Marx e a análise realizada pelo Professor José Paulo Netto (2011a) destacadas até aqui, a construção do presente objeto de estudo se formata sob quatro bases de reflexão filosófica e teórico-crítico: a primeira base é a compreensão de sua inserção na ordem societária capitalista no atual período de crise estrutural, que se apresenta sob diversas facetas a depender da perspectiva de classe social. A atual conjuntura se apresenta desfavorável quando a pauta é política social e, neste caso, quando abordamos a temática do atendimento socioeducativo ao adolescente. Para isso, foi fundamental a construção de reflexões teóricas acerca do entendimento das categorias Estado e Trabalho para desenvolvermos o percurso do estudo A segunda base reflexiva se debruça na construção sociohistórica das adolescências, que perpassam por vários estigmas e estereótipos que resistem em ceder espaço para uma compreensão digna e humanizada de adolescências quando envolvidas em atos infracionais ou por pertencerem a estratos sociais pauperizados. A terceira base se estabelece no desafio do atendimento socioeducativo se 36 materializar em um viés totalmente diferente do estabelecido até então, pensando assim no processo histórico de atendimento correcional com resquícios de barbárie que ainda não permitiu a consolidação de fato do direito à dignidade em atendimentos humanizados e profissionalmente qualificados voltados a novas oportunidades para uma vida melhor para estes adolescentes. A quarta base reflexiva que constrói o objeto de estudo se coloca nos rebatimentos da contrarreforma do Estado na garantia de direitos aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas a partir da financeirização das políticas sociais, desqualificando a gestão e o trabalho no âmbito do SINASE em favor da hegemonia do capital, acentuando assim, a regressão de direitos e o nivelamento da barbárie, das injustiças e desigualdades sociais. Desta forma, o método que posiciona as ideias do pesquisador em face ao objeto de estudo é o materialismo histórico-dialético, fundado por Karl Marx, no século XIX. Segundo Severino (2007), este método corresponde a uma tendência filosófica que inter-relaciona o sujeito do objeto, cujas relações estão baseadas na produção da vida material ao longo da história. Para Bourguignon (2006), a dialética permite desvendar uma totalidade a partir de aproximações sucessivas, que nunca se esgotam ou se engessam, pois, a realidade está em permanente movimento. O método de pesquisa que propicia o conhecimento teórico, partindo da aparência, visa alcançar a essência do objeto (PAULO NETTO, 2011a, p. 22). O método implica, pois, para Marx, uma determinada posição (perspectiva) do sujeito que pesquisa: aquela em que se põe o pesquisador para, na sua relação com o objeto, extrair dele as suas múltiplas determinações (PAULO NETTO, 2011a, p. 53, grifo nosso). O homem, para Marx (1985) e para Marx e Engels (2010) corresponde àquele que possui consciência e capacidade para transformar a história de acordo com as suas ações em face à natureza. O homem não é subordinado na/pela história e sim, sujeito transformador. A transformação do homem biológico em ser social, para Marx (2013a) acontece a partir da sua relação com a natureza através dos processos de trabalho que regulará a sua sociabilidade na sociedade. A dialética materialista de Marx não isola os fatos para serem analisados, mas sim, são observados através da sua complexidade histórica, política, cultural, econômica, objetiva, subjetiva, social e individual. É considerado o contexto em sua totalidade. Espera-se que o conhecimento adquirido desta análise complexa: 37 Não pode ser entendido isoladamente em relação à prática política dos homens, ou seja, nunca é questão apenas de saber, mas também de poder. Daí, priorizarem a práxis humana, a ação histórica e social, guiada por uma intencionalidade que lhe dá um sentido, uma finalidade intimamente relacionada com a transformação das condições de existência da sociedade humana (SEVERINO, 2007, p. 116). Concordando com a reflexão de Severino (2007), o objeto de estudo ora concluído, considera a inter-relação dos fenômenos, construídos e transformados historicamente a partir das intenções de produção e reprodução do capital, cujo objetivo é a acumulação sem precedentes, ditando regras e novas estratégias para a continuidade deste processo com altos custos para as políticas sociais. Ainda nesta reflexão, Tonet (2013, p. 66) nos diz que: A emergência da sociedade burguesa, com o dinamismo que lhe é próprio e que provém da lógica material de acumulação do capital, imprime ao processo sócio-histórico um impulso profundamente dinâmico, com ênfase na capacidade humana tanto de compreender quanto de transformar o mundo dos homens. O autor relata que é apenas no século XIX que a sociedade burguesa e a sociabilidade humana atingem o nível pleno de maturidade. A sociedade burguesa, pela sua natureza, permite e obstrui a compreensão científica e aprofundada da realidade social. Abrem-se, assim, dois caminhos para a compreensão dessa realidade. De um lado, a elaboração de um conhecimento que contribua para a reprodução desta forma de sociabilidade. De outro lado, uma teoria que possibilite uma compreensão que articule a crítica radical com a transformação também radical da sociedade (TONET, 2013). VII - Sobre o objeto, universo, lócus e os sujeitos da pesquisa O objeto de estudo compreende o processo de gestão e de execução das medidas socioeducativas, comparando o cenário brasileiro ao contexto do estado de São Paulo a partir da lógica capitalista neoliberal. O universo da pesquisa compreende os trabalhadores – efetivos, contratados, sendo eles ou não terceirizados, das medidas socioeducativas em meio aberto e fechado, executadas por órgãos públicos e privados que gerem estes programas de atendimento. A socialização da proposta de pesquisa e do instrumental de entrevista foram enviadas à grupos de trabalhadores e pesquisadores que a 38 presente autora tem contato, caracterizado como uma amostra intencional de abordagem quantitativa e qualitativa, como está detalhada a seguir. Neste sentido, convidamos um limite de 40 profissionais, recebendo a devolutiva de 33 deles. As entrevistas foram respondidas e enviadas pelo googleforms3 e presencialmente a partir do Grupo de Estudos e Capacitação Continuada dos Trabalhadores do SUAS (GECCATS), realizado mensalmente nas dependências da Diretoria Regional de Desenvolvimento Social (DRADS) em Franca/SP. Por se tratar de um espaço de reflexão e de educação permanente, a proposta da pesquisa foi bem recebida, tanto que os profissionais se sentiram mais à vontade aceitando participar da pesquisa no espaço do GECCATS. Assim, solicitamos autorização via ofício à direção da DRADS Franca para a realização da pesquisa de campo no âmbito do GECCATS, sendo ela deferida. Além da autorização, os trabalhadores que participaram da pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) autorizando a divulgação de suas falas sem a exposição de suas identidades, considerando sempre a ética na pesquisa científica. Estas entrevistas permitiram realizar uma análise aproximativa e comparativa referente à realidade nacional e estadual acerca da execução do SINASE. Os dados dos entrevistados foram analisados de forma articulada aos relatórios oficiais recentemente divulgados sobre a socioeducação brasileira. VIII - Sobre a abordagem metodológica A presente pesquisa apresenta quatro momentos que indicam o seu desenvolvimento: pesquisa bibliográfica e documental, pesquisa de campo, pesquisa exploratória e descritiva e análise de dados realizada por meio da abordagem metodológica quantiqualitativa. Sobre a pesquisa qualitativa, é importante ressaltar que se caracteriza por um conjunto de ações que buscam as interpretações dos objetos de estudo. De acordo com Dezin e Lincoln (2000) a pesquisa qualitativa é uma abordagem ampla e complexa que busca a compreensão das experiências a partir das suas relações estabelecidas no cotidiano, suas leituras de mundo, 3 Formulário do Google para coleta de dados em âmbito maior. O formulário tem uma estrutura de formatação que, caso o entrevistado não concorde com o TCLE, o formulário não abre para as perguntas propostas. O roteiro aceita nome e e-mail década entrevistado, porém, estes dados, não aparecerão na pesquisa. 39 posicionamentos políticos e éticos, todos inter-relacionados. Para os autores, a abordagem qualitativa pode ser interdisciplinar, que integram disciplinas que se aproximam umas das outras para o estudo de um determinado objeto, ou transdisciplinar, ou seja, uma forma inovadora e complexa de fazer junção de várias disciplinas de várias áreas distintas para a compreensão do mundo, das relações, da existência humana. Cabe destacar ainda, considerando a compreensão obtida, todas as estratégias de integração disciplinar, sejam elas multidisciplinares, interdisciplinares ou transdisciplinares possuem em comum objetivo, a construção e a produção de conhecimento sobre variados temas, do menor ao mais complexo. Segundo Chizzotti (1998, p. 79), “a abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito”. Para Lehfeld (2015, p. 17), “o aspecto qualitativo deve ser considerado como uma característica básica do objeto de pesquisa em ciências sociais, o que significa contínua transformação e complexidade”. As sociedades humanas formam uma dinâmica contínua e permanente de transformações estabelecidas no tempo e espaço. Para cada método, ou seja, para cada posicionamento teórico-ideológico do pesquisador, a abordagem qualitativa apresenta uma compreensão. Para a presente proposta, considerando o materialismo histórico-dialético, é possível inferir que: A dialética também insiste na relação dinâmica entre o sujeito e o objeto, no processo de conhecimento [...] Valoriza a contradição dinâmica do fato observado e a atividade criadora do sujeito que observa as oposições contraditórias entre o todo e a parte e os vínculos do saber e do agir com a vida social dos homens (CHIZZOTTI, 1998, p. 80). A pesquisa quantitativa tem raízes no pensamento positivista, valorizando a utilização de dados objetivos, colhidos através de instrumentos padronizados e por experimentação na área estatística. Ainda sobre as pesquisas de vieses quantitativos: [...] são orientados à busca da magnitude e das causas dos fenômenos sociais, sem interesse pela dimensão subjetiva e utilizam procedimentos controlados; • são objetivos e distantes dos dados (perspectiva externa, outsider), orientados à verificação e são hipotético-dedutivos; • assumem uma realidade estática; • são orientados aos resultados, são replicá- veis e generalizáveis (SERAPIONI, 2000, p. 191). 40 Enquanto a abordagem quantitativa busca a compreensão imediata e objetiva de um determinado fenômeno, a abordagem qualitativa busca a compreensão dos fenômenos em sua totalidade, em um contexto dinâmico, a partir da subjetividade, como forma de compreender, interpretar e discutir as dinâmicas cotidianas. Podemos afirmar que uma abordagem complementa a outra e contribuem para a potencialidade da construção do conhecimento. IX - Os momentos da pesquisa O primeiro momento da pesquisa foi a busca constante e leitura de referenciais bibliográficos e documentais que subsidiaram a sustentabilidade dos pressupostos do estudo. A pesquisa bibliográfica consistiu em explicar um problema a partir de estudos concluídos ou em andamento sobre o tema, e em fundamentar as ideias de um autor através de obras, como livros, dissertações, teses, artigos impressos ou virtuais, isto é, dados e/ou categorias teóricas já analisadas e registradas por outros pesquisadores. “A documentação bibliográfica destina-se ao registro dos dados de forma e conteúdo de um documento escrito: livro, artigo, capítulo, resenha, etc. Ela constitui uma espécie de certidão de identidade desse documento” (SEVERINO, 2007, p. 70). Para a realização desta pesquisa, o levantamento e análise de literatura constituíram reflexões sobre os percursos do sistema socioeducativo ao adolescente, no atual contexto capitalista, seus caminhos e descaminhos em face da ação do Estado e da Sociedade Civil na proteção integral a adolescentes autores de ato infracional. As reflexões também buscaram compreender os impactos da atual configuração do sistema socioeducativo em face à garantia da proteção integral ao adolescente, conforme princípios e diretrizes das legislações vigentes. A pesquisa documental, segundo Severino (2007), consistiu em analisar documentações em um sentido amplo, ou seja, documentos impressos, oficiais, jornais, fotos, diários, e-mails, fotos, filmes. Possuí natureza primária, isto é, não tiveram tratamento analítico, sendo a matéria-prima que o pesquisador utilizará para construir suas análises e reflexões. O segundo momento da pesquisa compreenderá na pesquisa de campo, “[...] que consiste na observação dos fatos tal como ocorrem espontaneamente” (RUIZ, 2009, p. 50), se aproximando empiricamente à realidade dos sujeitos pesquisados (MINAYO, 2008). 41 O terceiro momento se efetivou na discussão dos objetivos do estudo pela pesquisa exploratória e explicativa. Segundo Severino (2007, p. 123), a primeira busca levantar informações acerca do objeto de estudo, “delimitando um campo de trabalho, mapeando as condições de manifestação desse objeto”. Considera-se as pesquisas exploratória, descritiva e explicativa pertinentes para a presente tese, considerando que objeto ainda não possui tratamento científico suficiente para a sua compreensão. Trata-se de um tema inédito no campo da episteme. A pesquisa descritiva consiste na descrição dos fenômenos em estudo e suas dinâmicas inter-relacionadas em uma conjuntura mais complexa. A pesquisa explicativa compreende em registrar e analisar os fenômenos estudados, discutindo- os de acordo com o percurso teórico-ideológico alinhado ao objeto de pesquisa. X - Técnicas de apreensão e análise dos dados Para a apreensão e análise das informações obtidas no campo de pesquisa, foi utilizada como técnicas de pesquisa, ou seja, como procedimentos operacionais, definidos a partir da necessidade epistemológica que apresenta o referido estudo (RUIZ, 2009), a aplicação de entrevistas, que compreendem na apropriação de informações através da interação entre pesquisador e sujeito pesquisado (SEVERINO, 2007), sendo que esta técnica “[...] permite o relacionamento estreito entre entrevistado e entrevistador.” (BARROS; LEHFELD, 2007, p. 108). A entrevista é a estratégia ainda mais utilizada nos processos de investigação em campo. Conforme afirma Minayo (2008, p. 64), “as entrevistas podem ser consideradas conversas com finalidade e se caracterizam pela sua forma de organização”. O diálogo para a pesquisa tem importância relevante, pois a fala de cada sujeito é carregado de significados, de história, frustração, otimismo e leitura de mundo, crítica ou acrítica. A voz representa a síntese das percepções do real com o cotidiano de cada pessoa, trazendo valor significativo para a pesquisa científica. Para este estudo, foi formulado um roteiro de entrevista semiestruturada para as (os) entrevistadas (os) sentirem-se à vontade para discorrer sobre o tema, sem prender-se ao roteiro. O roteiro foi inserido na plataforma do googleforms para a resposta dos trabalhadores e gestores das medidas socioeducativas de meio aberto e fechado. Para Severino (2007), esta técnica de entrevista não diretiva (ou semiestruturada), propõe o uso do discurso livre, no qual é desenhado um roteiro de questões de complexidade substantivas que é aplicado de forma a manter os sujeitos 42 entrevistados em pleno diálogo, sendo que o pesquisador intervém nos momentos em que houver necessidade. Almejou-se absorver o máximo possível de informações para contemplar os objetivos propostos. Este tipo de entrevista, segundo Minayo (2008), dá maior liberdade ao diálogo entre entrevistado e entrevistador. A organização do roteiro flexível de entrevistas possibilitou uma abertura ao pensamento, respeitando os entrevistados, valorizando as suas falas com ética e responsabilidade. Um modelo do roteiro foi inserido nos apêndices desta tese. Concluídas as entrevistas, fizemos a tabulação de todos os dados quantitativos, bem como organizamos seus discursos de acordo com cada questão proposta. Estes dados e informações tabulados foram inseridos no decorrer da tese, somando-as à análise bibliográfica e documental. A relação do discurso dos sujeitos com a bibliografia, documentos e dados estatísticos permitiu a construção de conhecimento por meio da práxis científica ao sintetizar uma análise que compreende a totalidade de fatos e fenômenos que se relacionam a este objeto de estudo, situando-o em dimensões particulares e singulares que se articulam entre as suas convergências e contradições por meio das mediações enquanto expressões históricas e concretas. XI - Os fundamentos éticos da pesquisa no Sistema Socioeducativo O objeto da presente pesquisa apresentou a importância de ir a campo para dialogar com os trabalhadores das medidas socioeducativas em meio aberto e fechado para apreender informações necessárias para a construção da tese, visando confirmar ou refutar os pressupostos ora elaborados. Em primeiro lugar, é necessário destacar as bases ontológicas da construção da pesquisa, fundadas em princípios ético-políticos profissionais da categoria profissional. A pesquisa, ao ser desenvolvida por uma Assistente Social pesquisadora, é de suma importância que os postulados do projeto ético-político estejam alinhados à proposta do estudo. Para isso, é essencial que a pesquisa, desde o seu planejamento, execução e elaboração do relatório final, contemple os 11 princípios fundamentais estabelecidos no Código de Ética do/a Assistente Social (CFESS, 2012). Tratando-se de pesquisa com seres humanos desenvolvida no âmbito do Serviço Social, as bases ontológicas da bioética contemplam desde o reconhecimento 43 da liberdade dos sujeitos da pesquisa, o respeito às suas particularidades, reconhecendo-os como indivíduos sociais, com direitos sociais a se defender a garantir. A pesquisa também deve garantir a recusa ao autoritarismo e resistências às concepções arbitrárias e conservadoras, lutando pelo “empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças”, garantindo a discussão acerca da ampliação e consolidação da cidadania (CFESS, 2012, p.23). A pesquisa com seres humanos deve apresentar um percurso ético que vise garantir o respeito à integridade física, moral e psicológica dos sujeitos que serão entrevistados. O pesquisador deve possuir um compromisso com os sujeitos e com o seu próprio objeto de estudo. Para Barroco (2005), este compromisso está pautado na autonomia dos sujeitos da pesquisa, que devem ser considerados a partir da historicidade de suas vidas, nas suas significações concretas – na vida social. Segundo nosso Código de Ética, a autonomia está vinculada à liberdade e à alteridade, o que supõe a negação da discriminação, do preconceito, o respeito aos valores dos sujeitos, aos seus costumes e hábitos, com destaque para a questão do sigilo profissional, nas várias etapas da pesquisa (BARROCO, 2005, p. 6). Bernardes (2008) afirma que o cuidado ético na pesquisa com seres humanos tem a sua gênese após o término da Segunda Guerra Mundial (1945), com o avanço científico e tecnológico. No decorrer dos anos, foram avançando as regulações éticas para sistematizar e dignificar os estudos realizados com seres humanos e animais através de normas internacionais e nacionais. Atualmente, com base nas prerrogativas legais, fala-se em integridade da pesquisa e bioética. No Brasil, tivemos a Resolução nº. 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) que regulava a pesquisa com seres humanos, os procedimentos e formas de se avaliar projetos com esta perspectiva de estudo. Atualmente, a base legal é a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº. 466/2012, que dispõe: A presente Resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, referenciais da bioética, tais como, autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e equidade, dentre outros, e visa a assegurar os direitos e deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao Estado. Projetos de pesquisa envolvendo seres humanos deverão atender a esta Resolução (CNS, 2012, p. 1 – 2). 44 A Resolução também versa sobre a documentação que sistematiza e registra a realização da pesquisa com seres humanos. Consta na Resolução, a obrigatoriedade do preenchimento do Termo de Compromisso Livre e Esclarecido (TCLE) que informará aos sujeitos a pesquisa, seus objetivos, as formas de utilização das informações, possíveis riscos e vulnerabilidades. Anterior à realização da pesquisa com seres humanos, o projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) para apreciação – considerando se a proposta da pesquisa possui teor ético, e se a pesquisa com seres humanos está de acordo com a Resolução nº. 466/2012. O projeto foi submetido ao CEP da UNESP/Franca, sendo devidamente aprovado, legitimando assim, os resultados obtidos que socializamos neste produto final de pesquisa. XII - A estrutura da tese Apresentamos, neste momento, uma tese dividida em quatro capítulos, com cinco seções temáticas em cada um deles. Cada capítulo detalha em sua introdução, o que será discutido nas seções propostas, visando direcionar os leitores às provocações que se seguem. Quanto aos capítulos, o primeiro capítulo traça um panorama histórico, social, político, econômico e cultural acerca da assistência à infância e adolescência no Brasil. São aproximações teórico-críticas que analisam desde a colonização até o governo Bolsonaro, a situação da criança e do adolescente neste país. Desafiamo- nos a sintetizar 519 anos em poucas e singelas páginas. O segundo capítulo inicia com a abordagem sobre a formação do Estado Brasileiro, depois trabalha as construções teóricas e concretas da política social em âmbito europeu e norte-americano para compreender as concepções e linhas de prioridades da proteção social internacional que inspira o Brasil a se aproximar dos seus modelos. Analisamos ainda, a constituição da política social brasileira, introduzindo o debate sobre a emergência do sistema socioeducativo ao adolescente. O terceiro capítulo aprofunda a discussão acerca do sistema socioeducativo, analisando-o sob o prisma das contrarreformas neoliberais, perpassando pelas questões sobre a gestão das medidas socioeducativas. Destacamos ainda o sentido do trabalho em Marx e o perfil dos adolescentes atualmente inseridos no sistema socioeducativo paulista e brasileiro. 45 No quarto e último capítulo, apresentamos as particularidades do trabalho socioeducativo no contexto capitalista, fundamentando-o na perspectiva crítica marxiana, considerando a sua imersão na conjuntura da precarização do trabalho. Neste sentido, enfatizamos o fortalecimento do neoconservadorismo e do ideário neoliberal no atendimento ao adolescente no sistema socioeducativo, destacando a importância da gestão da informação como estratégia para os enfrentamentos cotidianos. Terminamos refletindo sobre as configurações de um novo Estado penal que controla e pune os adolescentes pobres e autores de ato infracional em seus cotidianos. Esperamos que esta tese permita a construção de questionamentos, bem como inspiradoras análises acerca do sistema socioeducativo ao adolescente, e que possa contribuir de maneira significativa com o debate profissional e acadêmico acerca das medidas socioeducativas para adolescentes autores de ato infracional. Uma boa leitura para todas e todos! 46 CAPÍTULO 1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS, POLÍTICOS E ECONÔMICOS DA ASSISTÊNCIA À INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NO BRASIL “A História é uma velhota, que se repete sem cessar” (Eça de Queiróz) 47 Revisitar a história é sempre um compromisso para pesquisadoras/res que desejam problematizar uma temática para compreender a sua dinâmica no presente, levantando fatos, possibilidades, desafios e entraves que complexificam um determinado objeto de estudo. Marx (2013) já dizia que a história se repete, na primeira vez como tragédia e na segunda como farsa. É neste processo de viagem ao tempo para provocar o presente e estimar o futuro, que este capítulo, inaugura esta tese de doutorado cujo objeto se coloca na socioeducação brasileira no tempo do capital, desbravando fenômenos, conhecendo determinações históricas e rebatimentos sociais, econômicos, políticos, culturais e religiosos que construíram desde 1500 até 2020, a história da assistência à infância e adolescência. Em cinco seções temáticas, didaticamente distribuídas, segundo a história brasileira, discutiremos o processo de inserção da criança e do adolescente em ações institucionais que envolveram a Igreja, a Sociedade Civil e o Estado. A seção 1.1 resgata o período colonial brasileiro para compreendermos os impactos das ordens de jesuítas em relação às crianças indígenas, que tiveram sua cultura, hábitos e vida social cooptadas pelo cristianismo, na proposta de propagação de sua única fé como única e verdadeira. Dos primeiros séculos da colônia, percorremos o período da escravidão para compreender as diferenças no tratamento sobre crianças negras escravizadas e brancas escravocratas, chegando à proclamação da república, com as primeiras intervenções do Estado frente crianças pobres – negras e imigrantes indesejáveis. A seção 1.2 traça um caminho por todo o século XX, o qual identificamos as construções morais, jurídicas e normativas que deram parâmetros para o atendimento aos denominados menores no Brasil. Começamos pelos primeiros regimes de institucionalização para correção e proteção, chegando na primeira legislação nacional sobre a infância e adolescência, descortinando a conjuntura nacional e internacional pós-1929, durante e no pós-segunda guerra, chegando à ditadura militar e, posteriormente, na reabertura democrática e seus rebatimentos no atendimento à criança e ao adolescente. A seção 1.3 trabalha os avanços políticos, econômicos, sociais e culturais, bem como os entraves estabelecidos pelo neoliberalismo da década de 1990 e como esta se configura no atendimento à infância e adolescência, chegando na seção 1.4 e 1.5 que discutem os principais fenômenos nacionais e internacionais que marcam a chegada e o desenrolar do século XXI, com destaque para crianças e adolescentes. 48 1.1 Amparo, punição, correção e educação de crianças e adolescentes na história do Brasil: da colonização aos primeiros anos da república Ao contrário do que se fala pelo senso comum, a criança e o adolescente no Brasil, conhecidos legalmente como menores até 1990 e popularmente até hoje, sempre tiveram responsabilidade penal no que se refere à prática de ato infracional. A assistência e proteção em casos de ausência de referência familiar por morte dos pais ou responsáveis ou abandono também se desenvolveu ao longo da história do Direito brasileiro para assegurar, em tese, a dignidade deste público. Obras como as de Silva (2016), Del Priore (2013), Rizzini, (2011), dentre outros, provocam a refletir como a história da infância e da adolescência sempre foi construída a partir do olhar dos adultos e não do público em questão. As bases teóricas acerca do tema trazem a inquietação e o desconforto de não saber o que crianças e adolescentes pensavam sobre suas vidas, suas histórias e seus cotidianos em tempos históric