UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Odontologia de Araraquara Juliana Rios de Oliveira Sistema cristal líquido bioadesivo contendo citral contra bactérias cariogênicas e efeito na perda mineral do esmalte dentário Araraquara 2022 UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Odontologia de Araraquara Juliana Rios de Oliveira Sistema cristal líquido bioadesivo contendo citral contra bactérias cariogênicas e efeito na perda mineral do esmalte dentário Dissertação apresentada à Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Odontologia, Araraquara para obtenção do título de Mestre em Ciências Odontológicas, na Área de Odontopediatria. Orientadora: Profa. Dra. Elisa Maria Aparecida Giro Coorientadora: Profa. Dra. Fernanda Lourenção Brighenti Araraquara 2022 Juliana Rios de Oliveira Sistema cristal líquido bioadesivo contendo citral contra bactérias cariogênicas e efeito na perda mineral do esmalte dentário Comissão julgadora Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Ciências Odontológicas Presidente e orientadora: Profa. Dra. Elisa Maria Aparecida Giro 2º Examinador: Profa. Dra. Josimeri Hebling 3º Examinador: Prof. Dr. Marlus Chorilli Araraquara, 03 de novembro de 2022. DADOS CURRICULARES Juliana Rios de Oliveira NASCIMENTO: 29/06/1996 – Conceição do Coité – BA FILIAÇÃO: Marcos Luiz Souza de Oliveira e Izalmir Iza Rios de Oliveira FORMAÇÃO ACADÊMICA 2014/2018: Graduação em Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública - EBMSP 2020/2022: Pós-Graduação em Ciências Odontológicas, Área de Concentração: Odontopediatria – Curso de Mestrado pela Faculdade de Odontologia de Araraquara, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Dedico este trabalho À Deus e a Nossa Senhora, por todo amor e por sempre estarem presentes em tudo de mais belo que pude encontrar e viver. Aos meus pais Marcos e Iza, que são a razão de tudo. Vocês me ensinaram a sonhar e acreditar no melhor da vida. Obrigada por ser luz e por nunca perderem a fé em mim. Vocês são exemplo de amor, sabedoria, humanidade e companheirismo. As minhas irmãs Alice e Amanda, que são sinônimo de alegria, amizade e carinho. Sem vocês nada seria possível e serei eternamente grata por dividirem a vida comigo. Eu tenho muito orgulho de vocês que são os meus anjos na terra. Amo vocês! Agradecimentos Especiais A minha orientadora, Professora Elisa (Elisa Maria Aparecida Giro) agradeço a oportunidade de realizar este trabalho. Obrigada pela paciência e pelo carinho. Agradeço por todos os ensinamentos compartilhados de forma admirável, e por contribuir grandemente com meu crescimento pessoal e profissional. Muito obrigada por tudo! A minha coorientadora Fernanda Lourenção Brighenti sua contribuição foi essencial. Sempre muito cuidadosa e empenhada a ajudar. Obrigada por todos momentos compartilhados. Ao professor Marlus Chorolli, que participou de todas as etapas para a realização deste trabalho. Obrigada pela disponibilidade e ensinamentos, suas considerações foram extremamente válidas. As amigas irmãs Amanda Brandão Soares e Luciana Solera Sales, pelo apoio nos momentos mais difíceis e por me ajudar a ser uma pessoa melhor. Obrigada por todos os dias acreditarem em mim e por nunca duvidarem de que o meu sonho seria possível. Obrigada também, por me ofertarem uma nova família, que não mediram esforços para me ajudar nessa jornada. Aos meus amigos Caroline Anselmi de Oliveira, Igor Paulino Mendes Soares, Vinicius Krieger Costa Nogueira e Rafael Antonio de Oliveira Ribeiro vocês são como casa. Obrigada por todo carinho, risadas, conselhos e ensinamentos. Sem dúvidas vocês são um dos melhores encontros que a vida me proporcionou e são a certeza de que nunca estive sozinha. Aos meus amigos e colegas de laboratório: Elis Barbosa, Túlio Ferrisse, Paulo G. Armelin, Willian Koppe Molíria Vieira. A vocês serei eternamente grata, por sempre me incentivarem, acreditarem que o melhor estava por vir e por tornar o trabalho mais feliz. Em especial, agradeço a Analú Barros de Oliveira que me acolheu com muito carinho e trouxe paz para momentos de angústia, você é luz. A Gabriel Nunes e Camila Fernanda Rodero, sem vocês e seus ensinamentos essa dissertação não seria possível. Obrigada por não medirem esforços para que o trabalho fosse concluído e por todo cuidado. Eu admiro muito vocês. A tantos amigos, colegas e parceiros que já convivi ou ainda convivo: Juliana Gaiotto, Letícia Melo, Kassandra Yupanqui obrigada pelo coração imenso. Vocês são preciosas, sorte a nossa ter se encontrado. A Lídia Fernandes, Maria Luiza Pires e Vitória Peruchi, por sempre me encontrarem com um sorriso no rosto, eu admiro muito a força e a determinação de vocês. Todo o carinho jamais será esquecido. As minhas queridas amigas que tenho extrema admiração Larissa Félix, Luana Dias, Camila Padovani, Camila Cavaça obrigada por tornarem a minha jornada mais feliz, por comemorar as minhas vitórias e ser abrigo nas dificuldades. Ao Ranulfo que se disponibilizou com muito carinho para me auxiliar na realização desse trabalho. Aos meus amigos de infância e graduação : Ana Caroline Rocha, Ana Clara Matos, Ana Laura Marques, Cananda Maria Trindade, Ellen Santos, Emanuele Mota, Ingridh Lobo, João Victor Ramos, Laura Falcão, Mariana Carvalho, Renata Granja, Paula Strauch vocês são o meu porto seguro e mesmo com a distância nunca mediram esforços para me apoiar e fazer me sentir amada. As minhas tias Berenice Rute Rios Santos e Izaulina Rios da Silva, por me ensinarem sobre a paixão por ensinar e de que jamais devemos deixar de demonstrar amor e de agradecer pela vida. Vocês são admiráveis. A minha Dinda, minha segunda mãe Dirlene Rios da Silva que transmite amor pelos olhos. Exemplo de caráter, sabedoria e autenticidade. Com ela aprendi a ser forte. A todos meus familiares, mas em especial Albérico, Breno, Lívia Rios, Érico, Paulo, Gabriela e Isabela que independente da distância se fizeram presentes todos os dias. Vocês são minha inspiração e os amo de todo coração! Agradeço também a Lívia Carneiro, por ter sido a primeira a me acolher enquanto profissional, por me abraçar e mostrar a sua paixão pela odontologia, você transformou a minha vida. Agradeço a todos que contribuíram para a realização desse trabalho, para o meu crescimento e para minha felicidade. Agradecimentos Ao Laboratório de Pesquisa em Bioquímica e Microbiológica (LPBM) aos cuidados da professora Fernanda Brighenti, por oferecer o suporte e auxilio para a realização deste trabalho. Ao Laboratório de Farmacotécnica e Tecnologia Farmacêutica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara, na pessoa do Prof. Dr. Marlus Chorilli, onde foram realizadas as preparações e caracterização das formulações. Ao Laboratório de Biomineralização da Faculdade de Odontologia de Araçatuba e ao professor Alberto Carlos Botazzo Delbem, por auxiliarem e oferecerem apoio para realização de análises importantes. A todos os professores da Pós-Graduação, em especial aos Professores da Odontopediatria, pelos ensinamentos sobre pesquisa e docência. Vocês são referência, obrigada pela possibilidade de aprender sobre odontologia e vida. Aos funcionários da Seção de Pós-graduação da Faculdade de Odontologia de Araraquara, Cristiano Lamounier e José Alexandre Garcia, por toda ajuda e prestatividade. Aos funcionários da Biblioteca da Faculdade de Odontologia de Araraquara pela ajuda na organização desse trabalho. À Unesp, em especial à Faculdade de Odontologia de Araraquara pela oportunidade. Agradeço a todos que nela trabalham: Reitoria, Diretoria, Portaria, Limpeza, aos funcionários em geral que são essenciais para que tudo aconteça. Também agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Odontológicas, em especial à Odontopediatria e os funcionários do departamento. Aos pacientes atendidos nas clínicas da faculdade, por auxiliar no meu crescimento profissional e pessoal. Serei eternamente grata a todos que tive o prazer de encontrar e atender. À CAPES: O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de financiamento 001. “Nos bailes da vida aprendi a nada temer senão o correr da luta, aprendi também a andar com fé, pois a fé não costuma falhar.” Berenice Rute Rios Santos” Santos BRR. Carta aberta [mensagem pessoal]. São Domingos, BA. Recebida pela família Rios; 2001. Oliveira JR. Sistema cristal líquido bioadesivo contendo citral contra bactérias cariogênicas e efeito perda mineral do esmalte dentário [dissertação de mestrado]. Araraquara: Faculdade de Odontologia da UNESP; 2022. RESUMO Diversos produtos de origem natural apresentam ação contra micro-organismos cariogênicos. Contudo, devido à complexidade do biofilme, é desejável o desenvolvimento de formulações que permitam a liberação controlada da substância ativa. Portanto, o objetivo deste estudo foi avaliar a ação de um sistema cristal líquido bioadesivo contendo citral contra bactérias cariogênicas e o efeito na perda mineral do esmalte. O citral foi incorporado a formulação composta por 30% de ácido oleico, 50% de álcool cetílico alcoxilado e 20% de dispersão aquosa de poloxamer 1%, em concentração 10 (FC1) e 15 (FC2) vezes a concentração inibitória mínima (CIM). As formulações foram caracterizadas físico-quimicamente e tiveram o perfil de liberação do citral determinado. Para as análises microbiológica e de perda de dureza do esmalte, o sistema contendo citral (FC2) foi comparado a uma formulação veículo (F) e ao citral (C). O digluconato de clorexidina 0,12% e o meio de cultura McBain foram usados como controle positivo e negativo respectivamente. O crescimento dos biofilmes polimicrobianos foi feito sobre blocos de esmalte bovino (n=14 por grupo), utilizando inóculo obtido a partir da saliva humana, em meio McBain, com exposição a sacarose 0,2%, 6 h por dia, durante 4 dias. O tratamento dos biofilmes com as formulações F e FC2 foi realizado por 5 minutos, em dias alternados. O citral (C) foi aplicado por um minuto uma vez ao dia e o digluconato de clorexidina foi aplicado por um minuto uma vez ao dia (CLX) e em dias alternados (CLX1.3). A acidogenicidade foi avaliada pela análise do pH do meio de cultura antigo, e a concentração de bactérias totais, bactérias acidúricas e estreptococos do grupo mutans no biofilme foi determinada. Nos blocos de esmalte foi aferida a dureza de superfície inicial e final, e calculada a porcentagem de perda de dureza (SH%). Os dados qualitativos foram analisados de forma descritiva, e os quantitativos tiveram os pressupostos de normalidade e homocedasticidade analisados para seleção dos testes estatísticos mais adequados. O nível de significância adotado foi de 5%. As formulações FC1 e FC2 apresentaram características de fluidos não newtonianos pseudoplásticos, e a adição de saliva determinou alterações estruturais, com aumento da viscosidade e do potencial adesivo. FC1 e FC2 liberaram respectivamente 22,9% e 40,7% do citral incorporado, nas primeiras 24 horas. A formulação FC2 liberou concentrações similares a CIM entre 1 h e 3 h e foi selecionada para as análises do biofilme e da perda mineral do esmalte. FC2 demonstrou boa ação antimicrobiana em biofilmes polimicrobianos e, em meio com sacarose, diferentemente dos demais tratamentos, o pH desse grupo se manteve próximo ao neutro por maior tempo. Além disso, FC2 determinou a menor taxa de perda de dureza do esmalte. Baseado nesses resultados, o sistema cristal líquido bioadesivo com a incorporação de citral (FC2), apresentou características físico-químicas adequadas, liberação controlada de citral, boa atividade antibacteriana e reduziu a perda mineral do esmalte dentário submetido a alto desafio cariogênico. Portanto, FC2 apresenta um grande potencial de uso como método auxiliar na prevenção da cárie dentária. Palavras – chave: Cristais líquidos. Cárie dentária. Biofilmes. Óleos vegetais. Antibacterianos. Oliveira JR. Bioadhesive liquid crystal system containing citral against cariogenic bacteria and enamel mineral loss [dissertação de mestrado]. Araraquara: Faculdade de Odontologia da UNESP; 2022. ABSTRACT Several natural products have an action against cariogenic microorganisms. However, due to the complexity of the biofilm, the development of formulations that allow the controlled release of the active substance is desirable. Therefore, the aim of this study was to evaluate the effect of a bioadhesive liquid crystal system containing citral against cariogenic bacteria and in mineral loss from dental enamel prevention. The concentrations of 10 times (FC1) and 15 times (FC2) citral minimum inhibitory concentration (MIC) were incorporated into a formulation composed of 30% oleic acid, 50% alkoxylated cetyl alcohol and 20% aqueous dispersion of 1% poloxamer. The formulations were physicochemically characterized and the citral release profile was determined. For microbiological and enamel hardness loss analyses, the system containing citral (FC2) was compared to a vehicle formulation (F) and to citral (C). A 0.12% Chlorhexidine digluconate solution and McBain culture medium were used as positive and negative controls, respectively. Polymicrobial biofilms were grown on bovine enamel blocks (n=14 per group), using inoculum from human saliva in McBain culture médium, with an intermittent 0.2% sucrose exposure (6 h/day), for four days. The treatment of biofilms with the formulations F and FC2 was carried out for 5 minutes every other day. Citral (C) was applied for one minute once a day and Chlorhexidine digluconate was applied for one minute once a day (CLX) and every other day (CLX1.3). The acidogenicity was evaluated by measuring the pH of the spent culture medium, and total bacteria, aciduric bacteria and mutans streptococci in the biofilm were quantified. The initial and final surface hardness were measured on the enamel blocks and the percentage of hardness loss (SH%) was calculated. The qualitative data were descriptively analyzed and quantitative data had the assumptions of normality and homoscedasticity analyzed to select the most appropriate statistical tests. The significance level adopted was 5%. The formulations FC1 and FC2 showed characteristics of non-Newtonian pseudoplastic fluids, and the addition of saliva determined structural changes, with an increase in viscosity and in the adhesive potential. FC1 and FC2 released 22.9% and 40.7% of the incorporated citral, respectively, in the first 24 hours. The formulation FC2 releasing between 1 h and 3 h was similar to citral MIC, and this formulation was selected for the biofilm and enamel mineral loss analyses. FC2 showed good antimicrobial action in polymicrobial biofilms and, even when exposed to sucrose-containing medium, unlike the other treatments, the pH of this group remained close to neutrality for a longer time. Overall, FC2 formulation determined the lowest rate of enamel hardness loss. Based on these findings, the bioadhesive liquid crystal system containing citral (FC2) had adequate physicochemical characteristics, controlled citral release, good antibacterial activity and decreased mineral loss from dental enamel subjected to high cariogenic challenge. Therefore, FC2 has a great potential as an adjuvant method in the prevention of dental caries. Keywords: Liquid crystals. Dental caries. Biofilms. Plant oils. Anti-bacterial agents. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................13 2 PROPOSIÇÃO ..................................................................................15 2.1 Objetivos Específicos .................................................................15 3 REVISÃO DA LITERATURA ............................................................16 4 MATERIAL E MÉTODO ...................................................................24 4.1 Obtenção dos Materiais para Preparo do Sistema ....................24 4.2 Coleta de Saliva para o Desenvolvimento do Biofilme Polimicrobiano .............................................................................24 4. 2.1 Análise da concentração de micro-organismos na saliva .........................................................................................25 4.3 Determinação da Concentração Inibitória Mínima (CIM) e Concentração Bactericida Mínima (CBM) do Citral................26 4.4 Preparo do Sistema Bioadesivo com a Incorporação do Citral ..............................................................................................26 4.5 Caracterização Físico-Química dos Sistemas ...........................27 4.5.1 Microscopia de luz polarizada ..................................................27 4.5.2 Análises reológicas ...................................................................27 4.5.3 Avaliação in vitro da força adesiva ..........................................29 4.5.4 Análise do perfil de liberação in vitro do citral ......................30 4.6 Avaliação da Capacidade de Interferência do Sistema Bioadesivo Contendo Citral na Formação do Biofilme Polimicrobiano e na Desmineralização do Esmalte de Dentes Bovinos .........................................................................................30 4.6.1 Definição dos grupos experimentais .......................................31 4.6.2 Cálculo do tamanho amostral ..................................................31 4.6.3 Preparo e seleção dos blocos de esmalte bovino ..................32 4.6.4 Crescimento e tratamento dos biofilmes polimicrobianos ....33 4.6.5 Análise da acidogenicidade no meio de cultura ....................36 4.6.6 Avaliação da composição microbiológica dos biofilmes ......36 4.6.7 Análise da perda de dureza de superfície do esmalte ...........36 4.7 Planejamento Estatístico e Análise dos Dados .........................37 5 RESULTADO ...................................................................................39 5.1 Análise da Concentração de Micro-Organismos na Saliva ......39 5.2 Determinação Concentração Inibitória Mínima (CIM) e Concentração Bactericida Mínima (CBM) do Citral ........................39 5.3 Caracterização Físico-Química do Sistema ..............................40 5.3.1 Microscopia de Luz Polarizada (MLP) ....................................40 5.3.2 Análises reológicas ................................................................42 5.3.2.1Análise reológica contínua .....................................................42 5.3.2.2 Análise reológica oscilatória .................................................44 5.3.3 Avaliação in vitro da força adesiva ..........................................46 5.3.4 Análise de perfil de liberação in vitro do citral .......................47 5.4 Avaliação da Capacidade de Interferência do Sistema Bioadesivo Contendo Citral na Formação do Biofilme Polimicrobiano e na Desmineralização do Esmalte de Dentes Bovinos .......................................................................50 5.4.1 Viabilidade bacteriana ..............................................................50 5.4.2 Acidogenicidade do meio de cultura .......................................52 5.4.3 Perda de dureza superficial do esmalte ..................................54 6 DISCUSSÃO ....................................................................................56 7 CONCLUSÃO ..................................................................................63 REFERÊNCIAS ...............................................................................64 APÊNDICE A- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ...............................................................................73 APÊNDICE B CURVA PADRÃO DO CITRAL EM ÁLCOOL ETÍLICO ABSOLUTO (99,8%) /PBS, EQUAÇÃO DA RETA E COEFICIENTE DE CORRELAÇÃO LINEAR (R²) ...........................75 APÊNDICE C APÊNDICE C –MÉDIA DE DUREZA DA POUPULAÇÃO TOTAL DE BLOCOS E SEUS INTERVALOS DE CONFIANÇA .............................................................................76 ANEXO A- PARECER DE APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA COM SERES HUMANOS .............................. 77 ANEXO B –CADASTRO DO PROJETO NOSISTEMA NACIONAL DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO E DO CONHECIMENTO TRADICIONAL ASSOCIADO- SISGEN ...........81 13 1 INTRODUÇÃO A cárie dentária é uma doença de etiologia multifatorial, com fatores associados ao indivíduo e ao ambiente em que se insere1. As bactérias participantes do processo de desenvolvimento da cárie produzem ácidos orgânicos como subprodutos do metabolismo de carboidratos fermentáveis, os quais causam uma perturbação no equilíbrio mineral e, como resultado, inicia-se o processo de desmineralização da estrutura dentária2. O principal método de prevenção da cárie é o controle mecânico do biofilme por meio da escovação, associado à utilização de dentifrícios fluoretados e uma dieta alimentar equilibrada pobre em carboidratos fermentáveis3-5. Entretanto, crianças e indivíduos com problemas motores ou com comportamento pouco colaborativo podem apresentar dificuldades para realizar e manter uma rotina de higienização bucal adequada, aumentando os riscos de desenvolvimento da cárie6. Para essas situações, o controle químico do biofilme tem se mostrado um método complementar eficaz6,7. Vários agentes químicos com ação antibacteriana são frequentemente encontrados na composição de enxaguatórios bucais e dentifrícios8. A clorexidina é uma das substâncias mais indicadas como agente antibacteriano e anti-biofilme. Porém, da mesma forma que os demais agentes químicos atualmente disponíveis, desempenha ação limitada sobre biofilmes já organizados9,10. Além disso, a sua utilização por tempo prolongado pode resultar em efeitos adversos, como resistência bacteriana, alteração do paladar, descamação da mucosa e pigmentação dentária11- 14. Também não foram encontradas evidências científicas que comprovem a indicação dessa substância para a prevenção da cárie em crianças e adolescentes15. Assim, alternativas devem ser pesquisadas visando manter e/ou restabelecer o equilíbrio da microbiota bucal frente aos diversos desafios impostos pelo ambiente, e apresentar ação sobre biofilmes organizados, com menor risco de efeitos adversos. Produtos de origem natural (extratos vegetais, óleos essenciais, compostos isolados e produtos marinhos) têm sido cada vez mais investigados como alternativas preventivas, seguras, eficazes e sustentáveis16,17. O citral é uma biomolécula encontrada em óleos essenciais de várias plantas medicinais, resultante da mistura natural de dois aldeídos monoterpênicos acíclicos isoméricos: geranial (transcitral, citral A) e neral (cis-citral, citral B) com destaque para seu efeito bactericida18. O 14 mecanismo de ação do citral envolve a alteração da membrana bacteriana, resultando na liberação de proteínas, ácidos nucleicos e outros componentes19-21. Apesar de ser uma substância promissora, as propriedades antimicrobianas do citral no contexto de prevenção a cárie foram pouco exploradas até o momento. Além disso, o principal desafio na sua utilização clínica consiste em manter essa substância disponível por tempo terapêutico na cavidade bucal, devido à sua instabilidade química e vulnerabilidade frente a ação de limpeza exercida pelo fluxo salivar. Neste sentido, esforços têm sido direcionados para o desenvolvimento de sistemas mais estáveis e que apresentem liberação controlada da substância ativa22,23. Os sistemas cristais líquidos dispõem de ligações com rigidez próprias de sólidos e regiões desordenadas, com fluidez de líquidos24. Na cavidade oral, a forma líquida facilita a sua aplicação, e em contato com os fluidos bucais, esses sistemas estruturam-se, tornando-se mais viscosos, o que favorece a sua aderência à estrutura dentária22. Dessa forma, eles protegem a substância ativa da remoção pela ação do fluxo salivar e permitem a sua liberação controlada no sítio de interesse22,23. Além disso, com o controle das taxas de liberação, esses sistemas possibilitam uma diminuição da dose e uma menor frequência de administração, reduzindo a possibilidade de efeitos colaterais e favorecendo a adesão do paciente ao tratamento25,26. A associação de produtos naturais com os sistemas cristais líquidos tem sido testada e os resultados apontam que essa é uma alternativa viável para a administração de fármacos no tratamento de doenças microbianas da cavidade bucal23,27,28. O presente estudo foi idealizado considerando o potencial antimicrobiano do citral, somado à escassez de trabalhos na literatura a respeito da incorporação desse composto a sistemas de liberação modificada de fármacos. O objetivo foi associar o citral a um sistema cristal líquido e avaliar sua ação antibacteriana e antibiofilme e seu efeito na perda mineral do esmalte. 15 2 PROPOSIÇÃO Avaliar a ação de um sistema cristal líquido bioadesivo contendo citral contra bactérias cariogênicas, no acúmulo do biofilme e na perda mineral do esmalte dentário. 2.1 Objetivos Específicos Incorporar o citral a um sistema cristal líquido e avaliar suas características físico- químicas; Avaliar o perfil de liberação do citral incorporado ao sistema; Avaliar a capacidade do sistema contendo o citral em interferir na formação do biofilme cariogênico; Avaliar in vitro o efeito do sistema cristal líquido contendo citral na perda de dureza superficial do esmalte de dentes bovinos submetidos a elevado desafio cariogênico. 16 3 REVISÃO DA LITERATURA A cárie dentária é uma doença multifatorial que ocorre como consequência do desequilíbrio dos processos de desmineralização e remineralizarão dos tecidos duros dentais. Entre os fatores determinantes para a ocorrência da cárie estão a presença de micro-organismos estruturados em biofilmes e o consumo frequente de carboidratos fermentáveis1. Fatores comportamentais, sociais, biológicos e ambientais também estão associados à doença29. Os biofilmes dentais são estruturas extremamente organizadas, compostas por micro-organismos envolvidos por uma matriz de polissacarídeos extracelulares sobre uma camada denominada película adquirida2. Essa camada é constituída por glicoproteínas salivares, fosfoproteínas, lipídeos e componentes do fluído gengival aderidos a superfície dentária. Nutrientes orgânicos acumulados proporcionam o recrutamento de micro-organismos que se aderem à película adquirida por meio de adesinas presentes na superfície celular bacteriana, proporcionando um ambiente favorável para a posterior colonização por outros micro-organismos. Consequentemente, são produzidos polissacarídeos que se depositam na superfície dentária cooperando para a formação da matriz e maturação do biofilme2,30. A desorganização do biofilme por meio da escovação e do uso de fio dental é o método preventivo mais indicado para o controle da doença cárie31. Porém, em situações especificas, nas quais não é possível realizar uma higiene bucal adequada, a associação com substâncias químicas antibacterianas é uma alternativa para reforço desse controle32. Entre os principais agentes químicos utilizados para atuarem no biofilme estão: a clorexidina, o triclosan e o cloreto de cetilpiridínio. Apesar de uma indicação de uso similar, esses produtos se diferenciam na sua formulação e aplicabilidade8. Contudo, o uso indiscriminado dessas substâncias pode favorecer a resistência bacteriana e a ocorrência de efeitos adversos9-10,33. Outra questão é que alguns dos produtos disponibilizados no mercado possuem álcool na sua composição, o que torna desaconselhável a sua utilização por crianças, gestantes, diabéticos, lactantes, alcoólatras, pacientes com xerostomia, mucosite, sob radioterapia e imunocomprometidos34,35. Apesar da expressiva ação dos agentes químicos sobre micro-organismos cariogênicos, algumas limitações ao seu mecanismo de ação são identificadas, e 17 estas são justificadas pela restrição de penetração, nível de concentração e tempo de contato. Altas concentrações e frequência de uso podem favorecer o desequilíbrio da microbiota bucal e aumentar o risco e ocorrência de efeitos indesejáveis. Investir em produtos naturais de prevenção ajuda na redução de custos terapêuticos e simultaneamente pode promover menos efeitos colaterais36. Muitos compostos naturais já tiveram suas propriedades anti-cárie exploradas37,38. Uma das principais vantagens desses compostos em comparação aos produtos sintéticos, mais especificamente em comparação à clorexidina, é a diminuição do impacto sobre a microbiota oral geral, afetando fatores específicos do biofilme dentário, como o acúmulo e a composição dos polissacarídeos extracelulares33. Contudo, muitos produtos de origem natural podem apresentar um teor elevado de toxicidade para as células do organismo39. Então, para uma aplicação clínica, são necessários testes de citotoxicidade e estudos in vivo, estabelecendo assim, doses seguras para a sua utilização. Entre os produtos naturais amplamente estudados estão os óleos essenciais. Sua atividade antimicrobiana está diretamente relacionada à ação sobre a camada lipídica da membrana celular bacteriana, promovendo uma alteração da sua estrutura e função, que determinam a morte celular40,41. Podem, ainda, inibir a atividade enzimática das células bacterianas pela ação dos flavonóides presentes na sua composição42 ou pelo seu acúmulo na parede celular, com consequente ruptura da estrutura43. O óleo essencial de Cymbopogon citratus (capim limão) possui características anti-inflamatórias, antioxidantes, antifúngicas, antissépticas, adstringentes, analgésicas e antipiréticas44-45. Além disso, esse óleo apresenta atividade antimicrobiana com um amplo espectro de ação que abrange bactérias Gram- negativas, Gram-positivas e fungos46,18. Estudos in vitro demonstraram, ainda, que esse óleo essencial possui ação antimicrobiana sobre isolados clínicos de Streptococcus mutans, Streptococcus salivarius e Streptococcus mitis, além de ação contra seis tipos de cepas de referência, incluindo fungos44. Mais especificamente contra colonizadores dentários primários e espécies microbianas relacionadas à cárie (Actinomyces naeslundii, Lactobacillus acidophilus, Streptococcus gordonii, Streptococcus mitis, Streptococcus mutans, Streptococcus sanguinis e Streptococcus sobrinus), o óleo essencial de C. citratus apresentou efeito inibitório contra todas as espécies bacterianas testadas, reduziu o número de células 18 viáveis em biofilmes de lactobacilos e estreptococos, inibiu a adesão do biofilme polimicrobiano relacionado à cárie de esmalte e apresentou baixa citotoxicidade a queratinócitos humanos47. Além de apresentar a capacidade de reduzir a biomassa e a viabilidade microbiana, o óleo essencial também altera as características adesivas do biofilme polimicrobiano48. Estudo recente mostrou que a associação do óleo essencial de C. citratus com a clorexidina potencializa o efeito antibacteriano da clorexidina sobre biofilmes polimicrobianos e reduz a acidogenicidade desses biofilmes17. Esses resultados podem ser atribuídos a um sinergismo entre os principais componentes do óleo essencial de C. citratus (citral e geranial) com o digluconato de clorexidina47, e podem levar ao desenvolvimento de formulações para bochecho para uso em períodos mais curtos, e desta forma contribuir para a redução dos efeitos indesejáveis da clorexidina. As atividades biológicas dos produtos naturais podem ser provenientes da ação de seus compostos isolados20,21. Dentre eles, destaca-se o citral que compreende aproximadamente 65-85% da composição do óleo essencial de C. citratus21,18. O citral é conhecido por exibir várias propriedades medicinais, incluindo a redução da atividade oxidante, da expressão de ciclooxigenase-2 (COX-2) e da ativação do fator de transcrição nuclear kappa B (NF-kB), demonstrando um potencial anti-inflamatório e anti-oxidante49. Em altas concentrações, pode provocar alteração celular, romper a parede e estrutura da membrana, resultando na liberação de proteínas, ácidos nucleicos e outros componentes; e influenciar no equilíbrio do pH dentro e fora da célula bacteriana, caracterizando-se assim como um agente anti-microbiano20,19,21. Como é uma molécula quimicamente instável, o citral pode sofrer degradação rapidamente em pH ácido18. Além disso, é um composto com baixa solubilidade em água18. Como estratégia para contornar esses problemas, ele pode ser associado a emulsões e nanoemulsões que possibilitam o aumento da sua estabilidade50 redução da toxicidade e liberação controlada18. Ao longo dos anos, sistemas cristais líquidos têm ganhado destaque em áreas de pesquisa como possibilidade terapêutica para a liberação controlada de fármacos em diferentes aplicações, sendo administrados por diferentes vias51. O sistema cristal líquido possui variedade estrutural, alto grau de organização interna e características morfológicas adaptáveis, que também beneficiam a incorporação de agentes anfifílicos, hidrofóbicos e hidrofílicos51 (Figura 1A), além de possibilitar o transporte de grandes volumes de carga52,53. Com a formação de multicamadas, os cristais líquidos 19 atuam como uma barreira de difusão do fármaco e, consequentemente, controlam a sua liberação52,53. Além disso, a localização do fármaco é dependente da solubilidade e da probabilidade de inclusão entre as moléculas de tensoativo, podendo se ligar à parte polar ou apolar do cristal líquido54. As mesofases lamelares (Figura 1B) são estruturas formadas por camadas paralelas de tensoativo, com camadas de solvente interpostas. As cadeias hidrofóbicas do tensoativo ficam no centro da lamela, e a parte hidrofílica fica em contato com a camada de solvente. Esta mesofase apresenta anisotropia com formação de estruturas em forma de cruz de malta e é bastante fluida55,56. A mesofase hexagonal consiste em micelas empacotadas, e é formada pela união de cilindros longos com redes bi ou tridimensionais, as quais são separadas por uma região contínua de água. Essa mesofase pode ser classificada como direta ou reversa. Na mesofase hexagonal reversa as cabeças polares do tensoativo circundam os canais aquosos e a porção apolar fica localizada ao redor dos cilindros (Figura 1C). Já na mesofase hexagonal direta as cabeças polares do tensoativo ficam localizadas na região externa dos cilindros (Figura 1D). Em anisotropia, ambas as mesofases hexagonais se caracterizam pela presença de estrias57,56. A mesofase cúbica (Figura 1E) é formada por uma fase contínua polar ou por uma fase contínua apolar, em arranjo cúbico. Quando observada em microscópio de luz polarizada, diferente das mesofases lamelar e hexagonal, não apresenta birrefringência, sendo caracterizada pela formação de um “campo escuro” e apresenta alta viscosidade58,56. 20 Figura 1 - Ilustração da estruturação dos sistemas cristais líquidos Anfifílicos livres (A) e das principais fases de cristais líquidos liotrópicos: (B) Lamelares, (C) Hexagonais Reversas, (D) Hexagonais diretas (E) Cúbica. Fonte: Adaptado de Calixto56. O contato com fluidos biológicos pode favorecer o aumento da adesão do sistema cristal líquido ao local de aplicação dependendo do tensoativo, aumentando o tempo de permanência no local alvo, característica de extrema importância para sistemas desenvolvidos para a cavidade bucal59-65. A bioadesão é o termo atribuído ao mecanismo em que dois materiais, um deles de origem biológica, permanecem ligados por forças interfaciais25. Na cavidade bucal, essas interações sofrem constantes desafios de difícil reprodução in vitro, sendo estes associados à fala, deglutição, mastigação, excesso de água no local e a frequente produção de saliva. Além disso, deve-se levar em consideração que propriedades iniciais das formulações podem se modificar quando submetidas a uma força externa, aumentando ou diminuindo o seu nível de fluidez. Esse comportamento pode ser avaliado por meio da análise do seu escoamento e a deformação quando elas são submetidas a uma tensão de cisalhamento25,23,66. As formulações também podem se 21 tornar mais elásticas ou viscosas quando aumentado o seu teor aquoso, o que pode interferir na adesão ao substrato alvo23,63,67. Essas características podem auxiliar na seleção de vias de aplicação para os sistemas na cavidade bucal, inclusive proporcionando o alcance a regiões de difícil acesso, facilitando sua ação terapêutica68,69. Em relação a composição, os sistemas cristais líquidos são elaborados por substâncias que podem afetar diretamente as suas características quando usadas em associação. A combinação de álcool cetílico alcoxilado (Procetyl AWS) com diferentes fases oleosas, como o ácido oleico, causam mudanças expressivas na organização estrutural dos sistemas que resultam na formação de sistemas líquidos isotrópicos, além de fases lamelares e hexagonais64. Já o Poloxamer 407 pode otimizar as propriedades adesivas e possui propriedades de solubilização para fármacos mais ou menos lipofílicos70. A adição de saliva a um sistema composto por Procetyl AWS, ácido oleico e diversas dispersões de polímeros como fase aquosa (carbopol 0,5%, dispersão de policarbofil 0,5%, dispersão de hidroxietilcelulose 0,5% e dispersão de quitosana 0,5%) resulta no aumento do seu potencial de adesão ao local de aplicação66. De forma semelhante, a mistura de Procetyl AWS, ácido oleico e dispersão de Poloxamer 407 (1%) apresenta a capacidade de formar microemulsões e sistemas de fase líquido cristalino com formação de estruturas mais organizadas a partir do aumento da sua porção aquosa62. Avaliando a associação da substância própolis a formulações cristais líquidos, Alcantara et al.71. (2018) identificaram uma taxa de liberação de 36% no período de 120 h. Outro achado interessante foi obtido por Mei et al.72 (2018), que avaliando a formulação de um gel-isotrópico cristalino obtiveram taxa de liberação da substância ativa de 38,6% nas primeiras 24 h, enquanto na ausência do gel a liberação foi de 91,2%. Por outro lado, Marques27 (2020) incorporando o óleo essencial de C. citratus a um sistema mucoadesivo precursor de cristal líquido contendo quitosana na sua composição, obteve uma taxa de liberação de apenas 10,73% nas primeiras 24 h. Contudo, todos esses estudos realizaram a avaliação por um período muito curto de tempo. Então, a avaliação da liberação de substâncias ativas incorporadas a sistemas cristal líquido em períodos mais extensos pode permitir uma melhor avaliação da capacidade de liberação dos sistemas. Bruschi et al.73 (2008), usando uma formulação 22 com micropartículas de própolis incorporadas a um sistema cristal líquido, observaram uma taxa de liberação em torno de 15% em 24 horas, e de cerca de 75% em 7 dias. Baixas taxas de liberação, assim como, o aumento do tempo necessário para se atingir uma concentração mínima para inibição dos micro-organismos (CIM), podem estar associados a uma redução do potencial de ação antimicrobiana das substâncias ativas27,59. Em períodos maiores do que 48 h, as bactérias passam a se aderir umas às outras originando uma rede densa de células, e adquirem uma maior resistência a substâncias antimicrobianas74. Portanto, a obtenção de valores de concentração equivalente a CIM nas primeiras horas é uma característica importante para uma substância usada com a finalidade antibacteriana, já que neste período, ela vai atuar sobre biofilmes prematuros, e, portanto, nesta situação as bactérias são menos resistentes. Visando estabelecer um protocolo de aplicação do citral, Oliveira et al.47 (2017) identificaram que o tratamento de biofilmes de S. mutans por um minuto reduziu significativamente o número de células viáveis de forma semelhante ao controle positivo (digluconato de clorexidina). Assim, os autores sugeriram pesquisas futuras com aumento do tempo de contato da substância ativa com os micro-organismos ou a sua incorporação a sistemas de liberação modificada, com a finalidade de melhorar a sua ação antimicrobiana. A incorporação de fármacos a um sistema de liberação modificada não só favorece o aumento do tempo de contato do fármaco com os micro-organismos, como também permite diminuir a frequência de aplicação, favorecendo a adesão ao tratamento. Entretanto, Calixto66 (2013) avaliando um sistema cristal líquido associado ao peptídeo p1025, num protocolo de aplicação de apenas 1 minuto, 2 vezes ao dia, não obteve uma redução significativa da viabilidade bacteriana em biofilmes de S. mutans sobre discos de hidroxiapatita. Com base nesses resultados, foi sugerido um aumento do tempo de contato da formulação com o local de ação. Marques27 (2020) testou in vitro, por um período de 4 dias, um protocolo de exposição dos biofilmes às formulações durante 5 min, em dias alternados. Foi identificado que para a formulação contendo a associação do digluconato clorexidina com o óleo essencial de C. citratus, ocorreu uma redução significativa da concentração de bactérias acidúricas e de estreptococos do grupo mutans, de forma similar àquela determinada pelo digluconato de clorexidina livre aplicada por um minuto, uma vez ao dia (grupo controle) e uma 23 redução da concentração de bactérias totais estatisticamente superior àquela determinada pelo digluconato clorexidina. Além da inibição do crescimento dos biofilmes, outras características devem ser analisadas visando o controle da instalação e da evolução da doença cárie. O pH ácido do meio contribui como um dos principais fatores de virulência. Ácidos produzidos por bactérias acidogênicas, em especial o ácido lático, difundem no esmalte e dissolvem seu conteúdo mineral. Assim, o pH abaixo de 5,5 (pH crítico do esmalte) promove uma dissolução da hidroxiapatita, promovendo a instalação da lesão de cárie2. Até onde é do conhecimento dos autores da presente pesquisa, ainda não existem estudos avaliando a associação do citral a um sistema de liberação modificada, com o objetivo de verificar a sua capacidade em interferir na formação do biofilme e o seu efeito na perda mineral do esmalte dentário submetido a desafio cariogênico. Assim, diante da literatura existente a respeito das propriedades antimicrobianas de compostos naturais, e da comprovada potencialização da ação dos fármacos quando incorporados a sistemas cristais líquidos, a utilização do citral associado a um sistema cristal líquido pode ser uma alternativa viável para o controle de biofilmes orais e, consequentemente, na prevenção de doenças, entre elas, a cárie dentária. 24 4 MATERIAL E MÉTODO Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Faculdade de Odontologia de Araraquara (Processo: CAAE 41924721.8.0000.5416) (Anexo A), e cadastrado no Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional associado – SisGen (Número do cadastro: A9051AD) (Anexo B). 4.1 Obtenção dos Materiais para Preparo do Sistema O Poloxamer 407 foi adquirido da empresa Sigma-Aldrich Brasil Ltda (São Paulo, SP, Brasil), o ácido oleico PA., da Synth (Diadema, São Paulo, Brasil), e o álcool cetílico alcoxilado (Procetyl AWS), da Croda (Campinas, São Paulo, Brasil). O citral 95% (3,7-Dimethyl-2,6-octadienal, geranial and neral mixture), foi adquirido na empresa Sigma-Aldrich Brasil Ltda (São Paulo, SP, Brasil), em quantidade suficiente para que o mesmo lote (STBJ0146) fosse utilizado em todas as análises. 4.2 Coleta de Saliva para o Desenvolvimento do Biofilme Polimicrobiano Para avaliar a capacidade do sistema contendo o citral em interferir na formação do biofilme cariogênico foi utilizado um inóculo polimicrobiano obtido a partir da saliva estimulada de um doador, com o objetivo de mimetizar o biofilme formado in vivo75. Como critérios de não inclusão foram considerados: uso de prótese bucal ou aparelho ortodôntico, doença periodontal (presença de sangramento gengival ou profundidade de sondagem igual ou maior de 4 mm76 gestante, fumante, apresentar doenças sistêmicas, estar em terapia medicamentosa com fármacos que causam redução do fluxo salivar, como opioides, anti-histamínicos, antidepressivos, antiepiléticos, ansiolíticos e anticolinérgicos 77. Os critérios de inclusão para o doador de saliva foram: possuir entre 25 e 30 anos de idade, ter bom estado de saúde geral e bucal, não ter feito uso de antibióticos, antifúngicos e enxaguatórios bucais nos últimos seis meses78, e apresentar fluxo 25 salivar estimulado maior ou igual a 0,7 mL/min. Além disso, de acordo com estudo prévio do nosso grupo de pesquisa, a saliva para o experimento deveria apresentar valores médios de concentração de bactérias contidos nos seguintes intervalos de confiança, em Log (1+UFC/mL): bactérias totais (6,56-8,67), estreptococos do grupo mutans (4,05-6,65) e bactérias acidúricas (5,14-8,14)27. Após leitura e esclarecimento das dúvidas sobre a sua participação na pesquisa, o doador de saliva selecionado assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice A). A coleta da saliva foi realizada entre as 9 h e 10 h da manhã79 com o indivíduo em jejum por no mínimo 2 h, sem escovar os dentes por 24 h, e sem ter ingerido bebidas alcoólicas por um período mínimo de 24 h antes da coleta. A saliva foi estimulada por meio da mastigação de parafina plástica sem sabor (Parafilm “M”, American National Can, Chicago, EUA), e a coleta foi realizada por um tempo de 5 minutos, em tubos Falcon esterilizados, mantidos em isopor com gelo. O fluxo salivar foi calculado em mL/min, a saliva foi filtrada com o auxílio de uma gaze estéril, para remoção de resíduos, e o seu pH foi determinado com auxílio de pHmetro (Quimis, Diadema, SP, Brasil), previamente calibrado. 4.2.1 Análise da concentração de micro-organismos na saliva Uma alíquota de 200 µL de saliva foi usada para determinar a concentração de bactérias totais em ágar Wilkins-Chalgren80, de estreptococos do grupo mutans em ágar Mitis Salivarius suplementado com 15% de sacarose e 0,2 UI/mL de bacitracina (MSBS)81, e de bactérias acidúricas em ágar BHI (Brain Heart Infusion) pH 4,782. As placas contendo ágar Wilkins-Chalgren e ágar Mitis Salivarius foram incubadas em 5% de CO2, a 37 ºC por 48 h, enquanto as placas de BHI pH 4,7 foram incubadas nas mesmas condições, por 96 h. Para identificação das colônias de S. mutans, foram consideradas colônias escuras, de 0,5 a 1,0 mm de diâmetro, convexas, com aspecto rugoso. Colônias atípicas foram analisadas pelo método de Gram, devendo apresentar características morfotintoriais de cocos Gram positivos dispostos em cadeias. A análise foi feita em triplicata para cada grupo microbiano. A contagem de Unidades Formadoras de Colônias (UFC) foi realizada com o auxílio de contador de colônias (Phoenix Luferco CP 600 Plus, Araraquara, SP, Brasil) e os resultados foram expressos em Log (1 + UFC/mL). 26 A composição microbiológica da saliva foi avaliada sempre que foi realizada uma nova coleta. 4.3 Determinação da Concentração Inibitória Mínima (CIM) e Concentração Bactericida Mínima (CBM) do Citral Para esta avaliação foi utilizada a técnica de microdiluição baseada no Clinical and Laboratory Standards Institute, (CLSI)83,17 com substituição do meio de cultura tradicional (caldo Mueller-Hinton) por caldo McBain. Em placas de 96 poços, o citral foi diluído em Tween 80 (Synth, Diadema, SP, Brasil) e caldo McBain na proporção 1:1:8 (v/v/v). A partir de então, diluições seriadas de razão dois foram obtidas de modo a serem testadas concentrações entre 0,1 μL/mL e 100 μL/mL (v/v) do citral. Foram adicionados em cada poço 20 μL de saliva do doador e as placas foram incubadas a 37 ºC em 5% de CO2 por 24 h. Em seguida, o conteúdo dos poços foi submetido a uma subcultura em ágar Wilkins-Chalgren por 48 h a 37 ºC em 5% de CO2 para avaliação da CIM (Concentração Inibitória Mínima) e da CBM (Concentração bactericida mínima). A CIM foi avaliada como a menor concentração capaz de inibir o crescimento e a CBM como a menor concentração capaz de inibir totalmente o crescimento de micro-organismos. Como controle negativo, foi utilizado água destilada, Tween 80, e caldo McBain na mesma proporção (1:1:8) e como referência foi utilizado o digluconato de clorexidina 0,12% (1,2 µL/mL) (CLX) diluído no meio de cultura, nas concentrações entre 0,0006 μL/mL e 0,6 μL/mL (v/v). Os experimentos foram realizados em triplicata. 4.4 Preparo do Sistema Bioadesivo com a Incorporação do Citral O sistema com a incorporação do citral foi adaptado segundo o trabalho desenvolvido por Bernegossi et al.62 (2015), e preparado em colaboração com o Departamento de Fármacos e Medicamentos da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara, UNESP. Em condições assépticas, em temperatura de 25 ± 2 oC, foram misturados, nas seguintes proporções em massa: 30% de ácido oleico (fase oleosa), 50% de álcool cetílico alcoxilado (tensoativo) e 20% de dispersão aquosa de poloxamer 407 a 1% (fase aquosa). O citral (C) foi incorporado à fase oleosa do sistema em concentrações 27 10 vezes (FC1) e 15 vezes (FC2) a sua CIM. Em sequência foi realizada a homogeneização da formulação com o agitador magnético sem aquecimento Fisatom 752A (RBR – Ribeirão Preto – São Paulo) entre 300 a 600 rpm, durante 24 horas. Todos os materiais utilizados para o preparo do sistema, desde que fossem passíveis de esterilização foram autoclavados. 4.5 Caracterização Físico-Química dos Sistemas Para a caracterização dos sistemas (FC1 e FC2), foram realizados testes de microscopia de luz polarizada, análises reológicas, avaliação in vitro da força adesiva e análise do perfil de liberação. Para as três primeiras análises os sistemas também foram avaliados com a incorporação de 5% e 50% da saliva do doador (FC1+ 5%; FC1 + 50%; FC2+ 5%; FC2 + 50%), com o intuito de avaliar o comportamento das formulações quando aplicadas em ambientes com elevada taxa de umidade, como a cavidade bucal. 4.5.1 Microscopia de luz polarizada Alíquotas do sistema com a incorporação do citral, foram colocadas em lâminas de vidro, recobertas com uma lamínula e analisadas em Microscópio de Luz Polarizada (Olympus BX41, Olympus, Japão). Imagens foram obtidas com aumento de 40 vezes. Por esta análise, os sistemas foram classificados em sistemas cristais líquidos lamelares ou hexagonais, quando ocorreu o desvio da luz (anisotropia), formando diferentes estruturas denominadas cruzes de malta ou estrias, respectivamente. Quando não ocorreu o desvio de luz (isotropia), foi observado aspecto de “campo escuro”, caracterizando a formação de uma microemulsão (ME) ou sistema cristal líquido de fase cúbica56. 4.5.2 Análises reológicas As propriedades reológicas do sistema foram avaliadas pelas análises de fluxo contínuo e de fluxo oscilatório, realizadas com o auxílio do Reômetro AR 2000ex (TA Intruments, New Castle, Delaware, EUA). 28 Para a análise reológica de fluxo contínuo, em um dispositivo cone-placa de 40 mm a uma temperatura de 37 oC ± 0,5 oC, uma amostra de 2 g do sistema foi depositada na placa inferior do aparelho, onde permaneceu em repouso por 5 minutos antes de cada determinação. A taxa de cisalhamento utilizada foi de 0 a 100 s-1 para a curva ascendente e de 100 a 0 s-1 para a curva descendente, durante 120 segundos cada. As análises foram realizadas em triplicata para cada formulação. Os resultados foram expressos em um gráfico que correlaciona a tensão de cisalhamento (Pa) com a taxa de cisalhamento (1/s). Esse gráfico é formado por duas curvas distintas, uma ascendente que demonstra o comportamento de fluxo do material quando a taxa de cisalhamento aumenta, e uma descendente que indica o comportamento desse material quando a taxa de cisalhamento é gradativamente removida84. A partir dos reogramas obtidos, foi utilizada a Equação I para caracterizar o comportamento e viscosidade do material66: (Equação I):  = K .  n Sendo:  = taxa de cisalhamento, K = índice de consistência,  = tensão de cisalhamento, n = comportamento de fluxo. Neste modelo, n<1 representa um fluido não Newtoniano pseudoplástico, n>1 representa um fluído não Newtoniano dilatante e n=1 representa um fluido Newtoniano61. Já a viscosidade dinâmica das formulações pode ser avaliada com o índice de consistência (K) que aumenta com a viscosidade da formulação. Para a análise reológica oscilatória, primeiramente foi realizado um teste de varredura de tensão, com o reômetro no modo amplitude sweep, usando uma faixa de tensão de cisalhamento de 0 a 50 Pa e frequência de 1 rad/s, para determinação da região viscoelástica linear, onde a tensão é diretamente proporcional à deformação e o módulo de armazenamento é constante. Em seguida, o reômetro foi colocado no modo frequency sweep para realização do teste de varredura de frequência para determinação do módulo elástico ou de armazenagem (G’) e módulo viscoso ou módulo de perda (G''), no qual a tensão se dissipa na forma de deformação irreversível. Para esse teste foi utilizada a faixa de frequência de 0,1 a 10 Hz (1Hz = 29 6,28 rad/s), a uma tensão constante de 1 Pa66. Os ensaios foram realizados em triplicata. Altos valores para o módulo de armazenagem refletem em uma amostra predominantemente elástica e altamente estruturada (G’>G’’), enquanto, altos valores para o módulo de perda indicam que a amostra é predominantemente viscosa (G’G’’). No entanto, a adição de 5% e 50% de saliva tornou a formulação mais viscosa do que elástica (G’G’’) (Figura 6). Na Tabela 4 os parâmetros S e n são indicativos da densidade de reticulação da estrutura, quanto mais alto o valor de S, mais reticulada e forte é a estrutura formada. Já o n diminui com o aumento da densidade de organização. Assim, valores de n altos indicam formulações com estruturas mais fracas. 45 Figura 6 - Variação do módulo de armazenagem ou elástico, G’ (símbolos cheios) e módulo de perda ou viscoso, G’’ (símbolos vazios), em função da frequência para as diferentes formulações FC1= Formulação contendo citral 10x a CIM; FC1+5%=Formulação contendo citral 10x a CIM com 5% de saliva; FC1+50%= Formulação contendo citral 10x a CIM com 50% de saliva; FC2= Formulação contendo citral 15x a CIM; FC2+5%= Formulação contendo citral 15x a CIM com 5% de saliva; F2+50%= Formulação contendo citral 15x a CIM com 50% de saliva. Fonte: Elaboração própria. 46 Tabela 4 - Valores de regressão linear (r), da resistência do gel (S) e do expoente viscoelástico (n) Formulação r2 s n FC1 1,0000 0,1453 0,9960 FC1 +5% 0,9976 10,098 10,841 FC1+50% 0,9999 10,841 0,6360 FC2 0,9977 1,8599 2,1330 FC2 +5% 0,9406 0,0030 1,6950 FC2 +50% 0,9790 1409,0 0,1058 FC1= Formulação contendo citral 10x a CIM; FC1+5%=Formulação contendo citral 10x a CIM com 5% de saliva; FC1+50%= Formulação contendo citral 10x a CIM com 50% de saliva; FC2= Formulação contendo citral 15x a CIM; FC2+5%= Formulação contendo citral 15x a CIM com 5% de saliva; F2+50%= Formulação contendo citral 15x a CIM com 50% de saliva. Fonte: Elaboração própria. 5.3.3 Avaliação in vitro da força adesiva As médias e desvios padrão da força necessária para o destacamento das formulações dos discos de mucina estão expressos na Figura 7. Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos (ANOVA com correção de Welch; p≤0,0001). Na comparação entre os grupos dois a dois, observou-se que o comportamento das formulações FC1 e FC2 foi semelhante (Games-Howell; p=0,997), e, com a adição de 50% de saliva (FC1+50% e FC2+50%) , ambas mostraram um aumento significativo da força adesiva em relação as formulações sem adição de saliva (FC1 e FC2) e com adição de apenas 5% de saliva (FC1+5% e FC2+5%) (Games-Howell; p≤0,023 e p≤0,022, respectivamente). Numa comparação com o verniz fluoretado Duraphat (D), as formulações apresentaram força adesiva significativamente maior (Games-Howell; p≤0,023), com exceção daquelas com adição de 5% de saliva que não apresentaram diferença significativa em relação ao Duraphat (Games-Howell; p≥0,052). Com a adição de 50% de saliva, o Duraphat teve sua força adesiva significativamente reduzida (Games-Howell; p≤0,0001|). 47 Figura 7- Força máxima de destacamento (mN) das formulações estudadas dos discos de mucina FC1= Formulação contendo citral 10x a CIM; FC1+5%=Formulação contendo citral 10x a CIM com 5% de saliva; FC1+50%= Formulação contendo citral 10x a CIM com 50% de saliva; FC2= Formulação contendo citral 15x a CIM; FC2+5%= Formulação contendo citral 15x a CIM com 5% de saliva; F2+50%= Formulação contendo citral 15x a CIM com 50% de saliva. D= Duraphat; D+5= Duraphat com 5% de saliva; D+50%= Duraphat com 50% de saliva. Colunas representam as médias e barras representam os desvios padrão. Letras iguais indicam ausência de diferença estatísticamente significante (Games Howell, p≥0,052) e letras diferentes indicam diferença estatisticamente significante (Games Howell, p≤0,022). Fonte: Elaboração própria. 5.3.4 Análise de Perfil de Liberação In Vitro do Citral Os perfis de liberação das formulações durante 24 horas estão apresentados na Figura 8. Pela análise estatística, pôde-se observar efeito do tempo, do tipo de substância e interação entre tempo e tipo de substância (Anova; p≤0001). Como houve interação entre as variáveis, foi analisado o pós-teste dessa interação para comparações de pares. O citral (C) não incorporado no sistema foi 100% recuperado na solução receptora nas primeiras 10 horas, o que foi estatisticamente superior (Bonferroni, p≤0,006) a porcentagem de citral liberado pelas formulações contendo citral 10x a CIM (FC1) e 15x a CIM (FC2), as quais liberaram, respectivamente, 5,3%±1,02% e 13,27±2,49%, neste mesmo período, e foram significativamente 48 diferentes entre si (Bonferroni, p≤0,036). No período de 24 horas, FC2 liberou 40,76%±1,02%, enquanto FC1 liberou uma quantidade significativamente menor (22,94%±0,41%) do citral incorporado (Bonferroni, p≤0,025). Esses resultados evidenciam que ambas as formulações se comportaram como sistemas de liberação controlada de fármacos, tendo a FC2 liberado uma concentração de citral proporcional a sua CIM num período entre 1 h e 3 h, enquanto a FC1 demorou entre 14 h e 16 h para que a liberação atingisse a CIM. A fim de fornecer dados para melhor entendimento dos perfis de liberação dos fármacos, foi realizado o estudo matemático da cinética de liberação, investigando qual modelo de liberação (Korsmeyer-Peppas, Higuchi, Weibull ou Primeira ordem) se adequava mais às formulações. Os dados ajustados para os modelos cinéticos selecionados estão listados na Tabela 5. 49 Figura 8- Perfil de liberação das formulações citral 10x a CIM (FC1), citral 15x a CIM (FC2) comparados a difusão transmembrana do citral não incorporado no sistema (média e desvio padrão) C= citral não incorporado no sistema; FC1= Formulação contendo citral 10x a CIM; FC2= Formulação contendo citral 15x a CIM Fonte: Elaboração própria. 0 20 40 60 80 100 120 140 160 1 3 6 8 10 14 16 24 P o rc e n ta ge m d e li b e ra çã o d e C it ra l ( % ) Tempo (h) Citral FC1 FC2 50 Tabela 5- Os parâmetros ajustados dos modelos cinéticos utilizados na liberação dos fármacos Material R2 C FC1 FC2 Weibull 0,0004 0,7415 0,6656 Peppas 0,8981 0,9805 0,9646 Higuchi 0,8888 0,7918 0,8432 Primeira ordem 0,9692 0,9921 0,9915 C=citral; FC1= Formulação contendo citral 10x a CIM; FC2= Formulação contendo citral 15x a CIM. Fonte: Elaboração própria. Com base nos maiores valores de R2 ajustado, o modelo matemático que melhor se aplicou ao modelo de liberação foi o de Primeira ordem. Esse é o modelo cinético de liberação que descreve a absorção e eliminação de fármacos. Além disso, possui a constante de velocidade proporcional à concentração do fármaco liberado, ou seja, quanto maior a concentração, mais rápida é a liberação. 5.4 Avaliação da Capacidade de Interferência do Sistema Bioadesivo Contendo Citral na Formação do Biofilme Polimicrobiano e na Desmineralização do Esmalte de Dentes Bovinos A avaliação da capacidade de interferência do sistema cristal líquido bioadesivo contendo citral na formação do biofilme polimicroniano e na desmineralização do esmalte dentário levou em consideração a viabilidade bacteriana, a acidogenicidade do meio de cultura e a perda de dureza superficial do esmalte. 5.4.1 Viabilidade bacteriana A viabilidade bacteriana está representada na Tabela 6. Para a concentração de bactérias totais, bactérias acidúricas e estreptococos do grupo mutans, houve diferença entre os tipos de tratamento (Kruskal-Wallis, p≤0,0001). A comparação aos pares mostrou que não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos controle negativo e Tween para as bactérias estudadas (Dunn, p≥0,210). Com 51 exceção do sistema sem citral (F), para bactérias totais (Dunn; p=0,052), todos os demais tratamentos tiveram uma ação estatisticamente significativa na redução da viabilidade bacteriana no biofilme dos três grupos microbianos, quando comparados aos grupos controle negativo e Tween (Dunn, p≤0,040). Não houve diferença entre os grupos nos quais a CLX foi aplicada diariamente (CLX) e em dias alternados (CLX 1.3) (Dunn, p≥0,268). Também não houve diferença entre os tratamentos com CLX, CLX 1.3 e C (Dunn, p≥0,053). Entretanto, quando o citral foi incorporado ao sistema (FC2), houve uma redução estatisticamente significativa na concentração de bactérias acidúricas e estreptococos do grupo mutans em relação ao grupo C (Dunn, p=0,003) e ao F (Dunn, p≤0,01). Para bactérias totais, também houve redução significativa da concentração de bactérias no biofilme quando FC2 foi comparado a F (Dunn; p=0,049). O sistema FC2, mesmo sendo aplicado em dias alternados, se comportou de forma semelhante a CLX aplicada 1 vez ao dia, para todas as bactérias estudadas (Dunn, p≥0,141). Tabela 6 - Viabilidade bacteriana no biofilme [(Log 1+UFC/mL)] para: bactérias totais, bactérias acidúricas e estreptococos do grupo mutans, de acordo com o tipo de tratamento Tipo de tratamento Concentração Bacteriana no Biofilme Bactérias Totais Bactérias Acidúricas Estreptococos do grupo mutans CN 7,99* (6,82-8,58)ab** 7,78 (7,35-8,46)a 6,98 (6,12-7,67)a T 8,08 (6,95-8,60)a 7,49 (6,76-8,71)a 7,40 (6,82-8,05)a CLX 6,51 (5,15-7,43)d 6,37 (4,84-7,55)bc 6,00 (5,12-6,55)bc CLX 1.3 6,81 (6,12-7,52)cd 6,88 (6,04-7,19)b 5,70 (3,81-6,84)bc C 7,05 (5,35-7,95)cd 6,86 (5,35-7,85)b 6,46 (5,19-7,35)b F 7,09 (6,43-8,17)bc 6,85 (6,43-7,73)b 6,49 (3,49-7,69)b FC2 6,73 (3,39-7,71)d 5,86 (3,49-6,82)c 5,25 (4,17-6,68)c CN = controle negativo (meio de cultura McBain);T = Tween; CLX = digluconato de clorexidina aplicação diária; CLX1.3 = digluconato de clorexidina aplicação em dias alternados; C = citral aplicação diária; F = sistema aplicação em dias alternados ; FC2 = sistema com citral 15 x a CIM, aplicação em dias alternados. *valores correspondem a mediana (mínimo-máximo), n = 14. 52 **Letras diferentes representam diferença estatística entre os tratamentos dentro de um mesmo grupo microbiano (Kruskal-Wallis seguido do pós-teste de Dunn com correção de Bonferroni; α≤0,05). Fonte: Elaboração própria. 5.4.2 Acidogenicidade do meio de cultura Para a aplicação do teste Anova de medidas repetidas mista a dois fatores, inicialmente foi aplicado o teste de esfericidade de Mauchly. Este mostrou que existe esfericidade para a variável tipo de tratamento (Mauchly, p=0,401) e não existe esfericidade para a variável tempo (Mauchly; p≤0001). Pela análise dos efeitos entre os fatores, pode-se observar efeito do tempo, do tipo de tratamento e interação entre tempo e tipo de tratamento (Anova; p≤0001). Como houve interação entre as variáveis, foi analisado o pós-teste dessa interação. As figuras 9 e 10 mostram, respectivamente, os resultados da comparação entre os tempos de análise dentro de cada tipo de tratamento e dos tipos de tratamento para cada tempo de análise. O meio de cultura usado com o inóculo bacteriano para o desenvolvimento dos biofilmes sobre os blocos de esmalte, e para todas as trocas de meio, teve o pH ajustado para pH=7,0. Decorridas as primeiras 6 h que os blocos de esmalte permaneceram em meio de cultura com sacarose 0,2% (período de “fartura”), o meio dispendido de todos os grupos apresentou pH médio variando entre 4,80±0,30 e 5,04±0,30 (abaixo do pH crítico do esmalte, pH=5,5) e não houve diferença entre eles (Bonferroni, p≥0,056). Neste tempo (6 h) foram iniciados os tratamentos e, a partir de então, os grupos CN, T, CLX e C mostraram comportamento semelhante no decorrer do experimento, com aumento significativo do pH nos períodos de “miséria” após o tratamento (24 h, 48 h, 72 h e 96 h) e redução significativa do pH nos períodos de “fartura” (30 h, 54 h e 78 h), para valores abaixo do pH crítico do esmalte (Bonferroni, p≤0,001). Os grupos CLX 1.3 (CLX aplicada em dias alternados) e F (Sistema aplicado em dias alternados) tiveram um comportamento semelhante aos grupos anteriores. A formulação FC2 (Sistema contendo citral, aplicado em dias alternados) mostrou comportamento estatisticamente diferente dos demais grupos, conseguindo manter um pH mais elevado, acima do pH crítico do esmalte, mesmo nos dias de não tratamento (tempos: 30 h, 48 h, 78 h e 96 h). Desta forma, após o início dos tratamentos do esmalte no tempo de 6 h e durante todo o período do estudo (total de 96 horas = 4 dias), enquanto nos grupos CN, T, CLX, CLX1.3, C e F ocorreram três 53 quedas de pH para abaixo do pH crítico do esmalte (tempos: 30 h, 54 h e 78 h) no grupo FC2 ocorreu apenas uma queda do pH (tempo: 54 h). Figura 9 - Acidogenicidade do meio de cultura (média e desvio-padrão), de acordo com o tempo de experimento dentro de cada tipo de tratamento Letras minúsculas distintas denotam diferença estatística entre os tempos para cada tratamento (p≤0,029). Anova de medidas repetidas mista a dois fatores (tipo de tratamento e tempo), seguido do pós-teste de Bonferroni (α≤0,05). Fonte: Elaboração própria. 54 Figura 10 - Acidogenicidade dos biofilmes de acordo com tratamento ao longo do tempo de experimento (média e desvio-padrão). Comparação entre os tipos de tratamento dentro de cada tempo CN = controle negativo (meio de cultura McBain); T = Tween; CLX = digluconato de clorexidina, aplicação diária; CLX1.3 = digluconato de clorexidina, aplicação em dias alternados; C = citral, aplicação diária; F = sistema, aplicação em dias alternados ; FC2 = sistema com citral 15 x a CIM, aplicação em dias alternados. Linha tracejada corresponde ao pH crítico do esmalte (pH=5,5). Asteriscos denotam diferença estatística entre tipos de tratamento dentro de um mesmo período de tempo (p≤0,034). Anova de medidas repetidas mista a dois fatores (tipo de tratamento e tempo), seguido do pós-teste de Bonferroni (α≤0,05). Fonte: Elaboração própria. 5.4.3 Perda de dureza superficial do esmalte A figura 11 mostra diferença significativa na porcentagem de perda de dureza de superfície do esmalte para os diferentes tipos de tratamento (Anova; p≤0,0001). O grupo controle negativo apresentou maior perda de dureza (CN, %SH = 87,2±2,3%), estatisticamente significativa em relação ao Tween (T, %SH = 84,1±2,2%) (Tukey; p≤0,024), e em ambos a perda de dureza foi significativamente maior em relação aos demais grupos (Tukey; p≤0,0001). A perda de dureza para o grupo tratado com digluconato de clorexidina em dias alternados (CLX1.3; %SH = 76,8±2,3) foi semelhante ao citral (C; %SH = 79,3±2,2) (Tukey; p=0,108), e ao sistema (F, %SH = 55 76,1±2,8) (Tukey; p=0,993), entretanto o citral e o sistema diferiram entre si (Tukey; p=0,018). O esmalte tratado com digluconato de clorexidina aplicada diariamente (CLX, %SH = 67,0±2,5) apresentou perda de dureza diferente de todos os grupos (Tukey; p≤0,0001), e esta foi superior apenas aquela apresentada pelo grupo tratado com o sistema contendo citral (FC2, %SH = 58,7±2,9) que teve a menor perda de dureza (Tukey; p≤0,0001). Figura 11 - Porcentagem de perda de dureza de superfície (%SH) nos blocos de esmalte de dentes bovinos após crescimento de biofilmes polimicrobianos e exposição aos diferentes tipos de tratamentos CN = controle negativo (meio de cultura Mcbain); T = Tween; CLX = digluconato de clorexidina, aplicação diária; CLX1.3 = digluconato de clorexidina, aplicação em dias alternados; C = citral, aplicação diária; F = sistema, aplicação em dias alternados ; FC2 = sistema com citral 15 x a CIM, aplicação em dias alternados. Letras diferentes representam diferença estatística significativa entre os tipos de tratamento (p≤0,024). Análise de Variância a um fator, seguida do pós-teste de Tukey (α≤0,05). Fonte: Elaboração própria. 56 6 DISCUSSÃO Em busca de uma nova estratégia de prevenção da cárie dentária associada a utilização de produtos naturais, esse estudo teve como objetivo desenvolver e explorar as propriedades de um sistema cristal líquido bioadesivo com a incorporação de uma substância de origem natural, o citral, visando o controle do biofilme e a prevenção da desmineralização dentária. A caracterização físico-quimica permitiu a identificação de características particulares da formulação estudada. A presença de diferentes arranjos de cristal líquido, viscoelasticidade, além de um perfil de liberação modificado foram confirmados a partir da microscopia de luz polarizada (MLP), análises reológicas e de liberação da substância ativa. Além disso, quando a formulação foi avaliada quanto a sua atividade antibacteriana, mostrou uma ação expressiva sobre o biofilme, além de reduzida perda mineral do esmalte dentário em comparação ao controle negativo. Assim, foi confirmada a possibilidade de utilização do sistema cristal líquido com a incorporação de citral, como uma substância auxiliar na prevenção da cárie dentária. O biofilme dental é uma comunidade microbiana estruturada e organizada30. Dessa forma, é importante enfatizar que a variação da composição salivar entre diferentes indivíduos pode impactar diretamente na formação e composição microbiológica do biofilme80. Assim, foi proposta a utilização de um inóculo polimicrobiano obtido a partir da saliva de um doador que atendeu aos padrões estabelecidos em estudo anterior, por meio da análise da saliva de seis doadores 26objetivando a manutenção da heterogeneidade do biofilme e a seleção de agentes antimicrobianos mais específicos17,94. A determinação da concentração de uma substância ativa a ser usada como antimicrobiano, seja na sua forma livre ou incorporada a um sistema, baseia-se na sua CIM. Os resultados da CIM e CBM indicaram suscetibilidade do inóculo polimicrobiano ao citral (CIM = 2,81 mg/mL) e ao digluconato de clorexidina (CIM = 0,15 mg/mL). Corroborando com este estudo, Sutili et al.95 (2015) demonstraram ação do citral contra S. aureus com a concent