II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores DIÁLOGO: IMAGINAÇÃO, (IM)PREVISIBILIDADE E AÇÃO Raquel Milani Eixo 1 - Formação inicial de professores para a educação básica - Relato de Pesquisa - Apresentação Oral O diálogo é uma forma de comunicação entre professor e alunos para promover aprendizagem. Este texto discute o grau de previsibilidade ou imprevisibilidade de um diálogo em um cenário imaginário e em uma aula real de matemática. Essa discussão tem como ponto de partida uma atividade de diálogo realizada em uma disciplina de estágio em um curso de Licenciatura em Matemática. Esse foi o contexto da produção de dados de uma pesquisa de doutorado cujo objetivo é compreender o processo de aprender a dialogar por parte de futuros professores de matemática em sua prática docente no contexto do estágio supervisionado. Considerando uma abordagem interpretativa e pragmática de pesquisa, um encontro entre o conceito de diálogo e os futuros professores de matemática foi promovido para que se pudesse alcançar o objetivo da investigação. Em uma atividade, os estagiários criaram um diálogo imaginário diretivo que direciona o trabalho dos alunos para um lugar pré-definido, diferenciando-se do diálogo investigativo. O processo de imaginação pedagógica e a exploração de possibilidades a respeito do que foi imaginado configuram-se como ações importantes para aprender a dialogar na educação matemática. Palavras- chave: Diálogo em educação matemática. Formação de professores de matemática. Imaginação pedagógica. 2177 1 DIÁLOGO: IMAGINAÇÃO, (IM)PREVISIBILIDADE E AÇÃO Raquel Milani. Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Universidade de Caxias do Sul. CAPES. O diálogo em foco Em uma conversa presencial com Helle Alrø e Ole Skovsmose, autores do livro “Dialogue and learning in mathematics education”, apresentei um diálogo entre professor e alunos planejado por duas estagiárias de um curso de Licenciatura em Matemática. Em determinado momento da conversa, Helle Alrø nos disse: “mas o diálogo não é previsível!”. Verdade (em parte). Não há como prever o que será dito em um diálogo, uma vez que depende de inúmeros fatores. Não sabemos que dúvidas os alunos terão, o que querem investigar, que caminho querem seguir, suas intenções para com a atividade proposta, enfim não sabemos o que os alunos irão dizer quando estiverem em diálogo. Como muitas falas do professor dependem do que é dito pelos alunos, fica difícil prever como será o diálogo, e é nesse sentido que tal forma de comunicação entre professor e alunos é imprevisível. “There are no given answers to questions beforehand. They emerge through a common process of curious investigation and collective reflection with the purpose of getting to know” (ALRØ; SKOVSMOSE, 2002, p. 122). De fato, um diálogo é imprevisível (em parte). Se pudéssemos, no entanto, imaginar quais seriam as falas dos alunos, ficaria mais fácil de pensar no que falaríamos como professores. Ou melhor, se pudéssemos criar uma situação, uma atividade, em que soubéssemos que os alunos estariam envolvidos em grupo e dialogando sobre o que foi proposto, sobre suas dúvidas e perspectivas, poderíamos imaginar quais seriam suas falas e, assim, também o que o professor poderia falar. Considerando, portanto, que um diálogo pode ser imaginado por uma das pessoas que dele participa, ele pode tornar-se mais previsível. É sobre o grau de previsibilidade e imprevisibilidade de um diálogo em um cenário imaginário e em uma aula real de matemática que o presente texto trata. Essa discussão tem como ponto de partida uma atividade de diálogo realizada em uma disciplina de estágio em um curso de Licenciatura em Matemática. Defendo, neste texto, a importância da imaginação pedagógica e da exploração de possibilidades para o processo de aprender a dialogar em educação matemática. 2178 2 O diálogo de Isabela e Lyriel: que diálogo é esse? No processo de aprender a dialogar, é preciso que se pense no diálogo em ação, que se sinta e viva esse diálogo. É nessa temática que a pesquisa de doutorado que desenvolvo se situa. O principal objetivo é compreender o processo de aprender a dialogar por parte de futuros professores de matemática em sua prática docente no contexto do estágio supervisionado. Sabe-se que é difícil para os futuros professores interagir de forma aberta com os alunos para perguntar, compreender o que dizem e usar suas respostas no estudo dos conceitos (ALMEIDA; FERNANDES, 2010; FRANKE et al., 2009; MOYER; MILEWICZ, 2002). Considerando essa dificuldade, a pesquisa se direciona para refletir sobre o diálogo e apontar possibilidades para a aprendizagem do diálogo na formação do professor. Assumindo uma abordagem interpretativa e pragmática de pesquisa (CRESWELL, 2007; DENZIN, LINCOLN, 2006), promovi um encontro entre o diálogo e as estagiárias de um curso de Licenciatura em Matemática por meio de atividades planejadas juntamente com Isolda (a professora da disciplina de estágio). A intenção era que as estagiárias estivessem envolvidas com o diálogo em atividades investigativas e em momentos de reflexão e de planejamento. Como fundamentação teórica para a elaboração dessas atividades, o conceito de diálogo foi tomado de acordo com Alrø e Skovsmose (2002). Para os autores, o diálogo é uma forma de comunicação entre professor e alunos, e entre alunos, que ocorre em cenários para investigação (SKOVSMOSE, 2001, 2011a) e é caracterizado empiricamente por atos dialógicos que compõem o Modelo de Cooperação Investigativa: estabelecer contato, perceber, reconhecer, posicionar-se, pensar alto, reformular, desafiar e avaliar. O primeiro tipo de atividade de diálogo consistiu em dois processos investigativos referentes à matemática (construção de quadrados e interseção de funções). Nesse contexto, o diálogo foi a forma de comunicação entre as estagiárias, Isolda e eu. O segundo tipo de atividade de diálogo foi caracterizado por momentos de reflexão sobre a possibilidade de realizar atividades investigativas nas aulas nas escolas e a forma de intervenção do professor nesse contexto. Os dados empíricos de que trata este texto vêm do terceiro tipo de atividade de diálogo. Isolda e eu solicitamos que uma atividade investigativa mediada pelo diálogo fosse planejada. No que chamamos de “minha primeira aula dialogada”, as estagiárias se aproximariam do diálogo em um contexto de planejamento. No presente texto mostrarei e discutirei a atividade e o diálogo criados por Isabela e Lyriel (pseudônimos) as quais preocuparam-se especialmente com as perguntas que o professor faria aos alunos no diálogo. É o que segue: 2179 3 Pedro Jorge tem 12 anos e ganhou um lindo peixinho de sua avó, dona Maria. Ele mora em um apartamento da Zona Sul da cidade e precisa comprar um aquário para acomodar seu novo amiguinho. Seu quarto é pequeno e ainda o divide com sua irmã mais velha. Sua mãe disse que não quer ver o bichinho na sala, e deu a ideia de colocá-lo na cozinha. Pedro foi até o local e percebeu que havia um espaço disponível e, com uma régua, ele mediu o mesmo e anotou as seguintes medidas: 60 cm de largura, 45 cm de profundidade e 80 cm de altura. Depois disso, foi com sua mãe até uma loja para comprar um aquário e o vendedor ofertou aquários com as seguintes capacidades: 0,5 litros; 0,3 litros e 0,2 litros. Qual aquário Pedro Jorge deverá comprar?! (Atividade apresentada por Isabela e Lyriel, 2012). Essa situação foi caracterizada por mim, Isolda e estagiárias como sendo a resolução de um problema e não uma atividade investigativa como a que foi trabalhada nos encontros anteriores da disciplina de estágio. Talvez o que foi planejado por Isabela e Lyriel pudesse se enquadrar entre o que Skovsmose (2001) caracteriza como paradigma do exercício e cenário para investigação, uma vez que não se trata da simples aplicação de uma técnica e nem de uma situação para se investigar e fazer descobertas, respectivamente. A discussão sobre como “abrir” este problema (SKOVSMOSE, 2011a) de modo a se aproximar de uma atividade de investigação e, também, a respeito das capacidades atípicas apresentadas para o aquário ocorreu no momento de reflexão sobre os planejamentos. Em sua “primeira aula dialogada”, Isabela e Lyriel apresentaram um diálogo contendo diversos momentos. Apresento aqui um fragmento que será base para a discussão posterior. Nesse trecho alguns alunos iniciam a tarefa e o professor está próximo a eles. Alunos: Como eu faço para calcular o volume desse espaço, se as três medidas são diferentes? Professor: Como você calculou o volume do cubo? Alunos: Lado ao cubo. Professor: E o que significa lado ao cubo? Alunos: Ah! É Lado x Lado x Lado. Professor: Hum, e quantos lados vocês têm? Alunos: Três lados! Professor: Quantos lados vocês têm neste espaço? Alunos: Temos três lados também. Professor: Então, o que vocês acham que devem fazer? Alunos: Podemos tentar multiplicar estas três medidas... Professor: Então tentem, vamos lá! (Diálogo apresentado por Isabela e Lyriel, 2012) Neste diálogo, perante a primeira pergunta dos alunos, o professor não indica de imediato o que poderiam fazer para calcular o determinado volume. Ele responde com outra pergunta: “como você calculou o volume do cubo?”. Como os alunos já haviam estudado esse assunto (informação fornecida pelas estagiárias), o professor se sente autorizado a perguntar sobre o volume do cubo. A pergunta fez efeito e os alunos 2180 4 resgatam “lado ao cubo”. Essa resposta é transformada em uma nova pergunta: “e o que significa lado ao cubo?”. Aqui o professor valoriza a resposta do aluno e a utiliza para compor sua próxima enunciação. Os alunos verbalizam três vezes a palavra “lado” e isso auxilia a nova pergunta do professor a fazer sentido. São três medidas que devem ser multiplicadas para gerar o volume de um cubo e há exatamente três medidas fornecidas no problema. Entendo que quando o professor e os alunos falam em “lado” e “lado do espaço” estão se referindo ao comprimento do lado e às três dimensões do espaço onde será colocado o aquário, respectivamente. Já que na atividade apresentada “temos três lados também”, o professor sugere: “então, o que vocês acham que devem fazer?”. Este “então” autoriza e indica que os alunos podem realizar a mesma técnica que faziam anteriormente quando as medidas eram iguais. O “então” faz a ligação entre o já conhecido e o novo. O problema visualizado pelos alunos no início do diálogo (as três medidas são diferentes) parece não existir mais, pois a nova situação foi tornada semelhante ao que os alunos já faziam previamente. No diálogo elaborado, o professor só faz perguntas, com exceção da última frase que incentiva os alunos a fazerem o que concluíram com a sua orientação. No diálogo que as estagiárias apresentaram, parece que há um caminho trilhado pelo professor que tenta aproximar o que o aluno já conhece à nova situação. Sua estratégia de intervenção foi pensada segundo esse caminho. Ele direciona os alunos para algum lugar novo por meio de suas perguntas e das respostas que recebe. A primeira pergunta procura trazer para o diálogo um conhecimento anterior, algo conhecido e já estudado (no caso, o cálculo do volume de um cubo). A resposta esperada pelo professor é tornada pública. Isso é fundamental para que essas respostas sejam incorporadas às novas perguntas do professor. Os alunos acabam concluindo exatamente o que o professor quis que concluíssem ao planejar suas perguntas. Em um diálogo como o que foi apresentado pelas estagiárias, as respostas dos alunos são previsíveis para o professor, pois ele formula suas perguntas pensando nessas respostas. Pelo fato do professor direcionar a atividade dos alunos para algum lugar e antever as respostas às suas perguntas, chamarei essa conversa entre professor e alunos de diálogo diretivo. Ser diretivo aqui não significa que a atividade foi dirigida de cima para baixo em que a participação do professor é mais importante que a do aluno e que não se leva em consideração o que os alunos dizem, características essas de uma pedagogia diretiva (BECKER, 1994). Muito pelo contrário, no diálogo de Isabela e Lyriel, o professor valoriza as respostas dos alunos e as incorpora em suas novas perguntas. A fala do professor é dependente do que os alunos dizem. Ser diretivo significa que nesse diálogo 2181 5 há uma forte e clara intencionalidade no discurso do professor: direcionar o pensamento dos alunos de um lugar para outro. As perguntas desse tipo de diálogo não necessariamente fornecem as respostas às dúvidas dos alunos, e também não é esse o sentido de diretivo. Quando olhadas, no entanto, em conjunto, as perguntas mostram um direcionamento na fala do professor. Sua intenção visa algo futuro e que deve ser alcançado. As estagiárias sabem claramente onde querem chegar. O grau de (im)previsibilidade de um diálogo O processo no qual as estagiárias se envolveram situa-se em um cenário em que elas se imaginam professoras em diálogo com os alunos, antecipam uma prática docente e criam possibilidades para essa prática. Tal processo chama-se imaginação pedagógica (SKOVSMOSE; BORBA, 2004; SKOVSMOSE, 2009). As estagiárias colocaram-se na posição de professoras para criar uma situação, explicitar as falas e ações dos alunos e professor e, enfim, imaginar um cenário em que o diálogo estaria acontecendo. O resultado desse processo foi a criação de um diálogo imaginário diretivo. Apesar de a imaginação pedagógica ser flexível, vaga e possibilitar diferentes criações (SKOVSMOSE, 2009), o diálogo criado pelas estagiárias foi condicionado por alguns balizadores: o fato de Isolda e eu termos realizado muitas perguntas no diálogo nas atividades investigativas; suas experiências anteriores como alunas e monitoras de aulas de matemática, percebendo tipos de questionamentos que auxiliam na aprendizagem dos alunos e possíveis dificuldades dos mesmos; e a intenção de não reproduzir o que acontecia nas aulas de matemática do campo de estágio (exercícios puramente descontextualizados e fala monopolizada pelo professor). Considerando o contexto da ação, o diálogo, pensado de acordo com Alrø e Skovsmose (2002), constitui-se uma forma de comunicação bastante imprevisível, como afirmou Helle Alrø em nossa conversa. Os autores consideram esse diálogo em cenários para investigação e, para distingui-lo do diálogo diretivo, irei me referir a ele como investigativo. Trata-se de duas formas de interação que possuem semelhanças, como a escuta ativa e a equidade (características do diálogo para Alrø e Skovsmose), mas que se distinguem no ambiente de aprendizagem que ocorrem e na intenção do professor. O contexto da atividade proposta por Isabela e Lyriel era a resolução de um problema. Os alunos deveriam calcular o volume de um espaço e verificar qual aquário caberia nesse espaço. Há poucas técnicas de cálculo a serem utilizadas aqui e a resposta do problema é única. Prevendo, portanto, tal resposta e direcionando a comunicação com os alunos para este lugar, as estagiárias planejaram e previram um diálogo diretivo. Com um pouco mais de trabalho, um diálogo investigativo também pode 2182 6 ser antecipado. Essa tarefa passaria por pensar na diversidade de possibilidades para desenvolver a investigação. Tendo esse mapa feito, poderia-se escolher um dos caminhos e, então, criar falas e ações do professor e alunos que mostrassem um desenvolvimento possível para a investigação. Estaria, assim, criado um diálogo imaginário investigativo. No contexto da imaginação pedagógica, por conta das possibilidades de raciocínio dos diferentes ambientes de aprendizagem, o diálogo diretivo é mais previsível que o investigativo. O mesmo acontece no contexto da ação docente. Como, porém, a imprevisibilidade é própria da ação, pode-se dizer que o diálogo investigativo é mais imprevisível que o diretivo. No planejamento, a criação de um diálogo imaginário concretiza certa certeza, certo grau de previsibilidade, e é orientada pela imaginação pedagógica. Quando parte-se para a ação, a imprevisibilidade faz o professor reconstruir cada passo que foi definido anteriormente. A ação baseia-se no que foi planejado, mas é fortemente influenciada pelo que acontece na realidade, pelo diálogo em ação. Contrariamente ao planejamento, as decisões da ação são tomadas em frações de segundo. Assim, o diálogo imaginário, seja ele diretivo ou investigativo, tem um grau de previsibilidade maior do que aqueles que acontecem na ação. Independente do tipo de atividade que os alunos estejam desenvolvendo, a presença do professor no diálogo influencia a previsibilidade. Ao assumir uma postura de organizador do trabalho dos alunos, o professor pode interferir, mais ou menos, no caminho que estão trilhando na atividade. Tal caminho, promissor ou não para o trabalho, pode ter sido previsto ou não pelo professor. Pode inserir em sua fala recursos estruturantes para indicar um novo caminho a ser trilhado pelos alunos, fazer a atividade avançar ou para que ela seja finalizada. A exemplo do que foi imaginado por Isabela e Lyriel, o professor pode tornar sua intervenção mais diretiva. Mesmo um diálogo investigativo pode conter diálogos diretivos fortemente influenciados pelo desejo do professor no encaminhamento e direcionamento da atividade, tornando, assim, o diálogo mais previsível. O diálogo é mais previsível, seja diretivo ou investigativo, quando é antecipado, balizando-se por experiências vivenciadas por seus autores, em um processo de imaginação pedagógica. Ele é mais imprevisível, quando está em ação sendo influenciado pelo seu planejamento e pelos fatos emergentes próprios da ação. Tanto no momento de planejamento quanto na ação docente, o diálogo diretivo é mais previsível que o investigativo, devido à qualidade da atividade realizada em aula. Na resolução de um exercício ou problema, ou na discussão de uma dúvida, as possibilidades de contexto nas quais o diálogo diretivo ocorre são menores quando se compara à gama de 2183 7 caminhos a serem percorridos em um processo investigativo, o que confere, portanto, ao diálogo investigativo um grau maior de imprevisibilidade. “O diálogo não é previsível”. Verdade (em parte). Possibilidades de ação para aprender a dialogar O diálogo imaginário das estagiárias foi criado no contexto da imaginação pedagógica, anterior à ação docente. O que pode ser aprendido em relação ao diálogo nesse contexto? Antecipar um diálogo, imaginá-lo acontecendo e criar as falas que o compõem e o caminho que será percorrido pelos participantes em diálogo são ações que fazem parte do processo de aprender a dialogar. Imaginar-se professor em diálogo implica em tomar decisões e fazer escolhas. Uma vez sendo concretizado, escrito e apresentado, o diálogo imaginário pode ser foco de reflexão e, nesse momento, pode-se entender o que o autor do diálogo quer e qual sua postura ao dialogar. As estagiárias assumiram uma postura de professoras que dialogam com seus alunos e que o que foi apresentado por elas em seu planejamento expressa seu desejo de assim o fazer em suas práticas docentes futuras, pois, de certa forma, essa atividade de diálogo era uma preparação para tal prática. Skovsmose e Borba (2004, p. 213) corroboram com essa ideia quando afirmam que a imaginação “can be related to the expectation and the hope of the teacher” em relação ao que pode acontecer. O diálogo foi considerado como forma de comunicação com os alunos para gerar aprendizagem. As estagiárias deram importância à ação de perguntar, ao invés de enunciar comandos, e aos conhecimentos anteriores dos alunos, quando ouviam suas ideias e usavam-nas em suas próximas falas. O planejamento foi discutido pelas estagiárias, Isolda e eu, em um momento da disciplina de estágio que tinha como objetivo refletir sobre diálogo nas aulas de matemática. O diálogo imaginário diretivo apresentado configurou-se otimista: sem dificuldade aparente, o professor conseguiu fazer com que os alunos chegassem a um conhecimento novo. Acreditamos que tal diálogo poderia acontecer, mas era preciso desestabilizar essa previsibilidade para, então, explorarmos novas possibilidades. Por isso, voltamos nossa visão para o campo da ação. “E se os alunos não responderem conforme o que foi planejado? E se ninguém lembrar que o volume do cubo é lado ao cubo?” Perguntas como essas foram importantes para vislumbrar a imprevisibilidade do diálogo na ação e, assim, para o processo de aprender a dialogar. Não sabíamos como os alunos se comportariam em uma atividade e o que lembrariam em relação ao que já havia sido estudado. Estratégias como repetir a pergunta a outros alunos para contribuir com o diálogo, fazer os alunos retomarem o que foi estudado anteriormente, pedir que os 2184 8 alunos arrisquem alguma alternativa para sair do impasse, ou formular outros questionamentos são possibilidades que foram discutidas com as estagiárias para aprender a lidar com o imprevisível. “E se os alunos não conseguirem visualizar o espaço onde o aquário será colocado? E se eles tiverem dificuldades com as dimensões? Como a gente sabe que significado eles vão atribuir para as dimensões?” Ou então, “e se o aquário não fosse uma caixa e sim um cilindro? Uma base redonda, um cilindrão! E se fosse uma esfera?”. Começamos, então, a explorar o problema proposto por Isabela e Lyriel, pensando em possíveis dificuldades dos alunos e nos movendo em direção a uma atividade de caráter mais investigativo. Sugestões como a construção de uma caixa de papelão para visualizar o espaço onde o aquário seria colocado foram feitas. Na resolução do problema, as estagiárias consideraram a equivalência entre um litro e um metro cúbico, e isso acabou originando as estranhas capacidades para o aquário. Sugerimos, portanto, a exploração do metro cúbico relacionado às caixas d’água das casas dos alunos e a construção de uma caixa de um decímetro cúbico para se despejar água e constatar a relação de equivalência entre um litro e um decímetro cúbico. A criação de diálogos no contexto de formação de professores também é considerada por Blomhøj (2006, apud SKOVSMOSE, 2009). A partir de suas observações de aulas de matemática, Blomhøj construiu episódios, sendo cada um deles constituído de uma parte real, a transcrição exata do diálogo entre professor e alunos que havia acontecido na aula, e outra parte inventada, a criação de um seguimento para esse diálogo configurando uma nova possibilidade para a situação ocorrida. Esses episódios eram discutidos com os professores dessas aulas de matemática e essa estratégia consistiu de uma poderosa ferramenta para explorar outras possibilidades educacionais, como parece acontecer no processo de imaginação pedagógica. O momento de reflexão sobre o diálogo imaginário consistiu de um espaço para criar desafios e dar rumos diferentes ao que foi proposto. A reflexão foi uma continuação do processo de imaginação pedagógica, iniciado por Isabela e Lyriel ao elaborarem o diálogo diretivo. Pensamos no que poderia ser, em alternativas para o que já havia sido imaginado, pautando-nos por possíveis dificuldades dos alunos, imprevistos e tentativas de se aproximar de uma atividade investigativa. Imaginamos coletivamente o imaginado pelas estagiárias. Esse processo contribuiu para a reflexão sobre a imprevisibilidade da ação docente. Ao avaliar esse momento de reflexão na disciplina de estágio, Isabela relatou que sua dupla considerou apenas um caminho para o desenvolvimento do diálogo. “Não enxergamos todas as possibilidades. Na apresentação, em aula, ia surgindo outros questionamentos. As possibilidades são muitas, o campo é muito amplo”. 2185 9 Já Lyriel, destacou a importância de tentar compreender o que os alunos pensam, para que o professor, dessa forma, possa “pensar nos próximos questionamentos para dar andamento à atividade”. O processo de explorar possibilidades implica em assumir uma postura crítica perante uma determinada situação. Em uma discussão sobre o conceito de crítica, Skovsmose (2011b, p. 22) afirma que “critique can mean an exploration of possibilities which need not to be related to socio-political changes overall”, mas também relacionado a situações do dia-a-dia na vida dos estudantes, professores e na sala de aula. Ser crítico “means to recognise that what appears as given might be contingent: it could be different” (SKOVSMOSE, 2011b, p. 23). Questionar uma situação dada, ser crítico faz parte do processo de imaginação pedagógica. A criação de diálogos imaginários e sua exploração configuraram-se como possibilidades de ação para aprender a dialogar em educação matemática. O fato das estagiárias se imaginarem professoras em diálogo fez com que tomassem decisões em relação a como se portariam nessa situação. A apresentação dos diálogos imaginários e sua consequente discussão permitiu que as formadoras de professores compreendessem o que as estagiárias desejavam para sua prática. Tendo essas informações em mãos, foi possível avaliar suas intenções, refletir sobre o que foi imaginado, alertar para a imprevisibilidade da ação, considerar e valorizar as ideias dos alunos, atentar para a importância de fazer questionamentos, e explorar outras possibilidades para a prática docente. O exercício de ser crítico, de pensar diferente o que é dado como natural, foi realizado e colaborou para refletir sobre o diálogo. O processo de imaginação pedagógica na disciplina de estágio de que trata este texto constituiu-se de dois momentos importantes para a aprendizagem do diálogo: a criação de diálogos imaginários e a imaginação a partir do que foi imaginado. Colocar-se na posição de professor em diálogo (seja diretivo, investigativo ou qualquer outra forma que possa se configurar) antecipa uma possibilidade da ação. Questionar uma situação atual e discutir essa possibilidade criada contribui para a formação do professor crítico. Tal discussão foi fundamental para pensar a imprevisibilidade do diálogo em ação. Imaginário, real, diretivo, investigativo, mais previsível ou mais imprevisível, o diálogo configura-se como uma forma de comunicação entre professor e alunos para gerar aprendizagem em educação matemática. Referências ALMEIDA, M. G.; FERNANDES, J. A. A comunicação promovida por futuros professores na aula de Matemática. Zetetike, v. 18, n. 34, p. 109-154, 2010. 2186 10 ALRØ, H.; SKOVSMOSE, O. Dialogue and learning in mathematics education: Intention, reflection, critique. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2002. BECKER, F. Modelos pedagógicos e modelos epistemológicos. Educação e realidade. Porto Alegre, v. 19, n. 1, p. 89-96, jan./jun. 1994. CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre: Artmed, 2007. DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. A disciplina e a prática da pesquisa qualitativa. In: ______. (Org.). O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 15-41. FRANKE, M. L. et al. Teacher questioning to elicit students’ mathematical thinking in elementary school classrooms. Journal of Teacher Education, v. 60, n. 4, p. 380-392, 2009. MOYER, P. S.; MILEWICZ, E. Learning to question: categories of questioning used by preservice teachers during diagnostic mathematics interviews. Journal of Mathematics Teacher Education, v. 5, n. 4, p. 293-315, 2002. SKOVSMOSE, O. Landscapes of investigation. ZDM The International Journal on Mathematics Education, v. 33, n. 4, p. 123-132, 2001. SKOVSMOSE, O.; BORBA, M. Research Methodology and Critical Mathematics Education. In: VALERO, P., ZEVENBERGEN, R. (Ed.). Researching the Socio-Political Dimensions of Mathematics Education: issues of Power in Theory and Methodology. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 2004. p. 207-226. SKOVSMOSE, O. Researching possibilities. In: SETATI, M.; VITHAL, R.; MALCOLM, C.; DHUNPATH, R. (Ed.). Researching Possibilities in Mathematics, Science and Technology Education. New York: Nova Science Publishers, 2009. p. 105- 119. ______. An invitation to critical mathematical education. Rotterdam: Sense Publishers, 2011a. ______. Critique, generativity, and imagination. For the Learning of Mathematics, v. 31, n. 3, p. 19-23, 2011b. 2187 Trabalho Completo: Button5: Ficha Catalográfica: Abertura: Boas Vindas: Tema do Congresso: Comissões: Sessões de Apresentação: Programação: Áreas: Títulos: