UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” � UNESP FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS - ARARAQUARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ALIMENTOS E NUTRIÇÃO Avaliação fenotípica e genotípica de segregantes de uma linhagem industrial de Saccharomyces cerevisiae Flávia Danieli Ibelli Araraquara-SP 2015 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” � UNESP FACULDADE DE CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS - ARARAQUARA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ALIMENTOS E NUTRIÇÃO Avaliação fenotípica e genotípica de segregantes de uma linhagem industrial de Saccharomyces cerevisiae Orientanda: Flávia Danieli Ibelli Orientadora: Profa. Dra. Edwil Ap. Gattás Co-orientador: Prof. Dr. Cleslei Fernando Zanelli Araraquara-SP 2015 Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Alimentos e Nutrição, área de Biotecnologia de Alimentos, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutora em Alimentos e Nutrição. DEDICATÓRIA Gostaria de dedicar este trabalho a meus pais e minhas irmãs que sempre me incentivaram e deram forças para que esse sonho se tornasse possível... Entretanto, dedico especialmente ao meu grande amor: João Ibelli Neto, sem o qual talvez nada disso teria acontecido. AGRADECIMENTOS Agradecer é quase sempre uma injustiça, pois é impossível em apenas uma página trazer tudo e todos que contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho... Inicialmente a Deus, que colocou em meu caminho todas as situações e oportunidades que me fizeram ser o que sou hoje! Especialmente aos meus pais, Marivaldo e Célia, por me proporcionarem uma educação completa e por me ensinarem a amar e respeitar! As minhas irmãs Fabiana e Fernanda, que sempre participaram de (quase) todos os momentos da minha vida, dando apoio para alcançar meus objetivos; Ao meu marido pelo apoio incondicional sempre em todas as etapas da minha vida; Um agradecimento especial a Professora Edwil de Lucca Gattás e ao Professor Cleslei F. Zanelli, pela confiança, dedicação, oportunidade e principalmente pelos grandes conhecimentos transmitidos sempre. As professoras Dra. Ana Marisa Fusco Almeida e Dra. Maristela Freitas Sanches Peres pela participação e excelente contribuição no exame geral de qualificação deste trabalho. Ao professor Dr. Rubens Monti pelos auxílios prestados sempre com muita simpatia durante o doutorado; Ao professor Dr. Sandro R. Valentini, por me dar a oportunidade de fazer parte e aprender em seu laboratório de pesquisa; À Adriana (in memorian), minha querida aluna de iniciação científica, que fez suas atividades sempre com muita dedicação e não pôde estar aqui para colher os frutos; À todos os colegas de trabalho do laboratório de BiomolVZ pela orientação e ajuda sempre que necessário; À Mariana, Rômulo e Adriana, técnicos dos laboratórios de Biologia Molecular e Biotecnologia de Alimentos, pelo auxílio nas análises práticas, sempre com muita atenção e boa vontade; À UNESP e Faculdade de Ciências Farmacêuticas pelo apoio insitucional de infraestrutura, à CAPES pela bolsa concedida para a realização do projeto no pais. Às funcionárias da pós-graduação e biblioteca, sempre prontas para ajudar no que foi preciso. OBRIGADA! “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”. (Chico Xavier) RESUMO O processo de fermentação para produção de álcool combustível inclui a reutilização da biomassa de levedura, situação em que as células de levedura são expostas a condições de estresse, como temperaturas elevadas, aumento da concentração de etanol e baixos valores de pH. Este processo pode ocasionar uma redução da viabilidade celular, diminuindo de forma significativa o rendimento da fermentação. Algumas linhagens de Saccharomyces cerevisiae, no entanto, apresentam termotolerância ou resistência a maiores concentrações de etanol, sendo capazes de se adaptar ao meio em que estão. Neste trabalho, uma linhagem de levedura industrial foi isolada da dorna de fermentação ao final de safra por apresentar capacidade de permanência no processo fermentativo e ser boa fermentadora. Com o intuito de avaliar quais genes estão envolvidos com essas características, a levedura isolada foi esporulada e dissecada para geração de novos segregantes, que foram analisados e selecionados quanto a termo e álcool resistência e capacidade fermentativa. Os resultados mostraram que dois dos segregantes avaliados apresentaram-se promissores com relação a capacidade fermentativa e resistência a altas temperaturas e concentrações de etanol quando comparados às linhagens industriais PE-2, CAT-1 e SA-1, largamente utilizadas nas usinas produtoras de etanol. Em seguida, foi realizado o ensaio de PCR em Tempo Real, para avaliar a relação dos genes APJ1, FPS1, MKT1, SWS2 e HSP12 com a tolerância ao etanol. Além disso, foi avaliado também a possibilidade do gene HSP12 ser um marcador molecular de estresse nas leveduras de linhagens industriais. Para isso, foram utilizadas duas linhagens de levedura: uma resistente ao etanol (MA-12) e não resistente (MA-139), excluída no início dos experimentos. Todos os genes avaliados apresentaram expressão significativa nas situações de estresse para a linhagem resistente MA-12, o que não aconteceu na linhagem sensível (com exceção do gene APJ1), o que evidencia que os genes selecionados estão diretamente relacionados com a resistência ao estresse. Os dados obtidos no ensaio de q-PCR também sugerem que o gene HSP12 pode ser utilizado como um marcador molecular de estresse em linhagens de levedura industriais, uma vez que apresentou expressão significativa nas duas situações de estresse. Palavras-chave: Saccharomyces cerevisiae, Etanol, Termorresistência, Expressão gênica, Fermentação, RT-PCR quantitativa. ABSTRACT Fuel-ethanol fermentation process includes a reutilization of the yeast biomass, in which yeast cells are exposed to stress conditions as high temperature, increasing alcohol concentration and low pH values. This enviroment may cause a significant delay in fermentation and drop in cell viability. Some Saccharomyces cerevisiae strains, however, have thermotolerance or resistance to higher ethanol concentrations, while being able to adapt to the environment in which they are. In this work, the industrial resistant yeast strain was isolated from fermented sugar cane at the end of the harvest to be good leavening. Aiming to study genetic features associated with cell resistance to sustained stress in an industrial yeast strain, they were induced to sporulation and the ascospores were dissected in order to generate homozygous derivatives and were ramdomly selected for further phenotype analysis. The results have shown that two of segregating presented to be promising with the fermentative capacity and resistance to high temperature and ethanol concentration as compared to industrial strains PE-2, CAT-1 and SA-1. Following that, the real time PCR assay was performed to assess the relationship of APJ1, FPS1, MKT1, SWS2 and HSP12 genes with ethanol tolerance. Furthermore, was also analyzed the differential expression of the HSP12 gene as a molecular marker for stress-resistance in industrial yeast. The PCR was performed with two yeast strains: a resistant yeast (MA-12) and non-resistant (MA-139, ruled in the early experiments) and shows wich all genes evaluated revealed a significant expression in stress situations for the resistant strain MA-12, which did not happen in the sensitive yeast (except for APJ1 gene), which shows that the selected genes are directly related to stress resistance. The results also suggest that HSP12 gene can be used as a molecular marker of stress in industrial yeast strains, since they have shown significant expression in the two situations of stress. Keywords: Saccharomyces cerevisiae, Ethanol, Thermoresistance, Gene Expression, Fermentation, Quantitative RT-PCR. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Fluxograma do processo simplificado de produção conjunta de açúcar e etanol.................................................................................................................................. 20 Figura 2. Identificação de Saccharomyces cerevisiae por PCR com primers específicos para amplificação do gene HO (Scho-F and Scho-R)........................................................ 56 Figura 3. Morfologia das linhagens de leveduras selecionadas………………................ 57 Figura 4. Temperatura máxima de crescimento das leveduras selecionadas em meio contendo 10% de etanol...................................................................................................... 61 Figura 5. Floculação (%) das leveduras selecionadas na presença e ausência de cálcio................................................................................................................................... 65 Figura 6. Probabilidade normal dos efeitos dos fatores avaliados e suas interações na viabilidade celular das leveduras avaliadas........................................................................ 68 Figura 7. Superfície de resposta ajustada e gráfico de contorno correspondente à viabilidade celular em função da concentração de etanol e pH com a temperatura ajustada em 32,5°C............................................................................................................. 69 Figura 8. Superfície de resposta ajustada e gráfico de contorno correspondente à viabilidade celular em função da concentração de etanol e pH com a temperatura ajustada em 40°C................................................................................................................ 70 Figura 9. Superfície de resposta ajustada e gráfico de contorno correspondente à viabilidade celular em função da temperatura e concentração de etanol com pH ajustado em 4,0................................................................................................................... 71 Figura 10. Curva analítica de concentração de Biomassa................................................. 74 Figura 11. Curva analítica de concentração de Glicose.................................................... 77 Figura 12. Variação da velocidade de formação de NADH em função do tempo de reação da amostra em comparação ao branco e Atividade (U/mL) da enzima álcool desidrogenase em diferentes concentrações de etanol (coeficiente de correlação linear R2=0,9756)......................................................................................................................... 80 Figura 13. Análise da expressão relativa dos níveis de RNA mensageiro dos genes APJ1, FPS1, MKT1, SWS2 e HSP12 em linhagens industriais de S. cerevisiae............................................................................................................................ 87 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Primers utilizados nas reações de PCR para amplificação do gene HO.......... 37 Tabela 2. Programa utilizado no termociclador para amplificação do gene HO.............. 37 Tabela 3. Descrição dos genes estudados, sequência dos primers utilizados e características do produto de amplificação........................................................................ 51 Tabela 4. Seleção das leveduras esporuladas em relação ao crescimento em diferentes temperaturas e concentrações de etanol............................................................................ 60 Tabela 5. Efeito do etanol e temperatura na viabilidade celular ao final de 48 horas de ensaio....................................................................................................................... .......... 64 Tabela 6. Crescimento das leveduras selecionadas em diferentes pHs............................ 64 Tabela 7. Coeficientes de regressão do fatores temperatura (T), pH e concentração de etanol (E) e as respectivas interações na viabilidade celular...... 67 Tabela 8. Análise de variância (ANOVA) dos fatores temperatura (T), pH e concentração de etanol (E) em níveis lineares (L) e quadráticos (Q) e as respectivas interações na viabilidade celular....................................................................................... 67 Tabela 9. Biomassa (mg/mL) apresentada pelas fermentações com culturas puras e mistas de S.cerevisiae durante os quatro ciclos de fermentação....................................... 75 Tabela 10. Viabilidade celular (%) apresentada pelas fermentações com culturas puras e mistas de S.cerevisiae durante os quatro ciclos de fermentação.................................... 76 Tabela 11. Teor de ART residual (g/100 mL) apresentado pelas fermentações com culturas puras e mistas de S.cerevisiae durante os quatro ciclos de fermentação............. 78 Tabela 12. Teor alcoólico % (v/v) apresentado pelas fermentações com culturas puras e mistas de S.cerevisiae durante os quatro ciclos de fermentação.................................... 81 Tabela 13. Eficiência fermentativa (%) das culturas puras e mistas de Saccharomyces cerevisiae nos quatro ciclos de fermentação..................................................................... 82 ABREVIATURAS ng Nanograma μg Micrograma mg Miligrama μL Microlitro mL Mililitro nm Nanômetro nM Nanomolar μM Micromolar mM Milimolar M Molar U unidade de atividade enzimática cDNA DNA complementar ao mRNA DNA ácido desoxirribonucléico RNA ácido ribonucléico mRNA RNA mensageiro dNTP desoxirribonucleotídeos (dATP, dCTP, dGTP e dTTP) D.O.600nm densidade óptica a 600nm D.O.260nm densidade óptica a 260nm D.O.570nm densidade óptica a 280nm DTT Ditiotreitol EDTA ácido etilenodiaminotetracético HCl ácido clorídrico NaCl cloreto de sódio MgCl2 cloreto de magnésio kDA Quilodalton YPD “yeast extract, peptone, dextrose” (meio rico para levedura) SC meio sintético completo para levedura pH potencial hidrogeniônico BME beta-mercaptoetanol S-SPO “super-sporulation media” (meio para esporulação de levedura) TE tampão Tris-EDTA Tris tris-hidroximetilaminometano (trizma base) g aceleração gravitacional kb Kilobase pb pares de base h Hora min Minuto UV Ultravioleta PBS “phosfate buffered saline” (solução salina tamponada com fosfato) PBST PBS com Tween 20 mA Miliampère V Volt v/v relação volume/volume rpm rotações por minuto SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO……………………………………………..…......................….... 14 2. OBJETIVOS............................................................................................................. 16 2.1. Objetivo geral.......................................................................................................... 16 2.2. Objetivos específicos e Justificativas...................................................................... 16 3. REVISÃO DE LITERATURA............................................................................... 19 3.1. Produção de etanol no Brasil.................................................................................. 19 3.2. Processo fermentativo para produção de etanol...................................................... 21 3.2.1. Fatores estressantes para a levedura durante o processo de fermentação alcoólica......................................................................................................................... 24 3.2.2. Leveduras utilizadas no processo......................................................................... 26 3.3. Resposta ao estresse fermentativo........................................................................... 27 3.3.1. Temperatura......................................................................................................... 29 3.3.2. Ácido (pH)........................................................................................................... 30 3.3.3. Etanol................................................................................................................ ... 32 3. MATERIAL E MÉTODOS..................................................................................... 34 3.1. MATERIAL........................................................................................................... 34 3.1.1. Microrganismos utilizados................................................................................... 34 3.1.2. Meios de cultura e tampões.................................................................................. 34 3.2. MÉTODOS............................................................................................................ 35 3.2.1. Identificação das leveduras coletadas por técnica de PCR.................................. 36 3.2.1.1. Extração de DNA genômico............................................................................. 36 3.2.1.2. Condições da PCR............................................................................................ 37 3.2.2. Armazenamento das linhagens de levedura......................................................... 37 3.2.3. Esporulação da levedura, dissecção e caracterização de tétrades…………….... 38 3.2.3.1. Esporulação da levedura coletada..................................................................... 38 3.2.3.2. Dissecção e caracterização de tétrades.............................................................. 38 3.2.4. Seleção dos segregantes obtidos a partir do fenótipo de resistência ao estresse fermentativo, como altas temperaturas, altas concentrações de etanol, baixo pH e floculação……………………………………………………………………………... 39 3.2.4.1. Análise do fenótipo de sensibilidade a temperatura e diferentes concentrações de etanol................................................................................................. 39 3.2.4.2. Teste de tolerância a alta temperatura............................................................... 39 3.2.4.3. Teste de tolerância ao etano.............................................................................. 39 3.2.4.4. Teste de tolerância a alta temperatura e etanol.................................................. 40 3.2.4.5. Teste de tolerância ao pH.................................................................................. 40 3.2.4.6. Teste de floculação............................................................................................ 40 3.2.5. Estudo dos efeitos significativos entre temperatura, pH e concentração de etanol na viabilidade celular........................................................................................... 41 3.2.6. Ensaio fermentativo com reciclo de célula e tratamento do fermento.................. 42 3.2.6.1. Determinação do °Brix...................................................................................... 42 3.2.6.2. Crescimento celular (determinação da biomassa)........................................... 43 3.2.6.3. Determinação da viabilidade celular............................................................... 43 3.2.6.4. Determinação de açúcares totais..................................................................... 43 3.2.6.4.1. Preparo do reagente de DNS........................................................................ 44 3.2.6.4.2. Preparo do padrão........................................................................................ 44 3.2.6.4.3. Preparo das amostras.................................................................................... 44 3.2.6.4.4. Quantificação de açúcares nas amostras...................................................... 45 3.2.6.5. Determinação do teor alcoólico...................................................................... 45 3.2.6.5.1. Dosagem de etanol nas amostras................................................................. 46 3.2.6.6. Cálculo da eficiência fermentativa.................................................................. 47 3.2.7. Expressão Gênica por PCR quantitativo em tempo real (qRT-PCR)................ 47 3.2.7.1. Extração e preparo de RNA total de levedura................................................. 48 3.2.7.2. Síntese de cDNA através da Transcrição Reversa.......................................... 49 3.2.7.3. Desenho e padronização dos primers e reação de PCR em tempo real.......... 50 3.2.8. Análise de dados............................................................................................ 53 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO............................................................................. 55 4.1. Identificação da levedura coletada como Saccharomyces cerevisiae..................... 55 4.2. Esporulação da levedura, dissecção e caracterização de tétrades........................... 57 4.3. Seleção dos segregantes obtidos a partir do fenótipo de resistência ao estresse fermentativo, como altas temperaturas, altas concentrações de etanol, baixo pH e floculação....................................................................................................................... 58 4.4. Estudo dos efeitos significativos entre temperatura, pH e concentração de etanol na viabilidade celular através da metodologia de superfície de resposta....................... 65 4.5. Ensaio fermentativo com reciclo de célula e tratamento do fermento.................... 72 4.6. Análise da expressão gênica quantitativa por PCR em tempo real......................... 82 5. CONCLUSÕES........................................................................................................ 88 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................... 90 14 1. INTRODUÇÃO A busca por fontes de energias alternativas aos combustíveis fósseis tem crescido devido à inevitável diminuição das reservas de petróleo e o seu consequente aumento de preço. Neste cenário atual, o etanol é o biocombustível mais utilizado e produzido em grande escala. O uso do etanol no lugar de derivados do petróleo diminui significativamente a taxa de emissão de monóxido de carbono (CO), hidrocarbonetos e enxofre na atmosfera, sendo, portanto menos tóxico (GOLDEMBERG, 2008). O etanol brasileiro é produzido pela fermentação dos açúcares presentes na cana-de- açúcar. O que torna a fermentação a forma mais importante de obtenção de etanol é a grande quantidade de matérias-primas naturais existentes em todo o país, sendo a cana-de- açúcar, sem dúvida, a mais importante (BAI, 2008). Segundo Goldemberg et al. (2008) para uma produção viável de etanol industrial, o processo de fermentação deve ser extremamente robusto e pouco afetado por pequenas alterações da matéria-prima, além da minimização dos custos que podem ser obtidos pela obtenção do máximo rendimento de etanol, minimização na síntese de outros produtos (glicerol, ácido láctico), manutenção da alta viabilidade do fermento (70% - 80%) e minimização de gastos com manutenção (limpeza, vazamentos) e energia e água. As leveduras, especialmente do gênero Saccharomyces, são os microrganismos principais na obtenção do etanol por via fermentativa. A fermentação para produção de bioetanol envolve 12 reações em sequência ordenada (LIMA et al., 2005) e, resumidamente, consiste na transformação do açúcar (ou cereais, como a cevada e o malte) em álcool e gás carbônico, sob a ação das leveduras. O grande sucesso da Saccharomyces cerevisiae na indústria de biotecnologia é devido à alta capacidade de produzir etanol e dióxido de carbono a partir de açúcares. Além disso, possui importantes características requeridas para o processo industrial, como: tolerância ao estresse fermentativo como, por exemplo, baixos valores de pH e alta concentração de açúcar e etanol, alta competitividade perante contaminação (bacteriana ou por outras leveduras) na dorna de fermentação e alta resistência a inibidores presentes na 15 biomassa hidrolisada e capacidade de crescer anaerobicamente (BRANDUARDI et al., 2008; NEVOIGT, 2008). Apesar dos grandes avanços tecnológicos e do vasto conhecimento a respeito do potencial produtivo das leveduras, ainda existe muitos aspectos desconhecidos, principalmente quando se trata da genética e bioquímica das leveduras utilizadas nas usinas para fermentação alcoólica (BASSO et al., 2008). Estudos mais recentes são relativos à análise genômica comparativa. As cepas mais estudadas são linhagens industriais fermentadoras principalmente para a produção de vinho (BORNEMAN et al., 2008; CARRETO et al., 2008). Muito pouco se conhece sobre as linhagens produtoras de etanol, especialmente quando se trata de caracterização fenotípica e genotípica e expressão gênica. Estas linhagens precisam ser exploradas e estudadas mais detalhadamente para o entendimento de características e fenômenos que podem ser essenciais para o uso biotecnológico, pois o conhecimento dos fatores responsáveis pela alta eficiência fermentativa e robustez dessas leveduras industriais é essencial para se estabelecer uma estratégia para melhorar ainda mais estas linhagens. 16 2. OBJETIVOS 2.1. Objetivo geral Avaliar, genotípica e fenotipicamente, segregantes obtidos de uma levedura industrial de produção de etanol. 2.2. Objetivos específicos e Justificativas 2.2.1. Identificação da levedura coletada como Saccharomyces cerevisiae através da técnica de PCR utilizando primer específico Como o microambiente na dorna de fermentação é altamente suscetível a contaminação microbiana e por outras leveduras, essa identificação torna-se fundamental para evitar que outras leveduras do gênero Saccharomyces sejam isoladas para estudo. 2.2.2. Obtenção de segregantes da levedura coletada através da sua esporulação e dissecção Para a geração de novos segregantes, optou-se pela esporulação pelo fato de esta ser, em leveduras, um tipo de reprodução e um fator importante por desempenhar uma função de produção de novos híbridos e manter a viabilidade das espécies durante as variações do meio ambiente. 2.2.3. Seleção dos segregantes obtidos a partir do fenótipo de resistência ao estresse fermentativo, como altas temperaturas, altas concentrações de etanol, baixo pH e floculação Várias características são requeridas para uma levedura para um adequado processo industrial de produção de etanol, como: crescimento rápido e tolerância a altas concentrações de etanol e temperatura e atividade celular em ambientes ácidos. Por esse motivo, para saber se uma linhagem de levedura é adequada ao processo industrial, ela deve apresentar estas características e esses ensaios foram realizados com esse objetivo. 17 2.2.4. Avaliar o desempenho fermentativo dos segregantes selecionados Entre as características citadas como fundamentais para uma levedura industrial para o processo de produção de bioetanol, a mais importante é a eficiência fermentativa. Existem algumas leveduras do gênero Saccharomyces que possuem resistência a altas temperaturas e concentrações de etanol, mas não possuem habilidade para produzir etanol de forma eficiente. 2.2.5. Verificar a expressão dos genes APJ1, FPS1, MKT1 e SWS2 dos segregantes selecionados nas condições de estresse por etanol e estresse geral (etanol, pH e temperatura). Os genes descritos acima foram identificados e relacionados com uma maior tolerância ao etanol em estudos recentes utilizando linhagens industriais. A tolerância a altas concentrações de etanol é uma característica específica de algumas linhagens industriais de Saccharomyces cerevisiae e como foi descrito na revisão deste trabalho, permite que a levedura domine o processo de fermentação industrial em casos de contaminação por outros microrganismos. No entanto, ressalta-se que os fatores genéticos e mecanismos celulares para a tolerância à altas concentrações de etanol de linhagens industriais ainda não são totalmente conhecidos pois até o presente momento a maioria dos estudos que relacionam essa característica foram realizados com linhagens de laboratório que, na maioria das vezes, apresentam moderada tolerância ao etanol e não são boas fermentadoras. Pelo fato dos segregantes obtidos da levedura isolada terem apresentado características desejáveis ao processo industrial (alta tolerância ao etanol e boa capacidade fermentativa) em ensaios preliminares, torna-se bem interessante a avaliação do perfil de expressão dos genes citados acima em condições de estresse por etanol em comparação com o estresse geral (etanol, temperatura e pH) com o intuito de verificar se esses genes estão relacionados somente com a tolerância ao etanol. Para isso, foram escolhidos dois segregantes obtidos da levedura isolada, um segregante que apresentou características desejáveis ao processo, conforme descrito acima, e um segregante que foi excluído na primeira etapa por apresentar maior sensibilidade soa fatores de estresse testados. 18 2.2.6. Verificar a expressão do gene HSP12 dos segregantes selecionados nas condições de estresse por etanol em comparação com a sua expressão nas condições de estresse geral (etanol, pH e temperatura) e confirmar se este gene pode ser utilizado como um marcador molecular de estresse nas leveduras. O HSP12 é um gene que codifica uma proteína de choque térmico e que é induzida por condições de estresse, e o seu nível de expressão é regulado pelos fatores de transcrição Msn2p/4p e Hsfp. Estudos relacionam a expressão do gene HSP12 como um indicador de leveduras em situação de estresse e por esse motivo ele foi selecionado para este ensaio. 19 3. REVISÃO DE LITERATURA 3.1. Produção de etanol no Brasil O etanol é considerado atualmente como o biocombustível mais consumido no mundo e sua maior produção se concentra no Brasil e nos EUA (BASSO et al., 2011), responsáveis por mais de 80% da produção mundial (UNIÃO DA INDÚSTRIA DE CANA-DE-AÇÚCAR – ÚNICA, 2011). O Brasil é o segundo maior produtor e exportador mundial de etanol, sendo o setor sucro-alcooleiro responsável pela movimentação de cerca de 2% do PIB brasileiro, assegurando milhões de empregos diretos e indiretos (BRASIL, 2011). Apesar dos EUA serem os maiores produtores mundiais de etanol, o biocombustível é produzido naquele país a partir do amido de milho, gerando um custo maior de produção em comparação ao etanol brasileiro produzido a partir da cana-de-açúcar (TILMAN et al., 2008). Assim pode-se afirmar que o etanol é um dos produtos biotecnológicos mais importantes no cenário brasileiro e até mesmo mundial quando se leva em conta os quesitos valor, quantidade e sustentabilidade. O Brasil tem uma longa tradição na produção de etanol nas usinas de açúcar. Desde a década de 1920 a produção de bioetanol utilizando melaço final da fábrica de açúcar, conhecido como etanol residual, tornou-se uma prática comum em muitas usinas de açúcar e, em 1931, uma lei federal determinou a adição de 5% de etanol em toda a gasolina importada consumida no país, criando um mercado estável para uma quantidade considerável de etanol combustível (RIBEIRO, 2008). Quando o Programa Nacional do Álcool (Proálcool) foi lançado em 1975, o Brasil já apresentava uma experiência significativa no cultivo da cana (sendo o segundo maior produtor do mundo) e produção de etanol (cerca de 600 milhões de litros já estavam sendo produzidos), e o sistema de produção conjunta de etanol e açúcar foi a base para a fase inicial do Proálcool (ZANIN et al., 2007). Após o segundo choque do petróleo, em 1979, o governo decidiu acelerar a produção de etanol e estimulou a instalação de destilarias autônomas que produziu só etanol a partir de caldo de cana; durante a fase de estagnação do Proálcool o aumento de exportações de açúcar, no início de 1990, induziu as destilarias autônomas a adicionarem uma fábrica de 20 açúcar em cada uma delas, consolidando, assim, o chamado modelo de produção de açúcar / etanol brasileiro (Figura 1) (FINGUERUT, 2007). Figura 1. Fluxograma do processo simplificado de produção conjunta de açúcar e etanol (FINGUERUT, 2007). Dessa forma, a expansão da produção e processamento de cana a partir de 1975 teve três períodos distintos até 2004: criação de destilarias de bioetanol para as usinas existentes, a instalação de destilarias autônomas e junção das fábricas de açúcar com as destilarias autônomas existentes (BRASIL, 2009). Até 1990, as exportações de açúcar eram muito pequenas, em comparação com a produção total, raramente ultrapassando um milhão de toneladas, e a produção de etanol havia estagnado em cerca de 11 bilhões de litros / ano. De 1990 a 2002, o crescimento da produção de cana foi motivado pelo aumento das exportações de açúcar e o tamanho da usinas aumentaram em detrimento do número de unidades, como consequência da consolidação do setor após a crise no final da década de 1980, devido à estagnação programa de etanol (BRASIL, 2009). 21 Finalmente, em 2003, a produção de etanol começou a aumentar novamente, motivado pelos crescentes preços do petróleo e a introdução dos veículos flex fuel (FFV), e até 2005 as novas unidades greenfields começaram a ser construídas a um ritmo rápido, alterando o perfil do crescimento de produção que é utilizado para ser baseado na expansão de unidades existentes. O tamanho médio das fábricas continuaram a aumentar para aproveitar as economias de escala e o desejo de implementar um crescimento muito rápido na produção de etanol (MACEDO, 2008). O perfil do setor de açúcar e etanol no ano de 2008, avaliado pela Conab - Companhia Brasileira de Abastecimento (Companhia Brasileira de Abastecimento) (CONAB, 2008), refletia a situação do setor logo antes da crise de 2008, e após o período de rápida expansão entre 2004 e 2008, incluindo a instalação de 84 projetos greenfield (FIGLIOLINO, 2010). Mais de 85% da cana foi moída em usinas de açúcar com destilarias anexas, referindo-se a este sistema como o "modelo brasileiro"; a produção apenas de açúcar quase desapareceu, uma vez que representava apenas um pouco mais de 2% do total de cana processada. Outra característica do modelo brasileiro é a crescente implementação da geração e venda de energia excedente como um produto de terceiros, depois de açúcar e de etanol. Segundo UNICA (2008), o crescimento esperado da percentagem média de energia elétrica é de 1% na temporada 2006/2007 para 16% no período 2015/2016. Em meados da década de 1990, a auto-suficiência em energia foi atingida em quase todas as usinas, mas a geração de energia excedente estava presente em pouquíssimas usinas. Isso mudou somente depois que o quadro jurídico adequado começou a motivar as fábricas (as greenfields e essas antigas usinas que tinham atingido o fim da vida útil de algumas de suas caldeiras) para instalar unidades de alta pressão para gerar quantidades significativas de excedentes de eletricidade (MACEDO, 2008). Hoje a tendência é ter 67 bar/520 ºC para as unidades que operam em cogeração pura e 100 bar/530 ºC para as unidades maiores, usando geradores de turbinas de extração / condensação. 3.2. Processo fermentativo para produção de etanol 22 O etanol pode ser obtido por três vias: destilatória, sintética e fermentativa, sendo que no Brasil, a via fermentativa é a maneira mais importante para produção de álcool, cujo princípio é a transformação de açúcares, derivados de matérias-primas agrícolas como a cana-de-açúcar, em etanol e dióxido de carbono (LIMA, et al., 2001). O processo de fermentação alcoólica no Brasil é semelhante aos encontrados em outros países e é constituído por três unidades básicas: fermentação, unidade de separação e reciclo de células e unidade de tratamento de levedura (LEAL & MACEDO, 2004). A unidade de fermentação propriamente dita é constituída de fermentadores onde os açúcares são convertidos em etanol. Estes fermentadores geralmente são construídos em aço carbono, com forro pintado corretamente para evitar a corrosão e tornar as paredes menos enrugadas, facilitando assim sua limpeza. São equipados com trocadores externos de calor e um sistema de agitação que utiliza a energia cinética do meio de fermentação, o qual é reciclado pelos permutadores de calor. Além disso, os fermentadores são fechados e com um sistema de limpeza, garantindo que a transformação ocorra de forma plenamente anaeróbia e os gases produzidos enviados para uma coluna de lavagem para a recuperação do etanol neles encontrados (SEABRA, 2008). A unidade de separação de células é constituída por centrífugas separadoras. O meio de fermentação contendo entre 10 e 13% (v/v) de células de levedura, é enviado às centrífugas, que geram duas linhas de produtos, o vinho centrifugado e o creme de leveduras, cujas concentrações de células variam entre 0,2 e 1% e 60 e 75%, respectivamente. O vinho centrifugado é enviado para um tanque de destilação e o creme para os tanques de tratamento (OLIVÉRIO, 2008). A unidade de tratamento consiste em tanques bem agitados, equipados com um sistema de arejamento e construído do mesmo modo que o tanques de fermentação, ou seja, em aço carbono com forro pintado corretamente para evitar corrosão e tornar as paredes menos enrugadas para facilitar a limpeza. A água tratada é adicionada ao creme de levedura neste tanque com uma diluição para a concentração de células entre 30 e 40% (v/v), seguida da adição de ácido sulfúrico concentrado para ajustar o pH entre 2 a 2,5. As células de levedura permanecem neste tratamento durante 1 a 2 horas. Após esta etapa, as células de levedura tratadas voltam aos fermentadores para novo ciclo (SEABRA, 2008). Embora os processos de fermentação apresentem as mesmas etapas de processamento, o que pode ser diferente são os métodos de operação. O reator biológico 23 pode ser operado de forma contínua, descontínua, semicontínua ou descontínua alimentada (batelada alimentada), e todas podem trabalhar com ou sem recirculação do fermento. Segundo AMORIM (2005), a maior parte da produção industrial de álcool em grande escala ocorre em processos fermentativos em batelada e contínuo, onde 85% das unidades produtoras funcionam em sistema de batelada alimentada e 15% em sistema contínuo. No processo de batelada-alimentada (fed-batch) ou Melle-Boinot inicialmente se transfere o inóculo (fermento tratado) do tanque de tratamento para os fermentadores através de um sistema de bombeamento. Em seguida se inicia a alimentação do reator com o substrato até que o volume final do fermentador seja alcançado. Após a transferência do açúcar, se inicia o processo de fermentação, onde o açúcar é convertido em álcool e outros produtos (DATAR, et al., 2004). O meio fermentado é enviado para os centrifugadores onde ocorre a separação das células de levedura do vinho, as células são enviadas novamente para os tanques de tratamento, onde são diluídas e acidificadas a fim de iniciar um novo ciclo. Esse processo foi concebido para ser usado nos casos em que os microrganismos utilizados na fermentação são submetido à inibição aguda pelo substrato. Neste caso, para se obter concentrações mais elevadas do produto final, o substrato pode ser adicionado de forma controlada ao fermentador, diminuindo assim esta inibição. Em geral, em plantas que utilizam este tipo de processo, as curvas de alimentação do substrato são exponenciais e visam manter o substrato constante no meio de fermentação e com uma concentração menor do que a de inibição (CARVALHO & SATO, 2001). Já o processo de fermentação contínua normalmente contêm 4 ou 5 fermentadores ligados em série, onde um meio de cultura e as células de levedura tratadas são adicionadas simultaneamente e de uma maneira contínua e controlada, no primeiro fermentador do sistema. O objetivo da utilização desta configuração é aproximar o comportamento do sistema para um fermentador de fluxo de pistão, minimizando o efeito de inibição pelo produto (etanol) na velocidade de transformação dos açúcares em etanol (LEAL & MACEDO, 2004). A quantidade de ART (açúcares redutores totais) alimentado no primeiro fermentador é proporcional à quantidade de células de levedura, mantendo uma taxa média de 3,5 g de ART / g da massa de células (peso seco). Este controle é importante para manter a taxa de conversão de cada fermentador, proporcionando um tempo total de fermentação entre 7 a 8 24 horas, dependendo da estirpe utilizada e da matéria-prima empregada (LALUCE et al., 1991). O meio de fermentação passa de um fermentador para o outro até atingir o último, onde geralmente se tem os separadores de centrífuga e se separa o fermento do vinho e são novamente enviados para os tanques de tratamento. A unidade de tratamento deste tipo de processo é constituída por três tanques ligados em série. Ácido sulfúrico, água e creme de levedura são misturados num pequeno tanque, a partir de onde a efervescência acidificada segue para o tanque de tratamento (AMORIM, 2005). Independente do tipo de processo, a fermentação se inicia com a adição do mosto com 18 a 22% de ART sobre a suspensão de levedura. De forma geral, após 6 a 10 horas de fermentação, os teores alcoólicos chegam de 8 a 10% (v/v) com as temperaturas de 32 a 38ºC. No final da fermentação, as leveduras são separadas do vinho por centrifugação, diluídas a uma concentração de 30-40% (m/v) e submetidas a um tratamento com ácido sulfúrico, com o objetivo de reduzir a contaminação bacteriana, e em seguida utilizadas em um novo ciclo fermentativo (LALUCE et al., 1991). 3.2.1. Fatores estressantes para a levedura durante o processo de fermentação alcoólica As leveduras podem, frequentemente, serem submetidas a 2 ciclos fermentativos diários durante o período de safra anual. Por esse motivo, as leveduras utilizadas na fermentação industrial deverão ser tolerantes aos vários fatores estressantes impostos pelo processo de forma simultânea (alta concentração etanol, altas temperaturas, baixo pH, ácido, pressão osmótica, entre outros) (BASSO et al., 2008). No ambiente da fermentação alcoólica, condições estressantes são impostas às leveduras a todo momento. Alguns são ambientais como deficiência nutricional, altas temperaturas, estresse osmótico por açúcares e sais, acidez, sulfito, contaminação bacteriana, enquanto outros são decorrentes do próprio metabolismo celular da levedura, tais como o acúmulo de etanol e sua correspondente inibição do crescimento celular e da produção do etanol (BAI et al., 2008; BASSO et al., 2008). Todos esses fatores são estressantes para a levedura e alguns podem agir sinergisticamente, afetando mais severamente a levedura do que um fator isolado, 25 resultando em redução da viabilidade e vitalidade celular e como consequência, na produtividade de etanol (DORTA et al., 2006). O nível crescente de etanol durante o processo de fermentação reduz as taxas de crescimento e viabilidade celular das leveduras (PIPER, 1995). Seus efeitos tóxicos nas células envolvem a alteração da polaridade da membrana citoplasmática, modificando sua fluidez. Em vista disso, pode ocorrer inibição da taxa de captação máxima do sistema de transporte de glicose por mudanças no ambiente lipídico da membrana plasmática e efluxo de compostos como aminoácidos através das células (ALEXANDRE E CHARPENTIER, 1998), o que é agravado pelo aumento da temperatura e dos teores de etanol (SALGUEIRO et al., 1988). Segundo OLIVEIRA (1988), em temperaturas elevadas, o metabolismo da levedura S. cerevisiae é afetado levando a uma diminuição da tolerância ao etanol e formação de metabólitos secundários como o glicerol. O efeito inibitório do etanol está relacionado à temperatura de fermentação. A faixa de melhor resistência ao etanol para cepas usuais de S. cerevisiae é de 13 a 27ºC a 10% (v/v) de etanol no mosto. A tolerância ao etanol diminui para temperaturas menores que 13ºC ou maiores que 27ºC, de forma que a inibição do crescimento do microrganismo ocorre tanto em processos com baixa temperatura como alta. Os fosfolipídios da membrana desempenham um papel importante no mecanismo de tolerância ao etanol. Alguns trabalhos evidenciaram sua importância, mostrando que a membrana apresenta grande versatilidade para se adaptar a esse estresse pois foram observados aumento da concentração de ácidos graxos insaturados e ergosterol em células de S. cerevisiae expostas ao etanol, indicando que a levedura sobrevive melhor com esses ajustes (WALKER-CAPRIOGLIO et al., 1990; YOU et al., 2003; VANEGAS et al., 2012). Em estudo realizado por CARTWRIGHT et al., (1987), o etanol em concentrações de até 2,0 M (11,65% v/v) inibiu a atividade da ATPase na membrana de S. cerevisiae em culturas com 8 e 16 horas, e a composição da porção lipídica dos fosfolipídios também sofreu alteração, com a proporção de insaturação diminuindo com a idade da cultura. Contudo, os mecanismos pelos quais o etanol causa inibição celular ainda permanecem obscuros em muitos aspectos, em especial em nível genético (BAI et al., 2008). A base molecular do mecanismo pelo qual o etanol exerce efeito inibitório na fermentação torna-se complicada, pois o etanol, sendo um agente desnaturante, pode agir 26 não somente sobre as proteínas e provocar inativação ou inibição de enzimas da rota glicolítica, como também pode atuar sobre a integridade das membranas lipídicas, prejudicando outros fatores, como proteínas transportadoras e enzimas associadas à membrana (PASCUAL et al., 1988). 3.2.2. Leveduras utilizadas no processo O processo fermentativo é bastante afetado pelo tipo de microrganismo que o desenvolve. As leveduras, principalmente do gênero Saccharomyces cerevisiae, são as mais amplamente utilizadas neste tipo de processo e também para produção de biomassa. A maioria das unidades produtoras de etanol, tradicionalmente iniciava a safra usando toneladas de leveduras oriundas da indústria de panificação até meados dos anos 90. A partir desta data, constatou-se que as leveduras utilizadas como inóculo eram completamente substituídas por leveduras nativas ou selvagens (ANDRIETTA et al., 2007), pois ao se isolar uma levedura do processo no final da safra, pôde verificar-se que esta era diferente daquela introduzida no início. As leveduras de panificação, pelo fato de serem facilmente obtidas no mercado e nas grandes quantidades requeridas, são largamente empregadas pela indústria alcooleira. No entanto, essas leveduras não suportam os estresses da fermentação industrial, sendo substituídas por linhagens selvagens que se mostram com as mais variadas habilidades fermentativas (BASSO et al., 2008). A partir desta constatação, as usinas começaram a analisar as leveduras de final de safra através de uma análise de cariotipagem para constatar a permanência de linhagens dominantes no processo e isolá-las para propagar sua própria levedura de início de safra. No entanto, a dificuldade de obtenção de grandes volumes desse fermento desestimulou as usinas a fazerem uso desse fermento. Portanto, atualmente é uma prática muito frequente das usinas iniciar o processo fermentativo com uma determinada levedura previamente isolada nas usinas brasileiras devido as suas características de dominância e persistência no processo industrial e alto desempenho fermentativo, mas distribuídas por uma unidade produtora de biomassa (AMORIN et al., 1996). 27 Por isso, leveduras isoladas do próprio processo fermentativo são hoje utilizadas na maioria das usinas brasileiras. A linhagem mais conhecidas e utilizada em aproximadamente 30% das usinas é a Pedra 2 (PE-2), que leva esse nome pois foi isolada da Usina da Pedra. Estudos demonstraram que ela permanece na dorna de fermentação durante todo o período da safra. Além disso, a linhagem PE-2 apresenta características fundamentais para aperfeiçoar o processo fermentativo, como ser altamente fermentadora e resistente a temperatura e álcool, além de permanecer em suspensão, não apresentando características floculantes e não produzindo espuma (BASSO et al., 2008). Durante a fermentação industrial as leveduras passam por diversas formas de estresse (BROSNAN et al., 2000), e na fase de maior atividade metabólica da fermentação há uma significativa elevação da temperatura, sendo necessário o resfriamento do mosto para viabilizar a continuação do processo fermentativo, uma vez que o fermento é reaproveitado em fermentações sucessivas (SILVA-FILHO et al., 2006). Por esse motivo, a estabilidade populacional no ambiente fermentativo depende do uso de linhagens bem adaptadas às condições do processo industrial A resistência a múltiplos estresses é uma característica desejada em leveduras industriais envolvidas em quaisquer processos biotecnológicos, pois as células são expostas às combinações simultâneas ou sequenciais de diferentes tipos de estresse (ATTFIELD, 1997; RANDEZ-GIL, et al., 1999). As características requeridas para o processo industrial são: tolerância ao estresse fermentativo como, por exemplo, baixos valores de pH e alta concentração de açúcar e etanol, alta competitividade perante contaminação (bacteriana ou por outras leveduras) na dorna de fermentação, não flocular ou produzir espuma e possuir alta resistência a inibidores presentes na biomassa hidrolisada e capacidade de crescer anaerobicamente (BRANDUARDI et al., 2008; NEVOIGT, 2008). 3.3. Resposta ao estresse fermentativo A resposta aos diferentes tipos de estresse é uma característica fundamental na adaptação dos organismos vivos às condições adversas do meio ambiente em que vivem (ALEXANDRE et al., 2001). 28 Quando um microrganismo é exposto à alterações decorrentes do ambiente, que afetam o seu crescimento e reprodução e não são demasiadamente severas, ele produz um mecanismo para se adaptar a essas alterações e continuar sobrevivendo nessas condições, ou seja, se um organismo for exposto bruscamente a um choque de calor de 20 a 25°C acima da sua temperatura ótima de crescimento, ele vai morrer. No entanto, se antes dessa exposição, ele for exposto pela primeira vez durante um curto período de tempo a uma temperatura de 10 a 15°C acima da temperatura ótima de crescimento, ele adquire a capacidade para sobreviver à temperatura letal (LARCHER, 1995). Alguns estudos mostram que a levedura Saccharomyces cerevisiae possui mecanismos “comuns” ou “gerais” de resposta ao estresse, onde são ativados pelo menos três elementos de transcrição. No estresse por choque térmico, o fator de transcrição induz a uma ou mais repetições nos genes HSP e é conhecido como Hsfp. Em situações de estresse oxidativo, a transcrição do fator Yap1p induz a transcrição dos genes TRX1/2 e GSH1 e, finalmente, a sequência STRE (elemento responsivo ao estresse geral) é capaz de mediar a transcrição induzida pelas diversas formas de estresse, através dos fatores de transcrição Msn2p e Msn4p. Segundo GASCH et al., (2000) a STRE corresponde ao conjunto de todos os genes que têm perfil de expressão similar sob várias condições de estresse. Outras observações relacionam mudança nos padrões de expressão do gene CTT1 (que codifica a catalase T citosólica, uma enzima desintoxicante de peróxido de hidrogênio), que também é induzido não só pelo estresse osmótico, mas também por calor ou choque osmótico (ALEXANDRE et al., 2001). Este sistema de resposta coordena e integra a necessidade de estabelecer um metabolismo basal, que é necessário para reduzir o custo de energia. Isto leva a uma diminuição na taxa de crescimento e à indução de vários mecanismos de proteção. A integração dessas respostas determina a capacidade de adaptação do organismo (GASCH et al., 2000). Esse mecanismo de indução à tolerância têm sido observado em linhagens de Saccharomyces cerevisiae utilizadas para produção de etanol combustível. As células de S. cerevisiae, quando submetidas à condições de estresse, desenvolvem uma rápida resposta molecular para reparar danos e proteger as estruturas celulares dos efeitos causados pelo 29 estresse da dorna de fermentação (RUIS & SCHULLER, 1995; SWAN & WATSON, 1998; ESTRUCH, 2000). 3.3.1. Temperatura Elevadas temperaturas são comuns em processo de fermentação industrial, constituindo fator de seleção de linhagens de leveduras termotolerantes. A resposta ao choque térmico pode variar entre linhagens de S. cerevisiae, porém as leveduras industriais são geralmente mais termotolerantes do que as de laboratório (ESTRUCH, 2000). Na levedura, a resposta ao estresse térmico é um dos processos mais estudados e bem caracterizados atualmente. Sabe-se que um aumento de 10 a 15°C acima da temperatura ótima de crescimento induz ao fator de transcrição de choque térmico (Hsfp), que por sua vez, induz a síntese de um grupo de proteínas chamado HSP (heat shock proteins), onde a maioria das proteínas funcionam como chaperonas moleculares nos processos de desnaturação e recuperação de proteínas danificadas. São altamente conservadas e desempenham funções importantes em condições normais de crescimento (KIANG & TSOKOS, 1998). Algumas dessas proteínas estão presentes também em temperaturas ótimas de crescimento e estudos genéticos indicam que são proteínas essenciais para manutenção da estrutura correta da folha pregueada de outras proteínas e degradam proteínas desnaturadas ou com defeitos na estrutura secundária (LINDQUIST, 1992). Entre as proteínas que fazem parte da família HSP estão a HSP104, a HSP70 e a HSP40, as quais formam o complexo chaperonina que de acordo com GLOVER & LINDQUIST (1998), reverte a conformação de proteínas alteradas pelo calor restaurando as atividades essenciais de proteínas na célula viva. Por esse motivo, o acúmulo dessas HSP's está associado com a termotolerância e um aumento da habilidade de sobreviver a pequenas exposições à temperatura letal. Outro gene relacionado ao estresse por choque térmico é o HSP12, que codifica uma das duas principais proteínas de choque térmico em S. cerevisiae. A expressão do gene HSP12 é induzida várias vezes por choque de calor e na entrada na fase estacionária. Segundo SALES (2000), o RNAm de HSP12 é indetectável durante o crescimento 30 exponencial em meio rico, mas níveis baixos estão presentes quando as células são cultivadas em meio mínimo. PRAEKELT & MEACOCK (1990), analisaram a expressão de HSP12 em mutantes fosforilados dependentes de cAMP (gene regulado por cAMP). A interrupção da codificação das HSP12 codificação região resulta na perda de uma abundante 14,4 kDa presente nas células de calor chocado e fase estacionária. Isto também leva a indução da resposta de choque de calor, sob condições normalmente associadas com a expressão de baixo nível de HSP12. A interrupção HSP12 não demonstrou nenhum efeito observável sobre o crescimento à diferentes temperaturas nem em sua capacidade de adquirir termotolerância. Além da resposta ao choque térmico, importante ressaltar que o HSP12 é transcrito também em outras condições de estresse, incluindo alta osmolaridade, presença de etanol e falta de nutrientes no meio de crescimento e, por essa razão, vem sendo utilizado como marcador molecular de estresse em leveduras utilizadas para produção de vinho (HERBERT et al., 2012). IVORRA & PÉREZ-ORTÍN (1999) analisaram a expressão de vários genes marcadores sob condições específicas de estresse em leveduras industriais produtoras de vinho e encontraram uma expressão diferencial de HSP12 em comparação aos outros marcadores utilizados. 3.3.2. Ácido (pH) A utilização de linhagens de S. cerevisiae resistente ao estresse ácido é uma característica importante para a indústria de álcool combustível. Nas fermentações industriais, os valores de pH do mosto geralmente encontram-se na faixa de 4,5 a 5,5 com uma boa capacidade tamponante. No entanto, as leveduras mantêm sua homeostase de forma quase independente do pH do meio, por isso toleram o tratamento ácido (BASSO et al., 1996). NARENDRANATH e POWER (2005) relataram que a redução do pH de 5,5 para 4,0 reduziu o crescimento de lactobacilos e sua correspondente produção de ácido lático, assim como o aumento da concentração de açúcares no meio, aumentando a pressão osmótica. No entanto, isso causou uma redução do etanol produzido pela levedura em pH 4,0, embora 31 não tenha afetado o crescimento da mesma em nenhuma concentração de açúcar em particular. HERNÁNDEZ-CORTÉZ et al., (2010), avaliaram a produção de biomassa de linhagens de S. cerevisiae em fermentação contínua de suco de agave para a produção de tequila e concluíram que não houve diferença significativa na produção de biomassa e de etanol em meio com pH controlado (pH 4,0) e sem controle (ajuste natural pH 2,5). A maioria das leveduras é capaz de crescer em meio com pH entre 4,5 e 6,5 (WALKER, 1998), porém com ácidos orgânicos fracos como o ácido sórbico, o benzóico e o acético no meio. Estes inibem a resposta ao estresse e aumentam a frequência de mutações que causam deficiência no metabolismo respiratório de Saccharomyces cerevisiae (CHENG et al., 1999). Segundo PIPER et al., (2001) a diminuição da termotolerância das células de S. cerevisiae tratadas com ácidos orgânicos ocorre devido a inibição da síntese das HSPs. No âmbito da fermentação alcoólica, o ácido acético e o ácido lático despertam um particular interesse, uma vez que ambos são inibidores do crescimento da levedura. O ácido lático é produzido por bactérias láticas contaminantes do processo e o ácido acético é sintetizado em pequenas quantidades pela levedura, porém concentrações tóxicas advêm de bactérias láticas e/ou acéticas (GRAVES et al., 2006). O efeito do ácido acético sobre a fermentação e sobre o pH intracelular é potencializado pelo etanol (PAMPULHA & LOUREIRO-DIAS, 1989), e o efeito inibitório tanto do ácido acético quanto do ácido lático torna-se maior quanto menor for o pH do meio, devido a maior concentração da forma não dissociada dos mesmos (GRAVES et al., 2006). Além dos efeitos no crescimento da levedura, o pH é importante no controle da contaminação bacteriana, a qual é um agente estressante que acarreta perdas significativas no rendimento fermentativo. Por isso a necessidade de se optar entre dois fatores estressantes, como no caso do tratamento ácido, que estressa a levedura, mas acaba sendo benéfico pois controla a contaminação. Embora a lavagem ácida utilizada na indústria alcooleira seja um fator de estresse, ainda não está claro como os ácidos inorgânicos afetam a viabilidade das células de levedura (BROSNAN et al., 2000). 32 3.3.3. Etanol Durante a fermentação alcoólica industrial, o aumento da concentração de etanol reduz a velocidade específica de crescimento, a velocidade específica de produção de etanol e a viabilidade de células de leveduras (ZUZUARREGUI & OLMO, 2004). Altas concentrações de etanol, acima de 10% (v/v), constituem fator limitante nas fermentações industriais por S. cerevisiae, diminuindo a produção de CO2 mesmo em meio rico em glicose (CARLSEN, 1991). Por esse motivo, a tolerância à altas concentrações de etanol é atualmente uma das características mais requeridas para uma linhagem industrial produtora de álcool combustível. Essa característica está presente em algumas linhagens de S. cerevisiae e permite que este microrganismo seja dominante em processos de fermentações naturais e industriais. ALEXANDRE et al. (2001), investigaram o perfil de expressão gênica de uma linhagem laboratorial de S. cerevisiae em resposta ao etanol, utilizando microchips de DNA (DNA microarrays). Do total de genes codificados no genoma da levedura, 3,1% dos genes foram superexpressos e 3,2% foram regulados negativamente após 30 minutos de estresse por etanol (7% v/v). Dos genes superexpressos em resposta ao etanol, 49% pertencem à resposta ao estresse ambiental e 14% pertencem à família dos genes de estresse. Os genes induzidos por etanol previamente identificados, em sua maioria, foram genes envolvidos também na homeostase iônica, proteção contra o calor, síntese de trealose e de defesa antioxidante. Em estudo realizado por SWINNEN et al., (2012), onde foi analisado o sequenciamento do genoma de segregantes provenientes de um cruzamento entre uma linhagem de levedura industrial (altamente tolerante ao etanol) e uma linhagem laboratorial (de menor tolerância), com o objetivo de mapear todos os loci de características quantitativas (QTL) que determinam a alta tolerância ao etanol, foram identificados, pela primeira vez, três genes que estão diretamente ligados a esta característica, como o MKT1, o SWS2 e o APJ1, sendo o SWS2 um alelo negativo localizado entre dois alelos positivos. SWS2 e APJ1 apresentaram polimorfismos significativos apenas fora da ORF e uma menor expressão de APJ1 foi relacionada à tolerância superior de etanol. 33 TEIXEIRA et al., (2009), selecionaram mutantes com susceptibilidade diferencial ao estresse induzido por altas concentrações de etanol em meio de crescimento mínimo. Foram identificados mais de 250 fatores genéticos determinantes da resistência ao etanol, onde a maioria são aqueles associados à organização intracelular, biogênese e transportes, em especial, em relação ao vacúolo, o peroxissomo, o endossomo, e ao citoesqueleto, e os que estão associados com a maquinaria transcricional. Com base nos resultados de análise de todo o genoma, foi destacado e investigado, em particular, o papel do gene FPS1, que codifica uma aquaglyceroporin da membrana plasmática que media o efluxo controlado de glicerol na resistência ao estresse por etanol. A expressão de FPS1 contribui para a diminuição do acúmulo de etanol em células de levedura, o que sugere que Fps1p também podem desempenhar um papel na manutenção do nível intracelular de etanol durante a fermentação ativa. O aumento da expressão de FPS1 confirmou o papel importante deste gene na fermentação alcoólica, levando a um aumento da concentração final de etanol, sob condições que conduzem à produção elevada de etanol (TEIXEIRA et al., 2009). 34 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1. MATERIAIS 3.1.1. Microrganismos utilizados Foram utilizadas quatro linhagens de levedura Saccharomyces cerevisiae para o desenvolvimento deste trabalho: - MA-1 (MATa/α LEU2-3 ADE2 ADE3 URA3 TRP1 HIS3 LYS): isolada a partir da dorna de fermentação de uma destilaria brasileira do estado de São Paulo e cedida gentilmente para estudo para o Laboratório de Micologia da Profa. Dra. Ana Marisa Fusco Almeida, do Departamento de Análises Clínicas FCFAR/UNESP. - PE-2, CAT-1 e SA-1: linhagens isoladas de usinas de produção de etanol pela empresa Fermentec e amplamente utilizadas por usinas do setor sucro-energético (BASSO et al., 2008), também obtidas da coleção do mesmo Laboratório. Ressalta-se que a linhagem MA-1 foi escolhida para estudo por apresentar capacidade de permanência no processo e resistência aos estresses causados pelas condições existentes em unidades industriais de produção de etanol. As linhagens PE-2, CAT-1 e SA-1 foram utilizadas como controle. 3.1.2. Meios de cultura e tampões A composição e o preparo dos meios de cultura e soluções utilizados no experimento seguiram procedimentos padrões (GUTHRIE & FINK, 1991; SAMBROOK et al., 1989;). Para manutenção e cultivo das linhagens de leveduras foram utilizados os meios de cultivo YEPD (Yeast Extrat – Peptone – Dextrose) líquido (extrato de levedura – 1%, peptona – 1% e dextrose – 2%) e sólido (extrato de levedura – 1%, peptona – 1%, dextrose – 2%, e água destilada, ágar – 1,5%). Para a esporulação, foi utilizado o meio S-SPO líquido (extrato de levedura 2,5 g/L; acetato de potássio 15 g/L; adenina, uracil e tirosina 0,04 g/L; histidina, leucina, lisina, triptofano, metionina e arginina 0,02 g/L; fenilalanina 0,1 g/L e treonina 0,35 g/L). 35 Para o teste de tolerância ao etanol foi utilizado o meio YEPD conforme citado acima, porém com diferentes concentrações de etanol. Para o teste de tolerância ao baixo pH foi utilizado o meio YEPD conforme citado acima, porém o pH foi ajustado com diferentes concentrações de HCl. Para o teste de tolerância ao etanol e baixo pH simultaneamente foi utilizado o meio YEPD conforme citado acima, com diferentes concentrações de etanol e o pH ajustado com HCl. Para o ensaio do desempenho fermentativo foi utilizado o mosto preparado através de caldo de cana diluído. O caldo de cana foi previamente fervido e filtrado para retirada de sólidos insolúveis e em seguida diluído com água destilada até uma concentração final de 19% de ART. Depois foram autoclavados a 121ºC durante 15 minutos, resfriados à temperatura ambiente e congelados a -18ºC até o momento do uso. Para a extração do DNA genômico foram utilizados os tampões de extração Tris – EDTA pH 8,0 (Tris 10 mM pH 8,0 e EDTA 1 mM pH 8,0) e o tampão TBE 1x (90 mM Tris-Cl, 90 mM ácido bórico, 2 mM EDTA). No ensaio de dosagem de etanol foi utilizado o tampão pirofosfato (pirofosfato de sódio 0,13 M, semicarbazida 0,079 M e glicina 0,024 M, pH 8,8). Na extração do RNA utilizou-se o tampão de lise (1 M sorbitol, 0,1 M EDTA pH 7,4, 0,1% de β-mercapto etanol, 10% zimoliase) e os tampões RLT e RW1 provenientes do Kit utilizado para extração. 3.2. MÉTODOS A manutenção e o cultivo das linhagens de levedura, a composição e o preparo dos meios de cultura e soluções e as técnicas básicas utilizadas neste trabalho seguiram procedimentos padrões (GUTHRIE e FINK, 1991; AUSUBEL et al. 2005; AMBERG et al. 2005). 36 3.2.1. Identificação das leveduras coletadas como Saccharomyces cerevisiae A levedura estudada (MA-1) e a PE-2, CAT-1 e SA-1, foram identificadas como Saccharomyces cerevisiae pelo método de PCR utilizando primers específicos, segundo a metodologia descrita por MELO PEREIRA et al., (2010). 3.2.1.1. Extração de DNA genômico Uma colônia de cada linhagem de levedura foi inoculada em 10 mL de meio adequado e incubada a 30ºC sob agitação durante toda noite. As culturas foram centrifugadas a 5.000 xg, à temperatura de 4ºC durante 5 minutos e lavadas com água estéril gelada. Esse processo foi realizado por 2 vezes consecutivas. As células foram ressuspensas em 200 μL de tampão de extração, transferidas para microtubos estéreis, adicionados 1 g de pérolas de vidro e 200 μL de solução fenol-clorofórmio (1:1). Os tubos foram agitados vigorosamente em vórtex durante 2 minutos e foram acrescentados 200 μL de tampão Tris – EDTA pH 8,0 seguido de cuidadosa homogeneização por inversão de 6 a 10 vezes e centrifugação a 13.000 xg durante 5 minutos. A fase aquosa foi separada, recolhida em novo microtubo estéril, acrescentando 400 μL de clorofórmio, homogeneizado por inversão e repetido o processo de centrifugação anterior. Em um novo microtubo, foi recolhida a fase aquosa, acrescentando 1 mL de etanol absoluto por inversão e centrifugado a 13.000 xg durante 2 minutos. O sobrenadante foi removido e o sedimento formado lavado com 1 mL de etanol 70% (v/v) e centrifugado a 13.000 xg durante 2 minutos. O sobrenadante foi separado e o tubo com sedimento colocado em estufa a 37ºC até secagem completa do material. Após secagem, o DNA foi ressuspenso em 400 μL de solução tampão Tris - EDTA pH 8,0 contendo uma concentração final de 2 μg/mL de RnaseA e incubado a 37ºC durante 30 minutos. Esse processo foi repetido desde a etapa da adição do clorofórmio até a secagem completa do DNA. O DNA foi ressuspenso em 50 μL de solução tampão Tris – EDTA pH 8,0 e mantido a 4ºC. Para a verificação da extração, foi feito um gel de agarose analítico em uma concentração de 1,5%, com diluição em tampão TBE 1x, corados com gel red. 37 3.2.1.2. Condições da PCR A PCR foi realizada da seguinte forma: 12,5 μL de Mix GoTaq® Green Master (10 x) (Promega), 2 μL de DNA diluído para 10 ng/μL-1 e 0,5 ng/μL-1 de cada primer, para um volume final de 25 μL. As seqüências e a localização dos primers na região alvo estão descritas na Tabela 1 e o programa de amplificação na Tabela 2. Tabela 1. Primers utilizados nas reações de PCR para amplificação do gene HO. Primer Gene Seqüência (5’ 3’) Orientação ScHO Gene HO/ cromossomo IV GTTAGATCCCAGGCGTAGAACAG Forward Gene HO/ cromossomo IV GCGAGTACTGGACCAAATCTTATG Reverse Tabela 2. Programa utilizado no termociclador para amplificação do gene HO. Fase Temperatura Tempo Etapa 1 94°C 2 minutos Desnaturação inicial 2* 94°C 30 segundos Desnaturação 3* 61°C 30 segundos Anelamento 4* 72°C 7 minutos Extensão final 5 4°C Indefinido Manter as amostras *Fases repetidas por 35 ciclos 3.2.2. Armazenamento das linhagens de levedura As linhagens selecionadas foram armazenadas em placas com YEPD sólido e nitrogênio líquido para posterior utilização. As placas foram preparadas com meio YEPD sólido esterilizado previamente, onde em seguida, as leveduras foram inoculadas e incubadas a 30°C por 48 horas, e posteriormente armazenadas em geladeira. 38 Para congelamento em nitrogênio liquido, preparou-se uma solução de 20% de glicerol (v/v) e em cada microtubo acrescentou-se a solução de glicerol e material celular centrifugado. Em seguida, o microtubo foi colocado em nitrogênio líquido e armazenado em freezer a - 80°C. Antes da realização de qualquer teste, as leveduras foram reativadas em placas com YEPD sólido e incubadas a 30°C por 48 horas. 3.2.3. Esporulação da levedura, dissecção e caracterização de tétrades 3.2.3.1. Esporulação da levedura coletada A levedura MA-1 foi cultivada em meio S-SPO líquido (extrato de levedura 2,5 g/L; acetato de potássio 15 g/L; adenina, uracil e tirosina 0,04 g/L; histidina, leucina, lisina, triptofano, metionina e arginina 0,02 g/L; fenilalanina 0,1 g/L e treonina 0,35 g/L) a 25°C, sob agitação até a formação de ascos. 3.2.3.2. Dissecção e caracterização de tétrades Foram centrifugados momentaneamente 200 μL da cultura submetida à esporulação. Após a remoção do sobrenadante, as células foram suspensas em 100 μL de sorbitol 20%. Então, foram adicionados 3 μL de zimoliase (10 mg/mL) e a reação incubada à temperatura ambiente por 15 minutos. Foi adicionado 1 mL de sorbitol 20% e as células foram mantidas em gelo até a dissecção. Os ascos foram dissecados em microscópio de dissecção, utilizando placa de meio YEPD, a qual foi incubada a 25°C até a obtenção de colônias. O genótipo das células haplóides obtidas foi caracterizado utilizando-se diferentes meios de cultura seletivos. Em seguida, essas células foram selecionadas segundo o fenótipo de sensibilidade a temperatura e diferentes concentrações de etanol. 39 3.2.4. Seleção dos segregantes obtidos a partir do fenótipo de resistência ao estresse fermentativo, como altas temperaturas, altas concentrações de etanol, baixo pH e floculação. 3.2.4.1. Análise do fenótipo de sensibilidade a temperatura e diferentes concentrações de etanol As células de levedura foram selecionadas quanto ao fenótipo de sensibilidade à temperatura e etanol. Para isto, as leveduras foram crescidas a 25°C em 10 mL de meio seletivo até aproximadamente 1-2x107 células/mL. Após centrifugação a 3.000 xg por 1 minuto e remoção do meio de cultura, as células foram suspensas na concentração de 2,5x108 células/mL. Em seguida 200 μL da suspensão foram transferidos para um poço de microplaca. A suspensão foi diluída seriadamente (1:10) em meio líquido apropriado. Utilizando um pipetador multicanal, 4 μL da suspensão original e das diluições foram aplicados nos meios de cultura de interesse normais ou contendo diferentes concentrações de etanol para posterior incubação a 25°C ou nas temperaturas desejadas, até a observação de crescimento em todas as diluições para a seleção das mais resistentes. 3.2.4.2. Teste de tolerância a alta temperatura Para avaliar a tolerância a altas temperaturas, as leveduras selecionadas no item 3.2.4.1 foram inoculadas com uma densidade celular inicial de 2x106 célula/mL e incubadas a 25°C por 24 horas. Em seguida, as amostras foram retiradas, diluídas, plaqueadas em meio YEPD sólido e incubadas em diferentes temperaturas (25°C controle, 40°C, 41°C e 42°C durante três dias). A viabilidade celular foi expressa pela porcentagem de unidades formadoras de colônias de cada tratamento em comparação ao controle. 3.2.4.3. Teste de tolerância ao etanol 40 Para avaliar a tolerância ao etanol, as leveduras selecionadas no item 3.2.4.2 foram cultivadas em meio YEPD líquido elaborado com diferentes concentrações de etanol absoluto (0% controle, 5%, 7%, 8%, 10% e 12% v/v). As leveduras foram inoculadas com uma densidade celular inicial de 2 x 106 célula/mL e então incubadas a 25°C por 48 horas, sob agitação de 80 rpm. A viabilidade celular foi determinada às 0, 8, 24 e 48 horas do período de incubação sob as condições de estresse etanólico. Após coloração com azul de metileno as células vivas e mortas das leveduras foram contadas em microscópio ótico (Olympus BH), usando câmara de Neubauer (OLIVEIRA et al., 1996). 3.2.4.4. Teste de tolerância a alta temperatura e etanol As culturas de leveduras foram submetidas aos dois estresses (itens 3.2.4.2 e 3.2.4.3) concomitantemente, ou seja, elevação da temperatura e concentração de etanol do meio de cultivo para 37°C e 10% (v/v) respectivamente, com incubação por 48 horas, sob agitação de 80 rpm. A viabilidade celular foi determinada às 0, 8h, 24 e 48 horas do período de incubação sob as condições de estresse. Após coloração com azul de metileno as células vivas e mortas das leveduras serão contadas em microscópio ótico (Olympus BH), usando câmara de Neubauer (OLIVEIRA et al., 1996). 3.2.4.5. Teste de tolerância ao pH Para avaliar a capacidade das células de levedura de crescerem ao baixo pH, as células de levedura selecionadas no item 3.2.8 foram inoculadas com uma densidade celular inicial de 2 x 106 célula/mL e incubadas a 25°C por 24 horas. Em seguida, as amostras foram retiradas, diluídas, plaqueadas em meio YEPD ajustado para os seguintes valores de pH: 5,5; 5,0; 4,5; 4,0; 3,5; 3,0; 2,5; 2,0; 1,5 e 1,0, com solução de ácido clorídrico 6N ou solução de hidróxido de sódio 1N. 3.2.4.6. Teste de floculação 41 O ensaio de floculação foi realizado de acordo com metodologia descrita por WANG et al., (2008), onde a floculação (sedimentação) das células foi determinada na ausência ou presença de solução de cloreto de cálcio a 10 mM. Após uma agitação vigorosa dos tubos, amostras foram retiradas da parte superior do tubo para determinação da D.O.600nm no tempo 0 e após 10 minutos da suspensão ter sido colocada em repouso. A porcentagem da floculação foi calculada da seguinte forma: Floculação (%) = (A0 – A10) x 100 A0 Onde: A0: Absorbância medida no tempo 0 A10: Absorbância medida após 10 minutos 3.2.5. Estudo dos efeitos significativos entre temperatura, pH e concentração de etanol na viabilidade celular através da metodologia de superfície de resposta As linhagens MA-12 e MA-135 (segregantes selecionadas nos testes de resistência anteriores) foram crescidas em meio líquido e temperaturas apropriados sob agitação constante por uma noite. No dia seguinte as células foram diluídas para uma D.O.600nm 0,1. A partir desse momento, as linhagens foram colocadas em diferentes combinações de temperatura, pH e concentração de etanol e foram monitoradas através da D.O.600nm, contagem celular em câmara de Neubauer e viabilidade celular com corante azul de metileno a cada 2 horas num período de 6 horas. Em seguida, foram otimizados os parâmetros temperatura (T), pH (pH) e concentração de etanol (E) na viabilidade celular (VC) através de um planejamento fatorial 33 com duas repetições, utilizando-se 3 variáveis independes (T, pH e E) apresentando 3 níveis cada um e uma variável dependente (VC). A temperatura variou entre 25°C, 32°C e 40°C, o pH entre 2,0, 4,0 e 6,0 e a concentração de etanol entre 0%, 5% e 10%. O estabelecimento dessas variações foi baseado nos resultados obtidos previamente. A partir das superfícies de resposta obtidas foram determinadas as interações com efeitos significativos e as condições máximas de temperatura, pH e etanol em que a 42 viabilidade celular se manteve maximizada. Calcularam-se os efeitos linear e quadrático de cada uma das variáveis independentes sob estudo, assim como suas interações na viabilidade celular. A significância foi avaliada por análise de variância. 3.2.6. Ensaio fermentativo com reciclo de célula e tratamento do fermento Foram utilizadas cinco linhagens de levedura para este ensaio, MA-12 e MA-135 (segregantes isolados nos testes de resistência anteriormente) e PE-2, SA-1 e CAT-1 (padrões usadas em algumas destilarias). Os testes foram conduzidos com culturas puras e mistas das leveduras (sendo 33,33% (v/v) de cada linhagem nas culturas mistas) em biorreator com condições controladas, contendo mosto preparado para esta finalidade. Foram realizados 4 ciclos fermentativos de 8 horas cada um, realizando um tratamento ácido do fermento a cada reciclo. As culturas foram pré-inoculadas em meio definido de crescimento YEPD e incubadas por 16 horas a 30°C sob agitação a 150 rpm. Em seguida foram transferidas para um frasco Erlenmeyer de 250 mL, contendo 100 mL de meio definido de crescimento acrescido de 5% de sacarose e incubadas por 24 horas a 30°C sob agitação. E assim sucessivamente até atingir a quantidade de células adequada para cada ensaio. Ao final da incubação, as culturas foram levadas à câmara fria por 2 horas para a sedimentação das células. Logo após, foram centrifugadas a 5.000 xg durante 15 minutos à 4° C e ressuspendidas em água destilada estéril. As fermentações foram realizadas no biorreator onde foram adicionados 1,75 L de mosto de caldo de cana preparado (pH 4,0 e 19°Brix) e 750 mL de creme de leveduras a 30% (m/v) totalizando um volume de 2,5 L, que foram conduzidos durante 8 horas à temperatura de 32°C, com agitação de 120 rpm e condições controladas de aeração durante cada ciclo. A cada 4 horas foram coletadas amostras e realizadas leituras para verificar a atenuação de sólidos totais (ART) em ºBrix utilizando um refratômetro de campo, leitura da biomassa e viabilidade celular. Ao final da fermentação, as amostras foram centrifugadas a 5.000 xg por cinco minutos a 4°C e o sobrenadante transferido para tubos com roscas e mantidos a 4 °C para posterior determinação do teor alcoólico (g/100 mL) e açúcares redutores. 43 3.2.6.1. Determinação do °Brix A determinação do °Brix foi realizada utilizando-se o refratômetro, no tempo zero e após 8 horas de fermentação. 3.2.6.2 Crescimento celular (determinação da biomassa) Para determinação da biomassa, foi coletado 1,0 mL do meio fermentado de fermentação e centrifugado a 600 xg durante 10 minutos. O sobrenadante foi descartado e o precipitado transferido para um balão volumétrico de 25 mL com água destilada, onde o volume foi aferido com água destilada. Após homogeneização, a biomassa foi determinada por D.O.570nm com o auxílio da curva padrão de peso seco, previamente estabelecida. 3.2.6.3. Determinação da viabilidade celular Para determinação da viabilidade celular as células de levedura foram coradas com azul de metileno e tanto as células viáveis quanto as não viáveis foram contadas em microscópio ótico (Olympus BH), usando câmara de Neubauer (OLIVEIRA et al., 1996). Os resultados foram expressos em porcentagem de células vivas pelo total de células, de acordo com a fórmula abaixo: Viabilidade celular (%) = Células vivas x 100 Total de células 3.2.6.4. Determinação de açúcares totais A determinação do teor de açúcares totais foi realizada no início e após 8 horas de fermentação através da metodologia descrita e modificada por MILLER, (1959). O presente método baseia-se na redução do ácido 3,5-dinitrossalicílico a ácido 3- amino-5-nitrossalicílico (DNS) ao mesmo tempo em que o grupo aldeído do açúcar redutor 44 é oxidado a ácido carboxílico, com desenvolvimento de coloração avermelhada (SILVA, et al., 2003). 3.2.6.4.1. Preparo do reagente de DNS Em um balão volumétrico de 500 mL contendo aproximadamente 300 mL de água deionizada, foram dissolvidos 5 g de hidróxido de sódio, 96 g de tartarato duplo de sódio e potássio e 5 g de ácido dinitrossalicílico, todos adicionados lentamente. Após a dissolução total dos reagentes, o balão volumétrico foi preenchido até o menisco com água deionizada. A solução foi estocada em frasco âmbar a temperatura ambiente e na ausência de luz. 3.2.6.4.2. Preparo do padrão A solução padrão foi preparada a partir da adição de 1 g de glicose em 50 mL de água deionizada. Em seguida essa solução foi diluída sucessivamente nas concentrações de 0,0 g.L-1, 1,0 x 10-1 g.L-1, 2,0 x 10-1 g.L-1, 5,0 x 10-1 g.L-1, 1,0 g.L-1, 1,5 g.L-1, 2,0 g.L-1 para realização da curva analítica. 3.2.6.4.3. Preparo das amostras O método DNS quantifica apenas os açúcares redutores, por isso foi necessário hidrolisar os açúcares não redutores das amostras para que os açúcares totais presentes fossem quantificados. Para a hidrólise ácida, alíquotas de 1 mL das amostras foram colocadas em frascos de 10 mL e posteriormente adicionados 20 μL de ácido clorídrico concentrado (37%). Os frascos foram incubados a 70ºC em banho-maria durante 20 minutos. Em seguida, as amostras foram resfriadas em banho de gelo e adicionados 30 μL de solução de hidróxido de sódio a 5 mol-1. No mesmo frasco em que se realizou a hidrólise, foram adicionados 2 mL do reagente de DNS às amostras, que foram mantidas a aproximadamente 100ºC em banho-maria durante 15 minutos para se processar a reação. Em seguida as amostras foram resfriadas em banho de gelo até atingirem a temperatura ambiente. 45 3.2.6.4.4. Quantificação de açúcares nas amostras A leitura de absorbância das amostras foi efetuada em espectrofotômetro ajustado para o comprimento de onda de 540 nm. A quantificação dos açúcares das amostras, realizada em duplicata, foi feita por comparação com uma curva analítica (concentração de glicose versus absorbância em 540 nm). Os limites de detecção e quantificação foram estatisticamente estimados a partir das equações A e B (INMETRO, 2003). AbsL.D. = Absbr + 3s (A) AbsL.Q. = Absbr + 10s (B) Onde: AbsL.D = Absorbância do analito cuja concentração é igual ao limite de detecção AbsL.Q = Absorbância do analito cuja concentração é igual ao limite de quantificação Absbr = Absorbância do branco s = Desvio padrão da curva analítica 3.2.6.5. Determinação do teor alcoólico A determinação de etanol nas amostras foi realizada segundo a metodologia descrita por GATTÁS et al. (2002) com algumas modificações. O método desenvolvido baseia-se na utilização da enzima álcool desidrogenase de levedura de panificação para converter álcool etílico a acetaldeído e NADH, através de reação de óxido-redução, tendo o NAD+ como aceptor de elétrons. Neste estudo o método foi adaptado para a utilização da enzima comercial álcool desidrogenase de Saccharomyces cerevisiae - ADH (Sigma A7011). Inicialmente foi realizado um ensaio da atividade da ADH, conforme descrito por RACKER (1955), baseada na conversão enzimática do etanol a acetaldeído através de reação de óxido-redução, tendo o NAD+ (ß-Nicotinamide adenine dinucleotide) como 46 aceptor de elétrons. A atividade da enzima frente ao etanol foi feita pela diferença da absorbância a 340 nm, por minuto, entre o ensaio e o controle correspondente. Em seguida, foi realizada uma curva analítica (concentração de etanol versus absorbância em 340 nm) com o objetivo de detectar a linearidade do método através dos limites de detecção e quantificação que foram estatisticamente estimados a partir das equações C e D (INMETRO, 2003), para então serem realizadas as dosagens nas amostras. AbsL.D. = Absbr + 3s (C) AbsL.Q. = Absbr + 10s (D) Onde: AbsL.D = Absorbância do analito cuja concentração é igual ao limite de detecção AbsL.Q = Absorbância do analito cuja concentração é igual ao limite de quantificação Absbr = Absorbância do branco s = Desvio padrão da curva analítica 3.2.6.5.1. Dosagem de etanol nas amostras A reação ocorreu a pH 8,8 com o equilíbrio deslocado para a formação do acetaldeído pela reação do mesmo com semicarbazida. O Tubo P onde ocorreu a reação enzimática completa foi preparado da seguinte forma: 0,1 mL de NAD+ 0,03 M; 0,04 mL da amostra diluída 200 vezes; 3 mL de solução tampão pirofosfato; 0,1 mL de volume da preparação enzimática purificada (0,35 U em 0,1mL) para um volume final de 3,24 mL. Uma curva padrão para a dosagem do etanol foi construída utilizando soluções de etanol em diferentes concentrações. O Tubo P diferiu do Tubo R por conter solução padrão do etanol (concentração final no Tubo R ao redor de 6,9 x 10-3 g. L-1) no lugar da amostra, sendo que o Tubo Br-e foi preparado para conter água no lugar da amostra (controle da preparação enzimática). A reação enzimática foi iniciada no tempo zero com a adição da preparação enzimática e a reação ocorreu por 15 minutos à temperatura ambiente. As diferenças entre 47 as absorbâncias (D.O.340 nm) das soluções dos tubos R e Br-e (AR – ABr-e), bem como, a diferença entre o Tubo P e o tubo Br-e (AP - ABr-e) foram obtidas e utilizadas na determinação da concentração do etanol utilizando-se a seguinte equação: C g/L = (AR – ABr-e) x V x dil. x 1 x c x PM (etanol) (AP - ABr-e) v Onde: C = concentração do etanol em g/L; (AR – ABr-e) = Abs. amostra – Abs. branco; (AP - ABr-e) = Abs. padrão – Abs. branco; V = volume da reação (mL); dil. = diluição da amostra; v = volume da amostra (mL); c = concentração do padrão na cubeta (M); PM = massa molecular do etanol 3.2.6.6. Cálculo da eficiência fermentativa Para calcular a eficiência fermentativa foi utilizada uma fórmula baseada no cálculo estequiométrico teórico de Gay-Lussac (51,11 g de etanol/100 g de glicose) descrita abaixo: Eficiência fermentativa (%) = Etanol/ (ART inicial – ART final) x 100 0,511 Foram utilizados os dados de etanol, ART inicial e final em g/100 mL de cada ciclo de fermentação. 3.2.7. Análise da expressão gênica quantitativa por PCR em tempo real Para este ensaio foram utilizadas amostras de cDNA obtidas a partir das linhagens de levedura MA-12 (resistente) e MA-139 (sensível) selecionadas anteriormente, em 3 48 diferentes condições: estresse por etanol (meio de cultura YEPD contendo 10% de etanol, pH 4,5 e temperatura de 30ºC), estresse por etanol, pH e temperatura (meio de cultura YEPD contendo 10% de etanol, pH 2,0 e temperatura de 37ºC) e controle (meio de cultura YEPD sem etanol, com pH 4,5 e temperatura de 30ºC), durante 2 horas. Assim, a metodologia de PCR em tempo real foi utilizada para determinar os níveis de mRNA produzidos para os genes APJ1, FPS1, MKT1, SWS2 e HSP12 normalizados para os genes de referência (controle endógeno) ACT1, GCN4 e PGK1, usando oligonucleotídeos iniciadores específicos. 3.2.7.1. Extração e preparo de RNA total de levedura As linhagens desejadas foram crescidas em meio líquido e temperatura apropriados sob agitação constante por uma noite. No dia seguinte, as células foram diluídas para uma D.O.600nm 0,1 e submetidas a três situações diferentes: estresse por etanol (meio de cultura YEPD contendo 10% de etanol, pH 4,5 e temperatura de 30ºC), estresse por etanol, pH e temperatura (meio de cultura YEPD contendo 10% de etanol, pH 2,0 e temperatura de 37ºC) e controle (meio de cultura YEPD sem etanol, com pH 4,5 e temperatura de 30ºC), durante 2 horas. Em seguida, alíquotas das culturas foram coletadas por centrifugação a 3.000 xg por 5 minutos a temperatura de 4°C para extração de RNA total. A extração de RNA para o ensaio de PCR em Tempo Real, foi feito com RNeasy Mini Kit (QIAGEN). Para isso, os pellets celulares foram ressuspensos em 4 mL de tampão de lise e incubados por 30 minutos à temperatura de 30ºC sob leve agitação. Os tubos foram centrifugadas por 5 minutos a 3.000 xg e o sobrenadante removido cuidadosamente com o pipetador. Foram adicionados 350 L de tampão RLT (kit) e agitados vigorosamente em vórtex. Procedeu-se a nova centrifugação por 2 minutos e o sobrenadante foi recolhido. Depois de adicionar 350 μL de solução de etanol a 70% (v/v), as amostras foram transferidas para coluna de purificação e centrifugadas por 15 segundos a 10.000 xg para posterior descarte do flow-throw. Foram adicionados 700 μL do tampão RW1 (kit) e novamente as amostras foram centrifugadas por 15 segundos a 10.000 xg e o flow-throw descartado. Em seguida, foram adicionados 500 μL do tampão RPE (kit) e centrifugados por 2 minutos a 10.000 xg e o 49 flow-throw descartado. Para finalizar, as colunas foram colocadas em um microtubo novo e foram adicionados 30 μL de água tratada com DEPC (200 mL água Mili-Q estéril, 200 mL DEPC) na membrana e centrifugadas por 1 minuto a 10.000 xg. Os RNAs extraídos das amostras foram quantificados através da leitura em espectrofotômetro nos comprimentos de onda 260/280 nm. O grau de pureza da amostra foi verificado através da relação entre 260 e 280 nm, sendo considerada uma boa extração aquela que apresentou valores de razão entre 1,6 e 1,9. Em seguida, os RNAs foram submetidos à eletroforese em gel de agarose 1% contendo formaldeído 2,2 M e NBC 1x. Para a aplicação no gel, as amostras de RNA foram desnaturadas a 65ºC por 10 minutos e adicionadas a um tubo contendo tampão de amostra para RNA (MOPS 20 mM pH 7.0; EDTA 0,1 M) e brometo de etídio. Após 3 horas de corrida a 70 V, o gel foi fotografado sob luz ultravioleta para posterior análise. Após constatação da qualidade e pureza do RNA foi realizado o tratamento do RNA total com rDNase para evitar possíveis contaminações. Para cada 1 μg de RNA total adicionou-se 1 unidade de rDNase I (DNAse recombinante bovina Usb, USA), 1 μL de tampão 10x rDNase e água DEPC q.s.p. Para 9 μL e a reação foi incubada a temperatura ambiente por 15 minutos. Após o tempo de incubação, foi adicionado 1 μL da solução de inativação da enzima para cada 1 μg de RNA total e incubou-se por 10 minutos a 65ºC. Para avaliar a qualidade do RNA após tratamento com DNase I, 1 μg de RNA tratado foi submetido a eletroforese em gel de agarose 1%. As amostras foram consideradas adequadas quando as bandas de 28S e 18S se mostraram íntegras e nenhum traço de DNA genômico foi detectado. 3.2.7.2. Síntese de cDNA através da Transcrição Reversa A transcrição reversa do RNA em cDNA foi realizada com 5 μg de RNA utilizando- se a enzima transcriptase reversa Super-script IITM Reverse Transcriptase (Invitrogen, Carlsbad, CA, USA). Para este protocolo foi adicionado ao RNA 5 μL de oligodT (500 μg/mL), 2 μL de dNTP (10 mM de dATP, dCTP, dGTP e dTTP), 5 μL de tampão de transcrição 5x e por último 3 μL da enzima transcriptase reversa. 50 A transcrição foi realizada em triplicata e para todas as amostras foi realizado um controle negativo, onde foi adicionado 3 μL de água DEPC no lugar da enzima transcriptase reversa. As amostras foram então colocadas em termociclador (MJ Research, Inc. Watertown, MA, USA) a temperatura de 25ºC por 10 minutos, seguidos de 37ºC por 120 minutos e 85ºC durante 5 minutos. Ao final da transcrição o cDNA foi mantido a temperatura de - 20ºC. 3.2.7.3. Desenho e padronização dos primers e reação de PCR em tempo real Os primers utilizados nas reações de PCR quantitativo em tempo real (qRT-PCR) foram desenhados, sintetizados e padronizados quanto a sua concentração de uso e verificados quanto a sua especifidade e eficiência, como mostrado no esquema abaixo: Desenho dos primers Sequências Forward (F) e Reverse (R) Concentração de uso Síntese dos primers Oligonucleotídeos Especificidade (Invitrogen) Eficiência Ensaios de PCR quantitativo em tempo real (qRT-PCR) Todas as etapas citadas acima, que antecedem os ensaios de qRT-PCR são necessárias e foram cuidadosamente seguidas, garantindo a qualidade dos resultados. 51 Os primers foram desenhados com auxílio do programa Primer Express 2.0 (Applied Biosystem, Foster City, CA, USA) para todos os genes selecionados, ou seja, para os genes alvos e para os genes escolhidos como controles endógenos. Os tamanhos variaram de 19 a 21 pares de bases (pb), TM de 59-61ºC (Tm, do inglês “melting point”) e o conteúdo de GC de 50 a 60%. O tamanho dos produtos de amplificação gerados variou de 80 a 125 pb e seu TM de 74-80ºC. A Tabela 3 demonstra a sequência e as características dos primers utilizados neste ensaio. Tabela 3. Descrição dos genes estudados, sequência dos primers utilizados e características do produto de amplificação. Gene Oligonucleotídeo (Sequências 5' �� 3') Tam. Ampl Tm. Ampl Concentração inicial do primer APJ1 F: TGCTACCCCCTCTTCTAATGG R: ACAGATTGTTCACGCCACTG 107 pb 76ºC 100 μM FPS1 F: GACTGCTTTCCCGATTCAAG R: GGCGGACCGTTATCTTTATG 81 pb 74ºC 100 μM MKT1 F: GAGGCTGGACACAATGGAAC R: TGGCTCTTGGGGTTGAATAG 80 pb 75ºC 100 μM SWS2 F: GTTAGGGGCCAGCATACAAG R: GACCAAAGGGACGGATTATG 119 pb 76ºC 100 μM HSP12 F: CGCAGGTAGAAAAGGATTCG R: GAACCTTACCAGCGACCTTG 125 pb 80ºC 100 μM ACT1 F: ATTGAGAGTTGCCCCAGAAG R: GAAGGCTGGAACGTTGAAAG 118 pb 76ºC 100 μM GCN4 F: GCGTTCGATTCCACTTTCTC R: GCGGCTTCAGTGTTTCTAGC 81 pb 75ºC 100 μM PGK1 F: TCCCATTGGACGGTAAGAAG R: CGTATCTTGGGTGGTGTTCC 93 pb 77ºC 100 μM *Tam. Ampl.: tamanho do produto de amplificação em pares de base; Tm. Ampl.: temperatura do produto amplificado em ºC; Posteriormente, foram realizadas as reações de otimização, para escolher a melhor concentração de oligonucleotídeo iniciador a utilizar na análise de cada gene alvo e controle endógeno (concentração mínima de oligonucleotídeos iniciadores possível, sem que haja alteração na eficiência de amplificação). As concentrações testadas foram 0,25 μM, 0,40 μM, 0,50 μM e 0,70 μM. O sistema de detecção utilizado foi o sistema SYBRTM 52 Green, baseado no fluorocromo SYBR, fazendo uso do kit Power SYBR Green PCR Master Mix (Applied Biosystems). As reações de otimização foram realizadas em equipamento para PCR em tempo real ABI Prism® 7500 (Applied Biosystem), em triplicatas para cada gene contendo 20 ng de cDNA, 10 μL de Master Mix SYBRTM Green (Applied Biosystem) e os oligonucleotídeos iniciadores, cujas concentrações variaram como descrito acima. As condições das reações foram 10 minutos a 95ºC, 40 ciclos de 15 segundos a 95ºC e 1 minuto a 60ºC para extensão. Ao final, acrescentou-se um passo de dissociação que compreende duas etapas de 15 segundos 95ºC, intercaladas por uma etapa de 30 segundos a 60ºC. A curva de dissociação tem como objetivo a verificação de ocorrência de primer dimer, produtos inespecíficos e de contaminações. Em seguida, foi iniciada a etapa de validação com a finalidade de analisar se a eficiência de amplificação dos oligonucleotídeos iniciadores é a mesma (90% - 110%) para as diferentes concentrações de amostra. Para tanto, foram realizadas diluições seriadas de cDNA: 100 ng/μL, 10 ng/μL, 1 ng/μL, 0,1 ng/μL e 0,01 ng/μL. Essa etapa foi realizada para cada gene utilizando a concentração de iniciadores otimizada anter