RESSALVA Atendendo solicitação do(a) autor(a), o texto completo desta dissertação será disponibilizado somente a partir de 28/03/2020. unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP SIRLENE SALES MACIEL ALEGORIA E CARNAVALIZAÇÃO EM O SANTEIRO DO MANGUE, DE OSWALD DE ANDRADE ARARAQUARA – S.P. 2018 SIRLENE SALES MACIEL ALEGORIA E CARNAVALIZAÇÃO EM O SANTEIRO DO MANGUE, DE OSWALD DE ANDRADE Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras - Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Estudos Literários. Linha de pesquisa: Teoria e Crítica do Drama Orientador: Prof. Dr. Paulo César Andrade da Silva Orientanda: Sirlene Sales Maciel Bolsa: Centro Paula Souza ARARAQUARA - SP 2018 Ficha catalográfica elaborada pelo sistema automatizado com os dados fornecidos pelo(a) autor(a). MACIEL, SIRLENE SALES ALEGORIA E CARNAVALIZAÇÃO EM O SANTEIRO DO MANGUE DE OSWALD DE ANDRADE / SIRLENE SALES MACIEL — 2018 96 f. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) — Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Faculdade de Ciências e Letras (Campus Araraquara) Orientador: PAULO CESAR ANDRADE DA SILVA 1. SANTEIRO DO MANGUE. 2. ALEGORIA. 3. CARNAVALIZAÇÃO. 4. ANTROPOFAGIA. 5. DRAMA ÉPICO. I. Título. SIRLENE SALES MACIEL ALEGORIA E CARNAVALIZAÇÃO EM O SANTEIRO DO MANGUE, DE OSWALD DE ANDRADE Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Ciências e Letras - UNESP/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Estudos Literários. Linha de pesquisa: Teoria e Crítica do Drama Orientador: Prof. Dr. Paulo César Andrade da Silva Orientanda: Sirlene Sales Maciel Bolsa: Centro Paula Souza Data da defesa: 28/09/2018 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientador: Prof. Dr. Paulo César Andrade da Silva Universidade Estadual Paulista - FCLAr Membro Titular: Profa. Dra. Elizabete Sanches Rocha Universidade Estadual Paulista - FCLAr Membro Titular: Prof. Dr. Valteir Benedito Vaz Fatec Itaquaquecetuba Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara Aos meus colegas de trabalho do Centro Paula Souza, pela conquista coletiva que me permitiu cursar a pós-graduação em uma instituição pública. AGRADECIMENTOS Aos professores do curso de Pós-Graduação em Estudos Literários da FCLAr pelas aulas e orientações que contribuíram com o texto. Aos meus pais, símbolos de amor e carinho, que sempre me incentivaram a seguir adiante. Ao meu orientador, Paulo Andrade, pela generosidade e compreensão, que me fortaleceram mesmo nos momentos mais difíceis e possibilitaram a realização da pesquisa. A querida amiga, Márcia Alves, pelas conversas e apoio durante a elaboração do trabalho. A João, meu companheiro em todos os momentos. Alerta Lá vem o lança-chamas Pega a garrafa de gasolina Atira Eles querem matar todo amor Corromper o polo Estancar a sede que eu tenho d’outro ser Vem de flanco, de lado Por cima, por trás Atira Atira Resiste Defende De pé De pé De pé O futuro será de toda humanidade Oswald de Andrade (2012, p.71) RESUMO O presente estudo tem como objetivo analisar a alegoria e a carnavalização no drama épico O santeiro do Mangue: mistério gozoso em forma de Ópera (2012), assim como a multiplicidade de vozes que, por meio de contradições, saltos e fragmentos, subvertem os ensinamentos didático-pedagógicos cristãos que estão inseridos na formação da sociedade brasileira desde o início da catequese. O autor pretende um teatro de massas, em que a carnavalização e a alegoria convivem em duplicidade, ou de forma dialética, como instrumentos de revelação do pensamento autoral. Se por um lado temos o clima de festa e o riso ambivalente trazendo cenas carnavalizantes, temos, por outro, a revelação melancólica que traz os ecos da modernidade para a obra. Tanto uma quanto a outra são estratégias discursivas que inserem o texto no contexto de sua produção. O messianismo, tão criticado por Oswald de Andrade em sua tese A crise da filosofia Messiânica, está também presente na obra, pois, de uma forma dialética e contraditória, as vozes dos subalternos esperam por uma salvação, porém ela não vem dos céus, mas do mundo concreto, vem do aspecto político. Por meio da busca utópica do Matriarcado de Pindorama a antropofagia deglute a velha sociedade em termos estéticos e políticos. Desse modo, podemos pensar que não existe a ruptura com todos os messianismos, mas apenas a substituição de um por outro, ou, como na tese do autor: o messianismo religioso pelo messianismo político, que seriam as duas faces da mesma moeda. Em outros termos, podemos afirmar que o engajamento estético está vinculado a um engajamento político, sobretudo pelo uso dos recursos épicos, como a técnica do distanciamento, a falta de linearidade, os títulos nas cenas que funcionam como cartazes, o tom de ópera, com inserções do coro, a presença de um narrador. Tudo isso leva a uma ruptura com a ilusão do palco e propõe elementos reflexivos nos moldes do teatro brechtiano. O autor movimenta múltiplas vozes no drama épico e apresenta uma saída de classes, ao mesmo tempo em que há um choque com sua ironia e com seu pensamento filosófico, orientando a reflexão dos leitores/espectadores de forma não autoritária e extremamente contraditória. Palavras-chave: Santeiro do Mangue. Alegoria. Carnavalização. Antropofagia. Drama épico. ABSTRACT The present study aims to analyze the allegory and the process of turning human actions into a ‘carnival’ in the epic drama O santeiro do Mangue: a luxurious mystery novel structured as an opera (2012) with multiple voices, that by means of contradictions, jumps and fragments, subverts the Christian didactic-pedagogical practices that constitute the values of Brazilian society since catechism. The author intends to create a popular theater where carnival and allegory coexist in duplicity, or dialectically in the work as instruments of authorial thoughts revelations and if on the one hand we have the atmosphere of partying and ambivalent laughter bringing carnival scenes, on the other hand we face the melancholic revelation that brings the echoes of modernity to the work. Both are discursive strategies that insert the text into the context of its production. Messianic believes, so criticized by Oswald de Andrade in his thesis ‘A crise da filosofia Messiânica’ (The Crisis of Messianic Philosophy), are also present in the work, as in a dialectical and contradictory way the subalterns voices hope for salvation, does not come from heaven but from concrete world, the political side. Through the search of the utopian ‘Matriarcado de Pindorama’ anthropophagy swallows the old society in aesthetic and political terms. Thus, one could think there is no rupture with all messianic believes, but only the substitution of one for another, or as in the author's thesis: messianic religion for messianic politics both sides of the same coin. That is to say, the aesthetic engagement is linked to political one, especially by the use of epic resources, such as the detachment technique, the lack of linearity, scenes titles functioning as posters, operatic tone, the choir insertions, the narrator’s presence, all of those aspects lead to a disruption to the stage illusion and propose reflective elements in Brecht’s theater molds. The author moves multiple voices in the epic drama and presents a departure from classes, at the same time as those clash with his irony and his philosophical thoughts, directing the readers’/spectators’ reflection to a non-authoritarian and extremely contradictory way. Keywords: Santeiro do Mangue. Allegory. Carnival. Anthropophagy. Epic drama. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10 1 ENTRE VERSOS, DRAMAS, VERSÕES E UTOPIAS ....................................... 14 1.1 Antropofagia: O estético e o político ............................................................. 22 1.2 Paródia e intertextualidade ............................................................................... 33 2 CARNAVALIZAÇÃO E ALEGORIA ................................................................... 48 2.1 O clima de festa no Mangue ........................................................................... 49 2.2 Alegoria das ruínas do capitalismo ............................................................... 63 3 RECURSOS ÉPICOS ........................................................................................ 74 3.1 Em cena: O Santeiro do Mangue .................................................................... 76 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 91 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 94 10 INTRODUÇÃO Irreverente e polêmico, Oswald de Andrade teve em vida momentos de altos e baixos como autor e pensador da literatura brasileira. Foi poeta, dramaturgo, pensador, crítico, ensaísta e jornalista. Também é relevante pensar o autor como o precursor do Modernismo no país, o homem que trouxe as ideias das vanguardas europeias e as colocou em movimento. Mas não é somente desse período de consagração que o presente trabalho pretende tratar, mas também da produção oswaldiana em seu período de ostracismo. O santeiro do Mangue: mistério gozoso em forma de Ópera (2012) é uma obra que por si só já tem uma história, pois o drama épico foi escrito entre 1936 e 1950, sendo influenciada pelas mudanças na vida do escritor. A intenção de analisar a obra deve-se a dois aspectos: 1) existirem poucos trabalhos de pesquisas acadêmicas sobre ele; 2) a importância de localizar a obra entre a produção do autor, uma vez que a peça é ainda desconhecida do público leitor. O presente estudo teve como objetivo analisar a alegoria e a carnavalização, que, junto com a antropofagia e os recursos épicos, localizam a obra entre as produções teatrais do autor. Além disso, pretende-se refletir sobre como a obra, por meio desses recursos, revela um mistério ao avesso dos mistérios gozosos cristãos, aspectos da obra do autor reveladores de seus ideais políticos e filosóficos. A obra, possivelmente foi escrita para a apresentação no palco, pois há inúmeras semelhanças com a temática e recursos utilizados em sua produção teatral. No entanto, o hibridismo de gêneros possibilita várias análises, tanto no campo da poesia quanto na dramaturgia. Até o presente momento O santeiro do Mangue foi catalogado como parte da produção poética do escritor. No presente estudo propomos um outro olhar, isto é, uma análise que insere a obra no drama épico, principalmente pelos recursos estéticos epicizantes e pelos elementos propagandistas. É sabido que Oswald de Andrade nunca deixou de contemplar em suas obras a antropofagia, no entanto,a biógrafa do autor, Maria Augusta Fonseca (2008), apresenta essa ideia proferida por Oswald de abandonar a antropofagia, quando conhece o líder Luís Carlos Prestes, junto com Patrícia Galvão, a “Pagu”, sua esposa e companheira de militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB). Porém, em seus 11 estudos Nunes (2011) afirma que isso jamais ocorreu, e é possível perceber em suas produções, inclusive entre aqueles que ele renega a antropofagia. A ideia de abandono da antropofagia se insere naquestão conjuntural ,já que o autor viveu em um período conturbado para a humanidade, a Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945. Hitler e o nazismo, assim como o stalinismo na Ex-URSS são circunstâncias que abalam as estruturas no mundo inteiro, e no Brasil não é diferente. Apesar do distanciamento geográfico dos países em guerra e de não ter diretamente sofrido consequências em seu território, essas ideologias estão presentes no país devido ao governo ditatorial de Getúlio Vargas (o Estado-novo), à influência do principal líder comunista brasileiro do período, Luís Carlos Prestes, preso durante a ditadura Vargas, ao crescimento do polo socialista/comunista, à perseguição dos militantes e ao período de clandestinidade do Partido Comunista Brasileiro. Tais questões fizeram com que o autor se engajasse politicamente, assim como boa parte da geração de escritores da década 30, por isso a obra em foco estará inserida na busca de saída para a sociedade de classes, em termos do marxismo, porém é perceptível que os elementos estéticos da primeira fase do modernismo, como o tom cômico, o uso da paródia, a carnavalização e a ironia não foram abandonados pelo autor, o que distancia o autor das produções dos autores da segunda fase do modernismo, pois mesmo dizendo o contrário, o autor une a estética e a política, O santeiro do Mangue é um exemplo dessa tentativa oswaldiana. A obra aborda a história de Eduleia, enviada para o Mangue por Jesus das Comidas, uma paródia de Jesus Cristo. A personagem Eduleia tem uma missão: prostituir-se, mas, ao encontrar Seu Olavo, o vendedor de santos, eles se apaixonam. A esposa dele, Deolinda, está grávida, mesmo assim ele se une à prostituta e passa a explorá-la financeiramente, comercializando as atividades sexuais da moça. Desse modo, Eduleia entrega todo o dinheiro que recebe nos programas para pagar o leite da criança de Deolinda. Seu Olavo pede para Jesus das Comidas deixar Eduleia só para ele, pois sente ciúmes da mulher, mas não é permitido o amor no Mangue. Após Seu Olavo espancar a prostituta, por sentir ciúmes dela, Eduleia suicida-se tomando veneno. Navá, o marinheiro e namorado da prostituta, retorna do mar, a pedido de Jesus das Comidas, e descobre que Eduleia tirou a própria vida por causa de Seu Olavo. Por essa razão, ele mata e esquarteja o vendedor e joga seu corpo no canal do Mangue. Jesus das Comidas urina sobre o Mangue e se retira. Outra mulher fica no quarto de Eduleia, marcando um recomeço para a história. Entre as cenas, o 12 estudante marxista protesta, demonstrando que o Mangue é o retrato da hipocrisia burguesa. Não há salvação divina. O drama épico se encerra com o longo poema “Oração do Mangue/Anda depressa Timoschenko”, em que se clama por Luís Carlos Prestes e pede-se para o Exército Vermelho ajudar o Mangue. No primeiro capítulo será apresentada a história das versões e os caminhos percorridos pelo autor na composição da obra. É importante salientar que no começo da pesquisa foi realizada uma visita ao espólio do autor no Centro de Documentação Cultural “Alexandre Eulálio” (CEDAE), no Instituto de Estudos de Linguagem da Unicamp, o que possibilitou o acesso às diversas versões e manuscritos da obra. A versão que utilizamos para este estudo foi publicada em 1991, isto é, 37 anos após a morte de Oswald de Andrade. Além disso, será apresentado um estudo sobre paródia e antropofagia e as relações entre estética e ideologia na primeira e na segunda fase do Modernismo brasileiro. No segundo capítulo, analisaremos a presença da carnavalização e da alegoria na obra em foco. A carnavalização, nos termos de Bakthin(2013a), remete à ideia de festa popular com a intenção de desnudar o mundo não-oficial e lança mão do clima de festa, estabelecendo um caráter universal, uma ideia utópica e uma concepção profunda de mundo. Essas questões aparecem no texto, marcando uma dualidade de projetos entre a utopia oswaldiana e a sociedade capitalista. Por meio do riso ambivalente, o leitor/espectador é levado a um processo de reflexão. A alegoria, por sua vez, utilizada como instrumento de desconstrução do velho mundo (capitalista) e do messianismo religioso, traz à tona as ruínas desses pensamentos, revelando a intenção de reforçar a posição ideológica do autor. Esse recurso revela também um lado melancólico, nos termos de Benjamin (2013a), relacionando a obra aos aspectos da modernidade. Portanto, em O santeiro do Mangue o capitalismo e o Matriarcado de Pindorama convivem e se chocam na praça pública do bairro do Mangue. A visão alegórica baseada na relação de alteridade, que converge para os ideais antropofágicos, proporciona um encontro dialético e contraditório que possibilita, por meio do choque, compreender os conflitos da luta de classe, evitando desembocar no pessimismo, que seria o avesso do ideal utópico. No terceiro capítulo, serão apresentados alguns dos conceitos do teatro épico e a influência de Bertolt Brecht na construção dessa forma de peça. Em seguida, o texto oswaldiano será analisado a partir de recursos como a técnica de 90 do público em relação ao espaço, que não se assemelha a um lugar real, porque não foi construído assim pelo autor. É um espaço em aberto que, junto com a carnavalização das personagens, rompe com ilusão do espetáculo. 91 CONSIDERAÇÕES FINAIS Oswald de Andrade cumpriu um papel fundamental como precursor da estética, na primeira fase do Modernismo brasileiro. A ruptura vanguardista, que foi influenciada pelas vanguardas europeias, encontrou no Brasil um resgate da identidade cultural do povo brasileiro e de uma estética composta por fragmentos, uso da paródia, linguagem coloquial, crítica ao passado, o verso livre, a preferência pelos substantivos e verbos, o bom humor, a blague e a ironia corrosiva. Esses elementos estão presentes em O santeiro do Mangue, obra em que o caráter híbrido dos gêneros se une à contestação política ideológica. Portanto, essa forma adotada pelo autor revela a ligação com a primeira fase modernista, acoplando-a aos aspectos ideológicos da segunda fase do Modernismo. Nesse sentido é possível supor que a principal tentativa de Oswald de Andrade fosse propor uma ruptura das formas e de todas as ideologias da classe dominante para que nesse processo pudesse construir uma nova proposta político-ideológica e estética. Necessariamente o autor conseguiu revolucionar a estética e, ao apresentar os elementos políticos para a reflexão na obra em questão, rompeu com a ideia consagrada na segunda fase do Modernismo de que era preciso o engajamento político dos autores e das obras e a recusa aos recursos estéticos utilizados na primeira fase. O santeiro do Mangue foi uma tentativa de unir distintos projetos, pois possui centralidade em relação à denúncia do capitalismo e de aspectos alienantes da religião, além de defender a utopia do Matriarcado como saída para a humanidade e, consequentemente, para o fim do messianismo político e religioso. O marxismo e a antropofagia se encontram na obra, pois, além dos procedimentos antropofágicos de deglutição textual, temos a saída política com o Matriarcado de Pindorama, que emerge nas entrelinhas do texto. No entanto, no final, a voz lírico-narrativa faz um chamado aos líderes do Partido Comunista Russo e do Exército Vermelho para que venham salvar o Mangue e a humanidade. Essa contradição revela em primeiro lugar que a obra, construída aos poucos e por um longo período, foi influenciada pelas mudanças no pensamento autoral, que vai desde o marxismo, passa pela antropofagia, proudhonismo e termina em suas teses filosóficas. Acreditamos também 92 que as possibilidades políticas, filosóficas e estéticas estão presentes em forma de alegoria na obra, que coloca em choque os gêneros textuais, as ideologias e todos os tipos de messianismos, apresentando ao leitor as ruínas do mundo capitalista e a esperança na transformação. A alegoria e a carnavalização combinadas com os recursos épicos demonstram que há um choque de vozes em movimento, que são as vozes dessa sociedade que deve ser desmistificada para ser destruída. A obra traz a carnavalização e a alegoria para o palco com um fim didático- pedagógico, que se une à visão filosófica do autor. Como dissemos, Oswald pretende um teatro de massas, em que carnavalização alegoria convivem em duplicidade, ou de forma dialética, como instrumentos de revelação e propaganda do pensamento autoral. Se, por um lado temos o clima de festa e o riso ambivalente trazendo cenas carnavalizantes em que a alegria toma conta do drama épico, temos, por outro, a revelação melancólica que traz os ecos da modernidade para a obra. Tanto uma quanto a outra são estratégias discursivas que inserem o texto no contexto de sua produção. O messianismo, tão criticado pelo autor, está também presente na obra, pois de uma forma dialética e contraditória a voz lírico-narrativa espera por uma salvação, porém ela não vem dos céus, mas do mundo político. Desse modo, podemos pensar que não existe a ruptura com todos os messianismos, mas apenas a substituição de um por outro, ou, na tese de Oswald de Andrade: o messianismo religioso pelo messianismo político, que seriam as duas faces da mesma moeda. Em outros termos, podemos afirmar que o engajamento estético está vinculado a um engajamento político, mas talvez não seja a intenção oswaldiana pôr fim a esses problemas ou propor uma saída política. Essas são questões deixadas pelo autor para a reflexão, e principalmente nos parece irônico que, após a ruptura com o Partido Comunista, o autor tenha deixado na obra o clamor a Luís Carlos Prestes. É interessante notar que em 1996, na região portuária próxima ao antigo Mangue, especificamente na Gamboa, foi encontrado um cemitério dos escravos, construído em 1769. De acordo com o site do Memorial dos Pretos Novos, o espaço é pequeno para o enorme sítio arqueológico de esqueletos que lá se encontra. O Cemitério dos Pretos Novos, como é chamado, revela uma parte da história de abandono e de violência do país em relação aos negros e aos povos originários. Mulheres, crianças e homens de diversas etnias foram ali enterrados e esquecidos, 93 no entanto a história reaparece e resiste ao esquecimento e talvez essa seja a grande questão presente na obra oswaldiana: um olhar profundo para as relações sociais de sua época, que resvala no passado e no presente. Nesse sentido, O santeiro do Mangue é uma obra atual esteticamente, tanto pelo hibridismo de gêneros quanto por sua temática, uma vez que a problemática que envolve a personagem Eduleia, como o papel da mulher na sociedade, a precarização da vida dos subalternos e a prostituição são questões recorrentes até nossos dias. Logo, da mesma maneira que as transformações aparentes são velozes, a estrutura da desigualdade é duradoura e a obra é a evidência daquilo que até hoje perdura em nossas relações e experiências. 94 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Oswald de. A Utopia antropofágica. 4. ed. São Paulo: Globo, 2011. _____. O Rei da Vela. Rio de Janeiro: Mediafashion, 2008. _____. O santeiro do Mangue e outros poemas. 2. ed. São Paulo: Globo, 2012. _____. Rosário do Mangue: pantomina religiosa em trinta mistérios, um intermezzo e um epitáfio. São Paulo: CEDAE, 25 fev. de 1944. Manuscrito. _____. O santeiro do Mangue: mistério gozoso à moda de Ópera. São Paulo: CEDAE, 11 jun. de 1950. Manuscrito. _____. O santeiro do Mangue: poema para fonola e desenho animado. São Paulo: CEDAE, 26 dez. de 1936. Manuscrito. _____. Serafim Ponte Grande. São Paulo: Globo Livros, 2007. ARISTÓTELES. Arte poética. In: PIQUEIRA, Gustavo (Org.) A poética clássica: Aristóteles, Horácio e Longino. Trad. Jaime Bruna. 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