UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA ÁREA DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA E SEUS FUNDAMENTOS FILOSÓFICO-CIENTÍFICOS INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS RIO CLARO 2015 O PAPEL DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS EM DISCIPLINAS DE ÁLGEBRA LINEAR A DISTÂNCIA: POSSIBILIDADES, LIMITES E DESAFIOS Aparecida Santana de Souza Chiari UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro APARECIDA SANTANA DE SOUZA CHIARI O PAPEL DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS EM DISCIPLINAS DE ÁLGEBRA LINEAR A DISTÂNCIA: POSSIBILIDADES, LIMITES E DESAFIOS Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Educação Matemática. Orientador: Marcelo de Carvalho Borba Rio Claro – SP 2015 Chiari, Aparecida Santana de Souza O papel das tecnologias digitais em disciplinas de álgebra linear a distância : possibilidades, limites e desafios / Aparecida Santana de Souza Chiari. - Rio Claro, 2015 206 f. : il., figs., quadros Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Marcelo de Carvalho Borba 1. Álgebra linear. 2. Teoria enraizada. 3. Educação matemática. 4. Universidade Aberta do Brasil (UAB). 5. Licenciatura em matemática. 6. Educação a distância. I. Título. 512.5 C532p Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP APARECIDA SANTANA DE SOUZA CHIARI O PAPEL DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS EM DISCIPLINAS DE ÁLGEBRA LINEAR A DISTÂNCIA: POSSIBILIDADES, LIMITES E DESAFIOS Tese de Doutorado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutora em Educação Matemática. Comissão Examinadora Prof. Dr. Marcelo de Carvalho Borba - Orientador IGCE/UNESP/Rio Claro (SP) Prof. Dr. Henrique Lazari IGCE/UNESP/Rio Claro (SP) Prof. Dr. José Luiz Magalhães de Freitas INMA/UFMS/Campo Grande (MS) Prof. Dr. Marco Aurélio Kalinke UTFPR/Curitiba (PR) Prof(a). Dr(a). Marcus Vinicius Maltempi IGCE/UNESP/Rio Claro (SP) Rio Claro, 15 de outubro de 2015 Resultado: APROVADA. Dedico este trabalho ao meu marido, Edgar, pelo apoio incondicional em todos os meus projetos e sonhos, e também aos meus pais, Romualdo e Ivaneide, e às minhas irmãs, Natália e Angélica, por serem meu grande alicerce na vida e minha fonte de inspiração. AGRADECIMENTOS Em uma caminhada longa, como a que envolve um doutorado, sempre aparecem obstáculos e imprevistos. Nesses momentos, contar com a ajuda de pessoas próximas torna o caminhar mais tranquilo. Ao encerrar o ciclo, é preciso reconhecer o apoio dessas pessoas e agradecê-las. Assim, agradeço: Ao meu orientador Marcelo, com quem aprendi muito mais do que fazer uma pesquisa de doutorado. Obrigada pela abertura de tantas portas e pelo imenso aprendizado que me proporcionou, perpassando o âmbito acadêmico. Além da relação orientador-orientanda, acabamos desenvolvendo uma bonita amizade. Aos professores José Luiz Magalhães de Freitas, Henrique Lazari, Marco Aurélio Kalinke e Marcus Vinicius Maltempi, que aceitaram compor minha banca de avaliação. A partir de suas considerações, pude enriquecer o texto e evitar várias falhas. A todos os meus professores, que me despertaram a paixão pela docência. Em particular, a Henrique Lazari, Marcelo Borba, Marcos Teixeira e Rômulo Lins, com os quais cursei disciplinas durante o curso. Aos profissionais das quatro instituições analisadas no trabalho que se dispuseram a colaborar com entrevistas, abrindo as portas virtuais de seus cursos. Sem sua colaboração, a realização desse trabalho não seria possível. Ao grupo de pesquisa GPIMEM e ao Geraldo Lima, com os quais aprendi a importância do trabalho em grupo e colaborativo, pelas oportunidades de troca e reflexão durante as reuniões, pela aprendizagem em ouvir o outro e pelos agradáveis momentos de descontração. Obrigada Ana Paula, Daise, Debbie, Fabian, Felipe, Fernando, Fran, Hannah, Helber, Jeannette, Rejane, Luana, Maitê, Malheiros, Maltempi, Marcelo, Marília, Mazzi, Nilton, Ricardo Mendes, Ricardo Scucuglia, Rúbia, Silvana, Sueli, Tiago, Vinícius etc, inclusive a nova geração que entrou depois que me mudei de Rio Claro! Vários de vocês se tornaram grandes amigos! Aos alunos do PPGEM, pela alegria e animação nas festas da pós e pelas discussões e acalorados debates nas reuniões discentes. À Marinéia e à Rejane, que compartilharam moradia comigo no período que residi em Rio Claro como aluna especial. A Helber-Rejane-Éder-e-Rafael, Rejane-e-Junior, Marcelo-e-Anne, Vanessa, Hannah, Luana e Nilton, pelos almoços e jantares, caronas e hospedagem amiga depois que me mudei de Rio Claro. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP, que financiaram esta pesquisa em momentos distintos. Ao projeto CAPG-BA, que me permitiu estagiar fora do Brasil durante três meses. Minha experiência na Argentina foi única e dela trago muito aprendizado e lembranças boas. Em especial, agradeço à querida Mónica Villarreal, que me orientou durante esse estágio em Córdoba, e à Leticia Losano, que me recebeu em sua casa. Aos profissionais da UFMS, que me receberam como colega de trabalho. Aos meus queridos alunos, com os quais aprendo todos os dias. Aos meus amigos de Tupi, com quem passo momentos agradáveis e, a partir deles, renovo a energia para continuar. À minha sogra Helena e à minha cunhada Edmar, que me acolheram como parte de sua família. Às minhas irmãs, Natália e Angélica, com as quais posso contar em qualquer situação, em qualquer circunstância. Vocês são fundamentais em minha vida. Agradeço também ao meu cunhado Rodolfo por integrar agora nossa família e cuidar tão bem da Natália. Aos meus pais, Romualdo e Ivaneide, que são a base de tudo que construo. Para vocês dois não tenho palavras que expressem meu agradecimento e gratidão, então digo apenas que é por vocês que sempre busco meu melhor. Ao meu amado marido Edgar. Você é meu companheiro de vida há muitos anos. Juntos tivemos lindos momentos, passamos por obstáculos e superamos dificuldades. Seu apoio incondicional foi fundamental para que eu chegasse até aqui. Nosso caminho continua, com novos sonhos e projetos. A Deus, por minha vida. AGÊNCIAS DE FOMENTO Esta pesquisa foi financiada por agências de fomento em três momentos distintos: Durante setembro de 2012 e de janeiro a março de 2013, totalizando quatro meses, a pesquisa foi financiada por bolsa Demanda Social da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES. De outubro a dezembro de 2012, durante um intercâmbio acadêmico, recebi financiamento de um projeto vinculado ao programa Centros Associados de Pós- graduação – Brasil/Argentina (CAPG-BA), da CAPES. Esse programa custeou descolamento, seguro saúde e bolsa para manutenção mensal. Ainda, de abril de 2013 a julho de 2014, a pesquisa foi financiada por bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), sob processo de número 2012/12176-3. A essas agências presto agradecimento pela oportunidade de dedicação exclusiva ao curso durante parte significativa de meu doutorado. A bolsa da FAPESP não foi mantida até o final do curso, pois em agosto de 2014 assumi um concurso público e, por essa razão, solicitei a suspensão da mesma. Tive um professor que dizia: “as luzes fortes não devem ser jogadas diretamente aos olhos, pois podem cegar. Devem ser mantidas a uma certa distância para que tenha outro fim: o de iluminar o caminho a ser percorrido”. Com certeza a tecnologia é uma dessas luzes que dependerá do professor se a utilizará para cegar ou iluminar o caminho, muitas vezes escuro, de seus alunos. (Fala de um de meus alunos) RESUMO O objetivo desta pesquisa é compreender o papel das tecnologias digitais (TD) nos processos educativos associados a disciplinas de Álgebra Linear de quatro cursos de Licenciatura em Matemática a distância vinculados à Universidade Aberta do Brasil (UAB), no contexto de seus Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA). Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Perspectivas associadas aos modos de descrição em Álgebra Linear, à noção de seres-humanos-com-mídias, à distância transacional e ao papel da interação e da colaboração na modalidade a distância fornecem sustentação teórica ao estudo e ao processo analítico. A Teoria Enraizada é utilizada para conduzir a análise de dados, que foram produzidos a partir de quatro fontes: observação em ambientes virtuais de aprendizagem, entrevistas, projetos político pedagógicos e notas da pesquisadora. Os resultados permitem inferir que há dois papéis em evidência, cada um analisado em uma das categorias, intituladas “TD como promotoras de variedade comunicacional” e “TD na construção de materiais didáticos digitais”. Da primeira categoria foram exploradas quatro propriedades: conteúdo, agentes, temporalidade e avaliação. Da segunda, três: conteúdo, natureza e recursos envolvidos. Posteriormente, as duas categorias foram integradas em uma categoria central que sugere que as TD, a internet e o uso do AVA podem transformar esse último em Material Didático Digital Interativo (MDDI) a partir do registro automático das interações. Esta transformação pode se dar via diferentes linguagens, como a textual, a audiovisual ou a multimodal. Do ponto de vista da disciplina de Álgebra Linear, notou-se um desequilíbrio em termos de abordagem dos modos de descrição (formal, algébrico e geométrico) e destacou-se a necessidade de estimular o movimento entre eles, que pode ser favorecido pelas possibilidades que se abrem com a presença das TD. O modelo construído foi utilizado para identificar padrões de uso de tecnologias nas instituições como forma de validar a análise e provocar reflexões sobre a consistência entre as práticas observadas e os objetivos institucionais. Nesse contexto a UAB se revela plural e diversa. Espera-se que o estudo dispare outras reflexões sobre os temas abordados e ações interventivas direcionadas à disciplina de Álgebra Linear e à modalidade a distância, com base nas possibilidades abertas pela presença de tecnologias digitais. Palavras-chave: Teoria Enraizada. Educação Matemática. Universidade Aberta do Brasil (UAB). Licenciatura em Matemática. Educação a Distância. ABSTRACT The objective of this research is to understand the role of digital technologies (DT) in educational processes associated with Linear Algebra in four distance teacher education in mathematics courses linked to the Open University of Brazil (UAB), in the context of its Virtual Learning Environments (VLE). It is a qualitative study. The study and the analysis are guided by theoretical perspectives related to modes of description in Linear Algebra, the notion of humans-with-media, transactional distance and the role of interaction and collaboration in distance learning. Grounded Theory is used to analyze the data, which was produced from four sources: observation in virtual learning environments, interviews, educational projects and researcher’s notes. Results show that two roles are evident (each treated as an analytic category): "DT as promoting communication range" and "DT in building digital learning materials." Four properties of the first category were explored: content, agents, temporality and evaluation. For the second category, three properties were analyzed: content, nature and resources involved. The two categories were then integrated into one central category, which suggested that DT, the internet, and the use of VLE can turn the latter into Interactive Digital Didactic Material (IDDM) through the automatic registration of interactions. This transformation can take place via different languages, such as textual, audio-visual or multimodal. With respect to the linear algebra course, an imbalance in description mode approaches (formal, algebraic, and geometric) was noted, which stressed the need to encourage movement among them. This movement can be encouraged by the possibilities introduced by DT. The model constructed was used to identify patterns of use of technologies in the institutions as a way to validate the analysis and provoke reflections about the consistency between observed practices and institutional goals. In this context, the UAB reveals itself to be a plural and diverse institution. It is hoped that the study provokes other reflections on the themes and interventional actions directed to the discipline of linear algebra and distance education based on the possibilities offered by the presence of digital technologies. Keywords: Grounded Theory. Mathematics Education. Open University of Brazil (UAB). Pre-Service Mathematics Teacher Education. Distance Education. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Wordle dessa tese .................................................................................... 22 Figura 2 – Pórtico do Panteão ................................................................................... 24 Figura 3 – Confusão entre elementos e conjuntos .................................................... 30 Figura 4 – Integração entre as fases das TD em Educação Matemática .................. 44 Figura 5 – Organização do capítulo 4 ....................................................................... 78 Figura 6 – Estrutura do Sistema UAB ....................................................................... 80 Figura 7 – Interação no fórum referente ao TP 2 .................................................... 112 Figura 8 – Videoaula realizada com apoio de cinegrafista ...................................... 113 Figura 9 – Videoaula gravada pelo próprio professor na UFMS .............................. 113 Figura 10 – Postagem de aluna utilizando fotografia .............................................. 115 Figura 11 – Teclado do aplicativo WolphramAlpha ................................................. 117 Figura 12 – Videoaula gravada em estúdio ............................................................. 118 Figura 13 – Videoaula gravada pelo próprio professor na UFU .............................. 118 Figura 14 – Webconferência gravada ..................................................................... 119 Figura 15 – Videoteca da UNEB ............................................................................. 121 Figura 16 – Trecho de vídeo da UNEB gravado e editado ...................................... 121 Figura 17 – Edição durante videoaula da UNEB ..................................................... 122 Figura 18 – Propriedade Conteúdo ......................................................................... 133 Figura 19 – Propriedade Agentes ............................................................................ 145 Figura 20 – Propriedade Temporalidade ................................................................. 146 Figura 21 – Propriedade Avaliação ......................................................................... 148 Figura 22 – Codificação axial da categoria Variedade Comunicacional .................. 148 Figura 23 – Propriedade Conteúdo ......................................................................... 155 Figura 24 – Propriedade Natureza .......................................................................... 159 Figura 25 – Propriedade Recursos Envolvidos ....................................................... 161 Figura 26 – Codificação axial da cagoria Material Didático Digital .......................... 162 Figura 27 – Esquema geral de codificação axial ..................................................... 163 Figura 28 – Atividade (papel e lápis) com os três modos de descrição ................... 166 Figura 29 – Atividade (geometria dinâmica) com os três modos de descrição........ 166 Figura 30 – Sala de Álgebra Linear montada no VMT ............................................ 168 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Modo de descrição algébrico no fórum ................................................. 126 Quadro 2 – Dúvida na própria fotografia ................................................................. 127 Quadro 3 – Modos de descrição algébrico e formal durante webconferência ......... 128 Quadro 4 – Modo de descrição geométrico no fórum ............................................. 130 Quadro 5 – Modo de descrição formal no fórum ..................................................... 132 Quadro 6 – Comunicação multidirecional na webconferência ................................. 134 Quadro 7 – Comunicação multidirecional no fórum ................................................. 136 Quadro 8 – Comunicação bidirecional no fórum da UFMG ..................................... 142 Quadro 9 – Comunicação unidirecional: tutora ....................................................... 143 Quadro 10 – Comunicação unidirecional: aluna ...................................................... 144 Quadro 11 – Modo de descrição algébrico no livro texto ........................................ 150 Quadro 12 – Modo de descrição algébrico na videoaula ........................................ 151 Quadro 13 – Modo de descrição geométrico no livro-texto ..................................... 153 Quadro 14 – Modo de descrição formal na videoaula ............................................. 153 Quadro 15 – Videoaula da UNEB ............................................................................ 156 Quadro 16 – Videoaulas da UFMS .......................................................................... 158 Quadro 17 – Videoaula da UFU .............................................................................. 158 Quadro 18 – Transformação do AVA em Material Didático Digital Interativo .......... 173 SUMÁRIO 1 PÓRTICO .............................................................................................................. 14 2 PILASTRAS .......................................................................................................... 24 2.1 Ensino e aprendizagem de Álgebra Linear ................................................... 25 2.2 Tecnologias digitais ....................................................................................... 37 2.3 EaD ................................................................................................................... 45 2.4 Relacionando os pilares ................................................................................. 57 3 A PIPA, O PÁSSARO E O AVIÃO ....................................................................... 64 3.1 Abordagem qualitativa ................................................................................... 64 3.2 Teoria Enraizada (Grounded Theory) ............................................................ 65 3.2.1 Como a construção de teoria acontece? ........................................................ 69 3.2.1.1 Codificação aberta ...................................................................................... 69 3.2.1.2 Codificação axial ........................................................................................ 72 3.2.1.3 Codificação seletiva .................................................................................... 73 3.2.2 Quando parar? ................................................................................................ 75 4 CONTEXTO DA PESQUISA: UAB, LICENCIATURAS E E-LICM@T ................. 78 4.1 UAB .................................................................................................................. 78 4.2 As Licenciaturas em Matemática da UAB e o E-licm@t .............................. 83 4.3 Universidades analisadas .............................................................................. 90 4.3.1 UFMG ............................................................................................................. 93 4.3.2 UFMS .............................................................................................................. 97 4.3.3 UFU .............................................................................................................. 100 4.3.4 UNEB ............................................................................................................ 103 4.4 Uso de softwares na pesquisa ..................................................................... 106 5 PAPÉIS DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS ........................................................... 110 5.1 Caracterizando a disciplina de Álgebra Linear nos cursos ...................... 110 5.1.1 UFMG ........................................................................................................... 111 5.1.2 UFMS ............................................................................................................ 112 5.1.3 UFU .............................................................................................................. 117 5.1.4 UNEB ............................................................................................................ 120 5.2 Codificação aberta: identificando categorias de análise .......................... 122 5.3 Codificação axial: desenvolvendo propriedades e dimensões ................ 124 5.3.1 Variedade comunicacional ............................................................................ 124 5.3.1.1 Conteúdo .................................................................................................. 125 5.3.1.2 Agentes .................................................................................................... 133 5.3.1.3 Temporalidade .......................................................................................... 145 5.3.1.4 Avaliação .................................................................................................. 146 5.3.2 Material didático digital ................................................................................. 149 5.3.2.1 Conteúdo .................................................................................................. 149 5.3.2.2 Natureza ................................................................................................... 155 5.3.2.3 Recursos envolvidos ................................................................................ 159 5.4 Codificação seletiva: em busca de uma categoria central ........................ 164 5.4.1 O desequilíbrio entre os modos de descrição: implicações envolvendo a temporalidade .......................................................................................................... 165 5.4.2 Comunicação síncrona e assíncrona e a relação com a simbologia matemática .............................................................................................................. 171 5.4.3 Material Didático Digital Interativo (MDDI) .................................................... 173 5.5 Identificando padrões de uso de tecnologias digitais ............................... 178 5.5.1 UFMG ........................................................................................................... 179 5.5.2 UFMS ............................................................................................................ 181 5.5.3 UFU .............................................................................................................. 182 5.5.4 UNEB ............................................................................................................ 183 5.5.5 Aspectos comuns das quatro instituições ..................................................... 184 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 188 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 196 APÊNDICE A – Resumo CAPES (200 palavras) .................................................. 206 14 1 PÓRTICO (Aluno de licenciatura): Eu não quero ser professor, professora. Pelo menos não do ensino médio. Eu: Por quê? Aluno: Porque professor de ensino médio mente muito para o aluno. Eu: Como assim? Você pode explicar com mais detalhes? Aluno: Ah, professor de ensino médio não pode contar toda a verdade para o aluno porque se ele tiver uma dúvida que dependa de mais conhecimento para entender, eu não vou ter como explicar a teoria por completo para o aluno porque ele é um aluno de ensino médio. Mesmo que eu explicasse, ele não iria entender. E por essa razão às vezes o aluno de ensino médio aprende coisas que não são verdade. Quando eles entrarem na faculdade, vão ver que não é verdade. Por isso que eu acho que professor de ensino médio mente muito para os alunos, mas eu não sei se “mentir” é a palavra certa para expressar o que eu estou querendo dizer. [...] Tem aulas na faculdade que me traumatizaram. Digo que tive trauma pela forma como os professores conduziam as aulas, falando uma vez só e achando que a gente era obrigado a entender de primeira. Quando a gente perguntava, ficava nervoso dizendo que já tinha dito. Despejava a matéria na lousa e a gente que tinha que se virar. [...] Vamos pensar em outra profissão, por exemplo, a do médico. Vamos supor que um médico, ao longo de toda a sua carreira, mate umas oito pessoas, por erro médico mesmo, sem intenção. Quantas pessoas a senhora acha que um professor mata durante a sua carreira? Eu não quero fazer isso. Eu não sei se fui capaz, com esse breve relato, de transmitir ao leitor a profundidade que percebi da reflexão desse aluno após realizar uma de minhas provas (desde agosto de 2014 sou professora universitária e esse aluno cursou uma das disciplinas que ministrei no meu primeiro semestre de trabalho na universidade). Antes da aplicação da prova, eu fiz uma fala com um breve resumo das iniciativas que fiz ao longo do semestre no sentido de me aproximar mais dos estudantes, de suas dificuldades e das estratégias que utilizei para que os problemas que havia diagnosticado em relação à aprendizagem da turma fossem parcialmente superados. Algumas dessas iniciativas envolviam o uso de recursos tecnológicos. Pedi que houvesse um retorno da parte deles, que fizessem uma reflexão como a minha para que eu pudesse perceber aspectos de minha prática na visão deles e que eu pudesse também continuar pensando em estratégias para minimizar os problemas enfrentados pelos alunos nas aulas de Matemática e potencializar os momentos de estudo e de aprendizagem. 15 Eu disse que eles poderiam fazer tal avaliação por qualquer um dos meios de comunicação que eu havia criado ao longo da disciplina e que essa avaliação era opcional. Esse foi o único aluno que não quis fazer o relato por escrito e pediu para conversar comigo tão logo a prova terminou. Na ocasião, expliquei a ele por que para mim seria importante o registro escrito de suas reflexões, mas o deixei livre para fazer o relato apenas oralmente. Durante nossa conversa, ele contou parte de seu histórico de vida que o levou a praticamente detestar qualquer recurso tecnológico, utilizado com fins pedagógicos ou não. Esse aluno não tem rede social, não gosta de ver e-mail (aliás, só criou um por necessidades que apareceram após seu ingresso na universidade) e confidenciou que boa parte desse sentimento em relação ao uso de tecnologias havia sido “herdada” de um de seus professores da educação básica, que argumentava veementemente em relação a como as tecnologias e a internet atrapalhavam o sucesso das pessoas e que pessoas compromissadas com o estudo deveriam abandonar esse tipo de “coisa”. Esse relato me fez pensar muito, como pessoa, como professora e como pesquisadora, refletindo sobre aspectos disparados pela reflexão desse aluno que tangenciavam os temas dessa tese. Por ter provocado tantas reflexões em mim, quis iniciar a redação do trabalho com ele, mas quando reproduzi uma parte da fala desse aluno no início dessa seção, eu não conseguia escrever uma transição entre a fala dele e o tema do meu trabalho. Essa transição ficou como lacuna no texto durante várias semanas. Tal transição só me ocorreu quando recebi um relato por escrito desse aluno em relação às práticas que eu, enquanto professora, havia realizado com sua turma ao longo do semestre, particularmente em relação ao uso de tecnologias digitais. Algumas semanas depois do término das aulas ele enviou por escrito algumas observações. Seguem alguns trechos de seu relato: No início achei um absurdo a ideia de dar aula de matemática no slide ou em qualquer tipo de mídia que não fosse o quadro negro1, pois tive experiências não muito agradáveis com o ensino através de tais mídias. Os professores utilizavam para dar uma quantidade máxima de aulas, mas não se preocupavam em ter qualidade de aula. A depender de como o professor utiliza esse tipo de tecnologia [...] e pensando em ensinar realmente o aluno, [ela] é uma ótima ferramenta para auxiliar não só o professor, mas também o aluno e 1 Nas aulas dessa turma foi utilizado GeoGebra, Winplot, Facebook e vídeos produzidos por mim. 16 mostrar gráficos em situações que sem a tecnologia seria difícil visualizar. Tive um professor que dizia: “as luzes fortes não devem ser jogadas diretamente aos olhos, pois podem cegar. Devem ser mantidas a uma certa distância para que tenha outro fim: o de iluminar o caminho a ser percorrido”. Com certeza a tecnologia é uma dessas luzes que dependerá do professor se a utilizará para cegar ou iluminar o caminho, muitas vezes escuro, de seus alunos. Avaliando a sua forma de ensinar com a tecnologia, é uma professora que não nos cega e sim aponta o caminho e ilumina. O mesmo aluno, em outros momentos de sua avaliação sobre minha prática, aponta elementos os quais preciso melhorar e que não lhe agradaram por completo, como a avaliação, por exemplo, que em sua opinião não foi tão desafiadora, o que mostra seu compromisso em fazer uma crítica construtiva ao meu trabalho e não apenas escrever coisas “que eu gostaria de ouvir ou ler”. No entanto, sua visão sobre o uso de tecnologias na disciplina me chamou atenção, em particular pelo histórico que esse aluno tem com mídias digitais. Esta é a transição que eu buscava: o aluno destaca o papel das tecnologias no curso, em sua visão, e esse também é meu objetivo nesse trabalho, embora o contexto seja outro. Apresentarei detalhes sobre isso, mas antes gostaria de destacar que o tipo de uso de tecnologia feito na disciplina e do qual o aluno gostou não é mérito meu e fruto apenas de minha iniciativa, mas sim o resultado de estudos e práticas que acompanhei nos últimos anos, em particular junto ao grupo de pesquisa2 do qual faço parte, que busca alternativas para se ensinar Matemática utilizando recursos digitais há mais de vinte anos. O que fiz foi adaptar alguns usos que observei à realidade que encontrei na universidade, considerando também as possibilidades e limitações que me cercavam no momento. Durante um intercâmbio acadêmico que realizei em Córdoba, Argentina, no final de 2012, tive a oportunidade de fazer um curso com uma importante pesquisadora daquele país na área de Antropologia, Elena Líbia Achilli, sobre processos de escrita científica. Nessa oportunidade, a professora Achilli defendeu que qualquer tema pode ser escolhido para se realizar um estudo científico, como uma tese de doutorado. No entanto, um objeto de investigação precisa ser construído. Essa construção, segundo ela, deve ser realizada de maneira fortemente 2 Grupo de Pesquisa em Informática, outras Mídias e Educação Matemática (GPIMEM). Mais informações em . Acesso em: 10 ago. 2015. 17 relacionada com a literatura afim e com o referencial teórico-metodológico (ACHILLI, 2005). Embora o capítulo 2 traga de forma mais profunda os temas que constituem a tese, nos próximos parágrafos procuro apresentar, de forma resumida ao leitor, como esse objeto de estudo foi construído a partir da escolha de três temas: os processos educativos associados à disciplina de Álgebra Linear (AL), o uso de tecnologias digitais (TD) voltado ao ensino de Matemática e a modalidade de Educação a Distância (EaD). Segundo Maltempi e Malheiros (2010), o acesso público à internet no Brasil começou em 1995, mas a Educação a Distância online3 é mais recente, com um número pequeno de estudos relacionados à Educação Matemática (EM) e restritos a alguns grupos de pesquisa. Nesse mesmo texto, que faz um balanço de parte da EaD ligada à EM, os autores fazem um esboço do potencial e da relevância da EaD para o sistema educacional brasileiro. Eles concluem que os componentes essenciais dessa modalidade são diferentes dos componentes da educação na modalidade presencial, mas ainda não estão bem compreendidos. Existem algumas pesquisas que já ilustram alguns aspectos dessas diferenças, como a de Zulatto (2007), por exemplo, que mostra que a aprendizagem matemática, em um ambiente online, pode ter natureza colaborativa, coletiva e argumentativa. Por essa razão e pelo fato da EaD, hoje, no Brasil, ser uma realidade e ter um espaço cada vez maior no sistema educacional nacional, Maltempi e Malheiros (2010) afirmam serem necessários mais estudos na área para a efetiva compreensão desses componentes essenciais. Dentro da perspectiva da EaD, que pode acontecer em diferentes níveis de ensino, destaco as Licenciaturas em Matemática a Distância vinculadas à Universidade Aberta do Brasil (UAB), por serem parte do foco de minha pesquisa. A UAB foi instituída em junho de 2006 com o objetivo central de “promover a formação e a capacitação inicial e continuada de professores da Educação Básica com a utilização de metodologias de Educação a Distância” (GATTI; BARRETO, 2009, p. 3 Embora o site da Academia Brasileira de Letras classifique a palavra como estrangeira e aponte a grafia com hífen (on-line), neste texto utilizarei a grafia “online”, sem itálico, pelo fato de que autores da área de educação a distância, citados neste trabalho, o fazem dessa forma. Assim, como a palavra será considerada incorporada à língua portuguesa, ela não será destacada em itálico. 18 99, grifo nosso). Sendo assim, seria possível questionar: como, de fato, essas metodologias têm sido utilizadas no âmbito da UAB? Minha pesquisa é sustentada por três pilares. O primeiro deles, a EaD online, foi apresentado de maneira sucinta nos parágrafos anteriores. O segundo se refere às tecnologias digitais. Sobre esse tema, destaco que inúmeras pesquisas têm buscado formas de utilizar as TD de maneira a potencializar a produção de conhecimento, em particular matemático, pelos alunos (BARBOSA, 2009; JAVARONI, 2007; SANTOS, 2006). Borba e Penteado (2010, p. 45), originalmente publicado em 2001, por exemplo, realizam “uma discussão teórica sobre o lugar do computador em práticas educativas nas quais se enfatiza a produção de significado por parte de alunos, professores e pesquisadores envolvidos em tais práticas”. No trabalho, os autores defendem a ideia de que uma mídia, como a informática, “abre possibilidades de mudanças dentro do próprio conhecimento e que é possível haver uma ressonância entre uma dada pedagogia, uma mídia e uma visão de conhecimento” (BORBA; PENTEADO, 2010, p. 45). Nessa discussão, eles chamam atenção para o fato de que o uso das tecnologias digitais pode ser pontual ou pode ser intenso, sendo utilizado para introduzir um conceito ou para reforçar uma exposição feita em lousa e giz, por exemplo. Uma visão mais ampla das diversas discussões sobre tecnologias da informação e comunicação (TIC), como a ressonância entre TIC e elementos como experimentação, visualização, modelagem matemática, entre outros, pode ser encontrada em Borba e Villarreal (2005), atualizada em Bussi e Borba (2010). O terceiro pilar desse estudo é a Álgebra Linear. Celestino (2000) mostra que esse assunto é de interesse recente no país e que essa disciplina apresenta-se como uma disciplina-problema por seus altos índices de reprovação. No âmbito internacional, Dorier (2000) revela que os alunos franceses, assim como os brasileiros, apresentam dificuldades na compreensão dos primeiros conceitos de Álgebra Linear, como espaços vetoriais e subespaços, o que interfere em seus aproveitamentos. Todavia, por que é importante e ao mesmo tempo difícil estudar Álgebra Linear? Por que essa disciplina tem índices de reprovação tão altos? Esses índices também são tão negativos no contexto da EaD? Destaco que a Álgebra Linear está relacionada a diferentes domínios da Matemática, como os sistemas de equações lineares, a Geometria, o Cálculo, as transformações lineares, as equações diferenciais, entre outros. Segundo Grande 19 (2006), uma característica fundamental da Álgebra Linear é a possibilidade que ela tem de unificar o pensamento matemático. Entendo que uma característica desse caráter unificador seja a possibilidade de se estudar elementos de diferentes subáreas da Matemática a partir de suas propriedades comuns, por meio do conceito de Espaço Vetorial. O caráter unificador dessa disciplina, a meu ver, é tanto uma porta de entrada para os alunos a um novo e interessante mundo de ideias quanto uma perigosa armadilha. Isto porque, além de permitir estabelecer conexões entre diferentes ramos, a Álgebra Linear também introduz uma linguagem e um tipo de raciocínio com os quais os alunos que a estudam pela primeira vez não estão acostumados a lidar. Possivelmente essas dificuldades contribuem para o quadro problemático apresentado por Celestino (2000), Dorier (2000) e outros pesquisadores da área. Outro fator que pode estar contribuindo para o quadro apresentado é a abordagem formal e essencialmente algébrica adotada pelos professores e pela maioria dos autores de livros didáticos dessa disciplina (FRANÇA, 2007). Quadro semelhante estaria acontecendo na UAB? Ainda não se tem pesquisas que respondem a essa questão, mas espero que esse trabalho provoque alguns insights sobre o assunto. Viel (2011), ao analisar o curso que serviu de inspiração para a UAB, e que hoje está incorporado a ela, destacou pontos frágeis que precisavam ser revistos, à época. Dentre eles, destaco o sentimento de solidão apontado por vários alunos, que é provocado pela pouca interação com professores. Assim, ao pensarmos a disciplina de Álgebra Linear no contexto da Educação a Distância, fica a dúvida de como essa questão problemática apresentada nos parágrafos anteriores se apresenta, mas não é difícil conjecturar que, talvez, o problema possa ser ainda maior, caso o que foi percebido por Viel (2011) seja o contexto de outras instituições. Portanto, buscar alternativas para amenizar esses problemas é algo relevante e, principalmente, necessário. Uma das alternativas para isso é utilizar os recursos tecnológicos hoje amplamente desenvolvidos. Como explorar suas potencialidades? Como criar novos problemas a partir das novas possibilidades que se abrem? Pensar em respostas para essas questões implica em conhecer o que de fato vem sendo feito no contexto da UAB para que a intervenção proposta seja direcionada e situada às suas características peculiares. Dessa forma, é preciso entender como a disciplina de Álgebra Linear tem se revelado na UAB em termos de usos de 20 tecnologias digitais. Conhecer o que vem sendo praticado hoje é o primeiro passo para pensar se há necessidade de ajustes e, em caso positivo, como realizá-los. Diante do exposto, proponho um trabalho que busque responder à seguinte pergunta: qual é o papel das tecnologias digitais nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs) de disciplinas de Álgebra Linear realizadas a distância? Esse trabalho está vinculado a outra pesquisa mais ampla, coordenada por meu orientador, que investiga o uso de tecnologias em cursos de Licenciatura em Matemática a Distância vinculados à UAB. Dentro desse projeto maior, minha pesquisa está interessada especificamente na compreensão do papel das tecnologias digitais na disciplina de Álgebra Linear. Essa pesquisa foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, pelo Programa CAPES de Centros Associados de Pós-Graduação – Brasil/Argentina e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, FAPESP (sob número 2012/12176-3). A partir do que pretendo responder na questão de pesquisa, ressalto que o objetivo desse trabalho é analisar o papel das tecnologias digitais nos processos educativos associados à disciplina de Álgebra Linear em cursos de Licenciatura em Matemática a Distância vinculados à UAB, no contexto de seus AVAs. O que tem a ver Pórtico, título desta introdução, com os três temas apresentados? Um pórtico é um “portal de grande edifício, como templo, palácio, e que compreende certo espaço coberto, cuja abóbada é quase sempre sustentada de colunas e que serve de entrada” (POMBO, 2011, p. 169). Utilizando a palavra Pórtico como metáfora, acredito que até aqui apresentei ao leitor a entrada do edifício, que é a presente tese. Convido-o agora a entrar. Antes compartilho resumidamente o que você irá encontrar. No capítulo 2, discuto em profundidade os três temas desse trabalho, apresentando pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem de Álgebra Linear, particularmente algumas que investigam os principais problemas enfrentados pelos alunos quando a cursam. Em segundo lugar, apresento uma forma de analisar a pesquisa em Educação Matemática relacionada ao uso de tecnologias digitais, sistematizada por Borba, Scucuglia e Gadanidis (2014). Trato também de alguns elementos da Educação a Distância importantes para esse trabalho, em particular iniciativas de políticas públicas que culminaram com a instituição da UAB em 2006 e 21 algumas discussões sobre interação, comunicação e Ambientes Virtuais de Aprendizagem. Termino o capítulo relacionando os três temas e situando o trabalho no bojo das pesquisas apresentadas. No capítulo 3, apresento as principais ideias da Teoria Enraizada (TE), na perspectiva de Strauss e Corbin (2008), que constitui uma metodologia que auxilia a construção de teorização sobre determinado tema, em geral pouco discutido na literatura afim, como é o meu caso. Apresento, neste capítulo, como se dá o processo analítico segundo a TE, abordando as codificações aberta, axial e seletiva. Abordo características gerais dessa metodologia, como a comparação constante e a simbiose entre análise e produção de dados, bem como critérios de parada e validação. No capítulo 4, trago o contexto da pesquisa, partindo do mais geral para o mais específico. Inicio abordando em detalhes a estrutura de organização e funcionamento do sistema UAB. Em seguida, situo as Licenciaturas em Matemática como parte da Universidade Aberta do Brasil. A partir disso, apresento o projeto E-licm@t, pesquisa do tipo “guarda-chuva” da qual a presente tese faz parte. Trago os principais resultados publicados desse projeto e termino apresentando ao leitor as características gerais dos quatro cursos investigados nesse trabalho (UFMG, UFMS, UFU e UNEB). No capítulo 5, discuto a análise de dados. A partir do que foi produzido em termos de dados e do que foi estudado em relação à Teoria Enraizada, explico, nesse capítulo, como se deu o desenvolvimento das duas categorias emergentes. A primeira se refere à variedade comunicacional proporcionada pelas tecnologias digitais nos cursos. Nessa categoria analiso aspectos como: o que está sendo comunicado? Como? Por quem? Para quem? Etc. Na segunda categoria, discuto a construção de material didático digital. Analiso o papel da tecnologia digital no caminho da construção de diversos materiais com os quais o aluno pode interagir. Ambas as categorias foram integradas em uma categoria central a qual chamei de MDDI (Material Didático Digital Interativo). Algumas relações entre as propriedades e dimensões desenvolvidas são estabelecidas e, na última seção desse capítulo, apresento uma análise de padrões de uso de tecnologias nas instituições, a partir do modelo analítico construído. Nas considerações do trabalho retomo os aspectos gerais abordados no texto, discuto um pouco mais algumas relações sobre MDDI e outras particularidades 22 identificadas durante a análise de dados e termino apontando perspectivas de pesquisas futuras, não sem antes ponderar as limitações do estudo. Deixo agora o leitor com um wordle dessa tese. Um wordle é uma figura constituída por palavras. O site que o construiu processa determinado texto e gera uma imagem com as palavras mais recorrentes. O tamanho da palavra indica o grau de ocorrência da mesma, ou seja, quanto maior a palavra, mais ela aparece no texto. O wordle apresentado foi construído com as cem palavras mais recorrentes na tese. Assim, observando o wordle o leitor tem uma visão de aspectos que se destacam no desenvolvimento do texto. Figura 1 – Wordle dessa tese Fonte: 4. 4 Acesso em 11 ago. 2015. 24 2 PILASTRAS Voltando à metáfora, há diversos tipos de pórticos e seus nomes são dados de acordo com o número de colunas, ou pilastras, que possuem. Assim, há os pórticos tetrastilos, hexastilos, octostilos e decastilos, com quatro, seis, oito e dez pilastras respectivamente. Abaixo há um exemplo de um pórtico octostilo no monumento Panteão, localizado em Roma. Figura 2 – Pórtico do Panteão Fonte: Google imagens. No caso dessa tese, o pórtico é sustentado por três pilastras. São elas: as questões pedagógicas ligadas à Álgebra Linear, o uso educacional de tecnologias digitais e a Educação a Distância, particularmente a Educação Matemática online. Na busca por trabalhos sobre esses temas, encontrei estudos sobre cada um deles, mas também encontrei pesquisas que tratavam simultaneamente de mais de um. Com o objetivo de deixar o texto o mais claro possível para o leitor, organizei esse capítulo da seguinte forma: nas seções 2.1, 2.2 e 2.3, apresento, respectivamente, questões gerais sobre o ensino e a aprendizagem de Álgebra Linear, o uso pedagógico de tecnologias digitais e a modalidade de ensino distância. Na seção 2.4, apresento trabalhos que se relacionam com dois ou mais desses temas e situo minha pesquisa no bojo das pesquisas apresentadas. O presente capítulo não é um capítulo de Referencial Teórico nem de Revisão de Literatura. Noções teóricas com as quais vou dialogar na análise aparecem permeadas de resultados de pesquisas empíricas. Separar tais pesquisas nessas 25 duas classes foi impossível uma vez que até as pesquisas empíricas trazem teorizações com as quais podemos dialogar no processo de análise. Inicio, portanto, com a seção que trata das pesquisas sobre Álgebra Linear. 2.1 Ensino e aprendizagem de Álgebra Linear No prefácio do livro Dorier (2000), André Revuz5 conta que, durante os anos 60, em uma conferência em Zürich, ouviu insistentemente de Plancherel6, na época em idade já avançada, que de todas as disciplinas matemáticas que havia ministrado na vida, Álgebra Linear era, de longe, a que os alunos sentiam mais dificuldade para entender. Ele afirma que, trinta anos depois desse episódio, a situação na França parecia ser a mesma. A partir do estudo que fiz de obras realizadas no Brasil de 2000 a 2014, penso que o quadro descrito por Plancherel talvez não esteja distante do que temos aqui no Brasil atualmente. Não tenho elementos para dizer se Álgebra Linear é a disciplina mais difícil, mas em vários trabalhos autores apontam tal disciplina como fonte de grande dificuldade por parte dos alunos (ANDRADE, 2010; ARANDA; CALLEJO, 2010; CELESTINO, 2000; COIMBRA, 2008; DORIER, 2000). Revuz (2000) continua o texto questionando o que poderia ser feito sobre o quadro problemático exposto por Plancherel. Segundo o autor, uma solução radical seria assumir que quem não entende Álgebra Linear é matematicamente incapaz e, portanto, não nos interessa e deve ser desconsiderado. Para ele, esse, de fato, é o pensamento de muitos matemáticos, alguns dos quais nem hesitam em admitir tal linha de pensamento. Corroboro Revuz (2000) quando o autor repudia veementemente essa assertiva e afirma que não podemos aceitá-la. Ele apresenta dois motivos para tal, com os quais concordo: 1) a Álgebra Linear tem aplicações variadas e significantes e tem importância fora do domínio da Matemática para várias pessoas que sabem como utilizá-la e, mais importante, 2) a Matemática não é propriedade única dos matemáticos. Eles não formam uma sociedade secreta 5 Matemático francês que teve papel importante durante a reforma da Matemática Moderna, especialmente em relação ao ensino de Álgebra Linear. Ele também ajudou a desenvolver a Educação Matemática na França (DORIER, 2000). 6 Matemático suíço que viveu de 1885 a 1967. Trabalhou na área de análise matemática, álgebra, física matemática e é conhecido pelo teorema de Plancherel, em análise harmônica. Fonte: Wikipédia. Disponível em . Acesso em 28 out. 2014. 26 detentora do saber. Para o autor, cumprir seu papel na sociedade é uma exigência moral e, pensando com argumentos egoístas, seria uma forma de os matemáticos defenderem sua disciplina de ataques daqueles que, bem ou mal, tenham a impressão de serem excluídos do seleto grupo que entende a disciplina. Para Revuz (2000), isso equivale a dizer que precisamos de um ensino de Matemática que seja cada vez mais eficaz, enquanto ao mesmo tempo temos de ser honestos o suficiente para admitir que até o momento isso só tem acontecido em pequeno grau. (Matemática não é o único assunto nesta situação, mas isso não deve ser considerado como uma desculpa). E deve-se admitir que esta não é uma tarefa fácil para que todas as boas intenções e ideias, aparentemente razoáveis, ainda que não tenham sido submetidas a um controle da realidade, sejam de pouca ajuda (REVUZ, 2000, p. XV, tradução nossa).7 Tentando ser realista, como sugere Revuz (2000), mas ao mesmo tempo tentando avançar procurando alternativas para o quadro problemático exposto, o estudo aqui realizado tenta não refletir uma concepção de que para ensinar Matemática é preciso, apenas, conhecer Matemática a fundo, nem o outro extremo do pêndulo ao imaginar que com uma boa didática se ensina qualquer coisa (REVUZ, 2000). É preciso considerar as particularidades de cunho pedagógico do que se quer ensinar e levar em consideração outros conhecimentos, como aponta pesquisadores como Shulmann (1987), Tardiff (1999) e, especificamente sobre Matemática, Ball (2000; 1993). Voltando ao quadro problemático exposto, questiono o que, de fato, deixa a Álgebra Linear tão difícil. Acredito que estudar as dificuldades enfrentadas pelos alunos ajuda nessa compreensão além de ser o primeiro passo, a meu ver, para elaborar estratégias para mitigar o problema da falta de compreensão de seus conteúdos. Encontrei alguns trabalhos que discutem esse tema e passo a apresentá-los nos próximos parágrafos. Robert e Robinet apud Dorier et al. (2000) afirmam que as principais queixas dos alunos em relação à disciplina de Álgebra Linear residem no uso do formalismo, na enorme quantidade de novas definições e na falta de conexão com o que eles já sabem de Matemática. Se pensarmos que a Álgebra Linear tem a característica de 7 Trecho original em inglês: “This amounts to saying that we need a teaching of mathematics that would be more and more efficacious, while at the same time we have to be honest enough to admit that so far it has only been so to a minor degree. (Mathematics is not the only subject in this situation but this is not to be regarded as an excuse). And it must be admitted that this is not an easy task for which all the good intentions and ideas, apparently reasonable, yet which have not been submitted to a control of reality, are of little help”. 27 unificar diferentes ramos da Matemática – já que o conceito de espaço vetorial permite que estudemos matrizes, polinômios, elementos geométricos, funções e outros a partir de suas estruturas – o apontamento pelos alunos no que se refere ao terceiro problema (falta de conexão com o que eles já sabem de Matemática) sugere que eles não entendem o que, de fato, a Álgebra Linear permite fazer, uma vez que essa conexão de assuntos já conhecidos não é reconhecida por eles. Para Dorier et al. (2000, p. 86, tradução nossa) "é bastante claro que muitos estudantes têm a sensação de ter desembarcado em um planeta novo e não são capazes de encontrar o seu caminho neste novo mundo"8. Por outro lado, professores usualmente se queixam que seus alunos não possuem habilidades em Geometria Cartesiana Elementar9 e, consequentemente, "[...] não podem usar a intuição para representações geométricas construídas dos conceitos básicos da teoria dos espaços vetoriais" (DORIER et al., 2000, p. 86, tradução nossa)10. Para os autores, essas queixas correspondem a uma determinada realidade, mas as poucas tentativas de remediação não parecem mudar substancialmente o quadro. O que se percebe, portanto, é um problema que surge em duas frentes: por um lado, há as dificuldades dos alunos, que estudaremos a seguir. Por outro, as estratégias de ensino utilizadas por professores ajudam a piorar a situação, além da linguagem dos livros didáticos (FRANÇA, 2007). Tentando avançar na compreensão do primeiro problema apontado anteriormente, Dorier et al. (2000) realizaram um estudo sobre o obstáculo do formalismo em Álgebra Linear. Segundo os autores, o ensino de Álgebra foi totalmente remodelado com o Movimento da Matemática Moderna (MMM), que ocorreu nos anos 60. A influência do grupo Bourbaki11 fez com que a teoria axiomática de espaços vetoriais de dimensão finita fosse ensinada na educação básica, com justificativas de que essa abordagem tornaria a Geometria mais 8 Trecho original em inglês: “It is quite clear that many students have the feeling of having landed on a new planet and are not able to find their way in this new world.”. 9 Acredito que a expressão “Geometria Cartesiana Elementar”, utilizada pelo autor, se refira ao uso do sistema de coordenadas cartesianas para representar e estudar objetos geométricos. 10 Trecho original em inglês: “[…] cannot use intuition to built geometrical representations of the basic concepts of the theory of vector spaces” 11 “[...] grupo que se destacou na Europa em relação à fundamentação teórica que norteou a modernização da matemática escolar, tendo em vista adequá-la aos avanços científicos e tecnológicos que despontavam em nível mundial” (DIESEL; FRANÇA; PINTO, 2008) 28 acessível aos alunos. O fracasso do movimento na França, no Brasil e em outros países é bem conhecido e explorado em diversos trabalhos. O que é diferente em ambos os países é o que acontece após: na França, uma reforma no ensino de Matemática de escolas secundárias, no começo dos anos 80, gradualmente retirou do currículo qualquer tópico relacionado à Álgebra chamada Moderna e o ensino de Geometria estava baseado no estudo de transformações de figuras elementares (DORIER et al., 2000). Já no Brasil, a dificuldade enfrentada pelos professores em ensinar pela abordagem do MMM fez com que a Geometria fosse, em geral, deixada para o final do ano letivo e quase sempre esquecida, mesmo depois que o movimento perdeu força no país (PAVANELLO, 1993). Entretanto, em ambos os países, percebe-se que o aluno não tem mais contato com estruturas algébricas no ensino básico. Esse primeiro contato, em geral, acontece quando ele conhece a abordagem "moderna" enquanto cursa a disciplina de Álgebra Linear na universidade, nos casos em que opta por um curso da área de exatas. Embora o aluno tenha contato com conceitos novos quando estuda Cálculo ou Geometria Analítica, é apenas no curso de Álgebra Linear que ele tem seu primeiro contato com as estruturas algébricas e começa a aprender um tipo de raciocínio baseado em axiomas, teoremas e demonstrações, o que gera grandes dificuldades. Segundo Dorier et al. (2000), em muitas universidades francesas os alunos são preparados para o estudo da Álgebra Linear com um curso de Geometria Cartesiana e/ou um curso de lógica e teoria dos conjuntos. Não tenho percebido cursos introdutórios do segundo tipo nos currículos brasileiros da área de exatas, em particular das Licenciaturas em Matemática. Retomando o problema das queixas dos alunos sobre o ensino de Álgebra Linear, lembro o leitor que um dos pontos levantados foi a questão do uso do formalismo. Sobre isso, Dorier apud Dorier et al. (2000) testou, com ferramentas estatísticas, a correlação entre as dificuldades com o uso da definição formal de independência linear e as dificuldades com a utilização da implicação matemática em diferentes contextos. O autor afirma que, "embora esses dois tipos de dificuldades pareçam à primeira vista intimamente ligados, os resultados mostraram 29 que nenhuma correlação sistemática pode ser feita" (DORIER et al., 2000, p. 86, tradução nossa)12. Para ele, [...] isso significa que as dificuldades dos alunos com o aspecto formal da teoria de espaços vetoriais não são apenas um problema geral com o formalismo, mas principalmente estão ligadas a dificuldades em entender o uso específico do formalismo na teoria dos espaços vetoriais, além da interpretação dos conceitos a partir de contextos mais intuitivos, como geometria ou sistemas de equações lineares, em que historicamente surgiram (DORIER et al., 2000, p. 86, tradução nossa)13. Dorier (2000) defende que as dificuldades dos alunos em Álgebra Linear revelam um único obstáculo enorme que aparece em gerações sucessivas: o obstáculo do formalismo, mas mostra também que esse não é apenas um problema com o formalismo de modo geral, mas sim localizado e específico dessa disciplina. Além de mostrar dificuldades dos alunos, ele argumenta como a falta de conhecimento prévio de teoria elementar dos conjuntos contribui para agravar o problema ligado ao formalismo e à produção de erros em Álgebra Linear. De certa forma, toda a Matemática tem um grau de formalidade. No entanto, há duas características específicas inerentes à Álgebra Linear: 1) a natureza generalizadora e unificadora da teoria, analisada de um ponto de vista histórico e epistemológico em Dorier (2000), que a torna muito difícil para ser introduzida aos alunos a partir de problemas; e 2) o fato de ainda não terem sido encontrados problemas matemáticos para serem discutidos com os alunos, de modo que as noções básicas de Álgebra Linear apareçam de forma implícita (DORIER et al., 2000). Consequentemente, passar diretamente da Geometria aprendida na educação básica para a Álgebra Linear é particularmente problemático. Diante desse quadro, em outubro e novembro de 1987, o grupo liderado por Dorier conduziu um trabalho para ir a fundo nessa questão e determinar os conhecimentos dos alunos sobre Álgebra Linear. Os participantes do estudo já haviam cursado seu primeiro ano no ensino superior, durante o qual estudaram espaços e subespaços vetoriais, transformações lineares, sistemas de equações lineares, formas lineares, matrizes e determinantes. 12 Trecho original em inglês: “Although these two types of difficulties seemed at first closely connected, the results showed clearly that no systematic correlation could be made”. 13 Trecho original em inglês: “This means that students' difficulties with the formal aspect of the theory of vector space are not just a general problem with formalism, but mostly a difficulty of understanding the specific use of formalism in the theory of vector spaces, and the interpretation of the formal concepts in relation with more intuitive contexts like geometry or systems of linear equations in which they historically emerged”. 30 Nesse estudo constatou-se falta de apropriação dos conceitos em questão e o uso inadequado da linguagem da teoria de conjuntos, o que justifica a afirmação anterior em relação à produção de erros relacionada à falta de conhecimento prévio sobre teoria dos conjuntos. Além disso, os dois problemas constatados se alimentavam de forma mútua, de modo que um favorecia a ocorrência do outro. O obstáculo do formalismo nesse trabalho fica em evidência, por exemplo, quando os autores mostram a confusão entre elementos e conjuntos em decorrência da analogia nas expressões usualmente utilizadas na disciplina, como pode ser observado na figura a seguir, na qual Im(u) (Imagem da transformação linear u) é tratada como elemento: Figura 3 – Confusão entre elementos e conjuntos Fonte: Dorier et al. (2000, p. 90). Note que, na Figura 3, o aluno afirma que Im(u)=𝑒2, ou seja, para ele um conjunto é igual a um elemento, mostrando uma confusão entre esses dois objetos, que têm naturezas distintas no contexto. Confusões como vetor, transformação linear e subespaços vetoriais sendo tratados como elementos de conjuntos também foram observadas. Em uma das questões apresentadas aos alunos, na qual era solicitado que eles expressassem o que eles entendem por Álgebra Linear, como se fossem explicar o que é a disciplina a um calouro do mesmo curso, nenhum apontou a capacidade de estudar uma variedade de problemas geométricos a partir do estudo da disciplina. Parece que muitos dos conceitos de Álgebra Linear permaneceram no estado conceito-objeto, ou seja, o que é estudado na disciplina é visto como um objeto isolado, e não como possível ferramenta para resolver problemas. A única ocorrência de menção à Álgebra Linear como ferramenta foi ao mencionar que a 31 partir de seu estudo é possível resolver sistemas de equações lineares. Dorier et al. (2000) inferem, mas afirmam serem necessários estudos para confirmar a conjectura, que o ensino fundamentalmente axiomático, sem exploração de aplicações, pode influenciar a não percepção por parte dos alunos das contribuições da Álgebra Linear fora da disciplina em si. No estudo também constatou-se que os alunos enfrentam problemas com a abstração, por exemplo, afirmando que o nível de abstração requerido impede o uso da intuição e posterior verificação. Eles também mencionaram que a quantidade de definições e teoremas a entender e a aprender dificulta o acompanhamento da disciplina. Outros mencionaram o fato dos cálculos serem longos e por vezes difíceis de serem realizados rapidamente, sem que cometessem erros. Outros, ainda, apontaram dificuldades em realizar demonstrações. Para boa parte dos alunos, a disciplina é muito abstrata e eles sentem dificuldade em fazer uso de suas noções. Problemas em relação à linguagem também foram abordados, assim como em relação ao formalismo e à abundância de novas definições e teoremas. Para os autores, as dificuldades dos alunos são ampliadas pela simultaneidade em se introduzir a linguagem da teoria dos conjuntos, o uso de quantificadores e um grande número de definições e teoremas novos. Sobre as habilidades normalmente discutidas na disciplina, o estudo mostrou que poucos estudantes eram capazes de manipular as noções de imagem e núcleo de uma transformação linear, resolver sistemas lineares de ordem 4x4 em que os cálculos a serem realizados eram simples e determinar a matriz de uma transformação linear quando o espaço vetorial é distinto de ℝ, ℝ2 ou ℝ3, munidos de suas operações usuais, mesmo quando o espaço vetorial em questão era isomorfo14 a um deles. Para a maioria dos alunos, a Álgebra Linear é não mais do que um catálogo de noções abstratas que eles representam com muita dificuldade. Além disso, eles apontam ficarem submersos em uma avalanche de novas palavras, novos símbolos, novas definições e teoremas e, eu acrescentaria, novas formas de pensar e estabelecer relações, lembrando do caráter unificador inerente dessa disciplina. Por fim, outra dificuldade percebida está relacionada ao controle do que se está fazendo. Para os autores, isso está relacionado à confusão entre 14 Quando uma transformação linear entre dois espaços vetoriais é bijetora, dizemos que ela é um isomorfismo. Nesse caso, tais espaços vetoriais são ditos isomorfos um em relação ao outro (BOLDRINI et al., 1980). 32 variáveis e parâmetros, por exemplo, quando os alunos estão resolvendo sistemas lineares. Em um segundo estudo, o grupo conseguiu estabelecer relações entre conhecimentos prévios dos alunos e chances maiores de sucesso em Álgebra Linear. Por exemplo, alunos que tinham conhecimentos prévios em lógica básica se saíram melhor nas avaliações de Álgebra Linear. Outras relações foram percebidas, como entre conseguir conectar concepções formais com concepções intuitivas e o fato de conseguirem construir demonstrações rigorosas com mais facilidade. Assim, uma das questões a ser explorada ao se ensinar Álgebra Linear, para os autores, é dar aos estudantes melhores formas de conectar objetos formais da teoria com as concepções prévias que possuem de forma a ter uma aprendizagem mais baseada na intuição. Isso não implica somente em dar exemplos, mas mostrar como esses exemplos estão conectados e qual seu papel em conceitos formais. Em 1992 e 1993 novos estudos foram feitos e constatou-se que os erros e dificuldades percebidos nas pesquisas anteriores persistiam, embora avanços tenham sido notados, como uma melhora na compreensão de subespaços vetoriais. Nas pesquisas brasileiras, outros tipos de dificuldades foram destacados, embora muitos trabalhos façam referência aos trabalhos dos franceses. Uma síntese dos principais resultados encontrados está sistematizada a seguir. Andrade (2010) evidenciou algumas dificuldades de aprendizagem, relacionadas à Álgebra Linear, que remetem a duas classes: as relativas a objetos a serem aprendidos e as relativas ao contexto de aprendizagem. Os problemas relativos ao contexto serão apresentados na seção 2.4. A seguir teço comentários sobre os problemas relacionados aos objetos a serem aprendidos. Em relação a eles, a autora afirma que foi possível identificar três pontos importantes a serem considerados. O primeiro é o que remete à confusão entre procedimento e objeto. Andrade (2010) afirma que o excesso de formalismo e abstração inerentes aos objetos de Álgebra Linear termina por não “permitir a compreensão dos objetos propriamente ditos, e assim, como os seus símbolos podem ser manipulados independentemente da compreensão obtida, o que fica é o tratamento operacional dado a eles para sua verificação” (ANDRADE, 2010, p. 67– 68) o que gera, por sua vez, uma confusão entre objeto e procedimento. Furtado (2010) também identificou o mesmo problema em sua pesquisa. 33 Andrade (2010) afirma ter estimulado a flexibilidade no uso de diferentes registros pelos alunos, na perspectiva de Duval (2003), e indica que isso pareceu contribuir “para uma maior significação do objeto e consequentemente compreensão do objeto enquanto relação” (ANDRADE, 2010, p. 68). Seu trabalho tinha como foco os conceitos de dependência e independência linear, então essa conclusão está situada nesse contexto. O segundo ponto levantado pela autora se relaciona ao uso de procedimentos não adequados aos objetos. A autora afirma ter percebido essa dificuldade ao observar o constante uso de produto interno para verificar a existência de dependência linear, revelando uma confusão entre essa noção e a noção de ortogonalidade. Ainda, ela acredita que essa confusão advém da axiomatização característica da Álgebra Linear e da abundância de símbolos para a representação de suas linguagens, o que, provavelmente, leva os sujeitos a confundirem produto por escalar (𝑘. �⃗�) e produto escalar (�⃗⃗� × �⃗�), que têm sentidos completamente diferentes, mas que, encapsulados ao procedimento, os sujeitos costumam confundir (ANDRADE, 2010, p. 68, grifo nosso). O terceiro ponto se refere à confusão entre os objetos propriamente ditos, como a confusão entre paralelismo entre vetores e dependência e independência linear ou entre espaço vetorial e dependência e independência linear. Sobre esse aspecto, a autora afirma que além da infinidade de teoremas e definições presentes nos conteúdos de Álgebra Linear que acarreta suas estratégias de resolução a uma operacionalização entre símbolos, o uso monopolizado de registros simbólico-algébricos em situações de tratamento também deve ser considerado como forte elemento a essa constatação, visto que os registros geométricos permitem a visualização de perspectivas inerentes aos objetos não identificadas nos registros utilizados (ANDRADE, 2010, p. 68–69). Bittar (1998) identificou problemas de natureza semelhante em seu trabalho, no qual realizou uma sequência para a aprendizagem de vetores em um ambiente computacional de Geometria Dinâmica. O fato de os alunos não reconhecerem os vetores como classe de equivalência os levou a confundirem as coordenadas vetoriais com as dos pontos de extremidades. Como uma alternativa aos problemas ligados à aprendizagem de Álgebra Linear, particularmente àqueles relacionados ao formalismo e bastante debatidos pelo grupo liderado por Jean-Luc Dorier, Robert (2000) propõe o que ele chama de níveis de conceituação para abordar aspectos formais e abstratos da disciplina. 34 Para o autor, um nível de conceituação corresponde a uma organização coerente de uma parte de um campo de estudo. Segundo ele, caracteriza-se por "objetos matemáticos apresentados de uma maneira particular, teoremas sobre esses objetos, métodos associados a estes teoremas e os problemas que os alunos podem resolver com os teoremas ao nível adequado usando esses métodos" (ROBERT, 2000, p. 125, tradução nossa)15. Robert (2000) argumenta que muitas noções matemáticas podem e devem ser abordadas a partir de diferentes níveis de conceituação. Por exemplo, em Álgebra Linear, o autor utiliza um exemplo com quadrados mágicos para mostrar que sua resolução pode ser discutida com pelo menos três abordagens: utilizando praticamente nenhuma noção matemática além de números inteiros, a partir da resolução de sistemas lineares de ordem oito com eliminação de Gauss ou ainda utilizando a noção de espaços vetoriais e combinações lineares. Em seguida, ele argumenta que muitas vezes um problema é abordado em um nível de conceituação elevado sem que o aluno tenha tido a oportunidade de experenciar atividades em níveis de conceituação anteriores. É como se o ensino desse um salto que o processo de aprendizagem não é capaz de acompanhar. Além do problema relacionado aos níveis de conceituação, há a questão da multiplicidade de formas de descrição do campo, estudada por Hillel (2000). Segundo o autor, em Álgebra Linear, há três modos de descrição que coexistem, mas que certamente não são equivalentes: 1) modo abstrato, que usa linguagem e conceitos da teoria já formalizada, incluindo espaços vetoriais, subespaços, dimensão, operadores, núcleos, entre outros. Nessa tese a expressão utilizada para esse modo será “modo formal”, pois acredito que, de acordo com minha interpretação, essa expressão representa de forma mais adequada a proposta do autor no âmbito desse trabalho, além de se relacionar mais fortemente à questão do formalismo já abordada aqui; 2) modo algébrico, usando linguagens e conceitos mais específicos no ℝn, incluindo n-uplas, matrizes, solução de sistemas lineares, etc; e 3) modo geométrico, que usa as linguagens e os conceitos dos espaços bi e tridimensionais, como segmentos de reta orientados, pontos, retas, planos e transformações geométricas. 15 Trecho original em inglês: “mathematical objects presented in a particular way, theorems on these objects, methods associated with these theorems, and problems that students can solve with the theorems at the appropriate level using these methods”. 35 O pesquisador afirma que, dentro de cada modo de descrição, as operações e transformações com vetores têm notação, terminologia e representação específicas. Ele também defende que dominar o movimento entre os modos de descrição é essencial para que o aluno consiga lidar com a disciplina. Tanto o movimento quanto a compreensão da forma como as representações mudam em cada modo, de acordo com a escolha da base, também são fontes de grande dificuldade para os alunos, além das diversas outras fontes já apresentadas aqui. Boa parte do foco dos trabalhos apresentados até aqui residiu no estudo das dificuldades dos alunos ao estudar Álgebra Linear. É importante, também, destacar resultados que focam, por outro lado, a produção dos estudantes. Em Wawro, Sweeney e Rabin (2011), os pesquisadores reportam formas como estudantes conceitualizam as ideias chave de Álgebra Linear, retratando particularmente, nesse artigo, as interações dos mesmos com a noção de subespaço vetorial. A partir de entrevistas, os autores relatam que frequentemente as descrições iniciais dos alunos para o conceito diferem da linguagem formal de sua definição, que é consideravelmente algébrica em sua natureza. Para eles, esse resultado é consistente com a literatura que estuda o domínio de conteúdos matemáticos, uma vez que a mesma aponta que o entendimento preliminar de um aprendiz sobre um conceito não é necessariamente advindo de sua definição formal. A partir da análise, os pesquisadores identificaram três tipos recorrentes de conceituação de subespaço, os quais nomearam Objeto Geométrico, Parte de um Todo e Objeto Algébrico. O primeiro se manifesta quando o aluno afirma, por exemplo, que subespaço vetorial é um plano no espaço. O segundo, quando dizem que um subespaço está contido em um espaço vetorial e o terceiro quando dizem que subespaço é um conjunto de vetores. A pesquisa foi feita a partir de entrevista com oito alunos, três semanas após a conclusão da primeira de quatro partes da disciplina, na qual o conceito de subespaço vetorial foi trabalhado a partir de sua definição formal. Os alunos foram convidados para uma entrevista individual em que os pesquisadores questionaram como eles pensavam que fossem os subespaços vetoriais de ℝ6. As três categorias já mencionadas emergiram da análise de suas respostas. Em seguida, os pesquisadores pediram que os alunos consultassem no livro a definição formal, a interpretassem e, em seguida, a relacionassem com suas primeiras respostas à pergunta feita. 36 Os autores se mostram surpresos ao informarem que, embora a definição tenha por natureza uma formulação essencialmente algébrica, sua interpretação por parte da maioria dos alunos envolvia linguagem consistente com as categorias Objeto Geométrico e Objeto Algébrico e, mais ainda, tais linguagens só foram utilizadas por estudantes que já as havia utilizado em suas respostas prévias. Todos, no entanto, interpretaram a definição formal com linguagem consistente à da categoria Parte de um Todo, mesmo os estudantes que não a tinham utilizado no começo da entrevista. A meu ver esse é um resultado que reforça a importância do movimento entre os três modos de descrição propostos por Hillel (2000), pois os alunos entrevistados em Wawro, Sweeney e Rabin (2011), mesmo diante de uma definição de natureza algébrica, foram consistentes com suas intepretações iniciais e só aqueles que já haviam revelado um conhecimento prévio do conceito associado ao modo de descrição geométrico manifestaram-se nesse sentido ao interpretar a definição formal no livro. Caso o desenvolvimento da disciplina tenha natureza puramente formal e algébrica, pode ser que conexões como essa não se estabeleçam. Plaxco e Wawro (2015) investigaram a compreensão de estudantes sobre espaço gerado e dependência e independência linear. Particularmente, o estudo buscou classificar concepções de estudantes sobre os conceitos supracitados e investigar como estudantes usam essas concepções para raciocinar sobre relações entre eles. Os pesquisadores afirmam que a análise foi facilitada observando o tipo de atividade matemática com a qual os estudantes estavam engajados enquanto pensavam sobre as relações. Por exemplo, a justificativa de um aluno em relação à sentença ser verdadeira ou falsa ou em relação ao questionamento sobre como ele pensa sobre o conceito acabou revelando diferentes formas de pensamento (PLAXCO; WAWRO, 2015). Cinco atividades matemáticas, nas quais os alunos estiveram engajados, foram identificadas: definir, provar, relacionar, dar um exemplo gerador e resolver problema. No texto, os autores argumentam que essas atividades podem ajudar a caracterizar as concepções dos estudantes sobre espaço gerado e dependência e independência linear. Conjecturo que perspectiva de análise semelhante possa ser implementada para outros conceitos de Álgebra Linear. Pensando no contexto da modalidade de ensino a distância, poderíamos pensar como essas atividades matemáticas podem ser estimuladas. As tecnologias 37 digitais podem ser úteis nesse sentido, uma vez que dependendo do ambiente e das ferramentas utilizadas, aspectos importantes para a modalidade como a interação e a colaboração, por exemplo, podem estar mais ou menos em evidência. Além disso, elas têm recursos a partir dos quais os três modos de descrição podem ser explorados, de forma dinâmica. Esse será o assunto da seção 2.4. Antes, no entanto, é preciso abordar os outros dois grandes temas da pesquisa. 2.2 Tecnologias digitais O mundo digital vem invadindo o analógico há tempos. Há quem diga que as mídias digitais e as de massa vão convergir para o mesmo ponto, com personalidades famosas de uma migrando para a outra e vice-versa. Isso já começa a aparecer no Brasil ao observarmos que temos emissoras de TV aberta com o conteúdo ao vivo disponível na internet podendo ser acessado pelo computador ou por tablets e smartphones. Pesquisa da revista Variety, publicada em julho de 201516, mostra que das dez top celebridades mundiais teen do momento, oito são criadores de conteúdo no YouTube, ou seja, são personalidades do mundo digital. Se o avanço das mídias digitais é tão grande em todos os meios sociais, como hoje é possível notar, não deveria ser diferente na Educação. No entanto, a velocidade de mudança nesse contexto é bem menor, em particular na disciplina de Matemática. Isto porque, de acordo com Oliveira e Santos (2013, p. 01), utilizar as tecnologias em salas de aula dessa disciplina “não é trabalho que se realize sem crítica, conhecimento e reflexão”. Particularmente na área da Educação Matemática, corroboro a opinião de Borba (2014, p. 05) quando o autor afirma que, embora a "produção na área de Educação Matemática tenha crescido substancialmente nos últimos anos, ainda é presente a sensação de que há falta de textos voltados para professores e pesquisadores em fase inicial", como é o meu caso. Acredito que essa afirmação é mais verdadeira ainda quando nos referimos à área de tecnologias digitais e Educação Matemática. Uma primeira discussão que normalmente não aparece nos trabalhos é a definição do termo "Tecnologia Digital". No dicionário Aurélio, consta que a palavra 16 Disponível em: < http://variety.com/2015/digital/news/youtubers-teen-survey-ksi- pewdiepie-1201544882/>. Acesso em 02 ago. 2015. http://variety.com/2015/digital/news/variety-famechangers-youtubers-pewdiepie-1201545222/ http://variety.com/2015/digital/news/youtubers-teen-survey-ksi-pewdiepie-1201544882/ http://variety.com/2015/digital/news/youtubers-teen-survey-ksi-pewdiepie-1201544882/ 38 digital é um adjetivo “dos, ou pertencente ou relativo aos dedos” (FERREIRA, 2001, p. 236). Hoje em dia normalmente a palavra se relaciona com a informática, o computador ou as tecnologias associadas a ele. Silva (2010) sugere uma interessante interpretação para o entendimento da palavra digital. O autor dá como exemplo uma foto impressa em tela de celulose, em sua forma mais tradicional. Dessa forma específica, normalmente as edições estão relacionadas a processos de restauração, menos comuns, mas ao passo em que ela é digitalizada e exibida na tela do computador, várias mudanças podem ser feitas facilmente, como alterações na cor dos olhos, cabelos, corpo, etc. Segundo o pesquisador, isso revela como o digital permite a autoria do usuário. Em educação, normalmente utilizamos o termo "Tecnologia Digital" quando nos referimos ao uso de computador, internet e outros meios associados, como softwares, vídeos digitais, entre outros. Há muitos trabalhos acadêmicos realizados na área com propostas de uso de TD para ensinar Matemática, mas não se encontra com facilidade discussões teóricas sobre o assunto que analisem a fundo as transformações que ocorrem no ensino quando a Tecnologia Digital está presente. Borba e Villarreal (2005) discutem elementos que ajudam a preencher essa lacuna ao analisarem a produção de conhecimento como o resultado da interação entre humanos e não humanos. Apoiados em autores como Lévy (1993) e Tikhomirov (1981), Borba e Villarreal (2005) propõem que o conhecimento é produzido por um coletivo composto de seres-humanos-com-mídias. Essa noção ajuda a entender como o pensamento é reorganizado com a presença das tecnologias da informação e comunicação e que tipos de problemas são gerados por coletivos que incluem humanos e mídias, como papel-e-lápis, oralidade, softwares etc. Segundo Borba e Villarreal (2005), Tikhomirov (1981) analisa como os computadores afetam a cognição humana e, consequentemente, como os computadores podem mudar a educação. Esse autor defende a ideia de que os computadores não são substitutos ou suplementos dos seres humanos, mas promovem, além de uma mudança quantitativa na atividade humana, principalmente uma mudança qualitativa. Já Lévy (1993), entre várias outras contribuições teóricas desse pesquisador, refuta a noção de que papel e lápis são meras extensões de humanos e defende que a oralidade e a escrita, por exemplo, também podem ser vistas como uma tecnologia. 39 A partir dessas considerações, Borba e Villarreal (2005) propõem a noção de seres-humanos-com-mídias como a unidade básica de produção de conhecimento, uma vez que há uma relação dialógica entre humanos e não humanos. Eles utilizam a metáfora “seres-humanos-com-mídias” para destacar a produção coletiva de conhecimento além do papel das mídias nessa produção, às vezes subestimado. Para eles, as mídias, digitais ou não, condicionam a forma como os humanos podem pensar, mas não a determinam. Elas moldam os modos como os humanos pensam, assim como os humanos podem moldá-las, em um processo dialético ao qual denominaram moldagem recíproca. É importante que seja observado que o termo “mídias”, na metáfora proposta pelos pesquisadores, não se refere apenas às mídias digitais. A oralidade e a escrita também são vistas como mídias e a proposta dos autores sugere que a produção de conhecimento acontece a partir da interação entre humanos e oralidade, escrita, mídias digitais e outros. Durante a leitura desse trabalho, peço que o leitor, portanto, leve em consideração a concepção que assumo sobre a transformação provocada pelo uso de tecnologias: esse uso reorganiza o pensamento humano, de modo que, dependendo da mídia com a qual o sujeito interage, o conhecimento produzido possuirá especificidades próprias. Em outras palavras, o conhecimento produzido com mídias distintas é qualitativamente diferente. Ainda para Borba e Villarreal (2005), dos feedbacks possibilitados pelo computador desde que os monitores passaram a integrá-los, a visualização parece ser um dos principais. No entanto, a discussão sobre o tema no âmbito da Educação Matemática é bem mais ampla e algumas vezes nem está associada aos computadores, sendo muitas vezes considerada parte importante do “fazer” Matemática. Os autores, após analisarem diversas definições para o termo propostas por vários pesquisadores, concluem que para muitos deles a visualização é considerada um processo que envolve um caminho duplo entre as mídias externas e a compreensão dos estudantes. Uma das formas de defini-la seria associá-la ao processo de interpretar uma informação visual ou até gerar uma imagem visual a partir de uma informação que não é figural (BEN-CHAIM; LAPPAN; HOUANG, 1989). 40 A visualização também pode estar associada à construção de imagens mentais que correspondem à interpretação de determinado objeto. Os pesquisadores afirmam, ainda, que o reconhecimento da importância da visualização para a Educação Matemática veio antes da popularização dos computadores, mas ao mesmo tempo, se tornou mais importante depois que eles e as calculadoras gráficas se tornaram populares. Consistente com o movimento entre os modos de descrição em Álgebra Linear já abordados nesse texto, Borba e Villarreal (2005) também defendem que a produção matemática está associada à coordenação entre representações gráficas, algébricas e tabulares e, nesse sentido, softwares que permitam essa coordenação são centrais para essa perspectiva. Retomando a metáfora seres-humanos-com- mídias, que é vista como a unidade que produz conhecimento, os autores afirmam, por exemplo, que considerando a questão das múltiplas representações, eles consideram representações gráficas no papel qualitativamente diferentes das que são construídas em softwares como o GeoGebra, por exemplo. Mas, que diferenças são essas? Diversos trabalhos da área de Educação Matemática exploraram possibilidades de uso de tecnologias em salas de aulas de Matemática. Borba, Scucuglia e Gadanidis (2014) publicaram uma obra que sistematiza o conjunto de trabalhos realizados nesse sentido, ao mesmo tempo em que os analisa do ponto de vista do desenvolvimento histórico das mídias digitais. Os autores iniciam seu texto citando uma reportagem publicada na revista Carta Capital em 09/01/2013 na qual a educação e a tecnologia são colocadas em local de destaque. Segundo os autores, a reportagem "realça a importância de formar alunos críticos, conectados às novas tecnologias e capazes de selecionar conhecimentos para serem utilizados em um dado problema" (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDIS, 2014, p. 11). Ainda, afirmam que o texto faz referências ao uso de TD por professores e alunos, mas também reconhece que a tecnologia sozinha não é suficiente. Os autores argumentam que, pelo menos nos últimos quinze anos, "a educação virou tema constante de campanhas eleitorais, sendo explorada por todos os lados interessados no poder político: partidos, imprensa, sociedades científicas [e] empresas de consultoria" (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDIS, 2014, p. 11). Eles dizem que, muitas vezes, soluções fáceis são vendidas para os problemas da educação de nosso país, das quais devemos suspeitar. 41 Dizem também que a universidade, como instituição, em particular as faculdades de educação, têm se debruçado sobre os mais diversificados problemas da educação, mas nem sempre conseguem traduzir os estudos e pesquisas em argumentos que adentrem o debate sobre propostas concretas para a solução dos problemas, ou, muitas vezes, não encontram espaço na grande mídia para essas opiniões (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDIS, 2014, p. 11). O livro, segundo os autores, não apresenta uma solução para os problemas, mas sistematiza pesquisas realizadas na área mostrando como as TD podem ser utilizadas em Educação Matemática, "ao mesmo tempo em que discute seus limites e aponta problemas em aparentes soluções" (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDIS, 2014, p. 12). Para Borba, Scucuglia e Gadanidis (2014), quando se olha para a maioria das pesquisas em Educação Matemática desenvolvidas no Brasil ao longo dos últimos trinta anos, nota-se "diversificados contextos, propostas e perspectivas com relação ao uso didático e pedagógico de tecnologias para investigação matemática" (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDIS, 2014, p. 18). Assim, eles argumentam acerca de uma perspectiva que foi estruturada em quatro fases para se discutir o uso de tecnologias na Educação Matemática no Brasil. Acredito ser importante abordar de forma resumida as quatro fases apresentadas pelos autores para situar meu trabalho em relação aos trabalhos já produzidos na área. As fases já haviam sido propostas inicialmente por Borba (2012), mas em Borba, Scucuglia e Gadanidis (2014) elas foram desenvolvidas em detalhes. Segundo os autores, a primeira fase é caracterizada principalmente pelo uso do software LOGO, algo que aconteceu por volta de 1985. "O construcionismo (PAPERT, 1980) é a principal perspectiva teórica sobre o uso pedagógico do LOGO, enfatizando relações entre linguagem de programação e pensamento matemático" (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDIS, 2014, p. 18). A segunda fase tem início na primeira metade dos anos 1990 e se constitui tanto a partir da acessibilidade aos computadores pessoais quanto a partir de sua popularização. Segundo os autores, nessa fase houve uma grande variedade de perspectivas em relação a como alunos, professores e pesquisadores vivenciavam o papel dos computadores em suas vidas, pessoais ou profissionais. Nessa fase, vários softwares educacionais foram produzidos e os professores passaram a encontrar suporte e alternativas para que as TD fossem utilizadas em 42 suas aulas em cursos de formação continuada. Os autores destacam nessa fase o uso de softwares que permitem múltiplas representações de funções e Geometria Dinâmica, como o Winplot, Fun, Graphmathica, Cabri Géomètre e Geometricks, além de sistemas de computação algébrica, como o Maple. Para eles, esses softwares são caracterizados por suas interfaces amigáveis e pela natureza dinâmica, visual e experimental. Ainda, afirmam que nessa fase, mesmo com os cursos de formação continuada, foi necessário que professores se movessem de suas zonas de conforto em direção a zonas de risco, uma vez que o uso dos softwares investigativos em suas aulas os levavam a caminhos nem sempre possíveis de serem previstos. Borba e Penteado (2010) discutem as noções de zona de conforto e zona de risco, mas sinteticamente pode-se definir a primeira como o conjunto de práticas com as quais o professor já está acostumado a trabalhar e que normalmente possui caminhos previsíveis. A zona de risco emerge quando o professor trabalha com atividades mais abertas que possuem caminhos múltiplos, que não podem ser totalmente previstos. Borba e Zulatto (2010) acrescentam que, no contexto das zonas de risco e conforto, os professores tendem a domesticar as mídias, adaptando seu uso para uma forma próxima a como estão acostumados, como uma maneira de não sair de suas zonas de conforto. Em consequência, acabam não explorando as possibilidades que se abrem. Esses pesquisadores sugerem, no entanto, que práticas colaborativas com os pares e com os próprios alunos podem possibilitar que a zona de risco se torne zona de conforto quando buscamos nos sentir confortáveis com o risco. Dessa forma, é possível que as possibilidades abertas por novas tecnologias sejam, de fato, exploradas. A terceira fase tem início por volta de 1999, mesmo sem ter a segunda fase consolidada ou a superação de dificuldades que a ela são associadas, como questões ligadas a problemas de gestão e dificuldade dos professores para utilizar laboratórios. Essa nova fase se inicia com o advento da internet, que começa a ser utilizada também com fins pedagógicos, como fonte de informação e meio de comunicação entre professores e alunos. Isso permite que cursos sejam oferecidos a distância, com interação síncrona ou não. Expressões como blended learning (aprendizagem mesclada) surgem para caracterizar a mescla entre as modalidades presencial e a distância. A terceira fase 43 foi sistematizada e abordada em detalhes no livro Borba, Malheiros e Amaral (2011), que apresentou diversas pesquisas realizadas com objetivos tangentes ao problema de ensinar Matemática a distância, ao mesmo tempo em que realizou uma discussão teórica sobre o tema. A quarta fase teve início em meados de 2004 com o advento da internet rápida e é caracterizada por diversos aspectos como a integração entre a Geometria Dinâmica e as múltiplas representações de funções, cenários inovadores de investigação matemática, multimodalidade, novos designs e interatividade, tecnologias móveis ou portáteis, performance matemática digital, entre outros. Segundo os autores, esses aspectos trazem inquietações, questionamentos e perguntas ainda a serem formulados. É importante, neste momento, destacar que [...] uma nova fase surge quando inovações tecnológicas possibilitam a constituição de cenários qualitativamente diferenciados de investigação matemática; quando o uso de um novo recurso tecnológico traz originalidade ao pensar-com-tecnologias. Esses desenvolvimentos estão intrinsecamente envolvidos com outros aspectos, como a elaboração de novos tipos de problemas, o uso de diferentes terminologias, o surgimento ou aprimoramento de perspectivas teóricas, novas possibilidades ou reorganização de dinâmicas em sala de aula, dentre outros (BORBA; SCUCUGLIA; GADANIDIS, 2014, p. 37). Os autores também afirmam que uma fase não exclui ou substitui a anterior, de modo que há certa sobreposição e integração entre elas. Eles apresentam um diagrama que ajuda a representar essa ideia, que pode ser observado na Figura 4. Da forma como os autores apresentam as fases, situo minha pesquisa na interface da terceira e quarta fases. Por um lado, elementos da terceira fase fazem parte do foco de análise, uma vez que todos os cursos da UAB se utilizam de Ambientes Virtuais de Aprendizagem e neles se presume que aconteça aprendizagem de Matemática. Esse é um ponto central da terceira fase. Por outro lado, elementos da quarta fase também são explorados, como a multimodalidade, novos designs para interação e uso de tecnologias digitais. Nesse trabalho busca-se analisar como esses elementos, presentes nas duas fases, se manifestam em cursos de Álgebra Linear ministrados a distância. 44 Figura 4 – Integração entre as fases das TD em Educação Matemática Fonte: Borba, Scucuglia e Gadanidis (2014, p. 38). A análise em fases sistematiza a busca, em termos de pesquisa, por formas de se ensinar e aprender matemática utilizando TD. No entanto, é importante deixar claro que o uso por si só não substitui a concepção dos processos e das estratégias, nem [...] [implementa] ou [...] [melhora] as metodologias isoladamente. Isto pode ser feito, sim, mas a partir de um cenário em que as pessoas planejam e as usam para compor suas concepções do processo de [...] [ensino e aprendizagem], como suportes para ampliar as interações e os meios de experimentação, para pôr em foco cenários de construção dinâmicos e modificáveis, para implementar novas possibilidades de interação e de intervenção, entre outros propósitos (OLIVEIRA; SANTOS, 2013, p. 02). Dessa forma, é importante levar em conta quais tecnologias serão utilizadas, porém, mais importante que isso, é como serão utilizadas, a partir de que perspectiva pedagógica e com quais objetivos. O uso de tecnologias, portanto, deve compor um contexto mais amplo que envolve estratégias, visões teóricas, posturas metodológicas e processos de ensino. Kenski (2007) corrobora a visão de que as tecnologias, sozinhas, não educam ninguém e afirma que tecnologias e educação são indissociáveis. A autora, portanto, tem visões consistentes com as apresentadas aqui. Para ela, inclusive, “as 45 tecnologias digitais são igualmente geradoras de novos problemas na educação” (KENSKI, 2007, p. 53), ou seja, não se pode levar o pêndulo ao extremo achando que a tecnologia é vilã ou é a solução de todos os problemas. Para reforçar sua afirmação, ela apresenta alguns exemplos, entre eles o plágio permitido pelo “ctrl+c e ctrl+v” e a facilidade de encomenda, compra e venda de trabalhos prontos para todas as áreas do conhecimento e para todos os níveis de ensino. Há, ainda, os problemas relacionados aos processos educacionais, como a falta de conhecimento para o melhor uso pedagógico da tecnologia, o fracasso em projetos na modalidade a distância com modelos em que um professor fala para muitos alunos, sem interação, feedback ou preocupação com as reais necessidades dos estudantes, ou ainda a não adequação da tecnologia ao conteúdo a ser ensinado, bem como aos propósitos do ensino. Problemas como esses, no entanto, não devem intimidar iniciativas que busquem explorar o que de novo e de positivo as tecnologias trazem. Há uma diversidade bastante grande de trabalhos mais pontuais que apresentam propostas de uso de TD para se ensinar tópicos específicos sobre Matemática (BARBOSA, 2009; BARROS, 2013; BITTAR; PAULA, 2013; HEITMANN, 2013; MAZZI, 2014; OLIVEIRA, 2012; RICHIT, 2010; SAN