unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP Rodolpho Luiz Gonçalves Vieira OO OOFFÍÍCCIIOO DDEE SSOOCCIIÓÓLLOOGGOO NNOO BBRRAASSIILL:: formação e mercado de trabalho a partir dos PPCs de Ciências Sociais. ARARAQUARA - S.P. 2023 Rodolpho Luiz Gonçalves Vieira OO OOFFÍÍCCIIOO DDEE SSOOCCIIÓÓLLOOGGOO NNOO BBRRAASSIILL:: formação e mercado de trabalho a partir dos PPCs de Ciências Sociais. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Linha de pesquisa: Democracia, Cultura e Pensamento social Orientador: Profa. Dra. Carla Gandini Giani Martelli ARARAQUARA - S.P. 2023 V658o Vieira, Rodolpho Luiz Gonçalves O ofício de sociólogo no Brasil : formação e mercado de trabalho a partir dos PPCs de Ciências Sociais. / Rodolpho Luiz Gonçalves Vieira. -- Araraquara, 2023 83 p. : tabs., fotos Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara Orientadora: Carla Gandini Giani Martelli 1. Ofício do sociólogo. 2. Mercado de trabalho para sociólogos. 3. Bacharelado em Ciências Sociais. 4. Projeto Pedagógico de Curso. 5. Características da formação para sociólogos. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca da Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Rodolpho Luiz Gonçalves Vieira OO OOFFÍÍCCIIOO DDEE SSOOCCIIÓÓLLOOGGOO NNOO BBRRAASSIILL:: formação e mercado de trabalho a partir dos PPCs de Ciências Sociais. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Faculdade de Ciências e Letras – Unesp/Araraquara, como requisito para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Linha de pesquisa: Democracia, Cultura e Pensamento social Orientador: Profa. Dra. Carla Gandini Giani Martelli Data de defesa: 27/06/2023 MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA: Presidente e Orientadora: Prof.ª Dra. Carla Gandini Giani Martelli Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP/Araraquara Membro Titular: Prof. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP/Araraquara Membro Titular: Prof. Dra. Alessandra Santos Nascimento Universidade de Araraquara - UNIARA/Araraquara Local: Universidade Estadual Paulista Faculdade de Ciências e Letras UNESP – Campus de Araraquara A minha mãe Cleuza, in memoriam. “Se, portanto, nós a possuímos à partida, o estudo da realidade presente não tem já qualquer interesse prático e, como é este o interesse a razão de ser do estudo, também perde a sua finalidade”. (DURKHEIM, 1993, p. 95) AGRADECIMENTOS Ao meu pai Zarur, minha mãe Cleuza e aos meus irmãos Brunno e Leandro por sempre acreditarem em mim e sempre me apoiarem, me dando todo o suporte necessário para que valorizasse a educação e o estudo, elementos indispensáveis nesta jornada de pesquisador. À minha esposa Lidiane e ao Chico (meu cachorro) por toda a paciência e suporte nestes dois anos intensos de muito trabalho, estudo e pesquisa. À minha orientadora Profa. Dra. Carla Gandini Giani Martelli por todo o suporte, carinho e compreensão nesta empreitada, por acreditar em mim e sempre me jogar para cima, até nas horas mais difíceis. Aos(Às) demais docentes envolvidos(as) neste processo de formação e aprendizagem - que foi este curso de Mestrado Acadêmico. A todos os(as) professores(as) das disciplinas cursadas durante minha formação de mestrado, além de minha orientadora - que além disso, também foi minha professora -, são eles(as): Profa. Dra. Ana Lúcia de Castro; Profa. Dra. Maria A. Chaves Jardim; Prof. Dr. Bruno Theodoro Luciano; Profa. Dra. Clarissa Correa Neto Ribeiro; Prof. Dr. Flávio Contrera; Profa. Dra. Lívia Peres Milani; Profa. Dra. Samara Guimarães; Prof. Dr. Dr. Paride Bollettin; e Prof. Dr. André Thiemann. Todos(as) contribuíram demais com tudo o que construí nesta pesquisa. Em especial às integrantes da banca - tanto de qualificação, quanto de defesa: Prof. Dra. Maria Teresa Miceli Kerbauy e Prof. Dra. Alessandra Santos Nascimento. Ambas foram importantíssimas na construção deste trabalho, pois sua leitura atenta no momento da banca de qualificação, contribuiu demais com o resultado de toda esta dissertação. RESUMO Esta dissertação se insere nos debates atuais a respeito da formação dos sociólogos no Brasil e a sua preparação para o mercado de trabalho. Nosso estudo tratou dos temas sobre o ofício de sociólogo; o mercado de trabalho para sociólogos; e da formação para sociólogos no Brasil. Essa investigação se deu por meio de revisão bibliográfica e análise de documentos. A revisão bibliográfica envolveu um levantamento de importantes autores para a Sociologia brasileira e para o tema. A análise documental envolveu os Projetos Pedagógicos de Curso de 43 Instituições de Ensino Superior no Brasil. Os resultados apontam certa predominância de um padrão de formação que prestigia uma preparação mais voltada para o exercício de uma carreira de pesquisa científica acadêmica e menos voltada para áreas de atuação fora da docência e da academia, como a área de políticas públicas, por exemplo. Essa prevalência acaba por restringir a formação e o potencial de atuação do bacharel em ciências sociais. Palavras – chave: sociólogos; bacharel em ciências sociais; mercado de trabalho para cientistas sociais; projeto pedagógico de curso de ciências sociais. ABSTRACT This Master’s thesis relates to the current debates regarding the undergraduated studies of sociologists in Brazil and their professional improvement for the labor market. Our study addressed the topics of the sociologist's profession, the labor market for sociologists, and the undergraduated education of sociologists in Brazil. This research was conducted through document analysis and survey. The literature review involved some significant authors in Brazilian Sociology and related fields. The document analysis is founded on the Pedagogical Projects of undergraduated courses of 43 Higher Education Institutions all over Brazil. Data indicates a certain predominance of undergraduated studies pattern that emphasizes more a professional improvement for academic or research career, than focuses areas outside university, such as public policies. This prevalence ends up limiting the potential professional roles of social science degree. Keywords: sociologists; bachelor's degree in social sciences; labor market for social scientists; pedagogical project of social sciences degree. LISTA DE FIGURAS Figura 1 Captura de um trecho de um Edital para um Concurso de Sociólogo para a Prefeitura de Santos (maio de 2023) 15 Figura 2 Captura do site Café com Sociologia, de uma matéria intitulada - Registro de sociólogo: como fazer junto ao Ministério do Trabalho 16 Figura 3 Captura de uma amostra do Relatório de consulta avançada gerado no portal eMEC (cursos de bacharel em Ciências Sociais) 27 Figura 4 Captura de uma amostra do Relatório de consulta avançada gerado no portal eMEC (cursos de bacharel em Sociologia ou Sociologia e Política) 28 Figura 5 Figura 6 Captura de um trecho do PPC UFRRJ com as palavras profissão e ofício destacadas Captura de um trecho do PPC UFAM com a palavra sociólogo destacada 55 56 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Ano do PPC 51 Quadro 2 Características do Mercado de Trabalho 59 Quadro 3 Características da formação 1 (Perfil de formação) 62 Quadro 4 Características da formação 2 (Estágio profissional) 69 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANPOCS Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais CAGED Cadastro Geral de Empregados e Desempregados CBO Classificação Brasileira de Ocupações CES Câmara de Educação Superior CNE Conselho Nacional de Educação CNPL Confederação Nacional dos Profissionais Liberais CPC(s) Conceito(o) Preliminar(es) de Curso EAD Educação à distância ENADE Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes IES Instituição(ões) de Ensino Superior LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação MAXQDA Software para a Análise de Dados Qualitativos MEC Ministério da Educação MTE Ministério do Trabalho e Emprego ONG(s) Organização(ões) Não Governamental(is) PPC(s) Projeto(s) Pedagógico(s) de Curso RAIS Relação Anual de Informações Sociais SBS Sociedade Brasileira de Sociologia TCC(s) Trabalho de Conclusão de Curso UF(s) Unidade(s) Federativa(s) LISTA DE LINKS DAS IES PESQUISADAS UFAC http://www2.ufac.br/cfch/csociais UFAL https://ufal.br/estudante/graduacao/cursos/@@detalhe?id=2364 UFAM https://departamento-de-ciencias-sociais.webnode.com/ UNIFAP https://www2.unifap.br/csociais/ UNEB https://encurtador.com.br/cpuDE UFBA https://ffch.ufba.br/ UNIVASF https://cienciassociais.univasf.edu.br/ UFRB https://encurtador.com.br/lAN58 UECE http://www.uece.br/cursos/graduacao/ UVA http://www.uvanet.br/ UFC https://encurtador.com.br/aoxAU URCA http://www.urca.br/portal2/ciencias-sociais/ UNILAB https://encurtador.com.br/BCHKN UNB http://ics.unb.br/ UFES https://cienciassociais.ufes.br/ UFG https://encurtador.com.br/jyN89 UFMA https://encurtador.com.br/jKX47 UEMA https://www.ccsa.uema.br/?page_id=239 UFV https://encurtador.com.br/qsDE5 UFU https://encurtador.com.br/drFKU PUC MINAS https://www.pucminas.br/ics/cienciassociais/Paginas/default.aspx UNIMONTES https://unimontes.br/curso/ciencias-sociais/ UFMG https://www.fafich.ufmg.br/colcs/ UFJF https://www.ufjf.br/graduacaocienciassociais/curso/organizacao-do-curso/ UNIFAL-MG https://encurtador.com.br/fquK3 IFTM https://iftm.edu.br/ UFMS https://www.ufms.br/graduacao/?cursoId=3005 UEMS https://encurtador.com.br/twEMN UFGD https://portal.ufgd.edu.br/cursos/ciencias_sociais/projeto-pedagogico UFMT https://encurtador.com.br/bvIP4 UFPA https://novofcs.ufpa.br/index.php/auditoria UFPB https://sigaa.ufpb.br/sigaa/public/curso/ppp.jsf?lc=pt_BR&id=1626869 UFCG https://encurtador.com.br/lwCZ2 UFPE https://www.ufpe.br/ds/graduacao UFRPE https://www.ufrpe.br/br/content/bacharelado-em-ci%C3%AAncias-sociais UFPI https://sigaa.ufpi.br/sigaa/public/curso/portal.jsf?id=74195&lc=pt_BR UEL http://www.uel.br/prograd/?content=pp/pp.html UEM https://encurtador.com.br/tQSZ9 UFPR http://www.humanas.ufpr.br/portal/cienciassociais/ UNIOESTE https://encurtador.com.br/nMUW1 PUC-RIO https://encurtador.com.br/efhy4 UERJ https://www.ics.uerj.br/site/index.php/institucional/legislacao.html UFF http://cienciassociais.sites.uff.br/?page_id=102 UFF https://encurtador.com.br/mtINX http://www2.ufac.br/cfch/csociais 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https://encurtador.com.br/aftO5 UFRN https://encurtador.com.br/qtIX4 UNIR https://cienciassociais.unir.br/pagina/exibir/1863 UFRR https://ufrr.br/ PUCRS https://www.pucrs.br/estudenapucrs/cursos/#graduacao UFRGS https://encurtador.com.br/adrI3 UFSM https://encurtador.com.br/pEKP3 UFPEL https://institucional.ufpel.edu.br/cursos/cod/3210 UNIPAMPA https://encurtador.com.br/NU359 UFSC https://cienciassociais.ufsc.br/ UFS https://encurtador.com.br/ipGY1 UFSCAR https://encurtador.com.br/fsGKY PUC-CAMP https://encurtador.com.br/tENPX UNICAMP https://www.ifch.unicamp.br/ifch/graduacao/cursos/ciencias-sociais UNESP https://encurtador.com.br/lIJ18 UNESP https://www.marilia.unesp.br/#!/graduacao/cursos/ciencias-sociais/ ESP https://www.fespsp.org.br/graduacao/cursos/sociologia-e-politica# UNISA https://www.unisa.br/graduacao/ PUCSP https://www.pucsp.br/graduacao/ciencias-sociais#apresentacao UNIFESP https://encurtador.com.br/uKSU6 FIB https://uniesp.edu.br/sites/boituva/cursos_bacharelado.php UFT https://encurtador.com.br/AK017 https://encurtador.com.br/lovyE https://ifcs.ufrj.br/ https://www.candidomendes.edu.br/graduacao/ https://cpdoc.fgv.br/graduacao/ciencias-sociais/documentos https://encurtador.com.br/aftO5 https://encurtador.com.br/qtIX4 https://cienciassociais.unir.br/pagina/exibir/1863 https://ufrr.br/ https://www.pucrs.br/estudenapucrs/cursos/#graduacao https://encurtador.com.br/adrI3 https://encurtador.com.br/pEKP3 https://institucional.ufpel.edu.br/cursos/cod/3210 https://encurtador.com.br/NU359 https://cienciassociais.ufsc.br/ https://encurtador.com.br/ipGY1 https://encurtador.com.br/fsGKY https://encurtador.com.br/tENPX https://www.ifch.unicamp.br/ifch/graduacao/cursos/ciencias-sociais https://encurtador.com.br/lIJ18 https://www.marilia.unesp.br/#!/graduacao/cursos/ciencias-sociais/ https://www.fespsp.org.br/graduacao/cursos/sociologia-e-politica# https://www.unisa.br/graduacao/ https://www.pucsp.br/graduacao/ciencias-sociais#apresentacao https://encurtador.com.br/uKSU6 https://uniesp.edu.br/sites/boituva/cursos_bacharelado.php https://encurtador.com.br/AK017 PRÓLOGO Sou um professor com licenciatura em História, Ciências Sociais e Pedagogia. Leciono História, Sociologia, Filosofia e Geografia - tanto em escolas públicas, quanto em colégios privados. Ingressei recentemente no Programa de Ensino Integral e vivo dentro de uma escola pública 5 dias da semana, 9 horas por dia, com 1 hora de intervalos. Em alguns dias da semana, trabalho também em colégios particulares - nestes dias chego a ficar cerca de 14 horas fora de casa. Financeiramente falando, essa é uma das maneiras de um professor no Brasil aumentar sua renda mensal. Outra maneira é ingressar no nível superior de ensino, por isso também meu interesse no mestrado e em tudo que ele representa em uma formação acadêmica e profissional. Esta dissertação documenta a tentativa de exercer esse duplo ofício de professor e pesquisador, ambos ao mesmo tempo, por isso infelizmente não consegui me dedicar exclusivamente à pesquisa - principalmente este ano - o que comprometeu em parte o desenvolvimento integral. O motivo do interesse no mestrado está posto. Talvez reste justificar como é que uma pessoa como esta, com esta formação e carreira, resolveu estudar a respeito da formação de sociólogos no Brasil? Passo a sintetizar minha trajetória até as Ciências Sociais, a fim de esclarecer os objetivos esperados com este trabalho. Terminei a licenciatura em História no ano de 2007, deixei a UNESP e a cidade de Assis para trás, retornando para a minha cidade com um diploma na mão e muita vontade de trabalhar. Devido a todas as dificuldades de alguém em início de carreira, comecei só em agosto de 2008. O começo foi muito difícil e nos primeiros 5 anos pensei várias vezes em desistir. Foi quando em 2013, resolvi fazer a licenciatura em Ciências Sociais para poder lecionar também a disciplina de Sociologia, pois em minha cidade havia uma carência muito grande de professor nesta área naquela época, consequência da Lei nº 11.684 de junho de 2008 que novamente incorporou as disciplinas de filosofia e sociologia ao currículo do ensino médio. Fiz esta licenciatura no modelo EAD e ao desenvolver meus estudos acadêmicos neste curso, me apaixonei pela Sociologia, já que ela mudou a minha vida. Comecei a dar mais aulas, às vezes todas de Sociologia, e segui feliz e acomodado por um bom tempo. Em um momento de maior desafio, senti a necessidade de estudar mais esta área pela qual havia me apaixonado. Meu irmão mais velho, professor universitário, sugeriu o mestrado me apresentando a possibilidade de fazer aulas como aluno especial. Então em 2018 comecei a disciplina Pensamento social e sociologia no Brasil: temas e teorias com o professor Angelo Del Vecchio. Foi neste momento que o meu interesse pelo tema foi surgindo. Via nos meus colegas, nos debates das aulas, um sentimento de carência em relação à instrumentação teórico-metodológica e prática sobre a sua ciência. E uma incerteza em relação ao seu ingresso no mercado de trabalho, já que o meio acadêmico nos parecia muito restrito, não parecendo ser capaz de absorver todos ao mesmo tempo. Comecei a desenvolver meu Projeto de Pesquisa - na época com o título: O processo de formação do cientista social no Brasil - e me aprofundar mais neste tema, com muito estudo e pesquisa. Neste mesmo momento também, decidi que iria tentar o ingresso no programa. E depois de algumas tentativas frustradas, consegui ingressar em 2021 e cá estou eu defendendo a minha dissertação, sob orientação da Profa. Dra. Carla Gandini Giani Martelli, depois de passarmos por todos os desafios de uma pandemia e mesmo com uma rotina intensa de sala de aula e magistério na educação básica. Agradeço desde já a todo o Programa de Pós-Graduação em Ciências, a todos os responsáveis pelo pleno funcionamento de tudo isso. Serei eternamente grato por toda a trajetória de aprendizado e crescimento pessoal e profissional que tive a oportunidade de desfrutar nestes 5 anos de contato com uma instituição tão importante como a UNESP. Viva a Universidade Pública!!! SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 14 1.1 Justificativa 1.2 Hipótese 14 20 1.3 Objetivos 1.3.1 Objetivo geral 1.3.2 Objetivos específicos 21 21 21 1.4 Metodologia e técnica 21 2 DESENVOLVIMENTO 29 2.1 O ofício de sociólogo 29 2.2 O mercado de trabalho para sociólogo 40 2.3 O padrão de formação do sociólogo no Brasil 2.3.1 As características do ofício 2.3.2 As características do mercado de trabalho 2.3.3 As características da formação 50 54 58 62 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 74 EPÍLOGO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 76 77 APÊNDICES 80 APÊNDICE A - Quadro com lista de IES, siglas, informações e referências de citação 81 14 1 INTRODUÇÃO 1.1 Justificativa Esta dissertação é pré-requisito para a conclusão do curso de mestrado acadêmico no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). A pesquisa desenvolvida teve como foco o ofício do “sociólogo”1 no Brasil - no atual momento histórico - desde seus processos de institucionalização, passando pelo desenvolvimento de uma formação acadêmica e chegando ao seu aprimoramento profissional e ao mercado de trabalho. Centrou-se em nosso país, mas sem deixar de olhar para outros lugares do mundo, em outros momentos históricos, procurando manter uma reflexão constante acerca de tudo o que representa ser sociólogo neste país, neste momento histórico atual. Escolhemos falar de sociólogos, pois há no Brasil uma lei2 - desde 1980 - que garante o exercício da profissão deste ofício apenas aos egressos dos cursos de bacharel em Ciências Sociais, Sociologia e/ou Sociologia e Política, como fica evidente no seu artigo primeiro: Art. 1º O exercício, no País, da profissão de Sociólogo, observadas as condições de habilitação e as demais exigências legais, é assegurado: a) aos bacharéis em Sociologia, Sociologia e Política ou Ciências Sociais, diplomados por estabelecimentos de ensino superior, oficiais ou reconhecidos; b) aos diplomados em curso similar no exterior, após a revalidação do diploma, de acordo com a legislação em vigor; c) aos licenciados em Sociologia, Sociologia Política ou Ciências Sociais, com licenciatura plena, realizada até a data da publicação desta Lei, em estabelecimentos de ensino superior, oficiais ou reconhecidos; d) aos mestres ou doutores em Sociologia, Sociologia Política ou Ciências Sociais, diplomados até a data da publicação desta Lei, por estabelecimentos de pós- graduação, oficiais ou reconhecidos; e) aos que, embora não diplomados nos termos das alíneas a, b, c e d, venham exercendo efetivamente, há mais de 5 (cinco) anos, atividade de Sociólogo, até a data da publicação desta Lei. (BRASIL, 1980) É curioso notar que até um indivíduo licenciado em Ciências Sociais, por exemplo, e que posteriormente faça o mestrado e/ou até o doutorado nesta mesma área - pois a formação no curso de licenciatura o habilitaria para tal -, esse mesmo indivíduo não poderia exercer o ofício de sociólogo - ao menos não legalmente falando - em algum cargo que porventura 1 Seria importante apresentar uma questão relevante no sentido léxico: todas as vezes que a palavra sociólogo aparecer aqui, que se considere também as sociólogas, socióloges, sociólogxs, enfim, qualquer indivíduo que tenha a formação necessária para o tal. 2 Lei nº 6.888 de 10 de dezembro de 1980 (Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980- 1988/l6888.htm. Acesso em 21/09/2022) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/l6888.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/l6888.htm 15 apareça, em um concurso público por exemplo, pois para isso precisa ter a formação em bacharel - creio que vale ressaltar que sempre que citarmos a formação em bacharel neste trabalho, estaremos nos referindo ao bacharel em ao menos um daqueles três cursos já citados logo acima, que são definidos por lei (também já citada)3 - para conseguir o Registro Profissional, como nos mostra também a mesma lei: Art. 6º O exercício da profissão de Sociólogo requer prévio registro no órgão competente do Ministério do Trabalho, e se fará mediante a apresentação de: I - documento comprobatório de conclusão dos cursos previstos nas alíneas a, b, c e d do art.1º, ou a comprovação de que vem exercendo a profissão, na forma da alínea e do art. 1º; II - carteira profissional. (BRASIL, 1980) Em seguida, reproduzimos uma captura de tela de um edital para concurso público da Prefeitura de Santos com uma vaga para sociólogo. Apenas para mostrar a necessidade, muitas vezes, da comprovação do Registro Profissional para assumir certos cargos. FIGURA 1 - Captura de um Edital para um Concurso de Sociólogo para a Prefeitura de Santos (Fonte: disponível em https://www.institutomais.org.br/Concursos/Detalhe/465. Acesso em mai. 2023) É importante esclarecer que o Artigo 1º, exposto mais acima, deixa explícitas algumas exceções: nas suas alíneas c e d, caso a licenciatura e/ou o mestrado e/ou o doutorado tivessem sido concluídos até a data de publicação da mesma lei, ou seja, até o ano de 1980; já na alínea e trata de uma exceção para todos aqueles que estivessem exercendo já a profissão de Sociólogo - mesmo que não fossem formados para tal - ao menos por cinco anos comprovadamente, antes da data desta lei - ou seja, que estivessem trabalhando ao menos desde 1975 e que pudessem comprovar este vínculo empregatício. Este último caso da alínea e não nos interessa, pois tratamos também da formação acadêmica em bacharel, e este indivíduo não a tem, apenas experiência profissional. Pelos 3 Vale também ressaltar que desconsideramos as formações específicas para Antropólogo e Cientista Político, pois há apenas regulamentação profissional legal para registro de sociólogo. Desconhecemos o registro para cientista político ou antropólogo - embora estejam descritos na CBO, não há lei que regulamente seus exercícios profissionais ainda. https://www.institutomais.org.br/Concursos/Detalhe/465 16 casos expostos nas alíneas c e d, desconsideramos aqui a análise dos cursos de licenciatura e de Pós-Graduação, pois a preocupação é com o ingresso no mercado profissional como Sociólogo, a formação para o tal e o Registro Profissional (Artigo 6º), que segundo a lei, só é possível com o curso de bacharel. Apresentamos também outra captura - de um site muito popular entre os sociólogos ingressantes - para mostrar o que é necessário para conseguir o Registro Profissional. FIGURA 2 - Captura do site Café com Sociologia, de uma matéria intitulada: Registro de sociólogo: como fazer junto ao Ministério do Trabalho (Fonte: disponível em https://cafecomsociologia.com/como-fazer-seu-registro-profissional-de- sociologo-mte-drt-ministerio-trabalho/. Acesso em abr. de 2023) https://cafecomsociologia.com/como-fazer-seu-registro-profissional-de-sociologo-mte-drt-ministerio-trabalho/ https://cafecomsociologia.com/como-fazer-seu-registro-profissional-de-sociologo-mte-drt-ministerio-trabalho/ 17 Dentre os requisitos: a necessidade da apresentação do certificado de conclusão de curso ou diploma de bacharel. Fizemos o teste e realmente é necessário a apresentação do documento em qualquer Delegacia Regional do Trabalho. Mas isso não vem ao caso, nosso interesse é apenas justificar a escolha pela formação em bacharel, entre apenas três modalidades específicas, dentro de uma ciência tão vasta, como as sociais. A própria legislação vigente determina essa escolha, por isso pensamos exclusivamente nesta formação. Poderíamos até pensar em incluir na pesquisa os cursos de licenciatura, já que existem essas exceções. Mas convenhamos, que se este fosse o caso, teríamos que recorrer a documentos muito antigos, que em geral estariam totalmente defasados ou até seriam incapazes de ser encontrados, visto a natureza dos documentos analisados nesta dissertação e o momento da Pandemia pelo que passamos na fase de coleta de dados. Ressaltamos isto pois, os documentos escolhidos para a análise foram os Projetos Pedagógicos de Curso [PPCs] de algumas universidades selecionadas - cuja seleção trataremos logo abaixo ao expormos nossa metodologia e técnica. O Projeto Pedagógico de Curso [PPC] é um documento da instituição, elaborado coletivamente, que lança perspectivas de ações em uma gestão democrática. É o documento mais importante para mostrar os objetivos de um dado Curso, o perfil do egresso que se almeja formar e as justificativas para o desenho da organização ou da grade curricular, entre outros apontamentos importantes. Os PPCs registram, além de objetivos e estruturas curriculares, a divisão de cargas horárias das disciplinas, a necessidade ou não de estágios supervisionados etc. Ao analisar estes documentos, poderemos checar em que medida o que está posto como objetivo pode ser concretizado por meio do desenho da organização curricular, por meio da carga horária proposta para as disciplinas oferecidas, por meio do delineamento de um mercado de trabalho a ser atingido, das características da profissão e formação, entre outas informações importantes para podermos aferir o que as Instituições de Ensino Superior [IES] têm a dizer sobre o que representa ser sociólogo no Brasil, sua formação e preparação para o mercado de trabalho. Estamos preocupados também com a formação, pois aquela mesma lei, que deu prevalência ao bacharelado, define as atividades que são de competência do sociólogo no Brasil, a saber: 18 I - elaborar, supervisionar, orientar, coordenar, planejar, programar, implantar, controlar, dirigir, executar, analisar ou avaliar estudos, trabalhos, pesquisas, planos, programas e projetos atinentes à realidade social; II - ensinar Sociologia Geral ou Especial, nos estabelecimentos de ensino, desde que cumpridas as exigências legais; III - assessorar e prestar consultoria a empresas, órgãos da administração pública direta ou indireta, entidades e associações, relativamente à realidade social; IV - participar da elaboração, supervisão, orientação, coordenação, planejamento, programação, implantação, direção, controle, execução, análise ou avaliação de qualquer estudo, trabalho, pesquisa, plano, programa ou projeto global, regional ou setorial, atinente à realidade social. (BRASIL, 1980) A lei, portanto, define também inúmeras possibilidades de atuação para os sociólogos. Todavia uma formação mais voltada para uma carreira específica entre essas, ou seja, para a carreira acadêmica, poderia estar dificultando o ingresso destes profissionais em um mercado de trabalho existente, mas não completamente reservado e disputado, por vezes, com profissionais oriundos de outras áreas de formação, administradores, por exemplo, como fica evidente no trecho abaixo: O currículo de Ciências Sociais é muito teórico, voltado para a academia, por isso acho que perdemos muito espaço para os administradores. As questões de realizações de pesquisa de mercado, consultoria, tudo isso o sociólogo é capaz de fazer e perdeu espaço para os administradores...de alguma forma houve o distanciamento dos sociólogos da parte prática da profissão...nosso currículo não é voltado para o mercado...então fica aquela lacuna...faltam matérias relacionadas a políticas públicas, essa área é essencial para o sociólogo estar atuando nas prefeituras. (GONDIM, 2002, p. 304-305) Este é um trecho de uma entrevista, feita com um aluno de ciências sociais em fase de conclusão de curso, presente em um artigo que apresenta uma pesquisa qualitativa que utilizou a técnica dos grupos focais com o objetivo de investigar as expectativas de inserção futura no mercado de trabalho de estudantes universitários diversos (GONDIM, 2002). Apesar de ser um relato isolado, ele pode ser um primeiro indício, a ser confirmado por nosso estudo, do padrão de formação em Ciências Sociais no Brasil que parece evidenciar carências na preparação integral do sociólogo para uma gama tão vasta de possibilidades num amplo mercado de atuação profissional. Esse pareceu um apontamento bastante preocupante, porém que foi feito bem no início deste século, de forma que resolvemos investigar se essa seria uma situação que ainda é recorrente na formação destes profissionais brasileiros. É importante deixar claro que o que se planeja fazer aqui, não tem em vista qualquer ataque à carreira de professor universitário, tampouco a programas de pós-graduação. 19 Também não é o objetivo menosprezar a carreira de professor da Educação Básica nas disciplinas de Sociologia, Filosofia, História e/ou Geografia que compõem uma área importante e predominante de atuação profissional, na qual, inclusive, estou vinculado desde que me formei. O que pretendemos é investigar se a formação de bacharel em Ciências Sociais contempla, além da carreira como professor e pesquisador, outras atuações no mercado de trabalho. Assim, os objetos de estudo são os cursos de graduação - no nível do bacharelado - e a formação oferecida aos futuros sociólogos brasileiros que parece estar identificada com e atrelada principalmente a uma carreira acadêmica, algo que, como mostraremos, está representado na própria organização dos cursos de graduação que podem formar profissionais para este ofício. Por isso, novamente ressaltamos que a análise das IES que oferecem exclusivamente o curso de licenciatura em Ciências Sociais, Sociologia e/ou Sociologia e Política foram descartadas nesta pesquisa. Acho que cabe finalmente ressaltar que desconsideramos da nossa seleção apenas as IES que oferecem exclusivamente o curso em licenciatura, nos casos das IES que oferecem os dois módulos concomitantemente, estas instituições foram sim consideradas nesta pesquisa. Voltando para o exemplo citado mais acima (aquele Concurso Público - Foto 1), é claro que um administrador não representaria uma ameaça a um sociólogo, pois seria necessária a apresentação do Registro Profissional - conforme já exposto, para se concorrer à vaga de sociólogo, o que bloquearia o acesso a outras carreiras. Mas existe uma vasta gama de oportunidades nas quais indivíduos com esta formação poderiam representar uma ameaça aos sociólogos. Já que um administrador, só para termos um contraponto diante do exemplo citado, seria capaz - de acordo com a Classificação brasileira de Ocupações [CBO]4 - de planejar, organizar, controlar e assessorar as organizações nas áreas de recursos humanos, patrimônio, materiais, informações, financeira, tecnológica, entre outras; implementar programas e projetos; elaborar planejamento organizacional; promover estudos de racionalização e controlar o desempenho organizacional. Prestar consultoria administrativa a organizações e pessoas. Segundo Lejeune Mirhan - autor responsável por uma densa obra que aborda atuação de sociólogos no Brasil intitulada O mercado de trabalho e a profissionalização do sociólogo 4 A Classificação Brasileira de Ocupações - CBO: é o documento normalizador do reconhecimento, da nomeação e da codificação dos títulos e conteúdos das ocupações do mercado de trabalho brasileiro. É ao mesmo tempo uma classificação enumerativa e uma classificação descritiva. 20 e publicada no ano de 2015 - existem 18 áreas em que podemos identificar a inserção profissional dessa categoria neste país. Ele as dividiu em três categorias entre as quais: 1- uma “área reservada e com mercado de trabalho bem aquecido”; 2- “área não exclusiva e mercado relativamente aquecido”; e 3- “áreas de trabalho em disputa com outras profissões e mercado pouco aquecido e desenvolvido”. A primeira área trata da docência; da pesquisa acadêmica, governamental ou empresarial; da pesquisa de opinião e de mercado; e do assessoramento sindical. A segunda área trata da análise do meio ambiente; do planejamento; da atuação na reforma agrária; no marketing político; e no trabalho com lazer, recreação e turismo. Por fim, a terceira trata das relações internacionais; da assistência em: setores de saúde; jurídicos e carcerários; legislativos; de recursos humanos; de editoração; de comunicação; de cultura; e de assistência social (MIRHAN, 2015). Desta forma, existem setores onde não há um mercado reservado aos sociólogos, onde estes estão em constante concorrência com indivíduos de outras formações, como o exemplo citado dos administradores. Finalmente gostaríamos de mencionar que as conclusões da pesquisa tratam de analisar o nosso presente, mas é claro que sempre há também uma perspectiva de refletirmos sobre o futuro, pois acreditamos que se há uma lei que garante ao sociólogo uma área específica de atuação, se há um mercado de trabalho como mostraremos adiante, precisamos olhar para a formação destes profissionais, para que possamos refletir sobre o lugar deste ofício diante de um panorama cada vez mais diversificado e que pode oferecer espaço de atuação fora do âmbito acadêmico. 1.2 Hipótese A nossa hipótese é de que há predominância de um padrão de formação de sociólogos, que prestigia uma preparação direcionada ao exercício de uma carreira de pesquisa científica acadêmica e/ou o exercício da docência, em detrimento das oportunidades de trabalho em outras áreas, como nas políticas públicas, em pesquisas de mercado, em empresas, em atividades variadas do setor público, ONGs etc. Como mostraremos esta situação está ligada a alguns fatores como o próprio processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil, que por sua vez ocasiona o desenvolvimento da legislação vigente, o que acaba por gerar grandes incertezas nas características do ofício, inúmeras dúvidas a respeito do mercado de trabalho, contribuindo por fim para o surgimento de lacunas que dificultam uma formação mais integral do Bacharel. 21 1.3 Objetivos 1.3.1 Objetivo geral Analisar o ofício do sociólogo no Brasil, a partir dos PPCs dos cursos de bacharelado em Ciências Sociais, estabelecendo relações entre o perfil profissional proposto e as demandas e possibilidades do mercado de trabalho. 1.3.2 Objetivos específicos Caracterizar o processo de institucionalização do curso de graduação em Ciências Sociais, buscando, a partir da literatura especializada, compreender as características do perfil profissional formado e a absorção dos egressos pelo mercado de trabalho previsto pela legislação que regulariza a profissão. Analisar os Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPCs) dos cursos de Graduação em Ciências Sociais em 43 instituições brasileiras, públicas e privadas, a fim de compreender o que estes documentos apontam a respeito da definição do ofício/profissão de sociólogo; das características da formação oferecida aos futuros profissionais, assim como do mercado de trabalho. 1.4 Metodologia e técnica Segundo Auguste Comte, o método “não é suscetível de ser estudado separadamente das investigações em que se emprega” (COMTE, 1988, p. 15). Pois “o método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo - conhecimentos válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista”. (LAKATOS; MARCONI, 2007, p. 83) Estas citações nos serviram como base, pois em vários momentos tivemos de rever nossos métodos, diante de constantes novas necessidades e/ou desafios que se colocavam frente ao estudo desenvolvido. Em termos metodológicos, esta pesquisa se serviu de três caminhos: 1- breve análise do processo de institucionalização das Ciências Sociais, na Europa e no mundo (Brasil, principalmente), e das características que passaram a definir este ofício, tratando das possíveis atuações de um sociólogo desde os primórdios até os dias atuais; 2- investigação a respeito do mercado de trabalho para Sociólogos no Brasil atual, o que diz a legislação vigente e a academia sobre as possibilidades de espaços para atuação destes profissionais e a absorção do mercado em relação aos inúmeros egressos que anualmente se formam nas IES brasileiras; 3- 22 levantamento e análise dos PPCs de algumas IES, que compõem a amostra desta dissertação, para saber o que esses documentos assinalam sobre as características da profissão de sociólogo; o mercado de trabalho para os egressos; e, fundamentalmente, sobre a proposta de formação destes profissionais. Desta forma, ainda em termos metodológicos, esta pesquisa se serviu da revisão bibliográfica, da análise documental e de uma pesquisa descritiva, de caráter documental, dos PPCs selecionados. Resolvemos usar a internet para as buscas, pois esta pesquisa se iniciou em meio à Pandemia da Covid-19 e mantivemos este plano de desenvolver uma pesquisa cuja recolha de dados fosse 100% remota até o final. No plano inicial, foi relevante para escolha do corpus a consideração de documentos que deveriam ser públicos, e nos causou certa perplexidade termos por vezes alguma dificuldade em encontrá-los. Também acreditamos que esta Pandemia nos ensinou que é possível trabalhar por meio da tecnologia, podendo acessar uma “biblioteca mundial” do nosso computador, bastando saber procurar. Além disso, também temos o conforto de comprar livros pela internet e recebê-los na porta de casa, basta um pouco de investimento. Assim, a pesquisa se iniciou com a revisão bibliográfica - nas duas primeiras frentes - ou a revisão da literatura: que é o processo de busca, análise e descrição de um corpo do conhecimento à procura de resposta para perguntas específicas. Esta parte da pesquisa envolveu um levantamento bibliográfico de importantes autores para a Sociologia brasileira e o seu tratamento a fim de: analisar, debater e fundamentar a discussão de todas as questões pertinentes à pesquisa. Em suma, o foco deste levantamento e análise esteve na história do desenvolvimento das Ciências Sociais5 e no seu deslocamento da Europa para o Brasil (passando por outros locais do mundo) e de seus processos de institucionalização como área do saber autônoma. A institucionalização é um processo amplo de mudança cultural, que envolve, dentre outras coisas: a criação de novas práticas organizacionais e de ideias; a consolidação de novas áreas do conhecimento; a construção de associações científicas e profissionais; a disputa pela validação de novos entendimentos, incremento das necessidades de uma nova atuação 5 Cabe ressaltar que a nossa preocupação está mais voltada para o processo de institucionalização da Sociologia, já que é essa área específica das Ciências Sociais que vai oportunizar o desenvolvimento da profissão sociólogo - foco desta pesquisa. No entanto, falamos de Ciências Sociais, pois no Brasil a formação em bacharel nesta grande área possibilita uma possível atuação como sociólogo. Além do mais, podemos dizer que quase todos os cursos que formam sociólogos no país, formam em cursos de bacharel em Ciências Sociais e não especificamente de Sociologia e/ou Sociologia e Política, sendo estes uma pequena exceção - conforme mostraremos adiante. 23 profissional; e que claro também envolve a formação e a profissionalização de indivíduos que se dedicam a esta área de conhecimento e a sua relação com o mercado de trabalho, entre outras coisas. Além deste levantamento e tratamento bibliográfico, também desenvolvemos uma análise documental. Segundo Tremblay, esse é um processo que permite “operar um corte longitudinal que favorece a observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas etc., bem como sua gênese até nossos dias” (apud CELLARD, 2008, p. 295). O documento analisado nesta parte da pesquisa foi a lei 6.888/1980 já citada acima, que dispõe sobre o exercício da profissão de Sociólogo. Diante desta lei, atentou-se aos vários requisitos que toda análise documental exige, especialmente: o contexto histórico do documento; apresentação do autor; autenticidade e a confiabilidade do documento; a natureza do texto; e por fim, os conceitos-chave e a lógica interna do texto (CELLARD, 2008). A escolha e o estudo deste documento, a partir desses parâmetros acima, foram importantes para projetar a organização e estrutura desta dissertação a partir de uma identificação de um problema de pesquisa: as possíveis atuações do bacharel em Ciências Sociais (sociólogo) têm respaldo na sua formação? Esse processo foi importante para fornecer subsídios à compreensão dos desenvolvimentos legais que, por consequência, influenciaram o desenvolvimento das estruturas de ensino nos cursos de formação de sociólogos brasileiros e a definição das características de um novo ofício que surgiu e de seu mercado de trabalho, levando-nos à formulação da última frente da presente dissertação, na qual desenvolvemos uma pesquisa descritiva, de caráter documental, sobre os PPCs de cursos de Ciências Sociais que pudessem subsidiar o contraste entre o estatuto profissional e a realidade de formação. De acordo com Marçal et al (2014), este tipo de enfoque metodológico “tem o propósito de levantar características de uma população ou permitir a análise por meio de documentos, que constituem fonte rica e estável de dados, proporcionando melhor visão sobre determinado problema ou assunto” (MARÇAL et al, 2014, p. 119 apud GIL, 2007). A exemplo do mesmo trabalho, procuramos desenvolver algumas matrizes de análise considerando alguns elementos dos textos institucionais, nesse sentido servimo-nos, como base para a construção e delimitação de nosso corpus, Galego e Silva (2019). 24 Entendemos, a partir dessas leituras, que esta parte da pesquisa também envolveu o método indutivo, pois partimos da análise de casos específicos em busca da elaboração de algumas conclusões mais gerais. Nesta última frente da pesquisa, também fizemos uso da análise de conteúdo, que segundo, Sampaio e Lycarião (2021) é uma técnica de pesquisa científica baseada em procedimentos sistemáticos, intersubjetivamente validados e públicos para criar inferências válidas sobre determinados conteúdos verbais, visuais ou escritos, buscando descrever, quantificar ou interpretar certo fenômeno em termos de seus significados, intenções, consequências ou contextos. (SAMPAIO e LYCARIÃO, 2021, p. 6) Baseamos este estudo no desenvolvimento das três etapas definidas por Bardin (1977) e que segundo Oliveira “podem ser especificadas como: pré-análise; exploração do material ou codificação; tratamento dos resultados, inferência e interpretação” (OLIVEIRA, 2008, p. 571). Segundo a mesma autora (2008), essas etapas podem ser especificadas como: Primeira Etapa: pré-análise - Nesta etapa são desenvolvidas as operações preparatórias para a análise propriamente dita. Consiste num processo de escolha dos documentos ou definição do corpus de análise; formulação das hipóteses e dos objetivos da análise; elaboração dos indicadores que fundamentam a interpretação final. Segunda Etapa: exploração do material ou codificação - Consiste no processo através do qual os dados brutos são transformados sistematicamente e agregados em unidades, as quais permitem uma descrição exata das características pertinentes ao conteúdo expresso no texto. Terceira Etapa: tratamento dos resultados inferência e interpretação - Busca-se, nesta etapa, colocar em relevo as informações fornecidas pela análise, através de quantificação simples (frequência) ou mais complexas como a análise fatorial, permitindo apresentar os dados em diagramas, figuras, modelos etc. (Bardin, 1977 apud Oliveira, 2008, p. 572) A análise dos PPCs visou mostrar como as IES concebem três aspectos específicos: a) as características do ofício: neste ponto buscamos o que se explicita a respeito da relação entre o ofício e a teoria, a prática e/ou a aplicação; b) as características do mercado de trabalho: neste outro ponto buscamos o que se explicita a respeito do mercado de trabalho ser considerado consolidado, em disputa ou escasso; c) as características da formação: neste último ponto buscamos o que se explicita a respeito da possibilidade de desenvolvimento 25 teórico e prático ao longo do curso e a obrigatoriedade ou não do estágio e como este se apresenta ao estudante. Assim, para identificar esses entendimentos que estão colocados nos documentos analisados, utilizamos uma abordagem qualitativa a partir da análise de conteúdo, com codificação aberta com a ajuda do software MAXQDA. Cabe destacar que o processo de codificação por este aplicativo é feito pelo próprio pesquisador, que pode criar e organizar as categorias como desejar e, de maneira geral, o software permite que as informações importantes sejam destacadas com cores e símbolos. Depois disso foram elaborados painéis de visualização, nos quais os dados das matrizes foram inseridos a fim de agrupar os termos encontrados, possibilitando uma análise mais criteriosa do seu conteúdo. Nosso intuito foi identificar, por meio da análise qualitativa de conteúdo com suporte computacional, os principais aspectos que caracterizam os cursos de formação já especificados. Iniciamos esta fase com o levantamento de IES que ofereciam os cursos de bacharelado em Ciências Sociais, Sociologia e/ou Sociologia e Política, conforme já justificamos. Para facilitar o processo de mapeamento de universidades brasileiras que ofereciam ao menos um destes três cursos já citados, resolvemos usar como base para a busca, um documento do Ministério da Educação [MEC] de 2017 que apresentava o Conceito Preliminar de Curso [CPC] de diversas instituições nacionais. Embora os conceitos (notas) atribuídas na avaliação não sejam relevantes para a proposta de análise desta dissertação, essa lista foi escolhida, pois foi a última vez que esse tipo de avaliação contou com a participação das universidades e faculdades que ofereciam cursos de bacharelado, que segundo a lei, poderiam formar sociólogos no Brasil. Serve, portanto, de mapa atualizado de oferecimento desses cursos algo que julgamos importante como critério de refinamento dos dados. Na verdade, é importante esclarecer que o foco da nossa análise acabou sendo as universidades e faculdades que ofereciam cursos de bacharel em Ciências Sociais (o motivo foi o sistema que usamos para encontrar e selecionar as IES analisadas). O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes [ENADE] de 2017, não contou com a participação de universidades que ofereciam o bacharelado em Sociologia, mas contou com a participação de uma IES que oferecia o curso de Sociologia e Política. Em uma única exceção, que foi a Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), que na verdade oferece um curso de bacharel em Sociologia e Política, que inclusive é o primeiro curso de 26 Ciências Sociais brasileiro. Com mais algumas situações atípicas, que não chegam a ser exceções, como no caso da Universidade Federal Fluminense (UFF), que oferece tanto o curso de bacharel para Ciências Sociais, quanto para Sociologia. E de outras universidades, como a Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) ou a Universidade Federal do Paraná (UFPR), por exemplo, nas quais o aluno cursa um perfil comum às três áreas (Sociologia, Antropologia e Ciências Políticas) e um perfil específico quando há um momento no curso em que o aluno começa a priorizar uma das três áreas a partir de um determinado semestre, por livre escolha. Considerando todos esses cursos de bacharel em Ciências Sociais e Sociologia e Política que realizaram o ENADE 2017, encontramos 78 IES listadas neste documento. Filtramos este resultado, pois algumas vezes certas instituições apareciam repetidamente nesta lista, isso ocorreu pelo fato de a universidade oferecer a modalidade de bacharelado em períodos diferentes. Nestes casos consideramos apenas um documento para a análise, priorizando os cursos com maior conceito (este foi o único caso em que consideramos os CPCs dos cursos) e em seguida, os cursos no período diurno - em vez daqueles em período integral ou noturno. Importante deixar claro também que nos casos em que o curso era oferecido pela mesma instituição, mas em cidades/campus diferentes, não as descartamos como nos casos explicitados logo acima, restando assim 70 IES para a análise. Além disto, 3 destas IES deixaram de oferecer a formação de bacharel e outras 4, aparentemente tiveram seus cursos extintos, deixaram de oferecer a formação em Ciências Sociais, tanto em licenciatura quanto em bacharelado - pois não foram encontradas nas buscas pela rede -, restando, portanto, finalmente 63 IES para a análise. É importante ressaltar também que não consideramos as IES que oferecem formação apenas no modelo EAD. Ao todo foram 64 IES selecionadas para o levantamento documental, pois acrescentamos nesta análise uma universidade do Estado de Tocantins - nesta situação específica, pesquisamos uma instituição que não estava presente na lista inicial -, para que tivéssemos representações institucionais de todas as Unidades Federativas [UFs] brasileiras, de modo a evitar um possível desvio regional do eixo no qual se concentram grande parte das instituições de ensino e pesquisa (Sul-Sudeste). Estas IES consideradas são indistintamente tanto públicas (municipais, estaduais e federais) quanto privadas. Não acreditamos que usar uma busca de 2017 desatualize a pesquisa em questão. Quando fazemos uma procura no Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação 27 Superior - ou Cadastro e-MEC6 - por cursos de bacharel em Ciências Sociais, encontramos 116 IES. Considerando apenas as que estão em atividade - desconsiderando as IES em que estes cursos foram extintos ou aquelas em que estão em processo de extinção - este número cai para 86. A maioria delas participou deste último ENADE usado como base para a nossa seleção. Abaixo apresentamos uma captura de um Relatório de consulta avançada gerado no portal eMEC com o resultado da pesquisa sobre IES que oferecem o curso de bacharel em Ciências Sociais. FIGURA 3 - Captura de uma amostra do Relatório de consulta avançada gerado no portal eMEC (Fonte: disponível em: https://emec.mec.gov.br/. Acesso em mai. 2023) Também não achamos que seja um problema não considerar as IES que oferecem a formação em Sociologia ou em Sociologia e Política, pois em uma busca no mesmo portal, por cursos que oferecem o bacharelado nestas áreas, encontramos apenas cinco IES. Três em atividade, uma extinta e uma em processo de extinção. Destas três que estão ativas, uma delas consta na nossa exceção e a outra, que é presencial - pois desconsideramos aqui também os cursos EAD -, consta também em uma das situações apresentadas, tudo conforme já citado acima. 6 Disponível em: https://emec.mec.gov.br/. Acesso em: 22/05/2023) https://emec.mec.gov.br/ https://emec.mec.gov.br/ 28 Portanto, não julgamos que essas situações venham ocasionar um desvio sério que possa vir a prejudicar a pesquisa. Abaixo apresentamos outra captura de outro Relatório de consulta avançada gerado no portal eMEC com o resultado da pesquisa sobre IES que oferecem o curso de bacharel em Sociologia ou Sociologia e Política. FIGURA 4 - Captura de uma amostra do Relatório de consulta avançada gerado no portal eMEC (Fonte: disponível em: https://emec.mec.gov.br/. Acesso em mai. 2023) Em suma, usando de todas essas bases de dados e esses procedimentos de seleção de dados, acreditamos que tenha sido possível construir uma busca relevante, que considerou critérios importantes para determinar uma amostragem significativa de cursos de bacharelado que formam sociólogos no Brasil e que formam o corpus da presente dissertação. https://emec.mec.gov.br/ 29 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 O Ofício do Sociólogo O entendimento de que temos capacidade de refletir sobre a natureza do ser humano, de suas relações e de suas estruturas sociais é muito antigo, remonta à religião, à filosofia e à sabedoria oral como formas dedutivas de verdades. As ciências sociais são herdeiras dessa sabedoria e constituíram-se como um empreendimento do mundo moderno, quando estas ciências começaram a se separar da filosofia, surgindo como uma grande área interdisciplinar. A história intelectual do século XIX é marcada, antes de tudo, por este processo de disciplinarização e profissionalização do conhecimento, o que significa dizer, pela criação de estruturas institucionais permanentes destinadas, simultaneamente, a produzir um novo conhecimento e a reproduzir os produtores de conhecimento. (WALLERSTEIN et al, 1996, p. 21) É nesse contexto histórico que, em muitos países, surgem as ciências sociais, iniciando seu processo de institucionalização enquanto área de conhecimento autônoma. A história varia em diferentes países e regiões, mas podemos apresentar algumas tendências gerais que contribuíram para a institucionalização destas ciências. A partir do século XIX, as ciências sociais começaram a se desmembrar em diferentes disciplinas acadêmicas. A emergência de disciplinas distintas desmembrou as ciências sociais em diversos campos específicos, a começar pela sociologia, depois a antropologia e, por fim, a ciência política, a irmã caçula das outras duas áreas disciplinares. Isso ocorreu à medida que os estudiosos começaram a adotar métodos mais empíricos e científicos para estudar a sociedade e o comportamento humano. Mas se o que havia fazer era organizar e racionalizar a mudança social, a verdade é que primeiramente se impunha estudá-la e entender as regras que lhe subjaziam. Verificava-se, assim, não apenas existir um espaço para aquilo a que viríamos a chamar ciências sociais, mas também uma profunda necessidade social no sentido do seu surgimento. (WALLERSTEIN et al, 1996, p. 22) Nesse sentido, outro aspecto importante da institucionalização foi o desenvolvimento de teorias e métodos. Os pioneiros das ciências sociais, como Auguste Comte, Émile Durkheim, Karl Marx, Max Weber e outros, como Lester Ward, contribuíram para o desenvolvimento de teorias e métodos específicos para o estudo das sociedades humanas. Essas teorias e métodos forneceram uma base intelectual para a formação das disciplinas. 30 Dentro de todo este diálogo, um ponto muito importante foi pensar a relação que as ciências sociais tinham com a sociedade: os entendimentos levantados pela pesquisa social, essencialmente teóricos, não deveriam interferir na realidade? Representavam estudos práticos com trabalho de campo com rigor metodológico? Previam a aplicação dos conhecimentos para a resolução de problemas da sociedade? Ou ainda, mesclavam essas relações no desenvolvimento do trabalho do cientista em questão? Nosso entendimento é de que a teoria é a construção do objeto por meio da revisão bibliográfica, análise e interpretação de dados e produção monográfica; a prática representa os meios necessários para o trabalho de campo, a coleta de dados, a revisão bibliográfica e o domínio metodológico-prático; e a aplicação seria a proposição e a implementação de soluções para problemas sociais determinados, a partir da pesquisa de campo inferida pela teoria social. Para Auguste Comte - considerado o fundador da sociologia - “Só a filosofia positiva pode ser considerada a única base sólida da reorganização social, que deve terminar o estado de crise no qual se encontram, há tanto tempo, as nações mais civilizadas” (COMTE, 1988, p.17). Ele argumentava que o sociólogo deveria buscar a aplicação prática do conhecimento sociológico para melhorar a sociedade e enfatizava a importância de utilizar o conhecimento adquirido pela sociologia para guiar a ação social e promover mudanças sociais positivas. Nesse sentido, o sociólogo deveria estar engajado em questões sociais e buscar contribuir para o bem-estar coletivo. Todos os trabalhos humanos são especulações ou ações. Assim a divisão mais geral de nossos conhecimentos reais consiste em distingui-los em teóricos e práticos. Se considerarmos de início esta primeira divisão, é evidente que somente os conhecimentos teóricos devem ser tratados num curso da natureza deste. (COMTE, 1988, p. 22) Apesar desta ressalva, em seu Curso de Filosofia Positiva, ele parece partilhar da crença de que o conhecimento sobre algo possibilitava uma ação. Seus anseios de transformação social a partir da operação enciclopédica e da criação de uma última área de conhecimento (a física social), para a absoluta compreensão das leis regulares que regiam o universo (inclusive as sociais) e da organização e transmissão desses conhecimentos, visavam sim a transformação social, ele esperava que isso melhorasse a sociedade. Desta maneira, a sociedade seria, para ele, um todo mal organizado, regida por fenômenos sociais que deveriam ser observados, a fim de apresentar suas regularidades em forma de leis fundamentais, que favorecessem uma reorganização social (passando também 31 por uma reforma educacional) e o progresso, trazido pela ciência e pela “legislação” dos fenômenos. Parece desta forma criar uma ciência teórica, mas que previa um desenvolvimento prático, onde o conhecimento descoberto poderia contribuir para a melhoria da sociedade. A própria construção do conhecimento se aplicaria em um progresso social. Seu principal sucessor no pensamento francês àquele momento foi Émile Durkheim. Este foi fundante quando delimitou uma área de estudo, seu objeto, seus métodos e práticas, foi decisivo para a instituição da Sociologia como uma ciência necessária e respeitada. Ele faz uma crítica ao desenvolvimento das Ciências Sociais, que até aquele momento, não havia se preocupado em caracterizar e definir seus métodos para o estudo dos fenômenos sociais. Não cuidaram das precauções para se observar os fatos, como colocar os problemas, as práticas para se determinar o fim, as regras para observar as provas etc. Dessa forma, faz algo pela Sociologia, que ninguém havia ainda feito, tratar da institucionalização da ciência. Nesse sentido, cabe ressaltar que teve um papel fundamental no desenvolvimento do campo como uma disciplina acadêmica: Um feliz conjunto de circunstâncias, à frente das quais é justo colocar a iniciativa da qual resultou a nosso favor a criação de um curso regular de Sociologia na Faculdade de Letras de Bordéus, permitiu que cedo nos consagrássemos ao estudo da ciência social e a construíssemos em matéria de nossas ocupações profissionais. (DURKHEIM, p. 85) Embora Durkheim não tenha discutido explicitamente o ofício do sociólogo em seus escritos, suas obras e contribuições oferecem importantes direcionamentos sobre a natureza do trabalho sociológico. Ele acreditava que a educação desempenhava um papel crucial na criação de uma consciência coletiva e na integração social. Argumentava também que a instituição escolar tinha a função de transmitir valores, normas e conhecimentos à nova geração, contribuindo para a coesão social e a estabilidade da sociedade. Compreendia a institucionalização como um processo pelo qual as normas, regras e valores se tornam estabelecidos na sociedade. E ressaltava que as instituições, como a educação, o direito e a religião, eram fundamentais para a coesão social e a reprodução das estruturas sociais. O trabalho do sociólogo, então para ele, consistiria em analisar esses fatos sociais, compreender sua origem, suas manifestações e seu efeito sobre a vida social. Ainda que Durkheim não tenha desenvolvido uma visão específica sobre o ofício, seu trabalho estabeleceu bases teóricas e metodológicas importantes para a disciplina. Ele enfatizou a importância da investigação científica, da análise das instituições e da compreensão dos fatos sociais como elementos centrais do trabalho sociológico. Essas ideias 32 influenciaram e continuam a influenciar as práticas e abordagens dos sociólogos contemporâneos. Aqui no Brasil, este autor terá muita influência na obra de Fernando de Azevedo, que foi um educador e intelectual brasileiro que viveu no século XX. Ele desempenhou um papel importante na construção e reforma do sistema educacional no Brasil. Azevedo foi um defensor da educação como um meio de promover a cidadania, a justiça social e o desenvolvimento humano. Ambos os pensadores reconheciam a importância das instituições na sociedade e seu papel fundamental na formação dos indivíduos, na coesão social e na transmissão de conhecimentos e valores. Concluíram que ao refletir sobre as instituições sociais e ao transformá-las, transforma-se também a sociedade. Outro autor fundamental para a formulação das ciências sociais foi Karl Marx, pensador alemão que viveu no século XIX, participou diretamente dos debates teóricos e políticos de seu tempo. Para ele a ciência social é teórica, prática e aplicada No Prefácio do livro Marx – Vida e Obra, Giannotti fala sobre o Manifesto Comunista: “(...) a preparação do texto abre-se com uma análise da luta de classes e termina convocando os operários do mundo inteiro à união. Marx estava visando a fins precisos” (MARX, 1978, p. XVI). Ele foi marcante na trajetória prática e transformadora da área, juntamente com seu amigo fiel Friedrich Engels; ambos formularam uma ciência social que visava à aplicação, uma ciência que previa a emancipação de uma classe a fim de transformar a sua realidade e colocar fim à sociedade capitalista. Independentemente da sua atuação pessoal, Marx formula uma ciência que previa o desenvolvimento teórico, prático e aplicado das Ciências Sociais. Marx concebia a institucionalização como um processo intrinsecamente ligado às relações de produção e à estrutura de classes da sociedade capitalista. Ele argumentava que as instituições, como o Estado, a família, a religião e a educação, eram moldadas pelos interesses da classe dominante e serviam para perpetuar a exploração e a desigualdade. No Brasil, influenciará muito a obra e trajetória de Florestan Fernandes, conhecido por suas análises sobre a sociedade brasileira e as desigualdades sociais. Fernandes abordou a institucionalização no contexto da formação histórica e das contradições sociais do Brasil. Ele argumentava que as instituições brasileiras, como o sistema educacional, o sistema político e o mercado de trabalho, eram permeados por relações desiguais de poder e reproduziam estruturas de dominação. Karl Marx não discutiu especificamente o "ofício do sociólogo" em termos modernos, pois o campo da sociologia como disciplina acadêmica surgiu após sua morte. No entanto, 33 suas obras e teorias oferecem uma base crítica e analítica que influenciaram profundamente o pensamento sociológico posterior. Dessa forma, o trabalho sociológico, no sentido marxista, está ligado a uma análise crítica da sociedade, das relações de classe, das contradições e das transformações sociais. O sociólogo, nesse sentido, busca compreender as estruturas sociais, suas origens históricas e suas implicações para os indivíduos e grupos sociais. Os sociólogos contemporâneos que se baseiam nas teorias de Marx frequentemente adotam uma abordagem crítica e voltada para a ação social. Eles buscam revelar as injustiças sociais, analisar as desigualdades e promover uma transformação social mais equitativa. Fernandes analisava a institucionalização como um processo de reprodução das desigualdades sociais, em que as classes dominantes mantinham seu poder por meio do controle das instituições, mostrando sua influência marxista. Um ideal relativamente complexo de pesquisa sociológica foi tolerado, durante certo tempo; mas, por fim, entrou em conflito com as situações de interesses de classes sociais dominantes, que não estavam preparadas para conceder real autonomia aos sociólogos profissionais. (FERNANDES, 2008, p. 139). Embora Marx e Fernandes tenham vivido em épocas diferentes e em contextos sociais distintos, ambos destacaram a influência das relações de poder na institucionalização e enfatizaram a necessidade de mudança e transformação das estruturas institucionais para alcançar uma sociedade mais justa e igualitária. Suas análises críticas da institucionalização contribuíram para uma compreensão mais profunda dos mecanismos de poder e das desigualdades presentes nas sociedades capitalistas. Muitas das críticas feitas a Marx e seus herdeiros foram de um contemporâneo seu, Max Weber, que em um de seus textos: A ‘objetividade’ do conhecimento nas ciências sociais, publicado em 1904, traz os principais temas da sua concepção de metodologia da ciência social e das relações entre conhecimento científico e prática, minuciosamente expostos. O ponto de partida é a Economia, pois ali se encontram os partidários da concepção que se propõe a combater (como ciência empírica, a Economia “nunca poderá ter como tarefa a descoberta de normas e ideias de caráter imperativo das quais pudessem deduzir algumas receitas para a prática”). Boa parte do seu esforço será no sentido de definir o domínio da ciência empírica como o dos meios, e não o dos fins. “A ciência não pode propor fins à ação prática. Uma ciência empírica não está apta a ensinar a ninguém aquilo que se ‘deve’, mas 34 sim, apenas aquilo que se ‘pode’ e – em certas circunstâncias – aquilo que se ‘quer’ fazer”. (WEBER, 1979, p. 21) Combate a ideia de que a Ciência possa engendrar “concepções de mundo” de validade universal, fundadas no sentido objetivo do decurso histórico. O objeto do conhecimento social não se impõe à análise, como já dado, mas é constituído nela própria, através dos procedimentos metódicos do pesquisador. Ofereceu uma reflexão significativa sobre o ofício do sociólogo em seus escritos. Weber considerava a sociologia como uma disciplina que visava compreender a ação social e suas bases sociais, culturais e históricas. Ele explorou diversos aspectos do trabalho sociológico, incluindo seu objetivo, métodos de investigação e o papel do sociólogo na sociedade. Weber argumentava que o objetivo do sociólogo era compreender o significado e a motivação subjacentes às ações dos indivíduos e grupos sociais. Ele enfatizava a importância de analisar tanto a estrutura social quanto a subjetividade dos atores sociais, a fim de compreender a complexidade das interações sociais. Em relação aos métodos de investigação, Weber defendia uma abordagem compreensiva, buscando captar o significado subjetivo das ações sociais. Ele enfatizava a importância da compreensão empática, colocando-se no lugar dos atores sociais para compreender sua perspectiva e intenções. Além disso, Weber também valorizava a combinação de diferentes métodos, incluindo a pesquisa documental, a observação direta e a entrevista, a fim de obter uma compreensão mais completa dos fenômenos sociais. Quanto ao papel do sociólogo na sociedade, Weber argumentava que este deveria ser um intelectual crítico e comprometido, com responsabilidade ética. Ele acreditava que os sociólogos tinham a tarefa de fornecer conhecimento objetivo e esclarecedor sobre a sociedade, para contribuir para a compreensão e transformação social. Ressalta, porém, que embora seja impossível eliminar completamente os valores pessoais do sociólogo, é necessário que os mesmos sejam conscientes e transparentes em sua influência sobre o trabalho científico. Assim defende a busca de um tipo de objetividade baseada na compreensão interpretativa da ação social. (WEBER, 1979). No geral, Weber via o ofício do sociólogo como uma busca pela compreensão da ação social, utilizando métodos empíricos e interpretativos. Ressaltava a importância do conhecimento sociológico para a compreensão e aprimoramento da sociedade, bem como a responsabilidade ética dos sociólogos na divulgação desse conhecimento para o público em 35 geral. As ideias de Weber influenciaram significativamente o desenvolvimento da sociologia e continuam a ser relevantes para o trabalho sociológico contemporâneo. No Brasil, exerceu uma influência significativa na formação dos cursos de Ciências Sociais. A presença das ideias weberianas pode ser observada tanto no conteúdo programático dos cursos quanto nas abordagens metodológicas adotadas pelos sociólogos e cientistas sociais brasileiros. De forma geral, contribuiu para a construção de uma base teórica e metodológica sólida, influenciando a maneira como os cientistas sociais brasileiros compreendem e analisam os fenômenos sociais. Seria importante ressaltar que não pretendemos, de maneira alguma, esgotar este debate epistemológico entre os clássicos, mas só queremos evidenciar a grande disputa no campo e essa falta de consenso, mesmo entre os clássicos, pois acreditamos que isto contribui para o desenvolvimento de um processo de institucionalização das ciências sociais na Europa e em outros locais do mundo, onde as ciências sociais também se institucionalizarão. No Brasil, demos exemplos breves da influência desses pensadores na obra de Fernando de Azevedo e Florestan Fernandes, que serão acadêmicos influentes no surgimento dos primeiros cursos de ciências sociais brasileiros, principalmente na USP. Já na Sociologia americana, quase que contemporaneamente a Weber, Lester Ward toma partido nesse debate partilhando a ideia de que toda ciência possui a parte teórica e pura e a parte prática e aplicada. Para ele existem duas sociologias: a sociologia pura e a sociologia aplicada. E em linhas gerais, assim define: Enquanto a sociologia pura trata do desenvolvimento espontâneo da sociedade, a sociologia aplicada lida com meios artificiais de aceleração desses processos espontâneos. Enquanto o objeto da sociologia pura é a realização, o objeto da sociologia aplicada é a melhora. A primeira trata do passado e do presente, a outra do futuro. (WARD, 1906, p. 6, tradução nossa) Segundo este autor, a sociologia pura trataria da investigação científica sobre a condição atual da sociedade, produzindo uma autoconsciência tal que a permitisse, na sociologia aplicada, funcionar como um guia para a ação social e política. Ward fez contribuições significativas no campo da sociologia aplicada e a abordagem científica do estudo da sociedade. Ele defendia a ideia de que a sociologia deveria ser uma ciência que se dedica ao estudo dos problemas sociais e à busca de soluções baseadas em evidências empíricas. Ele enfatizava a importância da sociologia como uma disciplina que 36 poderia fornecer conhecimento objetivo para abordar questões sociais e promover mudanças positivas na sociedade. Voltando à Sociologia francesa - só que contemporânea - houve um intenso debate sobre a relação entre teoria e prática nas ciências sociais durante o século XX. O excesso de um chamado “teoricismo” foi alvo de críticas de Bourdieu, Chamboredon e Passeron, que fizeram um manifesto em oposição à grande tendência escolástica presente na década de 1960. Para eles a profissão do sociólogo requereria a junção da compreensão teórica, com um árduo trabalho metódico de “conquista” do objeto de estudo. Esses autores são contrários à separação entre teoria e prática, recusando-se a estabelecer uma dissociação entre elas: “... é verdade que o ensino da pesquisa requer – tanto dos seus idealizadores, quanto de seus receptores – uma referência direta e constante à experiência na primeira pessoa...” (BOURDIEU et al,1999, p. 10-11). Desta forma os autores não falaram em primazia de prática em detrimento da teoria, mas da necessidade de um equilíbrio entre essas instâncias como a forma correta de se fazer ciência. Ao refletirmos sobre todo este debate nas ciências sociais, não fica evidente qual seria a característica intrínseca das ciências sociais na sua relação com a teoria, a prática e, principalmente, a aplicação. Parece que há uma falta de clareza na definição das ciências sociais, muito diferente do que houve, por exemplo, com as chamadas ciências da natureza: “A ciência, ou seja, a ciência da natureza, foi objeto de uma definição mais clara do que seu contraponto, para o qual o mundo não chegou nunca sequer a acordar num único nome” (WALLERSTEIN et al, 1996, p. 19). Ao que tudo indica, essa falta de clareza vai influenciar, e muito, em uma outra etapa importante no processo de institucionalização das ciências sociais que é: a criação de instituições acadêmicas. A Sociologia como disciplina nasceu com a ambição de se tornar a ciência geral da “sociedade”, objeto em torno do qual foi construído um acordo mínimo que permitiu a institucionalização da disciplina (Wickham, 2012). Porém, outras disciplinas, que abordam este objeto por meio de lentes teóricas e tradições teóricas metodológicas diversas, tiveram desenvolvimentos paralelos, embora não isolados, que resultaram na institucionalização de múltiplos campos disciplinares que irão organizar os países como no Brasil. (LIMA e CORTES, 2013, p. 417-418) 37 A institucionalização das ciências sociais envolveu a criação de instituições acadêmicas dedicadas ao estudo dessas disciplinas. Universidades e faculdades estabeleceram departamentos e programas específicos para sociologia, antropologia, ciência política e outras áreas das ciências sociais, em tempos diferentes. Os primeiros cursos de Ciências Sociais foram criados nas décadas de 1930 e 1940. A influência de intelectuais europeus, especialmente alemães e franceses, foi fundamental para a consolidação da disciplina no país. A fundação do primeiro curso de Sociologia ocorre em maio de 1933 pela Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo que, atualmente, é a única instituição cadastrada que oferece a formação em Sociologia e Política e percebemos que esta instituição parece ter voltado sua preocupação para a atuação profissional do Sociólogo para além do meio acadêmico simplesmente7. A Universidade de São Paulo (USP), criada em 1934, também teve um papel central no desenvolvimento das Ciências Sociais no Brasil - com este perfil mais voltado para a teoria, influência da escola francesa - inclusive criticado por Bourdieu, Chamboredon e Passeron, como mostramos acima -, especialmente de duas figuras relevantes nesse contexto: Claude Lévi-Strauss e Roger Bastide. Claude Lévi-Strauss foi um renomado antropólogo francês e um dos principais teóricos estruturalistas do século XX. Ele teve uma relação significativa com a USP, onde lecionou como professor entre os anos de 1935 e 1937. Durante esse período, Lévi-Strauss desenvolveu pesquisas e influenciou estudantes e intelectuais brasileiros com suas teorias antropológicas. Roger Bastide, por sua vez, foi um sociólogo e antropólogo francês que também teve um papel fundamental no desenvolvimento das Ciências Sociais no Brasil. Bastide se mudou para o Brasil em 1938 e passou a lecionar na USP a partir de 1941. Ele foi um dos principais responsáveis por consolidar a sociologia no país, especialmente com seu trabalho sobre religião, cultura afro-brasileira e relações raciais. Suas pesquisas influenciaram uma geração de estudiosos e foram fundamentais para a formação de uma abordagem sociológica brasileira. A partir de então, as Ciências Sociais no Brasil passaram por diferentes fases e abordagens teóricas, incorporando perspectivas críticas, marxistas, estruturalistas, pós- estruturalistas, entre outras correntes. Esse desenvolvimento variado, mostra que este é um 7 Embora não tenhamos encontrado o PPC desta instituição, foi possível notar as características da formação, pois foi possível encontrar na página oficial o perfil do egresso e os objetivos do curso. 38 campo em constante disputa, que pode ter ocasionado esta falta de clareza na definição da formação do bacharel, o que, por sua vez, pode ter gerado algumas lacunas na formação destes indivíduos e a respeito do seu mercado de trabalho. Segundo Sérgio Miceli (2001), o desenvolvimento das Ciências Sociais no Brasil - entre 1930 e 1964 - dependeu intimamente de duas coisas: de um impulso alcançado pela organização universitária (em grande parte financiada pela iniciativa privada) e de uma concessão de recursos governamentais; esses dois padrões de consolidação institucional, segundo ele, acabaram resistindo, porque atenderam a demandas diferenciadas de grupos sociais emergentes e aos projetos formulados ou encampados pelos setores políticos dirigentes. Essa dependência dos institutos superiores de ensino geraram uma relativa dissociação entre os cientistas sociais e as questões práticas de extensos setores da população, cuja solução, ou mitigação, depende de intervenções nas quais se aplica praticamente o conhecimento produzido pelas Ciências Sociais. As consequências disso repercutiram tanto sobre as orientações doutrinárias (metodológicas, teóricas, político-partidárias), o perfil dos objetos selecionados para a investigação, os conteúdos substantivos da produção acadêmica, como no que concerne às carreiras intelectuais e profissionais dos cientistas sociais... (MICELI, 2001, p. 92) Se de um lado, Miceli (2001) aponta um distanciamento entre a ciência e o povo - no que diz respeito a uma ciência que se atente aos setores populares -, causado pelos interesses que estão por trás dos investimentos nessas instituições, o que dificulta a possibilidade de aplicação, de outro, Florestan Fernandes (1977) apontava muito mais a influência de duas outras coisas, tanto nas atividades de produção de trabalhos científicos, quanto na institucionalização dos cursos nas mais diversas áreas: as instituições científicas extraem recursos do meio social inclusivo, ou seja, esses investimentos refletem uma representação coletiva do que é essencial; os rumos tomados por essas instituições científicas dependem também de outros sistemas de normas e valores. A institucionalização das Ciências Sociais e de seus cursos de formação tomaram rumos que nem sempre dependeram de intenções meramente científicas: O padrão de trabalho intelectual, explorado nos diversos ramos da investigação científica, é determinado, formalmente pelas normas, valores e ideais do saber científico. Contudo, as condições materiais e morais do meio social ambiente refletem-se, de várias maneiras, nas possibilidades de organização e de expansão das instituições de pesquisa científica. (FERNANDES, 1977, p. 50) 39 Ora, se as instituições científicas necessitam de recursos para o seu funcionamento e organização, sua autonomia e produção de certa forma estão presas àquilo que o meio social espera desta determinada ciência, assim como a preparação dos profissionais nas mais específicas áreas também respondem de imediato às necessidades e ao entendimento, do mesmo meio, sobre as qualidades necessárias de cada profissional (aquilo que esperamos de cada ciência e de cada cientista). Portanto, se as pesquisas, objetos, métodos, tudo se afasta dos interesses dos setores populares, esses setores por sua vez não valorizarão essa ciência que parece não lhes servir em nada. É preciso lembrar que este processo de institucionalização das ciências sociais no Brasil foi fortemente influenciado por momentos políticos e sociais do país. Durante o regime militar (1964-1985), as ciências sociais enfrentaram desafios, como censura e restrições à liberdade acadêmica. No entanto, pesquisadores e intelectuais brasileiros continuaram a desenvolver trabalhos críticos e contribuir para a compreensão da sociedade brasileira. Aliás, por mais paradoxal que seja, as ciências sociais se expandiram nesse período, como bem pode ser representado pela criação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais [ANPOCS], em 1977. A institucionalização das ciências sociais também envolve o impulsionamento pela criação de periódicos e editoras acadêmicas dedicadas a essas disciplinas, o que também ocorreu nesse período. Isso permitiu que os acadêmicos compartilhassem suas pesquisas, teorias e descobertas com um público mais amplo. Essa é uma forma importante de a universidade contribuir com a sociedade. Esse processo de expansão dessa área de conhecimento tem contribuído para a compreensão das dinâmicas sociais, políticas e culturais do país, abordando temas como desigualdade social, identidade, gênero, raça, política, entre outros, através da publicação de periódicos e livros acadêmicos há muito tempo. A profissionalização e a formação de profissionais são outros pontos importantes no processo de institucionalização. À medida que as ciências sociais se desenvolviam, os acadêmicos começaram a buscar formação especializada nessas áreas. Isso envolveu a obtenção de diplomas de pós-graduação em ciências sociais e a participação em programas de pesquisa e bolsas de estudo. Por fim, ainda temos o estabelecimento de associações profissionais que foram criadas para promover a colaboração e o intercâmbio de conhecimentos entre os estudiosos das ciências sociais. Essas associações realizam conferências, publicam revistas acadêmicas e promovem a profissionalização e o avanço das disciplinas. 40 É importante notar que o desenvolvimento das associações de sociologia no Brasil é resultado de um processo histórico e intelectual complexo, moldado por diversas influências e contextos específicos do país. A primeira entidade de organização profissional dos sociólogos brasileiros surgiu um ano antes da formação da primeira turma de sociólogos neste país. Também teve influência direta da iniciativa de professores estrangeiros, franceses e americanos, que vieram lecionar nas primeiras IES que formaram estudantes para esta área no Brasil: Escola de Sociologia e Política de São Paulo; a USP e a antiga Universidade Nacional, atual UFRJ (MIRHAN, 2015). Ainda segundo Mirhan: Essa entidade, fundada em São Paulo, que posteriormente toma um caráter nacional, existindo até os dias atuais, denomina-se Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS). (...) Não travou a luta pelo reconhecimento profissional, pela legalização da profissão, pela ampliação do nosso mercado de trabalho, pelo estabelecimento de um piso profissional, pela criação dos Conselhos Federal e Regionais de Sociólogos, enfim é uma entidade científica... (MIRHAN, 2015, p. 34) Esse parece mais um indicativo, de que influenciado pela principal associação da ciência no país, se desenvolve no Brasil um padrão de formação em ciências sociais que se aproxima do desenvolvimento dos conhecimentos teóricos, mas que se afasta da possibilidade de atuação prática e aplicada no seu processo de formação profissional. No entanto, notamos também que a definição deste ofício, não foi algo unânime na academia, nem entre os clássicos não houve consenso a respeito das características desta ciência e, por consequência, desta profissão. Esta falta de clareza parece ter atingido todos os pontos de institucionalização destas ciências, deixando espaço para que se desenvolvessem dentro destas ciências, possibilidades inúmeras de definição, atuação, formação, profissionalização, entre outros elementos já citados. Dentre as possibilidades, para o desenvolvimento de uma ciência teórica, mas também a possibilidade de desenvolvimento de uma ciência prática e/ou que tivesse relação com a sua aplicação na sociedade. Vejamos. 2.2 O mercado de trabalho para sociólogo Quando pensamos na profissão de sociólogo no Brasil e no seu processo de institucionalização, não podemos deixar de pensar também no desenvolvimento de toda uma 41 legislação que permeará o fomento de praticamente todos os elementos ligados à institucionalização de uma nova ciência. Começamos então um processo de análise da legislação vigente que trata do ofício de sociólogo, sua formação, sua reserva de mercado etc. Esta breve análise resultou no encontro da Lei nº 6.888 de 10 de dezembro de 1980, que passou então a ser o nosso foco de análise documental legal. Era importante focar neste documento, pois ele representou a iniciativa que instituiu a profissão de sociólogo neste país. “Conhecer, apropriar-se, desvelar e debater o documento nos parecem etapas fundamentais para posicionamento e ação crítica” (ZANCAN RODRIGUES et al, 2020, p. 3). Para a análise deste documento específico, observou-se o método desenvolvido por André Cellard (2008), que ressalta a importância primordial de se realizar, inicialmente, uma avaliação crítica - conforme já mostrado previamente na Introdução. Cabe relembrar que ela se divide em cinco momentos que são: o contexto histórico do documento; apresentação do autor; autenticidade e a confiabilidade do documento; a natureza do texto; e por fim, os conceitos-chave e a lógica interna do texto. Orientando-se por este método, a Avaliação Crítica foi iniciada com a análise e o estudo do contexto histórico em que o documento foi formulado. Segundo Lejeune Mirhan: (...) a partir do início da década de 1970, vai ocorrer um movimento no sentido de se tentar a profissionalização da ciência, ou seja, o seu reconhecimento profissional por lei federal. Não havia entidades sindicais representativas da profissão nessa época, nem ela era reconhecida no país. Esse movimento acabou por ser vitorioso, quando do reconhecimento da profissão em 1980, pela lei nº 6.888, de dezembro desse ano, e com Decreto de 1984 que acabou por regulamentá-la. (...) É preciso registrar, no entanto, que a discussão entre os sociólogos brasileiros sobre a questão do reconhecimento da profissão e da sua regulamentação, com a consequente criação de sindicatos, Federação Nacional e Conselhos Profissionais de categoria não foi consenso; pelo contrário, muito polêmica. (MIRHAN, 2015, p. 30-31). O autor - que também trata do desenvolvimento da ciência no país, da organização profissional, da organização curricular de cursos, e de possíveis áreas de atuação - relata que não houve um consenso sobre a profissionalização das ciências sociais no Brasil, da mesma forma que não houve consenso na criação e definição dos cursos que viriam a formar estes profissionais, conforme expomos na seção anterior. 42 Assim fica evidente que a lei surgiu em um contexto conturbado da política brasileira e sua formulação atravessa a transição de governos, mais precisamente entre o fim da Ditadura Civil-Militar no Brasil e o processo conhecido como a abertura política. A Ditadura Civil-Militar, que governou o Brasil entre os anos de 1964 e 1985, se caracterizou como um período marcado pela repressão política, censura, violações dos direitos humanos e ausência de democracia. No entanto, a partir do final da década de 1970, o país começou a passar por um processo gradual de abertura política, que culminou na redemocratização e no surgimento da Nova República. Foi um momento em que os principais eventos e atores envolvidos nesse processo de transição enfrentaram inúmeros desafios na construção de uma nova ordem política no Brasil. Dentre estes desafios, estava a definição das ciências sociais a partir de uma regulamentação legal necessária para o fomento das mesmas ciências. O que incutia em muitas contradições, já que segundo Fernandes as ciências sociais tratam de um objeto que não é daqueles que possa atrair muito a atenção dos congressistas (FERNANDES, 1955). As lutas pelo reconhecimento passaram pelo Congresso Nacional e surgiram, em geral, a partir da década de 1960. Mas este reconhecimento viria apenas no ano de 1980, com a promulgação da lei. Sendo que sua regulamentação só se efetivaria em 1984, com o Decreto nº 89.531, de 5 de abril deste ano.8 Entre estes dois movimentos legais, houve também, no ano de 1983, um movimento que enquadrou a profissão sociólogo no 31º grupo da Confederação Nacional dos Profissionais Liberais [CNPL]. A partir de 1991 - mais precisamente a partir do dia 17 de abril -, é editada uma resolução por meio do Ministério do Trabalho [MTE] que visava publicar a Tabela de Classificação brasileira de Ocupações e a partir deste momento também a profissão de sociólogo é enquadrada na CBO - mostraremos como ficou definida mais à frente. Antes cabe tratar da apresentação do autor, da autenticidade e confiabilidade do documento e da natureza do texto. Explicitamos que se trata de um documento oficial da legislação brasileira, construído desde 1961 - quando foi apresentado como um Projeto de lei do deputado Aniz Badra, aprovado pela câmara e vetado por Castelo Branco, processo que terminou no ano de 1967. 8 É importante sinalizar que este decreto citado pouco alterou em relação à lei que regulamentou, até mesmo porque, sua função foi de estabelecer as atribuições do sociólogo, definir seu campo de atuação e regulamentar o exercício da profissão de sociólogo no Brasil. Entre outras coisas, o decreto detalha as atividades que um sociólogo pode desempenhar, suas responsabilidades éticas e técnicas, e a necessidade de registro profissional para atuar como sociólogo e como conseguir este registro. 43 Depois de um período longo e conturbado de desenvolvimento - que envolveu antes de seu sucesso, mais duas tentativas frustradas: uma em 1971 e outra em 1974 - foi aprovado pela Câmara dos Deputados na quarta tentativa, em 1980, como um Projeto de Lei muito semelhante aos anteriores, só que este de autoria do deputado Francisco Amaral, indo à sanção presidencial do general presidente João Batista de Oliveira Figueiredo em dezembro do mesmo ano. Foi publicado no Diário Oficial da União no dia 11 de dezembro de 1980, página 24791 do mesmo documento. É um documento regulamentador que dispõe sobre o exercício da profissão de sociólogo e dá outras providências. Seus conceitos-chave são: exercício profissional - a lei estabelece os requisitos para o exercício da profissão de sociólogo, garantindo a formação acadêmica em bacharel especificamente em Ciências Sociais, Sociologia ou Sociologia e Política como pré-requisito para o exercício da profissão; Conselho Profissional - a lei prevê a criação de um Conselho Federal e Conselhos Regionais de Sociologia, responsáveis por regulamentar a profissão, fiscalizar o exercício profissional e garantir o cumprimento dos princípios éticos e técnicos da profissão; atribuições profissionais - a lei define as atribuições profissionais do sociólogo, especificando as áreas de atuação em que o profissional pode exercer suas atividades, como pesquisa, docência, assessoria e consultoria, entre outras; formação acadêmica - a lei estabelece que a formação acadêmica para o exercício da profissão de sociólogo deve ocorrer em cursos já citados, reconhecidos pelo MEC, com a obtenção do diploma de bacharel; ética profissional - a lei estabelece princípios éticos que devem nortear o exercício da profissão de sociólogo, como a responsabilidade social, a honestidade intelectual, a imparcialidade, a confidencialidade das informações e o respeito à dignidade humana; fiscalização e penalidades - a lei confere aos Conselhos Regionais de Sociologia a competência para fiscalizar o exercício da profissão, podendo aplicar sanções disciplinares em caso de infrações éticas ou técnicas. Desta forma a lógica interna do texto está na regulamentação da profissão de sociólogo, estabelecendo os critérios necessários para o exercício profissional, as atribuições da categoria, a formação acadêmica exigida e a criação dos órgãos de fiscalização e regulamentação. Com este trabalho de avaliação crítica desenvolvido e finalizado, e a partir de uma leitura repetida do documento, almejamos então, desconstruí-lo, para em seguida desenvolver o processo inverso de reconstrução do mesmo, com a intenção de mostrar sua defasagem e contradições. 44 Embora a lei tenha estabelecido diretrizes para o exercício da profissão de sociólogo e isso tenha sido importante para o desenvolvimento deste ofício no país, existem alguns problemas e desafios associados a essa legislação, que mencionaremos a seguir: (i) desatualização e defasagem - a lei foi promulgada há várias décadas e não passou por atualizações significativas desde então; as transformações sociais, tecnológicas e acadêmicas ocorridas nesse período podem exigir uma revisão e atualização da legislação para se adequar às novas demandas e realidades da profissão; (ii) ausência de regulamentação completa - apesar de a lei ter sido promulgada, algumas questões importantes relacionadas à regulamentação da profissão de sociólogo ainda não foram totalmente resolvidas, o que pode gerar ambiguidades e lacunas na prática profissional; (iii) pouca clareza nas atribuições profissionais - a lei estabelece as atribuições profissionais do sociólogo, mas essas atribuições podem ser consideradas amplas e genéricas, o que pode gerar dificuldades para delimitar o campo de atuação do profissional e para distinguir suas competências específicas; (iv) fragilidade na fiscalização - a fiscalização do exercício da profissão de Sociólogo, a cargo dos Conselhos Regionais de Sociologia, pode enfrentar desafios em termos de recursos e efetividade para a proteção dos interesses da categoria; (v) reconhecimento e inserção no mercado de trabalho - a profissão de sociólogo ainda enfrenta desafios no que diz respeito ao reconhecimento e valorização no mercado de trabalho; parece não haver falta de demanda específica, mas a competição com outras áreas de formação pode dificultar a inserção profissional e a oferta de oportunidades de trabalho adequadas. É importante ressaltar que esses problemas não invalidam a importância da regulamenta