Introdução ao Cálculo Fracionário: Motivações, Definições e Exemplos Edilene Ponce do Amaral 2023 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro Introdução ao Cálculo Fracionário: Motivações, Definições e Exemplos Edilene Ponce do Amaral Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Matemática, junto ao Programa de Pós-Graduação em Matemática, mestrado profissional, do Instituto de Geociências e Ciências Exa- tas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Câmpus de Rio Claro. Orientadora Profa. Dra. Marta Cilene Gadotti Rio Claro - SP 2023 A485i Amaral, Edilene Ponce do Introdução ao cálculo fracionário: motivações, definições e exemplos / Edilene Ponce do Amaral. -- Rio Claro, 2023 109 p. Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientadora: Marta Cilene Gadotti 1. Integral fracionária de Riemann-Liouville. 2. Derivada fracionária de Riemann-Liouville. 3. Derivada fracionária de Caputo. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Impacto potencial desta pesquisa Ao apresentarmos um texto acessível e didático a estudantes e pesquisadores que não possuem uma formação avançada em matemática, difundimos o conhecimento estendendo as propriedades do cálculo clássico para o fracionário. Favorecendo o avanço da matemá- tica aplicada, em situações que são melhores descritas por derivadas fracionárias. Potential impact of this research By presenting an accessible and didactic text to students and researchers who do not have an advanced background in mathematics, we disseminate knowledge by extending the properties of classical calculus to fractional calculus. Favoring the advancement of applied mathematics, in situations that are best described by fractional derivatives. UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro Edilene Ponce do Amaral Introdução ao Cálculo Fracionário: Motivações, Definições e Exemplos Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas do Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em matemática. Comissão Examinadora Profa. Dra. MARTA CILENE GADOTTI IGCE / UNESP/Rio Claro (SP) Prof. Dr. NELSON CALLEGARI JÚNIOR IGCE / UNESP/Rio Claro (SP) Prof. Dr. JOSÉ PAULO CARVALHO DOS SANTOS ICEx / UNIFAL/Alfenas (MG) Conceito: Aprovado. Rio Claro/SP, 24 de abril de 2023 Agradecimentos Esta dissertação de mestrado é a realização de um sonho de muitos anos, portanto quero exprimir os meus sinceros agradecimentos a algumas pessoas que me ajudaram a fazer dele uma realidade. A minha orientadora, Professora Marta Cilene Gadotti, pela orientação, competência, e dedicação. Obrigada por acreditar na minha capacidade e por sempre me encorajar. A minha mãe Eliza e minha irmã Eliete pelo apoio e incentivo que sempre me deram. Aos meus filhos amados, Ana Elisa, Maria Helena e Marcelo. Por serem os melhores filhos que uma mãe pode ter, meu maior orgulho, minha razão de viver e de querer sempre ser uma pessoa melhor. Obrigada por entenderem meus momentos de ausência. A Angelita, minha melhor amiga, que sempre esteve pronta a me ajudar em tudo que eu precisei. Obrigada pela amizade e companheirismo. Um agradecimento especial ao meu pai Luiz, “in memorian”, por ter estado sempre presente na minha vida, me ajudando e apoiando em todas as situações. Pelo carinho com o qual me ensinou a ler, a escrever, a decorar a tabuada e a fazer a prova dos nove. Pela forma como cuidou dos meus filhos, permitindo que eu pudesse voltar a es- tudar. Muito obrigada por ter sido meu pai e por todos os valores e lições que me ensinou. Por fim, o meu profundo e sincero agradecimento a todos os meus amigos e pessoas que de alguma forma contribuíram para a concretização desta dissertação, estimulando-me intelectualmente e emocionalmente. "A Matemática, quando a compreendemos bem, possui não somente a verdade, mas também a suprema beleza." Bertrand Russel Resumo A proposta do presente trabalho é realizar uma introdução à teoria do cálculo fraci- onário, ou cálculo de ordem arbitrária, através de um texto acessível. Neste contexto, serão exploradas a integral fracionária segundo Riemann-Liouvile e as definições de três derivadas fracionárias clássicas: a de Grünwald-Letnikov, Riemann-Liouville e Caputo. Inicialmente, revisar alguns princípios básicos do Cálculo Diferencial e Integral de ordem inteira. Em seguida, através de motivações, contextualizações históricas e exemplos, abor- dar os conceitos fundamentais que formam a base dessa teoria. Posteriormente, mostrar dois critérios de validade para as derivadas fracionárias e verificar que o de Ortigueira e Machado é satisfeito para as derivadas de Riemann-Liouville e Caputo. Por fim, apresen- tar a Regra da Cadeia para as derivadas de Riemann-Liouvile e Caputo. Palavras-chave: Integral Fracionária de Riemann-Liouville, Derivada Fracionária se- gundo Riemann-Liouville, Derivada Fracionária segundo Caputo. Abstract The purpose of this work is to make an introduction to the theory of fractional cal- culus, or calculus of arbitrary order, through an accessible text. In this context, the fractional integral according to Riemann-Liouvile and the definitions of three classic frac- tional derivatives will be explored: that of Grünwald-Letnikov, Riemann-Liouville and Caputo. Initially, review some basic principles of Differential and Integral Calculus of integer order. Then, through motivations, historical contexts and examples, address the fundamental concepts that form the basis of this theory. Subsequently, show two validity criteria for the fractional derivatives and verify that Ortigueira and Machado’s is satisfied for the Riemann-Liouville and Caputo derivatives. Finally, present the Chain Rule for Riemann-Liouvile and Caputo derivatives. Keywords: Riemann-Liouville Fractional Integral , Fractional derivatives of Riemann- Liouville, Fractional derivatives of Caputo. Lista de Figuras 1.1 Gráfico da Função Π(x) para x ∈ [−10, 4] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 1.2 Gráfico da Função Γ(x) para x ∈ [−6, 5] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 1.3 Representação gráfica de: f(x), f ′(x) e D0.5f(x). . . . . . . . . . . . . . . . 23 1.4 Representação gráfica de: f(x), f ′(x) e D0.7f(x). . . . . . . . . . . . . . . . 23 1.5 Representação gráfica de: f(x), f ′(x) e D0.9f(x). . . . . . . . . . . . . . . 24 1.6 Representação gráfica de: f(x), f ′(x) e D0.5f(x) . . . . . . . . . . . . . . . 25 1.7 Representação gráfica de: f(x), f ′(x) e D0.2f(x) . . . . . . . . . . . . . . . 25 1.8 Representação gráfica de: f(x), f ′(x) e D0.1f(x) . . . . . . . . . . . . . . . 26 2.1 Gráfico de f(x) = sen(x), [0, 2π]. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 2.2 Gráfico de f(x) = sen(x), [0, 2π], com a = π 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 2.3 Gráfico das translações de y=sen(x). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 2.4 Gráfico das funções G(x, a) em azul e g(x) em verde com a = 0. . . . . . . 41 2.5 Gráfico das funções G(x, a) em azul e g(x) em verde com a = π 2 . . . . . . . 41 2.6 Gráfico das funções G(x, a) em azul e g(x) em verde com a = −5. . . . . . 41 2.7 Gráfico das funções G(x, a) em azul e g(x) em verde com a = −20. . . . . 42 3.1 Gráfico das funções: f(x), f ′(x) e D 1 2f(x). . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 3.2 Derivadas fracionárias da função s(t) = s0 − 4t+ t2 2 . . . . . . . . . . . . . . 59 3.3 Derivadas fracionárias da função s(t) = s0 − 4t+ t2 2 . . . . . . . . . . . . . . 60 Sumário Introdução 15 1 Motivações para o estudo do Cálculo Fracionário 17 1.1 Cálculo de ordem inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 1.2 Derivada Fracionária de Grünwald-Letnikov . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 2 Integral segundo Riemann-Liouville 31 2.1 Propriedades básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 2.2 A escolha do limite inferior de integração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 2.2.1 Função Potência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 2.2.2 Função Constante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 2.2.3 Funções Trigonométricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 2.2.4 Função Exponencial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 3 Derivada Fracionária de Riemann-Liouville e Caputo 47 3.1 Derivada de Riemann-Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 3.2 Derivada de Caputo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 3.3 Riemann-Liouville × Caputo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 3.3.1 Transformada de Laplace dos operadores fracionários . . . . . . . . 64 3.3.2 Transformada de Laplace da derivada de Caputo . . . . . . . . . . . 66 3.3.3 Efeito de memória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 4 Critérios para Derivada Fracionária 71 4.1 Critério segundo Ross . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 4.2 Critério segundo Ortigueira e Machado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 4.3 Validade do critério para a Derivada de Riemann-Liouville . . . . . . . . . 73 4.3.1 Linearidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 4.3.2 Derivada de ordem zero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 4.3.3 Derivada de ordem inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 4.3.4 Lei dos Expoentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 4.3.5 Lei dos Expoentes para Derivadas Fracionárias . . . . . . . . . . . . 78 4.3.6 Regra de Leibniz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 4.4 Validade do critério para a Derivada de Caputo . . . . . . . . . . . . . . . 88 4.4.1 Linearidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 4.4.2 Derivada de ordem zero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88 4.4.3 Derivada de ordem inteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 4.4.4 Lei dos expoentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 4.4.5 Regra de Leibniz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 4.5 Regra da Cadeia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 4.5.1 Regra da Cadeia para a derivada de Riemann-Liouville . . . . . . . 92 5 Considerações Finais 97 Referências 99 A Funções Especiais 101 A.1 Função Gama . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 A.1.1 Algumas propriedades da Função Gama . . . . . . . . . . . . . . . 101 A.2 Função Beta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 A.3 Função de Gel’fand-Shilov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 A.4 Transformada de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 A.4.1 Transformada de Laplace de derivadas . . . . . . . . . . . . . . . . 108 A.4.2 Transformada de Laplace da função de Gel’fand-Shilov . . . . . . . 108 A.4.3 Tansformada de Laplace da função de Heaviside . . . . . . . . . . . 108 Introdução O cálculo fracionário procura estender a ordem das derivadas de números inteiros para números reais e até para números complexos. Ele também é conhecido como cálculo de ordem arbitraria, cálculo de ordem não inteira, cálculo diferencial e integral de ordem não inteira, cálculo fracional. Neste trabalho optamos por utilizar cálculo fracionário por ser uma nomenclatura amplamente adotada pela comunidade científica. O nome cálculo fracionário surgiu como uma referência ao início do seu estudo, quando L’Hôpital questiona Leibniz sobre qual seria a sua interpretação para a derivada caso a sua ordem fosse n = 1 2 . Hoje sabemos, que a ordem da derivada pode ser estendida para o conjunto dos números complexos. Atualmente, o cálculo fracionário é uma área de estudo vibrante, com muitas aplicações e em constante evolução. Uma das suas principais características é a capacidade de descrever fenômenos complexos em diversas áreas do conhecimento, como física, biologia, economia, entre outras. Através das derivadas fracionárias, é possível modelar processos que apresentam comportamentos não-lineares e memória de curto e longo prazo, que não podem ser rastreados pelas derivadas de ordem inteira. Além disso, o estudo das derivadas fracionárias apresenta uma riqueza matemática fascinante. As propriedades e características das derivadas fracionárias são distintas das derivadas de ordem inteira, o que leva a novas possibilidades e desafios na teoria e na prática. Mas, diferentemente do cálculo de ordem inteira ainda não existe uma interpretação geométrica e ou física para a derivada fracionária. Apesar do cálculo fracionário ser uma área de estudo importante na matemática apli- cada e em várias outras áreas, a maioria dos trabalhos e artigos científicos que abordam o assunto são escritos em linguagem muito técnica, sem explicar alguns cálculos matemáti- cos e resultados. Isso pode dificultar o entendimento e o acesso a esse conhecimento por parte de estudantes e pesquisadores iniciantes na área. Assim, a necessidade de um texto de fácil compreensão sobre o cálculo fracionário surge para preencher essa lacuna e tornar esse conhecimento mais acessível a um público mais amplo. Uma abordagem didática pode ser uma ferramenta valiosa para estudantes e pesquisadores que desejam explorar e aplicar o cálculo fracionário em suas áreas de interesse, sem se sentirem intimidados pela complexidade que muitas vezes acompanha os trabalhos científicos nessa área. Com isso, o principal objetivo deste estudo é apresentar um texto básico sobre o cálculo fracionário, utilizando uma abordagem de fácil compreensão para pessoas com algum conhecimento em cálculo de ordem inteira que desejem se familiarizar com o cálculo fracionário. Para que seja introduzida de uma forma didática a extensão do cálculo de ordem inteira para o de ordem fracionária, no decorrer deste trabalho serão realizadas revisões de notações, definições do cálculo de ordem inteira e algumas demonstrações do cálculo fracionário. Isso ocorrerá de maneira gradual, para que seja de fácil entendimento. 15 16 Introdução Segundo [20] existem três classes de derivadas fracionárias que são encontradas na literatura especializada, as derivadas fracionárias clássicas, derivadas “fracionárias” locais e derivadas “fracionárias” com núcleo não singular. Escolhemos abordar três derivadas fracionárias, conhecidas como derivadas fracionárias clássicas. A derivada fracionária de Grünwald-Letnikov, derivada fracionária de Riemann-Liouville e derivada fracionária de Caputo. Esse trabalho está disposto da seguinte maneira: No Capítulo 1, intitulado Motivações, serão relembradas algumas definições do cálculo de ordem inteira. E assim, tomando-as como ponto de partida, introduzir progressiva- mente a extensão do cálculo de ordem inteira para o de ordem arbitrária, fazendo o uso de exemplos, contextualizações e informações históricas. Deste modo, dar início ao estudo do cálculo fracionário com a definição de Derivada Fracionária segundo Grünwald-Letnikov e finalizar esse capítulo com a definição da Integral Fracionária segundo Riemann-Liouville. No Capítulo 2, abordaremos a integral segundo Riemann-Liouville, primeiramente mostraremos que a Lei dos Expoentes é válida para essas integrais. Depois, faremos exemplos de integrais fracionárias das funções potência, constante, seno, cosseno e expo- nencial, utilizando diferentes valores para os limites de integração. No Capítulo 3, introduziremos as definições das derivadas fracionárias de Riemann- Liouville e Caputo e faremos alguns exemplos. Também exploraremos algumas particu- laridades e diferenças entre elas, como ocorre na transformada de Laplace e no efeito de memória. No Capítulo 4, mostraremos um critério utilizado para a derivada ser considerada fracionária e como é a regra da cadeia, muito utilizada no cálculo de ordem inteira, para as derivadas fracionárias de Riemmann-Liouville e Caputo. No Apêndice A, apresentaremos as importantes funções do Cálculo Fracionário: Fun- ção Gama, Função Beta, Função Gel’fand-Shilov, Função Heaviside e algumas proprieda- des da Transformada de Laplace. Na elaboração deste texto todas as figuras foram confeccionadas pela autora utilizando para isso o software Geogebra e a calculadora gráfica Desmos. 1 Motivações para o estudo do Cálculo Fracionário Neste capítulo recordaremos alguns conceitos do Cálculo Diferencial e Integral, indis- pensáveis para uma boa compreensão do texto. Faremos a extensão do cálculo de ordem inteira para o cálculo fracionário de forma gradativa, procurando entender os caminhos percorridos por matemáticos famosos na busca por definições consistentes. Por fim, apre- sentaremos a definição de derivada fracionária segundo Grünwald-Letnikov e a definição da integral fracionária segundo Riemann-Liouville. As referências utilizadas foram: [2], [5], [7], [10] e [21]. 1.1 Cálculo de ordem inteira Iniciaremos com a definição de derivada e regra da potência. No cálculo de ordem inteira, dada uma função f : I ⊂ R → R temos a seguinte notação, segundo Leibniz, para a derivada da função de uma variável, Df(x) ≡ d dx f(x), x ∈ I, na qual, D ≡ d dx representa um operador diferencial da expressão colocada à direita do símbolo. É interpretada como a taxa de variação da variável dependente, em relação à variável independente, definida por meio do limite: Df(x) ≡ d dx f(x) = lim h→0 f(x+ h) − f(x) h ou Df(x) ≡ d dx f(x) = lim h→0 f(x) − f(x− h) h , (1.1) sempre que o limite existir. Uma regra importante para a nossa motivação é dada pela regra da potência, isto é, Seja f(x) = xn, com x ∈ R, então d dx (f(x)) = nxn−1. (1.2) Abaixo, alguns exemplos de derivadas de ordem superior inteira da função f(x) = xn: d dx (xn) = nxn−1 d2 dx2 (xn) = n(n− 1)xn−2 d3 dx3 (xn) = n(n− 1)(n− 2)xn−3. 17 18 Motivações para o estudo do Cálculo Fracionário Note que podemos reescrever a última igualdade acima multiplicando o numerador e o denominador por (n− 3)!, d3 dx3 (xn) = n(n− 1)(n− 2)(n− 3)(n− 4)...(1) (n− 3)(n− 4)...(1) xn−3, a qual pode ser escrita como: d3 dx3 (xn) = n! (n− 3)! x n−3. Portanto, obtemos uma notação mais simplificada para a terceira derivada e é possível, usando a mesma ideia, escrever para a k-ésima derivada: dk dxk (xn) = n! (n− k)! x n−k. (1.3) A expressão (1.3) pode ser provada por indução finita e nos fornece a derivada de ordem inteira de qualquer polinômio ou função potência. Agora podemos levantar alguns questionamentos. O número k pode ser real? Temos no numerador, n!, podemos calcular o fatorial de qualquer número real? Caso as respostas sejam afirmativas, no denominador teríamos a subtração de dois números reais, que resulta em um número real. Não teríamos problema com 0!, pois 0! = 1. Mas, se k < n, teríamos o fatorial de números negativos. Vamos buscar respostas para essas perguntas através da história dos estudos de alguns matemáticos. Leonhard Euler (1707-1783) encontrou duas equações integrais que generalizam o fa- torial. Elas apareceram pela primeira vez em 1729, em uma carta de Euler para Christian Goldbach (1690-1764). Somente em 1738 ele escreve um artigo que propõem a generali- zação do fatorial na forma de funções definidas por uma integral, a saber: n! = ∫ ∞ 0 tne−tdt. Essa integral é conhecida como função Π(n). Note que n, não precisa ser um número natural. Podemos escrever Π(x), com x ∈ R − Z−, ou seja, Π(x) = ∫ ∞ 0 txe−tdt. (1.4) Vamos resolver essa integral por partes. Sejam u = tx, du = xtx−1, v = −e−t e dv = e−tdt, assim: Π(x) = (−txe−t) ∣∣∣∣∣ ∞ 0 + ∫ ∞ 0 xtx−1e−tdt. Note que, x > 0, temos (−txe−t) ∣∣∣∣∣ ∞ 0 = − lim t→∞ txe−t + 0xe0 = − lim t→∞ tx et . Fixando x, temos lim t→∞ tx et = lim t→∞ xtx−1 et = lim t→∞ x(x− 1)(x− 2) . . . (x− k)tx−k et . Cálculo de ordem inteira 19 Como x ∈ R − Z−, vai existir o primeiro k ∈ N tal que (x− k) < 0. Daí lim t→∞ tx et = lim t→∞ x(x− 1) . . . (x− k) ettk−x = 0, pois ettk−x → +∞. Também percebemos que x é uma constante no integrando, portando, pode ser retirada da integral, daí a função Π(x) pode ser representada como: Π(x) = x ∫ ∞ 0 tx−1e−tdt. Observe que a diferença da integral acima com a função Π definida em (1.4), é o desloca- mento de uma unidade. Então podemos escrever, Π(x) = xΠ(x− 1). Também Π(x) = xΠ(x− 1) Π(x) = x(x− 1) Π(x− 2) Π(x) = x(x− 1)(x− 2) Π(x− 3). Tomando, x = n, n ∈ N − {0}, temos: Π(n) = n(n− 1)(n− 2)(n− 3)...(2)(1) = n!. Assim, concluímos que a função Π, generaliza o fatorial. Agora, pensando no seu do- mínio, notamos que pela definição feita em, (1.4), ela pode ser estendida para os números complexos, exceto para Z−.Veja a Figura (1.1). Figura 1.1: Gráfico da Função Π(x) para x ∈ [−10, 4] A Função Π, não é a única que generaliza o fatorial, temos também a Função Gama, ou segunda integral de Euler. A Função Gama é praticamente a Função Π deslocada uma unidade, ou seja: Γ(x) = Π(x− 1). Veja a Figura (1.2) 20 Motivações para o estudo do Cálculo Fracionário Figura 1.2: Gráfico da Função Γ(x) para x ∈ [−6, 5] Existem várias maneiras de representar a Função Gama, aqui vamos optar pela inte- gral. Definição 1.1. Definimos a função gama, Γ(z) pela integral imprópria Γ(z) = ∫ ∞ 0 e−t tz−1 dt, (1.5) que converge na metade direita do plano complexo, isto é, para z ∈ C tal que Re(z) > 0. No Apêndice A1, mostramos que a Função Gama generaliza, estende o fatorial dos números naturais para os números reais. Logo, a resposta aos questionamentos anteriores é sim, k e n podem ser números reais. Também no Apêndice A, mostramos que Γ(n+ 1) = n!. Então, voltemos a equação (1.3) dk dxk (xn) = n! (n− k)! x n−k. Substituindo a Função Gama em (1.3), e trocando os inteiros k e n por α e β pertencentes ao conjunto dos números reais positivos, obtemos: dα dxα (xβ) = Γ(β + 1) Γ(β + 1 − α)! x β−α, β − α ≥ 0, (1.6) que é a Regra da Potência do Cálculo Fracionário. Vamos fazer alguns exemplos, iniciando com a derivada de ordem meio de f(x) = x. Mas antes, observemos que, segundo vários autores, foi com esse exemplo, que se deu início o cálculo de ordem arbitrária, ou cálculo fracionário como se costuma chamar. Dia 30 de setembro de 1695, Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) escreve uma carta para Guillaume François Antoine (1661-1704), Marquês de L ’Hôpital. Nessa correspondência, Leibniz formula uma questão envolvendo a generalização da derivada de ordem inteira para possivelmente arbitrária, L’Hôpital devolve a pergunta questionando qual seria a sua interpretação se a ordem da derivada de uma função f(x), fosse n = 1 2 . Prontamente Leibniz respondeu: D 1 2f(x) = d 1 2 dx 1 2 y(x), 1Veja no apêndice A mais informações e propriedades da Função Gama. Cálculo de ordem inteira 21 e assegurou que para f(x) = x, teríamos D 1 2x = x √ dx : x. Também concluiu: "isto é, aparentemente, um paradoxo que um dia vai gerar várias con- sequências importantes". Essas e outras informações poderão ser encontradas em [5] e também nas referências utilizadas para escrever este capítulo. Voltando ao exemplo Exemplo 1.2. A derivada de ordem meio de f(x) = x, pode ser determinada por: d 1 2 dx 1 2 (x) = Γ(1 + 1) Γ(1 + 1 − 1 2) x 1− 1 2 = Γ(2) Γ(3 2) x 1 2 = 1 √ π 2 √ x = 2 √ x√ π . Esse resultado apareceu pela primeira vez na literatura no ano de 1819, no livro Traité du Calcul Différentiel et du Calcul Intégral escrito por Silvestre François Lacroix (1765- 1843). Seu trabalho possui 700 páginas, mas ele dedicou apenas duas para o problema que visava encontrar a fórmula para a n-ésima derivada de monômios do tipo y = xm, utilizando a equação (1.3) foi mostrado que: d 1 2 dx 1 2 (x) = 2 √ x√ π . Foi apenas em 1832 que Joseph Liouville (1809-1882) estendeu os resultados obtidos por Lacroix em seu trabalho intitulado Mémorie sur le Calcul des Différentielles à Indices Quelconques e substituiu o fatorial pela Função Gama. Vamos a outro exemplo: Exemplo 1.3. A derivada de ordem meio, da derivada de ordem meio de f(x) = x, isto é d 1 2 dx 1 2 ( d 1 2 dx 1 2 (x) ) = d 1 2 dx 1 2 ( 2x 1 2 √ π ) = 2√ π d 1 2 dx 1 2 (x) 1 2 = 2√ π Γ(1 2 + 1) Γ(1 2 + 1 − 1 2) (x) 1 2 − 1 2 = = 2√ π Γ(3 2) Γ(1) (x)0 = 2√ π √ π 2 1 = 1. Em 1772, Joseph Louis Lagrange (1736-1772) contribuiu de forma indireta quando desenvolveu a chamada Lei dos Expoentes, na qual y está em função de x e m e n são números naturais. dm dxm dn dxn y = dm+n dxm+n y. Iremos verificar se ela é válida para a Regra da Potência de Monômios, obtida em (1.6). Adotaremos a partir de agora a notação Dα, sempre que nos referirmos à derivada de ordem arbitrária, α ∈ R+. Temos que, 22 Motivações para o estudo do Cálculo Fracionário Dα(Dµ(xβ)) = Dα [ Γ(β + 1) Γ(β + 1 − µ)x (β−µ) ] = Γ(β + 1) Γ(β + 1 − µ)D α(x(β−µ)) = Γ(β + 1) Γ(β + 1 − µ) Γ(β − µ+ 1) Γ(β − µ+ 1 − α)x (β−µ−α) = Γ(β + 1) Γ(β + 1 − (µ+ α))x (β−(µ+α)) = D(α+µ)(xβ). Com isso concluímos que a Lei dos Expoentes é válida para a Regra da Potência dos Monômios, versão com extensão para a Função Gama. Faremos novamente o Exemplo 1.3 agora, utilizando a regra dos expoentes: D 1 2D 1 2 (x) = D1(x) = Γ(1 + 1) Γ(1 + 1 − 1)x 1−1 = Γ(2)x0 = 1 Obtemos o mesmo resultado para a derivada de ordem n = 1, ou seja recuperamos o resultado da derivada de ordem inteira. É muito importante observar que a Lei dos Expoentes não é válida para a derivada de qualquer função y = f(x), quando m e n são arbitrários. Esse fato causou um grande inte- resse entre os matemáticos. Muitos estudos se desenvolveram com o objetivo de descobrir quais restrições deveriam ser impostas à função para que uma regra análoga continuasse sendo válida. Para ficar mais clara essa motivação, vamos fazer um exemplo. Suponha que a Lei dos Expoentes seja válida para a derivada de ordem arbitrária de uma f(x), então teríamos: D7.2(f(x)) = D0.2[D7(f(x))] = D0.2 [ d7 d7x (f(x)) ] , com isso notamos que precisamos apenas definir Dα , com α ∈ (0, 1). São detalhes muito importantes e deixam claro o motivo de terem servido de inspiração para o desenvolvi- mento do cálculo fracionário. Até o presente momento, não existe uma interpretação geométrica para a derivada fracionária no caso geral, assim como existe no cálculo de ordem inteira. Mas, fazer uso de sua representação gráfica é muito útil para entendermos seu comportamento. Faremos agora alguns exemplos de derivadas fracionárias da função f(x) = x2 com α ∈ (0, 1). Ilustraremos cada exemplo com seu respectivo gráfico, no qual teremos também a função, f ′(x) = 2x. Exemplo 1.4. D0.5(x2) = Γ(2 + 1) Γ(2 + 1 − 0.5)x (2−0.5) = Γ(3) Γ(2.5)x (1.5) = Γ(3) √ x3 Γ(2.5) , x > 0. Cálculo de ordem inteira 23 Figura 1.3: Representação gráfica de: f(x), f ′(x) e D0.5f(x). Exemplo 1.5. D0.7(f(x2)) = Γ(2 + 1) Γ(2 + 1 − 0.7)x (2−0.7) = Γ(3) Γ(2.3)x (1.3), x > 0. Figura 1.4: Representação gráfica de: f(x), f ′(x) e D0.7f(x). Exemplo 1.6. D0.9(f(x2)) = Γ(2 + 1) Γ(2 + 1 − 0.9)x (2−0.9) = Γ(3) Γ(2.1)x (1.1), x > 0. 24 Motivações para o estudo do Cálculo Fracionário Figura 1.5: Representação gráfica de: f(x), f ′(x) e D0.9f(x). Com esses exemplos notamos que as derivadas de ordem alfa, podem ser vistas como transformações intermediárias entre a parábola e a reta. Nesse sentido as derivadas fra- cionárias podem modelar o que acontece entre as derivadas de ordem inteira. Cabe aqui uma outra observação, os polinômios, em se tratando do cálculo de ordem inteira, são sempre diferenciáveis, contínuos, definidos em R. Ou seja, podemos derivar tranquilamente. Note que, observando os exemplos e gráficos acima, no cálculo fracionário isso não é garantido. Resumindo, no cálculo de ordem inteira temos: P (x) , contínuo; d dx (P (x)) , contínuo. No cálculo fracionário podemos ter: P (x) , contínuo; Dα(P (x)) , não contínuo; Isso significa que, se dermos "passos" fracionários entre as derivadas, obteremos descon- tinuidades. Outra diferença importante entre a derivada de ordem inteira e a fracionária, ocorre quando derivamos uma constante, veremos isso no próximo exemplo. Exemplo 1.7. Seja f(x) = cx0, x ̸= 0, a derivada de ordem α ∈ (0, 1), da f é dada por: Dα(cx0) = cDα(x0) = c [ Γ(0 + 1) Γ(0 + 1 − α)(x)0−α ] = c [ Γ(1) Γ(1 − α)(x)−α ] = c Γ(1 − α)x −α = c Γ(1 − α) 1 xα . Cálculo de ordem inteira 25 Logo, utilizando esse operador, a derivada de ordem α de uma constante, não é zero. Novamente vamos fazer alguns exemplos e explorar suas representações gráficas. Faremos algumas derivadas de ordem α ∈ (0, 1), de f(x) = 3. No gráfico será representada também a função f ′(x) = 0. Exemplo 1.8. D0.5(f(x)) = D0.5(3) 3 Γ(1 − 0.5) 1 x0.5 = 3 Γ(0.5) 1√ x , x ̸= 0. Figura 1.6: Representação gráfica de: f(x), f ′(x) e D0.5f(x) Exemplo 1.9. D0.2(f(x)) = D0.2(3) 3 Γ(1 − 0.2) 1 x0.2 = 3 Γ(0.8) 1 x(0.2) , x ̸= 0. Figura 1.7: Representação gráfica de: f(x), f ′(x) e D0.2f(x) Exemplo 1.10. D0.1(f(x)) = D0.1(3) 3 Γ(1 − 0.1) 1 x0.1 = 3 Γ(0.9) 1 x(0.1) , x ̸= 0. 26 Motivações para o estudo do Cálculo Fracionário Figura 1.8: Representação gráfica de: f(x), f ′(x) e D0.1f(x) Novamente notamos que, as derivadas fracionárias transitam entre as derivadas de ordem inteira, n = 0 e n = 1. Mas, neste caso, não recuperamos o resultado para n = 1. Pois, como sabemos, no cálculo de ordem inteira, a derivada de uma constante é sempre zero. Isto é um problema, já que ela não é contínua na origem. Então, esse operador derivada não seria uma boa escolha, caso estivéssemos resolvendo uma Equação Diferencial Fracionária, com valor inicial. Veremos, em um próximo capítulo, que utilizando outro operador teremos a derivada de ordem arbitrária de uma constante igual a zero. 1.2 Derivada Fracionária de Grünwald-Letnikov Iremos agora, fazer uma outra abordagem, utilizando para isso a definição de derivada através de limite. Voltando na definição de limite pela diferença inversa, dada em (1.1), e seja f(x) contínua, temos para a derivada de primeira ordem d dx f(x) = lim h→0 f(x) − f(x− h) h . De segunda ordem, d2 dx2f(x) = d dx f ′(x) = lim h→0 f ′(x) − f ′(x− h) h = = lim h→0 f(x) − f(x− h) h − f(x− h) − f(x− 2h) h h = lim h→0 1 h2 [ f(x) − 2f(x− h) + f(x− 2h) ] e de terceira ordem d3 dx3f(x) = lim h→0 1 h3 [ f(x) − 3f(x− h) + 3f(x− 2h) − f(x− 3h) ] . Generalizando, temos que para um certo número natural k, a k-ésima derivada pode ser representada na forma dk dxk f(x) = lim h→0 ( 1 h )k k∑ l=0 (−1)l ( k l ) f(x− lh), (1.7) Derivada Fracionária de Grünwald-Letnikov 27 que pode ser provada por indução. Agora, nosso objetivo será estender k ∈ N para um certo α ∈ R+. Primeiramente vamos reescrever os coeficientes binomiais utilizando a notação de fatorial, isto é dk dxk f(x) = lim h→0 ( 1 h )k k∑ l=0 (−1)l k! l!(k − l)!f(x− lh). Em seguida, vamos substituir k! pela função Γ(k + 1) e (k − l)! por Γ(k + 1 − l), assim temos, dk dxk f(x) = lim h→0 ( 1 h )k k∑ l=0 (−1)l Γ(k + 1) l!Γ(k + 1 − l)f(x− lh). Lembrando que a Função Gama, dada em (A.1), está definida para Re(z) > 0, ou seja, Γ(z) = ∫ ∞ 0 e−t tz−1 dt, Re(z) > 0, substituindo o coeficiente binomial pela Função Gama, generalizamos a expressão para ordem arbitrária. Assim, fazendo a extensão k para α ∈ R+, exceto no somatório, obte- mos: dα dxα f(x) = lim h→0 ( 1 h )α k∑ l=0 (−1)l Γ(α + 1) Γ(α + 1 − l)l!f(x− lh). E, definindo kh = x− a, sendo a uma constante, temos, k = x− a h . Note que, quando h → 0, temos que k = x− a h → +∞, se a < x ̸= 0. Também, h = x− a k ⇒ 1 h = k x− a ⇒ 1 h = α x− a . Fazendo as devidas substituições, concluímos que: dα dxα f(x) = lim k→∞ ( k x− a )α k∑ l=0 (−1)l Γ(α + 1) Γ(α + 1 − l)l!f ( x− l k (x− a) ) . Essa é a famosa definição de Derivada Fracionária segundo Grünwald-Letnikov, intro- duzida por Anton Karl Grünwald (1838-1920), em 1867 e por Aleksey Vasilyevich Letnikov (1837-1888), em 1868. Vamos escrevê-la de uma forma mais convencional e com notação específica. Seja f(x), uma função contínua, GL a Dα xf(x) = lim k→∞ ( k x− a )α k∑ l=0 (−1)l Γ(α + 1) Γ(α + 1 − l)l!f ( x− l k (x− a) ) , GL a Dα xf(x) = lim h→0 kh→x−a ( 1 h )α k∑ l=0 (−1)l Γ(α + 1) Γ(α + 1 − l)l!f(x− lh). 28 Motivações para o estudo do Cálculo Fracionário A fim de realizarmos alguns exemplos, utilizaremos a relação dada em (1.7), com notação de −α, omitiremos "GL"para não carregar a notação. aD−α x f(x) = lim h→0 (h)α k∑ l=0 (−1)l ( −α l ) f(x− lh). Substituindo os coeficientes binomiais negativos pela Função Gama, obtemos aD−α x f(x) = lim h→0 (h)α k∑ l=0 Γ(α + l) Γ(α)l! f(x− lh). Agora iremos atribuir alguns valores para α, iniciando com α = 1, temos: aD−1 x f(x) = lim h→0 (h1) k∑ l=0 Γ(1 + l) Γ(1)l! f(x− lh), lembrando que, Γ(1 + l) = l! e que Γ(1) = 0! = 1, temos: aD−1 x f(x) = lim h→0 k∑ l=0 f(x− lh)h. Note que o lado direito é praticamente uma soma de Riemann, com h representando o ∆x, h = (x− a) − 0 n . Portanto, aD−1 x f(x) = ∫ x−a 0 f(x− t)dt. Fazendo trocas de variáveis, ou seja, u = x− t ⇒ du = (−1)dt, temos que, quando t = 0, u = x, e quando t = x− a, temos u = x− (x− a) = a. Logo, aD−1 x f(x) = ∫ a x f(u)(−du). Invertendo os limites de integração obtemos aD−1 x f(x) = ∫ x a f(u)du. Vimos que a primeira derivada negativa é a primeira integral de uma função. Vamos verificar agora quando α = 2. Note que aD−2 x f(x) = lim n→∞ (h2) n∑ l=0 Γ(2 + l) Γ(2)l! f(x− lh). Podemos escrever Γ(l + 2) = Γ((l + 1) + 1) = (l + 1)!, também (l + 1)! l! = (l + 1) e Γ(2) = 1!, então: Derivada Fracionária de Grünwald-Letnikov 29 aD−2 x f(x) = 1 1! lim n→∞ (h2) n∑ l=0 (l + 1)f(x− lh). Realizando uma reindexação nas variáveis, ( mudando para 1) e decompondo o h2, obtemos aD−2 x f(x) = 1 1! lim n→∞ n+1∑ l=1 (lh)f(x− lh)h. Note que, novamente a parte direita é uma soma de Riemann com h representando o ∆x, ou seja, aD−2 x f(x) = 1 1! ∫ x−a 0 tf(x− t)dt. Trocando as variáveis, como feito anteriormente, temos aD−2 x f(x) = 1 1! ∫ x a (x− u)f(u)du. De maneira similar, temos para α = 3 aD−3 x f(x) = 1 2! ∫ x a (x− u)2f(u)du e para α = 4 aD−4 x f(x) = 1 3! ∫ x a (x− u)3f(u)du. Assim, podemos estender para qualquer ordem. Então, em geral temos aD−(k+1) x f(x) = 1 k! ∫ x a (x− t)kf(t)dt, k ∈ N. Observe que o lado direito é a generalização da fórmula de Cauchy para determinar a n-ésima primitiva de uma função. A Representação da Integral de Cauchy é dada por Inf(t) = ∫ t 0 (t− τ)n−1f(τ)dτ (n− 1)! . (1.8) Logo, trocando n, por k + 1 podemos escrever aIk+1 x f(t) = 1 k! ∫ x a (x− t)kf(t)dt, k ∈ N, que mostra a conexão existente entre as integrais e as derivadas negativas, justificando assim, o termo diferintegração relativo à formulação de Grünwald-Letnikov. Fazendo a extensão k + 1 para α e utilizando a Função Gama, temos aD−α x f(x) = 1 Γ(α) ∫ x a (x− t)α−1f(t)dt = aIα xf(t). (1.9) Essa expressão é conhecida como a fórmula para o operador integral fracionário, segundo Riemann-Liouville. RL a Iα x(t) = 1 Γ(α) ∫ x a (x− t)α−1f(t)dt, a < x, (1.10) o qual será nosso objeto de estudo no próximo capítulo. 2 Integral segundo Riemann-Liouville Este capítulo será dedicado ao estudo mais detalhado da integral fracionária segundo Riemann-Liouville, cujas referências são [5], [7] e [12]. Iniciaremos com a demonstração da validade da Lei dos Expoentes para essas integrais. Posteriormente faremos exemplos utilizando as funções potência, constante, seno, cosseno e exponencial. Abordaremos a importância da escolha dos limites de integração utilizando representações gráficas e cálculos. Para termos uma notação menos carregada, omitiremos os símbolos RL da integral. Primeiramente vamos dedicar uma seção para analisarmos algumas propriedades. 2.1 Propriedades básicas Nesta seção, de forma breve, vamos mostrar as seguintes propriedades: i) IαIβ = Iα+β; ii) IαIβ = IβIα; iii) Iα(f(x) ± g(x)) = Iα(f(x)) ± Iα(g(x)). Lembremos que a integral fracionária segundo Riemann-Liouville é definida por RL a Iα xf(x) = 1 Γ(α) ∫ x a (x− t)α−1f(t)dt, a < x. Mostremos i) Sejam α, β ∈ R, com α, β ≥ 0 e utilizando a definição da integral fracionária de Riemann-Liouville, temos IαIβf(t) = 1 Γ(α) ∫ t 0 (t− τ)α−1 [ 1 Γ(β) ∫ τ 0 (τ − ξ)β−1f(ξ)dξ ] dτ, podemos escrever, IαIβf(t) = 1 Γ(α)Γ(β) ∫ t 0 (t− τ)α−1 ∫ τ 0 (τ − ξ)β−1f(ξ)dξdτ. Faremos uma mudança no intervalo de integração da segunda integral, para que ambas resultem em funções de mesma variável t. Transformando o intervalo [0, τ ] em [ξ, t] por 31 32 Integral segundo Riemann-Liouville y = ξ + (t− ξ) τ x e voltando à notação original, obtemos: IαIβf(t) = 1 Γ(α)Γ(β) ∫ t 0 (t− τ)α−1 ∫ t ξ (τ − ξ)β−1f(ξ)dξdτ. Aplicando o teorema de Fubini, temos: IαIβf(t) = 1 Γ(α)Γ(β) ∫ t 0 f(ξ)dξ ∫ t ξ (t− τ)α−1(τ − ξ)β−1dτ. Fazendo a mudança de variável, u = τ − ξ, temos τ = u + ξ e dτ = du e quando τ = ξ, u = 0 e quando τ = t, u = t− ξ, obtemos IαIβf(t) = 1 Γ(α)Γ(β) ∫ t 0 f(ξ)dξ ∫ t 0 (t− u− ξ)α−1uβ−1du. Agora, fazendo s = u t− ξ , que implica em u = s(t− ξ) e du = (t− ξ)ds. Daí teremos os novos intervalos de integração da segunda integral, quando u = 0 tem-se s = 0 e quando u = t− ξ tem-se s = 1. Assim, IαIβf(t) = 1 Γ(α)Γ(β) ∫ t 0 f(ξ)dξ ∫ 1 0 (t− s(t− ξ) − ξ)α−1[s(t− ξ)]β−1(t− ξ)ds. Reagrupando os termos da segunda integral, obtemos IαIβf(t) = 1 Γ(α)Γ(β) ∫ t 0 f(ξ)dξ ∫ 1 0 [t− st+ sξ − ξ)]α−1[s(t− ξ)]β−1(t− ξ)ds = 1 Γ(α)Γ(β) ∫ t 0 f(ξ)dξ ∫ 1 0 [(t− ξ)(1 − s)]α−1sβ−1(t− ξ)β−1(t− ξ)ds = 1 Γ(α)Γ(β) ∫ t 0 f(ξ)dξ ∫ 1 0 (t− ξ)(α−1)+(β−1)+1(1 − s)α−1sβ−1ds = 1 Γ(α)Γ(β) ∫ t 0 f(ξ)dξ ∫ 1 0 (t− ξ)α+β−1(1 − s)α−1sβ−1ds. Observe que o termo (t− ξ)α+β−1, é constante com relação à variável s. Logo, IαIβf(t) = 1 Γ(α)Γ(β) ∫ t 0 f(ξ)(t− ξ)α+β−1dξ ∫ 1 0 (1 − s)α−1sβ−1ds. (2.1) Note que, por (A.6) e (A.10) a segunda integral em (2.1) pode ser escrita como β(α, β) = ∫ 1 0 (1 − s)α−1sβ−1ds = Γ(α)Γ(β) Γ(α + β) . Substituindo (2.1) em (2.1), obtemos IαIβf(t) = 1 Γ(α)Γ(β) ∫ t 0 f(ξ)(t− ξ)α+β−1dξ Γ(α)Γ(β) Γ(α + β) = 1 Γ(α + β) ∫ t 0 f(ξ)(t− ξ)α+β−1dξ = Iα+βf(t), A escolha do limite inferior de integração 33 concluindo a prova de i). Dessa igualdade também segue a propriedade comutativa, ii), isto é IαIβ = IβIα. Para verificar iii), utilizaremos o fato da integral ser um operador linear, assim Iα(f(x) + g(x)) = 1 Γ(α) [ ∫ x a (x− t)α−1(f(t) + g(t))dt ] = 1 Γ(α) [ ∫ x a (x− t)α−1f(t)dt+ ∫ x a (x− t)α−1g(t)dt ] = 1 Γ(α) ∫ x a (x− t)α−1f(t)dt+ 1 Γ(α) ∫ x a (x− t)α−1g(t)dt = Iαf(x) + Iαg(x). De modo análogo para Iα(f(x) − g(x)). Faremos na próxima seção um estudo mais detalhado sobre os limites de integração. 2.2 A escolha do limite inferior de integração Nesta seção faremos algumas escolhas para o ponto de inicialização das integrais das funções potência, constante, seno, cosseno e exponencial. Traremos exemplos utilizando ordem fracionária e inteira. Verificaremos, a partir dessas escolhas, a validade da Lei dos Expoentes. Realizaremos análises, através da representação gráfica de alguns resultados, e por fim, algumas reflexões e observações. 2.2.1 Função Potência Seja f(x) = xµ, µ ∈ R+, então a integral segundo Riemann-Liouville de f(x), x > 0, é dada por: aIα x(xµ) = 1 Γ(α) ∫ x a (x− t)α−1tµdt. Alguns exemplos utilizando a = 0. Exemplo 2.1. Calculemos a integral de ordem meio de f(x) = x, isto é, 0I 1 2 x (x) = 1 Γ(1 2) ∫ x 0 (x− t)− 1 2 tdt. Para x = 1, temos: 0I 1 2 1 (x) = 1 Γ(1 2) ∫ 1 0 (1 − t)− 1 2 tdt. (2.2) Note que, tomando z = 2 e ξ = 1 2 a integral pode ser reescrita utilizando a Função Beta, veja (A.6), β(z, ξ) = ∫ 1 0 tz−1(1 − t)ξ−1dt, 34 Integral segundo Riemann-Liouville β ( 2, 1 2 ) = ∫ 1 0 t2−1(1 − t) 1 2 −1dt = ∫ 1 0 t1(1 − t)− 1 2dt. Substituindo em (2.2) obtemos: 0I 1 2 1 (x) = 1 Γ(1 2)β ( 2, 1 2 ) . Utilizando a relação existente entre as Funções Gama e Beta, temos: 0I 1 2 1 (x) = 1 Γ(1 2) Γ(2)Γ(1 2) Γ(2 + 1 2) = 1! Γ(5 2) . Exemplo 2.2. Calculemos a integral de ordem meio de f(x) = x2, isto é, 0I 1 2 x (x2) = 1 Γ(1 2) ∫ x 0 (x− t)− 1 2 t2dt. (2.3) Quando x = 1, note que tomando z = 3 e ξ = 1 2 a integral pode ser reescrita utilizando a Função Beta. β(z, ξ) = ∫ 1 0 tz−1(1 − t)ξ−1dt, β ( 3, 1 2 ) = ∫ 1 0 t3−1(1 − t) 1 2 −1dt = ∫ 1 0 t2(1 − t)− 1 2dt. Substituindo em (2.3), obtemos: 0I 1 2 1 (x2) = 1 Γ(1 2)β ( 3, 1 2 ) . Novamente utilizando a relação existente entre as Funções Gama e Beta, temos: 0I 1 2 1 (x2) = 1 Γ(1 2) Γ(3)Γ(1 2) Γ(3 + 1 2) = 2! Γ(7 2) . Exemplo 2.3. Calculemos a integral de ordem meio de f(x) = x3, isto é, 0I 1 2 x (x3) = 1 Γ(1 2) ∫ x 0 (x− t)− 1 2 t3dt. (2.4) Quando x = 1, note que tomando z = 4 e ξ = 1 2 a integral pode ser reescrita utilizando a Função Beta, β(z, ξ) = ∫ 1 0 tz−1(1 − t)ξ−1dt, β ( 4, 1 2 ) = ∫ 1 0 t4−1(1 − t) 1 2 −1dt = ∫ 1 0 t3(1 − t)− 1 2dt. Substituindo em (2.4), obtemos: 0I 1 2 1 (x2) = 1 Γ(1 2)β ( 4, 1 2 ) . A escolha do limite inferior de integração 35 Novamente utilizando a relação existente entre as Funções Gama e Beta, temos: 0I 1 2 1 (x3) = 1 Γ(1 2) Γ(4)Γ(1 2) Γ(4 + 1 2) = 3! Γ(9 2) . Note que escolhendo a = 0, foi possível utilizar a Função Gama. Vamos procurar a generalização da integral fracionária da função potência f(x) = xµ, com a = 0. 0Iα x(xµ) = 1 Γ(α) ∫ x 0 (x− t)α−1tµdt = 1 Γ(α) ∫ x 0 xα−1 ( 1 − t x )α−1 tµdt. Fazendo a mudança de variável, z = t x , temos xdz = dt, então 0Iα x(xµ) = 1 Γ(α) ∫ 1 0 xα−1(1 − z)α−1zµxµxdz. = xα+µ Γ(α) ∫ 1 0 zµ(1 − z)α−1dz. Utilizando as relações (A.7) e (A.8), β(z, ξ) = β(ξ, z) = ∫ 1 0 tz−1(1 − t)ξ−1dt. Realizando as devidas substituições, podemos escrever β(α, µ+ 1) = ∫ 1 0 zµ+1−1(1 − t)α−1dz = ∫ 1 0 zµ(1 − t)α−1dz então Iα(xµ) = xα+µβ(α, µ+ 1) Γ(α) . Por (A.10), sabemos que β(α, µ+ 1) = Γ(α)Γ(µ+ 1) Γ(α + µ+ 1) , portanto a integral de ordem α da função f(x) = xµ, ou seja, a regra da potência de uma integral fracionária, é dada por: 0Iα x(xµ) = Γ(µ+ 1)xα+µ Γ(α + µ+ 1) . (2.5) Note que se trocarmos α por −α, na equação (2.5), obtemos: 0I−α x (xµ) = Γ(µ+ 1)xµ−α Γ(µ− α + 1) , (2.6) que é fórmula para a derivada fracionária da função potência, encontrada no capítulo anterior, em (1.6): 0Dα x(xµ) = Γ(µ+ 1)xµ−α Γ(µ− α + 1) . Faremos mais alguns exemplos e para a simplificar a notação, omitiremos os subíndices. 36 Integral segundo Riemann-Liouville Exemplo 2.4. Cálculo da integral de ordem 1 2 de f(x) = x2, isto é, I 1 2 (x2) = Γ(2 + 1)x 1 2 +2 Γ(1 2 + 2 + 1) = Γ(3)x 5 2 Γ(7 2) , quando x = 1, obtemos o mesmo resultado do Exemplo 2.2. Exemplo 2.5. Cálculo da integral de ordem 1 2 da integral de ordem 1 2 de f(x) = x2. I 1 2 ( Γ(3)x 5 2 Γ(7 2) ) = Γ(3) Γ(7 2)I 1 2 (x 5 2 ) = Γ(3) Γ(7 2) Γ(5 2 + 1)x 1 2 + 5 2 Γ(1 2 + 5 2 + 1) = Γ(3) Γ(7 2) Γ(7 2) Γ(4)x 3 = 2!x3 3! = x3 3 . A seguir, um exemplo utilizando α ∈ N: Exemplo 2.6. A integral de ordem 1 de f(x) = x2 é I1(x2) = Γ(2 + 1)x1+2 Γ(1 + 2 + 1) = Γ(3)x3 Γ(4) = 2!x3 3! = 2x3 6 = x3 3 . Através dos exemplos acima mostramos que I 1 2 (I 1 2 (x2)) = I1(x2). 2.2.2 Função Constante Calculemos a integral de ordem α da função f(x) = cx0, x > 0 e c um número real, utilizando a = 0 0Iα x(x0) = 1 Γ(α) ∫ x 0 (x− t)α−1ct0dt = c Γ(α) ∫ x 0 xα−1 ( 1 − t x )α−1 dt. Fazendo uma mudança de variável, z = t x , temos xdz = dt, então 0Iα x(x0) = c Γ(α) ∫ 1 0 xα−1(1 − z)α−1xdz = cxα Γ(α) ∫ 1 0 (1 − z)α−1dz. Sabemos que β(z, ξ) = β(ξ, z) = ∫ 1 0 tz−1(1 − t)ξ−1dt, calculando β(α, 1), obtemos β(α, 1) = ∫ 1 0 (1 − z)α−1z1−1dz = ∫ 1 0 (1 − z)α−1dz, então, 0Iα x(x0) = cxαβ(α, 1) Γ(α) . (2.7) A escolha do limite inferior de integração 37 Usando o fato de que β(z, ξ) = Γ(z)Γ(ξ) Γ(z + ξ) , temos β(α, 1) = Γ(α)Γ(1) Γ(α + 1) = Γ(α) Γ(α + 1) . (2.8) Substituindo (2.8) em (2.7), temos 0Iα x(cx0) = cxα Γ(α + 1) , solução para a integral de ordem α de uma função constante. Exemplo 2.7. Calculando a integral de ordem 1 2 de f(x) = cx0 obtemos, I 1 2 (cx0) = cx 1 2 Γ(3 2) = cx 1 2 √ π 2 . Exemplo 2.8. Calculando a integral de ordem 1 de f(x) = cx0 obtemos, I1(cx0) = cx1 Γ(1 + 1) = cx Γ(2) = cx 1! = cx. Note que ao utilizarmos a = 0 para a integração fracionária da função constante, recuperamos o resultado do cálculo de ordem inteira para α ∈ N. 2.2.3 Funções Trigonométricas Agora vamos estudar a função trigonométrica, f(x) = sen(x), temos que: aIα x(sen(x)) = 1 Γ(α) ∫ x a (x− t)α−1sen(t)dt, mas, sen(t) pode ser escrito utilizando o seguinte polinômio de Taylor, isto é, sen(t) = ∞∑ k=0 t2k+1 (2k + 1)!(−1)k, k ∈ N, t ∈ R. Como a convergência é uniforme, podemos escrever aIα x(sen(x)) = 1 Γ(α) ∫ x a (x− t)α−1 ∞∑ k=0 t2k+1 (2k + 1)!(−1)kdt = ∞∑ k=0 [ (−1)k (2k + 1)! 1 Γ(α) ∫ x a (x− t)α−1t2k+1dt ] . Observe que 1 Γ(α) ∫ x a (x− t)α−1t2k+1dt = aIα x(x2k+1), 38 Integral segundo Riemann-Liouville ou seja, é a integral da função potência cujo resultado já conhecemos quando a = 0 0Iα x(x2k+1) = Γ(2k + 1 + 1) Γ(2k + 1 + 1 + α)x 2k+1+α. Logo, podemos escrever: 0Iα x(sen(x)) = ∞∑ k=0 [ (−1)k (2k + 1)! Γ(2k + 2) Γ(2k + 2 + α)x 2k+1+α ] = ∞∑ k=0 [ (−1)k Γ(2k + 2) Γ(2k + 2) Γ(2k + 2 + α)x 2k+1+α ] = ∞∑ k=0 (−1)k Γ(2k + 2 + α)x 2k+1+α. Primeiramente vamos calcular a integral de ordem −1, que como vimos, é a derivada de ordem 1. 0I−1 x (sen(x)) = ∞∑ k=0 (−1)k Γ(2k + 2 − 1)x 2k+1−1 = ∞∑ k=0 (−1)k Γ(2k + 1)x 2k = ∞∑ k=0 (−1)k (2k)! x 2k = cos(x). Agora vamos à direção oposta, calculando a integral de ordem 1. 0I1 x(sen(x)) = ∞∑ k=0 (−1)k Γ(2k + 2 + 1)x 2k+1+1 = ∞∑ k=0 (−1)k Γ(2k + 3)x 2k+2 = ∞∑ k=0 (−1)k (2k + 2)!x 2k+2 = x2 2! − x4 4! + x6 6! − . . . = 1 − [ 1 − x2 2! − x4 4! + x6 6! − . . . ] = 1 − cos(x) = − cos(x) + 1. Vamos analisar graficamente, veja Figura (2.1). Sabemos da trigonometria que a área hachurada sob a curva, quando x = π, é igual a 2 ua. E algebricamente temos, 0I1 x(sen(x)) = (− cos(x) + 1)|x=π = −(−1) + 1 = 2. A escolha do limite inferior de integração 39 Figura 2.1: Gráfico de f(x) = sen(x), [0, 2π]. Trocando o limite inferior por a = π 2 , ao invés de a = 0, graficamente temos a área hachurada na Figura 2.2: Figura 2.2: Gráfico de f(x) = sen(x), [0, 2π], com a = π 2 . Não temos uma fórmula pronta para calcularmos a integral de ordem 1 de f(x) = sen(x), com ponto base a = π 2 , como no caso a = 0. Então vamos aos cálculos: π 2 I1 x(sen(x)) = 1 Γ(1) ∫ x π 2 (x−t)1−1 sen(t)dt = ∫ x π 2 sen(t)dt = − cos(x)−(− cos(π2 )) = − cos(x). E, para x = π, temos: π 2 I1 x(sen(x)) = −cos(π) = −(−1) = 1. Observe que utilizando o ponto inicial a = 0, tivemos como resultado −cos(x) + 1 e quando utilizamos a = π 2 apenas, −cos(x), sem uma constante. Então qual seria o melhor valor para utilizarmos? Lembremos do cálculo de ordem inteira que as derivadas da função f(x) = sen(x) são translações horizontais. Veja Figura (2.3), que: 40 Integral segundo Riemann-Liouville Figura 2.3: Gráfico das translações de y=sen(x). f ( x+ π 2 ) = g(x) = cos(x) e f ( x+ 2π2 ) = h(x) = − sen(x). Escrevendo as derivadas de ordem inteira de f(x) = sen(x), temos: d dx (sen(x)) = sen ( x+ π 2 ) d2 d2x ( sen ( x+ π 2 )) = sen ( x+ 2π2 ) ... dk dkx ( sen ( x+ π 2 )) = sen ( x+ k π 2 ) , k ∈ N, que pode ser facilmente provado por indução. Note que podemos estender k para α ∈ R. Então temos: Dα(sen(x)) = sen ( x+ α π 2 ) , α ∈ R+ e Iα(sen(x)) = sen ( x− α π 2 ) , α ∈ R+. (2.9) Iremos verificar a existência de um ponto a que justifique essa conjectura. Primeira- mente vamos definir uma função G(x, a), sendo a integral de ordem 1 2 segundo Riemann- Liouville, da função f(x) = sen(x) G(x, a) = aI 1 2 x (sen(x)) = 1 Γ(1 2) ∫ x a (x− t) 1 2 −1 sen(t)dt, A escolha do limite inferior de integração 41 também uma g(x) = sen ( x − π 4 ) . Representando as funções na calculadora gráfica Desmos, vamos fazer alguns exemplos, alterando os valores de a. Figura 2.4: Gráfico das funções G(x, a) em azul e g(x) em verde com a = 0. Figura 2.5: Gráfico das funções G(x, a) em azul e g(x) em verde com a = π 2 . Figura 2.6: Gráfico das funções G(x, a) em azul e g(x) em verde com a = −5. 42 Integral segundo Riemann-Liouville Figura 2.7: Gráfico das funções G(x, a) em azul e g(x) em verde com a = −20. Observando os gráficos notamos que quanto mais o valor de a se aproxima do infinito negativo, mais rapidamente os valores das funções coincidem. Ou seja, lim a→−∞ G(x, a) = g(x). Logo, a = −∞ nos fornece o melhor resultado para a integral fracionária da função y = sen(x), é −∞. Note que o mesmo irá ocorrer com a função y = cos(x). Portanto, Iα(sen(x)) = −∞Iα x(sen(x)) = sen ( x− α π 2 ) , α > 0 e Iα(cos(x)) = −∞Iα x(cos(x)) = cos ( x+ α π 2 ) , α > 0. 2.2.4 Função Exponencial Iremos agora procurar o ponto inicial a, para a integral da função f(x) = ekx, k ∈ R+ e x ∈ R. aIα x(ekx) = 1 Γ(α) ∫ x a (x− t)α−1ektdt, substituindo, u = x − t, temos t = x − u e du = −dt. Nos limites de integração teremos para t = a, u = x− a e quando t = x, u = 0, então aIα x(ekx) = 1 Γ(α) ∫ 0 x−a (u)α−1ek(x−u) − du = ekx Γ(α) ∫ x−a 0 (u)α−1e−kudu. Agora substituindo, ω = ku, temos u = ω k e du = dω k . Nos limites de integração teremos para u = 0, ω = 0 e quando u = x− a, ω = k(x− a), então aIα x(ekx) = ekx Γ(α) ∫ k(x−a) 0 ( ω k )α−1 e−ω dω k = ekx Γ(α) 1 kα ∫ k(x−a) 0 ωα−1e−ωdω. A escolha do limite inferior de integração 43 Colocando, a = −∞ teremos: −∞Iα x(ekx) = ekx Γ(α) 1 kα ∫ ∞ 0 ωα−1e−ωdω = ekx Γ(α) 1 kα Γ(α) = ekx kα , que é o mesmo resultado do cálculo de ordem inteira. Também podemos estender esse resultado para a derivada fracionária, então resu- mindo: −∞Iα x(ekx) = ekx kα −∞Dα x(ekx) = kαekx. A escolha de a = −∞, funcionou bem para a função, f(x) = ekx, com k ∈ R+. Vamos verificar o que acontece utilizando α = 1 2 e k = −1, −∞I 1 2 x (e−x) = e−x k 1 2 = −ie−x,∈ C. Esse resultado pode ser um problema, dependendo do contexto, pois utilizando k ∈ R talvez fosse mais interessante obter um resultado real. Vamos nos aprofundar um pouco aqui e procurar um outro valor para o ponto inicial a. Lembrando que a função f(x) = ekx é limitada à esquerda pelo zero, e a = −∞ funcionou. Como f(x) = e−x, é limitada à direita pelo zero, vamos utilizar a = ∞ e ver o que acontece. Então ∞Iα x(e−x) = 1 Γ(α) ∫ x ∞ (x− t)α−1e−tdt, substituindo u = x − t, temos t = x − u e du = −dt. Nos limites de integração teremos para t = ∞, u = −∞ e quando t = x, u = 0, logo ∞Iα x(e−x) = −1 Γ(α) ∫ 0 −∞ (u)α−1eu−xdu = (−e−x) 1 Γ(α) ∫ 0 −∞ (u)α−1eudu. Alterando o domínio e reescrevendo, obtemos: ∞Iα x(e−x) = (−e−x) 1 Γ(α) ∫ ∞ 0 (−1)α−1tα−1e−tdt = (−e−x)(−1α−1) 1 Γ(α) ∫ ∞ 0 tα−1e−tdt = (−e−x)(−1α−1) 1 Γ(α)Γ(α) = (−e−x)(−1α−1). 44 Integral segundo Riemann-Liouville Calculando para α = 1, ∞I1 x(e−x) = (−e−x)(−11−1) = (−e−x). Calculando para α = 1 2 , ∞I 1 2 x (e−x) = (−e−x)(−1 1 2 −1) = (−e−x)(−1− 1 2 ) = ie−x. Ao utilizarmos a Integral segundo Riemann-Liouville, a escolha dos valores dos limites inferiores fornece resultados diferentes. Até aqui vimos que ponto inicial zero funciona bem com polinômios e ±∞ com funções seno, cosseno e exponenciais. Observe que se f(x) é limitada em (−∞, x], uma boa escolha será a = −∞, no caso de ser limitada em [x,∞), seria a = ∞. Já os polinômios, que não são limitados à esquerda ou à direita, utilizamos a = 0. Note a importância da escolha do limite inferior de integração fracionária, de acordo com a função a ser integrada. Vamos apresentar uma situação na qual a escolha do limite inferior será um problema. Observe a seguinte equação D 1 2 (u) = ex + x2. Vamos supor ainda que seja, GL ∞ D 1 2 x (u) = ex + x2, na qual GL ∞ D 1 2 x representa a derivada fracionária de Grünwald-Letnikov. Para a resolução temos RL ∞ I 1 2 x (GL ∞ D 1 2 x (u)) = ∞I 1 2 x (ex + x2) = ∞I 1 2 x ex + ∞I 1 2 xx2. Veja que o ponto inicial a = ∞, funcionaria bem para a exponencial mas não para o monômio. Caso a = 0, funcionaria para o monômio, mas não para a exponencial. Assim, os limites de integração devem ser escolhidos levando-se em consideração a função e o contexto que ela está inserida. Para finalizarmos este capítulo, iremos apresentar uma definição mais completa para a integral estudada. Definição 2.9. (Integral Fracionária de Riemann-Liouville) Sejam f(x) uma função con- tínua e α ∈ R+. Definimos o operador integral de Riemann-Liouville de ordem α, no intervalo [a, b], denotado por aIα xf(x) ≡ (Iα a+f)(x) e xIα b f(x) ≡ (Iα b−f)(x) atuando em f(x), através das expressões: (Iα a+f)(x) = 1 Γ(α) ∫ x a (x− t)α−1f(t)dt, x > a (2.10) e (Iα b−f)(x) = 1 Γ(α) ∫ b x (t− x)α−1f(t)dt, x < b. (2.11) Chamadas Integrais Fracionárias de Riemann-Liouville à esquerda e a direita respec- tivamente. Se a = 0, na equação (2.10) , temos (Iα 0+f)(x) = 1 Γ(α) ∫ x 0 (x− t)α−1f(t)dt, x > 0. (2.12) A escolha do limite inferior de integração 45 Se b = 0, na equação (2.11) , temos (Iα 0−f)(x) = 1 Γ(α) ∫ 0 x (t− x)α−1f(t)dt, x < 0. (2.13) Define-se também o operador integral fracionária aIα xf(t) para α = 0 como sendo I0f(x) = If(x) = f(x), (2.14) na qual I é o operador identidade. Sempre que denotarmos Iαf(x), estaremos utilizando o operador de integração de Riemann-Liouville à esquerda com limite inferior de integração a = 0. 3 Derivada Fracionária de Riemann-Liouville e Caputo Este capítulo tem como objetivo introduzir as derivadas fracionárias segundo Riemann- Liouville e Caputo, realizar alguns exemplos e apontar algumas diferenças e semelhanças entre elas. Utilizamos as referências, [6], [7], [15], [18] e [20]. 3.1 Derivada de Riemann-Liouville Primeiramente iremos apresentar algumas definições que serão utilizadas em todo o texto. Definição 3.1. Se f é uma função que possui derivada até a ordem n e f (n) ∈ C(I), onde I é um intervalo, então dizemos que f é de classe Cn em I, e escrevemos f ∈ Cn(I). Definição 3.2. Uma função f : I → R definida em um intervalo aberto I, chama-se analítica quando é de classe C∞ e para todo x0 ∈ I, existe r > 0 tal que x ∈ (x0 −r, x0 +r) implica que f(x) = ∞∑ n=0 f (n)(x0) n! (x− x0)n. (3.1) Antes de definirmos as derivadas fracionária segundo Riemann-Liouville e Caputo, vamos apresentar as primeiras definições sugeridas por esses pesquisadores. Liouville foi o autor do primeiro grande estudo sobre o Cálculo Fracionário, em 1832. A seguinte relação, amplamente conhecida para derivadas de ordem inteira, foi seu ponto de partida: Dneax = aneax. Na qual Dn indica a derivada de ordem inteira n, em relação à variável independente x. Ele estendeu a ordem n, para um α arbitrário, obtendo: Dαeax = aαeax. Ainda notou que, se f(x) = ∞∑ n=0 cne anx, Re(an) > 0, (3.2) então Dαf(x) = ∞∑ n=0 cna α ne anx. (3.3) 47 48 Derivada Fracionária de Riemann-Liouville e Caputo Conhecida como a primeira fórmula de Liouville para a derivada fracionária de ordem arbitrária α, mas restritiva as funções exponenciais da forma descrita em (3.2). Com isso ele seguiu seus estudos e desenvolveu a segunda definição, partindo da integral: I = ∫ ∞ 0 ua−1e−xudu, a > 0 e x > 0. (3.4) Fazendo uma mudança de variável xu = t, du = dt x em (3.4) obtemos: ∫ ∞ 0 ua−1e−xudu = ∫ ∞ 0 ( t x )a−1 e−t 1 x dt = ∫ ∞ 0 ta−1 xax−1 e −t 1 x dt = x−a ∫ ∞ 0 ta−1e−tdt, Re(a) > 0. Note que, a integral anterior pode ser escrita utilizando a função Gama, Γ(a) = ∫ ∞ 0 ta−1e−tdt. Assim, podemos reescrever (3.4), obtendo:∫ ∞ 0 ua−1e−xudu = x−aΓ(a). Logo, temos que x−a = 1 Γ(a) ∫ ∞ 0 ua−1e−xudu. (3.5) Admitindo que dα dxα (e−xu) = (−u)αe−xu, α > 0, e aplicando o operador Dα em ambos os lados de (3.5), obtemos: Dαx−a = dαx−a dxα = 1 Γ(a) ∫ ∞ 0 ua−1(−u)αe−xudu = (−1)α Γ(a) ∫ ∞ 0 ua+α−1e−xudu. Realizando novamente a troca de variáveis, xu = t e du = dt x , temos: Dαx−a = (−1)α Γ(a) ∫ ∞ 0 ( t x )a+α−1 e−t 1 x dt = (−1)α Γ(a) ∫ ∞ 0 ta+α−1 xa+α−1 e −t 1 x dt = (−1)α Γ(a) ∫ ∞ 0 ta+α−1e−tdtx−(a+α). Observe que a integral pode ser substituída pela função Gama, logo Dαx−a = (−1)αΓ(a+ α) Γ(a) x−(a+α), com a > 0, Derivada de Riemann-Liouville 49 conhecida como segunda derivada fracionária de Liouville e está restrita às funções do tipo x−a (com a > 0). Por outro lado, Riemann, em 1847, durante a sua graduação, contribuiu para o de- senvolvimento do Cálculo Fracionário. Em um artigo, apresentou uma definição para a derivada fracionária, utilizando para isso a generalização da série de Taylor. Obteve as- sim, uma fórmula para a integral fracionária, na qual a, é uma constante e x > 0 são os limites de integração, α ∈ R+ é a ordem da integral e ψ(x) uma função auxiliar: aD−α x f(x) = 1 Γ(α) ∫ x a (x− t)α−1f(t)dt+ ψ(x). Essa teoria foi publicada postumamente no ano de 1876, em seu Gesammelte Werke, uma coleção de todas as suas obras completas, [15]. Note que, exceto pela função ψ(x), essa é a representação atual da integral segundo Riemann-Liouville apresentada no capí- tulo 1, em (1.9). A introdução dessa função complementar teve como objetivo minimizar a ambiguidade advinda do limite inferior a, como uma forma de quantificar o desvio desta definição da lei dos Expoentes que estabelece que, para um dado limite inferior de integração a seguinte relação aD−α x aD−β x f(x) = aD−α−β x f(x). (3.6) A presença dessa função auxiliar em detrimento de um maior estudo de a acabou tornando muito complexa e ineficiente a sua definição. Nikolay Yakovlevish Sonin (1849-1915), escreveu em 1869, o primeiro trabalho con- tendo o que conhecemos hoje como a formulação da derivada fracionária segundo Riemann-Liouville. Estrutura-se no fato de que a integração e a derivação são ope- rações inversas e também na Lei dos Expoentes. Vamos mostrar que a diferenciação fracionária é uma operação inversa à esquerda para a integração fracionária, iniciando pelo caso inteiro, temos: Proposição 3.3. Considere o operador In, n ∈ N, definido em (1.8) e seja um operador Dn, n ∈ N, como sendo a n-ésima derivada de uma função, e I o operador identidade, então: DnIn(f(t)) = If(t) = f(t). (3.7) Podemos mostrar que a proposição é verdadeira, com o auxílio do seguinte teorema: Teorema 3.4 (Teorema de Leibniz para a Diferenciação de uma Integral). Seja f(t, τ), uma função de duas variáveis, diferenciável em t, e sejam g(t) e h(t) funções diferenciá- veis. Então, d dt ∫ h(t) g(t) f(t, τ)dτ = ∫ h(t) g(t) ∂f(t, τ) ∂t dτ + dh(t) dt f(t, h(t)) − dg(t) dt f(t, g(t)). (3.8) Demonstração. Podemos identificar a integral ∫ g(t) h(t) f(t, τ)dτ como sendo uma função de três variáveis, ou seja: J(t, h, g) = ∫ h g f(t, τ)dτ, na qual h e g dependem somente de t. Sabemos, do Teorema Fundamental do Cálculo, que d dt ∫ t a g(τ)dτ = g(t), 50 Derivada Fracionária de Riemann-Liouville e Caputo também que d dt ∫ b t g(τ)dτ = − d dt ∫ t b g(τ)dτ = −g(t). Calculando a derivada total da função J(t, h, g) em relação a t, através da regra da cadeia, obtemos: d dt J(t, h, g) = ∂J ∂t dt dt + ∂J ∂h dh dt + ∂J ∂g dg dt = ( ∂ ∂t ∫ h g f(t, τ) ) dt dt + ( ∂ ∂h ∫ h g f(t, τ) ) d dt h(t) + ( ∂ ∂g ∫ h g f(t, τ) ) d dt g(t) = ∫ g(t) h(t) ∂f(t, τ) ∂t dτ + dh(t) dt f(t, h(t)) − dg(t) dt f(t, g(t)), que é justamente o resultado que desejávamos. Derivando n vezes a integral (1.8) e utilizando (3.8): DnIn(f(t)) = dn dtn [ 1 (n− 1)! ∫ t 0 (t− τ)n−1f(τ)dτ ] = . . . = 1 (n− 1)! ∫ t 0 dn dtn (t− τ)n−1f(τ)dτ = 1 (n− 1)!n−1 ∫ t 0 dn−1 dtn−1 (t− τ)n−2f(τ)dτ. Após n− 1 derivadas DnIn(f(t)) = (n− 1)! (n− 1)! ∫ t 0 d dt f(τ)dτ, ou seja, DnIn(f(t)) = f(t). Em [9] pode ser visto que InDn(f(t)) ̸= I. Sendo, a equação (3.7) verdadeira, podemos definir a derivada fracionária de ordem α ∈ R como sendo: Dα(f(t)) = DmIm−αf(t). (3.9) Já vimos que Γ(−α) diverge, para maiores esclarecimentos vide apêndice A. Uma solução então é escolher m ∈ N, tal que m− 1 < α < m. Vamos mostrar que (3.7) é válida para as derivadas fracionárias, ou seja que DαIα(f(t)) = f(t). (3.10) Note que DαIα(f(t)) = (DmIm−α)Iαf(t) = DmImIα−αf(t) = DmImI0f(t) = IIf(t) = f(t). Derivada de Riemann-Liouville 51 A derivada fracionária segundo Riemann-Liouville é a derivada de ordem inteira da integral fracionária. Sendo essa integral, a qual estudamos no capítulo anterior, conhecida como a integral fracionária segundo Riemann-Liouville,(1.10) . Definição 3.5. (Derivada de Riemann-Liouville) Sejam f(x) uma função contínua no intervalo [a, x], α ∈ R+ e m− 1 < α < m . A derivada fracionária, de ordem α, segundo Riemann-Liouville de f(x), para x > 0 é dada por RL 0 Dα xf(x) = dm dtm [ RL 0 Im−α x f(x) ] = dm dtm [ 1 Γ(m− α) ∫ x 0 (x− t)m−α−1f(t)dt ] , comD0 = I. Pelo fato das derivadas fracionárias serem operadores diferenciais temos também a seguinte definição: Definição 3.6. Seja f : R −→ R contínua. Fixados a, α ∈ R, com α ≥ 0, m ∈ N e m − 1 < α < m. Define-se os operadores diferenciais fracionários de Riemann-Liouville em um intervalo finito do eixo real, representado por RLDα a+f(x) e RLDα a−f(x), à esquerda e à direita, por RLDα a+f(x) = Dm [ RLIm−α a+ f(x) ] = 1 Γ(m− α)D m ∫ x a (x− t)m−α−1f(t)dt; x > a (3.11) e RLDα a−f(x) = (−D)m [ RLIm−α a− f(x) ] = 1 Γ(m− α)(−D)m ∫ a x (t− x)m−α−1f(t)dt; x < a, na qual Dm = dm dxm é a m-enésima derivada inteira, desde que essas derivadas existam. Iremos mostrar através da proposição abaixo, o critério de existência da derivada fracionária segundo Riemann-Liouville para 0 < α < 1, outros critérios de existência para essas derivadas podem ser encontradas nas páginas 39 e 40 de [17]. Proposição 3.7. Sejam f : R −→ R de classe C1 e 0 < α < 1. Então as derivadas de Riemann-Liouville existem ∀a ∈ R e temos as seguintes igualdades RLDα a+f(x) = 1 Γ(1 − α) [ f(a) (x− a)α + ∫ x a Df(t) (x− t)α dt ] , ∀x > a (3.12) e RLDα a−f(x) = 1 Γ(1 − α) [ f(a) (a− x)α − ∫ a x Df(t) (t− x)α dt ] , ∀ x < a. (3.13) Demonstração. Seja ω(x) = 1 Γ(1 − α) [ f(a) (x− a)α + ∫ x a Df(t) (x− t)α dt ] , 52 Derivada Fracionária de Riemann-Liouville e Caputo então temos que∫ x a ω(u)du = 1 Γ(1 − α) [ ∫ x a f(a) (u− a)αdu + ∫ x a ∫ u a Df(t) (u− t)α dt du ] = 1 Γ(1 − α) [ f(a)(x− a)(1−α) 1 − α + ∫ x a ∫ u a Df(t) (u− t)α dt du ] . Iremos agora trocar a ordem dos limites de integração, note que a ≤ u ≤ x e a ≤ t ≤ u, logo podemos escrever a ≤ t ≤ x e t ≤ u ≤ x. Assim,∫ x a ω(u)du = 1 Γ(1 − α) [ f(a)(x− a)(1−α) 1 − α + ∫ x a ∫ x t Df(t) (u− t)α du dt ] = 1 Γ(1 − α) [ f(a)(x− a)(1−α) 1 − α + ∫ x a Df(t)(x− t)1−α (1 − α) dt ] . Realizando uma integração por partes, obtemos∫ x a ω(u)du = 1 Γ(1 − α) [ f(a)(x− a)(1−α) 1 − α + f(t)(x− t)1−α (1 − α) ∣∣∣∣∣ t=x t=a ] + 1 Γ(1 − α) [ 1 1 − α ∫ x a f(t)(1 − α)(x− t)−αdt ] = 1 Γ(1 − α) ∫ x a f(t) (x− t)α dt. Como ω(x) é contínua em (a,∞) e f é de classe C1, pelo Teorema Fundamental do Cálculo temos d dx ∫ x a ω(u)du = ω(x). Então, RLDα a+f(x) = 1 Γ(1 − α) d dx ∫ x a f(t) (x− t)α dt = d dx ∫ x a ω(u)du = ω(x). Portanto, a derivada fracionária segundo Riemann-Liouville com 0 < α < 1 existe e é dada por (3.12), note que a demonstração de (3.13) é análoga. Introduziremos alguns exemplos do cálculo dessa derivada. Para facilitar o entendi- mento, vamos recordar que, pelo Teorema Fundamental do Cálculo se integrarmos uma função f(x) de x0 até x e depois a derivamos em x, o resultado será a f(x). Caso o número de integrais seja maior do que das derivadas, obtemos a integral, cujo o número de derivadas seja maior, o resultado será a derivada, ou seja, para obter a derivada de ordem 1 3 , basta você integrar 2 3 e derivar uma vez, RL 0 D 1 3 x f(x) = d1 dt1 [ 1 Γ(1 − 1 3) ∫ x 0 (x− t)1− 1 3 −1f(t)dt ] = 1 Γ(2 3) d dt [ ∫ x 0 (x− t)− 1 3f(t)dt ] . Derivada de Riemann-Liouville 53 Da mesma forma como fizemos anteriormente, vamos procurar uma fórmula para a de- rivada fracionária da Função Potência, utilizando agora a definição da derivada fracionária de Riemann-Liouville e o resultado obtido em (2.5). Exemplo 3.8. Derivada de ordem α da função f(x) = xµ, com µ > −1 e x ̸= 0. RL 0 Dα xx µ = dm dtm [ I(m−α)xµ ] = dm dtm [ Γ(µ+ 1)xµ+(m−α) Γ((m− α) + µ+ 1) ] = Γ(µ+ 1) Γ(m− α + µ+ 1) dm dtm xµ+m−α. Após m derivadas, temos: RL 0 Dα xx µ = Γ(µ+ 1) Γ(m− α + µ+ 1)x µ−α{[m+µ−α][(m−1)+µ−α]. . . . .[(m−(m−1))+µ−α]}. Note que: Γ(m− α + µ+ 1) = [m+ µ− α][(m− 1) + µ− α]. . . . .[µ− α + 1]Γ(µ− α + 1), portanto, RL 0 Dα xx µ = Γ(µ+ 1) Γ(µ− α + 1)x µ−α, (3.14) o mesmo resultado encontrado anteriormente. Agora vamos calcular a derivada fracionária da função constante. Exemplo 3.9. Derivada de ordem meio, segundo Riemann-Liouville, de f(x) = x0 é dada por: RL 0 Dα xx 0 = Γ(0 + 1) Γ(0 − α + 1)t 0−α = t−α Γ(1 − α) . Diferentemente do Cálculo de ordem inteira, a derivada fracionária segundo Riemann- Liouville de uma constante não é zero. Agora vamos calcular as derivadas de ordem: 1 2 , 1, 3 2 e 2, da função f(x) = x2. Exemplo 3.10. D 1 2x2 = Γ(2 + 1) Γ(2 − 1 2 + 1)x 2− 1 2 = Γ(3) Γ(5 2)x 3 2 = 8 3 √ x3 √ π . Exemplo 3.11. D1x2 = Γ(2 + 1) Γ(2 − 1 + 1))x 2−1 = Γ(3) Γ(2)x 1 = 2x. Notamos que ela recupera o caso inteiro. Para ilustrarmos veja a Figura 3.1. Mais alguns exemplos: Exemplo 3.12. D 3 2x2 = Γ(2 + 1) Γ(2 − 3 2 + 1)x 2− 3 2 = Γ(3) Γ(3 2)x 1 2 = √ x3 √ π . 54 Derivada Fracionária de Riemann-Liouville e Caputo Figura 3.1: Gráfico das funções: f(x), f ′(x) e D 1 2f(x). Exemplo 3.13. D2x2 = Γ(2 + 1) Γ(2 − 2 + 1))x 2−2 = Γ(3) Γ(1)x 0 = 2. Agora vamos abordar um assunto estudado no ensino médio, segundo a referência [4], a função da posição de um móvel em relação ao tempo. A partir dela, é possível calcular a velocidade e a aceleração em diferentes momentos. Dizemos que a posição s(t) de um móvel em um instante t é dada por s(t) = s0 + v0t+ 1 2at 2, (3.15) onde s0 é a posição inicial, v0 a velocidade inicial e a a aceleração, que é uma constante. Já a velocidade v(t) de um móvel no instante t é dada pela função v(t) = v0 + at, (3.16) na qual v0 é a velocidade inicial. No cálculo de ordem inteira, a derivada representa uma variação. Assim, como a velocidade é a variação do espaço em relação ao tempo se derivarmos a função horária da posição, (3.15) obtemos a função horária da velocidade, s′(t) = v0 + at = v(t). (3.17) Da mesma forma, como a aceleração é a variação da velocidade em relação ao tempo, derivando a função horária da velocidade, (3.16), obtemos a aceleração, isto é, v′(t) = a. Logo, s′′(t) = v′(t) = a, uma constante do movimento acelerado. Iremos agora, derivar a função horária do espaço utilizando a derivada fracionária segundo Riemann-Liouville, equação (3.11). Derivada de Riemann-Liouville 55 Exemplo 3.14. A derivada fracionária segundo Riemann-Liouville de ordem α, com 0 < α ≤ 1,no intervalo [0, t], da função s(t) = s0 + v0t+ 1 2at 2 é dada por: RLDα 0+s(t) = 1 Γ(1 − α) d dt ∫ t 0 s0 + v0x+ ax2 2 (t− x)α−1+1 dx = 1 Γ(1 − α) d dt [ ∫ t 0 s0 (t− x)α dx+ ∫ t 0 v0x (t− x)α dx+ ∫ t 0 ax2 2 (t− x)α dx ] . Faremos os cálculos das integrais separadamente. Para a primeira integral, temos∫ t 0 s0 (t− x)α dx = [ − s0(t− x)1−α (1 − α) ]t 0 = s0t 1−α (1 − α) . Note que para x = t a primitiva se anula, restando apenas o resultado do cálculo para x = 0. Para a segunda integral temos∫ t 0 v0x (t− x)α dx = v0 [ − x(t− x)1−α 1 − α − (t− x)2−α (1 − α)(2 − α) ]t 0 = v0t 2−α (1 − α)(2 − α) . Novamente os termos calculados em x = t se anulam, restando apenas a primitiva calcu- lada em x = 0. A terceira integral foi resolvida por partes∫ t 0 ax2 2 (t− x)α dx = a 2 [ − x2(t− x)1−α (1 − α) − 2x(t− x)2−α (1 − α)(2 − α) − 2(t− x)3−α (1 − α)(2 − α)(3 − α) ]t 0 = 2at3−α 2(1 − α)(2 − α)(3 − α) = at3−α (1 − α)(2 − α)(3 − α) . Os termos se anulam para x = t e as duas primeira parcelas também se anulam para x = 0. Agora, voltando a equação inicial e substituindo os resultados obtidos acima, temos RLDα 0+s(t) = 1 Γ(1 − α) d dt [ s0t 1−α 1 − α + v0t 2−α (1 − α)(2 − α) + at3−α (1 − α)(2 − α)(3 − α) ] = 1 Γ(1 − α) [ s0t −α + v0t −α (1 − α) + at2−α (1 − α)(2 − α) ] = s0t −α Γ(1 − α) + v0t 1−α Γ(2 − α) + at2−α Γ(3 − α) . Como a derivada fracionária de Riemann-Liouville é linear, também é possível utilizar as propriedades. Lembremos que a derivada de Riemann-Liouville de constante não é zero. Para α = 0, temos RLD0 0+s(t) = s0t −0 Γ(1 − 0) + v0t 1−0 Γ(2 − 0) + at2−0 Γ(3 − 0) = s0 + v0t+ 1 2at 2 = s(t), assim, recupera o caso inteiro. Para α = 1 temos RLD1 0+s(t) = s0t −1 Γ(1 − 1) + v0t 1−1 Γ(2 − 1) + at2−1 Γ(3 − 1) = s0t −1 Γ(0) + v0t 1−1 Γ(1) + at2−1 Γ(2) , 56 Derivada Fracionária de Riemann-Liouville e Caputo veja que o termo s0t −1 Γ(0) tende a zero, quando t → ∞. Então, RLD1 0+s(t) = v0 + at = v(t). Assim notamos que ela recupera o caso inteiro, obtendo a equação horária da velocidade. Vamos calcular a integral de Riemann-Liouville da função constante f(t) = a. Exemplo 3.15. A integral de Riemann-Liouville de ordem α, com 0 ≤ α ≤ 1, da função f(t) = a, no intervalo [0, t], é dada por RLI(α) 0+f(t) = 1 Γ(α) ∫ t 0 a (t− x)1−α dx = 1 Γ(α) [ −a(t− x)α α ]t 0 = atα Γ(α + 1) . Para α = 1 RLI(1) 0+f(t) = at1 Γ(1 + 1) = at. Vemos que a integral recupera o caso inteiro, a menos da constante v0, ou seja, v(t) = at. Exemplo 3.16. A integral de Riemann-Liouville de ordem α, com 0 ≤ α ≤ 1, da função v(t) = v0 + at, no intervalo [0, t], é dada por RLI(α) 0+ v(t) = 1 Γ(α) ∫ t 0 v0 + ax (t− x)1−α dx = v0 Γ(α) ∫ t 0 (t− x)α−1dx+ a Γ(α) ∫ t 0 x(t− x)α−1dx. Calculando a primeira integral v0 Γ(α) ∫ t 0 (t− x)α−1dx = v0 Γ(α) [ (t− x)α α ]t 0 = v0t α Γ(α + 1) . Calculando a segunda integral pelo método da substituição a Γ(α) ∫ t 0 x(t− x)α−1dx = a Γ(α) [ x(t− x)α α ∣∣∣∣∣ t 0 − ∫ t 0 (t− x)α α dx ] = a Γ(α) [ 0 − (t− x)α+1 α(α + 1) ∣∣∣∣∣ t 0 ] = atα+1 Γ(α + 2) . Substituindo os resultados obtidos, RLI(α) 0+ v(t) = v0 Γ(α) ∫ t 0 (t− x)α−1dx+ a Γ(α) ∫ t 0 x(t− x)α−1dx = v0t α Γ(α + 1) + atα+1 Γ(α + 2). Para α = 1 RLI(1) 0+v(t) = v0t 1 Γ(1 + 1) + at1+1 Γ(1 + 2) = v0t Γ(2) + at2 Γ(3) = v0t+ at2 2 . ou seja, recupera o caso inteiro, a função horária do espaço, a menos da constante s0, s(t) = v0t+ at2 2 . Na subseção 3.3, voltaremos a estudar a derivada e a integral de Riemann-Liouvile, a seguir introduziremos a derivada fracionária segundo Caputo. Derivada de Caputo 57 3.2 Derivada de Caputo Em 1969, M. Caputo desenvolveu uma definição para a derivada fracionária com o objetivo de resolver problemas relacionados à viscoelasticidade. Nela é calculada a integral fracionária segundo Riemann-Liouville da derivada de ordem inteira. Com essa inversão, convém observar que as derivadas de Caputo são mais restritivas, pois exigem que a função tenha derivada de ordem inteira. Sempre que nos referirmos à ela, consideramos que essa a hipótese seja satisfeita. Definição 3.17. Seja α ∈ R+, e tomando m ∈ N, tal que m − 1 < α < m. A derivada de ordem α de Caputo de f(x), x > 0 , denotada por Dαf(x) é definida por Dαf(x) = Im−α[Dmf(x)]. (3.18) (i) se m− 1 < α < m, então Dαf(x) = 1 Γ(m− α) ∫ x a (x− t)m−α−1fm(t)dt. (ii) se α = m, então Dαf(x) = dmf(x) dtm . Vamos obter a derivada de ordem α da função constante. Seja f(x) = k, k ∈ R. Sabemos que fm(x) = 0, pois as derivadas de ordem m ∈ N de uma função constante são nulas, assim Dαf(x) = 1 Γ(m− α) ∫ x a (x− t)m−α−1fm(t)dt = 1 Γ(m− α) ∫ x a (x− t)m−α−10 dt = 0. Portanto, as derivadas de ordem arbitrárias de funções constantes, de acordo com a for- mulação de Caputo, são nulas. Exemplo 3.18. Vamos calcular a derivada de ordem α de f(x) = xµ, com x ̸= 0 e µ > −1 Dα(xµ) = 1 Γ(m− α) ∫ x 0 (x− t)m−α−1d m(tµ) dtm dt = 1 Γ(m− α) ∫ x 0 (x− t)m−α−1 Γ(µ+ 1) Γ(µ−m+ 1)t µ−mdt = Γ(µ+ 1) Γ(m− α)Γ(µ−m+ 1) ∫ x 0 xm−α−1 ( 1 − t x )m−α−1 tµ−mdt. Fazendo uma troca de variáveis, z = t x , temos dt = xdz. Então, Dα(tµ) = Γ(µ+ 1) Γ(m− α)Γ(µ−m+ 1) ∫ 1 0 xm−α−1(1 − z)m−α−1xµ−mzµ−mxdz = Γ(µ+ 1) Γ(m− α)Γ(µ−m+ 1)x µ−α ∫ 1 0 (1 − z)m−α−1zµ−mdz. 58 Derivada Fracionária de Riemann-Liouville e Caputo Note que podemos trocar a integral pela função Beta. β(µ−m+ 1,m− α) = Γ(µ−m+ 1)Γ(m− α) Γ(µ−m+ 1 +m− α) = Γ(µ−m+ 1)Γ(m− α) Γ(µ− α + 1) . Então, Dα(tµ) = Γ(µ+ 1) Γ(n− α)Γ(µ− n+ 1) Γ(µ−m+ 1)Γ(n− α) Γ(µ− α + 1) tµ−α, logo Dα(tµ) = Γ(µ+ 1) Γ(µ− n+ 1)t µ−α. (3.19) Observe que a derivada da função potência segundo Grünwald-Letnikov, Riemann-Liouville e Caputo coincidem. Agora, voltaremos ao exemplo dado na seção anterior sobre a função horária do mo- vimento, (3.15), utilizando a derivada de Caputo. Exemplo 3.19. A derivada fracionária de Caputo de ordem α, com 0 ≤ α ≤ 1, no intervalo [0, t], da função s(t) = s0 + v0t+ 1 2at 2 é dada por CDα 0+s(t) = 1 Γ(1 − α) ∫ t 0 s′(x) (t− x)α−1+1dx = 1 Γ(1 − α) ∫ t 0 (s0 + v0x+ ax2 2 ) (t− x)α dx = 1 Γ(1 − α) ∫ t 0 (v0 + ax) (t− x)α dx = 1 Γ(1 − α) [ ∫ t 0 v0 (t− x)α dx+ ∫ t 0 ax (t− x)α dx ] . Resolvendo a primeira integral, obtemos ∫ t 0 v0 (t− x)α dx = [ − v0(t− x)1−α 1 − α ]t 0 = v0t 1−α 1 − α . Resolvendo a segunda integral, ∫ t 0 ax (t− x)α dx = a [ − x(t− x)1−α 1 − α − (t− x)2−α (1 − α)(2 − α) ]t 0 = at2−α (1 − α)(2 − α) . Assim, voltando à equação da derivada de Caputo e substituindo os resultados das inte- grais acima, obtemos CDα 0+s(t) = 1 Γ(1 − α) [ v0t 1−α (1 − α) + at2−α (1 − α)(2 − α) ] = v0t 1−α Γ(2 − α) + at2−α Γ(3 − α) . Para α = 0, temos CD0 0+s(t) = v0t 1−0 Γ(2 − 0) + at2−0 Γ(3 − 0) = v0t Γ(2) + at2 Γ(3) = v0t+ at2 2 . Derivada de Caputo 59 Note que faltou o termo s0 para que resultasse na função horária do espaço, pois a derivada de Caputo de constante é zero. Para α = 1, CD1 0+s(t) = v0t 1−1 Γ(2 − 1) + at2−1 Γ(3 − 1) = v0 Γ(1) + at Γ(2) = v0 + at = v(t), temos a função horária da velocidade, ou seja, recupera o caso inteiro. Note que os resultados obtidos com as derivadas de Riemann-Liouville e Caputo coincidem. Abaixo uma representação gráfica das derivadas, utilizamos v0 = −4 e a = 1 na função horária da posição. Figura 3.2: Derivadas fracionárias da função s(t) = s0 − 4t+ t2 2 . No próximo exemplo utilizaremos, 1 ≤ α ≤ 2. Exemplo 3.20. A derivada fracionária de Caputo de ordem α, com 1 ≤ α ≤ 2,no intervalo [0, t], da função s(t) = s0 + v0t+ 1 2at 2 é dada por CDα 0+s(t) = 1 Γ(2 − α) ∫ t 0 s′′(x) (t− x)α−2+1dx = 1 Γ(2 − α) ∫ t 0 (v0 + ax)′ (t− x)α−1dx = 1 Γ(2 − α) ∫ t 0 a (t− x)α−1dx. 60 Derivada Fracionária de Riemann-Liouville e Caputo A integral acima pode ser calculada através de uma substituição de x − t. Veja que a primitiva calculada para t = x, se anula, logo temos 1 Γ(2 − α) ∫ t 0 a (t− x)α−1dx = 1 Γ(2 − α) at2−α (2 − α) = at2−α Γ(3 − α) . Portanto, a derivada de Caputo de ordem α, com 1 ≤ α ≤ 2 da função horária do espaço é dada por CDα 0+s(t) = at2−α Γ(3 − α) . Para α = 1 temos CD1 0+s(t) = at2−1 Γ(3 − 1) = at1 Γ(2) = at. Veja que falta a constante v0, para ser a função horária da velocidade. Para α = 2 CD2 0+s(t) = at2−2 Γ(3 − 2) = a, temos a aceleração, uma função constante e recuperamos o caso inteiro. Veja a represen- tação gráfica desses resultados. Figura 3.3: Derivadas fracionárias da função s(t) = s0 − 4t+ t2 2 . 3.3 Riemann-Liouville × Caputo Esta seção é dedicada ao estudo de algumas características das derivadas de Riemann- Liouville e Caputo, mostrando suas semelhanças e diferenças. Primeiramente iremos abor- dar a definição da derivada fracionária de Caputo dada em termo da derivada fracionária de Riemann-Liouville. Sejam α ∈ R, a ∈ R e n ∈ N, tal que m− 1 < α ≤ m . Suponha f : R −→ R contínua e m− 1 vezes derivável em a. A derivada fracionária de Caputo de ordem α denotada por C a Dα xf(x) pode ser dada via derivada de Riemann-Liouville por C a Dα xf(x) = RL a Dα x [ f(x) − m−1∑ k=0 Dkf(a) k! (x− a)k ] (3.20) Riemann-Liouville × Caputo 61 se as derivadas de Riemann-Liouville existirem, veja referência [20]. Abaixo apresentamos uma relação entre as derivadas fracionárias de Riemann-Liouville e Caputo, retirada de [21]. Proposição 3.21. Se f(x) for uma função tal que as derivadas fracionárias de Caputo e Riemann-Liouville existam, então elas são conectadas pela seguinte relação: C a Dα xf(x) = RL a Dα xf(x) − m−1∑ k=0 Dkf(a) Γ(k − α + 1)(x− a)k−α. (3.21) Demonstração. Para provar, utilizaremos a derivada fracionária segundo Riemann-Liouville da função potência, (3.14), da função f(x) = (x− a)k, com k ∈ R+. RL a Dα x(x− a)k = Γ(k + 1) Γ(k − α + 1)(x− a)k−α. (3.22) Tomando a seção (3.20) e pelo fato da derivada ser um operador linear podemos escrever C a Dα xf(x) = RL a Dα xf(x) − m−1∑ k=0 Dkf(a) k! RL a Dα x [(x− a)k]. Utilizando o resultado da derivada fracionária de Riemann-Liouville da função, g(x) = (x− a)k, (3.22) obtemos C a Dα xf(x) = RL a Dα xf(x) − m−1∑ k=0 Dkf(a) k! Γ(k + 1) Γ(k − α + 1)(x− a)k−α. Efetuando uma simplificação pois, k! = Γ(k + 1), concluímos a demonstração C a Dα xf(x) = RL a Dα xf(x) − m−1∑ k=0 Dkf(a) Γ(k − α + 1)(x− a)k−α. Note que quando f (k)(a) = 0, para k = 0, 1, . . . ,m− 1, as duas formulações coincidem pois a segunda parcela no segundo membro é nula. Iremos mostrar agora que existe uma espécie de Teorema Fundamental do Cálculo para as derivadas fracionárias segundo Riemann-Liouville. Proposição 3.22. Sejam f : R −→ R de classe C1, a ∈ R e α ∈ R+, com 0 < α < 1, então RLIα a+ RLDα a+f(x) = f(x), ∀x > a e RLIα a− RLDα a−f(x) = f(x), ∀x < a. Demonstração. Vamos provar o caso x > a, o outro é análogo. Utilizando as definições de integrais e derivadas fracionárias, respectivamente (2.10) e (3.11) temos RLIα a+ RLDα a+f(x) = 1 Γ(α) ∫ x a (x− τ)α−1 1 Γ(1 − α) ( d dτ ∫ τ a f(t) (τ − t)α dt ) dτ. (3.23) 62 Derivada Fracionária de Riemann-Liouville e Caputo Observe que (x− τ)α−1 = d dx (x− τ)α α , (3.24) logo, substituindo (3.24) em (3.23) obtemos RLIα a+ RLDα a+f(x) = 1 αΓ(α)Γ(1 − α) ∫ x a d(x− τ)α dx d dτ ∫ τ a f(t) (τ − t)α dt dτ. Agora aplicando a Regra de Leibniz para integrais fracionárias RLIα a+ RLDα a+f(x) = 1 αΓ(α)Γ(1 − α) d dx [ ∫ x a (x− τ)α d dτ ∫ τ a f(t) (τ − t)α dt dτ ] − [ (x− τ)α d dτ ∫ τ a f(t) (τ − t)α dt dτ ]τ=x = 1 αΓ(α)Γ(1 − α) d dx [ ∫ x a (x− τ)α d dτ ∫ τ a f(t) (τ − t)α dt dτ ] . Realizando a integração por partes∫ x a (x− τ)α d dτ ∫ τ a f(t) (τ − t)α dt dτ = [ (x− τ)α ∫ τ a f(t) (τ − t)α dt ]τ=x τ=a − ∫ x a d dτ (x− τ)α ∫ τ a f(t) (τ − t)α dt dτ = α ∫ x a (x− τ)α−1 ∫ τ a f(t) (τ − t)α dt dτ. Então RLIα a+ RLDα a+f(x) = d dx [ 1 Γ(α) ∫ x a (x− τ)α−1 ( 1 Γ(1 − α) ∫ τ a f(t) (τ − t)α dt ) dτ ] = d dx [ 1 Γ(α) ∫ x a (x− τ)α−1RLI1−α a+ f(τ)dτ ] = d dx [ RLIα a+ ( RLI1−α a+ f(x) )] . Pela Lei dos Expoentes e pelo Teorema Fundamental do Cálculo, RLIα a+ RLDα a+f(x) = d dx [ RLI1−α a+ f(x) ] = d dx ∫ x a f(τ)dτ = f(x). Lembremos que no Capítulo 3 demonstramos que a Proposição (3.3), é válida para as derivadas fracionárias, equação (3.10) DαIα(f(t)) = f(t), assim, com a junção dessas proposições, temos uma espécie de Teorema Fundamental do Cálculo Fracionário para os operadores de Riemann-Liouville. Iremos agora abordar a composição dos operadores, de integração e derivação, de or- dem fracionária segundo Caputo. As duas proposições abaixo abordam os casos possíveis. Riemann-Liouville × Caputo 63 Proposição 3.23. Sejam a ∈ R, α > 0,m ∈ N tal que m − 1 < α < m. Se f : R −→ R é contínua, então CDα a+ RLIα a+f(x) = f(x). Demonstração. A partir da definição da derivada fracionária de Caputo, via Riemann- Liouville, (3.21) com x > a temos CDα a+ RLIα a+f(x) = RLDα a+ RLIα a+f(x) − m−1∑ k=0 DkRLIα a+f(a) (x− a)k−α Γ(k − α + 1) . Novamente por (3.10), sabemos que RLDα a+ RLIα a+f(x) = f(x). Também, para 0 ≤ k ≤ m− 1, DkRLIα a+f(x) = 1 Γ(α)D k ∫ x a (x− τ)α−1f(τ)dτ. Aplicando a Regra de Leibniz para integrais fracionárias k vezes obtemos DkRLIα a+f(x) = 1 Γ(α) ∫ x a Dk x(x− τ)α−1f(τ)dτ. Então, DkRLIα a+f(a) = 1 Γ(α) ∫ a a Dk x(x− τ)α−1f(τ)dτ = 0. Logo, CDα a+ RLIα a+f(x) = f(x). Proposição 3.24. Sejam a ∈ R, α > 0, m ∈ N tal que m− 1 < α < m. Se f : R −→ R for de classe Cn, então RLIα a+ CDα a+f(x) = f(x) − m=1∑ k=0 Dkf(a)(x− a)k k! . Demonstração. Pela definição (3.17) e sendo x > a temos RLIα a+ CDα a+f(x) = RLIα a+ RLIα−m a+ CDmf(x). Aplicando a Lei dos Expoentes para as integrais, seção 2.1, obtemos RLIα a+ CDα a+f(x) = RLIα+m−α a+ CDmf(x) = ImDmf(x) = ∫ x a ∫ x1 a · · · ∫ xm−1 a Dmf(xm)dxm . . . dx1 = f(x) − m=1∑ k=0 Dkf(a)(x− a)k k! . 64 Derivada Fracionária de Riemann-Liouville e Caputo Para as derivadas fracionárias de Caputo à direita, ou seja, quando x < a as demons- trações são análogas. Assim, mostramos que diferentemente das derivadas fracionárias de Riemann-Liouville, a união das proposições acima não formam um Teorema Fundamental do Cálculo para os operadores de Caputo, pois aplicando a integral à esquerda da derivada não obtivemos f(x). 3.3.1 Transformada de Laplace dos operadores fracionários A definição e as propriedades da Transformada de Laplace utilizadas neste trabalho se encontram no Apêndice A. Para escrevermos esta seção utilizamos como referências [7], [11], [13], [20] e [21] . Transformada de Laplace da integral de Riemann-Liouville Vimos no Capítulo 2, equação (2.12), um caso particular da integral de Riemann- Liouville, quando a = 0 é dada por Iαf(t) = 1 Γ(α) ∫ t 0 (t− x)α−1f(x)dx, t > 0 e α > 0. A partir da definição do produto de convolução, (A.18) e da definição da função de Gel’fand-Shilov, (A.12) podemos escrever Φα(t) ∗ f(t) = ∫ t 0 (t− x)α−1 Γ(α) f(x)dx = 1 Γ(α) ∫ t 0 (t− x)α−1f(x)dx. (3.25) Portanto, Iαf(t) = Φα(t) ∗ f(t). (3.26) Teorema 3.25. Sejam f(t) definida para todo t > 0 e α ∈ R, então a transformada de Laplace da integral fracionária de Riemann-Liouville de ordem α da função f(t) é dada por L[Iαf(t)] = L[f(t)] sα . (3.27) Demonstração. Sabemos que a integral fracionária pode ser escrita como um produto de convolução, (3.26). Iαf(t) = Φα(t) ∗ f(t). Aplicando a transformada de Laplace em ambos os membros, e utilizando a relação (A.20), obtemos L[Iαf(t)] = L[Φα(t) ∗ f(t)] = L[Φα(t)]L[f(t)] = s−αL[f(t)] = L[f(t)] sα . (3.28) Esse resultado será utilizado nas demonstrações abaixo. Riemann-Liouville × Caputo 65 Transformada de Laplace da derivada de Riemann-Liouville Para calcularmos a transformada de Laplace da derivada fracionária segundo Riemann- Liouville utilizaremos o teorema abaixo. Teorema 3.26. Seja α ∈ R com m− 1 < α ≤ m, m ∈ N. A transformada de Laplace da derivada de Riemann-Liouville é dada por L[RL 0 Dα t f(t)] = sαL[f(t)] − m−1∑ k=0 sm−1−kg(k)(0), (3.29) onde g(t) = Im−αf(t) e gk(0) = limt→0+ Dkg(t). Demonstração. Escrevendo a derivada fracionária de Riemann-Liouvile em termos da in- tegral fracionária temos L[RL 0 Dα t f(t)] = L[DmIm−αf(t)]. Seja g(t) = Im−αf(t), então L[RL 0 Dα t f(t)] = L[Dmg(t)].Então, pela equação (A.19) temos L[Dmg(t)] = smL[g(t)] − m−1∑ k=0 sm−1−kg(k)(0) = smL[Im−αf(t)] − m−1∑ k=0 sm−1−kg(k)(0). Sabemos pela equação (3.27), que L[Im−αf(t)] = L[f(t)] sm−α , portanto L[RL 0 Dα t f(t)] = smsα−mL[f(t)] − m−1∑ k=0 sm−1−kg(k)(0) = sαL[f(t)] − m−1∑ k=0 sm−1−kg(k)(0), na qual gk(0) = limt→0+ Im−αf(0+). Agora faremos um exemplo, [21]. Exemplo 3.27. Para m = 1 e 0 < α ≤ 1 temos L[RL 0 Dα t f(t)] = sαL[f(t)] − g(0), onde g(0) = lim t→0+ I1−αf(t) = lim t→0+ [ RL 0 Dα−1 t f(t) ] (3.30) Logo, podemos perceber que a transformada de Laplace de derivada de Riemann- Liouville possui derivadas de ordens não inteiras. 66 Derivada Fracionária de Riemann-Liouville e Caputo 3.3.2 Transformada de Laplace da derivada de Caputo Para calcularmos a transformada de Laplace da derivada fracionária segundo Caputo utilizaremos o teorema abaixo. Teorema 3.28. Seja α ∈ R, com m− 1 < α < m e m ∈ N. A transformada de Laplace da derivada fracionária de Caputo é dada por L[C0 Dα t f(t)] = sαL[f(t)] − m−1∑ k=0 sm−1−kf (k)(0), (3.31) sendo f (k)(0) = limt→0+ D kf(t). Demonstração. Sabemos que C 0 Dα t f(t) = Im−αDmf(t), aplicando Laplace em ambos os membros obtemos L[C0 Dα t f(t)] = L[Im−αDmf(t)]. Seja, g(t) = Dmf(t), então L[C0 Dα t f(t)] = L[Im−αg(t)]. Pela equação (3.27) temos L[Iαf(t)] = L[f(t)] sα , logo L[Im−αg(t)] = L[g(t)] sm−α . A partir da equação da transformada de Laplace para a derivada, equação (A.19), podemos escrever L[g(t)] = L[Dmf(t)] = smL[f(t)] − m−1∑ k=0 sm−1−kf (k)(0). Então, L[Im−αDmf(t)] = sα−m { smL[f(t)] − m−1∑ k=0 sm−1−kf (k)(0) } Portanto, L[C0 Dα t f(t)] = sαL[f(t)] − m−1∑ k=0 sm−1−kf (k)(0). Agora, um exemplo, [21]. Exemplo 3.29. Para m = 2 temos L[C0 Dα t f(t)] = sαL[f(t)] − sα−1f(0) − sα−2f ′(0) na qual, t = 0. Riemann-Liouville × Caputo 67 Note que a expressão acima contém derivadas de ordens inteiras. Nessa seção, pudemos perceber que a transformada de Laplace da derivada de Riemann- Liouville possui derivada de ordem fracionária. Já a de Caputo, possui derivada de ordem inteira, ambas calculadas em 0. Com isso, fica fácil perceber porque em várias aplicações se opta por utilizar a derivada de Caputo. As derivadas de ordem inteira são bem co- nhecidas, diferentemente das de ordem fracionária, como já vimos. É importante notar que, no caso em que as funções e as suas derivadas são zero, as transformadas das duas derivadas coincidem. 3.3.3 Efeito de memória A derivada fracionária é um operador não local, o que acarreta o chamado efeito de memória. Quando mencionamos esse "efeito de memória", estamos nos referindo a uma propriedade das derivadas fracionárias, elas levam em conta informações históricas da função, ou seja, elas dependem de todos os valores anteriores da função em questão. Isso é diferente do que ocorre com as derivadas de ordem inteira, que dependem apenas do valor atual da função. Essa propriedade de memória é importante porque permite que as derivadas fracioná- rias capturem informações sobre a dinâmica de sistemas complexos, como sistemas físicos não lineares, sistemas econômicos e sistemas biológicos. Em muitos casos, as derivadas fracionárias podem fornecer uma descrição mais precisa e completa desses sistemas do que as derivadas convencionais. Para atingirmos o objetivo do trabalho, uma abordagem didática do cálculo fracio- nário, escolhemos um exemplo simples e de fácil entendimento, retirado de [21]. Vamos analisar o efeito de memória para um particular problema de valor inicial, composto pela equação diferencial ordinária fracionária Dαy(x) = f(x), (3.32) com 0 < α ≤ 1, satisfazendo a condição inicial y(0) = 0. Aplicando a transformada de Laplace em (3.32) temos sαL[y] = L[f(x)]. Observando que a transformada de Laplace da função Gel’fand-Shilov, (A.12) satisfaz a relação s−α = L[Φα(x)], (A.20) temos L[y] = L[Φα(x)]L[f(x)]. Usando o produto de convolução, (A.18), obtemos L[y] = L[Φα(x) ∗ f(x)]. Utilizando a transformada inversa e a definição de produto de convolução, obtemos a solução do problema de valor inicial y(x) = 1 Γ(α) ∫ x 0 (x− ξ)α−1f(ξ)dξ. (3.33) Note que é exatamente o operador integral fracionário, como era de se esperar, pois é o inverso da derivada fracionária. Considerando dois valores distintos x1 e x2 sendo, sem perda de generalidade, x1 < x2 e separando em dois intervalos obtemos 68 Derivada Fracionária de Riemann-Liouville e Caputo y(x2) = 1 Γ(α) ∫ x2 0 (x2 − ξ)α−1f(ξ)dξ e y(x1) = 1 Γ(α) ∫ x1 0 (x1 − ξ)α−1f(ξ)dξ. Calculando y(x2) − y(x1), temos y(x2) − y(x1) = 1 Γ(α) ∫ x2 0 (x2 − ξ)α−1f(ξ)dξ − 1 Γ(α) ∫ x1 0 (x1 − ξ)α−1f(ξ)dξ = 1 Γ(α) ∫ x1 0 [(x2 − ξ)α−1 − (x1 − ξ)α−1]f(ξ)dξ + 1 Γ(α) ∫ x2 x1 (x2 − ξ)α−1f(ξ)dξ, pois, x1 < x2. Note que, a primeira integral envolve valores anteriores a x1, enquanto que a segunda integral apenas valores entre x1 e x2. Para todos os valores com α ̸= 1, as duas parcelas contribuem. Agora, para o caso α = 1, quando temos a derivada de ordem inteira, apenas a segunda parcela contribui. Ou seja, nesse caso, não há dependência do valor da primeira integral. Com isso, conclui-se que equações de ordem inteira modelam sistemas sem memória. Por outro lado, no caso em que 0 < α < 1 a primeira parcela também contribui, isto é, há dependência das duas parcelas, logo equações de ordem não inteira modelam sistemas com memória. Em outras palavras, tem-se um efeito de memória relativo à integral no intervalo de zero à x1, antes de x1, no passado. Efeito de memória nas derivadas de Riemann-Liouville e Caputo Sabemos que a derivada fracionária de Caputo é definida como a integral fracionária da derivada de ordem inteira de uma função, assim a derivada de Caputo incorpora informações da função até a ordem fracionária desejada. Ela integra a derivada da função, para trás no tempo. Já a derivada de Riemann-Liouville, é definida como a derivada de ordem inteira da integral fracionária de uma função, é uma forma de integrar a função para trás no tempo. Assim, a principal diferença entre as duas definições é que a derivada de Riemann-Liouville incorpora informações sobre a função em todo o intervalo de integração, enquanto que a derivada de Caputo incorpora apenas informações sobre a função até a ordem fracionária desejada. Em outras palavras, a derivada de Riemann-Liouville é uma forma de memória longa, enquanto a derivada de Caputo é uma forma de memória curta. Na prática, a derivada de Caputo é adequada para fenômenos onde a resposta do sistema depende apenas das condições iniciais e de algumas condições passadas. Por exemplo, a dinâmica de sistemas físicos como molas e osciladores, bem como a difusão de calor em meios porosos, são exemplos de sistemas que podem ser descritos por meio de derivadas de Caputo. Por outro lado, a derivada de Riemann-Liouville, para modelar processos que apresentam fenômenos onde a resposta do sistema depende não apenas das condições iniciais, mas também de todas as condições passadas. Por exemplo, a dinâmica de sistemas biológicos são exemplos de sistemas que podem ser descritos por meio de derivadas de Riemann-Liouville. A escolha de qual definição utilizar, depende do problema em questão e das propri- edades matemáticas da função em estudo. Além disso, existem muitas outras definições Riemann-Liouville × Caputo 69 de derivadas fracionárias que podem ser usadas em diferentes contextos e que apresentam outras propriedades. 4 Critérios para Derivada Fracionária Neste capítulo iremos discutir quais critérios um operador deve satisfazer para que possa ser considerado uma derivada fracionária. Segundo [20], existem atualmente dois critérios, um proposto por Bertran Ross em 1975, veja [15] e outro por Ortigueira e Machado em 2015, em [14]. Como vimos anteriormente, as definições das derivadas fraci- onárias não são tão intuitivas e exigem um entendimento mais profundo da teoria. Sem falar nas inúmeras definições de derivadas fracionárias que surgiram recentemente. Por isso, é fundamental ter um teste, um critério para a validação dessas definições, que per- mitam verificar se uma determinada função pode ser derivada fracionalmente e se essa derivação tem sentido matemático. Além disso, mostraremos a da Regra da Cadeia, das derivadas fracionárias de Riemann- Liouville e Caputo.Utilizamos como referência neste capítulo [20] e [13]. 4.1 Critério segundo Ross O critério segundo Ross possui cinco propriedades a saber: • A derivada fracionária de uma função analítica é analítica; • A derivação fracionária, quando a ordem é um inteiro positivo n, n ∈ N, deve produzir o mesmo resultado da derivação ordinária, ou seja, Dnf(x) = dnf(x) dxn e quando a ordem for um inteiro negativo −n, n ∈ N deve produzir o mesmo resultado da n-ésima integração ordinária, ou seja, D−nf(x) = ∫ x 0 ∫ τn−1 0 · · · ∫ τ1 0 f(τ)dτdτ1 . . . dτn−1; • A derivada fracionária de ordem zero de uma função é a própria função, D0f(x) = f(x); • A derivada fracionária é um operador linear; • A Lei dos Expoentes, DαDβf(x) = Dα+βf(x), é satisfeita para α < 0 e β < 0. 71 72 Critérios para Derivada Fracionária Observando o fato de que a derivada fracionária de uma função analítica não é neces- sariamente analítica, Ortigueira e Machado reformularam o critério proposto por Ross. Também levaram em conta o fato de que operadores lineares que satisfazem a clássica Regra de Leibniz, Dα(f(x)g(x)) = Dαf(x)g(x) + f(x)Dαg(x), não são derivadas fracionárias, provado por Tarasov 1, mais detalhes podem ser vistos em [20]. 4.2 Critério segundo Ortigueira e Machado O critério de Ortigueira e Machado, assim como o de Ross, possui cinco propriedades: • A derivação fracionária, quando a ordem é um inteiro positivo n, n ∈ N, deve produzir o mesmo resultado da derivação ordinária, ou seja, Dnf(x) = dnf(x) dxn e quando a ordem for um inteiro negativo −n, n ∈ N deve produzir o mesmo resultado da n-ésima integração ordinária, ou seja, D−nf(x) = ∫ x 0 ∫ τn−1 0 · · · ∫ τ1 0 f(τ)dτdτ1 . . . dτn−1; • A derivada fracionária de ordem zero de uma função é a própria função, D0f(x) = f(x); • A derivada fracionária é um operador linear; • A Lei dos Expoentes, DαDβf(x) = Dα+βf(x), é satisfeita para α < 0 e β < 0; • Vale a generalização da Regra de Leibniz, Dα(f(x)g(x)) = ∞∑ k=0 ( α k ) Dkf(x)Dα−kg(x), sendo ( α k ) = Γ(α + 1) Γ(α− k + 1)k! . Note que os critérios se diferenciam apenas em uma propriedade, no critério de Ross a Derivada Fracionária de uma função analítica deve ser analítica, e no critério de Ortigueira e Machado temos a validade da generalização da Regra de Leibniz. Na literatura especializada encontramos três classes, das assim chamadas derivadas fracionárias: Derivadas fracionárias clássicas, derivadas "fracionárias" locais e derivadas "fracionárias" com núcleo não singular. O termo "fracionária" entre aspas significa que essas derivadas não satisfazem aos critérios adotados por Ross e Ortigueira Machado, veja mais informações em [20]. Neste trabalho iremos verificar a validade do critério segundo Ortigueira e Machado para as Derivadas de Riemann-Liouville e Caputo, que são os objetos de estudo deste trabalho. 1Tarasov [19] em 2013 apresentou um teorema que garante que operadores lineares que satisfazem a clássica Regra de Leibniz não são Derivadas Fracionárias. Validade do critério para a Derivada de Riemann-Liouville 73 4.3 Validade do critério para a Derivada de Riemann- Liouville Primeiramente vamos retomar a definição da Derivada Fracionária de Riemann-Liouville. Seja f uma função contínua no intervalo [a, x], α ∈ R+ e m − 1 < α < m, m ∈ N. A Derivada Fracionária, de ordem α, segundo Riemann-Liouville de f(x), para x > 0 é dada por RL 0 Dα xf(x) = dm dtm [ RL 0 Im−α x f(x) ] = dm dtm [ 1 Γ(m− α) ∫ x 0 (x− t)m−α−1f(t)dt ] , comD0 = I. Optamos por simplificar a notação, assim denotaremos apenas Dα para a Derivada Fra- cionária segundo Riemann-Liouville de ordem α. 4.3.1 Linearidade Inicialmente vamos provar a linearidade da derivada de ordem inteira Teorema 4.1. Sejam n ∈ N e f, g funções definidas em [a, b] tais que Dnf(t) e Dng(t) existam. Sejam ainda λ, µ ∈ R duas constantes quaisquer, então Dn[λf(t) + µg(t)] existe e Dn[λf(t) + µg(t)] = λDnf(t) + µDng(t). (4.1) Demonstração. Faremos a partir da definição da derivada usual, pois estes operadores são de fato lineares, isto é, Dn[λf(t) + µg(t)] = dn dxn [λf(t) + µg(t)] = λ dnf(t) dxn + µ dng(t) dxn = λDnf(t) + µDng(t). Teorema 4.2. {Linearidade da Derivada Segundo Riemann-Liouville} Sejam α ∈ R com m − 1 < α < m onde m ∈ N e f, g funções definidas em [a, b] tais que Dα t f(t) e Dα t g(t) existam. Sejam ainda λ, µ ∈ R duas constantes quaisquer, então Dα t [λf(t) + µg(t)] existe e Dα t [λf(t) + µg(t)] = λDα t f(t) + µDα t g(t). (4.2) Demonstração. Dα t [λf(t) + µg(t)] = 1 Γ(m− α)D m ∫ t a (t− u)m−α−1[λf(u) + µg(u)]du = λ Γ(m− α)D m ∫ t a (t− u)m−α−1f(u)du+ + µ Γ(m− α)D m ∫ t a (t− u)m−α−1g(u)du = λDα t f(t) + µDα t g(t). 74 Critérios para Derivada Fracionária Portanto, a derivada fracionária segundo Riemann-Liouville é um operador linear. 4.3.2 Derivada de ordem zero Para α = 0 temos D0f(t) = D0I0f(t) = f(t), ou seja, a derivada fracionária segundo Riemann-Liouville de ordem zero de uma função é a própria função. 4.3.3 Derivada de ordem inteira Para α = m, com m ∈ Z+, temos, Dmf(t) = dm dtm Im−mf(t) = dm dtm I0f(t) = dm dtm f(t). Portanto, a derivada fracionária segundo Riemann-Liouville de ordem m é igual a m-ésima derivada ordinária. Para α = −m, com m ∈ Z+, temos, D−mf(t) = Imf(t) = 1 Γ(m) ∫ t 0 f(τ)(t− τ)m−1dτ, que é garantida pela Fórmula da Integral de Cauchy2, portanto, D−m representa a m-ésima integral, D−mf(x) = ∫ x 0 ∫ τm−1 0 · · · ∫ τ1 0 f(τ)dτdτ1 . . . dτm−1. Assim, a derivada fracionária de Riemann-Liouville recupera o caso inteiro [5]. 4.3.4 Lei dos Expoentes Nesta seção utilizamos como referência [16], apresentaremos uma abordagem diferente da realizada no Capítulo 2 na demonstração da validade da Lei dos Expoentes para as integrais fracionárias. Faremos um estudo envolvendo os sinais dos expoentes. Para isso utilizaremos a proposição a seguir. Proposição 4.3. Seja f(t) uma função contínua para t ≥ a, então aD−q t (aD−p t f(t)) = aD−p t (aD−q t f(t)) = aD−p−q t f(t), (4.3) para todo p > 0 e q > 0 Demonstração. Pela definição e usando o Teorema de Fubini, temos aD−q t (aD−p t f(t)) = 1 Γ(q) ∫ t a (t− τ)q−1 aD−p τ f(τ)dτ = 1 Γ(q)Γ(p) ∫ t a (t− τ)q−1 ∫ τ a (τ − ϵ)p−1f(ϵ)dϵdτ = 1 Γ(q)Γ(p) ∫ t a f(ϵ) ∫ t ϵ (t− τ)q−1(τ − ϵ)p−1dτdϵ. 2Condições para a Fórmula da Integral de Cauchy f (n)(x0) = n! 2π ∫ f(ϵ) Γ(ϵ−x0)n+1 dϵ. Validade do critério para a Derivada de Riemann-Liouville 75 Realizando uma substituição de variáveis, τ = tu+ ϵ e dτ = tdu, temos ∫ t ϵ (t− τ)q−1(τ − ϵ)p−1dτ = ∫ t−ϵ t 0 (t− tu− ϵ)q−1(tu+ ϵ− ϵ)p−1tdu = ∫ t−ϵ t 0 (t(1 − u) − ϵ)q−1tp−1up−1tdu = tp ∫ t−ϵ t 0 (t(1 − u) − ϵ)q−1up−1du. Agora substituindo u = t− ϵ t x e du = t− ϵ t dx, obtemos tp ∫ t−ϵ t 0 (t(1 − u) − ϵ)q−1up−1du = tp ∫ 1 0 (t− ϵ)p−1 tp−1 xp−1 ( t ( 1 − t− ϵ t x ) − ϵ ) (t− ϵ) t dx = (t− ϵ)p ∫ 1 0 xp−1(t− ϵ)q−1(1 − x)q−1dx = (t− ϵ)p+q−1 ∫ 1 0 xp−1(1 − x)q−1dx. Utilizando a Função Beta, veja Apêndice A2, podemos escrever aD−q t (aD−p t f(t)) = B(p, q) Γ(p)Γ(q) ∫ t a (t− ϵ)p+q−1f(ϵ)dϵ = 1 Γ(p+ q) ∫ t a (t− ϵ)p+q−1f(ϵ)dϵ = aD−p−q t f(t). Observe que