UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Bacharelado em Direito BRENDA SCHIEZARO GUIMARO TRIBUTAÇÃO E DESIGUALDADE: ANÁLISE DAS REFORMAS TRIBUTÁRIAS PROPOSTAS NO BRASIL FRANCA 2021 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” BRENDA SCHIEZARO GUIMARO TRIBUTAÇÃO E DESIGUALDADE: ANÁLISE DAS REFORMAS TRIBUTÁRIAS PROPOSTAS NO BRASIL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção de bacharelado no curso de Direito da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP Orientador: Prof. Dr. Murilo Gaspardo FRANCA 2021 GUIMARO, Brenda Schiezaro Tributação e Desigualdade: análise das reformas tributárias propostas no Brasil / Brenda Schiezaro Guimaro – Franca, 2021. 74 f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca/SP, 2021. Curso: Direito Orientação: Prof. Dr. Murilo Gaspardo 1. Desigualdade de renda 2. Sistema tributário 3. Reformas tributárias BRENDA SCHIEZARO GUIMARO TRIBUTAÇÃO E DESIGUALDADE: ANÁLISE DAS REFORMAS TRIBUTÁRIAS PROPOSTAS NO BRASIL Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) apresentada à Graduação em Direito da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como requisito para a obtenção do título de bacharel em Direito. BANCA EXAMINADORA Presidente: ____________________________________________ Prof. Dr. Murilo Gaspardo 1º Examinador:_________________________________________ 2º Examinador:_________________________________________ Franca, ___ de _________ de 2021. RESUMO O Brasil é frequentemente apontado em relatórios como um dos países com maior índice de desigualdade e concentração de renda do mundo. Esse cenário pode ser justificado por diversos fatores, sendo um deles, o sistema tributário. O sistema tributário brasileiro é predominantemente regressivo, onerando as camadas mais pobres proporcionalmente mais do que as camadas mais ricas. O presente trabalho se trata de uma pesquisa sobre a capacidade de as propostas de reforma tributária em trâmite no Congresso Nacional modificarem a discrepância do país. Ele é dividido em quatro partes: i) desigualdade no Brasil; ii) sistema tributário brasileiro; iii) propostas de reforma tributária; (iv) críticas às propostas de reforma tributária. Para sua confecção, foram utilizados como base fontes normativas (legislações já aprovadas e em trâmite no Congresso), materiais doutrinários e dados quantitativos sistematizados. Como marcadores: desigualdade de renda no Brasil, sistema tributário e reformas tributárias. Conclui-se que a Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019, a Proposta de Emenda à Constituição nº 110/2019 e os Projetos de Lei nº 3.887/2020 e nº 2.337/2021 apenas buscam a simplificação do sistema tributário brasileiro, não apresentando alternativas para diminuir a regressividade e podem, inclusive, aumentar a desigualdade no país. Palavras-chave: desigualdade de renda, sistema tributário, reformas tributárias. Lista de Tabelas Tabela 1: Ranking de concentração de renda em 2019 ......................................................... 12 Tabela 2: Composição da carga tributária brasileira em 2020 .............................................. 27 Tabela 3: Composição da carga tributária do Brasil e dos países da OCDE em 2015 ........... 28 Tabela 4: Impostos sobre a propriedade no Brasil em 2013, em % da receita e PIB do ano .. 33 Tabela 5: Impostos sobre a propriedade geral e de heranças e doações na receita e no PIB dos países da OCDE e do Brasil em 2013 ................................................................................... 33 Tabela 6: Alíquotas máximas do imposto sobre a propriedade e a herança nos países membros da OCDE e no Brasil ............................................................................................................ 34 Tabela 7: Quadros de declarantes, rendimento médio, participação na renda total, IR devido e carga tributária dos contribuintes do imposto de renda, por faixas de rendimento totais do ano base 2013 ............................................................................................................................. 36 Tabela 8: Principais tópicos da PEC 45/2019 e da PEC 110/2019 ........................................ 53 Tabela 9: Comparativo entre PIS/COFINS e o CBS proposta pelo Projeto de Lei nº 3.887/2020 ............................................................................................................................................ 55 Tabela 10: Comparação entre tabela atual e tabela proposta no PL 2.337/2021 do IRPF ...... 57 Lista de Gráficos Gráfico 1: Ônus Tributário Direto sobre a renda mensal das famílias brasileiras em 2004 ... 30 Gráfico 2: Ônus Tributário Indireto sobre a renda mensal das famílias brasileiras em 2004 . 30 Gráfico 3: Ônus Tributário Total sobre a renda mensal das famílias brasileiras em 2004 ..... 31 SUMÁRIO Introdução..........................................................................................................................9 1. A desigualdade de rendas no Brasil ......................................................................... 11 2. Sistema tributário brasileiro..................................................................................... 15 2.1 Princípios tributários .............................................................................. 15 2.1.1 O princípio da isonomia tributária ....................................................... 17 2.1.2 O princípio da capacidade contributiva ................................................ 20 2.2 Críticas ao modelo atual ......................................................................... 25 3. Propostas de reforma tributária ................................................................................ 40 3.1 Proposta de Emenda à Constituição nº 45/2019 ...................................... 40 3.2 Proposta de Emenda à Constituição nº 110/2019 .................................... 46 3.3 Projetos de Lei nº 3.887/2020 e nº 2.337/2021........................................ 54 4. Análise crítica das propostas de reforma tributária ................................................... 59 4.1 Propostas de Emenda à Constituição nº 45/2019 e nº 110/2019 .............. 59 4.2 Projetos de Lei nº 3.887/2020 e nº 2.337/2021........................................ 67 Considerações finais ................................................................................................... 69 Referências Bibliográficas .......................................................................................... 71 9 Introdução A Constituição Federal de 1988 consagrou formalmente um Estado Democrático de Direito, inovando ao outorgar aos direitos e garantias fundamentais aplicabilidade imediata, excluindo seu caráter meramente programático. Nesse cenário, importante destacar que os recursos advindos de tributos são essenciais para o financiamento do Estado Democrático de Direito. Isto pois permitem que o Estado possua condições de assegurar à população a efetivação dos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira dimensão. O sistema tributário é capaz de promover a melhoria das condições de vida da população em razão de dois motivos: sua influência na distribuição ou desconcentração de renda e por sua arrecadação ser utilizada para o financiamento do investimento social. Este potencial adquire extrema relevância visto que o Brasil é frequentemente apontado em relatórios – inclusive pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – como um dos países de maior índice de desigualdade no mundo. Além disso, de acordo com pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2019, o Brasil é o segundo país com maior concentração de renda. A despeito do potencial do sistema tributário em contribuir para a redução da desigualdade, o sistema brasileiro vem sendo amplamente criticado por diversos autores. Os principais problemas apontados pelos críticos residem: na complexidade da legislação, na falta de transparência, na cumulatividade e, principalmente, na regressividade – decorrente da tributação excessiva de impostos sobre o consumo em detrimento daqueles sobre renda e patrimônio. Diante deste cenário, as reformas tributárias apresentadas nos últimos anos no Congresso adquirem extrema relevância, visto que, se implementadas de forma a combater as anomalias do sistema, podem enfrentar a enorme desigualdade brasileira. Por outro lado, caso sejam realizadas sem observância desse aspecto social, podem apenas agravar a crítica situação de discrepância no país. O presente trabalho é uma pesquisa bibliográfica, documental e de dados quantitativos sistematizados sobre a problemática exposta. Para sua confecção, foram analisadas legislações já aprovadas – para compreensão da organização do sistema tributário brasileiro – e em trâmite no Congresso Nacional – para mapeamento dos principais pontos trazidos pelas reformas tributárias. 10 Além disso, foram utilizados materiais doutrinários para percepção dos posicionamentos de autores sobre o tema. Por fim, os dados quantitativos auxiliaram em uma visão panorâmica da desigualdade e da carga tributária do país, possibilitando uma comparação em nível internacional. Ele é dividido em quatro partes: i) a desigualdade no Brasil; ii) sistema tributário brasileiro; iii) propostas de reforma tributária; (iv) análise crítica das propostas de reforma tributária. A primeira parte dispõe sobre o cenário da desigualdade de rendas no Brasil e sua relação com o sistema tributário. No segundo tópico são abordados os princípios que regem o sistema tributário brasileiro, com destaque ao princípio da equidade e da capacidade contributiva. Além disso, são retratadas as principais falhas do sistema. No terceiro capítulo são expostas as principais inovações pretendidas pelas reformas tributárias em trâmite no Congresso Federal: a Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019, a Proposta de Emenda à Constituição nº 110/2019 e os Projetos de Lei nº 3.887/2020 e nº 2.337/2021. Por fim, no último tópico, as propostas de reforma tributária são analisadas de maneira crítica, principalmente com relação à capacidade dos projetos em atenuarem a desigualdade do sistema tributário brasileiro. 11 1. A desigualdade de rendas no Brasil Conforme dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2019), por meio do documento “Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira”, o Índice Gini do Brasil vem aumentando desde 2015, chegando ao patamar de 0,545 em 2018. Referido índice mede a desigualdade na distribuição do rendimento e é escalonado de 0 a 1, sendo 1 o valor da máxima desigualdade. O estudo também avaliou a situação do país por meio do Índice de Palma que demonstra a razão entre a parcela do rendimento possuída pelos 10% com maiores rendimentos domiciliares per capita em relação à parcela dos 40% com menores rendimentos. Constatou-se que, de 2015 a 2018, o rendimento médio domiciliar per capita do grupo dos 40% com menores rendimentos diminuiu, ao passo que, no mesmo período, o rendimento médio dos 10% com maiores rendimentos aumentou. Dessa forma, a desigualdade de rendas nos últimos anos se agravou1. Além disso, constatou-se que, em 2018, 57,6% dos rendimentos domiciliares per capita eram iguais ou inferiores ao salário mínimo vigente no ano, ou seja, mais de metade da população dispunha de rendimento domiciliar per capita de até R$ 954,00. No que diz respeito à pobreza monetária, D’Araújo, Gassen e Gassen (2020, 1047), ao analisarem o estudo do IBGE, explicam que, em 2018, 6,5% da população disponha de menos de US$ 1,90 por dia, montante fixado pelo Banco Mundial como parâmetro para a linha da pobreza. Por outro lado, D’Araújo, Gassen e Gassen (2020, 1047) destacam que, considerando o Brasil como um país de renda média alta, a linha da pobreza utilizada deveria corresponder a US$ 5,50 diário per capita, cerca de R$ 420,00 mensais, os quais totalizavam aproximadamente 44% do salário mínimo de 2018. Ao considerar esta linha da pobreza, observa-se que 25,3% da população possuía rendimentos inferiores a ela, o que representa 52,5 milhões de pessoas. Em face dessa realidade, Batista (2020) realça que o Brasil, de acordo com os parâmetros do Banco Mundial, é o nono país mais desigual do mundo com relação a distribuição de renda da população – situação que apenas se exacerba. 1 A Oxfam Brasil (2021) divulgou, em janeiro de 2021, dados da pesquisa “ O vírus da Desigualdade”, os quais demonstram que a pandemia da Covid -19 está acentuando a desigualdade no mundo. Os dados levantados estimam que os 1.000 maiores bilionários do mundo recuperaram as perdas da pandemia em nove meses. Por outro lado, os mais pobres levarão mais de uma década para retornarem ao patamar econômico que se encontravam antes da crise. 12 Fattorelli (2020), analisando relatório realizado pela Organização das Nações Unidas em 2019, no qual foi considerado o Índice de Desenvolvimento Humano de vários países, elucida que o Brasil foi considerado o segundo país com a maior concentração de renda, ficando atrás apenas do Catar, conforme demonstrado na tabela adiante. Tabela 1: Ranking de concentração de renda em 2019 Posição País Concentração de renda total – 1% mais ricos 1º Catar 29% 2º Brasil 28,3% 3º Chile 23,7% 4º Turquia 23,4% 5º Líbano 23,4% 6º Emirados Árabes 22,8% 7º Iraque 22% 8º Índia 21,3% 9º Colômbia 20,5% 10º Estados Unidos 20,2% 11º Rússia 20,2% 12º Tailândia 20,2% 13º Kuwait 19,9% 14º Arábia Saudita 19,7% 15º Omã 19,5% 16º África do Sul 19,2% 17º Egito 19,1% 18º Barein 18% 19º Costa do Marfim 17,1% 20º Irã 16,3% Fonte: SANCHES; SOUZA, 2019. Fattorelli (2020) explica que a concentração de renda gera a desigualdade social e advém do modelo econômico do país, caracterizado pelo: “ (...) modelo tributário regressivo; a política monetária suicida praticada pelo Banco Central; o Sistema da Dívida, e o modelo extrativista irresponsável para com as pessoas e o ambiente”. Levando em consideração a finalidade do presente trabalho, iremos analisar a relação do sistema tributário brasileiro com a desigualdade social e a concentração de renda. Balthazar (2017) expõe que o economista Thomas Piketty (2017) defende que o grau elevado de desigualdade no Brasil prejudica o crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável, destacando que o país: “(...)não voltará a crescer de forma sustentável enquanto 13 não reduzir sua desigualdade e a extrema concentração da renda no topo da pirâmide social”. Para o economista, a situação apenas pode ser revertida por meio de um sistema tributário mais justo – mais progressivo – e com o incremento de políticas sociais. Além disso, Piketty (2014, p.612), em sua obra “ O Capital no Século XXI”, destaca a importância da matéria fiscal, tendo em vista que o imposto progressivo sobre a renda e sobre as heranças foram as principais inovações do século XX para a redução da desigualdade. O autor elucida a desigualdade no cenário mundial em seu livro “A Economia de Desigualdade”: Todavia, as pesquisas mais recentes realizadas na França e nos Estados Unidos [Piketty, 2001; Piketty e Saez, 2003; Landais, 2007] mostram que essa forte redução da desigualdade observada ao longo do século XX não é de forma alguma consequência de um processo econômico “natural”. Ela diz respeito exclusivamente à desigualdade dos patrimônios (a hierarquia dos salários não manifesta tendência a queda no longo prazo) e é decorrente dos choques sofridos entre 1914 e 1945 pelos detentores de patrimônios (guerras, inflação, crise dos anos 1930). A partir de então, a concentração das fortunas e das rendas do capital nunca voltou ao nível astronômico que as caracterizava às vésperas da Primeira Guerra Mundial. A explicação mais verossímil envolve a revolução fiscal que marcou o século XX. Com efeito, o impacto do imposto progressivo sobre a renda (criado em 1914) e do imposto progressivo sobre as heranças (criado em 1901) na acumulação e na transmissão de patrimônios importantes parece ter evitado o retorno à sociedade de rentistas do século XIX. Se as sociedades contemporâneas tornaram-se sociedades de executivos, isto é, sociedades cujo topo da distribuição é dominado por indivíduos que vivem sobretudo das rendas do trabalho (e não mais por aqueles que viviam principalmente das rendas de um capital acumulado no passado), tal reviravolta foi causada acima de tudo por essas circunstâncias históricas e instituições específicas. (PIKETTY, 2015, p.29). O sistema tributário revela-se intimamente conectado à possibilidade de melhoria das condições de vida, ou seja, possui associação direta com o Estado de bem-estar social. Isto por dois fatores: sua influência na distribuição ou desconcentração de renda, com o consequente estímulo do mercado interno e por ser o responsável pelo financiamento da proteção social. Assim, o sistema tributário pode ser entendido como apto à proteção e promoção social. (ALCANTARA, SÁ NETO, 2018) No mesmo sentido, Fagnani e Rossi (2018, p. 143) apontam que a política fiscal impacta a desigualdade de renda por duas vias: diminui a desigualdade por meio de gastos sociais, mas a preserva e reproduz por meio da estruturação de arrecadação dos impostos. Além disso, Fagnani e Rossi destacam que o sistema tributário do país é uma das instituições responsáveis pela desigualdade de renda e contribui para sua manutenção: Portanto, o sistema tributário brasileiro é uma das instituições responsáveis pela desigualdade de renda no Brasil e extremamente funcional à sua manutenção. Dentre os mecanismos difusores da desigualdade estão a centralidade dos impostos indiretos na carga tributária, a isenção na tributação de algumas rendas do capital e a baixa tributação da propriedade, herança e outras formas de riqueza. 14 Uma reforma tributária pode reduzir substancialmente as desigualdades sociais, transformar a estrutura produtiva e modificar a correlação de forças. Por isso, ela deve estar no centro de todos os projetos sociais de desenvolvimento. (FAGNANI, ROSSI, 2018, p.147). Por fim, Morais Júnior e Belchior (2014, p. 226) explicam que, caso a capacidade contributiva da população seja respeitada, a tributação pode ser utilizada para concretizar os direitos fundamentais, e consequentemente, reduzir a desigualdade de concentração de renda brasileira. Nesse sentido, elucidam: É preciso, então, uma ação estatal que, de fato, labore a favor da redução das desigualdades econômicas e sociais por meio da concretização dos direitos fundamentais, utilizando-se, para tanto, a exigência de uma carga tributária de acordo com a capacidade contributiva, entendida como aquela adequadamente progressiva, seletiva, que não atinja o mínimo existencial e que, além disso, utilize a extrafiscalidade para estimular e desestimular comportamentos alinhados aos ditames constitucionais. Novos caminhos devem ser trilhados, num processo de reconstrução das relações pessoais e redefinição do papel do Estado, numa perspectiva que está além da arrecadação. Trata-se de uma mudança de cultura individual, coletiva e institucional dos que fazem parte do Estado, em especial a Administração Tributária, pensando-se isso a partir do paradigma da solidariedade, de modo a construir uma nova realidade em que o ser humano é o elemento central, com ações voltadas a uma existência digna para todos. (MORAIS JÚNIOR; BELCHIOR, 2014, p. 230) 15 2. Sistema tributário brasileiro 2.1 Princípios tributários A Constituição Federal de 1988 instituiu – implícita e explicitamente – princípios constitucionais tributários, os quais, no entendimento de Pinto (2012, p. 18) são responsáveis por nortear o direito tributário garantindo-lhe coesão e harmonia. A importância dos princípios como norteadores do sistema jurídico é inegável, conforme apontado por Ataliba (1998, p. 34): Os princípios são linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema jurídico. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos de governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; têm que ser prestigiados até as últimas consequências. (ATALIBA, 1998, p.34) Os princípios constitucionais tributários são divididos em duas categorias por Fernández (2016, p. 363) com base em suas funções normativas, os com função de bloqueio ou de legitimação: Em função de bloqueio, o caráter normativo do princípio tem por finalidade proteger o contribuinte do poder impositivo do Estado. Se de legitimação, a sua finalidade será́ a de impor à atividade legislativa diretrizes, vetores, na qualidade de objetivos a serem alcançados com vistas à realização dos fins do Estado propostos pela Constituição, sem, entretanto, conferir imediata efetividade aos seus desígnios. (FERNÁNDEZ, 2016, p. 363) Os princípios com função de bloqueio limitam a atividade tributária do Estado e garantem os direitos individuais dos contribuintes, protegendo-os do poder impositivo do Estado. Como exemplos, podemos elencar: a estrita legalidade – artigo 150, inciso I da CF –, a irretroatividade da lei tributária – art. 150, inciso III, alínea “a” da CF –, a anterioridade – artigo 150, inciso III, alínea “b” da CF –, a uniformidade geográfica – artigo 151, inciso I da CF –, a isonomia tributária – artigo 150, inciso II da CF –, a liberdade do tráfego de pessoas e bens – artigo 150, inciso V da CF – e o princípio da não discriminação de bens e serviços em razão de suas procedências ou destinos – artigo 152 da CF. Por sua vez, os princípios com função de legitimação ditam preceitos à atividade legislativa, os quais devem ser conquistados para concretização das funções do Estado previstas pela Constituição. São exemplos: a proibição do confisco – prevista no artigo 150, inciso IV da CF – e a capacidade contributiva – instituída no §1º do artigo 145 da CF. 16 Fernández (2016, p. 364) expõe que os princípios da isonomia e da capacidade contributiva se evidenciam sobre os demais nas doutrinas tradicionais. Isto pois a igualdade e a observação do mínimo vital são essenciais para a manutenção da atividade estatal tributária: Sem igualdade e sem respeito ao mínimo vital, a atividade estatal tributária não se sustenta perante a Constituição Federal. O respeito da atividade tributária a esses princípios se torna fundamental para fins de validação dos comportamentos envolvidos no processo de concretização do direito, e, portanto, na instituição, exigência e fiscalização dos tributos existentes. (FERNÁNDEZ, 2016, p. 364) Em decorrência do escopo do presente trabalho, analisaremos adiante pormenorizadamente os princípios da isonomia e da capacidade contributiva. Conforme explica Ávila (2012, p. 433), existem divergências acerca da natureza dos princípios supracitados. Alguns doutrinadores, como Luciano Amaro e Hugo de Brito Machado, defendem que os princípios da capacidade contributiva e o princípio da isonomia são distintos. Por outro lado, Geraldo Ataliba, Alcides Jorge Costa e Roque Antônio Razza sustentam que o princípio da capacidade contributiva é a medida de aplicação do princípio da igualdade no campo do direito tributário. Para Ávila (2012, p. 432), os princípios da igualdade e da capacidade contributiva têm o mesmo conteúdo normativo e aplicação, sendo, porém, o primeiro mais abrangente que o segundo – que corresponde a um parâmetro de aplicação da igualdade. A igualdade ou a desigualdade apenas podem ser mensuradas a partir da fixação de critério e finalidade, sendo a capacidade contributiva o critério geral consolidado como parâmetro para o direito tributário. Por sua vez, Eduardo Sabbag (2012, p. 12) classifica o princípio da capacidade como um subprincípio derivado do princípio da isonomia tributária. Já Paulo Caliendo (2020, p. 190) entende que o princípio da igualdade é um sobreprincípio do princípio da capacidade contributiva. Para German Alejando San Martín Fernández (2016, p. 374), o princípio da capacidade contributiva corresponde a um corolário lógico do princípio da isonomia. Por fim, Fabiana Lopes Pinto (2012) compreende individualmente os princípios supramencionados. 17 2.1.1 O princípio da isonomia tributária Conforme apontado por Caliendo (2020, p. 175), atualmente o princípio da isonomia tributária possui como base o princípio da isonomia consagrado no artigo 5º da Constituição Federal de 1988: O princípio da isonomia é um dos pilares fundamentais do sistema constitucional brasileiro e é impossível compreender o sistema tributário nacional sem ressaltar a relevância deste para todo ordenamento. Ele se dirige não apenas a garantir a igualdade de todos perante a lei, mas a igualdade de todos na lei. (CALIENDO, 2020, p. 175) Para Ávila (2012, p. 410/411), a igualdade é preponderantemente um princípio, tendo em vista que estipula o dever de alcançar um ideal de: “igualdade, equidade, generalidade, impessoalidade, objetividade, legitimidade, pluralidade e representatividade no exercício das competências atribuídas aos entes federados”. Entretanto, sua dimensão normativa se extrapola, sendo também, de modo indireto, uma regra e um postulado. O sentido de regra está presente pois a igualdade traça a conduta dos Poderes Executivo e Legislativo, servindo de parâmetro para o tratamento em situações similares. Já a dimensão normativa do postulado se verifica porque o aplicador deve examinar as partes, os critérios de diferenciação e as finalidades que fundamentam a diferenciação. No âmbito da igualdade como uma forma de limitação ao poder de tributação, Ávila (2012, p. 411) faz a seguinte qualificação: Na perspectiva da sua dimensão enquanto limitação ao poder de tributar, a igualdade qualifica-se preponderantemente do seguinte modo: quanto ao nível em que se situa, caracteriza-se, na feição de princípio e de regra, como uma limitação de primeiro grau, porquanto se encontra no âmbito das normas que serão objeto de aplicação e, na função de postulado, como limitação de segundo grau, já que orienta o aplicador na relação que deve investigar relativamente aos sujeitos, ao critério e à finalidade da diferenciação; quanto ao objeto, qualifica-se como uma limitação positiva de ação e também negativa, na medida em que exige uma atuação do Poder Público para igualar as pessoas (igualdade de chances, ações afirmativas), bem como proíbe a utilização de critérios arrazoáveis de diferenciação ou o tratamento desigual para situações iguais; quanto à forma, revela-se como uma limitação expressa, material e formal, na medida em que, sobre ser expressamente prevista na Constituição Federal (art. 5º e art. 150, II), estabelece tanto o conteúdo quanto a forma da tributação. (AVILA, 2012, p. 411) Caliendo (2020, p. 176) apresenta outra diferenciação relevante para compreensão do princípio da igualdade, levando em consideração os sentidos formal e material. O sentido formal corresponde à igualdade perante a lei, ou seja, o tratamento uniforme a ser oferecido a 18 todos os sujeitos da norma jurídica. Já a acepção material diz respeito à igualdade na lei, ou seja, todos devem ser tidos como livres e iguais, sendo vedadas diferenciações de pessoas em casos similares. A igualdade na lei se exterioriza por meio de duas cláusulas: cláusula geral de proibição de arbítrio e cláusula geral de tratamento equitativo. A primeira é uma restrição em face do poder do Estado, para evitar que este realize diferenciações arbitrárias de sujeitos em casos similares. A segunda está presente em dispositivos da Constituição que estabelecem ao Estado que adote ações positivas para promover a inclusão social, regional e econômica. Nesse sentido: “O constitucionalismo moderno descobriu que não basta proibir o Estado de promover um tratamento arbitrário, é necessário igualmente promover o fim da desigualdade existente por meio de políticas de afirmação e de inclusão social, regional e econômica”. (CALIENDO, 2020, p. 177). Dessa forma, Caliendo (2020, p. 177) aponta que o princípio da isonomia tributária foi instituído, em um primeiro momento, como um mecanismo de controle do poder de tributação de modo arbitrário e privilegiado. Assim, seu surgimento está entrelaçado com o nascimento do estado de direito fiscal. O princípio da igualdade da tributação esteve presente em quase todas as constituições brasileiras. A Constituição de 1824 (§15º do artigo 179) previu que o pagamento dos tributos devia ocorrer em consonância com as posses dos sujeitos ativos. Posteriormente, a Constituição de 1934, por meio do §32 do artigo 113, instituiu imunidade sobre as taxas. Por sua vez, a Constituição de 1946 determinou que os tributos, além de possuírem caráter pessoal, necessitariam ser graduados em conformidade com a capacidade econômica dos contribuintes. Ademais, no §1º do artigo 15 da Constituição de 1946 foi prevista a proteção ao mínimo existencial, com a instituição da imunidade do imposto sobre a circulação de mercadorias referentes aos produtos primordiais à moradia, à alimentação, à vestimenta e à assistência médica. Em decorrência da Emenda Constitucional nº 18 de 1965, as inovações trazidas pela Constituição de 1946 foram revogadas e não foram incluídas explicitamente na Constituição de 1967. Entretanto, a doutrina continuou compreendendo a igualdade da tributação como um desdobramento dos direitos fundamentais gerais. (ÁVILA, 2012) Na Constituição Federal de 1988, o princípio da isonomia tributária é previsto no artigo 150, inciso II: Art. 150 da Constituição Federal Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) 19 II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; (BRASIL, 1988) A consagração do princípio proíbe que contribuintes que se encontrem na mesma situação ou em situações equivalentes recebam tratamento tributário distinto, dessa forma, desigualdades arbitrárias são inconstitucionais. Conforme exposto por Sabbag (2021, p. 12), a noção inerente ao princípio é a vedação a “privilégios odiosos e desarrazoados”. Para Caliendo (2020, p. 178), o princípio da isonomia tributária é uma das principais proteções jurídicas da coerência material do sistema tributário nacional, afetando todos os tipos de “de conceitos tributários, institutos, regras, procedimentos, atos, normas, intepretações ou manifestações normativas, bem como para qualquer forma de imposição, gravame ou mesmo de desonerações, incentivos e benefícios fiscais”. Além disso, destaca que o princípio, por guiar todo o sistema tributário, não pode ser afastado sem que haja motivos legítimos. Podem ser consideradas discriminações legítimas, ou seja, não arbitrárias, as expressamente estipuladas na Constituição, como, por exemplo, as instituídas para o combate das desigualdades sociais e regionais – artigo 170, inciso VII –, em decorrência do porte da empresa – artigo 170, inciso IX –, para estímulos sociais para certos grupos, como, famílias, crianças e lazer – artigo 227, § 3º, inciso VI –, e em razão da extrafiscalidade ambiental – artigo 170, inciso VI –, com dispositivos a seguir transcritos: Art. 170 da Constituição Federal A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais;(...) IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Art. 227 da Constituição Federal É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...) § 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos. (...) VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; (BRASIL, 1998) 20 Schoueri (2021, p. 220) aponta que o constituinte, inconformado com as desigualdades regionais e sociais e objetivando reduzi-las, incluiu o inciso VII no artigo 170 da Constituição, visando conquistar os propósitos de justiça social e dignidade humana. Com relação ao instituto da extrafiscalidade, Caliendo (2020, p. 179) assevera que – desde que seja utilizado como meio de garantir o enfrentamento às desigualdades sociais, econômicas e regionais – consiste em um procedimento de afeiçoamento da isonomia tributária. Tendo em vista que o princípio baseia integralmente o sistema jurídico tributário, todas as espécies tributárias – impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios ou contribuições sociais – estão sujeitas a ele. Para Caliendo (2020, p. 179), a incidência do princípio alcança os impostos pessoais, reais e indiretos ou sobre o consumo, neste último caso estando a isonomia presente com relação ao objeto da tributação e ao sujeito passivo. Como um exemplo da aplicação prática do princípio, Pinto (2012, p. 21) ressalta o imposto sobre a renda da pessoa física. Para apuração do valor a ser pago a título de imposto de renda é necessário observar as faixas estipuladas com base nos rendimentos tributáveis do contribuinte, para cada faixa há a incidência de uma alíquota. Dessa forma, os sujeitos passivos que se encontrem na mesma faixa, ou seja, possuam situações equipolentes, serão tributados com a mesma incidência. Salienta-se que na situação apresentada não existem distinções entre a tributação das rendas advindas do trabalho da pessoa física na esfera privada ou na pública. Pinto (2012, p. 21) realça que cabe à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios fornecerem isenções para oferecerem um tratamento mais equânime aos sujeitos passivos distintos: Para dar um tratamento mais igualitário aos contribuintes desiguais, os entes federativos podem conceder isenções como uma forma de tentar igualar as diferentes condições. Assim, ao conceder isenção de um determinado imposto a uma região que possui menos recursos e disponibilidade de crescer sozinha, concede-se a oportunidade de que esta venha a crescer e desenvolver-se com a vinda de empresas e pessoas que buscam, justamente, essa condição diferenciada para se estabelecerem. (PINTO, 2012, p. 21) 2.1.2 O princípio da capacidade contributiva O princípio da capacidade contributiva está consolidado no artigo 145, §1º da Constituição Federal de 1988: Art. 145 da Constituição Federal A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (...) 21 § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (BRASIL, 1988) Fernández (2016, p. 374) demonstra o significado do dispositivo supramencionado: “Ter capacidade contributiva significa poder suportar, sem o comprometimento das necessidades básicas ou do mínimo vital, a carga tributária imposta por lei. É ser tributado proporcionalmente ao tamanho da grandeza econômica do fato imponível realizado”. O princípio da capacidade contributiva, segundo Caliendo (2020, p. 180/181), é um dos mais essenciais ao sistema tributário brasileiro, podendo ser compreendido como “uma garantia de racionalidade e justiça material”. Isto pois constitui um fator de discriminação legítima, tanto como coeficiente de tributação, quanto como parâmetro de graduação de tributos. Além disso, o princípio restringe o poder do Estado, vedando que este adote critérios arbitrários e, consequentemente, inconstitucionais para instituição da tributação, ou seja, fatores que extrapolem a esfera puramente econômica - como sexo, raça, religião ou nacionalidade. Dessa forma, corresponde a um mecanismo primordial de proteção das liberdades públicas e dos direitos da população. Caliendo (2020, p. 180) expõe que o Jizya corresponde a um exemplo de cobrança discriminatória de tributos. O imposto supracitado era cobrado pelo Estado Islâmico de homens adultos não muçulmanos que viviam em países mulçumanos, para que os contribuintes pudessem praticar sua própria religião. O princípio da capacidade contributiva protege os direitos individuais e impõe que o Estado respeite o direito de propriedade dos indivíduos. Nesse sentido, Caliendo (2020, p. 181): “De um lado, proíbe-se o confisco e, de outro, a tributação do mínimo existencial” Interpretando o §1º do artigo 145 da CF, Caliendo (2020, p. 182) explica que devem ser observadas as situações pessoais de cada sujeito passivo para mensurar sua respectiva obrigação tributária. De acordo com sua compreensão, o princípio aplica-se diretamente apenas aos impostos pessoais, nos quais são claras as cargas tributárias suportadas pelos contribuintes. Além disso, como o constituinte determinou no disposto constitucional supracitado que os impostos “serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, trata-se de uma imposição, não uma faculdade. Dessa maneira, não estão em consonância com o princípio da capacidade contributiva os impostos pessoais que não sejam graduados. Sobre a graduação dos impostos e a tributação proporcional, complementa: 22 A graduação dos impostos pode ser considerada um elemento fundamental na correta concretização destes e, portanto, a correta determinação do seu sentido deve ser considerada um elemento essencial ao cumprimento da Constituição. A graduação é uma forma de concretização do princípio da justiça distributiva, de que os mais ricos devem pagar mais e os mais pobres devem pagar menos. A tributação proporcional sem graduação por faixas de alíquotas também implicará que um determinado contribuinte deve pagar mais. A diferença está na intensidade da imposição. A exigência de graduação impõe uma condição adicional, a de que o ônus imposto aos contribuintes não pode ser apenas nominal, mas também real e efetivo, de tal modo que a imposição represente um efetivo impacto sob o contribuinte. (CALIENDO, 2020, p. 183) Caliendo (2020, p. 183) divide o princípio em dois grupos similares, sendo o primeiro denominado capacidade absoluta ou objetiva e, o segundo, capacidade relativa ou subjetiva. A capacidade absoluta possui aplicação em plano vertical e horizontal. Em plano vertical, a utilização do princípio se exterioriza pela progressividade, com a ampliação da carga tributária de maneira proporcionalmente superior ao acréscimo do capital. É o caso do imposto de renda da pessoa física. Por sua vez, depreende-se da observância do princípio em âmbito horizontal que os sujeitos passivos com capacidades econômicas iguais serão tributados da mesma forma. É o que ocorre com a instituição das faixas de renda atreladas com respectivas alíquotas no imposto sobre a renda da pessoa física: os contribuintes que se enquadram na mesma faixa de renda, sofrem a incidência da mesma alíquota sobre suas rendas e proveitos. Por fim, a capacidade relativa relaciona-se ao princípio republicano, pois o financiamento do Estado deve ser dividido de forma isonômica entre os cidadãos - ressalvadas as hipóteses de isenções, imunidades e não incidências. Com relação à aplicação do princípio, conforme acima exposto, Caliendo (2020, p. 182) entende que apenas incide diretamente sobre os impostos pessoais – compreendidos como os que recaem exclusivamente sobre as pessoas, como o imposto sobre a renda. Entretanto, o autor explica que o princípio se verifica de modo mais abrangente sobre todos os tributos, com exceção ao imposto de renda: O princípio da capacidade contributiva aplicar-se-ia a todos os tributos em uma concepção mais ampla e somente ao imposto sobre a renda em uma concepção mais restritiva. O STF entendeu que o princípio da capacidade contributiva aplicar-se-ia de modo amplo. Essa compreensão subjaz no julgamento da constitucionalidade da alíquota progressiva do ITCD. Consagrou-se o entendimento de que a técnica da progressividade pode ser aplicada aos denominados impostos reais, sem ofensa ao texto constitucional. (CALIENDO, 2020, p. 182) Ademais, Caliendo (2020, p. 187) ressalta que a observância do princípio sobre os impostos de consumo ocorre de maneira indireta através do uso do princípio da essencialidade, 23 o qual estabelece que a alíquota deve ser instituída de acordo com a essencialidade do produto, sendo, portanto, menor em produtos fundamentais do que em produtos supérfluos. Referido princípio é aplicado obrigatoriamente ao Imposto federal sobre Produtos Industrializados (IPI) – nos termos do artigo 153, §3º, inciso I da Constituição Federal – e pode ser empregado ao Imposto estadual sobre a Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) – conforme permissão do artigo 155, §2º, inciso III da Constituição Federal. A fixação de alíquotas de acordo com a essencialidade do produto é uma forma relevante de concretização de justiça fiscal e de enfrentamento à regressividade dos impostos incidentes sobre o consumo. (CALIENDO, 2020) No mesmo sentido, Fernández (2016, p. 374) expõe que a incidência do princípio atinge todo o sistema tributário brasileiro, com exceção apenas das taxas e das contribuições de melhoria. Em sentido oposto, Coêlho (2020, p. 54) acredita que o princípio se encontra presente inclusive nos tributos vinculados a atuação estatal: Nas taxas e contribuições de melhoria, o princípio realiza-se negativamente pela incapacidade contributiva, fato que tecnicamente gera remissões e reduções subjetivas do montante a pagar imputado ao sujeito passivo sem capacidade econômica real. É o caso, v.g., da isenção da taxa judiciária para os pobres e o da redução ou mesmo isenção da contribuição de melhoria em relação aos miseráveis que, sem querer, foram beneficiados em suas humílimas residências por obras públicas extremamente valorizadoras. Obrigá-los a vender suas propriedades para pagar a contribuição seria impensável e inadmissível, a não ser em regimes totalitários. (COÊLHO, 2020, p. 54) Fernández (2016, p. 381) elucida que a progressividade de alíquotas apenas se faz plausível nos tributos pessoais, não podendo ser utilizado nos tributos reais e indiretos. Em decorrência dessa impossibilidade, a solução apresentada na Constituição Federal para manter a atividade subordinada ao princípio da capacidade contributiva foi a consagração do princípio da essencialidade: Em razão da impossibilidade da utilização da progressividade das alíquotas em impostos reais incidentes sobre transações, guiada apenas pela grandeza econômica do fato tributado, que, conforme visto, pouco importância possui na capacidade econômica global daquele que realiza a transação, a Constituição Federal colocou à disposição do legislador, especialmente nos impostos reais chamados de indiretos, a técnica de estipulação das alíquotas do imposto de acordo com o grau de essencialidade do bem envolvido na transação. (FERNÁNDEZ, 2016, p. 381) 24 Por outro lado, no entendimento de Pinto (2012, p. 23), ao compreender o artigo 145, §1º da CF em um sentido mais restrito, apenas se submetem ao princípio da capacidade contributiva os seguintes impostos: o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e o Imposto sobre a renda (IR). Com relação a ligação entre o princípio e a extrafiscalidade, Coêlho (2020, p. 55) acredita que ambos são incompatíveis: As isenções e outras técnicas de exoneração fiscal para partejar o desenvolvimento econômico partem da ideia de que os empreendedores possuem elevada capacidade econômica, tanto que investem dinheiro em atividades empresariais em troca dos aliciantes fiscais. Por outro lado, as técnicas inibitórias de extrafiscalidade só são possíveis pela exacerbação dos encargos fiscais, tornando proibitivos certos consumos e hiperonerosas certas situações. Exemplificamos com o ITR e o IPTU progressivos; o primeiro para desestimular o latifúndio, o ausentismo e a improdutividade rural, e o segundo para coibir a especulação imobiliária urbana e a disfunção social da propriedade nas cidades. Sem a exacerbação da tributação não haveria como praticar a extrafiscalidade, que se caracteriza justamente pelo uso e manejo dos tributos, com a finalidade de atingir alvos diferentes da simples arrecadação de dinheiro. Nesses casos, a consideração da capacidade contributiva, que não está em causa, evidentemente, é demasia. (COÊLHO, 2020, p. 55) Em percepção adversa, Caliendo (2020, p. 193) aponta que a utilização harmoniosa do princípio da capacidade contributiva – que é essencialmente fiscal – com a extrafiscalidade em prol da distribuição de renda e da atenuação das desigualdades sociais pode conciliar a justiça fiscal com a justiça social. Nesse sentido: A extrafiscalidade amplia os interesses da tributação de tal modo a influenciar a estrutura da sociedade, enquanto o princípio da capacidade contributiva divide o esforço fiscal conforme a estrutura social vigente. Desse modo, a justiça fiscal somente pode ser combinada com a justiça social quando houver uma coordenação coerente entre a aplicação do princípio da capacidade contributiva e da extrafiscalidade, especialmente da distribuição de rendas e da diminuição das desigualdades sociais. O princípio da capacidade contributiva concretiza a justiça fiscal segundo uma situação existente, enquanto a tributação extrafiscal, que objetiva a redistribuição de renda, busca mudar a estrutura social e alcançar a sociedade como “deveria ser”. (CALIENDO, 2020, p. 193) Por fim, Fernández (2016, p. 376) aponta uma diferenciação relevante para a compreensão do princípio: a diferenciação entre capacidade econômica e contributiva. A capacidade econômica diz respeito à presença de recursos financeiros sujeitos à tributação; já a capacidade contributiva relaciona-se à possibilidade de o contribuinte suportar a carga tributária sem prejudicar suas necessidades fundamentais, portanto, pressupõe a capacidade econômica. 25 2.2 Críticas ao modelo atual A despeito de a Constituição Federal de 1988 instituir os princípios acima expostos, o sistema tributário nacional atual não cumpre os objetivos do constituinte, não se mostrando eficaz no combate à pobreza e na redução das desigualdades sociais e regionais, sendo amplamente rejeitado. Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 12) apontam que as disfunções do sistema são tantas que ele, além de ser incapaz de fornecer um financiamento adequado ao Estado, opera em sentindo oposto ao da simplicidade, da clareza, do desenvolvimento econômico, da isonomia e da federação. Na mesma linha de pensamento, elucida Oliveira (2018, p.68): Reconhecidamente, o sistema tributário brasileiro, além de complexo, opera, há já um bom tempo, como instrumento anticrescimento, antiequidade e antifederação. Com uma carga tributária composta predominantemente de impostos indiretos incidentes tanto sobre o consumo como sobre a mão de obra, em boa medida de natureza cumulativa, o sistema tributário brasileiro atua contra a competitividade da produção nacional e inibe a força do mercado interno, por lançar o maior ônus da tributação sobre as classes de menor renda, exatamente as que possuem maior propensão a consumir. (OLIVEIRA, 2018, p. 68) Segundo Falleiros (2019, p. 20), a desvalorização do sistema decorre da complexidade da legislação, do volume da carga tributária – altamente elevada sobre bens e serviços –, da falta de transparência, da cumulatividade e da regressividade dos tributos, a qual onera desproporcionalmente o contribuinte de baixa renda. Nesse mesmo diapasão, D’Araújo, Gassen e Gassen (2020, p. 1037) expõem que o sistema tributário brasileiro é altamente complexo em razão da quantia de normas locais e alíquotas, possui elevada cumulatividade fiscal, pouca clareza e alta regressividade. D’Araújo, Gassen e Gassen (2020, p. 1043) entendem que as bases de incidência dos impostos no país são: a renda, o patrimônio e o consumo. A renda e o patrimônio possuem tributação direta – o sujeito passivo é quem pratica o fato gerador – e, normalmente, progressiva. Já a tributação sobre o consumo é indireta e regressiva. A tributação indireta se caracteriza pela possibilidade de o encargo financeiro ser repassado, ou seja, o denominado contribuinte de direito realiza o fato gerador e recolhe o tributo, entretanto, repassa o encargo para o próximo da cadeia. Dessa forma, quem arca com o tributo é o consumidor final, também chamado de contribuinte de fato. 26 Em face dessa sistemática, os impostos indiretos se mostram regressivos, visto que sua incidência não se relaciona com a renda do consumidor final, ignorando, portanto, o poder aquisitivo deste. (BIASOTO JÚNIOR; OLIVEIRA, 2015) Dessa forma, quando qualquer cidadão adquire determinado produto, a carga tributária que suporta é exatamente a mesma despendida por todos os consumidores do mesmo produto, independente da capacidade contributiva de cada um. A situação é exemplificada por Porto (2019, p. 105): Qualquer que seja o poder aquisitivo de um indivíduo, ao adquirir determinado produto com imposto agregado ao seu valor, o montante tributário será idêntico. O valor suportado em razão do ônus tributário por um cidadão rico ou pobre ao adquirir o mesmo modelo de televisor será o mesmo. Outrossim, muitos produtos destinados à alimentação são consumidos igualmente pela classe alta, classe média ou pela classe baixa, como carnes, hortaliças e verduras em geral. (PORTO, 2019, p. 105) Fattorelli (2020) pontua que a tributação indireta possui dois graves problemas, além de desrespeitar o princípio da capacidade contributiva, permite que o valor do tributo arcado pelo consumidor final, por vezes, não seja repassado aos cofres públicos: Esse tipo de tributação é considerada ruim, porque não obedece o princípio da capacidade contributiva, ou seja, ao tributar um pacote de macarrão por exemplo, o milionário e o mendigo que comprarem aquele macarrão irão pagar o mesmo tributo embutido no preço do produto, independentemente da imensa disparidade da capacidade contributiva de cada um. Outro defeito grave desse tipo de tributo é o fato de que ele é cobrado no ato da venda e quem arca de fato com o seu custo são os consumidores. A empresa vendedora lança o tributo na nota fiscal e transfere o ônus do tributo para o consumidor, que paga pelo produto com o tributo embutido no preço. Por sua vez, a empresa pode efetuar compensações com créditos existentes e não chega a repassar aos cofres públicos o total arrecadado do consumidor. Em alguns casos, a vendedora ainda possui incentivos e benefícios fiscais, de tal forma que o contribuinte pagou o tributo, os preços foram afetados pela incidência do tributo, mas às vezes o valor daquele tributo não chegará aos cofres públicos para ser usado em políticas públicas. (FATTORELLI, 2020) Para Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 15), os impostos indiretos apenas podem ter sua natureza regressiva mitigada por meio da instituição de alíquotas com base no princípio da essencialidade, entretanto, realçam que a essencialidade não é capaz de eliminar a regressividade. Elucidando o assunto, Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 15): Impostos indiretos são reconhecidamente regressivos, porque sua incidência não tem como referência a renda do consumidor, mas apenas o consumo, não diferenciando, portanto, diferentes níveis de poder aquisitivo entre os consumidores. Quando muito, podem ter sua regressividade atenuada, ao se estabelecerem alíquotas diferenciadas de acordo com a essencialidade do produto. 27 Ou seja, definindo-se alíquotas mais elevadas para bens de luxo, por exemplo, em relação às dos bens de primeira necessidade ou de produtos que compõem a cesta de consumo das classes de menor renda. Mas isso apenas atenua, sem eliminar, sua regressividade, prejudicando as classes de menor poder aquisitivo e, como decorrência, enfraquecendo o mercado interno de consumo de bens. (BIASOTO JÚNIOR, OLIVEIRA, 2015, p. 15) D’Araújo, Gassen e Gassen (2020, p. 1053) complementam o assunto, apontando que a seletividade muitas vezes não é utilizada da maneira adequada, pois atualmente existem produtos essenciais altamente tributados e produtos supérfluos com carga minorada. Nesse sentido, expõem que, a despeito de vários produtos serem isentos de PIS/COFINS e IPI, que a cesta básica suporta um ônus tributário de cerca de 23% de seu valor total. A tabela adiante exibe a composição da carga tributária brasileira em 2020, discriminando a participação dos tributos no PIB e no total da arrecadação tributária. A partir dessa se depreende que os impostos sobre consumo, representados pelos impostos sobre bens e serviços, corresponderam, em 2020, a 13,42% do PIB do país e foram responsáveis por 42,41 % da arrecadação - evidenciando o papel de destaque em face dos demais tributos e, consequentemente, o caráter regressivo do sistema. Tabela 2: Composição da carga tributária brasileira em 2020 Tributos % do PIB Participação % Impostos sobre renda, lucros e ganho de capital 7,06 22,31 Impostos sobre a propriedade 1,58 4,99 Contribuições sociais 8,41 26,58 Impostos sobre bens e serviços 13,42 42,41 Demais impostos 1,18 3,73 Total 31,64 100 Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, 2021, p. 7 (adaptado) 28 A regressividade do sistema fica evidente quando comparado em nível internacional, Moreira Filho et al (2020, p. 27/28) destacam que o Brasil é vice-campeão mundial na tributação sobre o consumo e lanterna global em tributação sobre renda e patrimônio. Comparando os dados do Brasil com os dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), observa-se a discrepância do papel da tributação sobre a renda: a alíquota máxima no Brasil de IRPF é 27,5% e sua receita representa 2,5% do PIB nacional, já a média da alíquota do supracitado imposto é 41% nos países da OCDE, com a receita média correspondendo a cerca de 8,5% do PIB. A tabela a seguir expõe a carga tributária do Brasil e dos países da OCDE em 2015, evidenciando a regressividade do sistema tributário brasileiro em um panorama mundial. Tabela 3: Composição da carga tributária do Brasil e dos países da OCDE em 2015 Países Renda Patrimônio Consumo Outros Total Carga Tributária (%PIB) Alemanha 31,2 2,9 27,8 38,1 100,0 37,1 Bélgica 35,7 7,8 23,8 32,7 100,0 44,8 Chile 36,4 4,4 54,1 5,1 100,0 20,5 Coréia do Sul 30,3 12,4 28,0 29,3 100,0 25,2 Dinamarca 63,1 4,1 31,6 1,2 100,0 45,9 Espanha 28,3 7,7 29,7 34,3 100,0 33,8 Estados Unidos 49,1 10,3 17,0 23,6 100,0 26,2 França 23,5 9,0 24,3 43,2 100,0 45,2 Holanda 27,7 3,8 29,6 38,9 100,0 37,4 Irlanda 43,0 6,4 32,6 18,0 100,0 23,1 Itália 31,8 6,5 27,3 34,4 100,0 43,3 Japão 31,2 8,2 21,0 39,6 100,0 30,7 Noruega 39,4 2,9 30,4 27,3 100,0 38,3 Portugal 30,2 3,7 38,4 27,7 100,0 34,6 Reino Unido 35,3 12,6 32,9 19,2 100,0 32,5 Suécia 35,9 2,4 28,1 33,6 100,0 43,3 Turquia 20,3 4,9 44,3 30,5 100,0 25,1 29 MÉDIA OCDE 34,1 5,5 32,4 28,0 100,0 34,0 BRASIL (1) 18,3 4,4 49,7 27,6 100,0 32,6 Fonte: OLIVEIRA, 2018, p.58 Oliveira (2018, p.89) também aponta a discrepância do arranjo de tributação no Brasil com os países desenvolvidos: Enquanto nos países desenvolvidos, o peso da tributação direta representa, de modo geral, cerca de 70% da tributação, mesmo com as reformas realizadas à luz das novas propostas do pensamento ortodoxo, no Brasil essa relação se mostra diametralmente oposta, com os impostos indiretos, incluindo os incidentes sobre a folha de salários, ultrapassando 70% da carga tributária. (OLIVEIRA, 2018, p.89) Diante desse cenário, D’Araújo, Gassen e Gassen (2020, p. 1050) explicam que a carga tributária brasileira por ser baseada principalmente em tributos indiretos, que não respeitam ao princípio da capacidade contributiva, oneram proporcionalmente mais aos mais pobres, que precisam reservar maior parte de seus proventos para o consumo. Esse caráter regressivo não consegue ser reduzido pela tributação direta sobre renda e patrimônio, visto que ocupa um peso diminuto na arrecadação. Nesse mesmo diapasão, Porto (2019, p. 107): Grande parte das famílias com menor poder aquisitivo direcionam seus orçamentos para suprirem carências básicas como a alimentação e vestuário. Dessa maneira, priorizar a tributação sobre o consumo é sobrecarregar o já deficitário poder aquisitivo dessas famílias e prejudicar até mesmo questões relacionadas à própria saúde de seus membros, pois a quantidade e a qualidade do que se consome é prejudicado. (PORTO, 2019, p. 107) Os gráficos abaixo demonstram, respectivamente, a carga direta, indireta e total sobre a renda mensal das famílias brasileiras em 2004, de acordo com os salários mínimos recebidos. 30 Gráfico 1: Ônus Tributário Direto sobre a renda mensal das famílias brasileiras em 2004 Fonte: D’Araújo, Gassen e Gassen (2020, p. 1042) – adaptado Gráfico 2: Ônus Tributário Indireto sobre a renda mensal das famílias brasileiras em 2004 Fonte: D’Araújo, Gassen e Gassen (2020, p. 1042) – adaptado 3.1 3.5 3.7 4.1 5.2 5.9 6.8 6.9 8.6 9.9 Até 2 2 a 3 3 a 5 5 a 6 6 a 8 8 a 10 10 a 15 15 a 20 20 a 30 mais de 30 Salários Mínimos Ônus Tributário Direto 45.1 34.5 30.2 27.9 26.5 25.5 23.7 21.6 20.1 16.4 Até 2 2 a 3 3 a 5 5 a 6 6 a 8 8 a 10 10 a 15 15 a 20 20 a 30 mais de 30 Salários Mínimos Ônus Tributário Indireto 31 Gráfico 3: Ônus Tributário Total sobre a renda mensal das famílias brasileiras em 2004 Fonte: D’Araújo, Gassen e Gassen (2020, p. 1043) – adaptado Conforme demonstrado no gráfico 1, a tributação direta onera proporcionalmente mais as camadas mais ricas do que as mais pobres, visto que as primeiras possuem rendas mais elevadas e patrimônio mais vasto. Assim, as famílias com renda mensal superior a 30 salários mínimos despendem 9,9% dos ganhos para suportar a carga tributária indireta, ao passo que para as famílias com renda mensal limitada a 2 salários mínimos, a porcentagem diminui para 3,1%. Em sentido contrário, o gráfico 2 demonstra que a tributação indireta onera as camadas mais pobres proporcionalmente mais do que as camadas mais ricas. Dessa forma, as famílias com renda mensal de até 2 salários mínimos desembolsam 45,1% de sua renda para arcar com a carga tributária de seu consumo, ao passo que para as famílias com renda mensal acima de 30 salários mínimos, a porcentagem cai para 16,4%. O resultado de o sistema tributário brasileiro ser baseado principalmente na tributação indireta está esclarecido no gráfico 3, o qual evidencia que o ônus tributário brasileiro é suportado proporcionalmente mais pelas classes mais pobres do que pelas mais ricas. A discrepância é notória: as famílias com renda mensal de até 2 salários mínimos utilizam 48,8% de seus ganhos para suportar o ônus tributário, por outro lado, as famílias que recebem mais de 30 salários mínimos, desprendem 26,3%. Sobre o assunto, D’Araújo, Gassen e Gassen (2020, p. 1050/1051) ressaltam: 48.8 38 33.9 32 31.7 31.7 30.5 28.4 28.7 26.3 Até 2 2 a 3 3 a 5 5 a 6 6 a 8 8 a 10 10 a 15 15 a 20 20 a 30 mais de 30 Salários Mínimos Ônus Tributário Total 32 Como resultado, temos hoje as classes mais pobres pagando proporcionalmente mais do que as classes mais ricas, comprometendo parcela maior do orçamento familiar com o pagamento de tributos que vem embutidos em seu consumo. E isso em total inobservância da capacidade contributiva manifestada, pelo simples fato de que o consumo para eles representa um peso maior em seu orçamento. Em completo desatendimento dos objetivos contidos no art. 3º, da Constituição Federal, de promoção de uma sociedade mais justa, com erradicação da pobreza e combate às desigualdades sociais. (D’ARAÚJO, GASSEN, GASSEN, 2020, p. 1050/1051) No mesmo diapasão, Ribeiro (2015, p.13) demonstra que a tributação sobre o consumo atende apenas ao objetivo do Estado de arrecadar: Porém, não é difícil perceber que a tributação sobre o consumo, embora dirigida à população por inteiro, atinge mais pesadamente os mais pobres que gastam todos os seus rendimentos na aquisição de bens e serviços essenciais à sua própria sobrevivência. A estes, não é possível amealhar patrimônio. Já a tributação da renda, em geral dirigida aos extratos que superem o mínimo existencial, atinge em maior grau, em um plano ideal, os rendimentos mais elevados. Por essas razões, a tributação sobre o consumo favorece a acumulação de capital, sendo um meio inferior de promoção da justiça distributiva tendo quase sempre um efeito regressivo, na medida em que os consumidores suportam a carga tributária sobre os bens e serviços cuja aquisição para os mais pobres, por meio de itens essenciais à própria sobrevivência, esgota inteiramente todos os seus recursos. Essas camadas excluídas também não conseguem poupar o suficiente para formar patrimônio a ser tributado. Deste modo, a tributação sobre o consumo atende muito mais aos interesses de arrecadação do Estado, a partir da perspectiva liberal de neutralidade e de eficiência econômica, do que à ideia de justiça fiscal, de combate à desigualdade ou de fortalecimento do Estado Social. (RIBEIRO, 2015, p. 13) No mesmo sentido, Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 17) asseveram que a estrutura tributária atual está em desacordo com o princípio da equidade. Para os autores, trata-se de: “Um sistema altamente regressivo, que opera, portanto, como uma espécie de Robin Hood às avessas, onde cabe aos mais pobres o maior fardo de financiamento dos gastos do Estado, os quais tendem a favorecer, de maneira geral, as classes das camadas mais ricas e o capital”. (BIASOTO JÚNIOR; OLIVEIRA, 2015, p. 18) Por sua vez, as discrepâncias do sistema podem ser reduzidas por meio de mudanças na tributação direta, tanto com relação aos impostos incidentes sobre patrimônio, quanto aos incidentes sobre renda. (BIASOTO JÚNIOR; OLIVEIRA, 2015) Em primeiro lugar, teceremos considerações relevantes sobre os impostos incidentes sobre patrimônio e, posteriormente, abordaremos o imposto incidente sobre renda. Os impostos que incidem sobre patrimônio no Brasil atualmente são: ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis), IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), ITR (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural) e IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores). Os tributos 33 sobre patrimônio possuem participação pouco expressiva no PIB brasileiro, conforme demonstrado nas tabelas 2 e 3. A tabela adiante apresenta detalhadamente a participação de cada um dos impostos supracitados na receita tributária e no PIB em 2013. Tabela 4: Impostos sobre a propriedade no Brasil em 2013, em % da receita e PIB do ano Impostos Receita 2013 (em R$ mil) % na Receita Total % no PIB ITBI 9.953,75 0,57 0,21 IPTU 24.316,48 1,40 0,50 ITCD 4.142,18 0,24 0,09 ITR 763,97 0,04 0,02 IPVA 29.232,08 1,68 0,60 Total 68.408,47 3,93 1,42 Receita Total 1.741.658,31 Fonte: Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 25) – adaptado Os impostos que incidem sobre a propriedade são pouco significativos para a arrecadação e não conseguem contribuir para redução do avanço da concentração de renda e riqueza. (BIASOTO JÚNIOR; OLIVEIRA, 2015) A baixa participação desses tributos – que em 2013 representaram apenas 1,42% do PIB brasileiro – está em descompasso com diversos países desenvolvidos, conforme evidenciado na tabela a seguir. Tabela 5: Impostos sobre a propriedade geral e de heranças e doações na receita e no PIB dos países da OCDE e do Brasil em 20132 Países Impostos s/ a Propriedade Geral Impostos sobre Heranças e doações % na Receita % no PIB % na Receita % no PIB Alemanha 2,5 0,9 0,5 0,2 Bélgica 7,9 3,5 1,9 0,8 Coréia do Sul 10,3 2,5 1,2 0,3 Dinamarca 3,8 1,8 0,4 0,2 Espanha 6,6 2,1 0,7 0,2 Estados Unidos 11,1 2,8 0,6 0,1 França 8,5 3,8 1,1 0,5 2 * - Dados de 2012 34 Irlanda 7,7 2,2 0,6 0,2 Itália 6,3 2,7 0,1 0,0 Japão* 9,1 2,7 1,1 0,3 Noruega 3,0 0,2 0,2 0,1 Portugal 3,3 1,1 0,0 0,0 Reino Unido 12,3 4,1 0,6 0,2 Média OCDE* 5,5 1,8 0,4 0,1 Brasil 3,9 1,4 0,2 0,1 Fonte: Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 26) – adaptado Com relação ao ITCM, Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 27), destacam que, apesar de a alíquota máxima ter sido fixada em 8% pelo Senado Federal, a maioria dos estados estabelecem sua alíquota entre 4% e 5%, explorando pouco a potencialidade do imposto. Sobre o assunto, Moreira Filho et al (2020, p. 31) esclarecem que, em 2017, apenas dez Estados brasileiros aplicavam alíquotas de ITCMD de 8%, seis utilizavam alíquotas máximas de 5% e 6%, e onze possuíam alíquotas iguais ou inferiores a 4%. Essa quantia mostra-se extremamente baixa no cenário internacional, visto que a média do imposto nos países da OCDE é de 15%. Além disso, alguns países, como Japão, Bélgica, França, Reino Unido e Chile possuem alíquotas bem elevadas, conforme exposto adiante, pois utilizam o imposto para atenuar a velocidade da concentração de renda. Tabela 6: Alíquotas máximas do imposto sobre a propriedade e a herança nos países membros da OCDE e no Brasil Posição no ranking País Alíquota máxima 1 Japão 55 2 Coréia do Sul 50 3 França 45 4 Reino Unido 40 5 Estados Unidos 40 6 Espanha 34 7 Irlanda 33 8 Bélgica 30 9 Alemanha 30 10 Chile 25 11 Grécia 20 12 Holanda 20 13 Finlândia 19 14 Dinamarca 15 15 Turquia 10 16 Islândia 10 35 17 Polônia 7 18 Suíça 7 19 Itália 4 Média simples OCDE 15 Comparativo Brasil 8 Fonte: Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 29) – adaptado Dentre as problemáticas da tributação do patrimônio, Moreira Filho et al (2020, p. 31) realçam que o IPVA não incide sobre aeronaves e embarcações, ou seja, não onera bens de luxo. Conforme exposto por Carvalho Júnior (2018, p. 433), essa restrição decorre de entendimento do Supremo Tribunal Federal em 2008 e gera uma perda de receita estimada entre um a dois bilhões. Além disso, Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 27) apontam que o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), a despeito de estar previsto no artigo 153, inciso VII, da Constituição Federal, nunca foi instituído, por ausência de lei infraconstitucional que o regule. Trata-se do único caso do não exercício de competência tributária no país, sendo que a instituição do imposto – observando limites adequados de isenção e de maneira integrada com o imposto de renda – corresponderia a uma ferramenta eficaz para incrementar a arrecadação e contribuir para a distribuição de renda. (BIASOTO JÚNIOR; OLIVEIRA, 2015) Carvalho Júnior e Passos (2018, p. 485) calculam que se o IGF fosse instituído com limite de isenção fixado em R$ 500.000,00, é possível que fosse responsável por 0,5% do PIB. Ademais, estipulam que o percentual poderia até chegar a 1% caso as pessoas jurídicas também fossem contribuintes do imposto. Para a confecção da estimativa, consideraram como base de cálculo para as contribuintes pessoas físicas residentes no Brasil, o patrimônio nacional e internacional e, para não residentes pessoas físicas ou jurídicas, o patrimônio total – com limite de isenção reduzido ou inexistente. Com relação a alíquota, fixaram em 0,7% e 1%, com base no PLS 128/2008 que foi rejeitado pelo Senado em 2010. Também consideraram que o montante despendido com IPTU e IPVA deve ser deduzido do cálculo do IGF. Conforme exposto acima, Biasoto Júnior e Oliveira defendem que, além de por meio de mudanças nos impostos incidentes sobre patrimônio, as desigualdades do sistema também devem ser reduzidas por meio de alterações nos impostos incidentes sobre renda. 36 Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 30) apontam o caráter regressivo do imposto sobre a renda das pessoas físicas (IRPF): Se o patrimônio recebe um tratamento altamente camarada no Brasil, inclusive de governos tidos como de esquerda, o imposto cobrado sobre a renda das pessoas físicas (IRPF) representa a confissão de que tributar os mais ricos no país foi e continua sendo considerado pecado capital. Dados divulgados em 2015 pela Receita Federal (Receita Federal Brasileira, 2015) sobre os rendimentos das pessoas físicas e sobre o IR cobrado, jogam por terra qualquer esperança de que ainda se pudesse contar, pelo menos no caso deste imposto, com alguma progressividade, mesmo com a alíquota- teto limitada a 27,5%. (BIASOTO JÚNIOR; OLIVEIRA, 2015, p.15) Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 30) explicam que o arranjo atual do IRPF impede que seja um imposto progressivo, a despeito da estipulação de alíquotas majoradas em razão do aumento de renda. Isso ocorre, pois, em decorrência de isenções (como, por exemplo, de lucros e dividendos, transferências patrimoniais e de rendimentos de sócios titulares de micro e pequenas empresas) e tributações mais brandas, a parcela tributável dos contribuintes que recebem mais de 160 salários mínimos mensais é a menor parcela, correspondente apenas a 13,97% da renda, conforme demonstrado na tabela adiante. Tabela 7: Quadros de declarantes, rendimento médio, participação na renda total, IR devido e carga tributária dos contribuintes do imposto de renda, por faixas de rendimento totais do ano base 2013 Faixa de renda (em n° SM) % no total de declarantes Rendimento médio (em R$ mil) % na renda total Alíquota média IR IR devido % no IR devido Até 2 10,80 6,19 0,83 0,0 0,5 0,01 2 a 3 10,16 21,48 2,71 0,0 1,9 0,01 3 a 5 29,75 31,72 11,73 0,47 1.181,0 1,09 5 a 10 27,56 57,37 19,63 2,89 12.135,9 10,62 10 a 20 13,29 113,45 18,74 7,63 30.517,3 26,71 20 a 40 5,69 226,27 15,99 10,2 34.793,9 30,46 40 a 80 1,96 440,80 10,72 9,08 20.764,6 18,17 80 a 160 0,52 886,28 5,68 5,83 7.074,3 6,19 + de 160 0,27 4.170,40 13,97 2,60 7.763,0 6,79 Total/média 26.494,4 80,50 100,0 5,36 114.232,4 100,00 Fonte: Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 32) – adaptado 37 Com base nos dados expostos na tabela 7, Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 32) tecem três críticas centrais ao modelo atual de arrecadação de IRPF. A primeira diz respeito aos declarantes que recebem até cinco salários mínimos, os quais representam 50,7% do total dos declarantes e contribuíram no ano de 2013 com apenas 1,09% da arrecadação total, montante pouco significativo na receita total. Somando-se a contribuição inexpressiva com os gastos que a Receita Federal despende para apuração das declarações do imposto, os autores acreditam que a faixa de isenção de IRPF deveria englobar os contribuintes que recebem até cinco salários mínimos. A segunda ponderação relaciona-se com o caráter regressivo do imposto. O IRPF apenas é progressivo nas primeiras faixas de renda até a faixa em que estão enquadradas as pessoas com rendas de 20 a 40 salários mínimos. A partir da faixa dos declarantes com 20 a 40 salários mínimos, o imposto se mostra altamente regressivo, com a diminuição da carga tributária. Dessa forma, as classes com faixa de renda de até 40 salários mínimos, em 2013, foram responsáveis por 68% da arrecadação total do imposto, ao passo que as classes mais ricas, com faixas de renda superior a 40 salários mínimos, arcaram com apenas 31%. Por fim, considerando-se as informações apresentadas, a terceira conclusão é que a classe média é a principal responsável pela arrecadação do IRPF, ao passo que os mais ricos despendem pouco comparado com seus rendimentos totais. Outras críticas ao IRPF expostas por Moreira Filho et al (2020, p. 27/28) são as alíquotas máximas e a baixa capacidade arrecadatória do imposto em comparação com o cenário internacional, já demonstradas na tabela 3: A alíquota máxima do IRPF praticada nos países da OCDE é de 41,0%, em média; no Brasil, 27,5%. Essa alíquota é superior a 50% em nações como Bélgica, Holanda, Suécia, Dinamarca e Japão, por exemplo; e entre 40% e 50% na Alemanha, França, Itália, Noruega, Portugal e Reino Unido, por exemplo. A alíquota máxima praticada no Brasil é inferior à praticada em muitos países da América Latina, como a Argentina (35%), Chile (40%) e Colômbia (33%), por exemplo. Entre os países emergentes, a alíquota do Brasil era também inferior à da China (45%), da Índia (34%) e da Turquia (35%). (...) Em decorrência das baixas alíquotas que incidem sobre as altas rendas e dos mecanismos de isenção tributária dessas camadas, a arrecadação do IRPF no Brasil é excessivamente reduzida na comparação internacional. Em 2015, a arrecadação média do IRPF na OCDE era de 8,5% do PIB; no Brasil, 2,5% do PIB (MOREIRA FILHO et al, 2020, p. 27/28) A complexidade do sistema tributário brasileiro pode ser explicada pela ampla quantia de legislações sobre o tema: entre a promulgação da Constituição Federal em 1988 até 2003, segundo um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), 309 38 mil normas foram criadas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em matéria tributária. (GUEDES; PASSOS; SILVEIRA, 2018) Além disso, as diversas alíquotas e bases incidentes na tributação indireta contribuem para o aumento da complexidade. As dificuldades apresentadas geram enormes prejuízos, tanto aos contribuintes, quanto ao Estado, conforme explicado Guedes, Passos e Silveira (2018, p. 94). Os contribuintes são prejudicados pois, segundo informações do Banco Mundial, as empresas brasileiras são no cenário mundial as que mais perdem tempo para cumprir com as obrigações tributárias acessórias, despendendo cerca de 2.600 horas anuais. O Fisco é lesado pelos altos custos para averiguação e recolhimento de tributos. Por fim, ambos sofrem prejuízos com o elevado número de litígios nas esferas administrativa e judicial. Conforme defendido por Biasoto Júnior e Oliveira (2015, p. 20), as problemáticas do sistema tributário expostas apenas podem ser resolvidas por uma reforma ampla: A reforma tributária “ideal”, visando a remover de vez, pelo menos no atual contexto histórico, as imperfeições e mazelas do sistema, deveria ser abrangente, enfrentando todas essas questões simultaneamente, o que poderia facilitar as mudanças, à medida que os agentes com ela envolvidos fossem percebendo mais claramente que perdas de um lado poderiam ser compensadas por ganhos de outro. Assim, a complexidade do sistema, dado pelo excessivo número de impostos e de normais tributárias, poderia ser resolvida, ou pelo menos atenuada, com a modernização dos tributos, fundindo vários impostos indiretos que incidem sobre as mesmas bases – Cofins, PIS, ICMS, IPI, ISS e outras contribuições sociais e econômicas –, transformando-os em um grande imposto sobre o valor agregado (IVA), mudança que tem figurado em várias propostas de reforma. Assim também, a tributação direta, atualmente incidente de forma muito camarada sobre as rendas mais altas e sobre os ganhos de capital, e pulverizada entre vários itens da riqueza acumulada, que compõem o patrimônio, suavemente taxado, deveria ter sua progressividade ampliada. Do lado da renda, com a ampliação da alíquota-teto do imposto de renda das pessoas físicas, hoje limitada a 27,5%, e com a extensão de um tratamento mais isonômico para outras fontes de renda que atualmente se beneficiam, em relação ao trabalho, de uma taxação mais suave, caso dos ganhos de capital, aplicações financeiras e em bolsas de valores, etc. Do lado do patrimônio, com a criação de um imposto mais amplo e poderoso do que os existentes, capaz de contribuir, efetivamente, para cumprir o principal papel de refrear a concentração de riqueza no país e evitar que a riqueza futura a ser criada já esteja previamente reservada para alguns. (BIASOTO JÚNIOR; OLIVEIRA, 2015, p. 20/21) No mesmo diapasão, Fagnani e Rossi (2018, p. 145/146) destacam que, no contexto de alta desigualdade no país, a reforma tributária deve ser pautada pelo princípio da equidade: Nesse contexto, o mais importante princípio norteador de uma reforma tributária deve ser a busca pela equidade no tratamento tributário. O princípio da equidade ou de justiça tributária segue o critério da capacidade econômica, renda e riqueza, de cada contribuinte. 39 Ou seja, a condição econômica de cada contribuinte determina a contribuição para o financiamento das atividades públicas. Essa equidade tem uma dimensão vertical, no sentido de que as diferentes remunerações devem contribuir de forma proporcional à capacidade econômica de cada um; ou seja, pessoas que ganham mais devem pagar mais. Mas também tem uma dimensão horizontal, que se refere às pessoas que recebem por diferentes fontes (rendas do trabalho ou do capital) ou diferentes modalidades de emprego (assalariado, conta própria, pessoa jurídica). Todos esses casos (renda do trabalho em diferentes modalidades e renda do capital) devem ser tratados de forma isonômica. (FAGNANI, ROSSI, 2018, p. 145/146) Nesse sentido, em face das severas críticas, desde a promulgação da Constituição, inúmeras propostas de reforma foram apresentadas: uma no governo Itamar Franco, duas no governo Fernando Henrique Cardoso, duas no governo Luiz Inácio Lula da Silva, duas no governo Dilma Roussef e agora no governo de Jair Messias Bolsonaro. (D’ARAÚJO; GASSEN; GASSEN, 2020) Entretanto, para D’Araújo, Gassen e Gassen (2020, p. 1040), os projetos sempre se pautaram na eficiência e na simplificação de tributos, não abarcando – de maneira proposital – a questão da equidade, o que não contribui para a solução da desigualdade social no país: Ocorre que a matriz tributária de um país é a principal aliada do Poder Público na promoção da justiça economia e distributiva e é necessário que em tais reformas possamos ir além de um modelo tributário voltado para o crescimento econômico. É necessário que aprimoremos os textos normativos no sentido de atender os anseios da sociedade, e transformemos a tributação também em um instrumento útil na distribuição de renda e diminuição das desigualdades sociais tão marcantes na sociedade brasileira. D’ARAÚJO, GASSEN, GASSEN (2020, p. 1040) Atualmente estão em discussão três propostas de reforma tributária que serão analisadas no capítulo seguinte: a Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019 (de autoria da Câmara dos Deputados), a Proposta de Emenda à Constituição nº 110/2019 (de autoria do Senado Federal) e a proposta do Governo Federal (Projetos de Lei nº 3.887/2020 e nº 2.337/2021). 40 3. Propostas de reforma tributária 3.1 Proposta de Emenda à Constituição nº 45/2019 A Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019 (PEC 45/2019) de autoria do deputado Baleia Rossi, do partido MDB, foi apresentada em abril de 2019. Foi utilizado como base do projeto a ideia de reforma tributária elaborada pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCif), definido em seu site como um think tank independente, com o objetivo de “desenvolver estudos e propostas que ajudem a simplificar e aprimorar o sistema tributário brasileiro e o modelo de gestão fiscal do país”. A emenda é composta por seis artigos: o primeiro e o terceiro trazem as modificações de dispositivos pretendidas com relação à Constituição Federal de 1988 e o segundo e o quarto dizem respeito às alterações no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. As disposições dos artigos primeiro e segundo entram em vigor na data de publicação da emenda, ao passo que, as dos artigos terceiro e quarto apresentam vigência diferida. Por sua vez, o artigo quinto estipula a entrada em vigor da emenda. Por fim, o artigo sexto prevê as revogações de dispositivos, tanto da Constituição Federal, quanto do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Na justificativa do projeto são elencadas três razões principais pelas quais a reforma tributária é urgente no país: (i) multiplicidade de tributos incidentes sobre a produção e o consumo de bens e serviços; (ii) nenhum dos impostos vigentes se assemelha ao imposto único não-cumulativo sobre o valor adicionado (IVA) – sistema utilizado pela maior parte dos países; (iii) sujeito ativo do critério pessoal do ICMS e do ISS, que causa guerra fiscal entre os entes federativos e enfraquece a exportação. (BRASIL, 2019a) Referidos aspectos examinados conjuntamente produzem resultados negativos ao país, tais quais, prejuízos à economia, óbices à exportação e aos investimentos e aumento do contencioso e da insegurança jurídica. Além disso, mascararam a real carga tributária arcada pelos consumidores (contribuintes de fato), visto que cobrada das empresas (contribuintes de direito). A solução exposta na PEC nº 45/2019 (BRASIL, 2019a, p. 26) para os entraves supracitados é modificar a tributação sobre bens e serviços brasileiros para assemelhá-la ao imposto único não-cumulativo sobre o valor adicionado (IVA). 41 Entretanto, no projeto (BRASIL, 2019a, p. 26) são expostos motivos pelos quais resta claro a necessidade de que a alteração ocorra de modo gradual, por meio de diversas regras de transição. Dentre estas razões, podemos citar, em primeiro lugar, o cenário econômico: mudanças abruptas na tributação influenciariam nos investimentos atuais das empresas, podendo prejudicar suas atividades, além disso, há a resistência de certos setores econômicos. A segunda causa diz respeito à organização dos entes federados, isto pois, (i) no modelo vigente os Estados e Municípios gerem seus impostos de forma autônoma; (ii) a proposta altera a tributação em transações interestaduais e intermunicipais para o destino – o que afetará a receita dos Estados e Municípios – e (iii) alguns Estados brasileiros tentam se valer da guerra fiscal para aumentar o desenvolvimento da região. Por último, as destinações instituídas na Constituição Federal de 1988, se utilizadas no sistema pretendido de imposto único não-cumulativo sobre o valor adicionado, poderiam contribuir para a ampliação da inflexibilidade orçamentária do Brasil. A proposta apresentada pretende apaziguar referidas adversidades: A proposta de reforma tributária desenvolvida pelo Centro de Cidadania Fiscal, que serve de base para esta emenda, procura resolver ou, pelo menos, minimizar essas dificuldades através vários mecanismos, entre os quais se destacam: (i) substituição dos cinco tributos atuais sobre bens e serviços por um único imposto, mas preservação da autonomia dos entes federativos através da possibilidade de fixação das alíquotas e da atuação coordenada na cobrança, fiscalização e arrecadação do imposto; (ii) transição para que as empresas possam se adaptar ao novo regime e não tenham seus investimentos atuais prejudicados; (iii) transição para que os entes federativos ajustem num horizonte de longo prazo aos efeitos da migração para um modelo de cobrança no destino; e (iv) redução da rigidez orçamentária, através da substituição das atuais vinculações e partilhas por um sistema baseado em alíquotas singulares do imposto (cuja soma corresponde à alíquota total), gerenciáveis individualmente. (BRASIL, 2019a, p. 26/27) A principal inovação trazida pela PEC nº 45/2019 é a substituição dos atuais impostos sobre a produção e o consumo de bens: o Imposto municipal sobre Serviços (ISS), o Imposto estadual sobre a Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), o Imposto federal sobre Produtos Industrializados (IPI) e as Contribuições federais para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) por um único imposto, nos moldes do imposto único não-cumulativo sobre o valor adicionado, intitulado IBS (imposto sobre bens e serviços), cuja principal finalidade é a tributação do consumo em todos seus moldes. (BRASIL, 2019a) 42 A PEC nº 45/2019 pretende a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) com a inclusão na Constituição Federal do artigo 152-A. O tributo será instituído por lei complementar (caput do artigo 152-A e inciso II), possuindo caráter nacional e sua alíquota final equivalerá a soma das alíquotas federal, estadual e municipal (§2º) – devendo ser uniforme dentro do ente federativo (§1º, inciso VI), ou seja, será a mesma para todas as operações de consumo. (BRASIL, 2019a) No projeto ficou determinado que o Tribunal de Contas da União apurará, consoante prevê o artigo 119 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, as alíquotas de referência do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Estas serão calculadas de modo que o conjunto de municípios, a totalidade de Estados e a União – neste último caso excluída a receita derivada do imposto seletivo federal – sejam capazes de recuperar suas perdas de receita com a transição de impostos. (BRASIL, 2019a) A fixação pelo Tribunal de Contas será seguida de apreciação pelo Senado Federal. Os Estados e Municípios que não desejarem utilizar as alíquotas de referência, poderão, nos termos do artigo 152-A, §2º, inciso I, instituir suas respectivas alíquotas por meio de lei ordinária. O artigo 152-A estipula que o IBS incida sobre base ampla de bens, serviços e direitos – tangíveis e intangíveis – (§1º, inciso I), recaia em todas as etapas de fabricação e comercialização, seja inteiramente não-cumulativo (§1º, inciso III), não incida sobre as exportações (§1º, inciso V) e incida em quaisquer operações de importação (§1º, inciso VI). Também determina que em operações interestaduais e intermunicipais, o sujeito ativo competente para a cobrança do tributo será o Estado ou Município de destino (§3º, incisos I e II). Além disso, o §1º do inciso IV do artigo 152-A veda a instituição de incentivos fiscais e similares: Art. 152-A, §1º (...) IV: não será objeto de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros, inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito presumido ou outorgado, ou sob qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente, em carga tributária menor que a decorrente da aplicação das alíquotas nominais. (BRASIL, 2019a, p. 3) A proibição de benefícios fiscais, nos termos do projeto (BRASIL, 2019a, p. 34), contribui para cessar as guerras fiscais relativas ao Imposto municipal sobre Serviços (ISS) e ao Imposto estadual sobre a Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). 43 Dessa forma, a sugestão apresentada para impulsionar o desenvolvimento regional no lugar dos benefícios atualmente concedidos por determinados entes federativos é a utilização de recursos federais. A despeito de a proposta mencionar a recomendação, não a regulamenta, informando que o planejamento ocorrerá em legislação infraconstitucional. Ademais, um dos objetivos do impedimento de concessão de incentivos fiscais elencado na proposta (BRASIL, 2019a, p. 30) é reprimir distinções entre os setores e, consequentemente, conter distorções competitivas e alocativas. Por fim, a vedação é consonante com a atribuição primordial do IBS: a arrecadação. Nesse sentido, sobre o inciso IV do parágrafo §1º do artigo 152-A: O inciso IV busca garantir que o IBS seja utilizado exclusivamente para gerar receita tributária, despindo o imposto de quaisquer funções extrafiscais. Além de subjetivos e ineficientes economicamente, os benefícios no âmbito do IVA geram complexidade, contencioso e pressão de interesses setoriais sobre o sistema tributário. Este inciso garante a uniformidade efetiva de alíquotas e, também, evita as inúmeras distorções hoje existentes em razão da diferenciação da tributação resultante da concessão de incentivos e benefícios tributários. (BRASIL, 2019a, p. 44/45) Na proposta de reforma (BRASIL, 2019a, p. 31) é apontado que a arrecadação do IBS serve para o financiamento de políticas públicas, entretanto, não se coaduna com outros propósitos de políticas públicas. Também é mencionado que os impostos ao modo do IVA não são eficazes como instrumento de política social. Em face dessa característica, é disposto no §9º do artigo 152-A que se excetua ao princípio de vedação de benefícios fiscais a devolução parcial, por meio de mecanismos de transferência de renda, do imposto recolhido pelos contribuintes de baixa renda, nos termos a serem definidos em lei complementar. Essa foi a solução apresentada para apaziguar o efeito regressivo da tributação do consumo: Isto não significa que o modelo não deva contemplar medidas que mitiguem o efeito regressivo da tributação do consumo. Para tanto, propõe-se um modelo em que grande parte do imposto pago pelas famílias mais pobres seja devolvido através de mecanismos de transferência de renda. Este modelo seria viabilizado pelo cruzamento do sistema em que os consumidores informam seu CPF na aquisição de bens e serviços (já adotado por vários Estados brasileiros) com o cadastro único dos programas sociais. Trata-se de um mecanismo muito menos custoso e muito mais eficiente do ponto de vista distributivo que o modelo tradicional de desoneração da cesta básica de alimentos. (BRASIL, 2019a, p. 31) 44 Foram apresentadas no projeto duas formas de transição para possibilitar a substituição dos cincos impostos pelo IBS: uma voltada aos contribuintes e outra, à partilha de receita entre os entes federados. (BRASIL, 2019a) A transição relativa aos contribuintes diz respeito à diminuição progressiva do ISS, do ICMS, do IPI, do PIS, da COFINS, ao passo que o IBS será aumentado para repor a consequente perda da receita. Dessa forma, pretende-se que a carga tributária seja permanente, tanto para não onerar os contribuintes, tanto para não gerar perda de receita aos cofres públicos. A fase, composta por dez anos, é dividida em duas partes: os primeiros dois anos, estipulados no artigo 117 no Ato das Disposições Transitórias (ADCT) - denominado período de teste - e os oito anos seguintes, previsto nos artigos 118 e 119 do ADCT - entendido como o período de transição em si. Os primordiais propósitos do período de teste são: a possibilidade de alterar aspectos que se mostrem pertinentes no novo tributo e mensurar sua capacidade de arrecadação. Além disso, a intenção é de que o lapso temporal de dez anos de transição não prejudique os atuais investimentos econômicos – por não ser demasiadamente célere -, mas que permita que investimentos inéditos sejam realizados no modelo proposto na PEC nº 45. (BRASIL, 2019a) Dessa forma, nos termos do artigo 6º, inciso I, da emenda, a partir do décimo ano subsequente ao ano de referência serão revogados da Constituição Federal os dispositivos que tratam sobre o ISS, o ICMS, o IPI, o PIS e a COFINS, quais sejam: artigo 153, IV e § 3º; artigo 155, II e §§ 2º a 5º; artigo 156, III e § 3º; artigo 158, IV e parágrafo único; artigo 159, II e §§ 2º e 3º; artigo 161, I; e artigo 195, I, “b”, IV e §§ 12 e 13. Por sua vez, o inciso II do supramencionado artigo prevê também a revogação do artigo 91 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Ressalta-se que, a despeito de o §13 do artigo 195 da CF e o artigo 91 do ADCT terem sido elencados na lista de revogações do supracitado dispositivo, já foram revogados, respectivamente, por meio da Emenda Constitucional nº 103/2019, publicada em 12 de novembro de 2019 e pela Emenda Constitucional nº 109/2021, publicada em 15 de março de 2021. Conforme mencionado, também foi instituída uma fase de transição para regular a destinação das receitas adquiridas pelo IBS entre a União, os Estados e os Municípios, a qual está prevista no artigo 120 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A transição se faz necessária (BRASIL, 2019a, p. 37) tendo em vista que o artigo 152- A, §3º, incisos I e II, estipula que nas operações interestaduais e intermunicipais o imposto será 45 pertencente ao ente federativo de destino, o que causará uma nova disposição de receitas entre os Estados e Municípios: Com a adoção do princípio do destino – cujo efeito é fazer com que a distribuição da receita seja proporcional ao consumo – haverá uma redistribuição da arrecadação entre Estados e entre Municípios. Ainda que no longo prazo todos sejam beneficiados pelo maior crescimento da economia resultante da mudança no sistema tributário, no curto prazo haveria o risco de que alguns Estados e Municípios fossem prejudicados. (BRASIL, 2019, p. 37) Visando atenuar a redução de receita dos entes federativos, elegeu-se um lapso temporal amplo: cinquenta anos. (BRASIL, 2019a) Na primeira etapa, composta pelos primeiros vinte anos, a arrecadação do IBS será distribuída para os entes federativos de modo a restabelecer o montante correspondente à diminuição dos impostos sobre consumo atuais, o ISS e o ICMS, devidamente atualizado pela inflação. Após o vigésimo ano, nos termos do §2 do artigo 120 do ADCT, a quantia mencionada será reduzida 1/30 ao ano até o quinquagésimo ano. A partir do quinquagésimo ano a distribuição do recolhimento do IBS aos Estados e Municípios se dará apenas pelo princípio do destino, consoante disposição do §3º do supracitado artigo 120. A operacionalização da distribuição, nos termos do §4º do mencionado artigo, ficará a cargo do comitê gestor nacional, cuja instituição se dará por meio de lei complementar, conforme previsto no § 6º do art. 152-A da Constituição Federal. Ademais, no projeto são expostos os benefícios que podem advir da substituição de tributos pelo IBS, bem como, os entraves para sua efetivação: Os benefícios para o Brasil da substituição dos atuais tributos sobre bens e serviços pelo IBS são enormes: não apenas do ponto de vista da simplicidade, da eficiência econômica e da produtividade, mas também do ponto de vista distributivo. O grande problema é como superar as resistências de parte do setor empresarial e de alguns entes federativos à mudança. (BRASIL, 2019, p. 56) Além do Imposto sobre Bens e Serviços, também foi proposto o acréscimo do inciso III no artigo 154 da Constituição Federal (BRASIL, 2019a, p. 5), o qual permite que a União institua um imposto seletivo federal, de cunho extrafiscal, com o objetivo de “desestimular o consumo de determinados bens, serviços ou direitos”. Não são definidos na proposta os produtos e serviços sujeitos ao imposto, apenas citados a título exemplificativo (BRASIL, 2019a, p. 28), cigarros e bebidas alcoólicas. 46 Na justificativa do projeto (BRASIL, 2019a, p. 28) consta que, diversamente do IBS, a incidência do imposto seletivo federal ocorrerá apenas sobre uma etapa do processo de fabricação e entrega – ainda a ser definida, mas possivelmente na etapa de saída das indústrias - e nas importações. Por fim, na proposta são apresentadas as melhorias para o país caso a emenda seja aprovada: Em suma, caso esta emenda constitucional seja aprovada, o resultado será uma enorme simplificação do sistema tributário brasileiro, da qual resultará uma melhoria expressiva do ambiente de negócios e um grande aumento do potencial de crescimento do Brasil. A mudança eliminará a guerra fiscal fratricida entre Estados e entre Municípios, sem, no entanto, reduzir a autonomia dos entes federativos na gestão de suas receitas. Por fim, com as alterações propostas ao texto constitucional, haverá