Rafaela Mendes Mano Sanches RELATÓRIO DE PÓS-DOUTORADO O DIABO NO SERTÃO E NO JORNAL: DIÁLOGOS ENTRE AS REPRESENTAÇÕES DO DIABÓLICO EM O SERTANEJO, DE JOSÉ DE ALENCAR, E A IMPRENSA PERIÓDICA OITOCENTISTA Relatório de Pós-doutorado realizado no Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, câmpus de São José do Rio Preto, como exigência de pesquisa realizada sob financiamento do Programa Nacional de Pós-Doutorado da Capes (PNPD/CAPES). Supervisor: Prof. Dr. Pablo Simpson Kilzer Amorim Programa Nacional de Pós-Doutorado da CAPES (PNPD/CAPES) - 88887.336839/2019-00 São José do Rio Preto 2024 Rafaela Mendes Mano Sanches RELATÓRIO FINAL DE PESQUISA DE PÓS-DOUTORADO O DIABO NO SERTÃO E NO JORNAL: DIÁLOGOS ENTRE AS REPRESENTAÇÕES DO DIABÓLICO EM O SERTANEJO, DE JOSÉ DE ALENCAR, E A IMPRENSA PERIÓDICA OITOCENTISTA Relatório final apresentado ao Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, câmpus de São José do Rio Preto, como exigência de pesquisa realizada sob financiamento do Programa Nacional de Pós-Doutorado da Capes (PNPD/CAPES). São José do Rio Preto 2024 SUMÁRIO DADOS DO PROJETO................................................................................................04 APRESENTAÇÃO........................................................................................................07 I. ATIVIDADES DE PESQUISA.................................................................................09 1.1 PROJETO DE PESQUISA E PRODUÇÃO ACADÊMICA RESULTANTE.........09 1.2 ARTIGO PUBLICADO.....................................................………………...............15 1.3 PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS............................................................................17 1.4 ORGANIZAÇÃO DE DOSSIÊ TEMÁTICO DE PERIÓDICO..............................18 1.5 APRESENTAÇÃO DE DOSSIÊ DE PERIÓDICO..................................................18 II. PARTICIPAÇÃO EM BANCAS..........................................................................19 2.1 COMPOSIÇÃO DE BANCAS DE EXAME DE QUALIFICAÇÃO E DEFESA...19 III. PRODUÇÃO TÉCNICA........................................................................................20 3.1 PARECER DE ARTIGO CIENTÍFICO...................................................................20 IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................21 4.1 BREVE REFLEXÃO SOBRE OS RESULTADOS DA PESQUISA......................21 V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................23 DADOS DO PROJETO Título: O diabo no sertão e no jornal: diálogos entre as representações do diabólico em O Sertanejo, de José de Alencar, e a imprensa periódica oitocentista Pesquisadora: Rafaela Mendes Mano Sanches Supervisor: Pablo Simpson Kilzer Amorim Instituição: Universidade Estadual Paulista (UNESP) Linha de Pesquisa: HISTÓRIA, CULTURA E LITERATURA (HCL) Resumo A presente pesquisa propõe o estudo do tema do pacto com o diabo e as figurações do diabólico na literatura sertanista do século XIX, tomando como principal objeto e ponto de referência o romance O Sertanejo, de José de Alencar. O estudo do romance se dá mediante o diálogo com obras literárias divulgadas na imprensa periódica dos oitocentos (1860-1880), cuja matéria envolve a sondagem do povo em regiões provincianas ou rurais, de modo a demonstrar o vívido interesse intelectual pelo sertão brasileiro contemplado pelo ambiente letrado em que se insere Alencar. Ao se comparar o modo como sertão é delineado no romance O sertanejo com outras obras contemporâneas que tem espaço na imprensa, como Lendas e Canções, de Juvenal Galeno, e Quadros, de Joaquim Serra, constata-se que as regiões agrestes do país são representadas como universo envolto em atmosfera sobrenatural, na qual avulta eventualmente o elemento diabólico. Diante de tal incidência, o trabalho investigará o modo como se articulam as representações do ambiente físico e social do sertão e figurações do diabólico, que em O sertanejo e nas obras convocadas à interlocução com o romance, representariam aspectos da imaginação popular. Entre os temas que se ligam ao diabólico, destaca-se o do pactário com o diabo, ideia que permeia o protagonista de O Sertanejo e que traz ao ambiente agreste representado reminiscências de temas caros ao romantismo, como o gênio, a rebeldia satânica, o herói assinalado, suscitados por obras como Fausto, de Goethe, o ponto alto do referencial estético para o temário do pacto. Acercando-se da cultura popular com liberdade inventiva, a literatura regional do século XIX se oferece como um espaço para experimentação estética em que se entrecruzam o lastro do real, a história e a imaginação popular; a exemplo de O Sertanejo, o maravilhoso popular parece ser espaço oportuno para a conjugação desses elementos que orientavam a tentativa de investigação da alma popular pela ficção. Em O Sertanejo, o maravilhoso parece se desenvolver sobretudo como atmosfera, em que a natureza soturna dos rincões, povoada de silêncios e superstições, recebe uma atmosfera aziaga, aberta às ideias de manifestações do diabólico, em particular do pacto com o demônio. Os juízos e crenças coletivas que ganham voz no romance de José de Alencar fazem o diabólico incidir sobre os rebeldes, os estranhos, os marginalizados, indivíduos deslocados que o herói de O Sertanejo, Arnaldo, parece encarnar. Assim, as sugestões do diabólico são manifestações do estranhamento frente o outro. A pesquisa, portanto, dedica atenção específica à relação do diabólico com o elemento popular, em que avultam o retrato supersticioso da alteridade. No que toca à figura do pactário, essa representação evoca releituras da tradição literária de Fausto, Goethe. O pacto com o https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwi0tfb9zoDoAhVvIbkGHRz3ClcQFjAAegQIAhAB&url=https%2525253A%2525252F%2525252Fbv.fapesp.br%2525252Fen%2525252Fpesquisador%2525252F38945%2525252Fpablo-simpson-kilzer-amorim%2525252F&usg=AOvVaw0Vyv1kxwIhLKNHyj8N2c9s diabo em sentido mais amplo o diabólico, em O Sertanejo, não seria elemento concernente apenas ao registro do maravilhoso popular, mas espécie de metáfora de conflitos e circunstâncias sociais e históricas. Objetivos O objetivo deste trabalho é investigar representações do pacto com diabo em O Sertanejo, de José de Alencar, a partir do imaginário da demonização do outro e do complexo de imagens diabólicas que constroem a figura do pactário no espaço do sertão e na tradição literária, em que Fausto, de Goethe, figura como ponto alto de referência. O estudo é particularmente atento ao modo como o diabo se inscreve nas paragens agrestes, em diálogo estreito com os pontos de interlocução com a literatura sertanista difundida nas páginas da imprensa. A investigação busca analisar como a cosmovisão popular, em O Sertanejo, confere aura demoníaca a personagens marginalizados, excêntricos cujo modo de vida desperta curiosidade do outro. O exercício de pesquisa sobre sertão se coloca como imenso campo de referência para Alencar construir seu pactário, seja porque o interior do país é representado idealmente enquanto reduto das tradições populares ao qual o mal traduz aspectos determinantes da mentalidade popular, seja porque é matizado pela violência, pelos conflitos de terras e por relações de arbítrio que fornecem matéria para o estímulo imaginativo e crítico do artista, que conjuga as interpretações que o povo estabelece com o diabo às estruturas sociais. O sertão em Alencar é apresentado a partir de correspondências com os debates no âmbito da imprensa. Buscamos compreender a visão dos letrados acerca deste espaço e o modo como conscientemente o traduzem a partir do material oriundo das expressões populares. Reconstituir o momento de produção de Alencar em respeito às discussões promovidas na imprensa e à literatura em circulação da época, é importante conforme o ambiente letrado teria reflexo na representação do diabólico e do pactário em O Sertanejo. O estudo sobre o pactário dedica-se à influência de motivos convencionais associados ao diabo e ao pactário sobre O Sertanejo; tratamos também do gênio- demoníaco romântico presente em obras popularizadas na época, como a de Goethe. Buscamos estabelecer aproximações entre motivos tradicionalmente relacionados ao diabólico e ao imaginário do sertão a partir do manancial de juízos e representações sobre o sertão na imprensa e da circulação de obras sobre o pactário com o diabo cujas narrativas fornecem modos de representação do pacto ao ambiente letrado de Alencar. Por fim, identificamos o modo como O Sertanejo interpreta a mentalidade popular nas regiões agrestes; talvez, como resposta estética a um imaginário do diabo e de grupos à margem, como os ciganos, construídos na imprensa ao sabor de notícias, fatos diversos, e recepção de obras literárias de ampla circulação, articulando dois elementos relevantes para a literatura romântica, a saber, a representação verossímil da cultura popular, a qual é compreendida em termos românticos como esteio da nacionalidade, e o cultivo dos aspectos extremados da imaginação. 7 APRESENTAÇÃO O presente relatório refere-se a atividades desenvolvidas como parte do projeto de pesquisa de Pós-doutorado “O diabo no sertão e no jornal: diálogos entre as representações do diabólico em O Sertanejo, de José de Alencar, e a imprensa periódica oitocentista”. As atividades contemplam o período de abril de 2023 a abril de 2024, época em que o trabalho foi realizado sob financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES), sob supervisão do Prof. Pablo Simpson Kilzer Amorim. O que aqui consta, pois, corresponde às etapas de desenvolvimento do projeto e de atividades realizadas na Pós-Graduação. As ações de pesquisa e de docência foram desempenhadas a partir de compromissos previstos pelo Projeto de Pesquisa e pelo Plano de Atividades a elas integrados. Diante de tais circunstâncias, buscamos promover a sintonia entre os interesses da pesquisa (em respeito a sua linha, objetivos, área de atuação e escopo teórico e crítico), e a atuação junto à Pós-graduação. O trabalho realizado aprofundou o âmbito da pesquisa e apresentou reflexões de temas que figuraram nas investigações do corpus. A produção científica concentrou-se na escrita do artigo: “O mal em O Sertanejo, de José de Alencar, e as figurações do diabólico na imprensa e na ficção dos oitocentos”, divulgado na Revista Olho d´água (2023); e na palestra “O diabo no sertão e no jornal: diálogos entre as representações do diabólico em O Sertanejo, de José de Alencar, e na imprensa periódica oitocentista” no Ciclo de Debates - Poéticas da Negatividade: Figurações do imaginário diabólico e da cultura popular na ficção romântica brasileira, realizado no dia 08 de dezembro de 2023, pela Faculdade de Ciências e Letras - Unesp / Assis. Participamos, assim, do Ciclo de Debates do grupo de pesquisa “Poéticas da negatividade”. A proposta temática da mesa “Figurações do imaginário diabólico e da cultura popular na ficção romântica brasileira” entrou em interlocução com nosso objeto, a saber, as imagens do diabo em O Sertanejo. A contribuição desse itinerário de estudos foi profícua ao delineamento de proposta de dossiê que organizamos da Revista Olho d’água intitulado “Romantismo e modernidade”. As descrições e considerações mais detalhadas de nosso trabalho durante o estágio pós-doutoral apresentam-se na sequência. Convencionamos discutir o trabalho desenvolvido em eixos, estabelecidos com respeito às especificidades de cada conjunto 8 de atividades. O relatório segue a seguinte divisão: produção resultante do projeto de pesquisa (item I); participação em bancas (II); produção técnica (III); por fim, a última designada a resumir o plano de trabalho desenvolvido no Programa de Pós-graduação em Letras, em respeito às considerações finais sobre as atividades realizadas no estágio pós-doutoral (item IV). 9 I. ATIVIDADES DE PESQUISA 1.1 PROJETO DE PESQUISA E PRODUÇÃO ACADÊMICA RESULTANTE Este projeto de pesquisa propõe o estudo da figura do pactário com o diabo na ficção do século XIX, atentando-se, em particular, ao modo como o romance O Sertanejo, de José de Alencar, processa as imagens do diabólico e do imaginário da demonização do outro. A partir de uma zona de convergência entre as práticas populares e representações do sertão, a produção alencariana acerca-se da ideia de que a literatura regional é permeável a uma liberdade inventiva no registro da mentalidade popular, em que as figurações do mal nos espaços distantes dos grandes centros dramatizam as incertezas do povo sertanejo. A ideia do pacto com o diabo no romance O Sertanejo, além de estar associada a conceitos tradicionalmente relacionados ao diabólico, também reflete a rebeldia diante da ordem social estabelecida. O herói do romance Arnaldo, vaqueiro a quem o povo atribui a pecha de pactário, coloca-se contrário ao mundo regido por normas, construindo seus próprios referentes, tais como sua liberdade, o que os vaqueiros submissos consideram um acinte, e seus conhecimentos de natureza indígena adquiridos em contato com o velho Jó. As práticas e gestos ousados do protagonista desafiam a lógica do sertão, despertando a desconfiança da população local; com efeito, as superstições retratadas pelo romance envolvem com aura diabólica os elementos do desconhecido, do estranho, e culturas pouco compreendidas as quais Jó e Arnaldo estariam vinculados, e, por isso seriam demonizados. Sob o olhar do outro, o pactário integraria os malefícios das regiões agrestes; podemos pensar ainda que sua figura excepcionalmente superior concentraria vestígios da figura prometeica e do gênio romântico. No romance, a dimensão do rebelde, deslocado e marginalizado comunga-se a matizes do mal no sertão, onde a escuridão, o silêncio, a natureza hostil que oprimem aquela sociedade transformar-se- iam em objetos de fabulação do povo da obra. A partir dessas considerações, propomos desenvolver a pesquisa em duas perspectivas integradas, uma relativa à figura do pactário e outra referente ao sertão, enquanto espaço ambíguo, fascinante e assombroso, que concentraria antagonismos sociais, conflitos, imagens da natureza hostil, elementos interpretados pelo povo como malefícios advindos do sobrenatural e do diabo. Debruçamo-nos ainda em reconstituir 10 as redes de interlocução de Alencar entrevistas no âmbito da imprensa em que se cruzam a temática do pacto com o diabo, tão presente no temário da literatura estrangeira, com o sertão, tema de interesse aos letrados brasileiros. O desenvolvimento desse itinerário de estudo nasceu do amadurecimento de alguns temas a que nos dedicamos nas investigações do projeto alencariano realizadas no pós-doutorado “Ficção histórica e poética do lendário: a representação da cultura popular e a constituição da crônica de Alfarrábios, de José de Alencar”, concluído na Unesp/São José do Rio Preto em 2022. Dentre os aspectos do temário desenvolvido, destacamos as relações entre a cultura popular e a ficção; o mal e o imaginário colonial na obra Alfarrábios, de Alencar, que renderam muitos frutos. As figurações do mal, temário que deu continuidade aos temas axiais deste trabalho que pretendemos efetuar, acena a interesses de pesquisa convergentes. Se em estudos anteriores dedicamo-nos em investigar o imaginário da demonização do outro em Alencar, em que ciganos surgem como elemento estranho e o mal como interpretação do ambiente hostil do sertão; nesta pesquisa, buscamos nos deter no pacto com diabo atentando-nos ao campo de interlocução de Alencar com outros autores, como Juvenal Galeno e Joaquim Serra e em diálogo cerrado com a imprensa periódica. Como parte deste estudo, compreendemos as imagens do sertão na literatura da época sob as interpretações de Alencar, bem sensíveis às leituras e compilações de Juvenal Galeno e Joaquim Serra acerca das lendas e canções populares; ambos escritores se consagram como importantes para a compreensão da cultura popular. Neste sentido, buscamos analisar obras que estavam em repercussão nos jornais oitocentistas e fornecem produções de sentido sobre os vínculos entre a cosmovisão popular e as paragens agrestes. Destacamos que o sertão fora objeto de estudo no artigo publicado nos pós- doutorado que realizamos na Unesp “As representações do cigano na ficção de José de Alencar e na imprensa oitocentista: fascínio e marginalização”, publicado na Revista Graphos (2022). Neste texto, seu delineamento junto ao projeto estético de Alencar configura-se menos integrado à visão do pactário e aos debates sobre o sertão no âmbito da imprensa. Destacamos ainda que parte do campo de discussão promovido pela pesquisa anterior está pulicado em revistas especializadas. Vale mencionar que a pesquisa (2019-2022) foi amplamente divulgada em periódicos, capítulos de livros e apresentações em evento e em disciplinas ministradas; ao todo, a produção resultante do 11 pós-doutorado desenvolvido junto à Unesp contemplou quatro artigos, três capítulos de livros e dez apresentações de trabalho. A pesquisa que ora propomos privilegia a ficcionalização da cultura popular em obras sertanistas produzidas entre as décadas de 1860-1880, buscando compreender como um determinado gênero literário se coloca como plataforma de experimentalismo estético para constituição da mentalidade popular. Partimos da hipótese de que a ficção alencariana cultiva a literatura sertanista conferindo expressividade ao entrecruzamento do imaginário sobre sertão, da sondagem da cultura popular, e das descrições da pecuária. Em O Sertanejo, o cotidiano dos vaqueiros é entrecortado por lendas e histórias sobre pactários e bruxos, evocando o mal sobrenatural a eles interligados. Tais procedimentos parecem tensionar na obra o lastro da veracidade e história; por sua vez, a dicção imaginativa oriunda das sugestões populares recebe espaço cativo, suscitando reflexões sobre os procedimentos comuns a gêneros e formas afeitos ao regional ou gênero sertanista; tais como canções populares, narrativas curtas e lendas sobre o sertão e o interior do Brasil. A segunda hipótese é de que o imaginário sobre o diabo no sertão em Alencar é construído a partir das convenções literárias do pactário com o diabo e da pesquisa que o próprio autor realiza sobre o sertão em O Nosso Cancioneiro, em pleno diálogo com outras obras que também se dedicaram aos rincões sertanejos, como as de Juvenal Galeno e Joaquim Serra. Neste âmbito, a pesquisa se desdobra em estudo comparativo entre produções do período na tentativa de compreender como a literatura se oferece como espaço que provê o mal, aqui integrado às crenças e superstições do povo e de suas práticas que interpretam o universo opressor a sua volta. Tais formas de manifestação parecem traduzir conflitos culturais, violência, e mesmo, a pobreza daquele ambiente; ou seja, traduzem as estruturas sociais e os problemas atinentes àquela sociedade. Perspectiva que parece convergir com os diversos modos de manifestação que a literatura confere ao pactário, conforme este personagem se coloca como intérprete social. Os letrados brasileiros parecem articular sua escrita ficcional à tradição ligada a Goethe; neste ponto, destacamos a recepção do autor e as avultosas obras e narrativas literárias sobre pactário na imprensa. Em O Sertanejo, o personagem Arnaldo, por desafiar as leis e convenções da sociedade do sertão e por aparentemente ser invencível nos combates, seria concebido como um sujeito sobre-humano, daí um dos sertanejos chegar a afirmar com convicção que o herói teria parte com demônio. Devido a aspectos que ressumbram o mistério, as 12 forças ocultas que pretensamente auxiliariam Arnaldo, inclusive, o amuleto que carrega e que se configurara como uma espécie de talismã, são interpenetradas por imagens que misturam ficção e imaginário popular. A interpretação do diabólico em Arnaldo traduz o olhar de estranhamento do sertanejo com relação ao seu modo de vida pouco convencional, o que, em via de afirmar sua demonização, acabaria por denunciar a violência e o arbítrio no sertão, já que o protagonista defenderia sua liberdade, subvertendo as normas e o poder senhorial daquele espaço. Sendo assim, o complexo de imagens relacionadas ao mal se compõe a partir de atributos negativos conferidos a elementos anômalos para a ordem social. Maléficas são as outras culturas, caso do cigano, e demoníacos são aqueles que não se submetem, como é o caso de Arnaldo que se recusa ao papel de agregado reservado a sua mãe e ao povo humilde representado pela obra. Destacamos que a pesquisa abrangeu aproximações entre a ficcionalização dos matizes da cultura popular nos escritos de Alencar considerando a representação das tradições populares como elemento determinante para o gênero das obras Alfarrábios (1873) e O Sertanejo (1875). Tomamos como eixo comum as interlocuções entre imaginário popular, ficção e flexibilização do elemento histórico. A história acaba por ocupar um lugar menos privilegiado seja porque o seu afrouxamento confere manancial cativo ao imaginário popular que preenche as lacunas deixadas pela história oficial, seja porque o romance regionalista opera as zonas limítrofes entre ficção, imaginação e lastro do real. O Sertanejo nutre-se dos ingredientes do romance, em particular, do retrato do cotidiano e do lastro do real, e das formas afeitas ao elemento popular, em respeito às rapsódias sobre a vida no interior do Ceará, produtos da pesquisa que o próprio autor realizou com as cantigas e as lendas. Alfarrábios encontra no mirante do narrador popular o elemento de oralidade e expedientes necessários para misturar ficção e imaginário. Em 2023, conferimos espaço de relevo ao estudo do pacto com o diabo no romance O Sertanejo, de Alencar, em cotejo com as referências dadas pelas culturas populares sertanejas tomadas como ponto de identificação entre as obras convocadas ao campo de interlocução com o romance, a saber, Lendas e Canções, de Juvenal Galeno (1865), e Quadros (1873), de Joquim Serra, que também imprimem influências populares em sua dimensão formal. O Sertanejo traz para a trama romanesca elementos hauridos dos causos de bruxaria e canções de feitos de valorosos de vaqueiros, os quais conferem sabor popular aos esquemas ficcionais. Lendas e Canções, de Juvenal Galeno, 13 buscam traduzir a dicção popular dialogando com as formas poéticas ingênuas e as poesias sertanejas de Quadros, de Joaquim Serra, compartilham de motivos das narrativas lendárias, podendo-se destacar os relatos sobrenaturais. Alencar convoca a sua prosa ficcional os fragmentos de causos e canções sertanejas como maneira de se aproximar da autenticidade da voz daqueles indivíduos representados por sua obra. O objetivo de emulação da autenticidade da voz popular também parece orientar os exercícios poéticos de Galeno e Joaquim Serra entrevistos em seus poemas compostos a maneira de canções, relatos lendários e baladas colhidas no seio da oralidade. Os três escritores oitocentistas conferem atenção especial ao elemento maravilhoso, aspecto fascinante do imaginário popular, do qual o diabólico faz parte. Tal incidência abre a possibilidade do estudo da representação do elemento diabólico como aspecto de uma cosmovisão sertaneja, em alguma medida, partilhada pelo romance de Alencar e pelos poemas de Galeno e Serra. Parte importante do resultado está materializada em artigos e apresentações recentes. Em 2023, detivemo-nos na investigação do pacto com o diabo. O diabólico em Alencar traduzido pelo pacto com o diabo e pelas imagens demoníacas do cigano foi trabalho em perspectivas que acenam a percepção do povo sobre o sertão; em perspectiva que tenta interpretar a religiosidade popular no Brasil Colonial e no imaginário do sertão. Em particular, as características que denotam os sinais do pacto, tais como os indícios do sobrenatural, o amuleto, o contato com “bruxo”, foram analisadas em pontos de aproximações com obras do mesmo período em circulação na imprensa. Dessa maneira, direcionamos à análise para as ressignificações do pacto com diabo em produções que consagram o sertão como lugar ermo, distante dos centros urbanos, e, por isso, propício às superstições populares. O estudo do romance ocorreu mediante o diálogo com obras literárias divulgadas na imprensa periódica dos oitocentos (1860-1880), cuja matéria envolve as culturas e a vida do povo das regiões provincianas ou rurais, atestando vívido interesse intelectual pelo sertão brasileiro. A maneira pela qual o sertão é delineado no romance O Sertanejo e em outras produções contemporâneas a ele que recebem espaço na imprensa, como Lendas e Canções Populares, de Juvenal Galeno, e Quadros, de Joaquim Serra, resulta em representações das regiões agrestes do país como universo misterioso e desconhecido, eventualmente, permeado por atmosfera sobrenatural na qual avulta o elemento diabólico. Diante de tal incidência, o trabalho investigou o modo como se articulam as representações do ambiente físico e social do sertão e as 14 figurações do diabólico, que em O Sertanejo e nas obras convocadas à interlocução com o romance, representariam aspectos da imaginação popular. Dentre os temas que refletem a dimensão do diabólico, destaca-se o do pactário com o diabo, que, em O Sertanejo, se associa, mesmo que de forma discreta, a seu protagonista. A figura do pactário traz à representação do sertão reminiscências de temas caros ao romantismo, como o gênio, a rebeldia satânica, o herói assinalado, os quais têm no Fausto, de Goethe, espécie de epítome. Acercando-se da cultura popular com liberdade inventiva, a literatura regional do século XIX se oferece como um espaço para experimentação estética em que se entrecruzam o lastro do real, a história e a imaginação popular; a exemplo de O Sertanejo, a referência oferecida pelo maravilhoso popular parece ser oportuna para a conjugação desses elementos que orientavam a tentativa de investigação da alma popular pela ficção. O maravilhoso parece se desenvolver sobretudo como atmosfera em que a natureza soturna dos rincões, povoada de silêncios e superstições, recebe uma atmosfera aziaga, aberta às ideias de manifestações do diabólico, em particular do pacto com o demônio. Os juízos e crenças coletivas que ganham voz no romance de José de Alencar fazem o diabólico incidir sobre os rebeldes, os estranhos, os marginalizados, indivíduos deslocados que o herói de O Sertanejo, Arnaldo, parece encarnar. Assim, as sugestões do diabólico são manifestações do estranhamento frente ao outro. A pesquisa, portanto, dedicou atenção específica à relação do diabólico com o elemento popular, em que avultam o retrato supersticioso da alteridade. No que toca à figura do pactário, essa representação evoca releituras da tradição literária de Fausto, de Goethe, que encontram espaço cativo na imprensa oitocentista. O pacto com o diabo, em sentido mais amplo, o diabólico, em O Sertanejo e em produções contemporâneas a este romance de Alencar difundidas nos jornais, não seria elemento concernente apenas ao registro do maravilhoso popular, mas espécie de metáfora de conflitos e circunstâncias sociais e históricas. De modo a se apresentar descrições e análises mais detalhadas, apontamos, na sequência, a produção acadêmica. No que se refere às publicações e apresentações realizadas em eventos, optamos por apresentá-las em ordenação que partisse das produções mais recentes às mais antigas. 15 PRODUÇÃO RESULTANTE DA PESQUISA 1.2 ARTIGOS PUBLICADO 2023 – O mal em O Sertanejo, de José de Alencar, e as figurações do diabólico na imprensa e na ficção dos oitocentos. Olho d’água, São José do Rio Preto, v. 15, n. 2, Jul.-Dez. 2023. ISSN 2177-3807. A pesquisa que propomos privilegiou a ficcionalização da cultura popular em obras sertanistas produzidas entre as décadas de 1860-1880, buscando compreender como um determinado gênero literário se coloca como plataforma de experimentalismo estético para constituição da mentalidade popular. O estudo do tema do pacto com o diabo e o das figurações do diabólico na literatura sertanista do século XIX tomaram como principal objeto e ponto de referência o romance O Sertanejo, de José de Alencar Partimos da hipótese de que a ficção alencariana cultiva a literatura sertanista conferindo expressividade ao entrecruzamento do imaginário sobre sertão, da sondagem da cultura popular, e das descrições da pecuária. Em O Sertanejo, o cotidiano dos vaqueiros é entrecortado por lendas e histórias sobre pactários e bruxos, evocando o mal sobrenatural a eles interligados. Tais procedimentos parecem tensionar na obra o lastro da veracidade e história; por sua vez, a dicção imaginativa oriunda das sugestões populares recebe espaço cativo, suscitando reflexões sobre os procedimentos comuns a gêneros e formas afeitos ao regional ou gênero sertanista; tais como canções populares, narrativas curtas e lendas sobre o sertão e o interior do Brasil. A segunda hipótese é de que o imaginário sobre o diabo no sertão em Alencar é construído a partir das convenções literárias do pactário com o diabo e da pesquisa que o próprio autor realiza sobre o sertão em O Nosso Cancioneiro, em pleno diálogo com outras obras que também se dedicaram aos rincões sertanejos, como as de Juvenal Galeno e Joaquim Serra. Neste âmbito, a pesquisa se desdobrou em estudo comparativo entre produções do período na tentativa de compreender como a literatura se oferece como espaço que provê o mal, aqui integrado às crenças e superstições do povo e de suas práticas que interpretam o universo opressor a sua volta. Tais formas de manifestação parecem traduzir conflitos culturais, violência, e mesmo, a pobreza daquele ambiente; ou seja, traduzem as estruturas sociais e os problemas atinentes àquela sociedade. Perspectiva que parece convergir com os diversos modos de 16 manifestação que a literatura confere ao pactário, conforme este personagem se coloca como intérprete social. Os letrados brasileiros parecem articular sua escrita ficcional à tradição ligada a Goethe; neste ponto, destacamos a recepção do autor e as avultosas obras e narrativas literárias sobre pactário na imprensa. Considerando a tradição de releituras da lenda de Fausto, sugerimos ainda que os modos de manifestação do diabo em obras citadas na ficção oitocentista processam aproximações do pactário com figuras criadoras, mediadores e intérpretes da sociedade de modo que os personagens, ao gozar da plenitude, transgredirem as convenções, e desfrutarem de experiências criadas pelo diabo, acenam a pontos de interlocução entre figuras diabólicas e motivos do mito prometeico e do gênio romântico. Grosso modo, a ideia de gênio romântico se instaura pela liberdade criadora da arte; a espontaneidade criadora, a intuição, a exacerbação da subjetividade, o ideal de ruptura com os gêneros clássicos, enfim, o ideal de liberdade plena e originalidade alimentam gênio romântico e o alçam à condição de sobre-humano, entre misto do diabo e do divino. O gênio romântico se relaciona, assim, ao complexo do demiurgo, gesto criador e de transgressão, e potencialmente diabólico, pois que ousa usurpar o dom exclusivo do criador, assim como o diabo que engendra a seu modo cópias exclusivas da criação. Em Goethe, Fausto metaforiza a crise do conhecimento, personagem agônica que ajuda a configurar o gesto inquietante do criador e artista. Em Alencar, Arnaldo não é um criador, mas um indivíduo notável, e que não está distante do gênio, justamente por seu personagem ser o herói romântico identificado, na obra, como reflexo do genial, inspirado, distinto, incompreendido. A ficção alencariana O Sertanejo se coloca como plataforma de experimentalismo estético em que a ideia da literatura de prover o mal acena a liberdade inventiva, entrecruzando gêneros e estilos distintos. A fantasia acaba por se impor como nota distintiva da estética romântica e o diabo como nota da embriaguez romântica. Sob as fronteiras da imaginação e da veracidade, Alencar parece convocar o povo para tecer reflexões sobre o herói romântico, o pactário do sertão e as condições sociais das regiões ermas. Tais procedimentos nos permitiu também pensar o modo como a chamada literatura sertanista é processada no ambiente letrado de Alencar, em que o lastro de atmosfera sobrenatural permite interpretar os elementos sociais e estéticos sob os expedientes do imaginário do diabo no romantismo. 17 1.3 PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS 2023 – “O diabo no sertão e no jornal: diálogos entre as representações do diabólico em O Sertanejo, de José de Alencar, e na imprensa periódica oitocentista”, palestra apresentada no Ciclo de Debates - Poéticas da Negatividade: Figurações do imaginário diabólico e da cultura popular na ficção romântica brasileira, realizado no dia 08 de dezembro de 2023, pela Faculdade de Ciências e Letras - Unesp / Assis, com carga horária de 02 hora. A preparação do material para este evento ampliou o repertório de pesquisa em fontes primárias desenvolvido no texto publicado na Olho d´água. Propomos, nesta fala, estudar as representações do mal em O Sertanejo, debruçando-nos sobre as imagens do diabo, em particular, a do pacto com o demônio, tendo como ambiente os rincões do sertão oitocentista. Tal estudo se deu com atenção às interlocuções que a ficção alencariana estabelece com obras divulgadas na imprensa, tais como Lendas e Canções Populares (1865), de Juvenal Galeno, e Quadros (1873), de Joaquim Serra. O diálogo com os jornais também permite discernir a presença do interesse pelos temas diabólicos em obras literárias consagradas internacionalmente. As referências ao Fausto, de Goethe, são constantes, e consequentemente, o motivo do pacto com o demônio, reverbera em romances, contos, peças teatrais, cuja popularidade é testemunhada pelas recepções críticas do tempo. As aventuras diabólicas, com suas personagens em conflito com o mundo, surgem com frequência na imprensa brasileira do século XIX, sendo difundidas pela circulação do romance folhetim, pela apreciação de obras e adaptações literárias que colocam em destaque a figura do pactário com o diabo. A produção de Alencar não passaria indiferente ao apelo desse tema. As figurações diabólicas em O Sertanejo, seriam, talvez, sua resposta estética a um imaginário construído na imprensa ao sabor de obras literárias de ampla circulação, que apresentam a ideia do pactário como transfiguração, pela força da linguagem, de objetos de preconceitos e incompreensões em vetores de mistério e fascínio, incorporando aspectos do maravilhoso e do sublime a representações do cotidiano e das tensões sociais. 18 1.4 ORGANIZAÇÃO, EDITORAÇÃO, E APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ DA REVISTA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS, REVISTA OLHO D´ÁGUA 2023 – Organização da temática do dossiê Integramos a equipe de editoração da Revista Olho d´água em 2022 e organizamos um dossiê cuja proposta temática reúne textos que discorrem sobre as relações entre Romantismo e Modernidade. O objetivo é suscitar reflexões que tragam sob forma escrita os debates e exposições que promovemos no evento II Simpósio de Estudos Oitocentistas (2022). Com efeito, foi uma oportunidade para estabelecer outras perspectivas de leituras sobre o século XIX e buscar diálogos entre os trabalhos coligidos em um único volume. Entre os objetos de pesquisa deste número, encontram- se as relações entre ficção e imprensa; literatura, política e história; poesia e artes visuais e representações estéticas da memória. O número temático representa uma contribuição ao campo de estudos de motivos e procedimentos estéticos que envolvem a interlocução entre o romantismo e a modernidade, sobretudo em relação às ressonâncias de postulados românticos para a constituição de um modo particular de expressão da modernidade. O número foi publicado em 2023. Organizadores: Rafaela Mendes Mano Sanches – UNESP Lucas de Castro Marques – UNESP Priscila Salvaia – UERJ 1.5 APRESENTAÇÃO DO DOSSIÊ DE PERIÓDICO As publicações do período também contaram com comentários aos artigos reunidos no volume 15 (2023) da Revista Olho d´água, contempladas na forma de apresentação do dossiê que organizamos. Tal produção manteve interlocução direta com nossa pesquisa, dado versar sobre temas afins à ficção do século XIX, ao papel do escritor e artista e ao lugar da imprensa no campo de debate dos oitocentos. 19 II. PARTICIPAÇÃO EM BANCA 2023 – Participamos como examinadora externa da comissão examinadora de defesa de tese de doutorado da pós-graduanda Larissa de Assumpção, intitulada O Monarca leitor: a formação literária e as práticas de leituras do imperador Pedro II, em sessão realizada em 2023. MEMBROS DA BANCA: Jefferson Cano (Presidente -IEL/UNICAMP) Lucia Granja (IEL/UNICAMP) Rafaela Mendes Mano Sanches (Pós-doc/Capes – UNESP) Maria Celi Chaves Vasconcelos (Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ) Silvana Mota Barbosa (Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF) 20 III. PRODUÇÃO TÉCNICA Atuamos na função de parecerista de artigos científicos designados à avaliação por cinco revistas da área: • Parecerista ad hoc de 3 artigos submetidos à Miscelânea: Revista de Literatura e Vida Social, publicação do Programa de Pós-Graduação em Letras da Faculdade de Ciência e Letras – UNESP, Câmpus de Assis, 2023. • Parecerista ad hoc no volume 45 da Revista UniLetras (e-ISSN 1983-3431 – ISSN 0101-8698), no ano de 2023. 21 IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa dedicou atenção específica à relação do diabólico com o elemento popular. No que toca à figura do pactário, essa representação evoca releituras da tradição literária de Fausto, de Goethe, que encontram espaço cativo na imprensa oitocentista. O pacto com o diabo, em sentido mais amplo, o diabólico, em O Sertanejo e em produções contemporâneas a este romance de Alencar difundidas nos jornais, não seria elemento concernente apenas ao registro do maravilhoso popular, mas espécie de metáfora de conflitos e circunstâncias sociais e históricas. A investigação incidiu sobre o exercício de sondagem da cultura popular sertaneja engendrada na prosa alencariana em cotejo com obras contemporâneas a este romance, a saber, Lendas e Canções Populares (1864), de Juvenal Galeno, e Quadros (1873), de Joaquim Serra, antologias poéticas de sabor popular. As obras de Galeno e Joaquim Serra apresentam poemas inspirados em canções e baladas populares, os quais convertem em forma literária as expressões e a cosmovisão do povo, interessando à pesquisa proposta os aspectos do sobrenatural e demoníaco emanados do universo desses poemas. A pesquisa considerou ainda a interlocução entre as obras estudadas e as produções artísticas, cujo temário envolve o diabólico, que circulam e são objetos de recepção junto à imprensa oitocentista. Nesse âmbito, destacam-se aqueles textos que trazem reminiscências do Fausto, de Goethe. O Sertanejo, de José de Alencar, atesta que a literatura regionalista se apresenta ao autor como parte de um projeto de representação e investigação da nacionalidade, no qual o registro dos costumes populares é articulado ao exercício da inventividade literária. O sertão, na obra, não surge apenas como espaço oportuno ao registro da dimensão empírica, representada pela geografia e pelas relações sociais, mas também como palco de elementos imaginários que traduziriam a experiência de nossa gente de forma tão, ou mais vívida, do que a realidade comum, com a vantagem, para o ficcionista, de que o elemento imaginário possui relações íntimas como a criação literária. Nesse sentido, o sertão é espaço físico e também anímico, o que se liga à ambição romântica de se divisar por meio da prática literária um ideal de alma, ou espírito do povo. No que tange, em particular, às figurações do mal, que povoam o universo ficcional de O Sertanejo, constata-se que esse elemento dramatiza as incertezas do povo sertanejo imerso em ambiente regido pela violência, pela luta contra a natureza hostil e assombrado por superstições. 22 A partir dessas considerações, propomos desenvolver a pesquisa em duas perspectivas integradas, uma relativa à figura do pactário, enquanto figura que evoca motivos convencionais associados ao diabo, e outra referente ao sertão, enquanto espaço ambíguo, fascinante e assombroso, que concentraria antagonismos sociais, conflitos, imagens da natureza hostil, elementos interpretados pelo povo como malefícios advindos do sobrenatural e do diabo. Debruçamo-nos ainda em reconstituir as redes de interlocução de Alencar entrevistas no âmbito da imprensa em que se cruzam a temática do pacto com o diabo, tão presente no temário da literatura estrangeira, com o sertão, tema de interesse aos letrados brasileiros. Por fim, podemos dizer que investigar o pacto com o diabo no universo no sertão também nos leva à tradição consagrada dos estudos de O grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Partindo desse lastro que conferiu perspectivas de leituras distintas a Rosa, voltamos ao século XIX para tentar mapear a tradição do pacto no sertão. Tal pesquisa ainda nos leva a entender o imaginário e as representações que conferem nuances relativas a esse espaço agreste. Se o romance de Rosa permite abrir para o estudo do espaço sociocultural; no século XIX, a compreensão dos letrados perpassava duas representações distintas, porém convergentes: a do sertão como lugar depositário da cultura popular aqui compreendida como ideal; a do sertão como espaço violento e permeado por conflitos. Se uma leitura a contrapelo desvela o universo tangido das relações escravagistas em Alencar, autor considerado conservador; em Quadros, de Joaquim Serra, tal universo é flagrantemente interpretado como violento, em que violência reflete a própria constituição de uma sociedade escravagista. Não podemos esquecer de mencionar que ambos os autores se conheciam não apenas pelas redes da imprensa, mas sobretudo por uma rede de sociabilidade tangida entre eles. Alencar escreveu o cancioneiro em cartas trocadas com Serra. Se a ficção alencariana parece receber tintas carregadas de violência e se autoconsciência do autor em sua produção é ponto de polêmico, podemos sugerir que a obra está inserida num determinado contexto e que aqui ao pensarmos os seus vínculos, não há como negar um olhar crítico-social ainda que o coloque em outros planos da narrativa. Partimos, assim, das críticas mais recentes, que conferem nuances complexas a seu projeto, desvelando o olhar autorreflexivo e as ambivalências e dualidades que tornam seu projeto mais complexo do que a simples ideia de compreender a nacionalidade. 23 V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALENCAR, José. Notas. In: ALENCAR, José. As Minas de Prata. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário do Rio de Janeiro, 1862. p. I-VII. ALENCAR, José. As minas de Prata. Rio de Janeiro, Garnier, 1865. 6 vols. ALENCAR, José. Guerra dos Mascates. Rio de Janeiro, Garnier, 1871. p. 19; p. 204, 2 vols. ALENCAR, José. Sonhos d’Ouro: romance brasileiro. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1872, 2 tomos. ALENCAR, José. Benção Paterna. In: Alencar, José de. Sonhos d´ouro. Rio de Janeiro: Garnier, 1872. ALENCAR, José. Alfarrábios: crônicas dos tempos coloniais. Rio de Janeiro: Garnier, 1872 ALENCAR, José. O Jesuíta. Rio de Janeiro: Garnier, 1875. ALENCAR, José. Como e porque sou romancista. Rio de Janeiro: Tip. de G. 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