UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO Educação Física Lucas Aversente Ações Afirmativas: Reparação Histórica e Inclusão do negro nas Universidades Públicas Rio Claro 2016 Lucas Aversente Ações Afirmativas: Reparação Histórica e Inclusão do negro nas Universidades Públicas Orientador: José Euzébio de Oliveira Souza Aragão Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio Claro, para obtenção do grau de Licenciado em Educação Física. Rio Claro 2016 Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP 301.45196 Aversente, Lucas A953a Ações afirmativas : reparação histórica e inclusão do negro nas universidades públicas / Lucas Aversente. - Rio Claro, 2016 52 f. : il., gráfs., tabs. Trabalho de conclusão de curso (licenciatura - Educação física) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro Orientador: José Euzébio de Oliveira Souza Aragão 1. Negros - condições sociais. 2. Lei nº 12.711. 3. Lei de Reserva de Vagas. 3. Inserção do negro na sociedade brasileira. 4. Apartheid brasileiro. 5. Expansão universitária.. I. Título. Dedico esse trabalho para meus antepassados que tiveram sua história e humanidade negadas e aos companheiros do coletivo Mãe África que me ajudaram na minha construção como sujeito negro, que tiveram muita influencia nesse trabalho. Agradecimentos Agradeço primeiramente a minha família de sangue, agradeço minha mãe por sempre me incentivar ao estudo mesmo que muitas vezes contra minha vontade, por sempre me mostrar o caminho certo e pelo seu trabalho, peço desculpas pelas brigas e os desentendimentos, que muitas vezes podia ter evitado, obrigado por acreditar em mim e não me deixar fazer as escolhas erradas e por ser a grande mulher que é. Agradeço meu pai pelos conselhos e por conversas e ensinamentos que muitas vezes por teimosia tive que aprender por mim mesmo, seu esforço como trabalhador autônomo, talvez tenha colaborado para que tivéssemos menos tempo juntos, mas sempre que pôde se fez presente e espero compensar esse tempo, obrigado pelo exemplo de homem que você é para mim, pretendo um dia se possível passar seus ensinamentos para meus futuros filhos. Agradeço a meu irmão pelas brincadeiras, as lutinhas e por sempre estar presente quando precisei obrigado pelo carinho e apesar de discordarmos em algumas visões, eu te admiro muito. Agradeço aos lutadores que muito tempo antes, de eu ter consciência do que é universidade pública e de vislumbrar estar nesse espaço, lutaram pelas políticas de permanência que deram a possibilidade de me manter e me graduar, para estes que foram reprimidos, punidos e mortos, eu guardo meu sincero respeito, e retribuirei fazendo da minha futura atuação como professor um ato político. Agradeço também aos companheiros da casa 5 que me receberam e ampliaram meu conceito de família. Agradeço Euler Otoboni, Leandro Carlos, Richard Erick, Cristiano Felisberto, Nilton Pires, Wesley Roberto, Lucas Pedroso, Dalmo Celso Sassi, Jovian Lopes, Aguimar Almeida, Cauê Torquato, Felipe Domingos ,Valéria Sousa, Lucas Samofalov, João Paulo, Natalia Ferraz, Matheus Campos entre outros que passaram pela casa 5, agradeço pelas lutas que empreendemos juntos, as greves, os ensinamentos, as discussões, as brigas e copos de cerveja compartilhados, tenho essa casa como minha e espero que os próximos moradores dela entendam a linha tênue do amor e do ódio. Agradeço a moradia que foi minha casa durante a graduação, e com suas assembleias, GDs (Grupos de Discussão), discussões e lutas fizeram entender a importância desse espaço e a importância de se lutar. Agradeço a minha namorada Julia Gonçalez, por ser minha companheira nos momentos bons e ruins, por aguentar minhas excentricidades, por nossas conversas e por desviar meu foco enquanto eu produzia este trabalho. Acredito que tudo no mundo é efêmero e que os amores são como impérios, se as ideias as quais esses foram construídos se destroem estes se arruínam juntos, por isso espero que o efêmero do nosso amor não seja a separação pela ruína, mais sim pela morte, não por ser um fim mais romântico (realmente isso não faz muito a minha cara), mas por ser uma grande companheira, e no meio do caos da existência ser o evento que mais fez sentido para mim. Por último agradeço meu orientador, José Euzébio de Oliveira Souza Aragão, pela força e por me ajudar produzir este trabalho, e peço desculpas por encher sua caixa de e-mails. Resumo O presente trabalho de conclusão de curso trata da temática das ações afirmativas que visam a inserção do negro nas universidades públicas brasileiras. Como objetivo discutirei alguns pontos do processo de inserção do negro na sociedade brasileira e as construções históricas que são formadas sobre este processo, bem como as desigualdades decorrentes. Serão abordadas as políticas de expansão universitária com ênfase nos governos de Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio da Silva e as políticas de acesso ao ensino superior através do ensino privado, como forma de diminuir a desigualdade racial e social, e por último perpassaremos pelo histórico das políticas de ações afirmativas no mundo e no Brasil, discutindo a estrutura da política de reserva de vaga e sua efetividade para o combate ao racismo. As políticas de ações afirmativas são mecanismos de reparação histórica, para grupos marginalizados e injustiçados, que tem seu foco principalmente na educação e no mundo do trabalho, apostando nessas políticas como formas de se diminuir as desigualdades raciais. Em 2001 na III Conferencia Mundial contra o racismo e formas correlatas de intolerância, se constataram que no Brasil há racismo e desigualdades raciais e foi defendida como forma de tratar desse problema a adoção de políticas de ações afirmativas (Lima, 2010). Meu objetivo com esse trabalho é descrever e analisar o processo de implementação de políticas de ações afirmativas que visam a inserção do negro nas universidades públicas brasileiras, atentando para Lei nº 12711 de 20 de agosto 2016 que trata da reserva de vagas para alunos de escola pública e para os grupos étnicos preto, pardos e indígenas (PPIs), na tentativa de abstrair seus reais efeitos na diminuição das desigualdades sociais e étnicas. Foi utilizada pesquisa bibliográfica e documental na realização deste trabalho. O trabalho mostra o processo de construção da desigualdade do povo negro, dificuldades da implementação da lei de reserva de vagas e discute seus limites dentro desta sociedade. Enfatizo a importância das políticas de ações afirmativas como reparação histórica para o povo negro. Palavras-chave: Inserção do negro na sociedade Brasileira, Apartheid Brasileiro, Políticas de ações afirmativas, expansão universitária. Sumário 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 5 2 O NEGRO NO BRASIL: VERDADES, MITOS E PRECONCEITO. ............................ 8 3 AS RECENTES POLÍTICAS PÚBLICAS DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: EXPANSÃO, PRIVATIZAÇÃO E ACESSO. ..................................................................... 22 4 AS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS E O NEGRO NA UNIVERSIDADE.. 28 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 35 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 37 Anexo A ................................................................................................................................... 40 Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850 (Lei de Terras) ........................................................ 40 Anexo B .................................................................................................................................... 45 Lei nº 2040, de 28 de setembro de 1871 (Lei do Ventre Livre) ........................................... 45 Anexo C ................................................................................................................................... 50 Lei nº 12.711, de 20 de agosto de 2012 (Lei de Reserva de Vagas) ..................................... 50 5 1 INTRODUÇÃO Esse trabalho de conclusão de curso trata das políticas de ações afirmativas, e os processos de exclusão do negro, construídas pelo sistema de escravidão e pôs- escravidão que fizeram com que essas políticas fossem necessárias. Procuro mais especificamente investigar as possibilidades de eficácia da Lei 12.711, de 20 agostos 2012 (Lei de reserva de vagas) no que ela se propõe que é acabar com as desigualdades raciais e o racismo. As políticas de ações afirmativas ao acesso a universidade pública é um tema que gerou e ainda gera muita discussão tanto na área acadêmica como na sociedade, isso se dá pelo fato da mesma perpassar pelos mitos e ideias historicamente construídas e mexer com a lógica de sistema que vivemos, e pela necessidade inerente da discussão desse tema. Para explorar esse tema utilizei pesquisa bibliográfica e documental. Por meio de revisões bibliográficas e de documentos, fui delimitando o fenômeno estudado, através de suas contradições internas e mediações históricas concretas que passaram pela abstração do pensamento teórico. Assim busquei uma totalidade do fenômeno não só focando na sua forma de se manifestar, na tentativa de descobrir as tensões imanentes na interdependência entre forma e conteúdo, vislumbrando o fenômeno na sua essência. As políticas de ações afirmativas se constituem em medidas que reparem desigualdades historicamente construídas e os preconceitos decorrentes. Essas políticas se propõem a diminuir estas desigualdades e aumentar a participação política de grupos minoritários em expressão econômica e política dentro da sociedade. Com política de ação afirmativa podemos destacar a política de ingresso a universidade pública através da reserva de vagas, esta que pretende superar as desigualdades por meio da educação superior de qualidade. A política de reserva de vaga foi aprovada no Brasil em 2012 e começou a ser aplicada em 2013 gradativamente, até chegar 2017, com a estrutura que prevê que 50% das vagas sejam destinadas para alunos de escolas públicas e os PPI (Pretos pardos e indígenas). Meu objetivo com esse trabalho é descrever e analisar o processo de implementação de políticas de ações afirmativas que visam a inserção do negro nas universidades públicas brasileiras, atentando para Lei nº 12711 de 20 de agosto 2016 que trata da reserva de vagas para alunos de escola pública e para os grupos étnicos preto, pardos e indígenas (PPIs), na tentativa de abstrair seus reais efeitos na diminuição 6 das desigualdades sociais e étnicas. Fazemos primeiramente um resgate histórico da construção das desigualdades sociais desse grupo, passando por sua inserção na sociedade brasileira, nas construções ideológicas criada sobre estes e nas políticas supostamente de inclusão ao ensino superior através do ensino privado. Na introdução situo o tema do trabalho, contextualizo e apresento meu objetivo. Exponho a relevância do tema e os motivos de escolha, indico a metodologia que foi usada para realizar o trabalho trazendo juntamente alguns aspectos desse método com o intuito de transparecer a linha lógica de pensamento usado nessa construção. Na segunda seção deste trabalho analiso os dados da diáspora Africana que estima cerca de 10 milhões de negros raptados da áfrica, sendo 4 milhões vindos para o Brasil (Santos, 2012), até as leis conhecidas como Leis de Abolição gradual, fazendo apontamentos que levam a crer que o processo de abolição do negro brasileironão visou proteger o próprio negro na transição do sistema escravocrata para o sistema assalariado, mas proteger os lucros dos senhores de escravo, nesse processo (FERNANDES, 1972), será discutidos dados que tentarei relacionar como reflexo desse processo de abolição. Seguindo essa linha será analisado o processo das produções cientificas e ideológicas nas questões raciais no pós-abolição e formação do Brasil república. Será abordada a teoria do embranquecimento até a formulação do mito da democracia racial elencando alguns prejuízos que essas formulações geraram ao povo negro. Assim traçaremos o percurso histórico da construção da desigualdade racial no Brasil, discutindo sobre o apartheid brasileiro, tendo como contrapartida, os sistemas da África do Sul e Estados Unidos da América, tentarei ilustrar que no Brasil existe uma forma de apartheid, talvez não tão nítida quanto as desses sistemas. Na terceira seção será abordada a expansão universitária desde o aumento das universidades privadas na ditadura, até o governo Fernando Henrique Cardoso e as políticas de democratização do ensino superior através do acesso a universidade particular no governo Luis Inácio Lula da Silva, abordando principalmente a relação invertida da democratização do ensino superior, que por recomendações do Banco mundial (BM) e da UNESCO tiveram seu foco no setor privado. Apontamos contradições em relação ao acesso e permanência e o surgimento da ideia de educação como mercadoria e a mudança das funções do estado sobre a educação pública superior, e a segmentação do diplomas na formação de mão-de-obra de reserva “qualificada” para sustentar o sistema capitalista. Serão analisadas as políticas desses períodos como consequências das quatro metas do BM para o ensino superior. Analisaremos também dados relativos à presença do grupo étnico negro nas 7 universidades públicas, e será questionado, essas políticas como ferramenta de diminuição das desigualdades raciais e sociais. Na quarta seção traçaremos o histórico das políticas de ações afirmativas no mundo e sua função social como política. Será realizado um breve resgate histórico sobre a luta das ações afirmativas no Brasil e como foram os processos ocorridos até sua concretização. Discutiremos os principais pontos de resistência a essas políticas e apontarei algumas contradições, abordando a visão dual que se tem sobre esse assunto. Exploraremos o argumento principal que o presidente do STF utilizou para que a lei fosse aprovada e discutiremos a estrutura da lei e sua visão protecionista com relação às classes dominantes e se de fato com essas medidas é possível diminuir as desigualdades ou só está proporcionando o empoderamento de pequenos grupos formando assim uma pequena elite dentro do grupo étnico negro. Pensando na construção da universidade como reprodutora de uma lógica capitalista, será apontado dois caminhos possíveis para essa questão. Na quinta parte que são as considerações finais, com paro as políticas de acesso ao ensino superior pelo setor privado com as políticas e abolição progressiva, tentando elucidar um eixo em comum entre esses dois processos, além disso, irei discutir a questão da democracia burguesa e tentarei elucidar uma perspectiva para a política ação afirmativa de acesso a universidade pública para além da lógica do capital. 8 2 O NEGRO NO BRASIL: VERDADES, MITOS E PRECONCEITO. Começo essa seção citando alguns dados que podem responder algumas questões, sobre a presença do negro e não brancos de forma massiva na sociedade Brasileira, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016, esses representam 54% da população Brasileira, e também iremos explorar sua inserção nessa sociedade no passado e o reflexo no presente. De 1534 a 1888 são contabilizados 354 anos de escravidão, sendo que nesse período 10 milhões de negros Africanos foram raptados das suas terras, cerca de 4 milhões para o Brasil e os 6 milhões restantes distribuídos por diversos países, ou seja 40% de toda escravidão desse período veio para o Brasil ,que hoje é o país com maior população negra fora do continente africano (SANTOS, 2012). Esses dados não são exatos, pois após a Lei Euzébio de Queiros (1850), que proibia a vinda de negros africanos para o Brasil, esse tráfico não foi cessado e, além disto, se estima que um sexto dos embarcados nos navios negreiros morriam no caminho, sendo que esses números podem ser maiores. Outra lei que veio junto a essa foi a Lei de Terras, nº 601, de 18 de setembro de 1850, que com a eminência da abolição por pressão da Inglaterra e dos próprios levantes negros que se insurgiam no Brasil, essa lei vem como uma forma de controlar o acesso a terra, principalmente para os indesejados da coroa e os negros que dali algumas décadas seriam libertos. Em suma a Lei nº 601 (Anexo A), diz que: a) As terras devolutas (todas as terras produtivas) depois desta só podem ser adquiridas através de titulo de compra ou concedidas pela coroa; b) A ocupação de terras devolutas será punida com multa e prisão; c) Aquisição por usucapião não é possível; d) O governo reservara terras para colonização dos indígenas e para benfeitorias; e) O governo fica autorizado a vender e conceder as terras devolutas; f) Os possuidores de latifúndios terão preferência na compra destas terras; g) Os estrangeiros que adquirirem terras seriam naturalizados e isentos do serviço militar; h) Fica autorizado ao governo usar do tesouro para trazer colonos livres para trabalhar, ou para ocupar terras ainda não ocupadas, será realizada para isso uma repartição especial de terras. 9 Podemos notar que essa lei, deixa a cargo da coroa, possuir e distribuir as terras produtivas do país, com o principal foco de distribuir-las para colonos estrangeiros que viriam substituir a mão de obra escrava dos negros, sendo que após a abolição os mesmos ficariam sem trabalho e sem terras produtivas. Temos então a gênese da formação das favelas. As leis que vieram a seguir mostram o caráter perverso no plano de abolição gradual, que claramente defendiam os interesses econômicos de uma sociedade pautada na mão de obra escrava. Não foi uma abolição brusca pelo contrario foi lenta e pouco efetiva. Temos assim a primeira lei desse plano em 1871 a Lei do Ventre Livre, nº 2.040,de 28 de setembro de 1871. (Anexo B) a Lei nº 2.040 ressalta que: a) No artigo 1º inciso um os filhos nascidos das escravas ficam a cuidados dos senhores das suas progenitoras e esses alcançando a idade de 8 anos poderão ser entregues ao estado ou cumprir serviços ao senhor até os 21 anos; b) No artigo 2º o governo tem possibilidade de ceder esses menores que forem entregues para o governo ou tomados, para instituições com o intuito de oferecerem seus serviços gratuitamente até os 21 anos; c) Inciso quatro do artigo 2º o governo também pode se servir desses como mão de obra até os 21 anos; d) Não havia um prazo para se iniciar a segunda parte do plano de abolição; Pelo artigo 1º da referida lei, é permitido à exploração da mão de obra infanto- juvenil ou por parte do senhor das mães destes, ou por instituições escolhidas pelo governo; nota se que essa lei ainda garante que o sistema escravocrata se mantenha, os nascidos após a data da lei ainda são de responsabilidade (propriedade) dos senhores ou do governo, e para alcançar a liberdade teriam de oferecer 13 anos de sua vida produtiva, ao trabalho ainda escravo, não alterando em muito a sociedade escravocrata Brasileira; segundo ponto é que mesmo que os nascidos fossem “livres” seus progenitores continuavam escravos dessa forma não oferecendo uma estrutura familiar para essas crianças e perpetuando a relação de objetificação do homem negro, que é condição para a exploração; essas iniciativas nos deixam alguns questionamentos sobre as verdadeiras intenções da coroa ao iniciar seu projeto de abolição gradual, podemos 10 ver que com a aplicação da lei do ventre livre, poderia ser estendida por tempo indeterminado, garantindo assim ao limite possível a existência do sistema escravocrata. Fazendo uma breve reflexão sobre o contexto das mudanças que estavam ocorrendo no mundo, com a industrialização e as idéias liberais se fortalecendo, podemos ver que o principal foco dos abolicionistas estava relacionado com a melhora de captação e modernização econômica, ou seja, o trabalho assalariado se mostra mais lucrativo que o trabalho escravo. Seguindo com as leis da abolição gradual temos a Lei do Sexagenário, Lei nº 3270, que propunha libertar escravo de 60 anos completos há 65 anos. Essa lei não foi de grande efeito por que nessa idade os escravos já se encontravam no final da sua vida produtiva, e se torna ainda mais perversa se analisarmos que esses idosos seriam simplesmente libertos e jogados á própria sorte sem se ter um plano para os mesmos, porém na lei se tem a possibilidade destes, serem libertos e recolocados aos cuidados dos senhores mediante a o trabalho livre, que em outras palavras esses voltariam ao regime de escravidão travestido de trabalho livre. E por último temos a lei conhecida com Lei Áurea. Segue a lei: “A Princesa Imperial Regente, em nome de Sua Majestade o Imperador, o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte: Art. 1°: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil. Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário. Manda, portanto, a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém. ” Em 13 de maio de 1888 os negros que antes eram escravos no Brasil, passam a ser livres através da assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, porem passado 13 de maio a realidade é que o negro no Brasil foi abandonado à própria sorte, sem que fosse implementado alguma política de inserção do negro nesse novo modelo de trabalho assalariado (Marigoni, 2011). A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de 11 organização da vida e do trabalho. (...) Essas facetas da situação (...) imprimiram à Abolição o caráter de uma espoliação extrema e cruel. (FERNANDES, 1972) A mão-de-obra escrava e negra no Brasil começa a ser substituída pela imigração três décadas antes da Leia Áurea encontrou cerca de 10 milhões de indivíduos livres e libertos contra 720 mil em condição de escravo, mas mesmo os livres e os que vieram ser livres pela lei não foram incorporados ao mundo do trabalho ou seus antigos postos, e se concentraram na agricultura de subsistência, em atividades marginais ou em atividades que seriam chamadas de informal (AZEVEDO, 1975). Assim começamos a traçar a inserção do negro na sociedade Brasileira irei analisar alguns pontos decorrentes da escravidão e consequências da abolição como foi feita, começando por um aspecto importante para qualquer cidadão, a cidade, como vimos antes na Lei de Terras e o fato dos negros não terem sido preparados para a competição com os imigrantes no sistema assalariado, foram derradeiras para o destino do negro na sociedade agora como livres, com isto os lugares que se destinaram para os negros foram ocupações de terras não produtivas, como morros e alagados e nas cidades em porões e cortiços, quase como em um triste quadro, esses lugares continuam a ser ocupados pelos negros até os dias atuais, se no passado tínhamos senzalas, cortiços, porões, morros e alagados, hoje temos periferias, favelas, cortiços e conjuntos abacinais; como antes havia citado a questão da cidade e o principal aspecto do cidadão na Grécia Antiga, que era o acesso a cidade a e toda sua infra-estrutura e suas potencialidades; para o negro no século XX e XXI ainda é negado o direito fundamental da cidadania, o direito pleno de se usufruir da cidade, se antes o negro se encontrava na detenção na senzala no sistema escravista, hoje se encontra na detenção dentro do sistema prisional que irei comentar mais para frente e na “detenção sem muros”, onde o negro empobrecido se encontra preso dentro dos seus territórios periféricos, sem meio de transporte para se deslocar a “cidade“ (termo muito usado na periferia e na favela, se parando os dois mundos entre morro e asfalto, por não se sentirem parte da cidade) ou sem condições de pagar os transportes públicos quando existentes para se usufruir do que a “cidade” oferece, como cultura, lazer , esporte e oportunidades de emprego. Segundo Santos (2012) após o dia 13 de agosto de 1888 o homem negro se torna um desempregado crônico enquanto a mulher negra consegue manter seus empregos nas casas-grandes sendo elas ainda passadeiras, cozinheiras e domesticas, entretanto a mão de obra do homem negro foi trocado pela mão de obra imigrante, fruto 12 de umas das políticas públicas que mais deram certo no Brasil, que foi a política de imigração onde se pegava os miseráveis da Europa e os oferecia casa, possibilidade de transições bancária e apoio financeiro; coisa negada ao negro que já estava no território brasileiro. Em 2003, segundo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPA), 8,4% dos negros se encontram em situação de extrema pobreza, em contraponto a 3,2% de brancos. Assim temos o reflexo da inserção tardia do negro no mundo do trabalho assalariado formal, sendo que os negros se submetem em maior quantidade aos sub- trabalhos e aos trabalhos braçais, quando que conseguem se inserir no mercado de trabalho com carteira de trabalho. Segundo o IBGE, enquanto 42% dos brancos têm carteira assinada ou são funcionários públicos, para os negros o percentual é de 31,4%, isso significa que menos de um terço dos trabalhadores negros tem acesso a direitos trabalhistas, como décimo terceiro salário, adicional de férias, seguro desemprego e benefícios previdenciários. Se olharmos nos dados referentes ao desemprego de pessoas negras maiores de 16 anos encontramos 10,7% de desempregados enquanto que entre os brancos esse percentual é 8,7%, se nos atentarmos, os dados de mulheres a situação é ainda pior, só uma entre quatro mulheres tem vinculo formal de emprego e em sua maioria, formal e informalmente elas ocupam os cargos de domésticas, assim como no passado, muitas negras escravizadas trabalhavam de mucamas e cozinheiras. Essa questão do mercado de trabalho se inicia na formação e acesso a educação, os negros e os brancos empobrecidos se concentram no ensino básico em escolas públicas de baixa qualidade voltada, não para uma formação critica libertadora, e sim para a formação de um exercito de mão de obra barata, fica quase que impossível aos negros passarem pelo filtro social que é o vestibular das universidades públicas e prestigiadas, alimentando assim um ciclo da miséria e condições desfavoráveis para o povo negro, lembrando que em 1960 o número de brancos em universidades públicas ou privadas era 14 vezes maior que de negros, e em 2001 diminui para 4 vezes, devido as programas de expansão universitárias, que em vez de aumentar as vagas nas universidades públicas aumenta as políticas e investimentos em universidades privadas. Isso reflete nos dados do Sistema Integrado de Informação Penitenciária (InfoPen) que aponta que 60,8% da população carcerária é negra e esse número vem aumentado com o passar do tempo. Sem educação, acesso a cidade e acesso a trabalhos dignos, o negro engrossa as estatísticas do sistema de carcerário. 13 As únicas políticas que foram aplicadas para os negros após a abolição até o passar de um século de silêncio sobre a questão do negro, foram políticas de repressão e genocídio do povo negro, que até hoje são efetivadas e implementadas. Mito da democracia racial e as teorias raciais. Mesmo com os dados apresentados anteriormente sobre a inserção do negro na sociedade brasileira, ainda se tem uma falsa idéia que existe um estado de harmonia e igualdade entre as diferentes raças, isso advêm do fato que diferentemente dos Estados Unidos da América e da África do Sul em que o racismo e a segregação além de serem estruturais, eram baseados em leis e políticas, no Brasil ela se limita a ser apenas estrutural, porém mostra características mais perversas que foram produzidas com amplo apoio do meio acadêmico, como será demonstrado nessa seção. Em 15 de novembro de 1889 o Brasil se institui como república, e com isso começa a se criar a identidade de nação. Nesse mesmo período começa a se criar teorias raciais para resolver o problema da quantidade elevada de pessoas consideradas de raça inferior (negros e indígenas). Assim surge a teoria do embranquecimento, que basicamente seria a ideia que se pegássemos um negro e o fizesse reproduzir com um branco (considerado raça dominante) e repetir isso por gerações, suas características de negro iriam diminuindo até a extinção, assim as políticas de imigração que já vinha sendo aplicada desde 1822 se tornam mais fortes, atraindo europeus de todas as regiões da Europa. Outra forma dessa teoria ser implementada no Brasil foi por meio de pagamentos para homens brancos que se casassem com mulheres negras a fim de miscigenar a nação. Essa ideia de embranquecemento no país não se limita apenas na questão física, concomitantemente é construída questões ideológicas, uma vez que com essas medidas a ideia de inferioridade dos negros e indígenas passa ser largamente disseminada e tem seus reflexos até hoje. Como foi dito essa miscigenação forçada traz como pano de fundo a questão das raças não brancas serem vistas como incapazes, sendo que a mestiçagem era vista como o grande causador do atraso do Brasil. Assim com a tese de embranquecimento se tenta suprimir os mestiços e os negros, exaltando a superioridade branca, como que por causa e efeito temos um fenômeno que até os dias de hoje pode ser presenciado, sendo que os mestiços não se enxergam como negros e os negros também os colocam no patamar de 14 branco, “porque quanto mais branco melhor”, porém os brancos não os enxergam como iguais. Essa idéia anti mestiços, perdura até 1933, quando Gilberto Freyre produz seu livro “Casa Grande e Senzala” em que ele vai explicar a construção da sociedade brasileira de forma estereotipada e mostrando uma falsa relação harmoniosa entre as relações opressivas dos senhores de escravos e os escravos. Freyre com sua obra colabora para as ideias de democracia racial, insinuando que no Brasil a escravidão foi branda e até mesmo feita de forma humana, negligenciando o cruel sistema de trabalho forçado em regime de subnutrição onde um escravo na metade da sua vida já se encontrava improdutivo devido a rotina dura de trabalho e castigos físicos e mentais. Apesar de citar e falar dessas relações Freyre se apega a relações idílicas de escravos que trabalhavam na casa grande de forma mais branda do que os escravos do campo (STRIDER,2001). Strieder (2001) diz que segundo Gilberto Freyre a relação de miscigenação entre português, e o índio e o negro ocorre de maneira a ser uma “confraternização entre as raças”, sendo que essa facilidade dos portugueses se misturarem com índios e negros é uma prova de que esses não os viam de forma tão diferente, e que suas diferenças se restringiam de maior forma ao financeiro, sendo teoricamente facilmente superada. Entretanto podemos ver que esses argumentos vêm no intuito de apaziguar as relações de abuso e naturalizar práticas como a da miscigenação forçada através do estupro. Assim segundo Strieder (2001), Freyre defendia que a herança escravista e patriarcal brasileira foi benigna e que o reflexo da escravidão é o que formou a sociedade brasileira do século XX, porém antes mesmo da obra de Freyre muitos políticos e latifundiários da metade do século XIX, já defendiam a idéia de paraíso racial dentro do Brasil, e como já citei as políticas de imigração que visavam recrutar europeus brancos para o Brasil, no intuito de branquejar, substituir a mão de obra escrava e ocupar espaços não ocupados do país, fez com que se tivesse muitos grupos étnicos no Brasil. Nesse contexto ocorre um evento peculiar onde negros norte americanos pretendiam imigrar para o Brasil, e o governo brasileiro os vetam, sobre o pretexto de não deixar entrar em território brasileiros a idéia do pan-africanismo; essa ação entra em contradição com a idéia que é vendida da democracia racial, e mostra os reais motivos das políticas de imigração já citadas. Além da corrente de pensamento de Freyre, sobre o benigno do sistema escravista, temos também nesse período ideias que se baseiam no positivismo, que visavam 15 mostrar a superioridade da raça branca. As ideias positivistas nos sobre raça no Brasil foi objeto de divergência, porém as duas teorias têm um ponto em comum: o branqueamento do povo brasileiro. Diferentemente dos Estados Unidos onde tem um sistema bi-racial , onde se tem negros e brancos, que consiste em se alguém tem uma parte negro, é considerado negro por completo, no Brasil temos um sistema multi-racial, onde temos pretos, pardos e brancos, colaborando para não-formação de uma identidade negra (DAMATTA,1987). Isso demonstra uma superioridade da raça branca, dado legitimidade para a teoria do embranquecimento e por essa ideologia multi-racial temos o problema da raça única que considera que o brasileiro é fruto da miscigenação, assim não legitimando as questões raciais e banaliza a questão das disparidades raciais. Esse mesmo argumento colabora para que políticas de ações afirmativas sobre as questões raciais sejam mal vistas e criminalizadas, tanto é que a primeira vez que se foi pensando e tentado se aplicar políticas de ações afirmativas para o acesso de negros para o ensino universitário público, através do Projeto de Lei nº 1.332, de 1983, idealizada e proposta pelo deputado e militante do movimento negro Abdias do Nascimento, esta foi considerada anticonstitucional, pelo fato de fazer distinção de raças e segundo o artigo 5º da Constituição, todos são iguais perante a lei, sendo assim vemos como essa idéia de paraíso racial atrasou e penalizou os negros, e até hoje se considerarmos os dados essa desigualdade se reflete na universidade pública brasileira. Segundo pesquisas de 2001 do IPEA, 97% dos universitários Brasileiros são brancos, contra 2% negros e 1 % orientais. Em 2012 somente 2% da população negra conseguiam diploma de curso superior, e os que conseguem, estão concentrados em cursos menos prestigiados socialmente. Devido a essa imagem de paraíso racial e da falsa democracia racial, no final dos anos 40 do século passado a Organização das Nações Unidas (ONU) escolhe o Brasil para sediar um amplo programa de pesquisas acerca das relações sociais entre diferentes povos. Essas pesquisas foram realizadas nos estados da Bahia, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Recife, e traz a tona a verdade sobre a democracia racial, revelando uma sociedade marcada pelo preconceito racial e na distinção das condições de vida entre brancos e negros no Brasil. Com esse resultado da pesquisa já temos algumas pistas da falta de confiabilidade no mito da democracia racial e da escravidão branda. Essa visão de escravidão brada e harmoniosa que a ideia da democracia racial traz consigo, pode ser facilmente descontraída se pegarmos as revoltas feitas nas senzalas, 16 nas rebeliões de negros resignados com o sistema de opressão, com o número de senhores de engenho que foram assassinados e os quilombos, que foram grandes agrupamentos negros que se organizavam como repúblicas ou estados com costumes negros e que resistiam as ofensivas militares dos brancos. Uma das ideias que sustentam a democracia racial é que no Brasil atual não há relações de violência racial fundamentadas por teorias ou organizações, sendo que esses casos são vistos como isolados, pois segundo os que seguem essa crença as raças estão diluídas entre as classes sociais, então não teríamos uma sociedade racial e sim de classe, em que o foco de preconceito seria os pobres. Podemos concordar em partes, com esse argumento, entretanto como vimos anteriormente, quem engrossa as classes mais baixa são os negros, ser negro no Brasil é sinônimo de “ser pobre e ser branco quase que sinônimo de ser rico”, a grosso modo dizendo, o racismo é tão poderoso que mesmo o trabalhador branco que seria seu companheiro de classe não se identifica com o trabalhador negro e não quer abrir mão de seus sutis privilégios sobre estes, o sistema nos tira a consciência de classe e dificulta assim a união da classe trabalhadora. Seguindo com os aspectos perversos da democracia racial, temos a ideia de não termos problemas raciais, sendo assim colocando a cargo da falta de capacidade, esforço ou competência do negro, seu estado de pobreza e aos altos índices carcerários, e por sua vez o preconceito como essas ideias seriam capazes de promover um isolamento entre as raças perpetuando essas ideias e a segmentações da sociedade. Isso fica claro nos anúncios de emprego antes e até mesmo depois de 1950 com Lei Afonso Arinos, em que se exigia que só se contratasse pessoas de pele clara. Explicitamente esses anúncios eram publicados em jornais, e após a lei esse tipo de anúncio diminui e só se cobrava boa aparência, um termo genérico que carrega dentro de si a ideia de pele clara, e até hoje não é novidade dentre as empresas de agenciamento de empregos a preferência por empregados de cor clara, principalmente em cargos de atendimento direto ao público (AZEVEDO, 1966). Mesmo a ideia de que a mestiçagem no Brasil é grande, traz consigo um fator gerador de racismo e preconceito, pois, a maior parte da mestiçagem pós escravidão se deu de forma furtiva, e não de relacionamentos oficiais, como mostra dados de 1966, onde mulheres negras de homólogo negro também representam 80% dos casamentos, casamentos entre homem negro e homólogo clara são 13% e casamentos entre mulheres negras e homólogos claros representam 7%, (AZEVEDO, 1966). 17 Hoje esses dados são maiores, porém proporcionalmente são iguais. Temos então assim um grande numero de não-brancos frutos de relacionamentos considerados não legítimos e a sociedade descarrega uma grande desaprovação e preconceito. O não- branco (mulato) no Brasil não é considerado nem branco nem negro, gerando grandes problemas de identidade nesses que são negros também, e se o homem negro pelos motivos citados não consegue penetrar no mundo branco, o homem não-branco muitas vezes não penetra nem no mundo branco e nem no negro. Que seria seu semelhante de raça; Temos uma relação entre raça, e status, o homem negro se encontra no estrato mais baixo, o não-branco no intermediário, sendo que em alguns espaços da sociedade é mais bem aceito do que os negros e por ultimo temos o sujeito branco que é o maior patamar do status racial, porém essa questão de status pode ser dinâmico conforme a condição econômica e de prestigio do individuo, sendo que um não-branco que alcance uma posição de prestigio ou condição econômica alta, pode ser considerado branco pela proximidade da pigmentação e status econômico e um negro com prestigio ou condições econômicas alta pode ser considerado na escala de status mais que um pobre branco, entretanto isso não é muito recorrente, sendo mais visível a promoção de não- brancos a brancos (AZEVEDO, 1966). Temos assim o molde do imaginário coletivo das relações raciais dentro do Brasil, equivocadas e geradoras de muitos problemas, tanto de interpretação do racismo, destas relações e de uma falta de auto-estima da população negra que por essas pressões de status social, tende a querer subir de status, assumindo postura de se clarear sendo tentado destruir seus traços fenotípicos ou embranquecendo seus costumes e tradições, para melhor ser aceito no mundo dos brancos. O apartheid brasileiro. A idea do apartheid muitas vezes tem sua origem atribuída à África do sul, porém ela vem da época dos gregos antigos que dividiam a espécie humana em duas partes, entre os gregos e os bárbaros, sendo que o primeiro nascia para a cultura, para a arte e à riqueza do pensar enquanto que o segundo para ser escravo. Aristóteles dizia que os gregos seriam superiores aos bárbaros, e essa dicotomia vem seguindo nas sociedades até os tempos de hoje, tirando é claro, as consideras primitivas como as indígenas e tribais onde as divisões sociais não seguiam essa hierarquia (BUARQUE, 1993). 18 Só no século XVIII é que se começa a pensar em uma sociedade pautada no liberalismo onde todos teriam direitos iguais, porém no seu início, ainda legitimou a escravidão de negros. Só a partir mais ou menos de um século que esta prática foi vista como bárbara e criminalizada, no entanto esta não se extinguiu, mas se tornou mais rara. As ideias de igualdades do liberalismo se mostram apenas no âmbito legal e não social, sendo que estas mesmas ideias partem do pressuposto que os seres têm capacidades diferentes e que uns são mais capazes que outros. E por isso tem um grande apelo à meritocracia, colocado como papel do estado fornecer a possibilidade da competição para que os homens evoluam a partir desta. E como podemos observar à medida que os homens se tornam mais iguais perante as leis, mais desigualdades sociais se instalam na sociedade (BUARQUE, 1993). O apartheid na África do Sul foi um sistema de segregação que teve sua aplicação em 1950, com a lei de registro da população, que separou os cidadãos sul-africanos em: africanos ou negros, de cor ou mestiços e brancos. Defendia-se a idéia de desenvolvimento separado da África do Sul, sendo que assim se desenvolveu um sistema onde os não brancos tiveram espaços de circulação restritos, escolas separadas da dos brancos e de qualidade muito precária e inferior a dos brancos, se foi proibido o casamento entre indivíduos de diferentes raças, se negou os direitos sindicais a os não brancos e também o direito a participação política, os negros sul-africanos se tornaram estrangeiros em seu próprio país. O apartheid não foi o inicio da desigualdade entre negros e brancos na África do sul, mais sim foi a desigualdade já existente que fez com que se criasse um sistema para aumentar e defender os privilégios de uma minoria branca (BUARQUE,1993). O apartheid sul-africano teve muitas críticas pelo mundo ocidental, porém esse mundo já havia formado um sistema de apartheid, o econômico e que pelas condições sociais do povo negro em todo mundo é tão racial quanto o da África do Sul, podemos ver isso com a crise imigratória que ocorre na Europa, onde imigrantes não são impedidos de entrar por sua raça, mas por sua renda e por colocar em risco os empregos de trabalhadores europeus (BUARQUE,1993). No Brasil o sistema que antes tinha uma relação simbiótica entre riqueza e pobreza, sendo que a pobreza oferecia mão-de-obra barata e sem qualificação e o a riqueza emprego e mão-obra-qualificada, com o advento da automação e a crise de 60, temos um problema, essa relação começa a se abalada, temos mão-de-obra que migra para os grandes pólos industriais que acabam por não serem incorporados a o mundo do 19 trabalho, pelo fato da automação dispensar um grande contingente de mão-de-obra não qualificado e por consequente se diminui a escoação de produtos industrializados. Assim o país se coloca entre dois caminhos, um que seria uma reforma econômica social que eliminaria essa dualidade econômica ou seguir com o processo dual e apartado, e como podemos analisar se opta pelo sistema dual e apartado (BUARQUE,1993). Até o ano de 1930 o Brasil se sustenta em uma economia de exportação, e pouco se volta ao mercado interno, só após esse ano se começa a se investir nesse nicho de mercado, e se consolida em 1964, porém esse crescimento é apartado, pois se investe em qualidade para produtos voltados para classes médias e altas, negligenciado em qualidade, os produtos das classes excluídas, e assim temos produtos consumidos de forma apartada, pois os filhos da classe trabalhadora não têm alto poder de compra e não são tão rentáveis ao sistema, entretanto esse novo modelo econômico interno demandava consumo. Esse poder de consumo dos trabalhadores só mudou um pouco em 2003 com o governo Lula, onde se iniciam os programas de crédito que vão causar a confusão da falsa ascensão social da classe trabalhadora, porém isso só se limitou a crédito, ou seja, no decorrer do tempo alguém teria que pagar essa conta e seria a própria classe trabalhadora (BUARQUE,1993). Outro fator é a apartação na educação que já citei brevemente sendo que as escolas públicas que estão de má qualidade estão cheias dos filhos da classe trabalhadora e as particulares dos filhos das classes média e alta, e, além disso, temos a criação da escolas técnicas com foco de se pegar os filhos da classe trabalhadora e formar mão-de-obra qualificada em pouco tempo e barata e os filhos das classes altas por sua vez vão para as faculdades em sua maioria públicas. Temos uma construção de dois países dentro de um, que se divide por um apartheid social, um é o mundo dos ricos (majoritariamente branco) e o outro dos pobres (majoritariamente negro), sendo que o mundo dos ricos não sente a complacência pelos problemas sociais do outro mundo, sendo que estes se desenvolvem de forma isolada um do outro. O mundo rico e branco, não se sente parte do mesmo país do mundo pobre e negro, tem uma dicotomia entre os dois, isso se provada pelo fato de não complacência, como um ser pode não se indignar ou pensar que é normal um semelhante de espécie morar em baixo de um ponte, ou uma criança pedindo esmola no farol ? Ou ainda rir de piadas e personagens que são estereótipos de negros pobres na televisão, fazendo deste motivo de piada? 20 Essa pergunta é fácil de responder, estes não se sentem iguais aos outros, sendo esta a premissa do sistema apartado, esses ataques de estereotipação e negligência, fazem tão parte da ideologia que até os semelhantes, vítimas desses ataques preconceituosos e racistas os reproduzam. Os mecanismos criados pelo sistema capitalista e pelo mito da democracia racial se mostram como armas poderosas para continuidade desse quadro de apartação, por um lado temos uma classe que não se une contra o sistema, pois esta assimilou e convive com a lógica interna deste e por outro lado temos a falta de identidade racial e negação da sociedade da existência de problema racial. Falando da questão da classe trabalhadora com o evento da mudança para uma economia interna temos uma segmentação dos trabalhadores que antes eram relativamente uma classe homogênea (os brancos majoritariamente no trabalho fabril), temos agora um mercado interna restrito a quem pode pagar para consumi-lo, e agora temos três tipos de trabalhadores, os que alcançam capital para se consumir esses novos produtos, temos os que ganham para subsistência que consomem o básico e não usufruem na totalidade desse mercado interno e os excluídos, que sobrevivem com o resto desse sistema segregado, sobrevivem com os subempregos e literalmente do lixo (BUARQUE, 1993). Se antes, com a economia de exportação a classe trabalhadora era relativamente unida e as lutas visavam à melhoria das condições sociais em um conjunto geral, agora com a segregação, as lutas dessa classe, se limitam a que os trabalhadores modernos mantenham sua capacidade de consumo, e que os trabalhadores de subsistência tentam atingir o consumo pleno dos novos produtos, as lutas sindicais se limitam a salário e a pequenas melhorias isoladas (BUARQUE, 1993). Essa apartação não se limita a questão do trabalho, pois nos anos 70 a classe trabalhadora branca sofreu com a especulação imobiliária e será empurrados dos centros das cidades para as favelas, processo que muito antes havia ocorrido com os ex-agentes da mão-de-obra escrava (BUARQUE,1993). Esse processo de apartação de classe vai ter sua maior evolução nos anos 90 onde serão erguidos muros literais entre as classes, grandes condomínios fechados são construídos, com o intuito de distanciar o mundo pobre e negro, dos da classe média e rica (BUARQUE,1993). São grandes espaços fechados com acesso controlado do mundo externo, grandes ilhas isoladas das classes médias e altas são formadas. 21 Até mesmo os espaços ditos públicos criam mecanismos de diferenciação, como exemplo o acesso por meio de transporte público para esses lugares e o preço dos serviços apresentados lá, assim limitando o acesso de quem pode usufruir desses espaços ditos público, como por exemplo, podemos usar as praias elitizadas do Rio de Janeiro. O Brasil teve um projeto de industrialização que promoveu uma grande aceleração econômica, porém como efeito colateral, quase que inversamente proporcional se teve o aumento da desigualdade social (BUARQUE,1993). A relação da democracia racial nesse contexto vem para amenizar as tensões raciais, alegando que o Brasil pela grande miscigenação é uma raça única sem problemas de cunho racial, porém o apartheid econômico por sua vez usa da estratégia de que nessa sociedade todos são livres, cabendo a cada um a incumbência de alcançar a possibilidade de consumo, mas nesse ponto se convergem as duas idéia, pelo fato que por meio da apartação econômica se revela a falácia da democracia racial, que deixa evidente que as raças não são únicas e que os pobres em sua maioria são negros. Podemos ver que a relação racial e a questão de classe estão atreladas, entretanto apresenta suas singularidades e suas dificuldades de se atrelarem, pois os mais afetados com uma verdadeira democracia racial e direitos iguais, são os brancos da classe trabalhadora que com essas perspectivas alcançadas terão que competir diretamente com os negros. Essa recusa foi vista na África do Sul, onde os que mais defendiam o sistema apartado eram os brancos da classe trabalhadora e os mais pobres, pela competição direta (BUARQUE,1993). Outro fator de divergência dessas duas utopias são os resultados, sendo que uma visa a eliminação do seu antagônico, através do fim das classes sociais e outro teria que conviver com seu antagônico perdedor, coisa que poderia causar ainda sim uma forma de apartação como por exemplo o que ai acontece na África do Sul, só que de outra forma. Não acho que essas lutas devam ser apartadas, porém estas precisam ter um esclarecimento de ambas as partes e uma consciência das opressões que os cercam, e acredito que esta só pode ser alcançada através da educação, não a alienante mais sim uma que forneça mecanismos e ferramentas para superar esse sistema. Com esse pensamento que os movimentos negros dos anos de 1980 lutavam por cotas raciais, mas não só, e nas suas lutas incluíam que os brancos pobres também fossem incluídos para terem acesso à universidade pública. 22 3 AS RECENTES POLÍTICAS PÚBLICAS DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL: EXPANSÃO, PRIVATIZAÇÃO E ACESSO. Como apontam os números de órgãos pesquisa relacionados à educação e a sociedade (IBGE, 200. IPEA, 2001. INEP, 1995) quanto maior o nível do ensino, maior exclusão ocorre, como podemos ver a questão do ensino superior, principalmente o ensino superior público que é o setor que oferece menos vagas e a maioria dos matriculados são os mais abastados da sociedade. Por esse motivo, nas décadas de 1950 e 1960 foram amplamente discutidas políticas de democratização do acesso ao ensino superior no Brasil, e esse processo se deu seguindo orientações do Banco Mundial (BM) e da UNESCO. O BM é um conglomerado de empresas do mundo todo, que tem sua origem no final da segunda guerra mundial, com o intuito emprestar dinheiro aos países se reconstruírem, passando esse período os olhos do BM se voltam para os países de terceiro mundo que estão em desenvolvimento. Dessa forma, esse banco investe dinheiro nos países para que eles se desenvolvam, porém como a lógica de qualquer banco é o lucro, o BM acaba por endividar os países que se servem dele. Além disso, para se utilizar e pagar a divida é necessário seguir suas diretrizes, que estão ligadas principalmente a educação e saúde, algo que deveria ser de deliberação pública acaba sendo decidido por organismos internacionais, com isso o desenvolvimento levado pelo BM se mostrou ineficiente, pois é um desenvolvimento apartado, que aumentou a desigualdade nos países que apoiou. A UNESCO por sua vez orienta a educação, no tocante de produção de capital humano, sendo categórica em afirmar que para se desenvolver é necessário desfrutar da econômica mundial. Além disto, é recomendado por este órgão, que investimentos na expansão universitária não são possível só com investimento estatal sendo necessárias criatividade e articulação com o setor privado, sendo assim temos agora as universidades públicas, privadas e híbridas. Como podemos ver estas orientações internacionais estão ligadas totalmente as questões do capital e do sistema capitalista sendo cada vez mais geradoras de desigualdade. Nos anos 70 do século XX, com a ditadura se tem o inicio da privatização do ensino superior com uma grande expansão no número de matriculas no setor privado, porém o que deveria ser algo para diminuir as diferenças do ensino superior a fim de fortalecer uma perspectiva de universalização do conhecimento se mostrou um modelo de matrículas que revitalizou os institutos isolados e nos traz a perspectiva mercantil do 23 ensino superior, sendo tratado pelas instituições privadas como uma máquina de produção de dinheiro, esse modelo de aumento de vagas não só se manteve como também se atenuou (GUIMARÃES,2002). No período da redemocratização do país (1964 a 1980) o aumento das vagas foi bem baixo chegando apenas em 1,36%; a segunda expansão do ensino superior teve seu inicio em 1995, com o grande número de instituições de ensino privado sendo aberto no país, segundo o Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) de 1996 a 2004 o sistema privado de ensino superior cresceu 151,6% sendo que o sistema pública de ensino superior se mostrou estagnado e sucateado. A Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) no período de 1995-2001 teve 24% dos investimentos em recursos pessoais e pagamentos de contas e compra de material cortados em 77% foram cortados dos investimentos em recursos físicos (GUIMARÃES, 2003). Essas medidas ficam claras quando analisamos as orientações do BM na década de 1990, que tinha como pressupostos quatro medidas: maior diferenciação das instituições de ensino superior, ou seja, o aumento das privatizações desse ensino como já vimos; diversificação dos recursos para as instituições de ensino superior público; redefinição dos encargos do governo no controle das universidades e adoção de políticas de equidade e acesso as universidades (GUEDES;MURANAKA;ARAGÃO, 2016) . Com a diversificação dos recursos temos o governo se ausentando aos poucos dos encargos do financiamento das universidades públicas, que tem que buscar recursos no setor privado, quer sua vez corrompe por assim dizer a função social que a universidade teoricamente teria que exercer que seria de socializar conhecimentos já sistematizados para formar pessoas que iriam voltar para sociedade para servi-la com sua mão-de-obra qualificada, devolvendo o investimento que fez. A segunda função seria a pesquisa que em médio prazo devolveria para sociedade seu investimento em produtos novos e mais baratos e por ultimo a extensão que seria uma maneira de socializar com a comunidade um pouco do que se ensina e se pesquisa na universidade não restringindo esses conhecimentos para o grupo interno dessas instituições. Com o fomento privado o que vemos que o ensino fica focado na lógica do capital e temos formandos tragados para o setor privado que não irão devolver para a sociedade o seu investimento na formação. Com relação à investigação científica, vemos pesquisas que são feitas com recursos físicos e financeiros públicos e são vendidas para empresas privadas, fazendo com que população que pagou por meio de impostos a produção daquele conhecimento, pagará em dobro para poder consumir os frutos das mesmas. 24 Com a redefinição dos encargos públicos sobre as funções sobre as instituições de ensino superior temos o governo afrouxando sua mão sobre a regulamentação do ensino superior e deixando que as instituições privadas fiquem mais à vontade tanto para penetrarem nas universidades públicas com em montar seus próprios negócios de ensino, dando um caráter de mercadoria ao ensino superior, vendido como forma de ascensão social. Com as políticas de equidade e acesso, ficam mais claras no governo Luiz Inácio Lula da Silva, se é analisado nesse governo que os números de jovens dentro do ensino superior eram muito baixo sendo que só 8% de jovens entre 18 e 24 anos estão na universidade, com esses dados se previa planos de aumentar essa porcentagem, e assim se começa a pensar propostas para essa meta. As propostas permeavam tanto o setor público como o privado, a proposta para o setor publico era de se criar 10 universidade publicas, o setor privado teve implementado o Programa Universidade para Todos (ProUni) em 2004, pela Lei nº 11.096/2005, que propõe a concessão de bolsas integrais e parciais a estudantes que comprovem estar em situação socialmente vulnerável, em instituições privadas de ensino. Com isso estas universidades teriam como beneficio a isenção de pagamento de tributos, entretanto essa proposta revela contradições, pois a função de se atender ao público que não poderia pagar seria das instituições públicas; segundo, grande parte das universidades privadas são de baixa qualidade, tanto em corpo docente não qualificado como em estrutura, e diferentemente das públicas, que tem a obrigação (teórica) de atender o público por meio de pesquisa e extensão, as particulares não fomentam essa função e, por ultimo, as instituições privadas não proporcionam a permanência do estudante no curso, concluindo que o maior beneficiado nessa relação é instituição privada, que se ausentam do imposto e ainda conseguem preencher suas vagas ociosas. Outra proposta que foi implementada em 2005 foi a Universidade Aberta do Brasil (UAB) que tem como plano a formação universitária e profissional a distância, assim podendo formar mais pessoas e gerar maior capital humano para ser força de trabalho, barateando a formação acadêmica, pois os custos com essas formações são bem baixos e sua qualidade duvidosa. De fato essas políticas tiveram êxito em aumentar o numero de pessoas no ensino superior, porem de forma precária, polarizada no ensino privado e com uma formação voltada a os interesses do capital, segmentando em qualidade os currículos e se fazendo grandes fabricas de currículos alimentando a necessidade de mão-de-obra 25 “qualificada” e aumentando a exercito de reserva, além disso, é bem questionável essa suposta democratização ser feita pelo setor privado. Essa questão da democratização tem como objetivo não mais restringir a formação superior para as classes dominantes, mas além dos pontos nefastos já apresentados temos um grande dilema quanto o acesso e a permanência, pois as universidades públicas são de difícil acesso para os filhos da classe trabalhadora pelo fato de serem muito concorridas e o filtro social que é o vestibular cobrar conhecimentos que o sistema público de ensino não dá conta de passar com qualidade, e geralmente os frequentadores dessas escolas não tem condições de usufruir dos cursinhos pré-vestibulares que são grandes negócios ligados a educação. Por outro lado, os que são inseridos nas universidades privadas pelas políticas citadas anteriormente, não podem se manter, pois mesmo que precariamente são as universidades públicas que oferecem políticas e condições de permanência, como moradias estudantis, bolsa de políticas de permanência, assistência medica, entre outras, que se mostram essenciais para permanência de estudantes pobres nas universidades, e mesmo os que conseguem se manter nas universidades privadas trabalhando tem sua graduação seriamente afetada, não consegue se dedicar aos estudos como os outros alunos que só tem o encargo de estudar e se formar. A questão do negro dentro desse contexto é alinhada com a questão de classe social. Diferentemente dos níveis superiores de educação onde o sistema público é melhor que o privado, o ensino básico e médio é onde o setor privado leva larga vantagem, sendo que essas escolas privadas tiveram a capacidade de cooptar os melhores professore e investiram mais em suas escolas que o setor público (GUIMARÕES, 2003), assim o negro que se encontra nas camadas mais pobres não tem a possibilidade de ingressar em uma dessas escolas particulares, assim tornando sua competição no vestibular das universidades públicas com os membros das classes médias e alta muito desleal, fazendo com que a maior parte dos negros que estão no ensino superior, esteja no setor privado através das políticas já citadas e ao conseguir se formar receberá diploma com menos prestígios e assim seguindo o ciclo de pré-conceito e discriminação da capacidade intelectual do negro. Segundo um censo feito pela Universidade de São Paulo (USP) em 2001 sobre as matrículas, o número de negros (pardos e pretos) era de 8,3% sendo que 7% eram pardos e 1,3% pretos, isso considerando uma população de 37 mil uspianos. A USP, uma das universidades públicas de mais prestigio e situada em São Paulo que na época 26 tinha um contingente populacional de 25,3% de negros, deste 20,9% se declaravam pardos e 4,4% pretos. Essa disparidade pode ser encontra em outras universidades públicas como reflexo do que já havia citado acima.(GUIMARÃES,2003). Outra questão que se mostrou muito como um balizador para o ingresso na universidade pública, nesse caso a USP foi à relação classe social e cor revelando uma grande disparidade entre as mesmas. Segue abaixo tabela usando os dados brutos da FUVEST: Os dados mostram de forma clara a relação entre raça e classe no ingresso na universidade pública, temos desses dados algumas possíveis abstrações, com a relação da escola pública, os membros das classes baixas estão massivamente nessa modalidade 27 de escola, é um do fator que diminuem suas chances de ingresso, ligado com isso a pobreza em muitos dos casos obriga que estes jovens não possam se dedicar exclusivamente aos estudos tendo que trabalhar. Outro fator pertinente é a falta do incentivo e de capital cultural dos pais. Outro dado interessante que nos vai levar para mais duas abstrações é o fato de muito dos alunos negros, entrarem nas universidades geralmente com uma pontuação menor, porém ao decorrer do curso alcançam médias maiores, isso nos leva a crer que o grupo dos negros dentro da competição do vestibular e de outras tendem a ter a auto-estima e autoconfiança abalada, com isso alcançando notas piores nessas provas, e como podemos ver na tabela que nem uma classe de negros tenha passado a dos brancos, (com exceção dos pardos na classe A) (GUIMARÃES,2003). Os pretos na classe A atingiram o valor dos brancos na C. Como esses então ao atingir o ingresso podem alcançam médias iguais ou melhores? Isso nos leva a outra abstração que é a falta de capacidade do vestibular em avaliar seus vestibulandos, e demonstra uma forma de avaliação fechada que não abrange outras capacidades, senão as sistematizadas de forma restrita a uma forma de pensamento decorado (GUIMARÃES, 2003). Entre esses e outros motivos, o nível de ingressos e de escolaridade aumenta de forma considerável, porem a desigualdade se mantém em proporção, revelando a ineficiência dessas políticas que tinham como proposta o aumento dos números de graduandos e formados juntamente abaixando os números da desigualdade através do sistema privado. Assim constatamos que essas políticas mais beneficiaram os donos dessas grandes empresas que se utilizam da educação como forma de mercadoria do que de fato a população de baixa renda, sendo que nos resta a ideia da universidade pública como a instituição que diminuiria as desigualdades sociais dentro do país, entretanto essa crença traz uma inquietação: como a universidade pública, que historicamente foi berço e mantenedora da supremacia da classe dominante e branca, iria ser capaz de romper com suas estruturas e acabar com as desigualdades? Com isso ela não romperia com o próprio sistema que ela foi e é instituída? As respostas para essas questões, de maneira a tornar mais evidente ao leitor, estão na seção de discussões e considerações finais deste trabalho. 28 4 AS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS E O NEGRO NA UNIVERSIDADE. As políticas de ações afirmativas são mecanismo de reparação histórica, para grupos historicamente marginalizados e injustiçados, que tem seu foco principalmente na educação e no mundo do trabalho, apostando nessas como formas de se diminuir as desigualdades raciais (MUNANGA, 2007). As políticas de ações afirmativas não são uma novidade e ela já vem sendo aplicada em países com histórico segregacionista há décadas, como por exemplo, a Índia que tem sua independência em 26 de janeiro de 1947 e logo após 3 anos em 1950 institui políticas de ações afirmativas para as castas ditas de intocáveis, os reservando 15% de vagas em cargos legislativos, conselhos de aldeias, universidades e nos serviços públicos, com essas ações essas ações esses grupos conseguiram ter um ascensão social formando uma pequena elite desse grupo (MUNANGA,2007). Outro país que se benefício com as políticas de ações afirmativas foi os Estados Unidos que em decorrência das lutas pelos direitos civis nos anos 60 implementam as políticas, entre elas cotas nas universidade que teve grandes resultados. Em 1963 havia 13% de negros em idade ideal (18 a 25) matriculados em universidades e nos anos 2000 este número subiu para 30,3% (MUNANGA,2007). No Brasil as questões de raça e desigualdade foram negligenciadas por um longo período, chegando a ser um século de silencio da abolição até que a questão do negro fosse discutida ou pensada de alguma forma pelos governantes (SANTOS, 2012), fator que fez com que essas não fossem pensadas antes foi o mito da democracia racial – discutido na seção 2 deste trabalho - e por muito tempo legitimou o racismo e a desigualdade usando um pano de fundo artificial de que o único problema que havia no Brasil era de cuinho social econômico. O deputado e ativista do movimento negro Abdias do Nascimento, defensor das políticas de ações afirmativas, em 1983, propõe o Projeto de Lei (PL) nº 1332/1983, que previa a igualdade do negro entre os outros segmentos da sociedade. Entre essas medidas podemos destacar o ensino da historia afro-brasileira e africana nas escolas, cotas para negros no setor publico e privado de ensino (em todas as faixas de ensino) e ao emprego tanto no setor público quanto no privado, bolsas de estudos em qualquer nível de ensino, salários equivalentes a trabalhos iguais e treinamento anti-racista para policiais. 29 Esse PL, na época foi visto como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por fazer diferenciação racial e nesse período a questão de raça no Brasil ainda era muito permeada pelas questões do mito da democracia racial assim dificultando sua aceitação. Por essa razão o movimento negro se esforçava para desmascarar essa ideia errônea de democracia racial e de raça única. Com esses esforços o movimento negro com base em levantamento de dados através de fundações de pesquisas do próprio governo, começa-se a esquadrinhar a desigualdade racial no Brasil que não era só social como as elites brancas queriam fazer acreditar, é uma questão racial além de social. No governo de Fernando Henrique Cardoso se tem a primeira abertura para as políticas de ações afirmativas, não devido sua suposta sensibilidade de sociólogo, mas por pressão do movimento negro que vinha a desmascarar o mito da democracia racial, juntamente com relatórios da UNESCO e outros órgãos internacionais (GUIMARÃES, 2003). Então foi nos anos 90 que se tem um primeiro grande avanço sobre as questões afirmativas sendo criado em 1996 um grupo de trabalho interministerial coordenado pelo sociólogo Hélio Santos, com o intuito de se estudar medidas para igualdade racial. Em 2001 na III Conferencia Mundial contra o racismo e formas correlatas de intolerância, se constataram que no Brasil há racismo e desigualdades raciais e foi defendida como forma de tratar desse problema a adoção de políticas de ações afirmativas incluindo as políticas de inclusão na universidade pública (LIMA, 2010). As políticas de inclusão tiveram e ainda tem muita resistência dentro da sociedade principalmente do segmento acadêmico, que na época, com o intuito de se desmoralizar essa forma de política utilizou-se de argumentos que invocam o mito da raça única se pautando em argumento genéticos ao afirmar que no Brasil não existe pureza de raça, argumentos que foram combatidos por Abdias do Nascimento e outros intelectuais negros, usando a argumentações que desmistificariam que a questão de raça estar ligada a pureza dessa e sim a questões histórico-culturais, argumento também defendido contras políticas de ações afirmativas que tem seu discurso até hoje no senso comum, é que com o ingresso na universidade pública por cotas raciais e sociais, iriam diminuir a qualidade da universidade, pois se acredita que o nível dos cotistas é inferior aos graduandos que entrassem pela lista universal, além dessa afirmação recorrente ser de cunho preconceituoso e racista ela se mostra hoje como um grande equívoco, pois pesquisas revelam que os alunos cotistas têm as notas iguais ou superiores aos alunos que ingressaram pela lista universal (GUIMARÃES,2003). Outro argumento que foi 30 difundido foi o de que com a entrada dos alunos das políticas de ações afirmativas, seria criado nas universidades relação de tensão racial. Esse argumento é interessante, pois ele por si só, já mostra o caráter segregacionista da universidade pública e fica evidente que os brancos majoritariamente ocupantes daquele espaço se sentem ameaçados com a política de ação afirmativa para ingresso na universidade pública, dando até para fazer uma analogia com a crise imigratória na Europa onde os europeus sentem seus empregos ameaçados com um contingente de pessoas externas adentrando o seu país, e com a competição aos empregos e serviços, só que no caso na universidade pública no Brasil é a elite branca que sente se ameaçada, com a competição mais justa nas suas vagas nas universidades de prestígio, essa que os dá o suporte para se manter como elite. Atualmente, no Brasil, a discussão da política de ação afirmativa ao acesso da universidade pública se polariza, de um lado temos as mídias e os intelectuais que se portam de maneira neutra puxando o foco para a questão social e que, em sua maioria, em vez de defender essas políticas defendem uma melhoria na educação básica pública, para que assim negros tenham condição de competir de forma igual com os brancos e ricos no acesso a universidade pública. Se considerarmos que por alguma razão milagrosa o ensino público básico ficasse equivalente com o ensino privado, levaria 32 anos para que negros chegassem aos brancos, isso se os brancos ficassem parados, segundo dados do IPEA de 2012. Por outro lado temos os defensores da lei que em sua maioria é o movimento negro que defende as cotas raciais juntamente com a socioeconômica, entendo a questão de reparação e da dupla disparidade que o grupo étnico negro sofre, sendo de forma econômica e através do racismo. Então para esse grupo, dentro das cotas tem uma porcentagem diferente, pelo fato de na escola pública menos negros concluem o ensino médio comparados aos brancos da mesma condição e se a cota socioeconômica fosse junto com a racial, os brancos pobres teriam vantagem sobre os negros assim eternizando a relação de disparidade do negro (MUNANGA, 2007) Uma dúvida recorrente é se essa política será capaz de acabar com o preconceito e racismo, mas certamente ira facilitar a competição dos negros, indígenas e brancos pobres, no mercado de trabalho e na mobilidade social, porém creio que o racismo é algo estrutural à sociedade e a única forma de se superá-lo é romper com as estruturas da sociedade vigente. A política de ação afirmativa de acesso a universidade de certa forma faz isso, porém ela pode dar possibilidades para romper com a estrutura da 31 sociedade por meio do acesso ao conhecimento e utilização desse de forma a questionar essa estrutura capitalista que gera desigualdade social, racismo e outras formas correlatas de opressão, se a inserção do negro e dos pobres não for encaminhada por essas vias, termos apenas a reprodução de uma sociedade desigual. No governo Lula as políticas de ações afirmativas começam a se materializar primeiro com a Lei nº 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Com essa lei fica obrigatório no ensino básico, a inclusão do conteúdo programático da história dos afro-brasileiros, africanos, a luta dos negros no Brasil e a cultura negra e suas contribuições na sociedade. Porém infelizmente, essa lei não se teve investimento previsto para a formação dos professores para trabalhar esses conteúdos, por esse motivo a lei não teve grande efetividade. Outra medida que começa a sair do discurso é a política de ações afirmativas para o acesso ao ensino superior, que ficou conhecida como programa de reserva de vagas. Começou a ser discutida de fato, pelo governo em 2004 e foi discutida amplamente durante o mandato do presidente Lula e foi criado a PL77/99 que previa o sistema de reserva de vagas, entretanto não foi no seu governo que isso se concretizou, somente no governo Dilma que a lei de reserva de vagas foi aprovada pelo Supremo tribunal Federal (STF), nessa ocasião uma dos argumentos que o Presidente do supremo Ricardo Lewandowski se utilizou para defender a lei como necessária foi o fato do genocídio da mulher negra. Historicamente os números sobre homicídio de mulheres brancas tendem a cair em contraponto ao da mulher negra sobem, existindo uma grande disparidade entre esses números. 32 Gráfico 1 - Evolução das taxas de homicídio de mulheres brancas e negras (por 100 mil). Brasil. 2003/2013 A tabela mostra que os numeros de homicídios de mulheres negras são bem superior a de mulheres brancas, e, além disso, vemos que a projeção de homicídios de mulheres negras vem subindo em quanto das brancas vem diminuindo. Em 2012, ano da aprovação da lei de reserva de vagas os homicídios de mulheres negras eram quase duas vezes maior comparado a de brancas. Com esses dados em mão, o presidente do STF consegue provar à necessidade da política de ação afirmativa no acesso a universidade pública e é aprovar a Lei de Reserva de Vagas, Lei nº 12.711 de 20 de agosto de 2012 (Anexo C). Vamos nos atentar a estrutura que essa política propõe, vemos basicamente que sua função é colocar iguais competindo, isolando os que igualmente sofrerão prejuízos econômicos e raciais durante a vida para competir entre si, e os que tiveram oportunidade através de condições financeiras e não sofreram com o prejuízo racial competirem entre seus iguais, assim deixando o fluxo de entrada na universidade mais justo e como já foi citado no capitulo anterior, o vestibular não é um balizador fidedigno, ainda mais que o conhecimento que é exigido nele é literalmente comercializado em cursinhos particulares e escolas particulares, que não é acessível à grande maioria. A reserva de vagas será de 50% para estudantes oriundos de escola com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita e 50% dentro desses para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio, para pretos, pardos e indígenas será destinado uma porcentagem equivalente a população destes na região onde a unidade estiver instalada segundo o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (BRASIL,2012). 33 Essa estrutura não contempla a sociedade no sentido que os números não representarem a realidade da sociedade brasileira, como podemos ver nos dados (INEP, 2011) onde os 6,3 milhões de estudantes do ensino médio, em sua maioria estão no setor público de ensino, sendo eles 82,4% contra apenas 17,6% do setor privado. A porcentagem proposta pela lei de reserva ainda preconiza um setor minoritário da sociedade ainda mantendo seus privilégios, mesmo que diminuídos ainda são eles em maior proporção, em relação à sociedade nas universidades públicas. Outro fato ainda relacionado a essa estrutura é que a divisão que diz respeito aos grupos étnicos esta associado a população desses grupos na federação, porém tem cursos que só tem em uma única especifica federação, assim possivelmente restringindo estes grupos a nichos de cursos isolados as suas regiões ou com regiões com grande porcentagem de negros e mesmo assim aumentando a concorrência entre estes, sendo mais prudente adotar como porcentagem étnica a porcentagem relativa a população desses grupos a nível nacional sendo possível um ampla escolha e deslocamento desses grupos. Um fator preocupante em relação aos cursos elitizados é a questão da permanência, pois apesar de em sua maioria as universidades públicas apresentarem programas de permanência, os cursos elitizados em sua maioria exigem que sejam adquiridos materiais que na maioria dos casos é de custo elevado, como é o exemplo da odontologia e medicina, logo a evasão nos cursos elitizados por essa razão será muito grande sendo que os oriundos das escolas públicas e marginalizados étnicos iram se concentrar em cursos menos prestigiados, assim mantendo a supremacia das classes dominantes nesses postos de trabalho. Fazendo uma análise, podemos ver que a desigualdade depois de um pequeno pico de diminuição irá se manter, pois o grupo que tem a maioria presente na sociedade irá entrar na mesma porcentagem que o grupo menor, entendo que em proporção entrará mais membros das classes dominantes do que da classe trabalhadora, sendo que ainda assim será mantida uma grande vala de desigualdade na sociedade brasileira. As políticas de ações afirmativas são de grande importância para a introdução do negro no mundo dos brancos e propiciar uma ascensão social dos pobres, porem será que se introduzir nessa lógica seria algo qualitativo? Podemos analisar isso de dois prismas, o negativo e o positivo. O negativo seria que pensando que a universidade (principalmente a pública) historicamente deu suporte para as ideias que garantem o status quo e que por isso reproduz a lógica do sistema capitalismo e da democracia burguesa, com essas políticas estaremos empoderando individualmente e de forma 34 econômica e de poder, não de forma reflexiva da realidade a vislumbrar uma superação coletiva de classe e raça, assim mantendo a ordem e a estrutura da sociedade e se mantendo os preconceitos e a desigualdade, perdendo ainda mais a consciência negra e de classe. Agora analisando pelo lado positivo, esses grupos dentro da universidade poderiam se tornar como bombas relógio, usando do conhecimento historicamente negado a estes para destruir essa estrutura e a da sociedade, sendo como “piratas” pegando as informações dos ricos e injetando nos bairros pobres, se empoderando não como indivíduo mais como grupo, usando o mecanismo de dominação do opressor contra ele e não permitir ser cooptado. Observando por essa ótica o espaço universitário seria um campo de batalha das duas classes, uma disputa de consciência entre os grupos pobres e marginalizados contra os da classe dominante. O espaço a universidade pública e as políticas de ações afirmativas são essenciais para se diminuir com as desigualdades historicamente construídas, porém diferentemente da resolução que a lei prevê, que aos poucos a desigualdade se diminuiria com esse acesso mais “justo” nesse espaço, analisando os dados e o aporte teórico que fundamentou a construção desse trabalho, consideramos que é necessária essa política, porém ela por si só não irá atender todas as demandas da sociedade e não será capaz de extinguir a desigualdade nem a pobreza, essas são construções históricas mantenedoras do sistema capitalista. Os países ditos de primeiro mundo que se mantém com desigualdade social em níveis muito baixos se servem da desigualdade dos países ditos de terceiro mundo ou em desenvolvimento, por esses fatos creio que a extinção dessas disparidades sociais não vira por meio da democracia burguesa, e defendo as políticas de ações como forma de se armar esses grupos desfavorecidos para que esses possam subverter essa ordem e não se incluírem nesse sistema dando continuidade nesse ciclo de exploração. 35 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. Perpassando pela construção social do negro no Brasil no período de escravidão e no pós-escravidão se evidencia a necessidade de políticas de reparação histórica para se diminuir e extinguir as desigualdades sociais, preconceito e racismo, decorrentes desse crime que foi cometido contra a população afro-brasileira e primeiramente com os africanos. As políticas de ações afirmativas são conquistas que são direitos e de grande ajuda para esses grupos marginalizados, porém a questão que busquei com esse trabalho foi sua efetividade dentro de uma sociedade capitalista. Os meios legais, que vêm sendo utilizados para o fim da desigualdade social por meio do acesso a universidade são parecidos com o programa de abolição gradual da escravidão num ponto central, pois como foi demonstrado essas políticas tinham um caráter maior de proteção do sistema em transição, do que de realmente permear uma transição qualitativa desses antigos agentes do trabalho escravo, assim os latifundiários que foram aos poucos sendo introduzidos ao novo sistema de comércio sem grandes choques e perdas para os mesmos (FERNANDES,1972). Podemos fazer uma analogia entre as políticas de acesso a universidade que tiveram seu início no governo Fernando Henrique Cardoso e posteriormente no governo Luis Inácio Lula da Silva, onde se teve a democratização do ensino superior através, principalmente, do setor privado, fortalecendo-o, sem que os agentes da classe trabalhadora fossem protegidos e beneficiados nesse processo, sendo-lhes garantido o acesso, mas em faculdades particulares com menos prestígio que as públicas e sem a garantia de permanência, fazendo com que o acesso não diminuísse a desigualdade e enriquecesse mais os donos desses negócios ligados a educação. Com isso projetando ao ensino a lógica do mercado capitalista, gerando uma fábrica de diplomas segmentados em qualidade, alimentado o mercado de mão-de-obra “qualificada” e aumentado o exército de reserva para esses níveis, fazendo com que o ensino superior incorpore-se aos padrões de mercado internacional. Podemos notar que esses processos de democratização assim como a abolição não se deram por fins altruístas, mas como uma transição de sistemas, a do trabalho escravo para o assalariado, e da educação como bem público para educação como mercadoria. A democracia burguesa através das leis defende seus privilégios e inverte a lógica, passando o encargo do ensino que deveria ser garantido pelo setor público para o setor privado, por meio de políticas de acesso a universidade. Assim aos poucos introjetando-se a lógica de ensino como mercadoria, deixando estas políticas 36 com o ônus de benfeitorias feitas pelo governo, escondendo que por trás disto o governo, que supostamente não consegue garantir o acesso massivo nas universidades públicas, o garanta apenas para uma pequena elite. Esta lógica da democracia burguesa permeia o meio das universidades públicas, assim não será só a política de inserção do negro e do pobre dentro dos muros destas que irá acabar com as desigualdades, é mais fácil estes acabarem por absorver ainda mais esta lógica que já é reproduzida nos meios escolares em todos os níveis, e continuar a reproduzi-la só que agora na forma de opressor. A presença do negro e pobre na universidade pública é necessária, mas para que este, através do conhecimento negado, vislumbre algo além do empoderamento pessoal, e não seja tragado para esta lógica do sistema capitalista. Pois desde o seu inicio, usou da sua força de trabalho, promove seu genocídio, excluiu e se alimenta da sua miséria, não existe capitalismo sem racismo (LITTLE, 1963). Com essa ideia de empoderamento coletivo, coloco a universidade pública como um campo de batalha dos negros e dos membros da classe trabalhadora contra os membros das classes dominantes e da lógica de democracia burguesa, disputando assim a consciência dos oriundos das mesmas situações de descaso, racismo e pobreza, aumentando o potencial de raça e classe, romperem com as estruturas opressivas do capitalismo. 37 REFERÊNCIAS AZEVEDO, Thales de. Democracia Racial: Ideologia e realidade. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1975. 107 p. BOSI, Alfredo. A escravidão entre dois liberalismos. Estudos Avançados, São Paulo, v. 2, n. 3, p.4-39, set. 1988. BRASIL. Constituição (1950). Lei nº 601, de 18 de setembro de 1950. Dispõe sobre as terras devolutas do Império.. Lex. Rio de janeiro, BRASIL. Constituição (1971). Lei nº 2.040, de 28 de setembro de 1971. Declara de condição livre os filhos de mulher escrava que nascerem desde a data desta lei, libertos os escravos da Nação e outros, e providencia sobre a criação e tratamento daquelles filhos menores e sobre a libertação annaul de escravos...... Lex. Rio de janeiro, BRASIL. Constituição (1988). Lei nº 3.553, de 13 de março de 1988. Declara extinta a escravidão no Brasil.. Lex. Rio de Janeiro, BRASIL. Constituição (2012). Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências.. Lex. Brasilia , BUARQUE, Cristovam. O que é apartação: Apartheid no Brasil. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1993. 94 CAÔN, Giovana Fonseca; FRIZZO, Heloisa Cristina Figueiredo. Acesso, equidade e permanência no ensino superior: Desafios para processo de democratização da educação no Brasil. Vertentes, Minas Gerais, v. 19, n. 2, p.1-14, 18 out. 2010. CARDOSO, Fernando Henrique. 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Pedro II, por Graça de Deus e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brasil: Fazemos saber a todos os Nossos Subditos, que a Assembléa Geral Decretou, e Nós queremos a Lei seguinte: Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra. Exceptuam-se as terras situadas nos limites do Imperio com paizes estrangeiros em uma zona de 10 leguas, as quaes poderão ser concedidas gratuitamente. Art. 2º Os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nellas derribarem mattos ou lhes puzerem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de bemfeitorias, e de mais soffrerão a pena de dous a seis mezes do prisão e multa de 100$, além da satisfação do damno causado. Esta pena, porém, não terá logar nos actos possessorios entre heréos confinantes. Paragrapho unico. Os Juizes de Direito nas correições que fizerem na forma das leis e regulamentos, investigarão se as autoridades a quem compete o conhecimento destes delictos põem todo o cuidado em processal-os o punil-os, e farão effectiva a sua responsabilidade, impondo no caso de simples negligencia a multa de 50$ a 200$000. Art. 3º São terras devolutas: § 1º As que não se acharem applicadas a algum uso publico nacional, provincial, ou municipal. § 2º As que não se acharem no dominio particular por qualquer titulo legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em commisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura. § 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apezar de incursas em commisso, forem revalidadas por esta Lei. § 4º As que não se acharem occupadas por posses, que, apezar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei. 41 Art. 4º Serão revalidadas as sesmarias, ou outras concessões do Governo Geral ou Provincial, que se acharem cultivadas, ou com principios de cultura, e morada habitual do respectivo sesmeiro ou concessionario, ou do quem os represente, embora não tenha sido cumprida qualquer das outras condições, com que foram concedidas. Art. 5º Serão legitimadas as posses mansas e pacificas, adquiridas por occupação primaria, ou havidas do primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente, guardadas as regras seguintes: § 1º Cada posse em terras de cultura, ou em campos de criação, comprehenderá, além do terreno aproveitado ou do necessario para pastagem dos animaes que tiver o posseiro, outrotanto mais de terreno devoluto que houver contiguo, comtanto que em nenhum caso a extensão total da posse exceda a de uma sesmaria para cultura ou criação, igual ás ultimas concedidas na mesma comarca ou na mais vizinha. § 2º As posses em circumstancias de serem legitimadas, que se acharem em sesmarias ou outras concessões do Governo, não incursas em commisso ou revalidadas por esta Lei, só darão direito á indemnização pelas bemfeitorias. Exceptua-se desta regra o caso do verificar-se a favor da posse qualquer das seguintes hypotheses: 1ª, o ter sido declarada boa por sentença passada em julgado entre os sesmeiros ou concessionarios e os posseiros; 2ª, ter sido estabelecida antes da medição da sesmaria ou concessão, e não perturbada por cinco annos; 3ª, ter sido estabelecida depois da dita medição, e não perturbada por 10 annos. § 3º Dada a excepção do paragrapho antecedente, os posseiros gozarão do favor que lhes assegura o § 1°, competindo ao respectivo sesmeiro ou concessionario ficar com o terreno que sobrar da divisão feita entre os ditos posseiros, ou considerar-se tambem posseiro para entrar em rateio igual com elles. § 4º Os campos de uso commum dos moradores de uma ou mais freguezias, municipios ou comarcas serão conservados em toda a extensão de suas divisas, e continuarão a prestar o mesmo uso, conforme a pratica actual, emquanto por Lei não se dispuzer o contrario. Art. 6º Não se haverá por principio do cultura para a revalidação das sesmarias ou outras concessões do Governo, nem para a legitimação de qualquer posse, os simples roçados, derribadas ou queimas de mattos ou campos, levantamentos de ranchos e outros actos de semelhante natureza, não sendo acompanhados da cultura effectiva e morada habitual exigidas no artigo antecedente. Art. 7º O Governo marcará os prazos dentro dos quaes deverão ser medidas as terras adquiridas por posses ou por sesmarias, ou outras concessões, que estejam por medir, assim como designará e instruirá as pessoas que devam fazer a medição, attendendo ás circumstancias de cada Provincia, comarca e municipio, o podendo prorogar os prazos marcados, quando o julgar conveniente, por medida geral que comprehenda todos os possuidores da mesma Provincia, comarca e municipio, onde a prorogação convier. 42 Art. 8º Os possuidores que deixarem de proceder á medição nos prazos marcados pelo Governo serão reputados cahidos em commisso, e perderão por isso o direito que tenham a serem preenchidos das terras concedidas por seus titulos, ou por favor da presente Lei, conservando-o sómente para serem mantidos na posse do terreno que occuparem com effectiva cultura, havendo-se por devoluto o que se achar inculto. Art. 9º Não obstante os prazos que forem marcados, o Governo mandará proceder á medição das terras devolutas, respeitando-se no acto da medição os limites das concessões e posses que acharem nas circumstancias dos arts. 4º e 5º. Qualquer opposição que haja da parte dos possuidores não impedirá a medição; mas, ult