UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE CIÊNCIAS - CAMPUS DE BAURU PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO PARA A CIÊNCIA FABIA ELAINE FERREIRA DE MELO O TRAÇADO FLUVIAL DO RIO CUIABÁ: O INTERCÂMBIO DA ETNOQUÍMICA NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA POR MEIO DE UM CORREDOR CULTURAL ENTRE ESCOLAS DE COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO MUNICÍPIO DE ACORIZAL – MT BAURU 2023 FABIA ELAINE FERREIRA DE MELO O TRAÇADO FLUVIAL DO RIO CUIABÁ: O INTERCÂMBIO DA ETNOQUÍMICA NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA POR MEIO DE UM CORREDOR CULTURAL ENTRE ESCOLAS DE COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO MUNICÍPIO DE ACORIZAL – MT Tese apresentada à Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,Campus de Bauru, como requisito para a obtenção do Título de Doutorado em Educação para a Ciência, sob a orientação da Prof. Dr. Jorge Sobral da Silva Maia. BAURU 2023 Melo, Fabia Elaine Ferreira de. O Traçado Fluvial do Rio Cuiabá: o intercâmbio da Etnoquímica na perspectiva da Educação Ambiental Crítica por meio de um corredor cultural entre escolas de Comunidades Ribeirinhas do Município de Acorizal - MT / Fabia Elaine Ferreira de Melo. – Bauru, 2023 123 f. : il. Tese (Doutorado)– Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Educação, Bauru Orientador: Jorge Sobral da Silva Maia 1. Educação Ambiental Crítica. 2. Etnoquímica. 3. Escola Pública e etnoconhecimento. 4. Conhecimento tradicional. 5. Pedagogia Histórico-crítica I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Educação. II. Título. Aos meus pais Iran e Alzira, pelo apoio incondicional. Deram-me toda a base para que eu me tornasse quem sou hoje, sem eles, nada disso seria possível. AGRADECIMENTOS Gostaria, primeiramente, de expressar minha gratidão a DEUS pelo dom da vida, pela saúde e disposição que me proporcionaram realizar esta pesquisa. Em especial, dedico meus agradecimentos ao Professor Dr. Jorge Sobral da Silva Maia, meu orientador, que não apenas é uma inspiração para mim, mas também gentilmente aceitou me orientar, oferecendo paciência e compreensão ao longo de todo o processo. Não posso deixar de mencionar a professora Márcia Superti Maia, pela benevolência em participar das ações de pesquisa e por permitir-me entrar em seu ciclo de amizade. Agradeço a minha amiga Nilseia Roz Maldonado, que gentilmente cedeu sua casa no município de Acorizal – MT e abriu as portas das comunidades dos distritos da Aldeia e Baús, possibilitando o desenvolvimento de todo o trabalho. Expresso minha gratidão à Prefeitura Municipal de Acorizal, na pessoa do Prefeito Diego Taques, e à Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Acorizal, na pessoa do Secretário Edmilson Nascimento, por disponibilizarem a estrutura necessária para a sistematização da pesquisa. Agradeço, de maneira especial, Elizabete Rossetto, a Bete, minha amiga presente em todos os momentos, desde as viagens de pesquisa de campo até os momentos nevrálgicos e felizes da produção desta tese. Um agradecimento especial também paraminha doce amiga Dalila, que sempre rezou por mim e, nos momentos de angústia, fez um pix para ver-me sorrir. À equipe do UAB - Polo Cuiabá - MT, em especial, Elizete e Marlon, expresso minha gratidão pelo apoio e solicitude constantes durante a concepção deste trabalho. Aos colegas docentes e profissionais da educação de Acorizal – MT, que aceitaram participar desta pesquisa, meu sincero agradecimento. Não posso deixar de expressar minha gratidão para minha irmã Fabíola, meus sobrinhos Ester, João Batista, e meu cunhado Paulo, que, mesmo à distância, sempre torceram pelo meu sucesso. Agradeço as minhas tias cajazeiras e muito presentes: Tia Eliete, Tia Elisa, Tia Mirian, Tia Preta (Marilucy). Ao meu marido Mário Márcio, agradeço por estar sempre ao meu lado, pela compreensão e apoio durante todo o trabalho. Aos meus corações que batem fora do meu corpo - Sara, Manoel, Frank, Dlucas, Jade e Anna - meu profundo agradecimento pelo incentivo, por tornarem minha vida mais completa e por compreenderem minhas ausências por longos períodos. Um agradecimento excepecional ao um grande amigo que nos deixou logo após a qualificação desta pesquisa e hoje se encontra além do arco-iris em sua nova morada, o querido Isaltino Barbosa, a quem expresso a gratidão por todos os momentos de amizade e contribuição nem minha trajetória de pesquisadora. Agradecimentos aos professores membros da Banca, Profª Dr.ª Flavia Martinez, Prof. Dr. Renato Eugênio, Prof.ª Dr.ª Isabel Kondarzewsk,Prof. Dr. Roberto Nardi que, de forma muito generosa e profícua, contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho. Agradeço ao colega Douglas Freitas que sempre com muita paciência me socorreu nos momentos mais inusistados. Por fim, agradeço a Professora Doutora Mariuce Campos de Moraes pela benignidade caridosa de fazer parte desta banca e, principalmente, pela referência em minha história acadêmica que contribuiu para o meu desenvolvimento profissional. A todos que, de alguma forma, contribuíram para que eu pudesse realizar este trabalho, meu eterno agradecimento. A educação ambiental na perspectiva crítica deve ser desenvolvida como uma ação social e a escola é o espaço precursor das práticas educativas focadas nas relações sociais historicamente estabelecidas pelos sujeitos da sociedade (Jorge Sobral da Silva Maia). Melo, Fabia Elaine Ferreira de. O traçado fluvial do rio Cuiabá: o intercâmbio da etnoquímica na perspectiva da educação ambiental crítica por meio de um corredor cultural entre escolas de comunidades ribeirinhas do município de Acorizal - MT.2023 Tese (Doutorado em Educação para a Ciência). Faculdade de Ciências, UNESP, Bauru, 2023. RESUMO A pesquisa propõe uma análise e compreensão das práticas e reflexões aplicadas por diversos agentes envolvidos na educação ambiental, sob uma perspectiva crítica, nas unidades escolares das comunidades ribeirinhas às margens do Rio Cuiabá, no estado de Mato Grosso. O objetivo é investigar as práticas e reflexões adotadas pelos componentes curriculares na educação ambiental, enfocando as unidades escolares ribeirinhas dos distritos da Aldeia e do Distrito de Baús, no município de Acorizal – MT. A pesquisa direciona sua ênfase para as questões relacionadas ao ambiente sociocultural e econômico, buscando compreender profundamente esse ambiente marcado por diversas relações socioeconômicas e naturais. A intenção foi contribuir para a ampliação da perspectiva crítica e emancipatória, tanto no âmbito genérico quanto subjetivo, estimulando a reflexão e a ação em direção à transformação do papel dos indivíduos no mundo. O estudo também visou facilitar um intercâmbio de conhecimento e etnosaberes por meio da conexão do traçado fluvial do rio, proporcionando uma compreensão mais profunda das representações sobre o local de vivência e o uso das ações, relacionando a etnoquímica no estudo das transformações na natureza dos materiais. Quanto à metodologia, o percurso seguiu técnicas qualitativas, como a observação participante para a obtenção de dados com foco na educação Ambiental crítica e no etnoconhecimento. O tratamento qualitativo foi realizado por meio de rodas de conversa e entrevistas com docentes e profissionais da educação, visando a elaboração de propostas e ações para disseminar a educação Ambiental crítica. Além disso, a pesquisa incluiu a apresentação, por meio da aplicação e de uma Proposta Didática Histórico-Crítica (PDHC) que contém atividades que buscam viabilizar a compreensão da conexão entre os campos do etnoconhecimento e a educação ambiental crítica, destacando a etnoquímica em uma abordagem antropológica. Palavras-chaves: Educação Ambiental Crítica. Etnoquímica. Escola pública Etnoconhecimento. Conhecimento tradicional. Pedagogia histórico-crítica Melo, Fabia Elaine Ferreira de. The fluvial route of the Cuiabá River: the exchange of ethnochemistry from the perspective of critical environmental education through a cultural corridor between schools in riverside communities in the municipality of Acorizal - MT. 2023 Thesis (Doctorate in Science Education). Faculty of Sciences, UNESP, Bauru, 2023. ABSTRACT The research systematizes a study to analyze and understand the practices and reflections applied by different agents working in environmental education from a critical perspective in school units in riverside communities on the banks of the Cuiabá River in the state of Mato Grosso, aiming to analyze and understand which practices and reflections are applied by the curricular components in environmental education from a critical perspective in riverside school units in the districts of Aldeia and the district of Baús in the municipality of Acorizal – MT, emphasizing issues linked to the sociocultural and economic environment in an attempt to understand this environment deeply marked by infinite relationships socioeconomic and natural aspects in the sense of contributing to the expansion of the critical and emancipatory perspective, both on a generic and subjective level, enhancing reflection and action with a view to transforming the role of individuals in the world, permeating the possibility of an exchange of knowledge and ethno-knowledge through a connection of the river's fluvial route, enabling the understanding of representations about the place of experience, the use of actions relating ethnochemistry that studies the diversity of transformations in the nature of materials. The methodological path was through qualitative techniques, the participant observation to obtain data with a focus on critical environmental education and ethnoknowledge, in which qualitative treatment took place through conversation circles, semi-structured interviews, oral histories with teachers and education professionals to construct proposals and actions to disseminate Critical environmental education; the presentation, application and validation of a Critical Historical Didactic Proposal (PDHC) in the form of a Didactic Guide; with activities that enable the understanding of the connection between the fields of ethnoknowledge and critical environmental education, highlighting ethnochemistry in an anthropological conception. Keywords: Critical Environmental Education. Ethnochemistry. Ethnoknowledge. Traditional knowledge. Historical-critical pedagogy. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Questionário de Pesquisa ......................................................................... 47 Figura 2 - Sistematização da Pedagogia Histórico-Crítica ........................................ 57 Figura 3 - Capa da PDHC ......................................................................................... 68 Figura 4 - Atividade 1 da PDHC ................................................................................ 69 Figura 5 - Etapas de atividades da PDHC ................................................................. 71 Figura 6 - Técnicas de Preparação da ecobag - Etapas da PDHC ........................... 72 Figura 7 - Extração de tintas - Etapas da PDHC ....................................................... 73 Figura 8 - Ecobag - Etapas da PDHC ....................................................................... 74 Figura 9 - Mapa Conceitual Dialético-Crítico ............................................................. 76 Figura 10 - Palavras do Mapa Conceitual ................................................................. 78 Figura 11 - Registro da fala do Educador Ambiental 1 .............................................. 79 Figura 12 - Registro da fala do Ea5 ........................................................................... 80 Figura 13 - Registro da fala do Ea8 ........................................................................... 81 Figura 14 - Registro da fala do Ea11 ......................................................................... 83 Figura 15 - Registro da fala do Ea19 ......................................................................... 84 Figura 16 - Registro da fala do Ea 20 ....................................................................... 85 Figura 17 - Educador Ambiental 21 ........................................................................... 87 Figura 18 - Educador Ambiental 23 ........................................................................... 88 Figura 19 - Educador Ambiental 24 ........................................................................... 89 Figura 20 - O intercâmbio .......................................................................................... 95 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Dimensões de práticas pedagógicas ...................................................... 43 Quadro 2 - Respostas das questão nº 5 do questionário ......................................... 48 Quadro 3 - Gerenciamento de dados ....................................................................... 77 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Docentes da Escola da Ponce de Arruda ................................................ 32 Tabela 2 - Docentes da Escola Cezina Botelho ........................................................ 35 Tabela 4 - Docentes da Escola Pio Machado............................................................ 37 LISTA DE IMAGENS Imagem 1 - Earth google - Distrito do Baús ................................................................................................... 36 Imagem 2 - Earth.google - Escola Pio Machado - Acorizal MT ................................ 37 Imagem 3 - Réplica da imagem de Nossa Senhora de Brotas presente no oratório particular da Srª Odivan Figueiredo .......................................................................... 39 Imagem 4 – Coqueiro Acuri – cerrado - Distrito da Aldeia ....................................... 39 Imagem 5 - Material do processo formativo ............................................................. 66 Imagem 6 - Processo formativo com professores e profissionais da educação das comunidades da Aldeia e Baús – Acorizal/MT .......................................................... 67 Imagem 7 - Mapa Hidrográfico da extensão do Rio Cuiabá ..................................... 98 Imagem 8 - Margens direita do Rio Cuiabá – região da comunidade de Baús......... 98 Imagem 9 - Earth. Google Extensão do traçado fluvial do Rio Cuiabá - Aldeia - Baús .................................................................................................................................. 99 Imagem 10 - Pesquisadores seguindo o traçado fluvial do Rio Cuiabá sentido Aldeia -Baús - saindo do Porto de Acorizal – MT ............................................................... 100 Imagem 11 - Rio Cuiabá -Rio acima região da Aldeia -Acorizal - MT .................... 101 Imagem 12 - Rio Cuiabá - Rio abaixo comunidade do Baús – Acorizal - MT ......... 101 Imagem 13 - Região do Distrito de Báus - local chamado de cachoeira em função das pedras no meio do Rio Cuiabá ......................................................................... 101 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ........................................................................................... 17 INTRODUÇÃO ................................................................................................. 22 I - AS ESCOLAS E AS COMUNIDADES......................................................... 31 1.1 ACORIZAL E SUAS HISTÓRIAS ....................................................................... 38 1.2 OS PARTICIPANTES ......................................................................................... 40 1.3 COMPREENDENDO AS PRÁTICAS .................................................................. 41 1.3.1 Os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) ........................................................ 42 1.3.2 A Roda de Conversa ........................................................................................ 46 II - UMA DIDÁTICA HISTÓRICO-CRÍTICA .................................................. …55 2.1 UMA AÇÃO FORMATIVA NOS PRECEITOS DA PEDAGOGIA HISTÓRICO- CRÍTICA .................................................................................................................... 58 I - PRÁTICA SOCIAL INICIAL ................................................................................... 61 II – PROBLEMATIZAÇÃO ......................................................................................... 61 III – INSTRUMENTALIZAÇÃO .................................................................................. 62 IV – CATARSE .......................................................................................................... 62 V - PRÁTICA SOCIAL FINAL .................................................................................... 62 2.2 A PROPOSTA DIDÁTICA HISTÓRICO-CRÍTICA (PDHC) ................................. 63 2.3 O MAPA CONCEITUAL E SUAS DISCUSSÕES ............................................. 76 2.4 DAS RODAS DE CONVERSAS E DAS DISCUSSÕES ..................................... 92 III - COMPREENDENDO O TRAÇADO FLUVIAL DO RIO CUIABÁ E SEUS ENCANTOS ..................................................................................................... 97 3.1 O CONHECIMENTO ETNOQUÍMICO E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA ................................................................................................................................ 102 3.2 A ETNOQUÍMICA .............................................................................................. 105 3.3 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA ............................................................. 108 3.4 AS VICISSITUDES DA ESCOLA ENQUANTO ESPAÇO TRANSFORMADOR NA PERSPECTIVA CRÍTICA ........................................................................................ 111 3.5 O PAPEL DA ESCOLA E SUA DIMENSÃO SOCIAL ........................................ 113 À GUISA DA CONCLUSÃO .......................................................................... 116 REFERÊNCIAS .............................................................................................. 123 ANEXOS ........................................................................................................ 127 ANEXO – PARECER CONSUBSTANCIADO CEP ................................................. 127 APÊNDICES .................................................................................................. 128 APÊNDICE 1 - PLANO DE FORMAÇÃO ................................................................ 128 APÊNDICE 2- QUESTIONÁRIO ............................................................................. 128 APÊNDICE 3 -PDHC ............................................................................................... 128 APÊNDICE 4 - MAPA CONCEITUAL DIALÉTICO .................................................. 128 17 APRESENTAÇÃO Nesta apresentação1 são expostas as inspirações da experiência docente da pesquisadora, de forma a refletir sobre a trajetória percorrida até ingressar no programa de doutorado, destacando as compreensões percebidas ao longo dessa caminhada. Atinei–me que assim estaria me aprimoramento na condição docente, procurei por novos segmentos de formação. Conto um pouco dessa experiência a seguir. Envolvi-me como profissional e aprendiz dentro do contexto do ensino e da aprendizagem e o considero importante, pois sempre quis me aprimorar profissionalmente e contribuir com a educação e emancipação dos estudantes que, como eu, estão na lida diária nas escolas. Acredito que o professor deve ser um estudioso, aprendiz constante em busca de um currículo formador que lhe garanta suportes teóricos e metodológicos para melhorar e crescer em sua profissão e no seu desenvolvimento profissional. O meu despertar pela pesquisa iniciou-se em 2004 com o ingresso na primeira turma oficial do Curso de Licenciatura Plena de Ciências Naturais e Matemática, com Habilitação em Química da Universidade Federal de Mato Grosso (LPCNM/UFMT), um projeto piloto originado na época para sanar um déficit de professores de química, física e matemática no estado de Mato Grosso, e como prerrequisitos para adentrar era ser professor graduado e atuante em qualquer área do conhecimento. Portanto, foi uma segunda graduação pensada para professores. Éramos uma turma de professores-estudantes ou de estudantes-professores que traziam experiências de sala de aula para um curso de formação inicial. As reflexões e as inferências tinham sempre o olhar atento daquele que vivia o “chão da escola” em seu cotidiano profissional e, por isso, eram questões mais relacionadas aos embates didático-pedagógicos e metodológicos enfrentados pela docência. Dessa forma, pude notar que a minha didática em sala de aula se transformava a cada dia. 1 O texto nesta parte aplica linguagem pessoal por se referir a registros pessoais. Passei a entender que a ação docente implica, entre outras práticas, na articulação de diferentes conhecimentos, na organização de informações de conteúdo, no conhecimento de campos fronteiriços, bem como, na percepção das próprias necessidades formativas. A iniciação científica proposta pelo curso, que conectava a História da Ciência com os campos disciplinares, tomando-a um fio condutor para a compreensão da constituição desses campos, parecia-me à época, confusa. Era tudo novo! Por vezes, me questionei: como promulgar conceitos tão complexos para o ensino de Ciências? Estas dúvidas eram valorizadas pelo corpo docente e por todos nós, estudantes do curso. Dessa maneira, consolidamos nossa identidade como pesquisadores da prática educacional, ao mesmo tempo em que expandimos nosso repertório teórico e prático. Ao longo desse processo, fui honrada com o convite para participar da elaboração das orientações curriculares do estado de Mato Grosso, especificamente na área das diversidades educacionais voltadas para a modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Esse convite não apenas representou um presente, mas também despertou em mim um profundo entusiasmo e um desejo fervoroso de avançar metodologicamente, buscando aprimorar minhas habilidades tanto como educadora quanto como pesquisadora. A oportunidade de contribuir para a construção das orientações curriculares para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) foi significativa, impulsionando-me a aprofundar meu compromisso com a educação inclusiva e a promoção da equidade social. Nesse contexto, meu empenho em compreender as necessidades de diversos grupos sociais foi norte para o entendimento do papel essencial que desempenhamos na redução das desigualdades sociais. A experiência não apenas enriqueceu minha prática pedagógica, mas também fortaleceu minha posição como uma educadora comprometida com a transformação social. Ao fundamentar minhas ações no contexto dos movimentos sociais, busquei não apenas transmitir conhecimento, mas também promover uma educação que reconhecesse e valorizasse a diversidade, contribuindo, assim, para um ambiente mais justo e inclusivo. A experiência na Educação de Jovens e Adultos (EJA) proporcionou-me uma perspectiva enriquecedora da diversidade e incentivou uma reflexão mais profunda sobre o estudante enquanto um ser social. Nesse contexto, ficou claro para mim a necessidade premente de priorizar a aprendizagem de conceitos que estimulem a formação de cidadãos mais críticos. Muitos desses estudantes, antes reservados e talvez tímidos, revelaram-se capazes de expressarem suas opiniões à medida que adquiriam conhecimento. Observar a transformação desses estudantes, que inicialmente não se sentiam confortáveis para expressarem suas ideias, ressaltou a importância de oferecer um ambiente educacional que promova a confiança e o desenvolvimento individual. Ao priorizar a aprendizagem de conceitos críticos, fomentamos a capacidade dos alunos de emitirem opiniões fundamentadas, contribuindo assim para a construção de cidadãos mais conscientes e participativos. Além disso, ao dialogar com os estudantes, percebi que questões relacionadas à cultura de cada um emergiram de forma proeminente. Essa constatação reforçou a importância de incorporar uma abordagem culturalmente sensível no processo educacional, reconhecendo e valorizando as diversas origens e experiências dos alunos. O diálogo constante durante as aulas proporcionou um espaço para explorar essas questões culturais, enriquecendo ainda mais o ambiente de aprendizagem e promovendo uma compreensão mais profunda da diversidade presente na sala de aula da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Embasado no diálogo e na cultura dos estudantes desta, Saviani (2009, p.26) retrata “a educação deve ser vista como um instrumento para provocar o processo de emancipação humana, sobretudo das camadas populares e oportuniza, ainda mais, uma visão crítica da sociedade”. Diante desse contexto, emergiu em mim a constante convicção de que era crucial dedicar-me e aprofundar meus estudos, visando desenvolver novas metodologias. Assim, em 2017, tomei a decisão de ingressar no Programa de Pós- Graduação em Ensino de Ciências Naturais da Universidade Federal de Mato Grosso (PPGECN/UFMT), com a intenção de explorar a viabilidade da relação entre cultura e ciência. No mesmo ano, a Secretaria de Educação do Estado de Mato Grosso (SEDUC-MT) promoveu um processo seletivo para a escolha de professores pesquisadores destinados a atuarem como formadores de professores no âmbito do desenvolvimento de políticas públicas voltadas à formação docente. Ao ser aprovada, percebi que estava construindo, de maneira positiva, uma conexão entre instituições (universidades e Secretarias Municipais) que, teoricamente, compartilham o compromisso com uma formação de professores abrangente, sólida e rigorosa. Essa dualidade de experiências, entre a pesquisa acadêmica e a atuação prática na formação de professores, permitiu-me contribuir ativamente para a integração efetiva entre diferentes instâncias comprometidas com o aprimoramento do ensino. Foram nove anos dedicados à função de professora-formadora, período durante o qual me empenhei em estudar e aprimorar minha compreensão sobre a formação continuada. Durante viagens para atender escolas no interior do Mato Grosso, tive a oportunidade de conhecer o município de Acorizal e seus distritos, Aldeia e Baús, localizados às margens do Rio Cuiabá. Nas visitas às escolas da região, destaquei a ênfase de um grupo escolar em preservar o contexto histórico- cultural de suas práticas, integrando vivências vinculadas ao etnoconhecimento no currículo escolar. Diante desse contexto, iniciei uma investigação sobre as comunidades e me envolvi com a educação ambiental, considerando o rio como elemento central nas vidas dessas comunidades. Com o objetivo de aprimorar ainda mais meus conhecimentos como professora-formadora e pesquisadora, ingressei no programa de Pós-Graduação em Educação para Ciências, orientado pelo professor Dr. Jorge Sobral da Silva Maia. Sua generosidade em direcionar e incentivar foi fundamental, motivando-me a estabelecer e alcançar objetivos por meio da pesquisa. Nesse contexto, busco por respostas para questões relacionadas à educação ambiental crítica, explorando práticas sociais vinculadas ao etnoconhecimento,tema central desta pesquisa. 22 INTRODUÇÃO Esta pesquisa se propôs a sistematizar um estudo com o objetivo de analisar e compreender as práticas sociais aplicadas por diferentes agentes envolvidos na educação ambiental, adotando uma perspectiva crítica que possa impulsionar as transformações estruturais dos problemas socioambientais ligados ao processo educativo que de natureza igual propiciam orientações para o paradigma de sociedade atual. Para alcançar este propósito, foram selecionadas três unidades escolares: a Escola Estadual Ponce de Arruda, localizada no Distrito da Aldeia; a Escola Cezina Botelho, situada no Distrito do Baús; e a Escola Pio Machado, às margens do Rio Cuiabá, todas pertencentes ao município de Acorizal, localizado a uma latitude de 15º12'17" Sul e uma longitude de 56º21'57"Ooeste, com altitude de 164 metros. A população estimada para o ano de 2022 é de 3.334 habitantes, e a cidade está a 70 quilômetros da capital, Cuiabá, no estado de Mato Grosso. A escolha por este contexto ocorre em função da relevância da educação ambiental, que tem direcionado seu foco para questões relacionadas ao ambiente. Busca-se, assim, compreender esse meio, caracterizado por inúmeras relações sociais e naturais, a fim de contribuir para a liberdade do pensamento, da ação e da reflexão do sujeitos sobre seu papel social no Mundo. Nesse sentido, as escolas selecionadas representam uma oportunidade para explorar práticas educacionais que promovem uma abordagem crítica da educação ambiental, considerando o contexto específico e as particularidades das comunidades envolvidas, em outras palavras, suas práticas sociais. Considerando ponderações e particularidades históricas, tendo o rio como a base principal para a vida dessas comunidades, seja na pesca ou no transporte de acesso às escolas, sendo investigadas respostas à seguinte questão de pesquisa: “o traçado fluvial do rio Cuiabá em toda a sua extensão pode propiciar o intercâmbio e uma conectividade de etnosaberes com a educação ambiental em uma perspectiva crítica junto às comunidades em seu entorno?” 23 Sendo assim, o ensino se torna um articulador entre os saberes científicos e socioambientais, que possibilitam aos cidadãos atuarem em sociedade de maneira crítica, política e consciente em função de estarem cientificamente letrados (Tozoni- Reis et al., 2007). No âmbito deste trabalho são apresentados elementos que visam proporcionar a compreensão e interpretação do etnoconhecimento e da diversidade biocultural presentes nas escolas das comunidades ribeirinhas. O objetivo é compreender as representações sobre o lugar de vivência e suas relações com o meio ambiente, ressaltando a relevância cultural e as características específicas de cada comunidade (Ferreira, 2010, p. 15). Alicerçados nessa acentuada herança étnico-cultural, propõe-se a seguinte tese: “O traçado fluvial do rio Cuiabá em toda a sua extensão pode propiciar o intercâmbio e uma conectividade da etnoquímica com a educação ambiental crítica fundamentada na pedagogia histórico-crítica.” Seguindo o pressuposto de que o ser humano pode e deve ser um agente importante na conservação e preservação do meio socioambiental, a educação ambiental, na esfera crítica, se mostra como ferramenta fundamental para a retomada do papel de ações que viabilizem a constância e subsistência desse meio socioambiental, potencializando a relação entre sociedade e natureza na perspectiva histórico-crítica. Essa concepção permite elaborar os seguintes objetivos, sendo o geral expresso em analisar e compreender as práticas e reflexões aplicadas pelos diferentes agentes atuantes na educação ambiental em uma perspectiva crítica nas unidades escolares das comunidades ribeirinhas do município de Acorizal – MT. Como objetivos específicos são expressos: ✔ Discutir o entrelaçamento entre os etnosaberes e a ciência entendendo-os, ora como protagonistas, ora como coadjuvantes no processo educativo. Considerando a natureza da ciência e o etnoconhecimento. ✔ Contribuir com a discussão entre os campos do etnoconhecimento e a educação ambiental crítica e destacar etnoquímica em uma concepção antropológica histórico-crítica. 24 Para as concepções metodológicas, a investigação proposta adotou aspectos de natureza qualitativa, incorporando alguns eixos do método etnográfico com o foco de compreender a cultura de comunidades e grupos sociais. Utilizou-se a técnica de observação participante, através de convivência e diálogos da pesquisadora com os participantes da pesquisa, destacando a elaboração de bases teóricas para interpretar sua prática social. Os instrumentos de coleta de dados incluíram: questionários, entrevistas semiestruturadas e rodas de conversa com docentes e profissionais da educação. A pesquisa qualitativa tem como foco de estudo o processo vivencia do sujeitos buscando identificar o sentido desse processo nas condições empíricas em que se apresentam. Tal abordagem permite capturar e apresentar os diversos pontos de vista dos participantes de um estudo, suas compreensões de mundo, as ideologias que a sustentam, bem como os aspectos hegemônicos que a sociedade impõe, por meio dos seus aparelhos ideológicos, repressores e aparelhos privados de hegemonia (Gramsci, 2013). Ainda, essa abordagem abre a possibilidade de explicar a expressão cognitiva e comportamental dos participantes e interpretá-las a partir de uma multiplicidade de referências teóricas e práticas, ampliando o potencial de captura e explicitação da realidade pesquisada (Yin, 2016). Para o diagnóstico inicial da realidade se fez opção pela observação participante que permitiu certa fluidez para tempo espacial como sugere Yin (2016), fato que exigiu da pesquisadora seletividade em relação aos locais de observação e o que observar nestes ambientes, buscando os elementos representativos do ponto de vista da importância desta pesquisa. Angrosino (2009, p.180) aborda a técnica de observação participante permeada na interação social e nas interpelações com as seguintes formas investigativas: o participante total, o participante como observador, o observador como participante e o observador total, que conduz conteúdos amplos de estudo. Não há uma conjectura prescrita, sujeito ou objetos investigados, equidade ou generalização. Conjuntamente à observação participante, a roda de conversa foi um instrumento estratégico para a obtenção de informações, pois formaliza a compreensão do objeto de pesquisa no sentido do diálogo direto com os 25 participantes. Sendo assim, para a pesquisa qualitativa “é um meio para explorar e para entender o significado que os indivíduos ou os grupos atribuem ao problema social ou humano” (Creswell, 2010, p. 26). O participante é o descritor fundamental, as conjunturas são apresentadas por vozes, vivências e memórias. De acordo com Warschauer (2004, p.104): a roda de conversa, é uma construção coletiva, é essencial para o pesquisador, no contexto da coleta de dados, no âmbito qualitativo possibilitando o pesquisador a compreender que as memórias culturais e individuais estão intimamente ligadas [..]às colocações de cada participante são construídas a partir da interação com o outro, conversar, nesta acepção, remete à compreensão de mais profundidade, de mais reflexão, assim como de ponderação, no sentido de melhor percepção de compartilhamento e análises do pesquisador. Considerando o exposto, foi possível capturar elementos relevantes dos grupos que participaram das rodas, seus gestos, comportamentos não verbais, ideias expressas, interações, concordâncias e discordâncias evidenciando a diversidade concreta e o conjunto de peculiaridades que identificam essa técnica. Neste contexto se tem o espaço natural para obtenção de informações, tendo como ferramenta principal o pesquisador, estrutura descritiva e focalização indutiva, aspecto fundamental da pesquisa qualitativa. Ainda, permite a assimilação da completude de técnicas interpretativas que retratam e identificam elementos complexos, permeando significados. Para Maanen (1980, p. 430): “A pesquisa qualitativa deve dar o sentido de traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo social; trata-se de reduzir a distância entre indicador e indicado, entre teoria e dados, entre contexto e ação”. Constantemente, tais investigações são realizadas nos espaços originários da sistematização dos dados, o que não obstrui o pesquisador de usar a experiência, os hábitos e as práticas cotidianas adequadas para as interpretações dos fenômenos. Segundo Leininger (1986, p.13): O método qualitativo enfatiza a qualidade enquanto natureza, essência, significado e atributos, colocando a sua ênfase na interpretação individual da realidade, o que se configura como consistente com a problemática e objetivos do estudo. 26 Desse modo, viabiliza estar no ambiente da ação a ser realizada, conforme os objetivos a serem investigados. O método qualitativo é integrado pela investigação de materiais sem intervenções analíticas, que podem ser estudados e ponderados a novas leituras críticas e argumentativas (Leininger, 1986). Sendo capaz de apresentar um âmago auspicioso para outras investigações de cunho qualitativo, enfatiza que a criatividade do pesquisador seja conduzida a um panorama diversificado, permitindo o acesso físico e informações. Entre os métodos qualitativos, destaca-se o método etnográfico, proveniente de uma concepção antropológica que abrange as unicidades e aspectos interpretativos no sentido amplo da pesquisa, tendo em vista que a etnografia, no encalço investigative tem sua vivência em um grupo étnico distinto em seu meio social, já a investigação antropológica permeia uma pesquisa conjuntural de perspectivas do ser humano (Lévi-Straus 1974, p. 34). Corroborando com Levi-Straus (1974), Clifford (1998, p. 260) retrata que, a antropologia e a etnografia versam abundantes subvenções com propósitos e finalidades diferentes, assim dizendo, a etnografia se limita intrinsecamente e não no âmago antropológico. Na acepção kuhniana, a referência etnográfica expressa a natureza diversificada dentro de um universo de significações, e essas implicam investigações que não são os aspectos conjunturais; mas sim, os significados (Kuhn, 1962). Com base neste pressuposto, Kuhn (1962, p.75) considera: que o paradigma etnográfico pode assumir um caráter diferenciado, na medida em que esteja mai sou menos marcado pela visão do todo, pela preocupação com o significado, e conforme o estudo penda mais para o diagnóstico ou para a explicação dos fenômenos (Kuhn, 1962, p.75). A visão etnometodológica na pesquisa qualitativa tem uma origem fenomenológica com traços distintos nas relações sociais, ou seja, no sentido de que o etnoconhecimento é valorizado para a cognição do social e a interpretação seja definida dentro do seu universo simbólico. Braga (1990, p. 57) conceitua a pesquisa qualitativa etnográfica como: um estudo de significado da "vida diária". É uma postura/posição metodológica que se opõe aos modos tradicionais de manipular os 27 problemas de ordem social (essência vista "de fora"), colocando que ela se cria na própria interação, sendo uma forma nova de apreender a realidade, sabendo que nenhuma delas consegue apreendê-la totalmente (Braga, 1990, p. 57). A etnografia consiste na narrativa detalhada de uma cultura específica, permitindo a identificação de domínios de conhecimento e a interpretação do comportamento dos elementos culturais em relação aos aspectos específicos (Bernardi, 1988). A Observação Participante na Pesquisa A observação participante é uma técnica que viabiliza a interação do pesquisador com o fenômeno em estudo, utilizando seu conhecimento e experiências como instrumentos que contribuem para o processo de compreensão e interpretação. Esse método permite a continuidade das perspectivas a serem abordadas. Spradley (1980) destaca que a observação participante é uma técnica empregada na pesquisa das ações e objetos investigados, possibilitando a identificação, atribuição de significado e orientação dinâmica dos momentos observados. Em outras palavras, investe-se em ações que proporcionam ao pesquisador-observador a capacidade de estar simultaneamente dentro e fora do contexto investigado, transformando-se em um instrumento de pesquisa. Segundo Malinowski (1975, p. 53): A observação participante é uma técnica de abordagem qualitativa etnográfica no qual o observador participar ativamente nas atividades de coleta de dados, pormeio da inserção do pesquisador no eixo dos grupos a serem observados permitindo a interação social e a convivência com os sujeitos, partindo do princípio que a observação conecta o observador à suaobservação,e o conhecedora dos seus conhecimento (Malinowski,1975, p. 53). Desse modo, a observação participante pode ser utilizada em estudos com ações etnográficas, ou seja, estudos que permeiam as teorias interpretativas das relações sociais e culturais sistematizadas a um grupo específico, visando a compreensão das interrelações com o meio, podendo ser retratada como uma ação 28 metodológica que permite uma conexão concreta com as práticas e as relações sociais. Nos preceitos de May (2001, p.177): A observação é o processo no qual um investigador estabelece um relacionamento multilateral e de prazo relativamente longo com uma associação humanana sua situação natural com o propósito de desenvolver um entendimento científico de um grupo específico, com análises delimitadas e adentrar nas vivências. Desse modo, na observação participante, o pesquisador vivencia diretamente o objeto de sua análise, buscando uma compreensão mais aprofundada da percepção. Procede com diligência, alinhando as interpretações por meio da participação nas relações sociais e no contexto das situações observadas. Gold (1958) aborda que a observação deve considerar os contextos socioculturais do ambiente observado para explicar os padrões identificados de atividade humana. Corroborando com essa perspectiva, Valadares (2007, p. 154) pontua: A observação participante, implica, necessariamente, em um processo longo. Muitas vezes o pesquisador passa inúmeros meses para "negociar" sua entrada naárea. Uma faseexploratória é, assim, essencial para o desenrolar da pesquisa. O tempo é também um pré-requisito para os estudos que envolvem o comportamento e a ação de grupos: para se compreender a evolução do comportamento de pessoas e de grupos é necessário observá-los por um longo período e não num único momento (Valadares, 2007, p.154). Dessa forma, Gold (1958) destaca que a observação participante consiste na inserção do pesquisador no interior do grupo observado, tornando-se parte desse e interagindo por longos períodos com os sujeitos. O pesquisador busca compartilhar o cotidiano e os conhecimentos socialmente adquiridos e compartilhados disponíveis para os participantes ou membros desse ambiente. Valadares (2007) enfatiza que o pesquisador deve criar uma rotina de trabalho no grupo a ser pesquisado, pois sua presença constante contribui com esse. Portanto, Prodanov et al. (2013) pontuam que o pesquisador não pode ter pressa, especialmente, para a coleta de dados, que deve ser minuciosa, detalhada e 29 esclarecedora para gerar confiança para o grupo estudado, subsidiando a interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados, tendo o ambiente natural como fonte direta para a coleta de dados. Rodas de Conversas Hipoteticamente, a roda de conversa estava presente, a princípio nas abordagens do filósofo Sócrates, que viabilizou amiúde diálogos constantes em grupos, estimulando as reflexões sobre um determinado tema, e que a posteriori cotejava as respostas obtidas, ressaltando um instrumento aporético baseado na conversação, nesse sentido Silva et al. (2007, p. 62) retratam que: a Roda de Conversa é um profícuo meio para coletar informações, caracterizando-se como uma oportunidade de aprendizagem e exploração de argumentos, sem a exigência de elaborações conclusivas, em que a conversa se desenvolve num clima de informalidade, o que cria possibilidades de diálogos, Afonso (2008, p.180) explica que as rodas de conversas são instrumentos participativos que conduzem a coleta de dados por meio das falas dos participantes. Para Figueiredo et al. (2014), as rodas de conversa incidem em um método instrumental de pesquisa voltado para ações de grupos relativos a um tema definido que viabilize o diálogo entre os participantes, os quais socializam e ouvem por meio de práticas ensimesmadas. E Moura et al. (2014, p. 99) apontam que: [...] as rodas de conversa, quando utilizadas como instrumento de pesquisa, uma conversa em um ambiente propício para o diálogo, em que todos possam se sentir à vontade para partilhar e escutar, de modo que o falado, o conversado seja relevante para o grupo e suscite, inclusive, a atenção na escuta. Nas rodas de conversa, o diálogo é um momento singular de partilha, porquepressupõe um exercício de escuta e de fala, em que se agregam vários interlocutores, e os momentos de escuta são mais numerosos do que os de fala. Sendo assim, no contexto investigativo, a roda de conversa é uma forma de coletar dados que permite ao pesquisador a participação imparcial na conversa, mediando os diálogos em uma concepção dialética, possibilitando que a roda de 30 conversa seja um instrumento que viabilize o contingente das práticas sociais e a compreensão reflexiva dessas. Quanto à estrutura do trabalho, este foi dividido em capítulos, sendo que no primeiro capítulo foram abordados os participantes, as escolas, os fundamentos históricos da área de pesquisa e suas comunidades. Foram descritas as práticas tradicionais desenvolvidas nas escolas da comunidade de Acorizal, apresentando uma ação formativa na pedagogia histórico-crítica e uma proposta no materialismo dialético, trazendo o etnoconhecimento associado com uma visão crítica e analítica da concepção socioambiental, tendo o rio Cuiabá como coadjuvante. No segundo capítulo, foram enunciadas, de forma argumentative, as perspectivas de uma ação formativa proveniente das teorias da pedagogia histórico- crítica vinculada com a educação ambiental na perspectiva crítica, sendo como sinalizadora para as compreensões das práticas e reflexões aplicadas pelos diferentes agentes atuantes nas escolas. No terceiro capítulo se discorre sobre o etnoconhecimento e a etnoquímica, interpelados pela antropologia, permeando uma conexão da relação social dos povos tradicionais, reiterando as formas de uso da terra e da cultura atrelados com a concepção da educação ambiental em uma perspectiva crítica. No quarto capítulo, foram apresentadas compreensões construídas ao longo da trajetória da pesquisa. Assim, seguindo o caminho proposto no percurso metodológico se apontam os desenvolvimentos relacionados com a pesquisa. Adianta-se que a análise dos dados evidenciou a pouca compreensão da relação entre a etnoquímica e a educação ambiental na perspectiva crítica, destacando as práticas sociais no desenvolvimento das atividades propostas. 31 I - AS ESCOLAS E AS COMUNIDADES As escolas partícipes da pesquisa apresentaram uma diversidade de etnosaberes, habilidades próprios que tornam a comunidade um espaço inter/multicultural, com populações cujas diversidades cultural, sociais e étnicas sustentam a riqueza sócio-histórica e, sendo assim, se busca relacionar as experiências e os saberes relatados com os dados que foram obtidos da observação direta da vivência dos participantes em suas práticas sociais. Segundo Ferreira (2010), escutar os relatos implica interpretar o conhecimento do outro como uma oportunidade de interação entre o pesquisador e os indivíduos que detêm histórias que podem ser reveladas e narradas, descrevendo modos de vida e trabalho, em distintos contextos culturais, criados e recriados ao longo do tempo e em diversos lugares pela cultura humana. Vale ressaltar que durante os encontros com as escolas foram estabelecidas interações com suas narrativas, memórias, que abrigam diversas experiências vividas e, ao se entrelaçarem, essas acabam por ressoar no cotidiano escolar. A primeira escola estudada se localiza no Distrito da Aldeia, situado às margens do Rio Cuiabá, acima do município de Acorizal. Nesse local, uma comunidade se formou a partir da miscigenação dos índios da etnia Bororó com os quilombolas da região, ocorrida em 1817. O nome "Aldeia" foi atribuído ao distrito em função da presença dos índios Bororós. O termo Bororó significa "pátio da aldeia" (Boe Ewa), indicando um conjunto de casas dispostas em círculo. A arquitetura do distrito reflete essa organização, com as casas construídas em formato circular, remetendo ao conceito de um pátio de aldeia. Inicialmente, os moradores eram predominantemente indígenas, mas com a chegada da população preta e o processo de miscigenação, a comunidade perdeu sua organização tribal, resultando na mistura de elementos de diferentes etnias. Os traços do biotipo indígena e negro são perceptíveis, e os habitantes se autodeclaram pardos. A comunidade da Aldeia foi oficialmente reconhecida como distrito em 1938. 32 No aspecto socioeconômico, a comunidade apresenta um acúmulo de capital limitado. Alguns moradores trabalham como funcionários de uma fábrica de gelatina instalada na região, enquanto a maioria das famílias ainda depende da pesca e da agricultura familiar para sua subsistência. A escola do distrito da Aldeia é denominada Escola Estadual Ponce de Arruda, fundada em 1954. Inicialmente, recebeu o nome de Escola Mista da Vila da Aldeia. No governo de João Ponce de Arruda, em 1974, a escola foi renomeada como Ponce de Arruda em homenagem ao governador. Atualmente, essa escola oferece o ensino para os anos iniciais, anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos no período noturno. A instituição conta com dezessete professores e cinco profissionais da educação, designados pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso como AAE (Apoio Administrativo Educacional). Esses profissionais estão divididos nas categorias administrativa, responsáveis pela organização da secretaria da escola, e infraestrutura, que inclui agentes de pátio, merendeiras e agentes de limpeza. Segundo o Censo Escolar de 2022, a escola tem 100 estudantes matriculados. Da comunidade escolar se destacam os docentes presentes naTabela 1: Tabela1 - Docentes da Escola da Ponce de Arruda Formação Área de atuação Componente Curricular 5 Pedagogia Na Unidocência atuam como professores de Ciências Humanas; pois, na comunidade não há professores habilitados na área de matemática nos anos iniciais. Unidocência História Geografia Sociologia Filosofia Matemática 5 Letras Área de Linguagens Língua Portuguesa e Língua Inglesa 2 Educação Física Área de Linguagens Educação Física e Artes 33 5 Ciências Biológicas Ciências da Natureza Ciências Biologia Matemática Química e Física Fonte: autoria própria (2023). Observa-se, na tabela 01, que os docentes escola Ponce de Arruda que professores formados em pedagogia assumem outros componentes curriculares no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, na modalidade da Educação de Jovens e Adultos, atendendo uma demanda pela falta de professores destas áreas distintas, embora mesmo sendo da área da unidocência, sendo assim se embasa esta organização pedagógica nas falas de Silva e Krug (2008b, p. 24) esclarecem que “[...] o prefixo 'uni' é originado da palavra unir e 'docência' corresponde ao ato do professor de exercer sua profissão, então, logicamente 'unidocência' é a união dos conteúdos de todas as disciplinas e ministrada por um único professor”. E que no caso da escola Ponce de Arruda acarreta esta demanda pela ausência de professores de outras áreas. Na equipe de profissionais da Educação, há duas merendeiras, duas agentes de limpeza e um agente de pátio, todos com formação no Ensino Médio. Esses profissionais desempenham funções essenciais para o bom funcionamento da escola, contribuindo para a manutenção do ambiente escolar limpo, organizado e propício ao aprendizado. A formação no Ensino Médio destaca o comprometimento desses profissionais que, mesmo com diferentes responsabilidades, desempenham papéis fundamentais para o bem-estar e a eficiência das atividades escolares. A seguir a imagem 1 apresenta a localização da unidade escolar: 34 Imagem1. Earth.google-Distrito da Aldeia Fonte: http://earth.google.com/, 2D e 3D 2022 A próxima escola está situada rio abaixo, na comunidade do Baús, às margens do rio Cuiabá, aproximadamente 5 km ao Sul do município de Acorizal e 15 km ao Norte da comunidade da Aldeia. Essa localização estratégica se deve à presença do porto, sendo esse ancoradouro de embarcações comerciais fluviais, que historicamente foi crucial para a região. Na virada do século XIX, a região abrigava estalagens que recebiam e alimentavam comerciantes portugueses que atracavam ali com mercadorias destinadas aos fazendeiros locais e pequenos comerciantes. Os relatos dos moradores indicam que essas mercadorias eram transportadas em baús de couro e madeira talhada, de diversos tamanhos, que encantavam os habitantes locais. Muitos adquiriram esses baús como móveis de decoração, conferindo certo status às famílias que possuíam um. Dessa forma, a comunidade passou a ser conhecida como Baús. A presença dos comerciantes portugueses resultou em uma nova miscigenação étnica, evidenciada ainda hoje na comunidade, uma vez que muitos http://earth.google.com/ 35 dos moradores apresentam características físicas como pele, olhos e cabelos claros e lisos. Apesar do comércio ter sido uma atividade importante na subsistência local, a principal organização socioeconômica na região é a pesca e a agricultura familiar. Historicamente, a Comunidade do Baús contava apenas com a Escola Municipal Amâncio Ramos de Arruda, fundada em 1960, atendendo exclusivamente a Educação Infantil do 1º ao 4º ano. Diante dessa realidade, a maioria dos estudantes não prosseguia com seus estudos, pois esses não tinham condições de se deslocar para Acorizal ou Cuiabá, dada a distância. Diante desse desafio, a comunidade se uniu, organizou uma associação e encaminhou à Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso um abaixo-assinado reivindicando a necessidade de continuidade dos estudos para os estudantes locais. Em resposta a essa mobilização, o governo, por meio de Decreto n º 592 em 25/02/1988, criou a Escola Cezina Antônia Botelho, atendendo à Educação Infantil, salas multisseriadas dos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental, além da Educação Especial, nos períodos matutino e vespertino. A escola conta com doze professores e cinco profissionais da educação, denominados AAE – Apoio Administrativo Educacional, e possui 80 estudantes matriculados, conforme dados do censo escolar de 2022. A Tabela 2 apresenta o quadro dos docentes presentes na mencionada escola: Tabela 2 - Docentes da Escola Cezina Botelho Formação Área de atuação Componente Curricular 5 Pedagogia Atuam como unidocentes e na área de Ciências Humanas Unidocência História e Geografia 3 Letras Área de Linguagens Língua Portuguesa e Língua Inglesa 1 Educação Física Área de Linguagens Educação Física e Artes 3 Ciências Biológicas Ciências da Natureza Ciências Matemática Fonte: autoria própria (2023). 36 Dos colaboradores no âmbito educacional se destacam duas profissionais responsáveis pela merenda, duas agentes de limpeza, todas com formação no Ensino Fundamental. Vale ressaltar que o técnico da secretaria, embora com escolaridade um pouco mais avançada, possui apenas o Ensino Médio. Essa composição reflete um quadro de profissionais que, embora possua informações diversas, desempenham funções essenciais para o funcionamento da instituição de ensino. A imagem 2 traz a apresentação da localização da Escola Cezina Botelho. Imagem 1 - Earth google - Distrito do Baús Fonte: http://earth.google.com/, 2D e 3D 2022 Para uma compreensão mais ampla, a escola central da região está situada no município de Acorizal, denominada como Escola Estadual Pio Machado, destaca-se como uma instituição educacional urbana sob a administração estadual. Abrangendo diversas etapas do percurso educacional, a escola atende tanto ao Ensino Fundamental quanto ao Ensino Médio, incluindo os Anos Finais. Nas modalidades como Ensino Regular e Educação de Jovens e Adultos (EJA), refletindo um compromisso com a diversidade e as étnicas regionais. http://earth.google.com/ 37 A Tabela 3 apresenta o quadro dos docentes presentes na mencionada na escola: Tabela 3 - Docentes da Escola Pio Machado Fonte: autoria própria (2023) A imagem 3 apresenta a localização da Escola Pio Machado: Imagem 2 - Earth.google - Escola Pio Machado - Acorizal MT Fonte: http://earth.google.com 2022 Formação Área de atuação Componente Curricular 3 Pedagogia Unidocência Unidocência para os anos iniciais 5 Letras Área de Linguagens Língua Portuguesa 2Letras Área de Linguagens Lingua Inglesa 1 Educação Física Área de Linguagens EducaçãoFísica 1 Artes Visuais Área de Linguagens Artes 3 Ciências Biológicas Ciências da Natureza Ciências Biologia Química 3 Matemática Matemática Matemática Física 1Sociologia Ciências Humanas Sociologia e Filosofia Geografia História 1 Geografia Ciências Humanas Geografia 1 História Ciências Humanas História http://earth.google.com/ 38 1.1 ACORIZAL E SUAS HISTÓRIAS O território era inicialmente habitado pelos indígenas Bororó e, posteriormente, recebeu a chegada de pessoas negras fugidas da condição de escravos ocorrida em 1817. Nesse período, duas famílias portuguesas também buscavam refúgio na região, em função de perseguições políticas em Cuiabá e essas foram instaladas em uma cabana abandonada, e essas famílias se misturaram aos Bororós e aos negros, formando uma comunidade diversificada. Uma das familias portuguesas possuía uma vaca que criavam para o próprio sustento, durante a noite, em uma chuva forte, a vaca desapareceu e, posteriomente, foi encontrada morta pelos índios Bororós em um riacho. As famílias se lamentaram e fizeram orações e, logo, na alvorada a vaca é encontrada viva e com os úberes cheios de leite. Em um episódio peculiar, eles agradeceram pela sobrevivência da vaca desaparecida, colocando a imagem de Nossa Senhora em um tronco de lixeira, resultando no renascimento da vaca junto à imagem. Esse evento deu origem ao nome "Nossa Senhora de Brotas", marcando a região, tais informações se encontram nos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, mas a precisão de detalhes está nos relatos de moradores antigos, como dona Odivan Figueiredo, uma senhora de 87 anos, atualmente, profissional da educação aposentada que possui uma réplica da imagem de nossa senhora de Brotas nos anos de 1820, que é categorizada pela presença da imagem da vaca. 39 Imagem 3 - Réplica da imagem de Nossa Senhora de Brotas presente no oratório particular da Srª Odivan Figueiredo Fonte: Melo e Maia O local se tornou ponto estratégico, em função da rota fluvial, impulsionada pelo comércio de mercadorias e pela expansão para o Norte relacionada à borracha. A região foi denominada de Brotas, criando o Distrito Paroquial de Nossa Senhora das Brotas. Em 1938, o nome foi alterado para Acorizal, em referência ao coqueiro Acuri - Atalleaphalerata em função da presença de grande quantidade da espécie na região. Imagem 4 – Coqueiro Acuri – cerrado - Distrito da Aldeia Fonte: Melo e Maia 40 1.2 OS PARTICIPANTES A seleção dos participantes seguiu critérios específicos, buscando professores e profissionais da educação que fossem nascidos e criados nas comunidades da Aldeia, Baús e Acorizal, fazendo parte integral da instância sociocultural dessas localidades e atuantes em três escolas-chave para a pesquisa: Escola Estadual Ponce de Arruda, no Distrito da Aldeia; Escola Cezina Botelho, no Distrito do Baús; e Escola Pio Machado, no município de Acorizal. Esses profissionais foram considerados informantes-chave para a condução do estudo .A relevância do critério estabelecido está nas histórias vividas nas comunidades, as tradições e os etnosaberes que envolvem a gnosiologia de diversas representações sociais e, com isso, se busca, em suas comunidades, a compreensão das práticas e as culturas. Os professores das comunidades Aldeia e Baús têm uma trajetória marcada pela permanência na região, com a formação inicial concluída por meio dos cursos de Licenciatura Plena em Educação a distância, oferecidos pela UAB-Polo Cuiabá – MT, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação e a Universidade Federal de Mato Grosso. As aulas presenciais eram mensais, e todos eles também concluíram especializações lato sensu na mesma área de formação. Como participantes foram nove homens, sendo quatro profissionais da educação na área de agentes de pátio e agentes de limpeza, dois atuam nas escolas da Aldeia e do Baús e os demais revezam com a escola Pio Machado em Acorizal nas duas redes estaduais e municipais. Cinco são professores e atuam nas duas redes, municipais e estaduais, e atuam nas três escolas para o cumprimento da carga horária vigente de 30 horas semanais divididas entre o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, os demais partícipes foram dezesseis mulheres, sendo seis profissionais da educação, três agentes de merenda, duas agentes de limpeza e uma agente de patio, que atuam nas duas comunidades, Aldeia e Baús, nas duas redes estaduais e municipais. E dez são professoras, cinco atuam na escola Pio Machado e na Comunidade da 41 Aldeia com o Ensino Fundamental e cinco atuam apenas na Comunidade do Baús com o Ensino Fundamental. Vale ressaltar que alguns professores da Escola Pio Machado não foram incluídos na pesquisa, pois vieram de outras localidades. Observa-se que, embora as escolas das comunidades tradicionais estejam vinculadas às políticas públicas estaduais, recebem suporte legítimo da secretaria municipal. A percepção é de que a Secretaria estadual atua como provedora de recursos e gerenciamento, enquanto o apoio diário, o acolhimento às necessidades e a resolução de questões cotidianas são atribuídos à Secretaria Municipal de Educação de Acorizal. 1.3 COMPREENDENDO AS PRÁTICAS As escolas desempenham um papel crucial nas comunidades, destacando-se pela diversidade étnica presente. Nesse contexto, os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) das escolas foram analisados e seguem as diretrizes políticas da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso (SEDUC-MT), sendo essas centralizadas no documento de referência curricular do estado. O Documento de Referência do Estado - DRC-MT enfatiza que a Educação Ambiental deve ser integrada aos currículos e propostas pedagógicas interdisciplinares, abordando temas contemporâneos que impactam a vida humana em escalas local e regional (Mato Grosso, 2018, p. 83). Dessa forma, os professores devem alinhar seus planejamentos às habilidades do documento estadual. A saber, segundo Japiassú (1980, p. 123), a interdisciplinaridade é identificada pelo aspecto indubitável, comum dos componentes curriculares correlacionando os conceitos dos objetos de conhecimentos integrados com níveis de complexificação diferentes. Mendes (2020, p. 141) corrobora esse aspecto expondo que: [...] é ponto fundamental para refletirmos sobre a defesa corrente pela utilização da interdisciplinaridade na educação ambiental crítica no processo pedagógico pois a vertente social crítica considera as dimensões social e histórica da produção do conhecimento e oferece “consoante com a 42 perspectiva marxista que postula estar a ciência moderna subordinada à lógica da divisão social e técnico-científica. No entanto, ao se analisar a prática da Educação Ambiental nas escolas, constata-se que, muitas vezes, essa se resume a projetos pedagógicos interventivos, como o Projeto Horta que são considerados pertinentes e significativos, tendo em vista o aproveitamento e limpeza dos terrenos ociosos da escola, proporcionando a interação dos estudantes, e apresenta uma concepção de sustentabilidade. No entanto, para as comunidades tradicionais, uma horta é extremamente habitual nestes espaços, ou seja, os estudantes têm hortas em casa. Na Escola da Aldeia, por exemplo, o projeto é desenvolvido pelo professor de Ciências, mas nota-se uma ausência de interação dos estudantes nesse processo. O foco é ocupar os espaços ociosos da escola e complementar a merenda escolar. A observação na comunidade do Baús revelou práticas etnoquímicas distintas, como o cultivo de ervas finas em vasos, a produção de temperos naturais, licores, vinhos e compotas de frutas secas. A comunidade utiliza conhecimentos tradicionais para manipular elementos naturais, destacando-se o cuidado específico com a mandioca brava. Na escola Pio Machado, o Projeto Horta é mais abrangente, apresentando uma variedade significativa de legumes e verduras. Essas práticas evidenciam a riqueza do conhecimento etnoquímico nas comunidades, transmitido ao longo de gerações e definido como a cultura gnóstica de um povo. 1.3.1 Os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) Nesta perspectiva para a compreensão dos fundamentos e desenvolvimento das ações nas escolas foi feita uma analogia dos projetos políticos pedagógicos nas dimensões pedagógicas. 43 Quadro 1 - Dimensões de práticas pedagógicas DIMENSÃO PEDAGÓGICA PPP O Projeto Político Pedagógico desta Escola Ponce de Arruda do distrito da Aldeia traz como meta resgatar, dentro da sala de aula, os etnosaberes e relacioná-los com as diferentes áreas do conhecimento que podem ter condições de pensar uma educação que traga como referência sua cultura e suas práticas sociais associadas ao saber escolar. Objetivos e Metas ✓ Promover ações interdisciplinares que centralizem o projeto de vida dos estudantes com eventos e ações que gerem engajamento escolar e interação entre estudantes de níveis distintos (Fundamental e Médio). ✓ Elaborar projetos em parceria com estudantes e comunidade que aplique o etnoconhecimento da comunidade valorizando seu local de vivência. ✓ Aumentar o índice do IDEB. ✓ Reduzir as taxas de analfabetismo. Educação Ambiental é um processo de educação responsável por formar indivíduos preocupados e que busquem a conservação e preservação dos recursos naturais e a sustentabilidade, considerando a temática de forma holística, ou seja, abordando os seus aspectos econômicos, sociais, políticos, ecológicos e éticos. O Projeto Político Pedagógico da Escola Cezina Botelho do Distrito de Baús traz como meta valorizar os etnosaberes enquanto comunidade tradicional. 44 Objetivos e Metas ✓ Elaborar projetos com comunidade que valorize o etnoconhecimento e inserir ações pedagógicas como a produção das infusões e compotas e o projetos da horta das ervas aromáticas para temperos para serem apresentadas nas festas de santo da comunidade. ✓ Aumentar o índice do IDEB. ✓ Reduzir as taxas de analfabetismo e evasão. E para a educação ambiental busca projetos para a conservação e preservação dos recursos naturais e a sustentabilidade utilizando o princípio de reduzir, reutilizar e reciclar. Com esses três principais passos, teremos um meio ambiente mais preservado, pois a geração de lixo pela sociedade será menor. O Projeto Político Pedagógico da Escola Pio Machado busca no trabalho coletivo, desenvolver uma educação de qualidade, que garanta permanência e a formação de cidadãos participativos, colaborativos e críticos que possam atuar positivamente com a construção da nossa sociedade. Enquanto coletivo de profissionais da educação esperamos construir uma educação que respeite suas origens culturais e o etnoconhecimento de toda a miscigenação histórica de forma significativa e profícua. Queremos uma escola de leitura, literatura, arte, expressão, ludicidade, consciência, atitude, desafio, conhecimento, cooperação, comunicação, raciocínio lógico e alegria. 45 Objetivos e Metas ✓ Promover ações interdisciplinares que centralizem o projeto horta e envolva toda a comunidade escolar integralizando principalmente a educação de jovens e adultos que já trazem um conhecimento específico e técnico. ✓ Aumentar o índice do IDEB. ✓ Reduzir as taxas de analfabetismo. Educação Ambiental deve abordar o sistema da sustentabilidade usando a técnica da redução, reutilização e reciclagem prezando a preservação e conservação dos recursos naturais. Optou-se por analisar as dimensões pedagógicas das escolas partícipes da pesquisa em busca de indicativos da tessitura das relações e das práticas sociais envoltas ao etnoconhecimento e sua aplicabilidade. Desse modo se esclarece que a política pública estadual delibera uma autonomia de construção dos projetos políticos pedagógicos de acordo com concepção cultural da qual as comunidades escolares estavam inseridas, de acordo com as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica, a Resolução normativa nº 003/2018-CEE/MT, que dispõem as Orientações Curriculares: Diversidades Educacionais (MT), o Documento de Referência Curricular de Mato Grosso (DRC/MT) que outorgou a construção dos projetos políticos pedagógicos com base na cultura local por meio de ações políticas cotidianas que valorizassem as ações sócio-histórico-cultural das comunidades e para a educação Ambiental, conforme os quadros analógicos das Dimensões Pedagógicas PPP. Diante desta analogia das dimensões, na concepção dos objetivos, se observa uma similaridade nas metas escolares em relação aos índices do IDEB e as taxas de analfabetismo, as quais são consideradas de extrema relevância para o desenvolvimento de todo o núcleo escolar e, conjuntamente, abordam em suas formulações propostas que trazem um certa exaltação das práticas sociais que valorizam o etnoconhecimento das comunidades e seus locais de vivência, 46 respeitando as origens, a diversidade étnica e todo processo histórico de miscigenação cultural. Entretanto, as investigações foram aprofundadas nas propostas para a educação ambiental presente nos PPP. Sendo assim, a educação ambiental é mencionada nos projetos políticos pedagógicos de duas escolas, sendo a Cezina Botelho e na Escola Pio Machado nas perspectivas dos Princípios dos 3R's (Reduzir, Reutilizar, Reciclar), que está diretamente ligado ao gerenciamento dos resíduos sólidos, como de recursos, reutilização de materiais aproveitáveis. Já na escola Ponce de Arruda demonstram preocupação com a conservação e a preservação dos recursos naturais e a sustentabilidade. Compreende-se que tais princípios, mesmo citados com a premissa de promover uma qualidade ambiental e uma incauta conscientização, se tornam exíguos na concepção escolar, em função da inexistência de uma problematização socioambiental de forma crítica para a educação ambiental, tendo em vista que é necessário o uso de técnicas e métodos que remodelam as práticas sociais para que sejam capazes de conceder às escolas a elaboração coletiva de uma educação ambiental em uma perspectiva crítica (Maia, 2015). Intermediando a autenticidade fundamentada no panorama entre sociedade e ambiente que, de acordo com Tozoni–Reis (2010, p.16) é importante a reflexão e a compreensão das práticas sociais, visando a possibilidade de uma concepção crítica dos recursos políticos e sociais prezando a transformação social. 1.3.2 A Roda de Conversa Diante das análises dos Projetos Políticos Pedagógicos houve o início dos trabalhos com a técnica da roda de conversa. Promoveu-se a I - Roda de Conversa entre as três escolas, reunindo líderes comunitários das comunidades da Aldeia e Baús e foi apresentado o questionário da pesquisa (Figura 1). 47 O encontro foi realizado no centro cultural da cidade baixa do município de Acorizal e na organização do espaço as cadeiras foram dispostas em forma de círculo sugerindo, expressivamente, a ideia de roda e sem parecer paradoxal distinguem-se os hábitos culturais da etnia Bororó estabelecendo uma conexão de familiaridade aos participantes da comunidade da Aldeia e, nesta primeira roda de conversa, houve a participação do secretário municipal de educação e alguns vereadores que também são professores da rede e foram partícipes. Iniciou-se a roda com formalidades políticas, seguidas pela explanação da pesquisa e pela sistematização do questionário, cujas respostas podem ser encontradas no Apêndice 2. Figura 1 - Questionário de Pesquisa Fonte: autoria própria (2022) Contou-se com a participação de um total de 25 colaboradores, entre professores e profissionais da área educacional. 48 Quadro 2 - Respostas das questão nº 5 do questionário2 A importância das práticas tradicionais da sua comunidadede envolvidas na escola. Os impedimentos Professor 1 Escola Comunidade da Aldeia - Compreendemos que as atividades tradicionais e as práticas que desenvolvemosemnossaescoladevem ser trabalhadas num âmbito interdisciplinar que possa envolver toda escola, não apenas como atividades aleatórias mas é necessário o envolvimento de todos principalmente dos mais antigos para contar as histórias referentes às nossas práticas,como o tratamento da mandioca brava só o Joru (seca ) porque na época ButaoButu (chuvas), não dá as águas ficam muito barrentas e o sarã com muito lixo. ✔ Falta de Envolvimento de toda comunidade escolar ✔ lixo que fica no sarã na época do Butao butu Profissional da Educação -1 Escola Comunidade da Aldeia - O plantio do canteiro de remédio (Plantas medicinais), sempre plantamos, sempre fizemos os chás para os meninos nunca deu problema em vinte anos que trabalho e moro aqui nunca vi um menino passar mal por causa dos chá temos conhecimento para que serve cada planta, algumas tiramos do sarã na época do JoruButu (seca) época que sarã ta limpo em alagadiço e sem lixo na encostas, semeamos e fazemos a muda, mas dizem que não pode, a nutricionista da secretaria de educação teve aqui e mandou arrancar o canteiro, mas não arrancamos não, o único problema é que os professores não ensinam a tradição da nossa comunidade, dizem que a secretaria de educação não deixa, só pode ensinar o que está nos livros. ✔ Muito lixo no sarã na época alagadiça Butao butu ✔ A falta de liberdade de usarmos nossos conhecimentos de vivência e raiz na escola. 2 Os registros apresentados foram transcritos das falas e mantidos sem alterações ou correções. 49 Professora 2- Comunidade do Báus – fala de uma das professoras unidocentes responsáveis pelo projeto - Na escola sempre tivemos a cultura de plantar ervas para o tempero dos peixes, são ervas diferentes que nem todo mundo gosta, mas com o sal fica leve um hábito dos portugueses desde 1905, e na florada do jenipapo vamos com os estudantes colher no sarã para fazer as infusões e os pais nos ajudam, pois cada um tem e um jeito de fazer, os azeites fazemos o ano todo, sabemos que são práticas da comunidade aqui do Báus, mas só eu que sou professora pedagoga que cuida deste projeto, deviam ser interdisciplinar e trabalharem conjunto com todos trazendo até mesmo os conteúdos de cada disciplina. Devia envolver toda a escola, trazer para sala de aula nossas práticas tradicionais e não só ficar focados no material e livros que a secretaria de educação determina. ✔ Falta de envolvimento de toda comunidade escolar. ✔ Nunca dialogamos com as comunidades rio acima, seria muito bom para socializar nossas práticas. ✔ O excesso de lixo que vem descendo do rio muitas sacolas plásticas presas no sarã. Profissional da Educação - 2 Comunidade do Baús - Eu acho muito importante mostrar nossas práticas da comunidade e já vi muita gente de fora lá da secretaria de educação dizer que isso é invenção de moda e que não sabem nada da nosssa história de vida, todas as práticas o sal do mato, o Pacu de bacalhau (peixe seco) e os azeites, a maioria delas foram os mascates estrangeiros das Europa que faziam venda nos Baús e os padres portugueses e os que moraram aqui durante um tempo que ensinaram o povo essas práticas e meus avós contavam isso, mas os professores não podem explicar o porquê de onde surgiu e que estas informações não têm nos livros. ✔ Falta de envolvimento de toda comunidade escolar. ✔ O muito de lixo no rio muitas sacolas plásticas no sarã. ✔ A falta de Projetos interdisciplinares que atende a todos os conteúdos para o entendimento das nossas práticas tradicionais. 50 Professora 3 - Escola de Acorizal - aqui na escola na educação ambiental desenvolvemos apenas o projeto horta que apenas os professores de ciências biológicas cuidam. Mas todos nós da escola percebemos que todos deveriam se envolver neste projeto, os profissionais da educação sentem–se excluídos percebemos isso, muitos são da aldeia e são netos de índios bororó e tem muito conhecimento, mas infelizmente não há abertura para as participação, pelo menos aqui na escola não. Seria interessante uma forma ou algum material que possibilite o acesso dos profissionais da educação na mediação das informações junto aos estudantes, e entre os professores responsáveis pelo projeto horta, vivenciamos várias contradições, pois que cada um deles usam técnicas diferentes, intermediadas pelas suas práticas tradicionais, por exemplo, a professora de Ciências que mora e atuam na comunidade do Baús diz que a regagem da horta deve ser ao meio-dia com o Sol forte para amolecer as folhagens, já os de outras comunidades preferem a regagem pela manhã e no entardecer, já mediamos várias discussões entre os pares por causa dessas diferenças, seria muito importante uma conexão destes etnosaberes. ✔ A falta de diálogo entre as comunidades para o conhecimento sócio-histórico dos etnosaberes de cada uma. Fonte: autoria própria (2022) O último relato foi fornecido pela diretora da Escola Pio Machado de Acorizal, que atendeu e mencionou que já foi secretária municipal de educação na gestão anterior, além de ser uma das participantes da pesquisa. Entre os participantes que responderam às questões, apenas cinco se propuseram a fornecer detalhes na quinta pergunta dissertativa; os demais não responderam, seguindo a orientação da pesquisadora de que a resposta à questão dissertativa não era obrigatória. Destaca-se, como pesquisadora, que as respostas à terceira pergunta, que indicam o desconhecimento em relação à educação ambiental crítica, uma insciência que se justifica pela propositura dos documentos de referência curricular para o estado de Mato Grosso ,que orienta as escolas a readequarem os Projetos Políticos Pedagógicos com um olhar voltado nas dimensões de uma escola sustentável nos aportes de Sato (2010, p. 71) que retrata: “a escola sustentável 51 como um local onde se desenvolvem processos educativos permanentes e continuados, reconhecendo a escola como um espaço educador sustentável”. Segundo layrargues et al. (2014, p. 28): Na prática, isso significa que existem muitos caminhos possíveis de conceber e de realizarosmeios e os fins da Educação Ambiental e dependendo desse conjunto complexo de circunstâncias, alguns atores escolhem um determinado caminho, outros escolhem um caminho diferente: uns acreditam ser determinante o desenvolvimento da sensibilidade na relação com a natureza, outros entendem que é fundamental conheceros princípios ecológicos que organizam a sociedade. Sendo assim, tais apontamentos tornam eminentes as diversas correntes e práticas da educação ambiental na concepção escolar, o que pondera o desconhecimento dos partícipes na educação ambiental crítica. Outro ponto que merece atenção foi a importância que atribuem à participação integral da escola, considerando relevante o envolvimento dos profissionais da educação (agentes de pátios, agentes de limpeza e merendeira) como mediadores junto aos estudantes para ações específicas de práticas perpetuadas no etnoconhecimento. Tendo em vista que a formação dos professores e dos profissionais da educação, apesar de discernidas pela função atuante dos pares nas escolas, não impede o envolvimento enquanto agente mediador de conhecimento. Em paridade a estas ações, Bakhtin (2014, p.72) explicita que: é possível que vários interlocutores desenvolvam ações com certas complexidades, pois há atividades que, aparentemente não endereçadas a ninguém, respondem a necessidades sociais características de um determinado momento histórico. Sendo assim, ressalta-se que os profissionais que desenvolvem atividades específicas conjecturam a transposição de significados transformadores no contexto social inerentes à cultura (Zanela, 2004). E intensificando o seu elóquio, Zanela (2004, p.129) aborda que: [...] a mediação prática e a apropriação do processo como um todo, o que possibilita ao aprendizcompreender e saber fazer os pontos, utilizando adequadamente os instrumentos mediadores da ação. É possível estabelecer relações entre as diferentes ações que a atividade compreende e seus instrumentos mediadores. 52 Tais apontamentos de Zanela (2004) evidenciam que as práxis entrepostas encadeiam as concepções de ações desenvolvidas que avultam as perspectivas de leitura, conhecimento e intervenção da realidade social. Dessa forma, o etnoconhecimento mediado pelos profissionais da educação pode ser consuetâneo com o saber escolar, mas cada um com seu modo de compleificação. Durante as análises do questionário foram observadas algumas solicitações escritas no verso e que também foram mencionadas durante as conversas. Sendo assim, essas são trazidas como o registro de algumas falas dos partícipes. Professor 1 -Como valorizamos a nossa cultura e consideramos importante o intercâmbio dos etnoconhecimentos e gostaríamos de um curso de formação para aprimorarmos o nosso conhecimento e dialogar com os outros colegas e, principalmente, ter a compreensão do que é a educação ambiental crítica, e até mesmo a produção de um material para trabalharmos. Professor 2- É importante este intercâmbio principalmente se a pesquisa trazer um curso de formação para socializar as nossas práticas e aprofundar na educação ambiental crítica, porque para a escola tudo era educação ambiental, ter um outro entendimento, uma outra visão é importante para o desenvolvimento das nossas comunidades, pois realmente não dialogamos sobre as nossas práticas. Profissional da educação 1 – Antigamente tínhamos a sala do educador que era uma formação realizada em nossa escola estudávamos todos os assuntos, como a nova política mudou ficou tudo bem complicado, precisamos sim de um curso de formação com todos da comunidade, se tiver possibilidade de um curso com todos vai ser muito importante até mesmo para a Secretaria Municipal de Educação de Acorizal. Profissional da educação 2 - Educação ambiental pra mim era só deixar tudo limpo o sarãs em lixo, deixar tudo conservado, tenho a mesma opinião dos colegas, temos que ter um curso para nosso aprendizado, precisamos deste curso igual era antes, que tinha curso toda semana pra comunidade da escola. Professor 3 - Precisamos de um curso de formação como era antigamente na sala do educador onde todos ficávamos reunidos num processo formativo no chão da nossa escola, valorizando nossos etnosaberes, penso que um curso seria muito importante para todos e, principalmente, com propostas de algum material que possamos trabalhar em nossa unidade escolar. Professor 4 - Porque diante de toda nossa prosa não podemos formalizar um curso, aproveitando a presença do Secretário de educação do município e do 53 Presidente da câmara de vereadores é importante, o momento do intercâmbio para estudarmos a educação ambiental crítica e formar um grupo forte temos que aproveitar a oportunidade da pesquisa. Posto isto se compreende que os participantes sugeriram a implementação de um curso de formação continuada, envolvendo leituras e diálogos para a sistematização do conhecimento e a elaboração de um material que destacasse as características dos etnosaberes e do etnoconhecimento das comunidades e esse curso seria ministrado na escola, dentro da perspectiva da educação ambiental crítica. Diante do exposto, compreende-se que, até o momento, a educação ambiental ministrada e disseminada nos espaços escolares apresentava uma perspectiva conservacionista/recursista e de sustentabilidade/fenomenológica, alinhada com as políticas educacionais do estado de Mato Grosso. Segundo Guimarães (2004), a Educação Ambiental Conservadora se baseia em uma visão de mundo que fragmenta a realidade, simplificando-a e reduzindo-a, o que impede a compreensão da riqueza e diversidade das relações existentes. Sato (2005) acrescenta que a conservação dos recursos trata a biodiversidade, principalmente, como um recurso natural. Assim, a educação ambiental conservacionista/recursista em Mato Grosso é marcada pela adoção dos três "R" clássicos, redução, reutilização e reciclagem, frequentemente, centrados em preocupações de gestão ambiental. Essa abordagem permite a reflexão sobre a ideologia do desenvolvimento sustentável, integrando questões sociais, particularmente as econômicas, no tratamento das problemáticas ambientais. A sustentabilidade socioambiental deve ser consonante com essa perspectiva. Dessa forma, organizou-se a II Roda de Conversa com os mesmos participantes, mas com outras reflexões, permeando uma investigação fundada nas transformações sociais, por meio de um ativismo social na educação, visando efetivar leituras e estudos sistematizados na educação ambiental crítica. Contou-se com os mesmos participantes, que foram nomeados de educadores ambientais, 54 englobando professores, profissionais da educação e líderes das comunidades tradicionais. No desdobramento da pesquisa, procedeu-se à observação participante, acompanhando os eventos que as comunidades programavam, e vivenciando festas de santo, missas festivas, nas quais eram socializados muitos produtos preparados durante as práticas. Durante os encontros reflexivos, se pensou de forma colaborativa o desenvolvimento de projetos de intervenções por meio da concepção de um material proposto com atividades que sistematizam as problemáticas ambientais locais, focando no caso específico do excesso de lixo nas regiões do sarã, dentro de uma perspectiva crítica. Mesmo com um grupo seleto e compendioso, se ativou a pesquisa em educação ambiental crítica, que destaca a perda do caráter econômico nas discussões e reflexões das pesquisas, facultando a investigação de resultados técnicos dos problemas da sociedade. Diante disso, buscou-se elaborar uma estratégia pautada na didática e na pedagogia histórico-crítica. 55 II - UMA DIDÁTICA HISTÓRICO-CRÍTICA Buscando edificar o método materialista histórico-dialético na dinâmica do trabalho didático, Saviani (2008) compreende que a direção do processo de ensino e aprendizagem ocorre mediante a transmissão e assimilação ativa dos objetos de conhecimentos, por meio de aulas expositivas, dialogadas e leituras que permeiam discussões crítico-reflexivas. Nesse contexto, dispor de uma didática com os preceitos da pedagogia histórico-crítica, aliada à teoria social desenvolvida por Marx e Engels, é essencial para compreender a história social humana. A prática social é concebida sincronicamente como conhecimento cósmico, ou seja, as práticas historicamente estabelecidas e condensadas socialmente. Há uma conexão dialética na teoria social que interpreta o processo evolutivo do ser humano como ser histórico-social por meio de intercessões e mediações substanciais entre pessoas, oportunizadas pelas relações sociais (Lavoura, 2015). Portanto, para o foco desta pesquisa, sistematizar uma didática conexa ao materialismo histórico-dialético é fundamental, considerando o sincronismo dos elementos do etnoconhecimento, saberes tradicionais a partir das práticas sociais. Isso implica a incorporação de indicadores que desenvolvam as relações humanas sem um dado tempo histórico da culturas socialmente construídas. Conforme destacado por Lavoura (2015, p. 355): A aparência fenomênica, imediata e empírica da realidade é importante e não pode ser descartada, visto que ela é o ponto de partida do processo do conhecimento – portanto, necessariamente onde se inicia o conhecimento. Não obstante, deve-se, partindo dessa aparência, alcançar a essência do objeto de estudo, capturar sua estrutura e dinâmica, bem como, suas múltiplas determinações. Os princípios da didática histórico-crítica se fundamentam no planejamento para o acompanhamento da exiguidade de circunscrever que as admissões da pedagogia histórico-crítica não se distanciam da concepção marxista de ser humano, sociedade, conhecimento e do papel da educação escolar (Lavoura, 2015). 56 Na atual conjuntura, em que se busca retratar os etnosaberes de comunidades tradicionais, tecendo reflexões sobre o ambiente e a cultura, reconhece-se que o conhecimento relativamente exato não assegura, por si mesmo, os atos fundamentais à sua transformação. A escola, portanto, visa formação de reflexões e críticas, em que os estudantes compreendem fenômenos físicos e sociais de acordo com suas próprias realidades. Ao estudar a didática como elemento do ensino, possibilita-se a averiguação estrutural para a compreensão dos objetos de conhecimento, métodos e avaliações. Nesse sentido, a didática, em uma concepção histórico-crítica, está alinhada com teorias que definem ações básicas para viabilizar a sistematização do conhecimento (Marsiglia, 2019). A didática hegemônica contemporânea, por sua vez, não tem contribuído para a formação dos indivíduos, e grupos de pesquisadores ativistas da teoria da pedagogia histórico-crítica, de forma que esses profissionais possam ocupar espaços formativos junto às escolas, associações de comunidades tradicionais e movimentos sociais, oferecendo apoio para a valorização do etnoconhecimento alinhado aos currículos escolares. Estabelecer uma didática, que supere a hegemônica, com elementos que propiciem o desenvolvimento da capacidade crítica pode ampliar a argumentação das disfunções para a comprovação trivial de que esse nível de apreensão da realidade necessita de uma concepção ontológica de teoria, ou seja, uma processualidade da essência do objeto estudado, para a sistematização da lógica dialética. Partindo de uma ação didática permeada como uma atividade intermediadora da prática social, que concede situações conjunturais que viabilizem a transformação social, esclarece-se que a pedagogia histórico-crítica considera a educação com potencial de contribuir para a transformação social direta (Saviani, 2007). Desse modo, percebe-se a necessidade de atividades que promovam a criticidade na ação formativa docente nas escolas. Uma didática com os princípios da pedagogia histórico-crítica, em suas concepções, necessita relacionar, enumerar, catalogar e categorizar os etnoconhecimentos e a diversidade biocultural presentes nas escolas das comunidades tradicionais. Esses elementos devem ser inseridos no 57 processo formativo, juntamente com a difusão de instrumentos de reflexões que propiciem a percepção subjetiva dessa realidade objetiva. Portanto, uma ação didática que intenciona a transformação requer a compreensão dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos por parte da comunidade escolar. Somente assim será possível a problematização das práticas sociais que identificam os elementos socioculturais, instrumentalizando-os com os etnoconhecimentos e etnosaberes, concedendo ao processo uma característica catártica. Isso ocorre por meio dos movimentos interpostos do método pedagógico, que obtém a prática social como ponto de partida e chegada da ação didático- pedagógica na concepção histórico-dialética (Saviani, 2008). Ressalta-se a inexorável exiguidade de manter as esferas do fundamento dialético da pedagogia histórico-crítica, articulando-as em movimentos contínuos e dinâmicos sistematizados com base na lógica formal do pensamento, sequencialmente, conforme a Figura 2. Figura 2 - Sistematização da Pedagogia Histórico-Crítica Fonte: baseado em Saviani (2008) De acordo com a Figura 2 e, ainda, ratificando Marsiglia (2019, p.13): A estrutura da atividade de ensinoreconhecida e identificada por cada participante na especificidade de sua área de conhecimento permite a 58 organização do planejamento de ensino enquanto expressão dos traços essenciais daquilo que deve ser assimilado pelos alunos em meio à educação escolar. [...] É por meio deste encaminhamento metodológico que almejamos superara lguns dos problemas da didática histórico-crítica, explicitando as particularidades da atividade de ensino, sua estrutura e dinâmica constitutiva, permitindo materializar o conceito de educação como mediação da prática social global tomada como ponto de partida e de chegada, bem como concretizar seus momentos intermediários de problematização, instrumentalização e catarse. Dentro desse contexto, o conceito engloba a construção de uma didática histórico-crítica que consolide a compreensão de uma ação educativa em consonância com a prática social. Essa abordagem não se limita a uma sequência didática formal, mas está centrada em um percurso lógico e dialético (Marsiglia, 2019). 2.1 UMA AÇÃO FORMATIVA NOS PRECEITOS DA PEDAGOGIA HISTÓRICO- CRÍTICA Desse modo, surge o desafio de uma ação formativa que atenda à necessidade proposta pelos participantes, ou seja, a elaboração de uma proposta didático-metodológica na perspectiva da pedagogia histórico-crítica, trazendo o etnoconhecimento associado com uma visão crítica e analítica da concepção socioambiental, tendo o Rio Cuiabá como coadjuvante. Desenvolveu-se, assim, em parceria com o Laboratório de Ensino e Pesquisa em Educação para a Ciência da UENP - (LEPEC/UENP) e o grupo de pesquisa em Educação Ambiental da Unesp – Bauru (GPEA), um plano de formação continuada para professores e profissionais da educação. Essa iniciativa conta com a colaboração da prefeitura, da Secretaria Municipal de Educação de Acorizal – MT e da Universidade Aberta do Brasil – UAB – Polo Cuiabá – MT, conforme detalhado no apêndice I, envolvendo a temática da Etnoquímica e da Educação Ambiental Crítica, com foco no etnoconhecimento e nas práticas sociais. O objetivo foi alcançar a estrutura dos elementos que possam contribuir para a compreensão do currículo e do etnoconhecimento relacionados com as práticas 59 sociais e históricas de um grupo, em que a ação-reflexão-criticidade estejam conciliadas em um contexto histórico-social-cultural. Esses elementos podem ser alicerçados e articulados ao Projeto Político Pedagógico (PPP) das escolas, conduzindo os sistemas de ensino à reflexão sobre o papel social por meio da organização de grupos de estudos, gerando comprometimento coletivo entre as comunidades. Esses apontamentos destacam que o professor e a professora desempenham um papel de natureza pública, exigindo agilidade em seus desenvolvimentos profissionais e constituindo uma necessidade intrínseca às suas práticas isocrônicas no direito a novas informações que atualizam a práxis. Conforme Saviani (2009, p.149) aponta: a formação de professores deve assegurar, de forma deliberada e sistemática por meio da organização curricular, a preparação pedagógico- didática que todo e qualquer conteúdo, quando considerado adequadamente à vista das condições do ser que aprende, é suscetível de ser ensinado a todos. Ainda, segundo Saviani (2009), Maia e Teixeira (2015, p. 296) destacam que um processo formativo para professores deve fornecer instrumentos para a compreensão pedagógica e promover ações críticas e reflexivas no espaço escolar. Isso sustenta, por meio dos saberes instituídos, em seu mais alto nível, a qualificação da prática social. Com base nesse entendimento, foi sugerido que o curso de formação proporcionasse aos participantes um estudo problematizador fundamentado na Pedagogia Histórico-Crítica e na Educação Ambiental Crítica. A Pedagogia Histórico-Crítica se fundamenta no materialismo histórico- dialético, concepção que pode facilitar a