UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Trabalho de Conclusão de Curso Curso de Graduação em Física DIFUSÃO CAÓTICA EM BILHARES DEPENDENTES DO TEMPO Anne Kétri Pasquinelli da Fonseca Prof. Dr. Edson Denis Leonel Rio Claro (SP) 2021 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Câmpus de Rio Claro ANNE KÉTRI PASQUINELLI DA FONSECA DIFUSÃO CAÓTICA EM BILHARES DEPENDENTES DO TEMPO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Câmpus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel e Licenciado em Física. Orientador: Prof. Dr. Edson Denis Leonel Rio Claro - SP 2021 F676d Fonseca, Anne Kétri Pasquinelli da Difusão caótica em bilhares dependentes do tempo / Anne Kétri Pasquinelli da Fonseca. -- Rio Claro, 2021 54 p. : il. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado e licenciatura - Física) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientador: Edson Denis Leonel 1. Física. 2. Comportamento caótico nos sistemas. 3. Transformações de fase (Física estatística). I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente à minha familia, especialmente ao meu pai, minha principal ins- piração e fonte de suporte ao longo de todos esses anos, e ao meu companheiro Vitor Neves por seu amor e apoio incondicional em todos os momentos. Também agradeço profundamente ao Prof. Dr. Edson Denis Leonel por sua orientação e auxílio neste e em outros projetos de pesquisa, além de sua paciência e dedicação em todos os momentos. Por fim também agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2020/07219-1, por ter possibilitado a realização do projeto na modalidade Auxílio à Pesquisa Regular, que foi a principal base para a realização deste Trabalho de Conclusão de Curso Este trabalho contou com o apoio da seguinte entidade: FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (projeto na modalidade Auxílio à Pesquisa Regular #2020/07219-1 RESUMO Neste trabalho estudamos as propriedades dinâmicas de um bilhar clássico com fronteira depen- dente do tempo. A conjectura Loskutov-Ryabov-Akhinshin (LRA) diz que se um bilhar exibe componentes caóticas em sua dinâmica com fronteira fixa, tal componente é condição suficiente para observar aceleração de Fermi (crescimento ilimitado de energia devido a colisões com fronteiras móveis) quando uma perturbação temporal na fronteira é introduzida. É conhecido também que a introdução de colisões inelásticas das partículas com a fronteira criam atratores no espaço de fases violando assim o teorema de Liouville e suprimindo o crescimento ilimitado de energia. Nessa transição de crescimento limitado para ilimitado de energia, o conjunto de partículas apresenta velocidade quadrática média que é descrita por uma função homogênea generalizada exibindo um conjunto de expoentes críticos que descrevem a dinâmica próximo à criticalidade. Resultados recentes na literatura permitem descrever a dinâmica caótica das partículas a partir do conhecimento da probabilidade de se observar uma partícula com uma dada velocidade em um determinado instante. Essa probabilidade é obtida a partir da solução da equação da difusão impondo condições de contorno específicas assim como condições iniciais. Neste trabalho determinamos a expressão da probabilidade a partir da equação da difusão e, a partir dela, encontramos todos os observáveis da distribução, recuperando assim os expoentes críticos que são conhecidos na literatura. Esse procedimento é original para esse tipo de sistema e permite uma extensão do formalismo proposto para o mapa padrão dissipativo para sistemas do tipo bilhares. PALAVRAS-CHAVE: Caos. Transições de Fase. Leis de Escala. Equação da Difusão. Sistemas Bilhares ABSTRACT In this work we investigate the dynamical properties of a classical billiard with time dependent boundary. The Loskutov-Ryabov-Akhinshin (LRA) conjecture claims that if a billiard exhibits chaotic components in the dynamics with the fixed boundary, such a component is a sufficient condition to produce Fermi acceleration (unlimited energy growth) when a time perturbation to the boundary is introduced. It is known that the introduction of inelastic collision of the particle with the boundary creates attractors in the phase space violating the Liouville’s theorem hence suppressing the Fermi acceleration. In such a transition of limited to unlimited energy growth, a set of particle shows that the mean squared velocity is described by an homogeneous and generalized function exhibiting a set of critical exponent that describes the dynamics near the criticality. Recent results in the literature allow one to describe the chaotic dynamics of the particles from the probability to observe a particle with a given velocity at a certain time. Such a probability is obtained from the solution of the diffusion equation imposing specific boundary and initial conditions. In this work we obtain the expression of the probability from the diffusion equation and from it obtain all the observables of the dynamics recovering the critical exponents known from the literature. This procedure is original for such a type of system and allows an immediate extension of the formalism proposed for the standard dissipative mapping for the billiard systems. KEYWORDS: Chaos. Phase Transitions. Scaling Laws. Diffusion Equation. Billiard Systems. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Ilustrações dos ângulos que descrevem a dinâmica de um bilhar . . . . . . 15 Figura 2 Espaço de fases para os bilhares circular (a) e elíptico (b) . . . . . . . . . 17 Figura 3 Diferentes aspectos do bilhar elíptico. No item a) temos o efeitos da variação do parâmetro "q"no desenho da fronteira do bilhar, com q = 1 em preto, q = 2 em vermelho e q = 3 em verde; Nos itens b) e c) temos espaço de fases construídos para o bilhar elíptico com e = 0.1 e q = 1 e q = 2, respectivamente; Por fim, no item d) temos o desenho da trajetória de uma partícula dentro da fronteira, tomando e = 0.01 . . . . . . . . . . 18 Figura 4 Espaço de fases construído para o bilhar ovóide com a) p = 2, ϵ = 0.01, b) p = 2, ϵ = 0.1, c) p = 2, ϵ = 0.5, d) p = 3, ϵ = 0.1 . . . . . . . . . . . . . 19 Figura 5 Expoente de Lyapunov: a) Para o item b) da figura 4 e b) para o item c) da figura 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Figura 6 Esboço de quatro colisões de uma partícula em um bilhar com a fronteira móvel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Figura 7 a) Gráfico da velocidade média vs. n para diferentes valores de V0. Os parâmetros de controle utilizados foram ϵ = 0.08,p = 3 e η = 0.5. b) Sobreposição das curvas do item "a"em uma única curva universal uma vez feitas as transformações de escala adequadas . . . . . . . . . . . . . 24 Figura 8 a) Gráfico da velocidade média vs. n para diferentes valores de γ e ηϵ b) Sobreposição das curvas do item "a"em uma única curva universal uma vez feitas as transformações de escala adequadas. As linhas contínuas repre- sentam as previsões teóricas para o modelo pelo formalismo de sistemas bilhares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 Figura 9 Diferentes soluções Gaussianas para a equação de difusão que se alargam conforme o tempo avança. Por ser uma expressão normalizada, a área sobre todas as curvas é sempre igual a unidade . . . . . . . . . . . . . . . 29 Figura 10 a) Gráfico do espaço de fases para o mapa padrão dissipativo considerando os parâmetros ϵ = 100 e γ = 10−3 (b) Distribuição de probabilidade P (I, n), normalizada, para o atrator caótico do item "a". . . . . . . . . . 30 Figura 11 Gráfico da distribuição de velocidades, normalizada, para um conjunto de 105 particulas no bilhar ovóide dissipativo. A região em azul foi obtida para 10 colisões enquanto a em vermelho foi obtida para 100. A figura em verde foi obtida para 50.000 colisões. A velocidade inicial usada foi V0 = 0, 2 e os parâmetros de controle foram η = 0, 02, γ = 0, 999 e p = 2. 31 Figura 12 Probabilidade de sobrevivência S(t,±a|0) em função do tempo. Essa expressão apresenta um decaimento que pode ser descrito por uma soma in- finita de expronenciais, como descrito em detalhe em (BALAKRISHNAN, 2021) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 Figura 13 Possíveis localizações para um ponto arbitrário x ∈ [−a, a] e algumas de suas primeiras imagens formadas, como no caso das fronteiras em "a"e "−a". O número de pontos formados por imagens espelhadas é infinito nesse caso. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 Figura 14 a) Representação da distribuição das fontes real e imagem para as condições de Neumann b) Representação da distribuição das fontes real e imagem para as condições de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 Figura 15 Curva para Vrms construída para V0 = 10−5, ηϵ = 0, 02 e γ = 0, 999 utilizando a equação (3.52) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 Figura 16 Curvas para Vrms construídas para diferentes valores de ηϵ e γ = 0, 999, sobrepostas pela transformação do eixo x de n para n(ηϵ)2 . . . . . . . . 40 Figura 17 Curvas de Vsat vs.(1− γ) para obtenção de α1 (à esquerda) e de Vsat vs.ηϵ para obtenção da α2 (à direita) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 Figura 18 Representação em duas dimensões das estruturas do gelo (A) e da água (B). 46 Figura 19 Invariância de escala no problema da caminhada aleatória. Cada figura aqui é um quarto da anterior, mostrando as mesmas estruturas, indo de 31 a 128.000 passos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2 SISTEMAS BILHARES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.1 Bilhares independentes do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 2.2 Bilhares dependentes do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 2.3 Aceleração de Fermi, a conjectura LRA e o bilhar ovóide dependente do tempo 22 3 EQUAÇÃO DE DIFUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 3.1 Difusão ao longo de uma linha semi-infinita . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 3.2 Solução da Equação de Difusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 4 LEIS DE ESCALA E EXPOENTES CRÍTICOS . . . . . . . . . . . . . 40 5 CARACTERIZAÇÃO DA TRANSIÇÃO DE FASE . . . . . . . . . . . . 45 5.1 Quebra de simetria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 5.2 Parâmetro de ordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 5.3 Excitações elementares e defeitos topológicos . . . . . . . . . . . . . . . . 47 5.4 Discussão sobre a transição de fase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 6 CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 10 1 INTRODUÇÃO O objetivo desta seção é fornecer uma breve contextualização histórica sobre dinâmica não linear, caos e mais especificamente sistemas bilhares. Também serão introduzidos alguns conceitos fundamentais a serem abordados ao longo deste trabalho. Para traçarmos historicamente o "surgimento"do estudo de caos e sistemas não lineares podemos nos voltar para três importantes problemas que entrariam em embate com a visão completamente regrada e linearizada da natureza vista como consenso entre cientistas até o início do século XIX: o problema de três corpos, a hipótese ergódica e o problema dos osciladores não lineares (CVITANOVIC, 1989). Antes de nos debruçarmos sobre cada um destes problemas é importante termos em mente que o estabelecimento da Mecânica Clássica de Newton e a predominância de uma filosofia pautada no determinismo, principalmente na comunidade científica, levariam a uma sensação de onipotência frente à natureza, uma vez que pensava-se ja terem sido resolvidos todos os problemas importantes da ciência, restando apenas possíveis ajustes quando necessários (ROCHA, 2002). O primeiro dos problemas que colocaria essa ideia a prova seria justamente a realização de tais "ajustes"no estudo das órbitas propostas por Kepler. Apesar de Bernoulli ter sido capaz de derivar com sucesso as órbitas elípticas propostas através da integração das equações de movimento de Newton, tais órbitas ainda estariam em desacordo com as observações realizadas para o movimento da Lua. Isso ocorreu devido ao fato de que para se descrever corretamente o movimento deste astro devemos levar em conta os efeitos gravitacionais causados pelo Sol e pela Terra no mesmo. Este seria o chamado "problema de três corpos"que viria a aparecer em outros aspectos do movimento do Sistema Solar, com sua principal dificuldade sendo o fato de que o mesmo não pode ser resolvido por integração, como feito anteriormente. Poincaré, que foi capaz de provar matematicamente que a técnica de Bernoulli não seria suficiente para a solução de tal problema uma vez que não poderiam existir quantidades conservadas analiticamente em relação ao momentum ou a posição, tomaria essa situação como uma pista de que deveriam haver sistemas "irregulares"e mais complexos de serem tratados do que os estudados até então. Poincaré ainda viria a escrever uma primeira descrição desse tipo de sistemas afirmando que o acaso nos impede de que sejamos capazes, conhecendo exatamente as leis da Natureza e a situação do Universo, de prever qualquer situação nesse mesmo Universo. Esse "acaso", segundo Poincaré, agiria na forma de pequenas diferenças nas condições iniciais que levariam a diferenças muito grandes nos fenômenos finais, tornando qualquer previsão impossível (POINCARE, 1944) Essa perda de previsibilidade seria mais tarde tomada como parte essencial da definição de caos, mas na data de sua publicação não foi de grande relevância. Já o segundo problema essencial para o desenvolvimento dessa área de estudo seria a chamada hipótese ergódica de Ludwig Boltzmann. Com o advento da Mecânica Estatística, que seria resultado da união da mecânica Newtoniana com conceitos de probabilidade e estatística, 11 Boltzamnn se viu com grande dificuldade em provar que um sistema dinâmico teria a mesma probabilidade de visitar todos os pontos do espaço de fases permitidos pelas leis de conservação. Essa afirmação, importante para que fosse avaliada a capacidade térmica mesmo de um sistema simples (REIF, 2008) se mostraria bastante difícil de ser provada mas foi responsável por mostrar uma importante ferramenta para lidar com esse tipo de sistemas: a reformulação de problemas não lineares de finitas dimensões em problemas lineares de infinitas dimensões. A prova da hipótese ergódica só viria a ser realizada de forma sólida por George David Birkhoff, que também seria responsável por algumas das investigações iniciais em sistemas bilhares, que veremos adiante. Por fim, o terceiro problema essencial para o avanço do estudo de sistemas caóticos seria de natureza muito mais prática: no estudo de instrumentos musicais. Ao tentar descrever como o som é formado nesses instrumentos podemos tentar recorrer ao formalismo de osciladores harmônicos. O problema dessa aproximação está no fato de que, diferentemente do que aconteceria nesse tipo de sistema, os instrumentos não produzem um mesmo tom indefinidamente conforme o avançam no tempo e seria necessário incluir outros fatores para que seja feita uma descrição adequada. Neste processo de tornar essa aproximação mais realista, Lord Raleigh em sua obra "The Theory of Sound"(1945) acabou apresentando uma das muitas aplicações de osciladores não lineares. Esse tipo de sistema, que tem como outro importante exemplo o pêndulo duplo, mostra grande sensibilidade às condições iniciais assim como os problemas anteriores e é uma boa representação mecânica da perda de previsibilidade citada acima. Com o surgimento de obras discutindo os problemas supracitados, percebeu-se que era de bastante utilidade estudar esse tipo de problemas. Birkhoff, ainda estudando sistemas ergódicos, recorreu ao estudo do movimento de uma partícula em uma superfície de curvatura negativa constante, mostrando com o apoio de diversos outros autores que o movimento da mesma era ergódico. Esse seria o início dos chamados sistemas bilhares, anos depois tendo seu primeiro exemplo físico demonstrado por Yakov Sinai em 1970 (SINAI, 1970). Anos antes da publicação de Sinai, Lyapunov também voltara sua atenção para este tipo de sistemas, criando o que viria a ser um intenso grupo de pesquisa russo em sistemas dinâmicos, responsável por formalizar vários aspectos dessa área de estudo (CVITANOVIC, 1989). Muito distante dali, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (M.I.T.), o meteorologista Edward Norton Lorenz observou, acidentalmente, a importante dependência das condições iniciais ao simular condições atmosféricas. Os resultados catastróficos de alterações sutis nas condições iniciais nas previsões de longo prazo seriam traduzidos no que ficou conhecido como Efeito Borboleta "uma borboleta, agitando o ar em Pequim pode modificar no mês seguinte sistemas de tempestades em Nova York” (GLEICK, 1989). Apesar desse ser um dos mais famosos exemplos de caos, o estudo do mesmo rapidamente se mostrou incrivelmente amplo com exemplos se extendendo desde problemas da biologia no estudo de dinâmicas populacionais até à análise de flutuações na bolsa de valores. Mesmo sendo utilizado em aplicações muito diversas, o estudo sistemas não lineares muitas 12 vezes envolve a utilização de um mapeamento discreto para descrever sua evolução temporal, isto é, uma descrição de seu estado atual (digamos, em uma iteração "n+1") em função de seu estado anterior "n". A sequência cronológica destes estados obtidos pela evolução do sistema recebe o nome de órbita e o conjunto de todas as órbitas obtidas alterando a condição inicial do sistema recebe o nome de espaço de fases, fornecendo informações sobre todos os estados permitidos do sistema em questão (LEONEL, 2019). A dinâmica caótica pode ser então observada nesses sistemas na evolução de duas condições iniciais extremamente próximas mas que se afastam exponencialmente conforme evoluem no tempo. Em sistemas dinâmicos descritos por mapeamentos discretos, especialmente para aqueles com 1 e 1/2 graus de liberdade, a descrição utilizando o formalismo de sistemas Hamiltonianos conduz, muitas vezes, a mapeamentos bidimensionais que preservam a área no espaço de fases (LICHTENBERG; LIEBERMAN, 1992). Como dito anteriormente, esse formalismo possui um número elevado de diferentes aplicações, das quais podemos citar o estudo de plasmas (e suas aplicacões em tokamaks, por exemplo), guias de ondas, aceleração de Fermi e bilhares clássicos, sendo estes últimos o foco do nosso trabalho e que serão melhores definidos ao longo das próximas seções. Inclui-se nessa caracterização uma classe de sistemas que pode ser descrita por um Hamilto- niano do tipo H(x, p, t) = p2 2m + V (x, t) (1.1) onde V (x, t) = V0(x) + V1(x, t) (1.2) em que termo V0(x) fornece a parte integrável do sistema enquanto que V1(x, t) fornece a parte não integrável. Sistemas do tipo bilhares, como propostos primeiramente por Birkhoff e exempli- ficados por Sinai, podem perfeitamente bem serem enquadrados neste tipo de Hamiltoniano. Um bilhar consiste de uma partícula clássica, ou um conjunto não interagente de partículas desse tipo, colidindo com uma fronteira rígida (LEONEL, 2019). Nessa colisão a partícula apresenta uma reflexão especular, isto é, seu ângulo de entrada na colisão é igual ao ângulo de saída. Para o caso onde a fronteira do bilhar é estática, o termo V1 da equação supracitada é nulo, enquanto o termo V0 é nulo dentro da fronteira e infinito fora. A classificação de diferentes sistemas bilhares está muitas vezes associada a sua fronteira, sendo alguns dos principais exemplos a serem citados os bilhares circulares, elípticos e ovóides. Essas fronteiras exercem um papel fundamental no que se refere a integrabilidade desses sistemas, podendo ser eles integráveis, ergódicos ou mistos, classificações estas que trataremos com maior detalhe ao longo do texto. Ao introduzirmos a dependência temporal na fronteira, o termo V1 é não nulo e a partícula, ao colidir com a fronteira sofre uma alteração na sua velocidade e energia. Essas alterações levam a mudanças substanciais na estrutura do espaço de fases, uma delas, enunciada como conjectura LRA (LOSKUTOV; RYABOV; AKINSHIN, 2000) afirma que caso existam regiões de caos no bilhar estático, crescimento ilimitado de energia (aceleração de Fermi) deve ser observado ao 13 introduzirmos uma dependência temporal na fronteira do bilhar. Devido a um contra-exemplo dessa conjectura (LENZ; DIAKONOS; SCHMELCHER, 2008) encontrado para o bilhar elíptico, que apresenta um espaço de fases integrável no caso estático e ainda assim, ao ser introduzida a dependencia temporal, apresenta aceleração de Fermi, seu enunciado foi reformulado. Tem-se a órbita heterocíclica como alternativa ao caos como condição no espaço de fases estático. No que se refere à aceleração de Fermi, é interessante notar que este é um fenômeno relacionado ao crescimento de energia de uma partícula clássica após sofrer colisões com uma fronteira dependente do tempo. Esse mecanismo foi primeiro proposto por Enrico Fermi em 1943 em uma tentativa de descrever os processos de aceleração de raios cósmicos em meio a um campo gravitacional também em movimento (LEONEL, 2019). Apesar de ter sido apresentado com um intuito bastante diferente, sua aparição em diversos sistemas bilhares se mostra essencial para que possamos compreender as transições de fase pelas quais esses sistemas passam. No caso dos bilhares, esse ganho de energia pode ser suprimido através da introdução de forças de dissipação, tais como choques inelásticos(OLIVEIRA; LEONEL, 2009) e arrasto devido a presença de um gás (LEONEL; BUNIMOVICH, 2008). Nesses casos foram observadas leis de escala e uma transição de fases do crescimento limitado para ilimitado na energia conforme a dissipação vai a zero continuamente, isto é, o sistema passa de uma dinâmica dissipativa para uma dinâmica conservativa. Esta transição já foi amplamente descrita na literatura usando a abordagem fenomenológica de transferência de calor, bem como por meio de sistemas bilhares (LEONEL et al., 2016), mas sem fornecer uma solução analítica. O objetivo deste trabalho é corrigir essa lacuna na literatura usando o formalismo de equação de difusão apresentado em (LEONEL et al., 2020), no caso para um mapeamento bidimensional, para um sistema muito mais complexo, que veremos ser o caso para bilhares dependentes do tempo. A organização deste trabalho foi feita como se segue: No capítulo 2 introduziremos as principais características de sistemas bilhares, classificando-os de acordo com sua dependência temporal e definindo adequadamente que vem a ser aceleração de Fermi, bem como sua relação com a Conjectura LRA e seu papel no bilhar ovóide dependente do tempo; Seguindo para o capítulo 3 faremos uma abordagem completa sobre a equação de difusão, explicitando como sua solução é capaz de descrever analiticamente o comportamento difusivo de uma partícula em um bilhar dependente do tempo; No capítulo 4 apresentaremos os principais resultados que podem ser extraídos da solução apresentada no capítulo anterior no que se referem às leis de escala e aos expoentes críticos do sistema, amplamente definidos na literatura; Já no capítulo 5 utilizaremos os resultados estabelecidos para abordar 4 perguntas essenciais que caracterizam uma transição de fase, sendo elas: Qual é a quebra de simetria do sistema? Qual é o parâmetro de ordem? Quais seriam as excitações elementares para essse sistema e quais são os defeitos topológicos que impactam no transporte de partículas? Respondidas essas perguntas chegamos ao último capítulo deste trabalho, onde faremos uma discussão geral sobre os resultados, apresentando conclusões e perspectivas futuras do mesmo. 14 2 SISTEMAS BILHARES Como citado anteriormente, dedicaremos este capítulo a uma explicitação em maior detalhe do que são sistemas bilhares, classificando-os de acordo com sua dependência temporal e explicando mais a fundo o fenômeno de aceleração de Fermi e como ele se relaciona com o nosso sistema e com a conjectura LRA. Primeiramente, podemos definir um bilhar como um sistema dinâmico que descreve a dinâmica de uma partícula ou de um conjunto não interagente de partículas em movimento dentro de uma barreira fixa e rígida com a qual colidem (LEONEL, 2019). Como citado anteriormente, essa colisão é caracterizada pela conservação do ângulo que a partícula faz com a linha tangente antes e depois da colisão. Neste caso temos então que a componente tangencial da velocidade se mantém constante, enquanto que a componente radial tem seu sinal invertido: trata-se de uma colisão especular. A classificação de acordo com a dinâmica da fronteira vem do fato de que, caso as colisões com a fronteira sejam elásticas como ocorre no bilhar estático, a energia das partículas em questão é mantida. Porém quando tratamos de uma fronteira que possui dependência temporal a energia da partícula não é mais preservada e a difusão ilimitada na energia conhecida como aceleração de Fermi tem condições de ser observada. Trataremos primeiramente dos bilhares estáticos, apresentando suas principais características e definindo cada uma de suas componentes, muitas destas que se estenderão para o caso onde a dependência temporal é introduzida. 2.1 BILHARES INDEPENDENTES DO TEMPO Bilhares estáticos, ou independentes do tempo, podem ser classificados de acordo com sua fronteira como: • Bilhares integráveis: Dois exemplos que podemos citar são o bilhar circular e o elíptico. No primeiro caso a integrabilidade é devida à preservação de energia e momentum angular, já no segundo se trata da preservação do momentum angular em relação a cada um dos focos, além da preservação da energia (BERRY, 1981); • Bilhares ergódicos: Podem ser citados o bilhar de Sinai, comentado anteriormente, e o estádio de Bunimovich. No bilhar de Sinai a fronteira é construída de forma que as partículas estejam confinadas em um quadrado de lado "L"com um círculo de raio R < L no centro, espalhando todas as partículas que colidem com ele (SINAI, 1970). Já no estádio de Bunimovich a fronteira consiste de duas metades de um círculo conectadas entre si por dois segmentos de reta, remetendo à forma de um estádio como o próprio nome sugere (BUNIMOVICH, 1979). Nesses casos, dependendo dos parâmetros de controle, 15 uma única condição inicial é capaz de preencher ergodicamente todo o espaço de fases para tempos suficientemente longos; • Bilhares mistos: Por fim, essa classe de bilhares exibe um espaço de fases que com- bina ilhas de periodicidade coexistindo com curvas invariantes spanning que delimitam diferentes mares de caos, um exemplo sendo o bilhar ovóide (OLIVEIRA; LEONEL, 2010). Para descrevermos a dinâmica de um bilhar, assumiremos que a fronteira pode ser descrita em coordenadas polares a partir de um raio escrito como: R = R(θ) (2.1) e o comportamento da partícula confinada no interior dessa partícula é descrito por um certo mapeamento discreto para as variáveis (θn, αn), com n se referindo à enésima colisão com a fronteira, onde θn se refere à posição angular da partícula e αn corresponde ao ângulo que a trajetória faz com relação ao vetor tangente à fronteira na posição θn, como podemos ver na figura 1, abaixo (LEONEL, 2019): Figura 1 – Ilustrações dos ângulos que descrevem a dinâmica de um bilhar fonte: (LEONEL, 2019) Utilizando do formalismo das coordenadas polares, a posição da partícula pode ser descrita como: X(θn) = R(θn)cos(θn) (2.2) Y (θn) = R(θn)sin(θn). (2.3) O ângulo entre o vetor tangente à uma partícula e a fronteira na posição dada pelas equações acima, em relação à horizontal, é dado por: ϕn = arctan [ Y ′(θn) X ′(θn) ] (2.4) 16 onde os apóstrofos se referem à primeira derivada em relação a θ. A equação que descreve a trajetória da partícula, com velocidade constante, entre uma colisão e outra é dada por: Y (θn+1)− Y (θn) = tan(αn + ϕn)[X(θn+1)−X(θn)] (2.5) onde Y (θn+1) e X(θn+1) representam as novas coordenadas para θn+1, sendo obtidas pela solução da equação (2.5).O ângulo entre a trajetória da partícula e o vetor tangente à fronteira no ponto θn+1 é dado por: αn+1 = ϕn+1 − (αn + ϕn). (2.6) Por fim, o mapeamento discreto para a dinâmica da partícula é dado por: H(θn+1) = R(θn+1)sin(θn+1)− Y (θn)− tan(αn + ϕn)[R(θn+1)cos(θn+1)−X(θn)] (2.7) αn+1 = ϕn+1 − (αn + ϕn) (2.8) onde θn+1 é obtido a partir da solução numérica de H(θn+1) = 0. Com as equações (2.7) e (2.8) em mãos, podemos substituir as expressões específicas, em coordenadas polares, de cada fronteira para descrever os bilhares citados anteriormente. Aqui focaremos primeiramente nos bilhares circular e elíptico, integráveis, e depois partiremos para o bilhar ovóide, que é nosso foco neste trabalho. A fronteira do bilhar circular é descrita por R(θ) = 1. Como a curvatura, neste caso, é constante, não há necessidade de solucionar uma equação transcendental para obtenção de H(θ) e o mapeamento assume a forma explícita colocada abaixo. θn+1 = θn + π − 2αn (2.9) αn+1 = αn. (2.10) Temos então um espaço de fases típico de um sistema integrável, como pode ser visto no item "a"da figura 2. Nele temos curvas invariantes quando o ângulo α não puder ser escrito como múltiplo de π (chamado "incomensurável") e uma sequência discreta de pontos quando puder. Já para o bilhar elíptico, a equação que descreve a fronteira se torna: R(θ, e, q) = 1− e2 1 + ecos(qθ) (2.11) com e ∈ [0, 1) correspondendo à excentricidade da elipse, enquanto q a deforma, sendo q = 1 o bilhar elíptico e q > 1 referente ao bilhar"elíptico-like". É importante notar que "q"deve ser um inteiro, uma vez que valores não inteiros levam a aberturas na fronteira permitindo o escape de partículas e afetando imensamente a dinâmica do bilhar. O espaço de fases para o bilhar elíptico pode ser observado no item "b"da figura 2 e nele podemos observar duas importantes estruturas: o conjunto de curvas invariantes spanning tanto no "topo"quanto na parte inferior do 17 espaço de fases e as duas ilhas de estabilidade no centro. As curvas invariantes estão associadas a órbitas de rotação no bilhar enquanto as ilhas estão associadas às órbitas de libração, com os dois movimentos sendo separados pela curva separatriz em destaque. Figura 2 – Espaço de fases para os bilhares circular (a) e elíptico (b) fonte: (LEONEL, 2019). Compilação do autor. A ausência de caos no espaço de fases é uma característica intrínseca deste sistema e sua integrabilidade se mantém mesmo com a variação de parâmetros. Na figura 3 podemos observar o efeito do aumento do parâmetro "q"tanto no desenho da fronteira do bilhar quanto no espaço de fases. Por fim, uma última característica do bilhar elíptico a ser citada é a preservação da quantidade representada pelo observável F (α, θ), escrito abaixo, que é nulo ao longo da curva separatriz, positivo nas órbitas de rotação e negativo nas de libração: F (α, θ) = cos2(α)− e2cos2(ϕ) 1− e2cos2(ϕ) (2.12) Agora tratemos do bilhar ovóide. Este tem a fronteira descrita por: R(θ, ϵ, p) = 1 + ϵcos(pθ) (2.13) e aqui temos ϵ fazendo papel semelhante a e no caso anterior, da mesma forma que p, deformando a fronteira, sempre sendo um número inteiro de forma a não permitir "buracos"na fronteira e escape de partículas. Conforme ϵ cresce temos que o caos no espaço de fases cresce, como podemos ver na figura 4, para ϵ = 0 o bilhar circular é recuperado e para ϵ < ϵc = 1/(p2 + 1) o espaço de fases é misto, apresentando ilhas de estabilidade, curvas invariantes e mares de caos. Definimos ainda como ϵc o valor crítico a partir do qual as curvas invariantes são destruídas. Na figura 4 podemos observar diferentes espaços de fases obtidos a partir do mapeamento das equações (2.7) e (2.8) com todas as características supracitadas, além do efeito da variação dos parâmtros ϵ e p. 18 Figura 3 – Diferentes aspectos do bilhar elíptico. No item a) temos o efeitos da variação do parâmetro "q"no desenho da fronteira do bilhar, com q = 1 em preto, q = 2 em vermelho e q = 3 em verde; Nos itens b) e c) temos espaço de fases construídos para o bilhar elíptico com e = 0.1 e q = 1 e q = 2, respectivamente; Por fim, no item d) temos o desenho da trajetória de uma partícula dentro da fronteira, tomando e = 0.01 fonte: Produção do próprio autor É possível então notar claramente como o aumento do parâmetro ϵ está diretamente re- lacionado ao crescimento da região de caos no espaço de fases e à redução das regiões de periodicidade, restando apenas um conjunto de curvas invariantes próximas de zero e de π, chamadas de whispering gallery orbits ou órbitas da galeria do sussuro. Também é interessante observar o comportamento do expoente de Lyapunov para esses casos. O expoente de Lyapunov é uma ferramenta essencial para indicar a existência de caos em um sistema, o que neste caso será muito importante quando partirmos para a introdução da dependência temporal. De uma forma geral, podemos definir o expoente de Lyapunov positivo como um indicador da presença de dinâmicas caóticas em um sistema, apresentando valores menores ou iguais a zero para comportamentos períodicos ou quase-periódicos (LEONEL, 2019). Podemos calculá-lo por meio da iteração de duas condições iniciais próximas, acompanhando suas evoluções no espaço de fases e analisando o que ocorre com a distância entre elas. Se essa distância reduz com o tempo sabemos se tratar de órbitas regulares, porém caso a mesma aumente exponencialmente sabemos se tratar de uma dinâmica caótica: o conhecimento do comportamento de uma das condições iniciais não nos permite afirmar nada sobre o comportamento da outra. Apesar de ser facilmente identificável a presença de caos nos espaços de fase apresentados até aqui, esse não é sempre o caso, daí a importância de tal ferramenta. Para este sistema podemos perceber que o expoente de Lyapunov é positivo e próximo de 0, 6971 no caso referente ao espaço de fases tomado por caos, ou seja, positivo, e próximo de 0, 1325 para o caso onde ainda há uma predominância menor dos mares de caos, como esperado. Também está de acordo com o esperado a forte oscilação 19 Figura 4 – Espaço de fases construído para o bilhar ovóide com a) p = 2, ϵ = 0.01, b) p = 2, ϵ = 0.1, c) p = 2, ϵ = 0.5, d) p = 3, ϵ = 0.1 fonte: Produção do próprio autor dos valores encontrados para o expoente nas primeiras iterações. A definição matemática do expoente de Lyapunov considera n → ∞ para apresentar convergência a um certo valor. Isso não é possível de ser feito computacionalmente porém é possível encontrar valores adequados para um grande número de iterações, que é o que fizemos na construção das figuras 5 a) e b), com n da ordem de 105. Figura 5 – Expoente de Lyapunov: a) Para o item b) da figura 4 e b) para o item c) da figura 4 fonte: Produção do próprio autor Estão então estabelecidas as principais características de diferentes bilhares estáticos, que utilizaremos como fundação para nossa próxima discussão. 20 2.2 BILHARES DEPENDENTES DO TEMPO Ao introduzirmos dependência temporal na barreira do bilhar devemos ter em mente que a energia da partícula não é mais uma constante. Isso significa que um novo par de variáveis dinâmicas deverá ser introduzido junto àquelas vistas a pouco: a velocidade da partícula e o tempo em si. Este último parâmetro será introduzido na própria expressão da fronteira, que agora se torna: R = Rb(θ, t) (2.14) enquanto que a dinâmica da partícula agora é descrita por um mapeamento quadridimensional, dado por: T (θn, αn, Vn, tn) = (θn+1, αn+1, Vn+1, tn+1) (2.15) onde θ é a posição angular ao longo da fronteira em que ocorre o impacto, α é o ângulo que a trajetória da partícula faz com a tangente no instante do impacto, V é a velocidade absoluta da partícula e t é o instante do impacto propriamente dito. Todas essas variáveis avaliadas no impacto n, ao serem aplicadas no operador T , nos fornecem seu comportamento no impacto n+ 1. Os efeitos da introdução da dependência temporal na fronteira podem ser vistos na figura 6, abaixo. Figura 6 – Esboço de quatro colisões de uma partícula em um bilhar com a fronteira móvel fonte: (LEONEL, 2019) Essa dependência temporal também afeta as coordenadas X e Y , que definimos nas equações (2.2) e (2.3), sendo agora dadas por: X(θn) = R(θn, tn)cos(θn) (2.16) Y (θn) = R(θn, tn)sen(θn) (2.17) já o vetor que descreve a velocidade da partícula é dado por: V⃗n = |V⃗n|[cos(ϕn + αn)̂i+ sen(ϕn + αn)ĵ] (2.18) 21 e o ângulo ϕn é dado por: ϕn = arctan [ Y ′(θn, tn) X ′(θn, tn) ] (2.19) onde os apóstrofos novamente se referem à primeira derivada em relação a θ. Com todos esses elementos em mãos podemos escrever a posição da partícula em função de um instante arbitrário t ≥ tn por: Xp(t) = X(θn, tn) + |V⃗n|cos(αn + ϕn)(t− tn) (2.20) Yp(t) = Y (θn, tn) + |V⃗n|sin(αn + ϕn)(t− tn) (2.21) com o subíndice p denotando que estamos nos referindo à partícula, caso tratemos da fronteira utilizaremos o subíndice b (do inglês "boundary"). Podemos escrever a distância da partícula em relação à origem do sistema de coordenadas como Rp(t) = √ X2 p (t) + Y 2 p (t). A posição da partícula no momento da próxima colisão com a fronteira é então obtida igualando as expressões para Rp(θn+1, tn+1) e Rb(θn+1, tn+1). O instante da colisão é dado por: tn+1 = tn + √ [∆Xp]2 + [∆Yp]2 |V⃗n| (2.22) com o elemento "∆"denotando a diferença entre a expressão de Xp (ou Yp) em θn+1 e θn. A expressão para a velocidade da fronteira no instante do impacto é dada por: V⃗b(tn+1) = dR(t) dt ∣∣∣∣ tn+1 [cos(θn+1)̂i+ sin(θn+1)ĵ]. (2.23) Por fim, para obter a velocidade da partícula devemos levar em conta que o referencial da fronteira é não inercial, logo é conveniente escrever as leis de reflexão no instante do impacto de forma a permitir que a velocidade seja encontrada numericamente (LEONEL, 2019). Temos então: V⃗n+1 · T⃗n+1 = |V⃗n|[cos(αn + ϕn)cos(ϕn+1)] + |V⃗n|[sen(αn + ϕn)sen(ϕn+1)] (2.24) V⃗n+1 · N⃗n+1 = −|V⃗n|[−cos(αn + ϕn)sen(ϕn+1)]− |V⃗n|[sen(αn + ϕn)cos(ϕn+1)] +2V⃗b(tn+1) · N⃗n+1 (2.25) onde os vetores unitários T⃗n+1 e N⃗n+1 são dados por: T⃗n+1 = cos(ϕn+1)̂i+ sin(ϕn+1)ĵ (2.26) N⃗n+1 = −sin(ϕn+1)̂i+ cos(ϕn+1)ĵ (2.27) 22 e αn+1 é dado por: αn+1 = atan [ V⃗n+1 · N⃗n+1 V⃗n+1 · T⃗n+1 ] . (2.28) por fim unimos esses elementos de forma a escrever a velocidade na colisão n+ 1: | ⃗Vn+1| = √ (V⃗n+1 · T⃗n+1)2 + (V⃗n+1 · N⃗n+1)2. (2.29) Antes de passarmos para a extensão deste formalismo para o estudo do bilhar ovóide dependente do tempo faremos uma breve discussão sobre o fenômeno de aceleração de Fermi e sua relação com a conjectura LRA, o que deixará mais claro nosso interesse neste sistema. 2.3 ACELERAÇÃO DE FERMI, A CONJECTURA LRA E O BILHAR OVÓIDE DEPEN- DENTE DO TEMPO A conjectura LRA tem como enunciado o fato de que a dinâmica caótica de partículas em um certo bilhar quando sua fronteira é estática é condição suficiente para que, quando introduzida a dependência temporal na fronteira, surja difusão de energia conduzindo à aceleração de Fermi. A conjectura foi proposta baseada em observações referentes a alguns dos bilhares citados anteriormente neste trabalho: o bilhar de Sinai, o estádio de Bunimovich, o bilhar ovóide, dentre outros (LOSKUTOV; RYABOV; AKINSHIN, 2000). Em todos esses casos, como vimos, existe uma dinâmica caótica para a fronteira estática e, ao ser introduzida a dependência temporal, todos levaram ao fenômeno de difusão na energia. Anos depois do trabalho que enunciara a conjectura surge uma problemática observada por um grupo de pesquisadores alemães: o bilhar elíptico (LENZ; DIAKONOS; SCHMELCHER, 2008). Como vimos na seção 2.1, o bilhar elíptico é integravel para a fronteira estática, vimos ainda que essa integrabilidade é robusta mesmo à variação dos parâmetros de controle e ,sendo assim, não teríamos motivo para acreditar que a conjectura LRA se aplicaria a este sistema. Apesar disso, ao ser introduzida a dependência temporal vemos uma migração de órbitas no regime de libração para órbitas no regime de rotação e vice-versa. Essa migração leva o observável "F ", escrito na equação (2.12), a alternar entre valores positivos e negativos. Surge então uma "camada estocástica"ou "camada caótica"no sistema, que leva a destruição da curva separatriz apresentada na figura 2, causando que as órbitas dessa região apresentem o fenômeno de difusão de energia levando à aceleração de Fermi(LEONEL, 2019). Temos então um contraexemplo para a conjectura LRA que viria a ser corrigido anos depois, sugerindo a existência de uma órbita heteroclínica ao invés de porções de caos no espaço de fases como condição para a observação de difusão de energia (LEONEL; BUNIMOVICH, 2010). Com isso em mente, partamos para o nosso objeto de estudo neste trabalho: o bilhar ovóide dependente do tempo. Para esse modelo, o raio da fronteira é descrito por: R(θ, η, t) = 1 + ηf(t)cos(pθ) (2.30) 23 com p sendo um inteiro, η = 0 correspondendo ao bilhar circular, que já vimos ser integrável, enquanto η ̸= 0 fornece um espaço de fases misto para f(t) = cte., além de exibir aceleração de Fermi para o caso específico onde f(t) = 1 + ϵcos(ωt), assim como importantes propriedades de escala (LEONEL et al., 2016). Foi bem estabelecido na seção 2.1 que o bilhar ovóide estático apresenta mares de caos, sendo assim tal Aceleração de Fermi está de acordo com a conjectura e ele foi, como vimos, um dos objetos de estudo para a formulação da mesma. A equação para a fronteira permite que apliquemos o formalismo mostrado até aqui para descrevermos o sistema porém uma nova quantidade conveniente para a análise do sistema pode ser introduzida: a velocidade média. Podemos escrever essa quantidade como (REIF, 2008): V = 1 M M∑ i=1 1 n n∑ j=1 Vi,j (2.31) onde a soma em M identifica diferentes condições iniciais enquanto n identifica o número de colisões da partícula com a fronteira. Essa é uma importante quantidade para nossa identificação do fenômeno de aceleração de Fermi. Como visto no item "a"da figura 7, abaixo, a velocidade média apresenta um crescimento em lei de potência da quantidade para tempos suficientemente longos, mesmo variando a velocidade inicial. A repetição deste comportamento para diferentes parâmetros de controle nos permite observar pela primeira vez o fenômeno conhecido como invariância de escala. Neste caso, a obtenção dos expoentes de escala adequados permite a sobreposição de todas as curvas construídas e seu comportamento pode ser sumarizado em três "momentos": • Para velocidades suficientemente pequenas, da ordem da velocidade máxima da fronteira, podemos descrever V ∝ nβ . Fenomenologicamente é possível encontrar que, neste caso β ≈ 0, 5 • Para velocidades que não sejam suficientemente pequenas temos o platô que pode ser observado em algumas das curvas no item "a"da figura 7. Esse platô pode ser descrito por V ∝ V α 0 para n muito menor do que nx (nx sendo a iteração de crossover a ser melhor descrita no próximo item. Fenomenologicamente é possível encontrar que, neste caso α ≈ 1 • Por fim, a iteração de crossover que marca a mudança do regime de platô para o de crescimento com lei de potência é dada por nx ∝ V z 0 . O expoente crítico z pode ser encontrado por meio da lei de escala z = α/β, com dedução a qual não entraremos em detalhe neste trabalho, sendo portanto z ≈ 2 Uma vez obtidos estes expoentes, as transformações de escala adequadas podem ser feitas em cada um dos eixos das curvas do item "a"da figura 7, nos fornecendo a preposição das curvas mostrada no item "b"da mesma figura. A obtenção destes expoentes, leis e transformações de 24 escala não serão tratadas em maior profundidade nesta seção. Estes valores serão obtidos em maior detalhe, para os nossos resultados, na seção 4 deste trabalho. Figura 7 – a) Gráfico da velocidade média vs. n para diferentes valores de V0. Os parâmetros de controle utilizados foram ϵ = 0.08,p = 3 e η = 0.5. b) Sobreposição das curvas do item "a"em uma única curva universal uma vez feitas as transformações de escala adequadas fonte: (LEONEL, 2019). Compilação do autor. No que se refere ao platô, é interessante notar que o motivo para sua existência vem do fato de que a velocidade média, nesse momento, é constituída de parte de um ensemble que apresenta crescimento de velocidade e de outra parte que está em desaceleração. A distribuição de probabilidade, que será melhor tratada na próxima seção, apresenta então a forma de uma Gaussiana e alcança uma quebra de simetria quando a iteração de crossover é atingida, levando à mudança de regime (LEONEL, 2019). Também é interessante notar que para um número ainda maior de colisões, além do intevalo mostrado na figura 7, da ordem de 109 o sistema passa para um regime de aceleração ainda maior. β passa de 0.5 para 1, no que é chamado "regime de super difusão"(HANSEN et al., 2018). Agora vamos discutir o que esse fenômeno de aceleração de Fermi significa fisicamente para o nosso sistema. Se o crescimento de energia leva ao crescimento de velocidade de acordo com o teorema de equipartição de energia cada termo quadrático na expressão da energia da partícula contribui com 1 2 KBT , onde KB é a constante de Boltzmann e T é a temperatura (REIF, 2008). Se ocorre um crescimento ilimitado da velocidade quadrática média, o mesmo deve ocorrer com a temperatura do gás. Sabemos que isso não condiz com o que seria observado em um 25 experimento real em laboratório. Na prática podemos supor que a fronteira do bilhar seria a fronteira do recipiente em questão, devidamente isolado, com o gás de partículas em seu interior. Se colocarmos tal recipiente em contato com um reservatório de calor, este tendo uma certa temperatura Tres constante, ao colocar o sistema em contato com o reservatório espera-se que a temperatura do gás varie. Temos então que o contato levaria o gás a aumentar de temperatura, de forma a se igualar com o reservatório. Utilizando o formalismo de sistems bilhares, podemos dizer que o ganho de energia desse gás está associado às colisões das partículas com a fronteira do recipiente. Porém, se pensarmos no caso do bilhar ovóide dependente do tempo como acabamos de ver, essa temperatura cresceria indefinidamente. Surge então o questionamento: como suprimir o ganho ilimitado de energia (ou aceleração de Fermi) neste caso para que o sistema esteja em acordo com o experimento? Para isso podemos supor que que as partículas do gás, ao colidirem com a fronteira do recipiente, experimentam perdas fracionais de energia. Colisões inelásticas representam um dos vários mecanismos que podemos utilizar para suprimir tal difusão ilimitada, ao lado da introdução de forças de arrasto viscoso da ordem de −V , −V 2 e −V δ (com 1 < δ < 2), amplamente discutidas na literatura (LEONEL, 2019). Foquemos nossa atenção no efeito que a introdução dessas colisões inelásticas terá nas equações apresentadas na seção 2.2 para o bilhar ovóide, especialmente nas leis de reflexão. Os vetores unitários T⃗n+1 e N⃗n+1 se mantém os mesmos apresentados nas equações (2.25) e (2.26), porém agora as leis de reflexão devem levar em conta o termo γ ∈ [0, 1], que representa o coeficiente de restituição. O caso onde γ = 1 representa colisões elásticas enquanto γ < 1 se refere a uma perda fracional de energia em cada colisão. Temos então: V⃗n+1 · T⃗n+1 = V⃗n · T⃗n+1 (2.32) V⃗n+1 · N⃗n+1 = −γV⃗n · N⃗n+1 + (1 + γ)V⃗b(tn+1 + Z(n)) · N⃗n+1 (2.33) onde Vb é a velocidade da fronteira, dada pela mesma expressão apresentada na seção anterior, e Z(n) ∈ [0, 1] é um número aleatório cujo objetivo é introduzir estocasticidade no modelo, em acordo com os muitos graus de liberdade de cada um dos átomos que constituem o "bilhar". As expressões para | ⃗Vn+1| e αn+1 também se mantém como apresentadas nas equações (2.28) e (2.29). A presença dessas colisões inelásticas conduz, pelo teorema de Liouville (LICHTENBERG; LIEBERMAN, 1992),a existência de atratores no espaço de fases. A existência deles garante que o sistema evolua para o estado de equilíbrio termodinâmico onde a temperatura do gás de partículas atinge a temperatura do estado estacionário. Essa caracterização foi realizada utilizando simulações diretas em bilhares assim como o utilizando solução da equação de Fourier para condução de calor em (LEONEL et al., 2016). Essa caracterização se mostra muito cara computacionalmente e por isso o principal objetivo deste trabalho é determinar as propriedades estatísticas da velocidade quadrática média usando a 26 solução analítica da equação da difusão para caracterizar a transição que ocorre conforme γ → 1, onde o sistema passa de uma dinâmica conservativa para uma dissipativa. A proposição deste método de solução está pautada no formalismo de (LEONEL et al., 2020) e sua aplicação estará explicitada no capítulo a seguir. Por fim, na figura 8 estão apresentadas as curvas construídas para o caso onde as colisões inelásticas são introduzidas, mostrando a supressão da difusão por uma abordagem fenomenológica. Na imagem também está feita a sobreposição das curvas em uma curva universal, novamente se tratando de um exemplo de invariância de escala no sistema. Figura 8 – a) Gráfico da velocidade média vs. n para diferentes valores de γ e ηϵ b) Sobreposição das curvas do item "a"em uma única curva universal uma vez feitas as transformações de escala adequadas. As linhas contínuas representam as previsões teóricas para o modelo pelo formalismo de sistemas bilhares fonte: (LEONEL et al., 2016) 27 3 EQUAÇÃO DE DIFUSÃO O uso de equações diferenciais está diretamente relacionado ao estudo da difusão de certas partículas em um meio contínuo. Alguns exemplos a serem citados são a difusão de fumaça no ar, de nêutrons em um reator nuclear, de calor em uma barra metálica e, como no nosso caso, no aquecimento de um gás entrando em contato com um reservatório térmico. A expressão fenomenológica para a equação vem do uso da quantidade "ρ", densidade ou concentração da substância em questão, na escrita do fenômeno de difusão na chamada "lei de Fick": j⃗ = −D∇ρ (3.1) com j⃗ sendo a densidade de corrente da quantidade em questão e D o coeficiente de difusão, que depende das propriedades do meio (BUTKOV, 1988). Além disso, também levamos em conta que a substância em questão não está sendo absorvida ou emitida pelo meio. Esse fato fica então expresso na chamada "equação de continuidade"dessa substância: ∂ρ ∂t +∇ · j⃗ = 0. (3.2) Unindo as expressões acima temos a equação de difusão: ∂ρ ∂t = D∇2ρ (3.3) mas qual a relação dessa equação obtida fenomenologicamente com o nosso caso? Podemos responder essa pergunta com uma escrita dessa mesma equação que tem significado equivalente, porém sendo pautada na densidade de probabilidade P (r, t) da partícula estar em uma certa posição em um certo instante no tempo. Essa reformulação foi proposta por Einstein durante sua busca por uma forma de descrever o movimento Browniano de partículas em um fluido (BALAKRISHNAN, 2021) e é escrita por: ∂P (x, t) ∂t = D ∂2P (x, t) ∂x2 (3.4) caso consideremos apenas o movimento no eixo x, por simplicidade. Essa expressão deve obter a condição de normalização uma vez que estamos tratando da probabilidade de se encontrar a partícula, que deve ser igual a unidade caso estejamos considerando todos os valores possíveis de −∞ a ∞ para a posição. A condição é escrita, para qualquer t ≥ 0:∫ +∞ −∞ P (x, t)dx = 1 (3.5) além disso, uma vez obtida a expressão da probabilidade, também podemos definir os observáveis: 28 x(t) = ∫ ∞ −∞ xP (x, t)dx (3.6) que é o deslocamento médio da partícula em um certo tempo "t"e: x2(t) = ∫ ∞ −∞ x2P (x, t)dx (3.7) como deslocamento quadrático médio, este último sendo mais importante para a nossa análise uma vez que, mesmo para uma distribuição simétrica, este não se anula (como ocorre com x(t)). Além disso, um importante observável quando tratamos da equação de difusão é definido calculando: ⟨x2(t)⟩ = 1 t+ 1 t∑ i=0 x2(i) (3.8) depois inserido em: xrms = √ ⟨x2(t)⟩ (3.9) onde o subíndice "rms"vem do inglês "root-mean-squared", traduzido como raiz quadrática média por alguns autores (REIF, 2008), e representa o valor "efetivo"apresentado por essa quan- tidade. Na seção seguinte nosso principal objetivo estará na obtenção dessa última quantidade. Por hora verfiquemos um dos principais resultados a serem obtidos da equação (3.4): a solução Gaussiana. A expressão para a equação de difusão apresentada na equação (3.4) é de primeira ordem em relação ao tempo e de segunda ordem em relação a posição. Esse tipo de equação diferencial é chamada "parabólica"e pode ser solucionada por meio da especificação de uma condição inicial e de duas condições de contorno, levando a uma solução única (BOYCE; DIPRIMA, 2014). Considerando a partícula inicialmente em x = 0, com uma condição de contorno que surge disso sendo P (x, 0) = δ(x). Também é necessário que a probabilidade seja normalizada, o que é satisfeito pela condição P (x, t) = 0 em x = ±∞ para todo t ≥ 0. Queremos então uma solução que satisfaça, simultaneamente, todas as condições supracitadas. Por questões de praticidade não iremos descrever os cálculos que levam a este resultado já bem estabelecido na literatura, sendo estes obtíveis consultando qualquer texto acadêmico focado em Física Matemática. O resultado em questão é dado por: P (x, t) = 1√ 4πDt exp ( − x2 4Dt ) (3.10) conhecida como Gaussiana normalizada, para qualquer t > 0. O comportamento dessa expressão está apresentado na figura 9 e é como esperado: conforme o tempo avança a distribuição tende a se "achatar", indo gradualmente a zero enquanto mantendo a forma de sino característica. Tendo em vista que esse tipo de distribuição é um dos mais comuns na modelagem de sistemas naturais, faz sentido que esta seja a forma do resultado que buscamos para o nosso sistema. Esse, porém, 29 não é o caso. Figura 9 – Diferentes soluções Gaussianas para a equação de difusão que se alargam conforme o tempo avança. Por ser uma expressão normalizada, a área sobre todas as curvas é sempre igual a unidade fonte: (BALAKRISHNAN, 2021) Na etapa anterior deste trabalho enfatizamos a importância da obtenção de uma solução analí- tica para o sistema bilhar ovóide dependente do tempo. Seu paralelo com o caso termodinâmico de um gás clássico onde, se pensarmos nos bilhares dessa forma, segundo a conjectura LRA, caso a dinâmica para a fronteira estática apresentasse caos seria condição suficiente para que a introdução da dependência temporal produza uma difusão ilimitada na energia na partícula, isto é, aceleração de Fermi. Esse crescimento de energia leva ao crescimento de velocidade e, pelo teorema da equipartição de energia, um crescimento da temperatura, que sabemos não ocorrer na realidade. A solução para esse "problema"reside em pensarmos na fronteira do bilhar como a fronteira de um recipiente devidamente fechado e com vácuo no interior, ao se quebrar o vácuo com um gás de partículas de baixa energia o esperado é que esse gás se aqueça mas não indefinidamente, apenas até o ponto de equilíbrio. Esse aquecimento, pela teoria de bilhares, viria das colisões das partículas do gás com a parede do recipiente, porém se considerarmos que, nessas colisões, elas experimentam perdas fracionais de energia, isso já seria, como dissemos anteriormente, o suficiente para suprimir a aceleração de Fermi no sistema. Tendo esse com- portamento em mente, podemos compreender porque a equação de difusão seria a abordagem sugerida para abordar esse problema analíticamente. Uma partícula deste gás, neste processo onde entra em contato com o reservatório térmico, experimenta o fenômeno de difusão. Resultados anteriores (LEONEL et al., 2020) mostram que o conhecimento da função distribuição de probabilidade dessa partícula pode ser determinada a partir da solução da equação da difusão impondo condições de contorno específcas que satisfazem as propriedades impostas pelo espaço de fases, como feito para a distribuição gaussiana. No artigo em questão temos que 30 a função encontrada se refere à probabilidade de certa partícula ter uma ação específica em um determinado "momento"n, escrita como P (I, n). No trabalho em questão podemos perceber o análogo à distribuição apresentada na figura 9 ao olharmos para o espaço de fases construído. Na figura 10, abaixo, podemos ver este espaço de fases no item "a"ao lado da distribuição de probabilidade ao longo do atrator caótico no item "b". É possível notar que a maior densidade de pontos está simetricamente em torno de I ≈ 0, diminuindo gradualmente conforme nos afastamos. Esse artigo é de grande importância por introduzir um formalismo robusto para a obtenção da expressão para a descrição da ação média por meio da equação de difusão para o mapa padrão. O problema que iremos abordar na seção seguinte está no fato de que o sistema que é objeto de estudo deste trabalho apresenta algumas diferenças na forma da sua distribuição de probabilidades (LEONEL et al., 2016), que veremos a seguir. Figura 10 – a) Gráfico do espaço de fases para o mapa padrão dissipativo considerando os parâ- metros ϵ = 100 e γ = 10−3 (b) Distribuição de probabilidade P (I, n), normalizada, para o atrator caótico do item "a". fonte: (LEONEL et al., 2020) 3.1 DIFUSÃO AO LONGO DE UMA LINHA SEMI-INFINITA Diferente da quantidade "I"ou "ação", apresentada em (LEONEL et al., 2020), a quantidade que é nosso objeto de estudo, "V "ou "velocidade"não pode assumir quaisquer valores desde −∞ até ∞. Seria contraintuitivo pensar em uma velocidade "infinitamente negativa"e vimos que para o nosso sistema a velocidade de interesse está limitada pela menor velocidade possível da fronteira, no nosso caso zero (LEONEL et al., 2016). No que se refere ao seu crescimento as velocidades não apresentam qualquer limitação. Neste caso temos então que o intervalo para a distribuição de probabilidades que iremos estudar é de 0 a +∞, como mostrado na figura 11. Nota-se então que não se trata mais de uma distribuição Gaussiana, como vimos na seção anterior. Para solucionarmos este problema podemos recorrer à solução da equação de difusão ao longo de uma região semi-infinita como apresentada em (BALAKRISHNAN, 2021), (BUTKOV, 1988) e (ARFKEN, 2017). 31 Figura 11 – Gráfico da distribuição de velocidades, normalizada, para um conjunto de 105 particulas no bilhar ovóide dissipativo. A região em azul foi obtida para 10 colisões enquanto a em vermelho foi obtida para 100. A figura em verde foi obtida para 50.000 colisões. A velocidade inicial usada foi V0 = 0, 2 e os parâmetros de controle foram η = 0, 02, γ = 0, 999 e p = 2. fonte: (LEONEL et al., 2016) Essa descrição para uma região finita é pautada em duas diferentes categorias referentes ao tipo de barreira que está limitando a difusão a essa região, sendo elas barreiras refletoras e barreiras absorventes. Essas definições não devem ser confundidas com o tipo de barreira da qual o bilhar se trata no que se refere à sua fronteira. Aqui estamos buscando o melhor mecanismo na construção de uma solução para a equação de difusão que nos permita recuperar o formato de distribuição de probabilidade observado na figura 11. Tratemos primeiro das chamadas barreiras refletoras. Nesse caso estamos considerando que existem duas barreiras simetricamente posicionadas a uma distância "a"da origem. A barreira posicionada na região negativa não irá nos interessar, como já comentado, porém a descrição será feita levando em conta ambas as barreiras para uma maior completeza. Aqui temos o desafio de descrever as condições de contorno para a expressão da probabilidade justamente nessas barreiras: não são permeáveis, impedindo passagem de partículas, e nem prendem as partículas que as atingem. Essas características permitem que tais barreiras sejam definidas de tal forma que o fluxo de partículas por meio delas é nulo. Sendo assim, a condição de contorno fica escrita: ∂P (x, t) ∂x ∣∣∣ x=±a = 0 (3.11) para qualquer t ≥ 0. Com essas condições de contorno, uma nova expressão para P (x, t) é obtida: P (x, t) = 1 2a + 1 a ∞∑ n=1 cos (nπx a ) exp ( −n2π2Dt a2 ) (3.12) 32 que, por construção, obedece a condição de normalização. Isto é:∫ a −a dxp(x, t) = 1 (3.13) Para qualquer t ≥ 0. Agora partindo para a descrição das barreiras absorventes, como o próprio nome diz, temos que as barreiras posicionadas em x = ±a absorvem (ou aniquilam) completamente qualquer partícula que as alcance, encerrando seu processo de difusão. Nesse caso temos que a condição de contorno para essas fronteiras agora é dada por: P (x, t)|x=±a = 0 (3.14) para qualquer t ≥ 0 e, novamente, com essas condições de contorno uma nova expressão para P (x, t) é obtida: P (x, t) = 1 a ∞∑ n=1 cos ( (2n+ 1)πx 2a ) exp ( −(2n+ 1)2π2Dt 4a2 ) . (3.15) Essa expressão, porém, não é normalizada por construção como a outra. Isso vem do fato de que uma partícula iniciando sua trajetória em t = 0 vai, eventualmente, atingir uma das barreiras. A probabilidade não é mais igual a 1 mas sim a uma probabilidade de "sobrevivência"escrita por:∫ a −a p(x, t)dx = S(t,±a|0) (3.16) para qualquer t > 0. A expressão para S(t, a) pode ser obtida pela de P (x, t) como sendo: S(t,±a|0) = 4 π ∞∑ n=0 (−1)n (2n+ 1) exp ( −(2n+ 1)2π2Dt 4a2 ) (3.17) e pode ter seu comportamento observado na figura 12, onde percebemos que a probabilidade de sobrevivência começa em um valor máximo e gradualmente se aproxima de zero conforme o tempo passa. Outra característica dessa expressão é que, diferente do que ocorre para a barreira refletora, a expressão da probabilidade vai a zero para tempos infinitamente longos, apresentando o comportamento de "achatamento"que vimos na solução Gaussiana. Para entendermos melhor o comportamento dessas funções podemos recorrer a dois formalis- mos muito importantes: o método das imagens e as funções de Green. Apesar deste primeiro ser melhor conhecido no contexto do eletromagnetismo, aqui ele serve como uma técnica para en- contrar a função de Green para um certo operador diferencial com certas condições de contorno, levando em conta que o sistema possui uma simetria que possa ser explorada (BALAKRISHNAN, 2021). O método das imagens aqui tem como objetivo escrever as soluções vistas previamente em uma expressão única. Novamente assumimos que a difusão se inicia na origem em t = 0 e 33 Figura 12 – Probabilidade de sobrevivência S(t,±a|0) em função do tempo. Essa expressão apresenta um decaimento que pode ser descrito por uma soma infinita de expronen- ciais, como descrito em detalhe em (BALAKRISHNAN, 2021) fonte: (BALAKRISHNAN, 2021) imaginamos espelhos colocados nos locais onde estariam as fronteiras ("a"e "−a"no eixo x). A imagem de um ponto x, colocado entre os espelhos, formada pelo espelho em a vai estar então localizada no ponto 2a− x. Já a imagem formada pelo espelho em −a vai estar então localizada no ponto −2a − x. Como os dois espelhos estão de frente um para o outro, o que acontece é que mais imagens vão surgindo sucessiva e infinitamente a partir desse único ponto x, como podemos ver na figura 13 abaixo. Figura 13 – Possíveis localizações para um ponto arbitrário x ∈ [−a, a] e algumas de suas primeiras imagens formadas, como no caso das fronteiras em "a"e "−a". O número de pontos formados por imagens espelhadas é infinito nesse caso. fonte: (BALAKRISHNAN, 2021) Esse método nos permite então escrever a densidade de probabilidade P (x, t) nessa região entre os "espelhos"como uma combinação linear de todas as imagens. Essa expressão será global para as barreiras refletoras e absorventes, com sua única mudança estando nos coeficientes de cada uma das expressões. As distribuições de probabilidade para barreiras refletoras e absorventes, respectivamente, obtidas por este formalismo são: P (x, t) = 1√ 4πDt ∞∑ n=−∞ exp ( −(x+ 2na)2 4Dt ) (Barreira refletora) (3.18) P (x, t) = 1√ 4πDt ∞∑ n=−∞ (−1)nexp ( −(x+ 2na)2 4Dt ) (Barreira absorvente). (3.19) Uma representação visual dessas expressões a qual podemos recorrer são as obtidas pelas condições de Newmann e Dirichlet para a equação de calor. Não entraremos em detalhe em sua 34 dedução, porém é importante definir que nesse formalismo se quisermos descrever a temperatura em uma haste devido a uma fonte pontual em x = −ξ devemos considerar uma fonte imagem posicionada em x = −ξ. No caso da condição de Neumann (análoga à barreira refletora, com o fluxo de calor sendo zero) temos uma figura espelhada, como podemos ver no item "a"da figura 14. Já no caso da condição de Dirichlet (análoga à barreira absorvente) a fonte imagem tem a forma de um "poço", como podemos ver no item "b"da figura 14 (BUTKOV, 1988). A escolha da condição de contorno que melhor se adequa ao nosso sistema deve então levar todas essas características em conta para que seja válida, o que será feito na seção a seguir. Figura 14 – a) Representação da distribuição das fontes real e imagem para as condições de Neu- mann b) Representação da distribuição das fontes real e imagem para as condições de Dirichlet fonte: (BUTKOV, 1988) 35 3.2 SOLUÇÃO DA EQUAÇÃO DE DIFUSÃO Discutimos a fundo na seção anterior a obtenção das funções P (x, t) para o caso onde temos duas fronteiras localizadas, simetricamente, em ±a ao longo do eixo x. Esse formalismo pode ser "regredido"para a obtenção de um sistema onde temos a difusão ocorrendo ao longo de uma linha semi-infinita (−∞, a], sendo a qualquer valor real. Sendo o ponto inicial da difusão da partícula em t = 0 dado por x0 < a, podemos utilizar os métodos apresentados até aqui para escrever uma solução para a equação de difusão com uma "barreira"em −∞ e uma, absorvente ou refletora, em "a". Assim, a expressão obtida é: P (x, t) = 1√ 4πDt [ exp ( −(x− x0) 2 4Dt ) ± exp ( −(2a− x− x0) 2 4Dt )] (3.20) com os sinais positivo e negativo correspondendo, respectivamente, ao caso da barreira refletora e absorvente em a (BALAKRISHNAN, 2021). Agora voltemos a nossa atenção para o bilhar dependente do tempo que é o foco do nosso trabalho. Para esse sistema temos que a probabilidade apresenta a forma de distribuição discutida nas seções anteriores, também possível de ser visualizada na figura 11. Essa forma de distribuição agora está pautada nas variáveis (V, n), com n sendo um número de iterações que aqui cumpriria o papel do "tempo"em um sistema discreto e V seria a velocidade da partícula em questão experimentando a difusão. Esse tipo de P (V, n) nos fornece a condição de contorno: P (V, n)|V=0 = P (V, n)|V=∞ = 0. (3.21) Além disso, temos que P (V, 0) = δ(V − V0), o que nos fornece uma concentração de todas as partículas com a mesma velocidade inicial em t = 0. Para que essas relações sejam obedecidas, a equação (3.20) deve então ter forma: P (V, n) = 1√ 4πDt [ exp ( −(V − V0) 2 4Dt ) − exp ( −(V + V0) 2 4Dt )] (3.22) onde a = 0 no nosso caso, como vimos ao tratar da distribuição. Outra condição necessária é que a probabilidade em questão seja normalizada, isto é:∫ ∞ 0 P (V, n)dV = 1 (3.23) calculando a integral acima temos:∫ ∞ 0 P (V, n)dV = 1√ 4πDn ∫ ∞ 0 [ exp ( −(V − V0) 2 4Dn ) − exp ( −(V + V0) 2 4Dn )] (3.24) = 1√ 4πDn ( −1 2 √ 4πDn ( erf ( V0 − V√ 4Dn ) + erf ( V0 + V√ 4Dn )))∣∣∣+∞ 0 (3.25) 36 = −1 2 ( −1 + 1− 2erf ( V0√ 4Dn )) (3.26) = erf ( V0√ 4Dn ) (3.27) logo, para que P (V, n) obedeça tal condição, definimos ela como: P (V, n) = 1√ 4πDn 1 erf(V0/ √ 4Dn) [ exp ( −(V − V0) 2 4Dn ) − exp ( −(V + V0) 2 4Dn )] . (3.28) Agora com P (V, n) em mãos temos condição de calcular então a grandeza V 2(n) por meio da equação abaixo: V 2(n) = ∫ ∞ 0 V 2P (V, n)dV (3.29) e unindo essa expressão à nossa P (V, n) encontrada temos V 2(n) = ∫ ∞ 0 V 2 1√ 4πDn 1 erf(V0/ √ 4Dn) [ exp ( −(V − V0) 2 4Dn ) − exp ( −(V + V0) 2 4Dn )] dV (3.30) = 1√ 4πDn 1 erf(V0/ √ 4Dn) ∫ ∞ 0 V 2 [ exp ( −(V − V0) 2 4Dn ) − exp ( −(V + V0) 2 4Dn )] dV (3.31) onde temos: V 2(n) = 1√ 4πDn 1 erf(V0/ √ 4Dn) 1 4 √ 4Dn ( − √ π(2V 2 0 + 4Dn)erf ( V0 − V√ 4Dn ) − √ π(2V 2 0 + 4Dn)erf ( V0 + V√ 4Dn ) − 2 √ 4Dne−(V0+V )2/4Dn (V0e 4V0V/4Dn + V e4V0V/4Dn + V0 − V ) ) . (3.32) Aplicando essa equação no limite infinito positivo temos que todos os termos se anulam: V 2(n) = 1√ 4πDn 1 4 √ 4Dn 1 erf(V0/ √ 4Dn) (√ π(2V 2 0 + 4Dn)− √ π(2V 2 0 + 4Dn)− 0 ) = 0 (3.33) já aplicando no limite V = 0 temos: V 2(n) = 1√ 4πDn 1 4 √ 4Dn 1 erf(V0/ √ 4Dn) ( − √ π(2V 2 0 + 4Dn)erf ( V0√ 4Dn ) − √ π(2V 2 0 + 4Dn)erf ( V0√ 4Dn ) − 2 √ 4Dne−(V0)2/4Dn(V0 + V0) ) (3.34) 37 simplificando: V 2(n) = 1√ 4πDn 1 4 √ 4Dn 1 erf(V0/ √ 4Dn) ( −2 √ π(2V 2 0 + 4Dn)erf ( V0√ 4Dn ) − 4 √ 4Dne−(V0)2/4DnV0 ) (3.35) e por fim: V 2(n) = −(V 2 0 + 2Dn)− √ 4Dn π 1 erf(V0/ √ 4Dn) e−(V0)2/4DnV0. (3.36) Sendo assim, como se trata da aplicação no limite infinito subtraindo a aplicação em zero, o sinal negativo pode ser retirado. Além disso, tirando a raiz encontramos a grandeza Vrms = √ ⟨V 2(n)⟩ como: Vrms = ( (V 2 0 + 2Dn) + √ 4Dn π 1 erf(V0/ √ 4Dn) e−(V0)2/4DnV0 )1/2 (3.37) onde D é o nosso coeficiente de difusão. Para obtê-lo nós primeiro usamos a expressão fornecida para | ⃗Vn+1| apresentada anteriormente no texto e realizamos a média da velocidade quadrática para os intervalos θ ∈ [0, 2π], α ∈ [0, π] e t ∈ [0, 2π] (LEONEL et al., 2016). Calculando essas médias ficamos com: V 2 n+1 = (γ2 + 1)V 2 n 2 + (1 + γ)2η2ϵ2 8 (3.38) D é então obtido usando D = V 2 n+1−V 2 n 2 , o que nos leva a: D = (γ2 − 1)V 2 n 4 + (1 + γ)2η2ϵ2 16 . (3.39) Podemos então obter a expressão para V 2 n no regime dinâmico assumindo que para um grande conjunto de partículas: V 2 n+1 − V 2 n = V 2 n+1 − V 2 n (n+ 1)− n ≃ dV 2 dn . (3.40) Integrando, considerando que em n = 0 temos uma velocidade inicial V0, obtemos: V 2(n) = V 2 0 e (γ2−1)n 2 + (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2[1− e (γ2−1)n 2 ] (3.41) agora realizando a média da equação acima para que seja comparável com o observável experi- mental Vrms , lembrando que: ⟨V 2(n)⟩ = 1 n+ 1 n∑ i=0 V 2(i) (3.42) 38 e reescrevendo a equação (3.41) por: V 2(n) = (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2 + (V 2 0 − (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2)e (γ2−1)n 2 (3.43) agora utilizando a relação abaixo: n∑ i=0 e (γ2−1)i 2 = [ 1− e (γ2−1)(n+1) 2 1− e (γ2−1) 2 ] (3.44) ficamos com: ⟨V 2(n)⟩ = (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2 + 1 n+ 1 (V 2 0 − (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2)[ 1− e (γ2−1)(n+1) 2 1− e (γ2−1) 2 ] (3.45) e levando esse resultado em D: D = ( (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2 + 1 n+ 1 (V 2 0 − (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2)[ 1− e (γ2−1)(n+1) 2 1− e (γ2−1) 2 ]) (γ2 − 1) 4 + (1 + γ)2η2ϵ2 16 . (3.46) Podemos perceber que o primeiro e o último termo se cancelam, e nos resta: D = 1 n+ 1 (V 2 0 − (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2)[ 1− e (γ2−1)(n+1) 2 1− e (γ2−1) 2 ]) (γ2 − 1) 4 (3.47) chamando F (n) = n(γ2 − 1) 4(n+ 1) [ 1− e (γ2−1)(n+1) 2 1− e (γ2−1) 2 ] (3.48) ficamos com D(n)n = F (n)(V 2 0 − (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2). (3.49) voltando este resultado na expressão obtida para Vrms ficamos com Vrms = ((V 2 0 + 2F (n)(V 2 0 − (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2)) + (erf( V0√ 4F (n)(V 2 0 − (1+γ) 4(1−γ) η2ϵ2) ))−1 √ 4F (n)(V 2 0 − (1+γ) 4(1−γ) η2ϵ2) π exp ( −V 2 0 4F (n)(V 2 0 − (1+γ) 4(1−γ) η2ϵ2) ) V0) 1/2 (3.50) chamando A = (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2 = cte. (3.51) 39 temos Vrms = ( (V 2 0 + 2F (n)(V 2 0 − A))+ 1 erf( V0√ 4F (n)(V 2 0 −A) ) √ 4F (n)(V 2 0 − A) π exp ( −V 2 0 4F (n)(V 2 0 − A) ) V0 )1/2 . (3.52) Utilizando da equação acima construímos curvas analíticas para Vrms, como na figura 15, abaixo. É importante notar que os valores de γ utilizados para a construção são muito próximos de 1 para que seja adequadamente caracterizada a transição deste sistema, como já discutido anteriormente e que será melhor explicitada no capítulo 5 deste texto. Figura 15 – Curva para Vrms construída para V0 = 10−5, ηϵ = 0, 02 e γ = 0, 999 utilizando a equação (3.52) fonte: Produção do próprio autor Podemos observar então o típico comportamento de crescimento com lei de potência até um ponto de crossover onde a curva atinge um platô. Os expoentes críticos que caracterizam cada uma dessas regiões serão devidamente encontrados na seção seguinte mas é interessante que essa curva nos permitiu a reprodução analítica por meio da Equação de Difusão, consideravelmente mais simples, de resultados computacionais muito caros obtidos anteriormente na literatura, como mostrado na figura 8, que era principal objetivo deste projeto. 40 4 LEIS DE ESCALA E EXPOENTES CRÍTICOS Analisando a figura que encerra o capítulo 3 deste texto podemos observar dois comporta- mentos distintos, característico do que seria esperado para a mesma. Para valores pequenos de n, a velocidade cresce com uma lei de potência e eventualmente parte para um regime de saturação se o valor de n for suficientemente alto. Essa mudança de comportamento de crescimento para saturação ocorre na chamada iteração de crossover nx, como já discutido. A figura 15 também pode ser construída para diferentes valores de parâmetros. A partir da construção dessas curvas foi possível notar que uma transformação do eixo das abcissas de n para n(ηϵ)2, baseada no formalismo de (LEONEL et al., 2016), permite a sobreposição dessas diferentes curvas, fenômeno típico de sistemas que apresentam invariância de escala e que pode ser observado na figura 16, abaixo: Figura 16 – Curvas para Vrms construídas para diferentes valores de ηϵ e γ = 0, 999, sobrepostas pela transformação do eixo x de n para n(ηϵ)2 fonte: Produção do próprio autor Podemos então sumarizar o comportamento apresentado na figura em três "momentos"distintos: • (i) Para pequenos valores de n, isto é n ≪ nx, podemos descrever o crescimento por V ∝ [(ηϵ)2n]β , onde β é o chamado expoente de crescimento ou de aceleração; • (ii) Para valores suficientemente grandes de n, isto é n ≫ nx, atingimos a velocidade de saturação. Esta pode ser escrita como Vsat ∝ (1−γ)α1(ηϵ)α2 , onde α1 e α2 são chamados 41 expoentes de saturação; • (iii) A iteração que marca a mudança de comportamento, ou crossover, do regime (i) para o regime (ii) é chamada de nx e pode ser dada por nx ∝ (1− γ)z11(ηϵ)z2 , onde z1 e z2 são chamados expoentes de crossover. Com essas três hipóteses podemos descrever todo o comportamento da velocidade ⟨V ⟩ com uma função homogênea generalizada: ⟨V ⟩[(ηϵ)2n, ηϵ, (1− γ)] = l⟨V ⟩[la(ηϵ)2n, lbηϵ, ld(1− γ)] (4.1) onde l é um fator de escala e os valores a,b e d são chamados expoentes característicos. A utilidade de escrever tal função homogênea generalizada está na obtenção de relações entre os expoentes citados nos itens acima, especialmente na escrita das chamadas "leis de escala". O procedimento para obtenção dessas relações não será tratado aqui, mas é amplamente definido na literatura (LEONEL, 2019) e pode ser resumido na suposição de diferentes parcelas da equação (4.1) como constantes, obtendo gradualmente equações que definam cada um dos expoentes em função dos expoentes característicos, depois relacionando-as em equações que dependam apenas dos expoentes de escala. O cálculo para o nosso sistema em questão fornece: z1 = α1 β (4.2) z2 = α2 β − 2 (4.3) com as curvas que descrevem o comportamento da velocidade analiticamente, por meio da solução da equação de difusão, temos a oportunidade de obter numericamente alguns desses expoentes e compará-los com valores já estabelecidos na literatura (LEONEL et al., 2016). No que se refere ao regime de crescimento, sabemos que o expoente crítico β que descreve este sistema deve ser igual a 0, 5 por resultados obtidos fenomenologicamente para esse tipo de sistema. Utilizando das curvas supracitadas fomos capazes de recuperar tal resultado obtendo β = 0, 494696727± 0, 000822199. (4.4) Já no que se refere aos expoentes que caracterizam o regime de saturação recorremos à análise do comportamento de tais curvas conforme n → ∞. Esta nos fornece os expoentes α1 e α2 através da obtenção da velocidade de saturação (Vsat) para diferentes casos e da construção de duas curvas: (i) Vsat vs.(1− γ) para obtenção de α1 e (ii) Vsat vs.ηϵ para obtenção de α2. Tais curvas estão apresentadas na figura 17. Os valores esperados para o sistema, lê-se α1 = −0. e α2 = 1, são recuperados com grande precisão pela nossa caracterização através da equação de difusão. Como podemos observar nas curvas apresentadas, foram obtidos: α1 = −0, 5000012± 2, 416408 · 10−7 (4.5) 42 Figura 17 – Curvas de Vsat vs.(1 − γ) para obtenção de α1 (à esquerda) e de Vsat vs.ηϵ para obtenção da α2 (à direita) fonte: Produção do próprio autor e α2 = 1, 00± 1, 994489 · 10−8. (4.6) Sendo assim, tanto o regime de crescimeto quanto o de saturação estão muito bem estabelecidos por este formalismo. Por fim, os resultados encontrados também estão de acordo com o esperado para ambas as leis de escala do sistema, isto é: z1 = α1/β ≈ −0, 5/0, 5 = −1 (4.7) z2 = α2/β − 2 ≈ 1/0, 5− 2 = 0. (4.8) Agora, antes de encerrarmos as discussões deste capítulo, vejamos se a recuperação destes expoentes críticos pode ser feita por meio da análise de diferentes limites da equação encontrada para Vrms. Em primeiro lugar, para n = 0 temos V = V0, em grande acordo com o esperado uma vez que a velocidade nessa iteração deve ser justamente a velocidade inicial. Já para n → ∞ temos que D(n)n = (γ2 − 1) 4 [ 1 1− e (γ2−1) 2 ](V 2 0 − (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2) (4.9) olhemos para o segundo termo de Vrms:√ 4Dn π 1 erf(V0/ √ 4Dn) e−(V0)2/4DnV0 (4.10) em n → ∞ a nossa exponencial se torna igual a unidade e nos resta√ 4Dn π 1 erf(V0/ √ 4Dn) V0 (4.11) a função erf(x) ainda pode ser reescrita, expandindo-a para x → 0 e tomando aqui apenas o 43 primeiro termo: 2x√ π = 2V0√ 4πDn (4.12) onde x = (V0/ √ 4Dn), temos então:√ 4Dn π 1 2(V0/ √ 4Dn√ π ) V0 = √ 4Dn π √ 4πDn 2V0 V0 = 2Dn. (4.13) Retornando este resultado na expressão de Vrms, que agora trataremos por Vsat temos: Vsat = (V 2 0 + 4Dn)1/2 (4.14) reinserindo a equação para D(n)n temos: Vsat = ( V 2 0 + 4( (γ2 − 1) 4 [ 1 1− e (γ2−1) 2 ](V 2 0 − (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2)) )1/2 (4.15) simplificando: Vsat = ( V 2 0 + ([ (γ2 − 1) 1− e (γ2−1) 2 ](V 2 0 − (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2)) )1/2 (4.16) expandindo o termo (γ2−1) 1−e (γ2−1) 2 em torno de γ = 1 ficamos com: (γ2 − 1) 1− e (γ2−1) 2 = −2 + (γ − 1) = (γ − 3) (4.17) Vsat = ( V 2 0 + ((γ − 3)(V 2 0 − (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2)) )1/2 (4.18) Vsat = ( V 2 0 (1 + γ − 3)− ((γ − 3) (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2)) )1/2 (4.19) Vsat ∝ ( (1 + γ)(γ − 3) 4(1− γ) η2ϵ2 )1/2 (4.20) Vsat ∝ (1− γ)−1/2ηϵ. (4.21) Sabemos de (LEONEL et al., 2016) que Vsat ∝ (1 − γ)α1(ηϵ)α2 . O resultado α1 = −0, 5 e α2 = 1, 0 é então prontamente recuperado, em acordo com a literatura e com os resultados obtidos apresentados na figura 17. Para obter o lei de potência que descreve o crescimento da expressão fazemos o limite para n 44 pequeno, considerando V0 muito próxima de 0 e γ muito próximo de 1, limite da transição que estamos observando (LEONEL et al., 2020). Sendo assim podemos escrever apenas: Vrms = (2Dn)1/2 = (−2 ∗ n(γ2 − 1) 4(n+ 1) [ 1− e (γ2−1)(n+1) 2 1− e (γ2−1) 2 ]( (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2)1/2 (4.22) expandindo a exponencial no numerador da equação acima para n pequeno temos que este termo se cancela com o denominador, além disso para este mesmo limite temos n/n+ 1 ∝ n e: Vrms = (−n (γ2 − 1) 2 ( (1 + γ) 4(1− γ) η2ϵ2)1/2 (4.23) simplificando −(γ2 − 1)(1 + γ) (1− γ) = (γ + 1)2 (4.24) temos Vrms = (−n (γ + 1)2 8 η2ϵ2)1/2 (4.25) Vrms ∝ (γ + 1)ηϵ √ n. (4.26) Sabendo, novamente por (LEONEL et al., 2016), para esse limite Vrms ∝ nβ encontramos β = 0.5, como esperado. Esse resultado nos mostra que para n pequeno a difusão é análoga ao problema muito bem estabelecido da caminhada aleatória, isto é, experimenta difusão normal. Finalmente, os expoentes que caracterizam o crossover, z1 e z2, podem ser encontrados pela intersecção dos resultados das equações (4.21) e (4.26), isto é, igualando as equações e isolando n, isso nos dá nx ∝ ((1− γ)(1 + γ))−1 (4.27) sabendo de (LEONEL et al., 2016) que nx ∝ (1− γ)z1(ηϵ)z2 encontramos z1 = −1 e z2 = 0, como esperado. Sendo assim, este capítulo nos permitiu uma obtenção extensa dos expoentes críticos e confirmação das leis de escala apresentadas na literatura para a expressão obtida por meio da solução da equação de difusão. 45 5 CARACTERIZAÇÃO DA TRANSIÇÃO DE FASE Nosso objetivo nesse último capítulo é caracterizar adequadamente a transição de fase discutida ao longo deste trabalho. Para isso utilizaremos o formalismo apresentado em (SETHNA, 2006). A caracterização adequada dessa transição, como enunciado por J.P. Sethna, requer que obedeçamos um "sistema"um pouco mais complicado do que seria necessário se estivessemos analisando uma transição simples como aquelas pautadas nos três estados da matéria: sólido, líquido e gasoso. Segundo ele: Quando haviam apenas três estados da matéria, nós podiamos aprender sobre cada um e depois voltar a aprender a fazer divisões complicadas. Agora que existem multitudes, foi necessário desenvolver um sistema. Esse sistema está constantemente sendo extendido e modificado, porque continuamos encontrando novas fases que não se encaixam nos formalismos antigos. É surpreendente como o 500º estado da matéria de alguma forma estraga um sistema que funcionou bem para os primeiros 499. (SETHNA, 2006, p. 176) O sistema em questão será adotado neste trabalho e consiste em responder quatro perguntas sobre a transição de fase, sendo elas: Qual é a quebra de simetria do sistema? Qual é o parâmetro de ordem? Quais seriam as excitações elementares para essse sistema e quais são os defeitos topológicos que impactam no transporte de partículas?. Uma vez respondidas essas perguntas faremos uma breve discussão sobre a transição de fase de forma a sintetizar as informações apresentadas até então antes da conclusão deste capítulo. 5.1 QUEBRA DE SIMETRIA Apesar de não podermos afirmar que diferentes fases sempre possuem simetrias diferentes, é seguro afirmar que se os dois materiais têm simetrias diferentes eles identificam fases diferentes. Enquanto materiais diferentes apresentam comportamento que, a primeira vista, podem parecer "mais"ou "menos"simétricos é na sua quebra de simetria que podemos identificar algumas importantes características. Olhemos para a figura 18, abaixo: enquanto que uma rede hexagonal, neste caso representando o gelo, possa parecer "mais simétrica"basta que a figura seja transladada ou rotacionada por um valor que não seja um múltiplo de 60º para que sua simetria seja quebrada; já quando tratamos de um conjunto de pontos como o da segunda imagem, onde estamos representando a água por um conjunto de atomos espalhados, temos simetria rotacional e translacional obedecida. É intuitivo concluirmos então que essa análise da quebra de simetria do sistema é uma importante característica para a caracterização da transição de fase, e isso também vale para sistemas caóticos como o que estamos abordando neste trabalho. Um exemplo que podemos citar 46 Figura 18 – Representação em duas dimensões das estruturas do gelo (A) e da água (B). fonte: (SETHNA, 2006) é a quebra de simetria para um mapeamento bidimensional padrão dissipativo onde a variação do parâmetro ϵ de 0 para valores muito próximos de 0 (da ordem de 10−3 por exemplo) é o suficiente para que o espaço de fases do sistema vá de um comportamento integrável, onde apresenta curvas simétricas e regulares, para um espaço de fases misto, com mares de caos, ilhas de periodicidade e curvas invariantes (LEONEL, 2019). Infelizmente para a transição de fase abordada neste trabalho tal quebra de simetria ainda não foi adequadamente definida, ficando como perspectiva para o prosseguimento do projeto. 5.2 PARÂMETRO DE ORDEM O parâmetro de ordem pode ser definido como uma das mais importantes quantidades que definem o nosso sistema. Podemos aqui novamente citar Sethna onde afirma que "a escolha de um parâmetro de ordem é uma arte. Muitas vezes temos uma fase nova a qual não entendemos completamente ainda e a escolha do parâmetro de ordem é parte do processo de descobrir o que está acontecendo. "(SETHNA, 2006). Essa escolha é especialmente complicada uma vez que comumente temos mais de uma escolha possível para tal parâmetro e queremos que a nossa descrição seja sempre a mais simples possível. Para o nosso caso, um bom candidato a parâmetro de ordem é a quantidade 1 Vsat . Lembremos que, como definido no capítulo anterior: Vsat ∝ (1− γ)−1/2ηϵ (5.1) portanto: 1 Vsat ∝ (1− γ)1/2(ηϵ)−1. (5.2) Tal parâmetro, para que seja um parâmetro de ordem adequado, deve obedecer a condição de que conforme o parâmetro de controle do sistema tende à transição γ → 1, o parâmetro de ordem escolhido deve se aproximar continuamente de zero. Essa condição é facilmente verificada pela equação (5.2), acima, permitindo a definição de 1 Vsat como parâmetro de ordem. Além disso, caso tenhamos que a primeira derivada do parâmetro de ordem em relação ao mesmo divirja conforme o parâmetro de controle do sistema tende à transição γ → 1 está 47 então caracterizada uma transição de fase de segunda ordem.‘Essa quantidade é definida como susceptibilidade χ e podemos verificar que isso ocorre, uma vez que: χ = ∂ ∂γ 1 Vsat ∣∣∣∣ γ→1 = ∂ ∂γ (1− γ)1/2(ηϵ)−1 ∣∣∣∣ γ→1 = −(ηϵ)−1 2(1− γ)1/2 ∣∣∣∣ γ→1 → −∞ (5.3) caracterizando então uma transição de fase de segunda ordem. 5.3 EXCITAÇÕES ELEMENTARES E DEFEITOS TOPOLÓGICOS Para discutirmos as excitações elementares do nosso sistema pensemos, primeiramente, no problema da caminhada aleatória. Este problema pode também ser pensado com o análogo de uma partícula imersa em um fluído. Neste problema consideramos que tal partícula se move em um determinado eixo com passos discretos de tamanho l, que podem ser para a direita ou para a esquerda. Chamamos então a probabilidade de que o movimento seja em uma dessas direções, digamos para a direita, de p, enquanto que a probabilidade de que o mesmo seja na direção oposta é dado por q = 1− p. Podemos pensar no caso mais simples onde a partícula, ou o caminhante, não tem "preferência"nenhuma de direção e p = q = 1/2, porém em casos mais complexos onde levamos em conta outros elementos que interferem na dinâmica pode ser induzido um movimento preferencial de forma que p ̸= q (LEONEL, 2015). Qualquer que seja o caso é importante que tenhamos em mente que, nesse cenário, a excitação elementar é caracterizada justamente por esse passo, tendo essa amplitude l. Agora olhemos para o nosso sistema. Lembrando que, como vimos nos capítulos anteriores: D = V 2 n+1 − V 2 n 2 = (γ2 − 1)V 2 n 4 + (1 + γ)2η2ϵ2 16 (5.4) ou ainda V 2 n+1 − V 2 n = V 2 n+1 − V 2 n (n+ 1)− n ≃ dV 2 dn = (γ2 − 1)V 2 n 2 + (1 + γ)2η2ϵ2 8 . (5.5) É interessante termos em mente que o processo difusivo em questão está sendo analisado no eixo das velocidades. Sendo assim, podemos focar na excitação elementar como sendo dada pelo termo que difere a velocidade da partícula no momento da colisão n em relação a n + 1. Olhando para a equação (5.5) deste capítulo podemos perceber que esse termo é dado por: Vn+1 − Vn ∝ √ (1 + γ)2η2ϵ2 8 ∝ (1 + γ)ηϵ (5.6) sendo este o nosso análogo ao passo do caminhante, ou o caminhar da partícula, no problema anterior. Além disso, analisando este resultado justamente no limite da transição recuperamos 48 um resultado muito interessante. Notemos que√ (1 + γ)2η2ϵ2 8 ∣∣∣∣ γ→1 → ηϵ√ 2 (5.7) resultado este muito parecido com o encontrado quando tratamos do mapeamento bidimensional tratado em (MIRANDA et al., 2021), onde a amplitude da excitação elementar é dada por Ia = ϵ/ √ 2, mostrando uma relação interessante entre estes sistemas. Partindo para a última pergunta, quando definimos os defeitos topológicos para esse tipo de sistema é importante analizarmos o comportamento da probabilidade de distribuição de partículas do mesmo. No sistema em questão, os defeitos topológicos seriam os chamados sinks, pontos fixos assintóticamente estáveis, não presentes no modelo para os parâmetros de controle considerados. 5.4 DISCUSSÃO SOBRE A TRANSIÇÃO DE FASE Durante a nossa discussão sobre o parâmetro de ordem do sistema fomos capazes de identifi- car que se trata de uma transição de fase contínua, ou de segunda ordem. Antes de concluirmos esse capíulo vejamos então algumas das principais características desse tipo de transição. Antes disso vamos retomar brevemente a transição que estamos tratando. Sabemos que a fronteira do bilhar estudado possui dependência temporal e quando isso ocorre a partícula sofre uma mudança na sua velocidade ao colidir com a barreira. Nessa colisão esses ganhos ou perdas de energia, que dependem do estado em que se encontra a fronteira no momento da colisão, levam a mudanças significativas no espaço de fases e ao fenômeno conhecido como aceleração de Fermi (FERMI, 1949). Esse fenômeno ocorre quando a partícula sofre um ganho ilimitado de energia a partir de colisões com a barreira em movimento. A observação deste fenômeno está de acordo com o que vimos pela conjectura LRA, onde a presença de caos no bilhar estático garante a observação do fenômeno em questão quando a dependência temporal é inserida, que é o caso do bilhar ovóide estudado (LOSKUTOV; RYABOV; AKINSHIN, 2000). Ao analisarmos um análogo termodinâmico para esse sistema vimos que é conveniente que haja uma supressão desse crescimento ilimitado de velocidade, uma vez que esse levaria à temperatura do gás que estamos tratando pelo formalismo de bilhares a um crescimento ilimitado na temperatura que sabemos não ser observado experimentalente. Vimos então que essa aceleração de Fermi pode ser suprimida ao serem introduzidas forças dissipativas no sistema, sendo elas colisões inelásticas com a fronteira ou forças de arrasto. Em qualquer que seja o caso, é possível observar a transição de fase particular que estamos tratando: de difusão limitada para ilimitada quando o parâmetro dissipativo vai a zero continuamente. Na verdade, o parâmetro em questão utilizado é o coeficiente de restituição γ ∈ [0, 1], que é igual a 1 caso tenhamos colisões completamente elásticas e menor que 1 para o caso onde ocorrem perdas fracionais de energia em cada colisões. A transição de interesse é então a que ocorre conforme γ → 1, onde o sistema 49 muda de uma dinâmica conservativa (em que a velocidade pode crescer ilimitadamente) para dissipativa. Agora que está definida nossa transição de fase contínua de interesse vamos a discussão de algumas características desse tipo de transição. Transições de fase contínuas são extremamente importantes em diversos tópicos na literatura. Desde o modelo de Ising até a aplicação em diversas modelagens teóricas de terremotos (SETHNA, 2006), grande parte da história deste campo de estudo tem como foco sistemas perturbativos complexos e a aplicação destes mesmos métodos para diversos sistemas observados experimentalmente ou na proposição de novos modelos teóricos. Duas poderosas características desse tipo de transição são a sua universalidade e o fenômeno de invariância de escala, façamos uma breve discussão sobre cada uma. Ao pensarmos em sistemas macroscópicos muitas vezes é possível que seja construída uma teoria quantitativa sobre estes "ignorando"certos detalhes sobre a dinâmica microscópica. Como exemplo podemos pensar justamente no caso da equação de difusão, onde desconsideramos muitos detalhes sobre o processo aleatório de cada uma das colisões. Em transições de fase contínuas é então possível que o comportamento próximo a transição seja considerado independente de detalhes macroscópicos, além de muitas das propriedades do mesmo próximas a transição sejam similares às observadas em outros sistemas que passam por transições contínuas. A esse fenômeno chamamos de Universalidade, e os sistemas que apresentam características similares próximas a transição dizemos que pertencem a uma mesma classe de universalidade. Normalmente as "flutuações"no comportamento do sistema começam a surgir conforme nos aproximamos da transição. Como dito em (SETHNA, 2006), "é como se o sistema não soubesse qual fase prefere estar", porém em alguns casos como a caminhada aleatória tais flutuações persistem em outras regiões levando a nossa segunda importante característica: invariância de escala. O fenômeno da invariância de escala pode ser visualizado na figura 19, abaixo, e em uma amplitude de outros sistemas além da caminhada aleatória tais como os citados no início do capítulo. Podemos sumarizar tal fenômeno com a ideia de que esses sistemas são estatisticamente invariantes com a mudança de escala no que se refere ao "comprimento"ou "tamanho". Esse fenômeno já foi amplamente discutido e apresentado em diversas partes deste trabalho e nos permitiu uma caracterização adequada da dinâmica do sistema por meio da obtenção de seus expoentes críticos e leis de escala. Em suma é fácil perceber o porque de tal caracterização pelo formalismo das transições de fase contínuas funciona tão bem no estudo de sistemas dinâmicos tais como o apresentado neste trabalho. Sistemas dinâmicos em geral se encontram fortemente relacionados com a mecânica estatística, que por sua vez tem como foco sistemas com um grande número de partículas onde não são tratadas cada uma das interações com extremo detalhe e o foco está no comportamento do todo. Muitos desses sistemas apresentam comportamento caótico e atratores que exibem tais estruturas invariantes de escala. Aqui podemos citar também como exemplos o estudo da transição de caos para movimento quasiperiódico e a destruição da última curva invariante em 50 Figura 19 – Invariância de escala no problema da caminhada aleatória. Cada figura aqui é um quarto da anterior, mostrando as mesmas estruturas, indo de 31 a 128.000 passos. fonte: (SETHNA, 2006). Compilação do autor sistemas hamiltonianos (SETHNA, 2006; LEONEL, 2019; MIRANDA et al., 2021), além de outros tópicos citados anteriormente, exemplificando a importância e relevância de tal área de estudo. 51 6 CONCLUSÃO Neste trabalho caracterizamos a transição de fase contínua de dinâmica conservativa para dissipativa de um sistema bilhar ovóide dependente do tempo a medida em que o parâmetro de controle γ vai a 1 continuamente utilizando o formalismo da solução da equação de difusão. Iniciamos a discussão apresentando as principais características de sistemas bilhares estáticos, depois introduzindo a dependência temporal em seu tratamento. Ao apresentarmos os bilhares independentes do tempo, especificamente o com fronteira ovóide que é objeto de estudo deste trabalho, estudamos também dois importantes conceitos: a aceleração de Fermi e a conjectura LRA. Essa conjectura afirma que a presença de caos no espaço de fases de um bilhar estático é condição suficiente, mas não obrigatória, para que seja observada aceleração de Fermi ao ser introduzida a dependência temporal no mesmo. Tal aceleração de Fermi, como vimos, é o fenômeno onde as colisões sucessivas da partícula em questão com a fronteira em movimento levam a um ganho ilimitado de energia, podendo ser suprimida com a introdução de dissipação no sistema. Vimos também a analogia de tal sistema com o problema físico de um gás em contato com um reservatório térmico que, de forma a ser adequadamente representado pelo bilhar em questão, deveria ter a introdução de um coeficiente de restituição nas colisões das partículas do gás com as paredes do recipiente de forma a suprimir tal ganho ilimitado de energia e subsequentemente de temperatura. A transição de fase de uma dinâmica onde a partícula tem energia e velocidade ilimitadas para uma fase dissipativa ocorre então conforme nosso coeficiente de restituição se aproxima de 1. Uma vez adequadamente apresentado, tratamos a transição de fase descrita acima pelo formalismo apresentado em (LEONEL et al., 2020), que consiste na solução da Equação de Difusão para obter a probabilidade P (V, n) de que a partícula seja observada com determinada velocidade em um determinado tempo. Tal solução foi pautada no formalismo da difusão ao longo de uma região semi-infinita, onde a probabilidade apresenta uma distribuição com um pico bem definido a uma certa velocidade finita e se aproxima de zero em V = 0 e V → +∞. Uma vez obtida tal expressão P (V, n) fomos capazes de obter outras importantes quantidades do sistema, tal como V 2(n) e Vrms. Ao serem construídas curvas analíticas para esta última quantidade observamos uma grande conformidade com o comportamento esperado da descrição fenomenológica apresentada em (LEONEL et al., 2016). Tal comportamento foi descrito em três "momentos"distintos do sistema: (i) Para pequenos valores de n, isto é n ≪ nx, podemos descrever o crescimento por V ∝ [(ηϵ)2n]β , onde β é o chamado expoente de crescimento ou de aceleração; (ii) Para valores suficientemente grandes de n, isto é n ≫ nx, atingimos a velocidade de saturação. Esta pode ser escrita como Vsat ∝ (1 − γ)α1(ηϵ)α2 , onde α1 e α2 são chamados expoentes de saturação; (iii) A iteração que marca a mudança de comportamento, ou crossover, do regime (i) para o regime (ii) é chamada de nx e pode ser dada por nx ∝ (1 − γ)z11(ηϵ)z2 , onde z1 e z2 são chamados 52 expoentes de crossover. A partir da construção de curvas de Vsat vs. (1− γ) para obtenção de α1 e Vsat vs. ηϵ para obtenção de α2 pudemos recuperar os valores esperados de α1 ≈ −0, 5 e α2 ≈ 1. Além disso a obtenção de β = 0, 5 também pode ser feita para as curvas supracitadas e a união destes valores nas leis de escala encontradas para o sistema nos permitiu a obtenção de z1 = α1/β ≈ −0, 5/0, 5 = −1 e z2 = α2/β − 2 ≈ 1/0, 5− 2 = 0. Tais expoentes também foram obtidas através da análise do comportamento de Vrms nos limites que se referem a cada uma das três situações previamente citadas. Por fim, pudemos caracterizar parcialmente a transição de fase respondendo à três das quatro perguntas propostas em (SETHNA, 2006): Qual é a quebra de simetria do sistema? Qual é o parâmetro de ordem? Quais seriam as excitações elementares para essse sistema e quais são os defeitos topológicos que impactam no transporte de partículas?. A quebra de simetria para a transição de fase abordada neste trabalho ainda não foi adequadamente definida, sendo nossa principal perspectiva para trabalhos futuros. O parâmetro de ordem foi escolhido como sendo a quantidade 1/Vsat, uma vez que vai continuamente a zero conforme o parâmetro de controle se aproxima da transição. Além disso também foi observado que a susceptibilidade χ diverge conforme nos ap