0 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP CÂMPUS DE JABOTICABAL TRATAMENTO DE CALDO E TIPOS DE FERMENTOS SOBRE OS COMPONENTES SECUNDÁRIOS E QUALIDADE DA CACHAÇA DE ALAMBIQUE Graciany Garcia Bióloga 2016 1 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - UNESP CÂMPUS DE JABOTICABAL TRATAMENTO DE CALDO E TIPOS DE FERMENTOS SOBRE OS COMPONENTES SECUNDÁRIOS E QUALIDADE DA CACHAÇA DE ALAMBIQUE Graciany Garcia Orientadora: Profa. Dra. Márcia Justino Rossini Mutton Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias – Unesp, Câmpus de Jaboticabal, como parte das exigências para a obtenção do título de Mestre em Microbiologia Agropecuária 2016 2 Garcia, Graciany G216t Tratamento de caldo e tipos de fermentos sobre os componentes secundários e qualidade da cachaça de alambique / Graciany Garcia. – – Jaboticabal, 2016 xi, 72p. : il. ; 28 cm Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, 2016 Orientadora: Márcia Justino Rossini Mutton Banca examinadora: Francisco Gaiotto Cleto, Leonardo Lucas Madaleno Bibliografia 1. Aguardente. 2. Levedura selecionada. 3. Processo fermentativo. 4. Viabilidade celular. I. Título. II. Jaboticabal-Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. CDU 576.8:663.241 Ficha catalográfica elaborada pela Seção Técnica de Aquisição e Tratamento da Informação – Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação - UNESP, Câmpus de Jaboticabal. 3 Certificado de aprovação 4 DADOS CURRICULARES DA AUTORA GRACIANY GARCIA – nasceu aos 11 de Fevereiro de 1979, na cidade de Itapagipe, estado de Minas Gerais. Em Fevereiro de 2001 ingressou no curso de Ciências Biológicas – Licenciatura Plena no Centro Universitário do Norte Paulista, recebendo o título de Bióloga em Dezembro de 2004. Em Janeiro de 2005 foi nomeada pelo Estado de Minas Gerais, em concurso público, para o cargo de Professora de Educação Básica- Biologia do Ensino Médio, onde atua. Em março de 2005 ingressou no Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Análises Clínicas, na área de concentração Ciências Biológicas pela Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – FAMERP, recebendo o título de Pós Graduada em Fevereiro de 2007. Em Outubro de 2008 ingressou no curso de Licenciatura em Pedagogia pela Universidade de Uberaba recebendo o título de Pedagoga em Julho de 2012. A partir de agosto de 2013 ingressou no Programa de Pós Graduação em Microbiologia Agropecuária, em nível de mestrado da FCAV – UNESP. MINTER – UEMG – Universidade Estadual de Minas Gerais, obtendo o título de Mestre em março de 2016. 5 Aos meus pais Ezequiel Garcia Pinto e Aparecida de Jesus Jorge Garcia, pelo incentivo, apoio, compreensão e amor incondicional. Tenham a certeza que a base de mim são vocês! Sou grata, pois no decorrer da minha vida, proporcionaram-me os conhecimentos da integridade, da perseverança e de procurar sempre em Deus a força maior para o meu desenvolvimento como ser humano. Reconheço que nunca mediram esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida. Amo vocês! Mãe saiba que seus conselhos e a confiança depositada em mim, fizeram com que eu tivesse força e determinação para alcançar este sonho! Pai saiba que seu carinho, apoio e amizade fez de mim uma pessoa mais otimista e preparada para enfrentar os obstáculos! Obrigada de coração! Às minhas queridas e amadas filhas Hulany Garcia Araújo e Isadora Garcia Araújo, por ser o principal motivo da minha busca por uma pessoa melhor. Agradeço o carinho e paciência que tiveram comigo na correria do dia a dia e peço perdão pela minha ausência! Obrigada por me apoiarem e acreditarem no meu sonho! Amo vocês! Dedico 6 Às minhas irmãs Flaviany Garcia da Cunha e Ana Flavya Garcia Ferreira, pela amizade, confiança, carinho e amor! A nossa união me fortaleceu a cada dia! Amo muito vocês! Ao meu querido cunhado Helton Igor Ferreira, que com seu humor e carinho de sempre me faz uma pessoa alegre e disposta! À minha querida sobrinha Geórgia Garcia da Cunha, pelo carinho e amor de sempre! Ao meu amado sobrinho José Rubens Garcia Ferreira, que mesmo tão pequeno demonstra grande afeto e alegria me dando força para caminhar! Ofereço 7 AGRADECIMENTOS - A Deus por estar comigo em todos os momentos me abençoando, me iluminando e me dando saúde para que eu possa alcançar meus objetivos. - À Professora Dra. Márcia Justino Rossini Mutton, pela oportunidade, orientação, atenção e confiança. - Ao Professor Dr. Miguel Ângelo Mutton, pelos conselhos e orientações. - À Professora Dra. Osania Emerenciano Ferreira, pelos ensinamentos, dedicação e atenção. - À Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) – Campus de Frutal/MG, por proporcionar o Programa Minter. - À Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal (FCAV/UNESP) e aos professores do curso de pós-graduação em microbiologia agropecuária pela capacitação profissional. - À querida amiga Mara Lúcia Ribeiro pelo companheirismo, apoio e dedicação durante todo o experimento. - Aos queridos colegas do Laboratório de Tecnologia do Álcool, Osânia, Gustavo, Aline, Vitor, Juliana, Cristhyane, Lidyane, Marcel e Franciele pelo auxílio na condução do experimento. - Ao técnico do laboratório Sérgio Luís Nobukuni pelo carinho e atenção. - Aos técnicos de laboratório da UEMG-FRUTAL, Jorcelino e Fernanda, pelo auxílio no experimento. - À COPACESP- Cooperativa dos Produtores de Cana, Aguardente, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo pela colaboração nas análises físico-químicas e cromatográficas das cachaças;- À UFLA – Universidade Federal de Lavras que executou as análises da cachaça. - Aos membros da banca examinadora, Francisco Gaiotto Cleto e Leonardo Lucas Madaleno pela participação e considerações. - À minha querida prima Célia Silva pelo carinho e atenção. - A todos que direta ou indiretamente participaram desse trabalho e da minha formação profissional e pessoal. Obrigada! 8 SUMÁRIO Página RESUMO......................................................................................................................... x ABSTRACT .................................................................................................................... xi 1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ..................................................................................... 14 2.1. Definição e características gerais da cachaça ............................................... 14 2.2. Importância econômica da cachaça ................................................................ 14 2.3. Processo produtivo da cachaça ...................................................................... 15 2.3.1. Matéria-prima ............................................................................................. 17 2.3.2. Tratamento do caldo e preparo do mosto ............................................... 18 2.3.3. Levedura .................................................................................................... 19 2.3.4. Processo fermentativo .............................................................................. 22 2.3.5. Destilação .................................................................................................. 25 2.4. Compostos secundários e contaminantes ..................................................... 28 2.4.1. Ácido acético ............................................................................................. 29 2.4.2. Aldeídos ..................................................................................................... 29 2.4.3. Acetato de etila .......................................................................................... 30 2.4.4. Álcoois superiores .................................................................................... 30 2.4.5. Metanol ....................................................................................................... 31 2.4.6. Acroleína .................................................................................................... 31 2.4.7. Cobre .......................................................................................................... 32 2.4.8. Zinco, nitrogênio, magnésio, manganês, potássio, ferro, e cálcio ....... 32 2.4.9. Carbamato de etila .................................................................................... 33 3. MATERIAIS E MÉTODOS ........................................................................................ 36 3.1. Delineamento experimental .............................................................................. 36 3.2. Matéria-prima ..................................................................................................... 36 3.3. Preparo dos mostos .......................................................................................... 36 3.4. Preparo do fermento ......................................................................................... 37 3.5. Processo fermentativo ...................................................................................... 38 3.5.1. Eficiência Fermentativa ............................................................................ 38 3.6. Caracterização do vinho ................................................................................... 39 viii 9 3.7. Destilação do vinho........................................................................................... 39 3.8. Caracterização da cachaça ............................................................................... 40 3.9. Análise dos dados ............................................................................................. 41 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................................ 42 4.1. Caracterização da matéria-prima ..................................................................... 42 4.2. Caracterização dos caldos e mostos ............................................................... 44 4.3. Processo fermentativo ...................................................................................... 45 4.4. Caracterização do vinho ................................................................................... 48 4.4.1. Composição mineral do vinho ................................................................. 52 4.5. Composição da cachaça ................................................................................... 55 5. CONCLUSÕES ......................................................................................................... 59 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 60 ix 10 TRATAMENTO DE CALDO E TIPOS DE FERMENTOS SOBRE OS COMPONENTES SECUNDÁRIOS E QUALIDADE DA CACHAÇA DE ALAMBIQUE RESUMO – A cachaça é a segunda bebida alcoólica mais consumida no Brasil, obtida pela destilação do vinho de cana-de-açúcar, tendo sua qualidade afetada pela matéria-prima, condições da fermentação e processo produtivo. Com a crescente exigência do mercado consumidor por cachaça de qualidade, intensificou-se a busca pelo aprimoramento em relação ao avanço do conhecimento técnico-científico. O tratamento físico químico do caldo é uma tecnologia que pode qualificar a bebida. Objetivou-se avaliar o desempenho de dois tipos de fermento (selecionado CA-11 e o prensado) e a influência do tratamento físico-químico do caldo de cana sobre os compostos secundários e a interferência dos mesmos na qualidade da bebida. O experimento foi realizado na safra 2014/2015, utilizando a variedade de cana SP83- 2847 cultivada na região de Pitangueiras-SP. O delineamento experimental utilizado foi feito em blocos com 9 repetições, sendo 3 ciclos com 3 repetições, onde o tratamento primário foi o caldo clarificado e não clarificado e o secundário os dois tipos de fermento. Avaliou-se a viabilidade das células e de brotos e o índice de brotamentos ao longo da fermentação. No vinho determinou-se acidez total, pH, ARRT, teor alcoólico, glicerol, eficiência fermentativa e composição mineral. Nos destilados foram analisados aldeídos totais, acidez volátil, ésteres totais, metanol, acroleína, carbamato de etila, furfural e hidroximetilfurfural, álcoois superiores, álcool sec. butílico e n-butanol, todos determinados por cromatografia gasosa e HPLC. O emprego do fermento CA-11 aliado ao processo de tratamento do caldo indicaram maior índice de viabilidade celular e menores concentrações de álcoois superiores e coeficiente de congêneres em relação aos demais. Todos os resultados foram abaixo dos limites permitidos pela legislação brasileira. Os resultados obtidos sugerem que a utilização de cepas selecionadas com o prévio tratamento do caldo possibilita melhor desempenho das leveduras fermentadoras, resultando em destilados com padrões físico-químicos adequados e de qualidade. Palavras chave: aguardente, levedura selecionada, processo fermentativo, viabilidade celular x 11 THE TREATMENT OF THE JUICE AND TYPES OF YEAST ON THE SECONDARY COMPONENTS AND QUALITY OF THE ALEMBIC CACHAÇA ABSTRACT - Cachaça is the second most widely consumed alcoholic beverage in Brazil, obtained by distillation of sugarcane wine, having its quality affected by the raw material, fermentation conditions and productive process. With the growing demand of the consumer market for quality cachaça, the search for the improvement in relation to the progress of the technical-scientific knowledge has been intensified. The physical chemical treatment of the juice is a technology that qualifies the beverage. This study aimed is to evaluate the performance of two types of yeast (selected CA-11 and the pressed) and the influence of the physical-chemical treatment of sugarcane juice on the secondary compounds and the interference of the same in the quality of the beverage. The experiment was carried out in 2014/2015, using a variety of SP83-2847 cane grown in Pitangueiras-SP region. The trial design was done in blocks with 9 repetitions, 3 cycles with 3 repetitions, where the primary treatment was the clarified juice and not clarified and secondary the two types of yeast. It has assessed the viability of the cells and shoots and the index of budding along the fermentation. In the wine was determined the total acidity, pH, ARRT, alcoholic content, glycerol, efficiency fermentative and mineral composition. In distillates was analyzed total aldehydes, volatile acidity, total esters, methanol, acrolein, ethyl carbamate, furfuraldehyde and hydroxymethylfurfural, higher alcohols, alcohol sec. butyl and n-butanol, all determined by GC and HPLC. The use of CA-11 yeast combined with the juice treatment process, has indicated highest cell viability index and lower alcohol concentrations and congeners coefficient higher in relation to others. All results were lower than the limits allowed by Brazilian law. The results obtained suggest that the use of selected strains with the prior treatment of the juice enables better performance of the fermenting yeasts, resulting in distillate with appropriate physico-chemical standards and with quality. Keywords: brandy, selected yeast, fermentative process, cell viability xi 12 1. INTRODUÇÃO A cachaça é a bebida típica e exclusiva do Brasil, com graduação alcoólica de 38% a 48% em volume a 20ºC, obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar (Brasil, 2005a). Com a crescente exigência do mercado consumidor por produtos de qualidade, intensificou-se a busca pelo aprimoramento em relação ao avanço do conhecimento técnico-científico. Esta tecnologia é aplicada à produção de cachaça, uma vez que todas as etapas da cadeia produtiva de bebidas fermento-destiladas são importantes, quando se busca o cumprimento dos requisitos mínimos de qualidade e segurança alimentar tanto no âmbito nacional quanto internacional. Atualmente a produção da bebida no país é de 1,6 bilhão de litros/ano, sendo exportado aproximadamente 11 milhões de litros/ano (ABRABE, 2015). Com o crescimento do mercado e a possibilidade de exportação da bebida, é necessário que seja utilizada matéria-prima de qualidade, que as condições do processo fermentativo sejam adequadas, além de boas práticas de fabricação como o tratamento físico-químico do caldo para a obtenção de produto padronizado e com quantidades de componentes que atenda a legislação e qualifique a bebida. O tratamento físico-químico do caldo é uma etapa imprescindível, que pode atuar como precursora da formação de interferentes na qualidade do produto final (CLETO, 1997). Outro fator que interfere na qualidade da bebida é a escolha da levedura. Para que se tenha garantia de uma fermentação sadia, regular e de alto rendimento, deve-se introduzir no mosto, uma população vigorosa de leveduras, capaz de conduzir o processo fermentativo de forma mais eficientemente possível (MUTTON e MUTTON, 1992; CARDOSO, 2013). As leveduras utilizadas no presente trabalho foram a prensada da marca Fleischman e a levedura selecionada CA-11. A cachaça deve atender ainda aos requisitos de qualidade previstos no regulamento técnico da Instrução Normativa Nº28, de 8 de Agosto de 2014 (BRASIL,2014), que complementa a Instrução Normativa Nº13, de 29 de Junho de 2005 que estabelece limites de substâncias que podem ser nocivas à saúde humana (Brasil, 2005a). 13 O presente trabalho objetivou-se avaliar a influência do tratamento físico químico do caldo e do tipo de fermento sobre os compostos secundários e a qualidade da cachaça produzida em alambique. 14 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. Definição e características gerais da cachaça Cachaça é a denominação típica e exclusiva da Aguardente de Cana produzida no Brasil, com graduação alcoólica de 38 % vol. a 48% vol. a 20ºC, obtida pela destilação do mosto fermentado do caldo de cana-de-açúcar com características sensoriais peculiares, podendo ser adicionada de açúcares até 6g/L, expressos em sacarose (BRASIL, 2005a). A produção de cachaça baseia-se na transformação dos açúcares presentes no mosto da cana em álcool etílico, componentes secundários e dióxido de carbono, devido à ação de determinadas leveduras que catalisam essa etapa, seguida por processos de destilação, durante a qual é obtida a bebida propriamente dita (CARDOSO, 2013). A constituição é de etanol e água, além de outros componentes ou congêneres (ácidos orgânicos, ésteres, aldeídos e álcoois superiores) oriundos principalmente de reações metabólicas envolvidas na bioquímica fermentativa. Estes, mesmo minoritários, são extremamente diversificados, e os principais responsáveis pelo sabor e aroma da bebida (CARVALHO; CANILHA; SILVA, 2008). 2.2. Importância econômica da cachaça No Brasil, o mercado de bebidas alcóolicas é dividido em bebidas fermentadas (cerveja e vinho) e bebidas fermento-destiladas (cachaça, rum, conhaque e uísque). Entre o volume total de produção de 14,9 bilhões de litros, a maior participação é da cerveja (88,9%), seguida pelos destilados (7,5%), ficando o restante do mercado para as demais bebidas (3,6%). Entre as bebidas destiladas, a cachaça ocupa a primeira posição no Brasil (SEBRAE, 2014). A capacidade de produção instalada da bebida no país é de 1,2 bilhão de litros por ano. Entre os estados brasileiros, São Paulo é o maior produtor, seguido por Pernambuco, Ceará, Minas Gerais e Paraíba (IBRAC, 2015). 15 No mercado internacional, em números de 2014, segundo dados estatísticos do Instituto Brasileiro da Cachaça (IBRAC, 2015), a Cachaça foi exportada para 66 países, com mais de 60 empresas exportadoras, gerando receita de US$ 18,33 milhões, um aumento de mais de 10% em relação a 2013. Também houve um aumento de mais de 10% no volume, sendo exportado um total de 10,18 milhões de litros em 2014. Os principais países de destino em valor são: Alemanha, Estados Unidos, França, Portugal, Paraguai e Itália. Figura 1. Principais países de destino da cachaça em valor no ano de 2014. Fonte: IBRAC, (2015). 2.3. Processo produtivo da cachaça O processo de produção da cachaça é feito exclusivamente do caldo de cana, sem a adição de produtos químicos, sendo denominado por muitos de “Processo Artesanal”. A destilaria da cachaça artesanal é popularmente chamada de alambique, que é, na verdade, a estrutura de cobre onde é feita a destilação (GONÇALVES, 2009). Os alambiques de cobre tem grande procura pelo sabor mais suave que propicia, visto que o cobre favorece a qualidade da bebida, atuando como catalisador de importantes reações que ocorrem durante a destilação (GONÇALVES 2009). 16 O fluxograma representado na Figura 02 ilustra a cadeia produtiva de cachaça de alambique. Figura 2. Cadeia produtiva de cachaça de alambique Fonte: Cardoso, (2013). O processo de produção da cachaça segundo Lima Neto e Franco (1994), pode ser resumido pelas etapas de preparação da matéria-prima (corte da cana-de- açúcar, separação das folhagens, transporte e armazenamento), seguido da Cana Corte, despalha e transporte Bagaço Moagem Filtragem Caldo bruto Água para diluição Mosto Fermentação do mosto Pé de cuba Sedimentação Vinho decantado Pé de cuba Vinho Destilação Vinhoto Cachaça de coração Cachaça de cabeça Cachaça de cauda Descanso Engarrafamento Envelhecimento Comercialização 17 extração do caldo, preparo do mosto e fermentação. O produto obtido da fermentação é então, encaminhado para destilação, onde se obtém a cachaça. Esta, ainda pode ser armazenada em tonéis de madeira para que ocorra o envelhecimento, e finalmente ser engarrafada e comercializada. 2.3.1. Matéria-prima A qualidade da matéria-prima afeta diretamente o desempenho das operações de extração, fermentação e destilação. Todas as etapas são importantes para obtenção de altos rendimentos e da qualidade do produto final como um todo (STUPIELLO, 1992). Na produção de cachaça, a matéria-prima que interessa são os colmos de cana-de-açúcar, com composição tecnológica constituída por fase insolúvel e solúvel. Estes são representados por um complexo composto de celulose, lignina e pentosanas, chamada de fibra (8-18%), e caldo propriamente dito (82-92%), composto por 75-82% de água e 18-25% de sólidos solúveis (Brix). Os sólidos solúveis são formados por açúcares (15,5-24%), sacarose, glicose e frutose; e por não açúcares (1-2,5%) como aminoácidos, ácidos, ceras, gorduras, corantes e sais inorgânicos (SiO2, K2O, CaO, MgO, entre outros) (SEGATO et al., 2006). A cana deve apresentar o mínimo de maturação, apresentando açúcares redutores menor ou igual a 1,4%, o pH pode variar de 4,5 a 5,5, a acidez total próxima a 0,8gH2SO4/L (MONTIJO, 2014). De acordo com a EMBRAPA (2005), a variedade SP83-2847, que é a mesma utilizada neste trabalho, apresenta maturação de média a tardia, é tolerante a nematoides, a produtividade é alta, o brotamento de socas é ótimo, tem baixo teor de sacarose, adapta muito bem a solos menos férteis, floresce todos os anos, a isoporização é média, pode ser suscetível a brocas, apresenta resistência a ferrugem e escaldadura das folhas. Assim, o manejo da cultura deve ser realizado da melhor forma possível objetivando reduzir impactos que possam a vir interferir negativamente na qualidade da matéria-prima, e demais etapas do processo, a fim de gerar lucros tanto para o setor agrícola quanto para o industrial (COSTA, 2013). Uma vez que as técnicas 18 empregadas na fabricação da cachaça não oferecem recursos para minimizar os efeitos causados por matéria-prima de baixa qualidade e produtividade (MUTTON, 1998). 2.3.2. Tratamento do caldo e preparo do mosto A obtenção de caldo de cana é realizada por moagem, seguido de filtração e decantação para a retirada de material particulado como impurezas. Na maioria das vezes o produtor desconhece a tecnologia de tratamento do caldo de cana para a produção de cachaça, bem como seus benefícios para que se obtenha uma bebida de qualidade. O tratamento inicia-se com a peneiragem do caldo em peneiras de malha fina, para retenção de elementos em suspensão (bagacilhos). Seguido do processo de clarificação, que se dá a partir de reações químicas entre fosfatos dissolvidos na matéria-prima e cálcio adicionados, que vão promover a coagulação de proteínas e arraste de impurezas para o fundo do decantador, de modo a remover materiais insolúveis e demais substâncias dissolvidas indesejáveis (DOHERTY; RACKEMANN, 2009). A seguir o caldo clarificado deve ser ajustado (mosto) visando adequar as características químico-tecnológicas que atenda às necessidades da levedura. No contexto de tecnologia, utiliza-se o termo mosto para definir todo líquido suscetível a ser fermentado, cujo preparo consiste em uma série de medidas a serem tomadas para que o ambiente fermentativo seja favorável exclusivamente às exigências da levedura e contrária ao desenvolvimento de micro-organismos indesejáveis (SANTOS, 2010). Pode-se citar: o fornecimento de quantidade ideal de açúcares fermentescíveis; menor contaminação inicial possível; pH ideal, e nutrientes (VALSECHI, 1960). Temperatura e acidez são outros fatores que afetam a atividade microbiana e, consequentemente, a eficiência e produtividade do processo de fermentação satisfatório (BREGAGNOLI, 2006). A composição química do mosto é aspecto importante na produção de cachaça. Para Ribeiro e Hori (1999), células de leveduras apresentam necessidades nutricionais diferenciadas durante o processo de fermentação alcoólica. Assim, a 19 disponibilidade de nutrientes influenciaria a multiplicação e o crescimento celular, bem como a eficiência da transformação de açúcar em álcool. O nitrogênio, devido à sua importância para as leveduras, é considerado elemento essencial para a multiplicação e crescimento do fermento. Este nutriente é constituinte de várias substâncias orgânicas encontradas nas leveduras, como os aminoácidos, proteínas, enzimas, pirimidinas, purinas, pigmentos respiratórios (citocromos), lecitina, vitaminas e cefalina (SANTIAGO, 2013). A presença de nitrogênio no mosto pode ser associada à composição do caldo ou à suplementação do mosto com compostos nitrogenados. No entanto, apesar da necessidade de nitrogênio, quando ureia ou sulfato de amônio é adicionado diretamente ao mosto, a assimilação pela levedura não é imediata (PINOTTI, 1991). A disponibilidade de nutrientes, bem como sua assimilação pelo fermento é importante, pois, podem favorecer a multiplicação de micro-organismos contaminantes ou levar a ocorrência de reações indesejadas, com a formação de compostos prejudiciais à qualidade da cachaça, (NAGATO; NOVAES; PENTEADO, 2003). Este aspecto da composição do mosto e disponibilidade de nutrientes está diretamente associado à formação de carbamato de etila. Estudos sobre a presença de compostos nitrogenados na produção de bebidas destiladas, incluindo a cachaça, mostram que tais compostos podem estar presentes até no produto final (POLASTRO et al., 2001). Tal informação é relevante quando se considera a participação dos compostos nitrogenados na formação do carbamato de etila, permitindo deduzir que a formação deste contaminante pode ocorrer até mesmo no produto pronto para consumo. 2.3.3. Levedura As leveduras utilizadas na fabricação de cachaça são linhagens de Saccharomyces cerevisiae. Segundo ALVES (1994), a viabilidade celular é extremamente importante para o desenvolvimento do processo fermentativo e a tolerância da levedura ao produto da fermentação (etanol) é determinante na produtividade em álcool de fermentações em escala industrial. 20 O tipo de fermento adotado pela fábrica de cachaça depende da estratégia e técnica de cada unidade, fundamentalmente importante, uma vez que são as leveduras as principais responsáveis pela definição do perfil dos compostos voláteis desejáveis, que caracterizam a bebida (SERAFIM et al., 2011). Sabe-se que metabolicamente as leveduras são predominantemente anaeróbias facultativas, sendo capazes de crescer tanto na ausência de O2 (fermentação) como na presença (respiração ou metabolismo oxidativo). A presença do oxigênio molecular, como ocorre na aeração, induz a mudança no metabolismo energético de fermentação para respiração (REED; PEPPLER, 1973). As condições ambientais determinam o catabolismo da levedura alcoólica. Este é influenciado por dois efeitos: o Pasteur e o Crabtree. No primeiro, observa-se a tendência da levedura respirar em meios aeróbios, enquanto que no segundo, constata-se que o levedo pode fermentar mesmo na presença de oxigênio. Sabe-se que a glicose e a frutose (ou qualquer açúcar que forneça um destes açúcares por hidrólise), em concentração elevada, reprimem a respiração da levedura alcoólica. Portanto, a respiração apenas é possível na presença de oxigênio e baixa concentração de açúcar. Em meios anaeróbios ou em meios aeróbios, mas com elevada concentração de açúcar, as células de levedura alcoólica deverão fermentar preferencialmente (NOGUEIRA; VENTURINI FILHO, 2013). A célula de levedura possui compartimentações para adequação da atividade metabólica. A fermentação alcoólica (glicólise anaeróbia) ocorre no citoplasma, enquanto que a oxidação total do açúcar (respiração) se dá na mitocôndria (BASSO; ALVES; AMORIM, 1996). Observa-se que, quando os microrganismos são capazes de crescer em ambas as situações (aerobiose/anaerobiose), um substrato que é metabolizado aerobiamente ocasiona um crescimento celular muito maior quando comparado ao substrato metabolizado anaerobiamente (AIBA et al., 1973). O fermento prensado constitui-se em um aglomerado de células no estado sólido, sendo, sem dúvida, o processo mais simples e rápido, uma vez que é um produto pré-industrializado, facilitando sua multiplicação em qualquer tipo de destilaria (NOGUEIRA; VENTURINI FILHO, 2013). A obtenção do levedo através do fermento prensado consta da adição direta na dorna, uma quantidade equivalente a 20g/L de mosto. Realiza-se o processo de 21 multiplicação de fermento, sendo que nas primeiras rodadas, deve-se trabalhar com mostos diluídos, cuja concentração não ultrapasse a 12°Brix, para facilitar a adaptação do fermento e a multiplicação de células (metabolismo respiratório), evitando-se assim sua exaustão (NOGUEIRA; VENTURINI FILHO, 2013). A indústria de cachaça comumente, principalmente as pequenas com produção artesanal, adotam-se de práticas de fermentações espontâneas, utilizando fermento natural. A ocorrência de diferentes espécies e linhagens de leveduras pode interferir negativamente na qualidade do produto final, ao proporcionar fermentações totalmente aleatórias, dificultando o controle operacional (MONTIJO, 2014). A utilização de linhagens selecionadas acelera o processo de preparação do fermento, sendo introduzida nas dornas em altas populações, diminui-se a interferência de leveduras selvagens que muitas vezes, não são adequadas ao processo (GOMES et al., 2010). A realização de um pé de cuba com linhagens de leveduras selecionadas de Saccharomyces cerevisiae tem garantido certa padronização na qualidade da bebida, pois essas apresentam capacidade de dominar a fermentação e diminuir as contaminações bacterianas (PATARO et al.; 2002; SOARES; SILVA; SCHWAN, 2011). Outras características dessas leveduras é que reduzem as concentrações de açúcares residuais, aumentam a produtividade do processo, diminuem a competição por nutrientes essenciais e contribuem na qualidade, principalmente em relação aos teores de acidez e concentração de álcoois superiores (ALCARDE; MONTEIRO; BELLUCO, 2012; DUARTE; AMORIM; SCHWAN, 2012). Em seus estudos, Souza et al. (2009), constataram os efeitos do uso de leveduras selecionadas na produção de cachaça. Os autores observaram diminuição na concentração do álcool superior (isoamílico) e dos ésteres (octanoato e decanoato de etila), melhorando a qualidade da bebida. Atualmente, a levedura selecionada S. cerevisiae CA-11 de característica floculante, é disponibilizada no Brasil na forma desidratada ativa, podendo ser utilizada prontamente para fermentação. Dados obtidos em alambiques que fazem uso dessa levedura, têm demonstrado um aumento significativo no rendimento, e melhorias nos teores de compostos aromáticos desejáveis (CARDOSO, 2013). 22 As leveduras com capacidade floculante (cresce de maneira agrupada, formando flocos ou aglomerados de tamanho variável), é uma estratégia de redução de custos operacionais. Apresentam como principal vantagem sobre as tradicionalmente empegadas, dispensar o uso de centrifugas para separação das leveduras (VASCONCELOS, 2007). Bem como a maioria dos produtores de cachaça encontra grande dificuldade para a realização correta deste processo, principalmente onde as cepas não apresentam propriedades floculantes (CARDOSO, 2013). Segundo Cleto e Mutton (1995), leveduras diferentes produzem os mesmos componentes secundários do ponto de vista qualitativo, porém quantitativamente apresentam diferenças significativas. Silva et al. (2009), avaliaram compostos voláteis de cachaças produzidas com leveduras de diferentes procedências, com objetivos de produzir cachaças em escala de laboratório a partir de leveduras isoladas de alambiques de diferentes regiões de Minas Gerais, bem como avaliar e comparar a composição química dessas em relação a cachaças de marcas comerciais. Os autores verificaram que as cachaças produzidas com diferentes leveduras, comparadas quimicamente e sensorialmente com aguardentes comerciais, apresentaram diferenças bastante variáveis dos compostos analisados ao final da fermentação, (acetaldeído, acetato de etila, álcool metílico, álcool propílico, álcool isobutílico, álcool isoamílico, furfural e ácido acético). Além disso, os rendimentos em etanol e a produção de ácido acético no processo fermentativo variaram bastante, demonstrando a influência de diferentes linhagens de levedura no processo fermentativo e na composição da cachaça. 2.3.4. Processo fermentativo O processo de fermentação alcoólica consiste na transformação dos açúcares do mosto em etanol, gás carbônico e energia, por meio da ação de enzimas de certos micro-organismos (Figura 3). O principal micro-organismo utilizado na produção de bebidas alcoólicas é a levedura Saccharomyces cerevisiae, apesar de já terem sido isoladas outras espécies de leveduras, diferentes da S. cerevisiae, 23 provenientes do processo de fermentação da cachaça (RIBEIRO; HORII, 1999; SCHWAN; CASTRO, 2001). C12H22O11 + H2O4C2H5OH + 4CO2 + comp. secundários Figura 3. Equação simplificada da fermentação alcoólica Fonte: MENDONÇA, (2014). A fermentação tem papel fundamental na produção de cachaça artesanal. Ao iniciar o processo é desejável que o mesmo seja sadio, regular, e que apresente altos rendimentos. Com a finalidade de obter essas características, realiza-se o chamado “pé de cuba”, “inóculo”, “pé de fermentação” ou “levedo”. Esse processo consiste na introdução de quantidades grandes de fermentos de qualidade reconhecidamente boa ao caldo a ser fermentado (SCHWAN; DIAS; DIAS, 2013). Segundo Nogueira e Venturini Filho (2005), a fermentação pode ocorrer em dornas abertas ou fechadas. Na indústria de aguardente, a predominância é para as dornas abertas, por serem de menores custos, de fácil limpeza e por permitirem um controle visual maior da fermentação, entretanto, favorecem contaminações e perdas de álcool por arraste. Os processos de fermentação mais empregados pelas indústrias de aguardente/cachaça são processos descontínuos (cortes, Melle-Boinot e Melle- Boinot-Almeida) e semicontínuos (decantação) (NOGUEIRA; VENTURINI FILHO, 2005). O processo industrial de fermentação alcoólica pode ser dividido em três fases: fermentação preliminar ou pré-fermentação, fermentação principal ou tumultuosa e fermentação complementar ou pós-fermentação. A fermentação preliminar inicia-se com a adição do mosto ao levedo. Quando o inóculo é pequeno, esta fase caracteriza-se pela multiplicação das leveduras, com consequente consumo de açúcares e lenta produção de álcool. Portanto, deve-se utilizar uma quantidade maior de leveduras de rápida multiplicação, já que o processo de produção de álcool requer alta produtividade. Ocorrendo o aumento da produção de álcool, evidenciado pela produção de gás carbônico, tem-se o final desta fase e o início da fase de fermentação principal ou tumultuosa (ALCARDE; MONTEIRO; BELLUCO, 2012). sacarose leveduras etanol 24 As principais características da fase de fermentação principal são: intensa produção de álcool e liberação de CO2; aumento da temperatura, a qual deve ser controlada por resfriamento; progressivo aumento de espumas e elevação da acidez do mosto. A fermentação principal cessa quando diminui a liberação de gás carbônico. Na pós-fermentação verifica-se a diminuição da temperatura do vinho, elevação da acidez e a diminuição da atividade de fermentação da levedura pela ação do acúmulo de determinadas substâncias e do esgotamento dos carboidratos, ou seja, a diminuição do Brix que tende a ser zero (ALCARDE; MONTEIRO; BELLUCO, 2012). A média de duração do processo é de 24 horas; decorrido esse tempo, as leveduras depositam-se no fundo da dorna. O sobrenadante é retirado e levado para destilação. As leveduras são recicladas com adição de um novo mosto diluído a uma temperatura em torno de 30°C, iniciando novamente o processo (SCHWAN et al., 2013). O vinho obtido é o produto resultante da fermentação do mosto, contém um grande número de componentes de natureza distinta, podendo ser sólidos, líquidos ou gasosos. Sendo as substâncias voláteis de propriedades químicas e físicas diferentes, é possível que ocorra a separação delas por meio da diferença da temperatura de ebulição pelo processo conhecido como destilação (NOGUEIRA; VENTURINI FILHO, 2005). Nesta fase, é normal que uma parte dos açúcares seja convertida em outros produtos, em menor quantidade, que por isto são denominados componentes secundários. Dentre esses incluem glicerol, ácidos orgânicos (como succínico, acético, lático, butírico e dentre outros.), álcoois superiores (amílico, isoamílico, butírico, isobutírico, propílico e isopropílico), aldeídos, ésteres, entre outros compostos voláteis (JANZANTTI, 2004). Os componentes secundários são responsáveis tanto pela qualidade quanto pelos defeitos do produto (NAGATO et al, 2001). No caso de contaminação da fermentação, os açúcares podem gerar ácidos carboxílicos (acético, butírico, fórmico e lático), aldeídos e ésteres indesejáveis (YOKOYA, 1995). Não só a presença de contaminantes, mas a própria condução do processo pode afetar a qualidade da cachaça e o rendimento do processo. 25 2.3.5. Destilação A destilação consiste, sob determinada temperatura, na passagem de substâncias ou misturas da fase líquida para a fase gasosa; em seguida, essas são resfriadas, retornando à fase líquida. Trata-se de separações químicas realizadas por um processo físico (DIAS, 2013). Este processo deve ser efetuado de forma que o produto obtido preserve o aroma e o sabor dos principais componentes contidos na matéria-prima e aqueles formados durante a fermentação. Após a fermentação, é vedada a adição ou introdução no equipamento de destilação de qualquer substância ou ingrediente que altere as características sensoriais naturais do produto (BRASIL, 2005a). A destilação do vinho para obtenção da cachaça pode ser executada de duas maneiras: destilação simples ou descontínua (ocorre em alambiques, na grande maioria, de cobre) e destilação sistemática ou contínua (ocorre em coluna de destilação, na maioria, aço inox com partes de cobre). O desempenho destes processos depende principalmente da construção e do desenho dos destiladores, ou seja, com ou sem eliminação de produtos de cabeça e cauda e das condições operacionais (NOGUEIRA; VENTURINI FILHO, 2005; MUTTON; MUTTON, 1992). As cachaças de alambique são destiladas em alambiques de cobre, em baixa escala de produção. Esse metal é utilizado por apresentar algumas características vantajosas, como maleabilidade (consegue trabalhar facilmente com esse metal); boa condução térmica (o calor recebido em um ponto se dissipa rapidamente por toda a superfície); resistência à corrosão (ocasionada pelo fogo e pelo vinho) e melhoria sensorial da bebida (reações favoráveis no componente do vinho são catalisadas) (CARDOSO, 2013). Quando não ocorre assepsia de forma adequada, as bebidas produzidas por alambique de cobre podem apresentar níveis elevados do metal; a contaminação por cobre ocorre nas partes descendentes do alambique, sendo a serpentina a responsável pela maior contaminação; assim, o uso de serpentina de inox reduz significativamente os níveis de cobre presentes na cachaça (MAIA; CAMPELO, 2006). No entanto, Faria (2003), afirma que a bebida destilada em alambique de inox possui um aroma desagradável, em razão da presença de compostos sulfurados. 26 O cobre pode exercer a função de catalizador na formação do carbamato de etila em bebidas destiladas, por meio da complexação do cianeto com o cobre, proveniente do aparelho destilador, seguido pela oxidação a cianogênio e com subsequente desproporcionamento a cianato. O cianato pode reagir com etanol para formar o carbamato de etila (ARESTA; BOSCOLO; FRANCO, 2001). O processo de destilação é etapa que também está relacionada com a qualidade da bebida. Nesta etapa, ocorre a concentração do etanol presente no vinho e dos componentes do vinho (etanol, agua e congêneres, como ácidos, álcoois, ésteres, compostos carbonilados, acetais, fenóis, hidrocarbonetos, compostos nitrogenados, compostos sulfurados e açúcar), que apresentam diferentes graus de volatilidade. Assim, é possível realizar a separação por destilação, onde esses compostos serão concentrados, caracterizando e qualificando a bebida. Os compostos mais voláteis são destilados na primeira fração da destilação, denominada de “cabeça”; em seguida, tem-se a fração “coração” e os compostos menos voláteis saem na última fração da destilação denominada de “cauda” ou “água fraca” (SCANAVINI; CERIANI; MEIRELLES, 2012; CARDOSO, 2013). Algumas características das respectivas frações de destilado estão apresentadas a seguir: Destilado de “cabeça”: corresponde aos primeiros vapores; possui alto teor alcoólico (50-70% v/v) devido á volatilidade do álcool presente no vinho; a separação da fração poderá ser realizada pelo recolhimento de 1 a 5% do volume total do vinho ou 10% do total destilado, dependendo da geometria do aparelho; contém altos teores de componentes secundários que se tornam indesejáveis, dependendo da quantidade, deve ser desprezada (DIAS, 2006; SOUZA et al., 2009). Destilado de “coração”: corresponde ao destilado desejado, a “cachaça”. É recolhido após a separação do destilado de cabeça; apresenta um volume correspondente a 16% do volume total do vinho, dependendo da graduação alcoólica desejada para o produto, ou 80% do destilado, caso todo o álcool contido no vinho tenha se convertido em cachaça(DIAS, 2006; SOUZA et al., 2009). Destilado de “cauda”: também denominado de “água fraca”, pelo fato de apresentar um baixo teor alcoólico (10-38% v/v); corresponde a 3% do volume total 27 do vinho ou 10% do destilado; assim como a fração “cabeça”, deve ser desprezada por conter substâncias indesejáveis e tóxicas (DIAS, 2006; SOUZA et al., 2009). Bortoletto (2014), afirma que a separação das frações é primordial para redução dos níveis de Carbamato de Etila. Devido ao ponto de ebulição deste composto ser a 185°C, a concentração do mesmo em bebidas destiladas pode ser monitorada com sucesso, mediante uma destilação bem conduzida. Em estudo, a dupla destilação possibilitou significativa diminuição da concentração de Carbamato de Etila na aguardente de cana-de-açúcar, onde cerca de 97% foi eliminado da bebida e concentrou-se na “cauda” e na vinhaça. A conformação do aparelho de destilação também pode influenciar na formação de Carbamato de Etila. Em testes realizados com alambiques com diferentes sistemas de condensações (hot head, head cooler, deflegmador e retificador), resultados indicaram que a concentração de carbamato na cachaça dependeu da configuração do alambique, e também do método de destilação. Baixa velocidade de destilação e alambiques equipados com deflegmador ou retificador foram mais eficientes na redução do Carbamato de Etila (BORTOLETTO, 2014). Para Nogueira e Venturini Filho (2013), o processo de bidestilação permite a obtenção de bebida de qualidade superior em relação a qualquer outra proveniente de única destilação, apresentando baixa acidez, sabor e aroma agradáveis. Esta melhoria na qualidade da aguardente bidestilada é possível pela separação ou mesmo o bloqueio de certas frações indesejáveis, ricas em compostos de maior toxidade, como é o caso do carbamato de etila, aldeídos, metanol, ácido acético entre outros compostos voláteis prejudiciais ao organismo humano. Atualmente, podem-se encontrar várias marcas comerciais de aguardente bidestilada no mercado. Porém, de maneira geral, esta prática não é adotada na maioria das destilarias brasileiras, sendo a cachaça obtida através de uma única destilação preponderante no mercado nacional. Cardoso (2013) ressalta que a bidestilação trata-se de operação que acarreta custo de produção. As cachaças obtidas contem baixos teores de componentes secundários o que as tornam pouco aromáticas acarretando produto com características diferenciadas. http://www.mapadacachaca.com.br/encyclopedia/aguardente-de-cana/ 28 Após a destilação, a cachaça ainda não está pronta para o consumo, pois apresenta buquê irregular, por isso, há necessidade de um período de descanso de dois a três meses para completar a qualidade, devendo ser guardada em recipientes apropriados, em local protegido, evitando altas temperaturas (BARCELOS, 2006). Este recipiente não deverá ser de plástico, pois alguns componentes da bebida podem reagir com componentes do material, comprometendo a qualidade sensorial do produto. Com isso, a bebida está pronta para ser comercializada e ser apreciada por consumidores das mais diferentes classes sociais (TRINDADE, 2006). 2.4. Compostos secundários e contaminantes O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) através da Instrução Normativa nº 13, de 29 de junho de 2005, determinou os seguintes limites para os compostos secundários e contaminantes em aguardente de cana e cachaça (BRASIL, 2005a), (Tabela 1): Tabela 1. Teores mínimos e máximos para os componentes secundários e contaminantes presentes na aguardente de cana e cachaça Componente Unidade Limite Mínimo Máximo Graduação alcoólica (aguardente) % v/v de álcool etílico a 20ºC 38,0 54,0 Graduação alcoólica (cachaça) % v/v de álcool etílico a 20ºC 38,0 48,0 Sacarose em açúcar refinado, invertido ou glicose gL -1 6,0 Acidez volátil, em acido acético mg/100 mL de álcool anidro - 150,0 Ésteres em acetato de etila mg/100 mL de álcool anidro - 200,0 Aldeídos, e, aldeído acético mg/100 mL de álcool anidro - 30,0 Furfural + hidroximetilfurfural mg/100 mL de álcool anidro - 5,0 Álcoois superiores* mg/100 mL de álcool anidro - 360,0 Congêneres** mg/100 mL de álcool anidro 200,0 650,0 Álcool metílico mg/100 mL de álcool anidro - 20,0 Acroleína mg/100 mL de álcool anidro - 5,0 Carbamato de etila*** µg L -1 - 210,0 Cobre mgL -1 - 5,0 Arsênio µg L -1 - 100 Chumbo µg L -1 - 200 *Álcoois superiores: isobutílico + isoamílico + propílico **Congêneres: acidez volátil + ésteres +aldeídos + furfural + hidroximetilfurfural + álcoois superiores Fonte: Brasil, (2005a); ***Brasil, (2014). 29 Apesar de a cachaça ser composta predominantemente por água e etanol, diversos compostos estão presentes em menores quantidades, sendo classificados como contaminantes e congêneres, os quais são formados durante os processos de fermentação e destilação, tendo importante papel nas características organolépticas da bebida (PENTEADO; MASINI, 2009). 2.4.1. Ácido acético Entre os ácidos, produtos secundários da fermentação alcoólica, o ácido acético tem sido quantitativamente o principal componente da fração ácida das cachaças expresso em acidez volátil. A acidez de uma cachaça é de grande importância, constituindo um fator de qualidade, uma vez que, durante sua produção, os ácidos reagem com os álcoois presentes, aumentando a formação dos ésteres. Entretanto, o excesso de acidez promove sabor indesejado e ligeiramente “agressivo”, depreciando a sua qualidade (FRANÇA et al., 2010). Além disso, na produção de cachaça durante o processo fermentativo, deve-se evitar a aeração do mosto, uma vez que o aumento de oxigênio faz com que o levedo transforme o açúcar em ácido acético, em vez de etanol (CARDOSO, 2013). 2.4.2. Aldeídos Os aldeídos podem ser originados durante o processo de fermentação alcoólica pela ação das leveduras em estágios preliminares no processo fermentativo. O principal aldeído formado é o acetaldeído, que tende a desaparecer no final pela oxidação a ácido acético. Esses compostos são muito voláteis, de odor penetrante, que afetam o aroma das bebidas alcóolicas; durante a destilação, encontram-se presentes em maiores concentrações na fração “cabeça”, e apenas pequenas concentrações compõem a bebida na fração “coração (ALCARDE et al., 2009). O furfural e o hidroximetilfurfural são indesejáveis na cachaça, sendo resultados da decomposição química de carboidratos. A temperatura elevada associada ao baixo pH do mosto acarreta desidratação dos açúcares e hidrólise de polissacarídeos dos bagacilhos (celulose, hemicelulose, pectina e outros) formando 30 2-furfural (furfural) e 5-hidroximetil-2-furfural (hidroximetilfurfural). As pentoses formam furfural como principal produto de degradação, enquanto as hexoses formam hidroximetilfurfural. Outros fatores, como envelhecimento da bebida sob condições irregulares, a adição de caramelo e pirogenização da matéria orgânica depositada no fundo dos alambiques também podem contribuir para o aumento no teor destes componentes (MASSON et al., 2007; ZACARONI et al., 2011). 2.4.3. Acetato de etila O acetato de etila, proveniente do processo fermentativo, é o principal éster responsável pelo aroma típico, agradável, pungente e suave, que lembra frutas maduras quando em quantidades limitadas. Quando em excesso, confere à bebida um sabor enjoativo e indesejável. Juntamente com os ésteres, os álcoois superiores, aldeídos e ácidos orgânicos são responsáveis pelo aroma e sabor típicos de bebidas e desempenham um importante papel na formação do perfil sensorial dos destilados (MOREIRA; NETTO; MARIA, 2012). Pereira et al. (2003) citam que a formação do acetato de etila pode ser favorecida pela queda da temperatura do mosto durante o processo de fermentação. Procedimentos, como adição de água aquecida ao caldo para a diminuição do °Brix ou mesmo aquecimento do caldo de cana, muitas vezes, antes de ser transferido às dornas de fermentação, podem contribuir para minimizar a sua formação. 2.4.4. Álcoois superiores Os álcoois superiores são o maior grupo de substâncias voláteis em bebidas destiladas, formados por mais de dois átomos de carbono, originados durante o processo oxidativo. Esses também podem ser provenientes das transformações dos aminoácidos durante o processo de fermentação, devido à baixa atividade das leveduras, às altas temperaturas e ao baixo pH do mosto. Os álcoois frequentemente encontrados em bebidas alcoólicas destiladas possuem de três a cinco átomos de carbono, sendo esses conhecidos como óleo fúsel. Apresentam odor característico de flores, e juntamente com os ésteres, são responsáveis pelo 31 buquê da aguardente. Os principais álcoois superiores encontrados nas aguardentes são os álcoois isoamílico (3-metilbutanol-1), amílico (pentanol-1), isobutílico (2- metilpropanol-1), propílico (propanol-1), butílico (butanol-1) e sec-butílico (butanol-2) (PENTEADO; MASINI, 2009; CARDOSO, 2013). De acordo com a legislação vigente, os dois últimos devem ser quantificados separadamente e possuem limites permitidos de 3 e 10 mg 100mL de álcool anidro, respectivamente (BRASIL, 2005a). Algumas medidas podem ser adotadas de forma que evite a formação dos álcoois superiores em excesso. Entre essas recomenda-se aos produtores a não armazenar a cana por longo período após o corte, evitando, assim, a degradação de aminoácidos e a posterior formação dos álcoois superiores; não utilizar cana bisada e lavar a cana após o corte, impedindo a contaminação por bactérias, que podem interferir no desempenho das leveduras durante a fermentação. 2.4.5. Metanol O metanol é um álcool particularmente indesejável na aguardente, pois, é originado pela degradação da pectina, um polissacarídeo presente no bagaço da cana-de-açúcar. A formação do metanol é acentuada quando a fermentação ocorre na presença de sucos, ou polpas de frutas ricas em pectina, tais como laranja, limão, maçã, abacaxi e outros. A molécula de pectina é formada pela associação de centenas de moléculas de ácidos galacturônico, que possuem fragmentos de moléculas de metanol, as quais são liberadas durante o processo de fermentação por meio de hidrólise (ácida ou enzimática). No organismo, o metanol é oxidado a ácido fórmico e, posteriormente, a CO2, provocando acidose grave (diminuição do pH sanguíneo), afetando o sistema respiratório, podendo levar ao coma e até mesmo à morte. A ingestão, mesmo em quantidades reduzidas, por longos períodos de consumo, pode ocasionar cegueira e morte (CARDOSO, 2013). 2.4.6. Acroleína A acroleína é um liquido que varia de incolor a amarelo com odor desagradável, apimentado e irritante às narinas. Apresenta temperatura de ebulição 32 (Te) de 53ºC, é solúvel em agua, podendo ser formada pela desidratação do glicerol durante o processo fermentativo, associado a bactérias termofermentativas, como ocorre em vinhos (AZEVEDO et al., 2007). É encontrada nos alimentos, bebidas e no meio ambiente, principalmente em cidades e zonas industriais onde é considerada poluente para as vias respiratórias. A presença de acroleína em alimentos e em bebidas é indesejável por ser extremamente tóxica, além de apresentar características mutagênicas, podendo provocar irritação no trato respiratório de animais e humanos. É formada na etapa da fermentação ou durante a destilação, pela presença de glicerol no mosto e catalisada por ácidos a quente, quando em contato com superfícies metálicas do alambique. Tanto na fermentação, quanto na destilação ocorre desidratação do glicerol (CARDOSO, 2013). 2.4.7. Cobre Entre os contaminantes encontrados na cachaça, o íon metálico cobre é um elemento proveniente principalmente do material constituinte dos alambiques. O valor máximo exigido pela legislação para o cobre é de 5mgL-1 (BRASIL, 2005a). A presença de cobre em elevadas concentrações na bebida é altamente indesejável do ponto de vista da saúde, sendo, portanto, fundamental sua quantificação na bebida. De acordo com Sargentelli, Mauro e Massabni (1996), o cobre em excesso na bebida pode trazer para o consumidor a associação de várias doenças, como a epilepsia, artrite reumatoide, melanoma, degeneração hepato- lenticular ou doença de Wilson, bem como à perda do paladar. Teores elevados deste íon indicam falta de higienização do alambique, principalmente durante as paradas (CARDOSO, 2013). O cobre, como já dito anteriormente, contribui para a formação do carbamato de etila. 2.4.8. Zinco, nitrogênio, magnésio, manganês, potássio, ferro, e cálcio Do ponto de vista nutricional, o nitrogênio, zinco, nitrogênio, magnésio, manganês, potássio, ferro, cálcio, entre outros, são elementos considerados 33 fundamentais às leveduras, levando-se em conta a estrutura celular dos microrganismos fermentadores, o desdobramento de açúcares e outros processos metabólicos vitais (AMORIM, 1985). A exigência nutricional depende da concentração desses elementos no meio, estando diretamente ligados à linhagem da levedura utilizada no processo. O potássio, manganês e cobalto apresentam uma função importante no processo por estarem relacionados às atividades enzimáticas (AMORIM; BASSO; ALVES, 1996). De acordo com Souza; Ferreira e Passoni (2010), a variação da composição mineral em cachaças, tais como os metais cobre, ferro, zinco, sódio e potássio esta diretamente relacionado ao material do alambique utilizado na destilação, ao conteúdo de SO2 presente no mosto fermentado, ao solo onde a cana é plantada, à água utilizada no processo e ainda por eventuais contaminações durante o engarrafamento e o envelhecimento/armazenamento 2.4.9. Carbamato de etila O carbamato de etila em grandes quantidades na bebida, pode trazer sérios problemas ao organismo devido a potencialidades genotóxicas e carcinogênicas (MENDONÇA, 2014). É conhecido como uretana, é o éster do ácido carbâmico e apresenta a fórmula estrutural representada na Figura 06. Apresenta-se na forma de cristal incolor, inodoro, de sabor salino refrescante e levemente amargo. Possui temperatura de fusão entre 48ºC e 50ºC e temperatura de ebulição de185°C, sendo sua massa molar 89,09g/mol-1 (BUDAVARI, 2001; WEBER; SHARYPOV, 2008). Figura 4. Fórmula estrutural do carbamato de etila Fonte: Cardoso, (2013). O carbamato de etila é formado naturalmente durante processos fermentativos, podendo ser encontrado em diversos alimentos e bebidas, tais como pão, iogurte, 34 vinho, cerveja e, principalmente em bebidas fermento-destiladas como uísque, rum, grapa, cachaça e tiquira (ANDRADE SOBRINHO et al., 2002). Em 1985, o governo canadense fixou limites para o carbamato de etila em diversos tipos de bebidas fermentadas de 30, 150 e 400µg/L em vinho de mesa, bebidas destiladas e aguardente de frutas, respectivamente. Nos Estados Unidos, o Food and Drug Administration elaborou plano de redução dos níveis, sendo os limites para uísques de até 125µg/L e para vinhos de mesa de 15µg/L (XU et al., 2012). No Brasil, a Instrução Normativa de Nº 28, de 8 de Agosto de 2014 altera o subitem 5.1.2 do Anexo da de Nº 13, de 29 de Junho de 2005, que regulamenta a quantidade máxima de carbamato de etila na cachaça: a quantidade não pode ser superior a 210µg/L (duzentos e dez microgramas por litro) (BRASIL, 2014). Na produção de cachaça, a formação pode ocorrer antes, durante e depois do processo de destilação, incluindo o armazenamento da bebida, podendo ter um aumento potencial tanto na bebida armazenada em recipientes de madeira (tonéis) quanto armazenada em vidros (ANJOS, et al., 2011). A formação do carbamato de etila em etapas posteriores à destilação é dependente da concentração, temperatura, pH, luz e tempo de armazenamento (NAGATO; NOVAES; PENTEADO, 2003). Outra via de formação do carbamato de etila ocorre por meio da reação da ureia com etanol, conforme está representada na equação 1 (ARESTA; BOSCOLO; FRANCO, 2001). NH2CONH2 + CH3CH2OH CH3CH2COONH2 + NH3 (1) Polastro et al. (2001) e Bruno et al. (2007) citam que o principal mecanismo de formação do carbamato de etila ocorre por meio do metabolismo das leveduras durante o processo fermentativo, em que há a degradação enzimática da arginina em ureia, a qual reage com etanol, produzindo-o. Além da presença de precursores nitrogenados durante o processo de destilação e de altas temperaturas, sob condições ácidas, Iida et al. (2006) citam que essa reação é favorecida quando se utiliza longo período de armazenamento do produto. 35 Aresta, Boscolo e Franco (2001), têm atribuído ao cobre a função de catalisador na formação do carbamato de etila em bebidas destiladas. Estes acreditam que um dos prováveis mecanismos de formação do carbamato de etila seja por meio da complexação do cianato como cobre, proveniente do aparelho destilador, seguido pela oxidação a cianogênio e com subsequente desproporcionamento a cianato (CARDOSO, 2013). O cianato pode reagir com o etanol para formar o carbamato de etila (ARESTA; BOSCOLO; FRANCO, 2001). Bortoletto (2014) considera o processo de envelhecimento como formador de carbamato de etila. Cachaças recém destiladas aumentam o teor deste composto durante período determinado até sua estabilização, sendo que a concentração formada é maior quando estocada em barris de madeira que em recipientes inertes. Porém, testes com envelhecimento de cachaça já estabilizada (2 anos em recipiente inerte) e estocada em barris de 225L de carvalho, durante 1,5 anos, mantiveram os teores iniciais ao longo do tempo de envelhecimento. Dúvidas frequentes são ressaltadas com relação à formação do CE em cachaças, porém a aplicação das Boas Práticas de Fabricação, juntamente com controle de pontos críticos do processo, podem minimizar a concentração desses contaminantes na bebida e atingir a qualidade ideal de boa cachaça. Não é possível a percepção sensorial do carbamato de etila, no entanto, análises laboratoriais podem determinar a concentração presente na cachaça. (BORTOLETTO, 2014). Devido ao risco para a saúde dos consumidores, há necessidade de monitoramento constante dos teores de carbamato de etila de forma segura e confiável. Inúmeras técnicas têm sido descritas na literatura para a análise de carbamato de etila em bebidas alcoólicas. A mais utilizada é a cromatografia em fase gasosa acoplada a diferentes detectores, dentre eles, espectrômetro de massas - CG-EM, detecção seletiva para nitrogênio/fósforo, detector eletrolítico de condutividade de Hall, detector de infravermelho por transformada de Fourier, e detecção por luminescência. O CG-EM tem sido preferido por ser mais seletivo, rápido, e não requerer purificação e extração da amostra (LABANCA; GLORIA; AFONSO, 2008). 36 3. MATERIAIS E MÉTODOS O experimento foi realizado no Laboratório de Tecnologia do Açúcar e do Álcool e Microbiologia das Fermentações, do Departamento de Tecnologia da FCAV/UNESP, Campus de Jaboticabal-SP, durante a safra 2014/2015. 3.1. Delineamento experimental O delineamento experimental foi realizado em blocos com 9 repetições, sendo 3 ciclos com 3 repetições cada. O tratamento primário principal, foi constituído por 2 mostos (clarificado e não clarificado); e o secundário os dois tipos de leveduras (Prensada e CA-11). 3.2. Matéria-prima A variedade utilizada foi a SP83-2847. Esta cana apresentava boa sanidade, a maturação é de média a tardia, com bom perfilhamento sem sinais de ferrugem e escaldadura. A variedade foi cultivada na Fazenda Santa Clara no Município de Pitangueiras-SP, colhida manualmente, no final do mês de outubro e início do mês de novembro do ano de 2014, sem queima prévia da palha, despontada e imediatamente processada. 3.3. Preparo dos mostos Os colmos foram submetidos ao processo de extração em moenda e em seguida foi filtrado em tela para a remoção de impurezas grosseiras (terra, bagacilhos). Para obtenção do Mosto 1 não clarificado, padronizou-se a 16ºBrix, sendo a temperatura ajustada a ± 32ºC. Para obtenção do Mosto 2 clarificado, o caldo foi padronizado a 16°Brix e recebeu adição de hidróxido de cálcio 6ºBé até atingir pH 6,0. Em seguida foi aquecido até a fervura, possibilitando a reação entre o 37 cálcio e o fósforo presente na solução (ALBUQUERQUE, 2011). O caldo foi transferido para decantador de inox e permaneceu em repouso por 1 hora, sendo o sobrenadante sifonado. Nos mostos em que se utilizou a levedura prensada, o pH foi ajustado a 4,5 por da adição de H2SO4 10N. Entretanto, quando se empregou o mosto inoculando- se a levedura CA-11 não houve correção de pH, atendendo a recomendação técnica para emprego da levedura CA-11. As características químico-tecnológicas dos mostos foram determinadas através das análises de Brix segundo SCHENEIDER (1979), pH por leitura direta em medidor digital Digimed DMPH-2 com correção de temperatura, Açúcares Redutores Totais (ART)foram dosados pelo método volumétrico de LANE e EYNON (1934); o teor de Acidez Total foi determinado segundo CTC(2005),os Compostos Fenólicos Totais (CFT) foram quantificados segundo FOLIN e CIOCALTEAU, (1927) e Nitrogênio Total (KJELDAHL, 1883). 3.4. Preparo do fermento Para a ativação, adaptação e multiplicação das células do fermento prensado, foi utilizado a proporção de 40g para 1 litro de solução de glicose a 0,5%. Para a levedura CA-11 foi utilizado o método recomendável pela LNF(Latino Americana). Iniciou o processo de hidratação, adicionando-se 50g de levedura em 600ml de água destilada a 36ºC sob agitação constante. Posteriormente, este foi misturado a 4,4 litros de água destilada nas mesmas condições e após 30 minutos foi determinada a viabilidade celular. Em seguida, foi realizado a 1ª alimentação com 5L de caldo de cana corrigido para 5°Brix e esterilizado. Este foi monitorado e quando o Brix chegou a 2 adicionou- se mais 10L de caldo de cana corrigido para 5°Brix e esterilizado. Monitorou-se até o °Brix ser ≤ 1. Ao longo do processo foram quantificadas viabilidade celular, viabilidade de brotos e brotamento para acompanhamento. Este processo foi repetido até a obtenção de massa na proporção de 30g/L considerando 10% de células. 38 3.5. Processo fermentativo As fermentações foram conduzidas em dornas de aço inoxidável de fundo cônico, com 6L de capacidade útil, em sistema de batelada alimentada, com recuperação do fermento por sedimentação no caso da levedura CA-11, e por centrifugação quando se empregou levedura prensada. Para o preparo do pé-de-cuba, o fermento prensado e o CA-11 foram diluídos isoladamente em 1L de solução salina de NaCl a 0,5%, de forma que a concentração final no mosto de fermentação estivesse de aproximadamente 106 unidade formadora de colônia por mL (UFC/mL), e Viabilidade Celular superior a 83%. Foram realizadas duas alimentações sendo a primeira, após 30 minutos de inoculação, onde foi adicionado 2,0L de mosto e a segunda, com um intervalo de 1hora e meia adicionou-se 3,0L de mosto a 16°Brix. O final da fermentação foi estabelecido quando o Brix do vinho foi menor ou igual a 1. Após o término, 2/3 da dorna foi sifonado pela abertura lateral, correspondendo ao vinho. Foram retiradas alíquotas para realização das análises de Viabilidade Celular, Viabilidade de Brotos e Índice de Brotamentos, após 40 minutos da segunda alimentação e ao final da fermentação, utilizando-se metodologia descrita por Lee, Robinson e Wong, (1981). O fermento depois de centrifugado foi tratado com solução salina de NaCL a 0,5%, objetivando a redução dos teores de elementos tóxicos para a levedura, tais como álcool e ácidos. Após 4 horas de tratamento, realizavam-se novas alimentações, iniciando um novo ciclo fermentativo. Este mesmo fermento foi utilizado durante as 9 repetições. 3.5.1. Eficiência Fermentativa A eficiência fermentativa foi obtida através dos teores de açúcares redutores totais (glicose) contidos no mosto e do teor alcóolico do vinho. Já a eficiência fermentativa foi calculada através do quociente entre o rendimento prático e o rendimento teórico (FERNANDES, 2000). 39 Eficiência fermentativa (%) =Rendimento prático x 100 Rendimento teórico 3.6. Caracterização do vinho Os vinhos foram centrifugados a 1650g, 25°C, por 5 minutos (Centrífuga HIMAC CR 21G) e em seguida caracterizados quanto ao Brix, pH, Acidez Total (CTC, 2005), Glicerol (MACGOWAN et al., 1993), e Teor Alcoólico, sendo este determinado em destilador portátil de álcool modelo TE-012 Tecnal, adicionando-se 60mL de vinho e recuperando-se 20mL de destilado com concentração de 3 vezes sendo estes submetidos à quantificação de etanol em densímetro automatizado (Anton Paar DMA-48). No vinho também foram quantificados, por digestão nítrica-perclórica em capela, os nutrientes zinco (Zn), manganês (Mn), magnésio (Mg), potássio (K), ferro (Fe), cobre (Cu) e cálcio (Ca). No processo 6mL de ácido nítrico foi adicionado á 2,5ml do vinho, onde foi levado para o bloco digestor aumentando gradativamente a temperatura até atingir 130°C (aproximadamente 2 horas). Em seguida desligou-se o bloco digestor e aguardou as amostras esfriarem. Foi adicionado 2mL de Ácido Perclórico (HClO4). O bloco digestor foi ligado novamente aumentando gradativamente a temperatura até 160°C, até que o volume foi reduzido pela metade. A temperatura foi aumentada para 210°C até que o extrato se apresentasse incolor. As amostras foram resfriadas e transferidas para balão volumétrico de 50mL com água deionizada. Foi determinada a concentração dos teores de nutrientes em espectrofotômetro de absorção atômica. 3.7. Destilação do vinho As destilações dos vinhos foram realizadas em alambique simples, com caldeira, capitel e alonga de cobre com capacidade total de 6 litros, aquecido através de fogo direto. Em cada destilação foi utilizado 2/3 do vinho, ou seja, 4 litros. O destilado foi dividido em frações, sendo 10% de cabeça, 80% de coração e 10% de cauda, cujo volume utilizado foi a fração coração (80%). O volume obtido, do mesmo 40 tratamento, com a fração de coração em todas as destilações foi colocado em garrafões de 4- 4,5L resultando em volume composto. O mesmo foi protegido contra luz e em seguida utilizado para quantificação dos componentes do destilado qualificando a bebida. 3.8. Caracterização da cachaça As cachaças produzidas foram submetidas à análise cromatográfica no Laboratório da Cooperativa dos Produtores de Aguardente de Cana e Álcool do Estado de São Paulo – COPACESP, Barrinha-SP, para a determinação dos componentes que estabeleceu o Padrão de Identidade e Qualidade da cachaça presentes na Instrução Normativa de Nº 13 de 29 de junho de 2005 (BRASIL, 2005a). No procedimento foi utilizado cromatógrafo gasoso GC Varian 3900, acoplado com software Galaxie Chromatography, coluna Varian Capillary Column, CP – Wax 52 CB, 30m 0.53mm 1um #CP8738. Injetou-se 1μL de cada amostra nas seguintes condições: temperatura do injetor: 175°C, temperatura do detector: 210°C, empregando-se como gás de arraste: ar sintético. Foram analisadas graduação alcóolica, coeficientes de congêneres (acidez volátil, álcoois superiores, furfural + hidroximetilfurfural, ésteres totais e aldeídos), acroleína e metanol, sendo que os álcoois superiores correspondem ao n-propanol, isobutanol e isoamílicos (BRASIL, 2005a). As determinações de carbamato de etila no destilado foram realizadas no Laboratório de Análises Físico-químicas de Aguardente de Cana da Universidade Federal de Lavras – UFLA, de acordo com a metodologia proposta por Anjos et al (2011). O equipamento utilizado foi um cromatógrafo líquido de alta eficiência HPLC Shimadzu, equipado com duas bombas de alta pressão, modelo SPD-M20A, degaseificador modelo DGU-20A3, interface modelo CBM-20 e injetor automático modelo SIL-10AF. As separações foram realizadas empregando-se uma coluna Agilent - Zorbax Eclipse AAA (4,6 x 150 mm, 5μm) conectada a uma pré-coluna Agilent - Zorbax Eclipse AAA 4-Pack (4,6 x 12,5 mm, 5μm),utilizando-se um detector de fluorescência (DF). 41 A quantificação do carbamato de etila foi realizada utilizando-se o método de padronização externa. Os comprimentos de onda de excitação e emissão empregados foram 233nm e 600nm, respectivamente. O fluxo utilizado foi de 0,75mL min-1 e o volume injetado das amostras e do padrão foi de 20µL. As amostras e os padrões foram injetados em triplicata. A eluição foi realizada em sistema do tipo gradiente, sendo a fase móvel composta por solução de acetato de sódio 20mmol L-1 (Solvente A) e acetonitrila (Solvente B). 3.9. Análise dos dados Os resultados obtidos foram submetidos à análise de variância pelo teste F e as médias comparadas segundo teste de Tukey (5%), utilizando-se o programa ASSISTAT versão 7.7 beta(SILVA e AZEVEDO, 2009). 42 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. Caracterização da matéria-prima A matéria-prima utilizada no ensaio, como mostra o Quadro 1, apresentava elevadas concentrações de açúcares na primeira semana de colheita com queda do mesmo no decorrer dos ciclos fermentativos. A média de pH do caldo original determinado foi de 5,04 e acidez total em torno de 1,28g/L H2SO4.Ripoli e Ripoli (2009), descrevem que a cana-de-açúcar em seu estágio de maturação apresenta ART superior a 14% e pH superior a 5,0. Neste sentido, verifica-se que a matéria- prima apresentava-se apropriada para ser colhida e processada. Quadro 1: Evolução dos valores de caldo original ao longo das fermentações. Jaboticabal/SP. Safra 2014/2015. Data Brix pH Acidez (g/L H2SO4) AR (%) ART (%) 23/10/2014 21,4 5,13 0,98 0,23 15,32 24/10/2014 21,4 5,01 0,49 0,23 16,97 25/10/2014 21,4 5,07 0,73 0,23 16,14 31/10/2014 21,4 5,05 1,15 0,29 14,46 01/11/2014 20,5 4,95 1,82 0,29 17,65 02/11/2014 20,8 4,80 2,57 0,29 17,48 06/11/2014 20,7 5,25 1,47 0,23 17,14 07/11/2014 19,9 5,05 1,06 0,22 16,66 08/11/2014 19,8 5,05 1,26 0,23 16,90 Média 20,8 5,04 1,28 0,24 16,52 As condições climáticas no período das colheitas estão representadas nos Quadros 2, 3 e 4. Verifica-se que houve vários dias com chuva, o que levou a redução da concentração de açúcar na planta e o aumento da acidez total representados no Quadro 1. De acordo com James (1999), o clima tem grande influência sobre a qualidade da cana, e pode ou não favorecer o acúmulo de sacarose. 43 Quadro 2: Valores de temperatura, umidade relativa, chuva, vento e radiação solar no final do mês de outubro. Data Temperatura (ºC) Chuva (mm) Máx Mín Média 23-10-2014 29.9 19.2 23.4 0 24-10-2014 34.7 18.3 25.8 0 25-10-2014 35.6 18 24.4 14.8 26-10-2014 30.8 19.4 23 2 27-10-2014 31.6 20.1 24.9 18 28-10-2014 29.2 19.7 22.3 100.6 29-10-2014 31.4 18.2 24.2 0 30-10-2014 32.4 19.2 25.7 0 31-10-2014 27.9 19.3 23.1 14.6 Fonte: UNESP/FCAV-2016. Quadro 3: Valores de temperatura, umidade relativa, chuva, vento e radiação solar no início do mês de novembro. Data Temperatura (ºC) Chuva (mm) Máx Mín Média 01-11-2014 27.7 19.4 22.2 8 02-11-2014 30.5 20.2 23 11 03 -11-2014 28.5 20.5 23.2 0 04-11-2014 31.1 20.7 24.9 9.1 05-11-2014 31.9 20.9 25.3 0 06-11-2014 31.9 20.1 25.5 0 07-11-2014 27.1 18.9 22.5 0 08-11-2014 33.4 19.6 25.6 17.8 09-11-2014 28.6 19.9 24.2 1 10-11-2014 34.7 20.6 27.6 0 Fonte: UNESP/FCAV-2016 Quadro 4: Dados meteorológicos mensais do ano de 2014 em Jaboticabal. Mês Pressão Tmax Tmin Tmed UR Precipitação ND Insolação (hPa) (ºC) (ºC) (ºC) (%) (mm) (h) Outubro 944,2 34,2 18,4 25,6 49,0 46,8 3 271,5 Novembro 941,9 31,1 19,8 24,4 72,4 180,9 15 182,2 Fonte: UNESP/FCAV-2016 Com excesso de chuva, como observado no dia 28 de outubro de 2014, no Quadro 2, a cana começou a deteriorar afetando a qualidade tecnológica do caldo. Segundo Mutton; Mutton (2005) devem ser considerados também os reflexos da 44 condição ambiental nas deteriorações tecnológicas e microbiológicas que ocorrem em pós-colheita. Os fatores climáticos além de terem influência definitiva na maturação podem interferir no florescimento da cana-de-açúcar, principalmente temperatura e umidade, estão diretamente ligadas à qualidade da cana (HUMBERT, 1968). 4.2. Caracterização dos caldos e mostos Os resultados obtidos para Brix, ART, Acidez total, compostos fenólicos totais (CFT) e quantidade de nitrogênio no mosto estão apresentados na Tabela 2. Tabela 2- Valores médios obtidos para Brix, Açúcares Redutores Totais (ART), Acidez Total (AT), Compostos Fenólicos Totais (CFT) e Nitrogênio dos mostos obtidos a partir de caldo clarificado e não clarificado. Jaboticabal/SP. Safra 2014/2015. Mostos Brix ART % Acidez Total g/L H2SO4 CFT mg/L Nitrogênio mg/L Clarificado 16,3 12,83 1,00B 251B 20,88A Não Clarificado 16,0 12,59 1,59A 363 A 21,46A Teste F 2,94ns 0,32ns 5,64* 29.49 ** 7,53** DMS 0,41 0,89 0,52 43,78 2,98 CV 2,55 7,07 40,43 14,25 11,26 Médias seguidas de letras iguais não diferem entre si pelo teste de Tukey a 0,05 de probabilidade; ns - Não significativo; *Significativo a nível de 0,05; **Significativo a nível de 0,01. DMS – Desvio Mínimo Significativo. CV – Coeficiente de Variação Observou-se que o processo de clarificação do caldo de cana resultou em mosto de melhores características tecnológicas para o processo fermentativo, uma vez que houve remoções significativas de acidez total e CFT. Para o mosto clarificado houve declínio de 37% na acidez, melhorando as condições do meio para a multiplicação da levedura. A diferença de acidez entre os mostos foi decorrente do tratamento prévio físico-químico do caldo, que promoveu a remoção de ácidos 45 através de adsorção/arraste pelos fosfatos de cálcio formados no meio (ALBUQUERQUE, 2011). Deve-se ressaltar que elevadas quantidades de ácidos, impactam negativamente na fisiologia da levedura em fermentação, reduzindo a quantidade de células vivas (MONTIJO, 2014). Segundo Maiorella, Blanch e Wilke (1983), teores de 4% de ácidos orgânicos na fermentação foram suficiente para reduzir a viabilidade de células de levedura em até 80%. Estes resultados são similares aos obtidos por Costa et al. (2014), que avaliando a composição do caldo clarificado determinaram valor de acidez total similar ao observado neste trabalho. Destaca-se ainda que fermentações industriais requerem substratos contendo de 14 a 22% de açúcares, pH 4,5, nitrogênio entre 60-70mg/L (Steindl, 2010) e CFT inferiores a 450mg/L (Ravaneli et al., 2011). Nos resultados apresentados (Tabela 2), os valores de nitrogênio foram menores do que proposto por Steindl (2010).De acordo com Pereira et al., 2015, bases nitrogenadas podem constituir uma prática benéfica para a multiplicação e o desenvolvimento do fermento, aumentando os índices de eficiência, rendimento e produtividade do processo fermentativo. A disponibilidade de certos nutrientes como o nitrogênio está associada ao tipo de variedade e à adubação que recebeu. Estudos sobre a presença de compostos nitrogenados na produção de bebidas destiladas, incluindo a cachaça, mostram que tais compostos podem estar presentes até no produto final (POLASTRO et al., 2001). Tal informação é relevante quando se considera a participação dos compostos nitrogenados na formação do carbamato de etila, permitindo deduzir que a formação deste contaminante pode ocorrer até mesmo no produto pronto para consumo. Verificou-se que no caldo clarificado, os valores de ART foram maiores, mesmo não dando significativo. 4.3. Processo fermentativo Durante o desenvolvimento do processo fermentativo, avaliou-se a viabilidade celular, viabilidade de brotos e índice de brotamentos das leveduras no início e final do processo fermentativo como demonstrado na Tabela 3. Verificou-se que não houve diferenças significativas entre os tratamentos estudados para a viabilidade celular das leveduras no início e final da fermentação 46 dos dois diferentes mostos mesmo tendo observado uma queda na viabilidade celular final. Mendes, et al., (2013), citam que ao término de uma fermentação alcoólica é comum observar-se queda da viabilidade celular, frequentemente atribuída a fatores intrínsecos do meio, concentração de metabólitos inibidores do processo (etanol, ácidos, temperatura). Tabela 3 - Valores médios obtidos para viabilidade celular, viabilidade de brotos e índice de brotamentos do fermento prensado e da levedura CA-11, no início e final da fermentação de mostos obtidos de caldo clarificado e não clarificado. Jaboticabal/SP. Safra 2014/2015. Médias seguidas de letras iguais não diferem entre si pelo teste de Tukey a 0,05 de probabilidade; ns - Não significativo; *Significativo a nível de 0,05; **Significativo a nível de 0,01. DMS – Desvio Mínimo Significativo. CV – Coeficiente de Variação. Inter. MxF – Interação entre Mostos e Fermentos. Avaliando-se a quantidade de brotos vivos, observou-se que a fermentação dos diferentes mostos no início do processo não resultou em diferenças Viabilidade Celular Viabilidade Brotos Brotamento Inicial Final Inicial Final Inicial Final Mosto (M) % % % % % % Clarificado 86,21 80,87 91,62 93,98A 8,16 20,83 Não Clarificado 84,78 80,18 91,42 88,38B 13,08 24,85 Teste F (M) 0,14ns 0,02ns 0,01ns 3,51** 1,51ns 0,93ns DMS 7,78 9,17 12,32 6,09 8,16 8,46 CV 13.40 16,77 19,82 9,84 113,06 54,54 Fermento (F) Prensado 83,12 79,68 89,69 84,54B 9,58 22,04 CA-11 87,87 81,37 93,35 97,82A 11,66 23,64 Teste F (F) 1,54ns 0,14ns 0,36ns 19,74** 0,26ns 0,14ns DMS 7,78 9,17 12,32 6,09 8,16 8,46 CV 13,40 16,77 19,82 9,84 113,06 54,54 Inter. MxF 1,05ns 4,77ns 4,97ns 4,16* 0,36ns 0,01ns 47 significativas entre os fermentos. Entretanto, no decorrer da fermentação a viabilidade de brotos diminuiu consideravelmente quando utilizou-se o fermento prensado em caldo não clarificado, fato que promoveu redução de 14% deste parâmetro (Figura 5). Figura 5 – Desdobramento da interação entre mostos (clarificado e não clarificado) e fermentos (CA-11 e Prensado) para a Viabilidade de Brotos no final da fermentação. Letras maiúsculas comparam mostos e letras minúsculas comparam fermentos. Provavelmente a maior concentração de acidez total nesta matéria-prima (Tabela 2), pode ter refletido negativamente sobre a levedura, uma vez que estes são inibidores da formação de biomassa (CAMOLEZ; MUTTON, 2005). Este efeito pode ter sido incrementado com os maiores teores de compostos fenólicos totais (Tabela 2), que também promovem inibição da levedura durante o processo fermentativo (Ravaneli et al., 2011). Cabe, destacar que a levedura selecionada CA-11 não foi afetada por estes dois parâmetros (acidez total e compostos fenólicos – Tabela 2) conforme resultados microbiológicos obtidos (Tabela 3). O uso da levedura CA-11, têm demonstrado um aumento significativo no rendimento, e melhorias nos teores de compostos aromáticos desejáveis (CARDOSO, 2013). A taxa de células e brotos viáveis é importante para manutenção dos níveis de população de leveduras, uma vez que serão reutilizadas 48 nos ciclos fermentativos posteriores, podendo refletir sobre o rendimento da fermentação (RAVANELI et al., 2006). Considerando-se o índice de brotamentos representados na Tabela 3, não foram verificadas diferenças significativas entre os tratamentos estudados, sendo que este parâmetro variou de 8-13% no início e de 20-24% no final da fermentação. O brotamento da levedura durante os ciclos fermentativos é essencial para que este se mantenha com elevados rendimentos durante a safra, resultando sempre em novas células que irão promover elevada produção de etanol (Montijo et al., 2014; Lima et al., 2001). Observou-se na Tabela 3 que no caldo não clarificado e com levedura prensada o número de leveduras mortas foi maior, justificando maior formação de álcoois superiores no destilado final (Tabela 6). Filho, (2015) acredita que a composição do substrato e as características microbiológicas do processo fermentativo, associadas ao menor brotamento das leveduras ao longo das fermentações contribuem para maior formação de álcoois superiores. Observou-se através dos resultados que clarificar o caldo melhora a viabilidade celular e ainda preserva o fermento. 4.4. Caracterização do vinho Os resultados obtidos para Acidez Total, pH, Brix, ARRT, Teor Alcoólico e Glicerol dos vinhos estão apresentados na Tabela 4. Observou-se que a fermentação do mosto clarificado resultou em menores valores de acidez total e maior de pH. Provavelmente esta diferença seja derivada do próprio mosto antes da inoculação de leveduras, pois neste primeiro momento o substrato não clarificado apresentava 0,59g/L H2SO4 a mais que o clarificado. Neste contexto, pode-se verificar ainda que os substratos não afetaram o ARRT, Teor Alcoólico e Glicerol do vinho. 49 Tabela 4 - Valores médios obtidos para Acidez Total (AT), pH, Açúcares Redutores Residuais Totais (ARRT), Teor Alcoólico, Glicerol e Eficiência Fermentativa dos vinhos originados de fermentação de mostos obtidos a partir de caldo clarificado e não clarificado, pelo fermento prensado e levedura CA-11. Jaboticabal/SP. Safra 2014/2015. Tratamentos Acidez Total (gH2SO4/L) pH ARRT (%) Teor Alcoólico (%) Glicerol (%) Ef. Ferm. (%) Mosto (M) Clarificado 2,63B 3,7A 0,11 7,09 0,59 76,82 Não Clarificado 3,00A 3,5B 0,07 6,61 0,74 74,83 Teste F (M) 4,80* 5,03* 4,19ns 1,57ns 3,30ns 0,28ns DMS 0,34 0,15 0,04 0,81 0,17 7,91 CV 17,84 6,18 65,66 16,84 38,66 14,76 Fermento (F) Prensado 3,08A 3,5B 0,06 6,58B 0,79A 71,44 CA-11 2,54B 3,7A 0,11 7,13A 0,54B 80,21 Teste F (F) 10,27** 5,72* 3,03ns 5,14* 8,11** 2,83ns DMS 0,34 0,15 0,05 0,51 0,17 11,03 CV 17,84 6,18 88,52 10,55 38,66 20,58 Inter. MxF 0,01ns 0,85ns 0,86ns 0,20ns 1,66ns 0,03ns Médias seguidas de letras iguais não diferem entre si pelo teste de Tukey a 0,05 de probabilidade; ns - Não significativo; *Significativo a nível de 0,05; **Significativo a nível de 0,01. DMS – Desvio Mínimo Significativo. CV – Coeficiente de Variação. Inter. MxF – Interação entre Mostos e Fermentos. Ef. Ferm. (%) = Eficiência Fermentativa. Comparando-se a qualidade do vinho obtido pela fermentação de duas diferentes estirpes de levedura, observou-se que a CA-11 resultou em material de melhor qualidade do que a prensada, uma vez que esta apresentava menores valores de acidez total e Glicerol, e maiores de Teor Alcoólico. Deve-se destacar que o processo de fermentação alcoólica pela levedura Saccharomyces cerevisiae consiste na metabolização de carboidratos como sacarose, glicose e frutose presentes no mosto, os quais serão convertidos em ATP, novas células, ácidos, glicerol, etanol e outros metabólitos. O glicerol é formado na mesma via de síntese 50 do etanol, que por um desvio, em função da competição pela utilização do poder redutor (NADH), motivo pelo qual a síntese deste composto é inversamente proporcional à do etanol. Sua formação pode interferir no processo fermentativo de forma desfavorável (WANG et al., 2001). Portanto, quanto maior for a produção de ácidos e glicerol pela levedura, menor será a quantidade de etanol gerado (VENTURINI FILHO e MENDES, 2003). Neste estudo, observou-se que para o fermento prensado e caldo não clarificado a acidez foi significativamente maior o que pode justificar menores valores de etanol. Wang et al. (2001), ainda afirma que o glicerol é produzido pela levedura, entretanto em condições de adversidades, tais como maior presença de ácidos e sais no substrato, este micro-organismo desvia a rota metabólica para a produção desta biomolécula, pois regula o metabolismo e adapta a levedura ao meio. Neste sentido, considerou-se que a levedura CA-11 apresentou um ótimo metabolismo, proporcionando maior eficiência fermentativa (Figura 6). Figura 6 – Eficiência Fermentativa das leveduras CA-11 e Prensada. Jaboticabal/SP. Safra 2014/2015. Montijo et al. (2014), avaliando a composição do vinho obtido através da fermentação por levedura CA-11, determinaram pH entre 3,1-3,6, Acidez Total entre 2,5-2,7g/L H2SO4, Glicerol entre 0,48-0,69% e Teor Alcoólico entre 6-7%. 51 A diferença entre a eficiência fermentativa da levedura CA-11 com a levedura prensada foi na ordem de 9%. Esta variação para o produtor é excelente. A maior eficiência apresentada pela levedura CA-11 pode ser justificada pela capacidade que esta cepa tem de adequar-se ao meio. O produtor geralmente utiliza a levedura prensada e não faz controle de temperatura, de tempo de fermentação, produzindo um vinho com acidez elevada afetando a eficiência fermentativa. A temperatura e acidez do mosto são fatores que afetam a atividade microbiana e, consequentemente, a eficiência e produtividade do processo de fermentação. A faixa ideal de temperatura para fermentação alcoólica, segundo MARQUES (1991) está entre 26 e 32ºC. Para manter essa faixa de temperatura, a indústria deve aquecer o mosto em épocas frias e possuir um sistema de resfriamento quando a temperatura estiver elevada. Em baixas temperaturas, há um retardamento do processo fermentativo e em altas temperaturas pode ocorrer evaporação de álcool (MARQUES, 1991). Deve-se considerar ainda que sendo o processo exotérmico, há a liberação de grande quantidade de calor para o meio, resultante do metabolismo natural dos açúcares e de sua transformação em etanol. Outro fator que contribuiu para a remoção de elementos tóxicos para a levedura como álcool e ácidos, foi o tratamento do fermento a cada ciclo fermentativo com o uso de solução salina. O tratamento prévio do caldo realizado nesta pesquisa deve ter colaborado para a redução da população microbiana assim como da acidez proporcionando incremento na eficiência fermentativa. Segundo Amorim e Oliveira (1982), ao promover um tratamento térmico de 100°C por cinco minutos e defecção simples em caldos de cana-de-açúcar, conseguiram redução de 99,9% da população microbiana sem influenciar, todavia, na eficiência fermentativa, demonstrando a não ocorrência de prejuízo à qualidade do mosto. É um recurso que pode ser viável para a padronização do mosto a ser fermentado, porém pouco empregado por pequenos produtores de cachaça de alambique. 52 4.4.1. Composição mineral do vinho A composição mineral pode servir como indicativo de contaminação da cachaça durante e após a destilação. A Tabela 5 demostra os valores de minerais como zinco, manganês, magnésio, potássio, ferro, cobre e cálcio. Tabela 5. Valores obtidos para os minerais Zinco (Zn), Manganês (Mn), Magnésio (Mg), Potássio (K), Ferro (Fe), Cálcio (Ca) e Cobre (Cu) no vinho obtido a partir de caldo clarificado e não clarificado pelo fermento prensado e CA-11. Jaboticabal/SP. Safra 2014/2015. Zn (mg/L) Mn (mg/L) Mg (mg/L) K (mg/L) Fe (mg/L) Ca (mg/L) Cu (mg/L) Caldo (F1) Caldo Clarificado 0,07A 0,69A 0,18A 1,17A 0,29A 0,25A - Caldo não clarificado 0,05A 0,44B 0,11B 0,96B 0,17A 0,05B - Teste F (F1) 0,72ns 8,26** 83,00** 4,34* 3,05ns 133,78** - DMS 0,061 0,170 0,015 0,206 0,139 0,034 - CV 134,70 44,05 14,79 28,49 87,09 32,48 - Fermento (F2) - Fermento prensado 0,08A 0,59A 0,15A 1,08A 0,21A 0,14A - Fermento CA-11 0,04A 0,54A 0,15A 1,04A 0,26A 0,16A - Teste F (F2) 1,41ns 0,23ns 0,34ns 0,17ns 0,54ns 1,02ns - DMS 0,061 0,170 0,015 0,206 0,139 0,034 - CV 134,70 44,05 14,79 28,49 87,09 32,48 - Teste F Blocos - Inter. F1xF2 0,23ns 0,26ns 0,08ns 0,05ns 0,00ns 0,38ns - Médias seguidas de letras iguais não diferem entre si pelo teste de Tukey a 0,05 de probabilidade; ns - Não significativo; *Significativo a nível de 0,05; **Significativo a nível de 0,01. DMS – Desvio Mínimo Significativo. CV – Coeficiente de Variação. Inter. MxF – Interação entre Mostos e Fermentos. Observou-se nos resultados obtidos que não houve formação de cobre em qualquer dos tratamentos estudados. Sabe-se que cachaças destiladas em alambiques de cobre, as também chamadas cachaças artesanais, apresentam principalmente valores médios maiores de cobre e ácido acético, quando 53 comparadas com cachaças destiladas em colunas (SOUZA; FERREIRA; PASSONI, 2010). Em nenhuma amostra as quantidades de cobre excedeu a permitida pela legislação brasileira, que admite limite máximo de 5mg/L-1. Estudos realizados por Andrade-Sobrinho et al. (2009), com 294 amostras comerciais de aguardente de cana-de-açúcar produzidas entre 2001 a 2006, revelaram que 30,0% não atendiam os limites previstos na legislação brasileira, em relação aos teores de cobre. Dentre essas, 202 amostras foram adquiridas no comércio, 70 participaram dos V e VI Brazilian Meetingon Chemistryof Food and Beverages (V e VI BMCFB) e 108 foram coletadas na origem, como parte do Projeto de Tipificação da Aguardente do Estado de São Paulo. Acredita-se que a limpeza constante do alambique durante as destilações proporcionou uma bebida sem o mineral Cobre. De acordo com Garbin, Bogusz Junior e Montano (2005), em 25 amostras de cachaças produzidas na região noroeste do Rio Grande do Sul, 25,0% (microrregião Cruz Alta), 57,1% (microrregião Santa Rosa) e 60,0% (microrregião Três Passos) também não atendiam a legislação e de um total de 94 cachaças e aguardentes brasileiras estudadas por Miranda et al. (2007), 15% apresentaram teores de cobre acima dos limites em vigor, apresentando um valor máximo de 12,0mg/L-1. Amostras de cachaças produzidas no Estado de Minas Gerais apresentaram teores de cobre acima do máximo permitido entre 6,0% a 7,0% do total analisadas. (AZEVEDO et al. 2003; LABANCA, et al. 2006). Atualmente, existe uma maior preocupação por parte da maioria dos produtores em diminuir a contaminação por cobre das suas cachaças, buscando atender as exigências legais visando possibilitar uma comercialização mais regularizada. De modo geral, observou-se que uma assepsia criteriosa do alambique antes da destilação é imprescindível para evitar contaminações com este metal (AZEVEDO et al. 2003). Pinto et al. (2005) analisaram cinquenta e duas amostras e dezoito mostraram valores maiores que o permitido pela Instrução Normativa nº 13 de 29 de junho de 2005 para cobre, e a falta de cuidado na limpeza após o processo de destilação é provavelmente a principal causa para estas altas concentrações de Cu encontradas 54 em 19% das amostras analisadas. Para Zn os níveis encontrados foram aceitáveis pela Organização Mundial da Saúde, onde o limite permitido é de 5mg/L. A não formação de cobre pode justificar os baixos valores de carbamato de etila no destilado final, já que este mineral tem a função de catalisa-lo em bebidas destiladas. Aresta, Boscolo e Franco (2001), acreditam que um dos prováveis mecanismos de formação do carbamato de etila seja por meio da complexação do cianato com o cobre, proveniente do aparelho destilador, seguido pela oxidação a cianogênio e com subsequente desproporcionamento a cianato. O cianato pode reagir com o etanol para formar o carbamato de etila (ARESTA; BOSCOLO; FRANCO, 2001). A Instrução Normativa n. 13 estabelece limites apenas para os íons metálicos cobre (5,0mg.L-1), chumbo (200μg.L-1) e arsênio (100μg.L-1). Apesar dos elementos minerais zinco, ferro, cálcio e potássio não fazerem parte dessa Normativa, existe interesse na quantificação dos mesmos, já que a composição mineral das bebidas pode permitir a caracterização de diferentes amostras com relação à origem geográfica, modo de produção (orgânica ou convencional), forma de destilação (cachaças destiladas em alambiques ou em colunas), e mesmo a diferenciação entre bebidas semelhantes, como o rum e cachaça, ou mesmo o rum cubano ou não cubano (SOUZA; FERREIRA; PASSONI, 2010). Nos resultados obtidos neste trabalho, observa-se na Tabela 5 que não houve diferença significativa para o íon Zinco. Nos trabalhos de Souza, Ferreira e Passoni (2010), os teores de zinco encontrados situaram-se entre 0,02 a 2,07mg/L-1. Nos teores de ferro também não foi encontrada diferenças significativas nos tratamentos. Há interesse na quantificação do íon ferro na cachaça, já que quando presente em certas concentrações pode alterar as características sensoriais da bebida (OSHITA et al., 2003). Existem hipóteses de haver uma relação entre a cor de um “blend” e seu conteúdo de ferro e cobre (IBANEZ, et al., 2008). Quanto ao potássio (Tabela5), foi encontrada uma diferença significativa ente o caldo clarificado e não clarificado. Acredita-se que este mineral foi concentrado durante o processo de clarificação apresentando valores maiores no caldo clarificado. Nos estudos de Souza, Ferreira e Passoni (2010), foram analisadas 30 amostras e somente em 8 amostras foi observado um teor acima de 5,0mg/L-1. 55 Os minerais presentes na bebida podem estar relacionados com a região em que foi desenvolvida a matéria-prima. Os teores de minerais, que não são controlados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento, podem, porém,