VITOR DA SILVA PALACIOS Mapeamento e modelagem de processos a partir de um programa BPM com utilização de tecnologias digitais de informação e comunicação: pesquisa-ação em um setor administrativo de uma universidade pública Guaratinguetá - SP 2020 Vitor da Silva Palacios Mapeamento e modelagem de processos a partir de um programa BPM com utilização de tecnologias digitais de informação e comunicação: pesquisa-ação em um setor administrativo de uma universidade pública Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Engenharia do câmpus de Guaratinguetá, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” para a obtenção do título de Mestre em Engenharia de Produção na área de Gestão e Otimização. Orientador: Prof. Dr. Renato de Campos Coorientador: Prof. Dr. José de Souza Rodrigues Guaratinguetá - SP 2020 Luciana Máximo Bibliotecária/CRB-8 3595 Palacios, Vitor da Silva P153m Mapeamento e modelagem de processos a partir de um programa BPM com utilização de tecnologias digitais de informação e comunicação: pesquisa-ação em um setor administrativo de uma universidade pública / Vitor da Silva Palacios – Guaratinguetá, 2020. 197 f : il. Bibliografia: f. 99-112 Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, 2020. Orientador: Prof. Dr. Renato de Campos Coorientador: Prof. Dr. José de Souza Rodrigues 1. Controle de processo. 2. Sistemas de informação gerencial. 3. Tecnologia da informação. 4.Tomada de decisão por critério múltiplo. I. Título. CDU 658.511.3(043) VITOR DA SILVA PALACIOS NASCIMENTO 14.02.1990 – São Paulo / SP FILIAÇÃO Rita de Cássia da Silva Angelino Palacios 2009/2011 Tecnólogo em Logística e Transportes Faculdade de Tecnologia da Zona Leste, Fatec-ZL 2012/2013 Especialista em Gestão Pública Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, FESPSP 2014/2019 Bacharel em Filosofia Universidade Federal de São Paulo, Unifesp Dedico este trabalho à minha vó, Ziza, que me ensinou, com muita sapiência, os valores fundamentais humanos. À minha família e amigos que sempre possibilitaram as condições, físicas e psíquicas, sem às quais este trabalho não seria possível. AGRADECIMENTOS À divindade, nas suas mais variadas manifestações, congregando amor, vida, família e todo conhecimento possível. De maneira especial, ao meu orientador, Prof. Dr. Renato de Campos, e Coorientador, Prof. Dr. José de Souza Rodrigues, que desde o início desta trajetória me incentivaram e contribuíram de forma significativa para consecução deste trabalho. Aos docentes do programa de pós-graduação em Engenharia de Produção, Mestrado Profissional, que contribuíram para a constante melhoria deste trabalho, bem como aos servidores(as) da Faculdade de Engenharia do câmpus de Guaratinguetá por propiciar as condições administrativas para que o ensino, a pesquisa e a extensão sejam possíveis. Aos membros da banca de qualificação e defesa que, com suas críticas construtivas em prol do conhecimento, proporcionaram a melhoria deste trabalho. Aos colegas da IV turma do MePEP IFT pelas risadas, trocas de conhecimentos, cervejas, apoio e companheirismo. À Unesp por ter, por meio da Escola Unesp de Liderança e Gestão, propiciado a oportunidade de ingresso, após seleção interna, no programa, juntamente com a constante atenção do Prof. Jorge Muniz Jr., grande incentivador, apoiador e colaborador deste projeto. De forma especial, à Secretaria Geral da Unesp, por permitir a aplicação da pesquisa-ação e ter acreditado nos seus benefícios, bem como ao Grupo de Trabalho para Modelagem dos Fluxos de Processos da Unesp que, de forma colaborativa, contribuiu indelevelmente para o desenvolvimento do nível de maturidade do BPM na Universidade. “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Paulo Freire “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa, porém, é transformá-lo.”. Karl Marx (1845) RESUMO Esta pesquisa tem como objetivo mapear e modelar os processos de um setor administrativo de uma Universidade Pública a partir de um programa teórico/prático de BPM (Business Process Management) e sua convergência com as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), em especial, a certificação digital. Por meio de uma pesquisa-ação desenvolvida em uma Universidade Pública, foi possível, de forma colaborativa, elaborar e implementar um programa BPM com lastro nas TDIC. A implantação do programa propiciou condições para melhoria da formalização dos processos da instituição por meio do seu mapeamento e modelagem via notação BPMN. O apoio da alta gestão e as ações comunicativas foram identificados como elementos importantes na elaboração do programa. Em função da delimitação da pesquisa, foram mapeados, modelados e priorizados os processos desenvolvidos em um setor administrativo da Secretaria Geral da Unesp. A priorização ocorreu a partir do método Analytic Hierarchy Process (AHP), método de tomada de decisão multicritério. O redesenho do processo de emissão e registro de diplomas foi proposto via modelagem e simulação na plataforma Bizagi Modeler onde foi possível, com a proposta de introdução da certificação digital, evidenciar melhorias de eficiência com um incremento na produtividade na ordem de 76%. A gestão por processos com utilização da disciplina BPM e das TDIC proporcionaram, em um ambiente de Transformação Digital, uma visão holística e detalhada de parte da organização, contribuindo com a gestão administrativa universitária na identificação de possíveis gargalos e, por conseguinte, eliminação de atividades que não agregam mais valor. PALAVRAS-CHAVE: Business process management. Gestão de processos. Tecnologias digitais de informação e comunicação. Certificado digital. Universidade pública. Analytic hierarchy process. ABSTRACT The aim of this work is to map and model the processes of an administrative sector of a Public University from a theoretical/practical program of BPM (Business Process Management) and its convergence with Digital Information and Communication Technologies (TDIC), in particular , a digital certification. Through an action research developed at a Public University, it was possible, collaboratively, to design and implement a BPM program backed by TDIC. The implementation of the program provided conditions for improving the formalization of the institution's processes through its mapping and modeling via BPMN notation. Top management support and communicative actions were identified as important elements in the preparation of the program. Due to the delimitation of the research, the processes developed in an administrative sector of the General Secretary of Unesp were mapped, modeled and prioritized. Prioritization takes place using the Analytic Hierarchy Process (AHP) method, a multi-criteria decision-making method. The redesign of the process of issuing and registering diplomas was proposed via modeling and simulation on the Bizagi Modeler platform where it was possible, with the proposal to introduce digital certification, showing efficiency improvements with an increase in productivity in the order of 76%. Process management using the BPM and TDIC discipline provided, in a Digital Transformation environment, a holistic and detailed view of part of the organization, contributing to university administrative management in the identification of possible bottlenecks and, consequently, the elimination of activities that do not add value. KEYWORDS: Business process management. Process management. Digital information and communication technologies. Digital certificate. Public university. Analytic hierarchy process. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Estrutura ICP-Brasil - 2019 ..................................................................................... 22 Figura 2 - Mapa Conceitual - BPM .......................................................................................... 25 Figura 3 – Ciclo BPM ............................................................................................................... 26 Figura 4 – Elementos básicos do BPMN .................................................................................. 32 Figura 5 – Estrutura Hierárquica do AHP ................................................................................ 34 Figura 6 – Comparação dos ciclos BPM e Pesquisa-ação ........................................................ 60 Figura 7 – Fluxo de Revisão Sistemática da Literatura ............................................................ 61 Figura 8 – Rede de palavras-chave BPM ................................................................................. 62 Figura 9 – Rede de palavras-chave PKI ................................................................................... 63 Figura 10 – Rede de palavras-chave BPM e PKI ..................................................................... 64 Figura 11 – Organograma da Secretaria Geral da Unesp ......................................................... 66 Figura 12 – AS-IS – Fluxo de emissão e registro de diplomas................................................. 68 Figura 13 - Ciclo BPM e PDCA ............................................................................................... 75 Figura 14 - Fluxo do plano para implantação do programa de modelagem ............................. 77 Figura 15 – Ambiente Virtual de Aprendizagem - AVA ........................................................... 80 Figura 16 - Capacitação de Arquitetos de Processos – encontro presencial ............................. 80 Figura 17 - Certificação Modelagem de Fluxos ....................................................................... 81 Figura 18 - Mapa mental dos processos da Secretaria Geral .................................................... 87 Figura 19 - Comparação gráfica AS IS e TO-BE ..................................................................... 92 Figura 20 – AS-IS ampliado Emissão e Registro de Diplomas ................................................ 93 Figura 21 - TO-BE ampliado Emissão e Registro de Diplomas ............................................... 94 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Avaliação de Reação ................................................................................................ 82 Tabela 2 - Matriz de julgamentos A .......................................................................................... 83 Tabela 3 - Matriz de julgamentos B e C ................................................................................... 84 Tabela 4 - Matriz de julgamentos D ......................................................................................... 84 Tabela 5 - Matriz de Decisão .................................................................................................... 84 Tabela 6 - Ranking de priorização dos processos ..................................................................... 85 Tabela 7 - Cálculo do intervalo de chegada no Bizagi ............................................................. 89 Tabela 8 - Comparação AS-IS e TO-BE ................................................................................... 90 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Escala Fundamental de Saaty ................................................................................ 35 Quadro 2 – Síntese de equações do AHP ................................................................................. 36 Quadro 3 – Artigos que exploram o uso da modelagem e simulação em projetos BPM ......... 38 Quadro 4 – Diferenças de abordagens entre setor privado e público ....................................... 40 Quadro 5 – Identificação dos processos do GTRA .................................................................. 83 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Nº de Certificados Digitais emitidos – 2010 e 2019 .............................................. 21 Gráfico 2 - Documento/país - PKI ............................................................................................ 64 Gráfico 3 - Documento/autor – PKI ......................................................................................... 64 Gráfico 4 - Documento/país - BPM .......................................................................................... 65 Gráfico 5 - Documento/autor – BPM ....................................................................................... 65 Gráfico 6 - Análise de Sensibilidade para o critério Nº de atores ............................................ 85 Gráfico 7 - Análise de Sensibilidade para o critério Nº de atividades ...................................... 86 Gráfico 8 - Análise de Sensibilidade para o critério Carga de trabalho ................................... 86 Gráfico 9 - Média de registros de diplomas por mês ................................................................ 89 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AC-Raiz Autoridade Certificadora Raiz ACT Autoridade Certificadora do Tempo AHP Analytic Hierarchy Process AI Assessoria de Informática AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem BPM Business Process Management BPMI Business Process Management Iniciative BPMN Business Process Model Notation CF Constituição Federal CTInf Coordenadoria de Tecnologia da Informação E-Digital Estratégia Brasileira para a Transformação Digital e-Gov Governo Eletrônico Enegep Encontro Nacional de Engenharia de Produção EPC Event Process Chain FCS Fatores Críticos de Sucesso G2B Government to Business G2C Government to Citizen G2G Government to Governmen GTAACC Grupo Técnico de Apoio às Atividades dos Colegiados Centrais GTID Grupo Técnicos de Informação e Documentação GTRA Grupo Técnico de Registros Acadêmicos ICP-Brasil Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira IDEF Integration Definition for Function Modeling IES Instituição de Ensino Superior IMESP Imprensa Oficial do Estado de São Paulo IoT Internet of Things IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas ITI Instituto Nacional de Tecnologia da Informação LAI Lei de Acesso à Informação LGPD Lei Geral de Proteção de Dados MCDM Multi-Criteria Decision Making MPOG Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão NDSI Núcleo de Desenvolvimento de Sistemas Institucionais NPKI National Public Key Infrastructure OFIC Organização Fundamentada na Informação e no Conhecimento OMG Object Management Group PBAD Padrão Brasileiro de Assinaturas Digitais PKI Public Key Infrastructure QR Code Quick Response Code RIS Research Information Systems RVDD Representação Visual do Diploma Digital TGS Teoria Geral dos Sistemas TDIC Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação TI Tecnologias da Informação TIC Tecnologia da Informação e Comunicação Unesp Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” URL Uniform Resource Locator WFM Workflow Management WfMC Workflow Management Coalition XAdES XML Advanced Electronic Signature XML Extensible Markup Language XSD XML Schema Definition SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 17 1.1 QUESTÃO DE PESQUISA ......................................................................................... 19 1.2 OBJETIVOS ................................................................................................................. 19 1.2.1 Objetivo Geral ............................................................................................................. 19 1.2.2 Objetivos específicos ................................................................................................... 19 1.3 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA ................................................................................ 20 1.4 JUSTIFICATIVA .......................................................................................................... 20 1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ............................................................................ 23 2 REVISÃO DA LITERATURA .................................................................................. 24 2.1 GESTÃO DE PROCESSOS DE NEGÓCIO - BPM .................................................... 24 2.1.1 Técnicas de Mapeamento e Modelagem ................................................................... 30 2.1.2 BPM e o AHP .............................................................................................................. 32 2.1.3 BPM e a Simulação ..................................................................................................... 36 2.1.4 BPM e o Setor Público ................................................................................................ 39 2.1.4.1 BPM, TDIC e o arcabouço legal brasileiro ................................................................... 45 2.1.4.2 O aspecto multidisciplinar do BPM .............................................................................. 47 2.2 TECNOLOGIAS DIGITAIS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: CERTIFICADO DIGITAL E ASSINATURA DIGITAL .............................................. 48 2.2.1 BPM e a Transformação Digital ................................................................................ 54 2.3 SISTEMAS DE INFORMAÇÃO, GESTÃO DO CONHECIMENTO E PRESERVAÇÃO DIGITAL ......................................................................................... 55 3 MÉTODO DE PESQUISA ......................................................................................... 59 3.1 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA ....................................................................... 59 3.2 DETALHAMENTO DA ESTRATÉGIA METODOLÓGICA ..................................... 61 3.3 DESCRIÇÃO DA UNIDADE DE ANÁLISE .............................................................. 66 3.3.1 Atribuições dos Grupos Técnicos da Secretaria Geral ............................................ 67 3.3.1.1 Grupo Técnico de Apoio às Atividades dos Colegiados Centrais (GTAACC) ............. 67 3.3.1.2 Grupo Técnicos de Informação e Documentação (GTID) ............................................ 67 3.3.1.3 Grupo Técnico de Registros Acadêmicos (GTRA) ...................................................... 67 3.3.2 Sistema de Emissão e Registro de Diplomas – SISDIP............................................ 68 3.3.2.1 Diploma Digital ............................................................................................................ 69 3.3.2.2 Especificações técnicas do Diploma Digital ................................................................. 70 3.3.3 Grupo de Trabalho para modelagem e otimização do fluxo de processos da Unesp ...................................................................................................................................... 72 3.4 DESCRIÇÃO DA COLETA E TRATAMENTO DE DADOS ..................................... 72 3.4.1 Observação Participante ............................................................................................ 72 3.4.2 Análise Documental .................................................................................................... 73 3.4.3 Ferramentas de coleta de dados ................................................................................ 73 3.4.4 Descrição dos métodos de apoio: Plano de classificação de documentos e tabela de temporalidade de documentos da Unesp, ferramenta 5W1H e PDCA .................. 74 4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS .................................................... 76 4.1 DO DESENVOLVIMENTO, INTRODUÇÃO E PROMOÇÃO DO POGRAMA DE BPM .............................................................................................................................. 76 4.2 DA CAPACITAÇÃO EM BPM PARA OS ARQUITETOS DE PROCESSO ............. 79 4.3 DA PRIORIZAÇÃO DOS PROCESSOS UTILIZANDO O MÉTODO AHP ............ 83 4.4 DA MODELAGEM DE PROCESSOS VIA BIZAGI .................................................. 87 4.5 DA ANÁLISE DE EFICIÊNCIA VIA MODELAGEM E SIMULAÇÃO................... 88 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 96 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 99 APÊNDICE A – Formulário de Mapeamento de Processos ................................... 99 APÊNDICE B – Roteiro de Entrevista ................................................................... 114 APÊNDICE C – Mapas de processos do GTRA .................................................... 115 ANEXO A – Publicações e aprovações decorrentes da dissertação ..................... 127 ANEXO B – Programa de BPM da Unesp ............................................................. 128 ANEXO C – Nota Técnica nº 13/2019/DIFES/SESU/SESU .................................. 169 17 1 INTRODUÇÃO Toda revolução, em tese, tende a gerar mudanças e a revolução tecnológica não seria diferente. Desde meados dos anos 1990 pesquisas apontavam para as mudanças nos processos de trabalho. Estudo importante, realizado por Lima Gonçalves e Almeida (1993), já apresentava, à época, alguns pontos destacáveis do impacto da tecnologia nas mudanças dos processos, a saber: compreensão das mudanças sociais, econômicas e políticas geradas pelo surgimento das novas tecnologias, tais como a divisão internacional do trabalho; discussão dos efeitos da tecnologia para o trabalhador, que é vista ora como causadora de desemprego, ora como geradora de oportunidades de realização de funções que utilizam mais as capacidades intelectuais; a análise das novas qualificações e habilidades geradas pela introdução de novas tecnologias no trabalho. Wajzenberg (1997, p.119, grifo nosso) entende que: Independentemente da variedade de definições para a tecnologia, as pesquisas mostram que a introdução e o uso da tecnologia nas organizações, e na sociedade em geral, levam a mudanças sociais, econômicas e políticas. Mais recentemente, considera-se que a tecnologia influencia as estratégias da organização, sua competitividade e desempenho. Nota-se que, atualmente, as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) tornam-se cada vez mais presentes, tanto nas organizações públicas, quanto nas privadas, permitindo a consecução, ora como atividade fim, ora como atividade meio, da melhoria da gestão e dos processos administrativos nas mais diversas áreas, tais como a educação, a saúde e a segurança pública. (DENNER et al., 2018; XU et al., 2018). Neste contexto, uma abordagem que começou a ganhar adeptos a partir dos anos 2000, ainda que de forma incipiente, é o Gerenciamento de Processos de Negócio ou Business Process Management (BPM) (SMITH; FINGAR, 2007). Segundo a ABPMP (2013), o Gerenciamento de Processos de Negócio ou Business Process Management (BPM) é uma disciplina gerencial que integra estratégias e objetivos de uma organização com expectativas e necessidades de clientes, por meio do foco em processos ponta a ponta. BPM engloba estratégias, objetivos, cultura, estruturas organizacionais, papéis, políticas, métodos e tecnologias para analisar, desenhar, implementar, gerenciar desempenho, transformar e estabelecer a governança de processos. A Administração Pública, a partir de uma gestão pública democrática, demanda a resolução ou mitigação de inúmeros desafios no desempenho de suas atividades, tais como: 18 recursos públicos; burocracia; tempo de administração; efetividade de políticas; precariedade de serviços; fluxos indefinidos; má qualidade de gestão; travamentos administrativos; excesso de demandas; despreparo de equipes; demora nas licitações, entre outros (BITTAR, 2002). Com efeito, cada vez mais, importantes instituições públicas investem parte considerável de seus recursos no Gerenciamento de Processos de Negócio e em tecnologia, considerando o resultado que estas lhes proporcionam a médio e longo prazo. Essa tomada de decisão está fundamentada em diversos estudos e análises de casos de sucesso (que são discriminados na revisão da literatura) na adoção e implementação do Business Process Management (BPM) e das TDIC em seus processos. No que tange às tecnologias, o governo brasileiro busca, desde a década de 1990, fomentar e ampliar o uso e acesso à internet ao cidadão visando expandir o que se convencionou chamar na academia em termos globais de Governo Eletrônico (e-Gov). Nesse sentido, cabe destacar que uma dessas tecnologias que vem crescendo exponencialmente no Brasil desde 2001 é a chamada certificação digital instituída por meio da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 e regulada pela Lei nº 14.063/2020. Não obstante, sabe-se que as TDIC tal como a certificação digital não podem ser encaradas como um fim em si mesmas, a solução para todos os problemas de gestão nas organizações privadas ou públicas. Antes, é necessário lembrar, que os sistemas organizacionais são dotados de estruturas complexas tendo como base estratégias de gestão específicas que são delineadas desde os primórdios do sistema de produção fordista (BEYNON, 2015). Esses primeiros sistemas buscavam resultados na departamentalização e especialização dos processos de trabalho e pensavam as organizações como sistemas fechados. No entanto, entre as décadas de 1950 e 1970 emerge o conceito de sistema (aberto) se consolidando com a Teoria Geral dos Sistemas (TGS) decorrente dos trabalhos do biólogo Ludwig von Bertalanffy que, por sua vez, desenvolveu uma crítica às divisões das áreas de estudo e conhecimento, uma vez que para ele, a natureza e os seus fenômenos ocorrem de forma integrada (BERTALANFFY, 1950). Em suma, o que Bertalanffy aduz é que muitas soluções surgem a partir de um viés sistêmico. Existem inúmeros sistemas, tal como os sistemas de informação, os sistemas de produção e os sistemas organizações ou sistemas empresas. De maneira geral, um sistema é composto por elementos, interconexões e propósitos (AMARAL, 2012; STERMAN, 2000). Com efeito, é possível afirmar que tudo está conectado e os processos não são diferentes, pois quando analisados à luz da dinâmica de uma organização, percebe-se a sua transversalidade contrapondo-se ao tradicional modelo departamental. 19 Neste horizonte de teorias e discussões, esta pesquisa-ação se posiciona e se constitui em dois eixos centrais, um apontando para a disciplina BPM, que evoca os princípios de modelagem e simulação, e o outro focando as TDIC, em especial, a certificação digital. 1.1 QUESTÃO DE PESQUISA Como, em áreas/setores administrativas de uma Universidade Pública, o mapeamento e a modelagem de processos com utilização da disciplina BPM e TDIC podem contribuir com a melhoria de eficiência e gestão? 1.2 OBJETIVOS 1.2.1 Objetivo Geral Este trabalho, por meio de uma pesquisa-ação, tem como objetivo mapear e modelar os processos desenvolvidos na Secretaria Geral de uma Universidade Pública a partir de um programa teórico/prático de BPM e sua convergência com as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), em especial, a certificação digital, de modo a avaliar as possíveis melhorias de eficiência no que concerne à gestão de processos. 1.2.2 Objetivos específicos Para consecução do objetivo principal, há necessidade de se alcançar, preliminarmente, os seguintes objetivos específicos, apresentando as principais contribuições identificadas ao longo dos ciclos de pesquisa-ação: • Elaborar de forma colaborativa o plano para introdução, desenvolvimento e promoção de um programa teórico/prático de BPM para a Unesp; • Elaborar de forma colaborativa a capacitação em BPM para os(as) arquitetos(as) de processo; • Mapear os processos desenvolvidos na Secretaria Geral (unidade de análise decorrente da delimitação da pesquisa), priorizando-os a partir do método Analytic Hierarchy Process (AHP); 20 • Modelar via Bizagi (software de modelagem) e notação Business Process Model Notation (BPMN) todos os processos atuais (AS-IS1) priorizados de um Grupo de Trabalho da Secretaria Geral, gerando ao final um atlas de processos; • Simular via Bizagi (software de modelagem com propriedades de simulação) e analisar, quando comparado os modelos AS-IS e TO-BE2, as possíveis melhorias de eficiência quando da introdução da tecnologia de certificação digital no processo de negócio de emissão e registro de diplomas da Unesp. 1.3 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA Por envolver uma rede variada de conhecimento, e se tratando de uma Universidade multicâmpus3 que, por conseguinte, abrange uma estrutura complexa de processos, definiu-se, preliminarmente, a Secretaria Geral da Unesp para implementação da disciplina de BPM e suas fases, bem como a adoção das TDIC, em especial, a certificação digital. Ressalta-se que o presente trabalho nasceu de uma iniciativa da Escola Unesp de Liderança e Gestão da Unesp que, por sua vez, buscava apoiar a formação de servidores técnico- administrativos em nível de pós-graduação, além de constituir uma carteira de projetos que visassem produzir ações ou propostas em torno de questões relevantes para as atividades de gestão da Unesp em suas dimensões administrativa, pedagógica e financeira. Desse modo, é também nesse sentido que se justifica a escolha do referido setor para implementação piloto, visto que o autor possui amplo acesso às informações que subsidiaram o presente trabalho. 1.4 JUSTIFICATIVA O artigo 37 da CF (Constituição Federal) de 1988 estabelece, em seu caput, que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. No tocante à eficiência, entende-se não só como uma 1 Na literatura sobre BPM o termo “AS-IS” diz respeito ao estado atual do processo, ou seja, um entendimento comum de como o processo opera ou como o trabalho é realizado e atinge os seus objetivos (ABPMP, 2013). 2 O termo “TO-BE” diz respeito ao estado futuro do processo, ou seja, a análise do AS-IS permite criar ideias sobre como transformar a operação do processo. Em linhas gerais, o modelo “TO-BE” deve refletir a eliminação do trabalho que não agrega valor. (ABPMP, 2013). 3 Para uma melhor caracterização da Universidade em questão ver o capítulo 3. 21 forma de melhor fazer algo utilizando os recursos disponíveis, mas, também, como resultados gerais (eficácia) e geração de benefícios à população (efetividade) (CASTRO, 2006). Com o advento da Internet no Brasil, iniciou-se um processo de se pensar na estruturação de um Governo Eletrônico – e-GOV, como forma de facilitar a vida do cidadão, oferecendo-lhe a prestação de um serviço otimizado, desburocratizado e célere. A partir de 2001, com a normatização da certificação digital, por meio da instituição da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), que garante a autenticidade, a integridade e a validade jurídica dos documentos em formato eletrônico, essa tecnologia se expandiu, permitindo que o Governo Eletrônico pudesse viabilizar diversas plataformas que facilitassem, inclusive, a implementação de diversas políticas públicas. No Gráfico 1 e Figura 1 é possível observar, respectivamente, o crescimento exponencial de emissão dos certificados digitais entre os anos de 2010 e 2019, bem como o tamanho da estrutura institucional, em 2019, da ICP-Brasil. Gráfico 1 - Nº de Certificados Digitais emitidos – 2010 e 2019 Fonte: ITI (2019). 22 Figura 1 - Estrutura ICP-Brasil – 2019 Fonte: ITI (2019). As TDIC, em geral, e a Certificação Digital, em particular, de acordo com as evidências e resultados atuais dos processos gerenciais do segmento corporativo, além dos casos bem sucedidos na esfera pública (ITI, 2020), são hoje uma ferramenta fundamental e importante, que vem corroborar com a gestão pública, no que se refere à eficiência. No entanto, percebe-se que os benefícios das aplicações de TDIC de forma singular, sem vínculo estratégico com os processos da organização, perdem paulatinamente sua força diante da dinâmica complexa que modificam os ambientes organizacionais. Nesse cenário, a disciplina conhecida como Business Process Management emerge com uma perspectiva capaz de proporcionar um processo de melhoria contínua nas organizações tendo como habilitador as TDIC. Acredita-se que a convergência do BPM com as TDIC propiciará, a partir do mapeamento e modelagem dos processos, um aumento no nível de maturidade da Unesp no que diz à gestão de processos, de modo a criar condições para a melhoria de eficiência e transparência nos processos. No que tange especificamente à Unesp, é possível notar que as TDIC estão sendo vistas como um elemento estratégico. Recentemente sua Reitoria passou por uma reestruturação administrativa no qual a então Assessoria de Informática (AI) foi transformada em Coordenadoria de Tecnologia da Informação (CTInf) cuja estratégia está baseada no conceito de Transformação Digital que, por sua vez, possibilita utilizar a tecnologia para melhorar o funcionamento da estrutura institucional com vistas ao aumento da capacidade operacional e, por conseguinte, no alcance de melhores resultados para os usuários internos e externos da Universidade (UNESP, 2019). Do ponto de vista acadêmico-científico, os esforços de pesquisa-ação deste trabalho visam contribuir com um caso concreto na consolidação da literatura sobre o tema no Brasil, 23 em particular, nas Universidades Públicas que, em sua dinâmica histórica e estrutura complexa, carecem de instrumentos eficazes de gestão que permitam melhorar a prestação de serviço à sociedade por meio das novas tecnologias digitais. Como contribuição à comunidade acadêmico-científica, profissionais e stakeholders, destaca-se, também, por seu caráter vinculado ao estímulo das primeiras competências necessárias aos(às) arquitetos(as) de processos, a criação de um Recurso Educacional Aberto4, tal como a Capacitação para os(as) arquitetos(as) de processos, utilizando metodologias ativas de aprendizagem por meio do Google Classroom. O crescimento da disciplina de BPM vem exigindo programas de ensino teóricos/práticos, tanto em nível de educação formal (graduação, mestrado e doutorado), quanto em cursos livres, seminários, treinamentos e capacitações. Tal exigência decorre do fato de que as competências em BPM vêm sendo privilegiadas pelas organizações na formação do seu atual e futuro quadro de funcionários/servidores. O BPM proporciona uma visão holística integrando conhecimentos diversos. Assim, ao estabelecer uma visão que esteja centrada em processos, as organizações necessitam que seus recursos humanos possuam não apenas os conhecimentos técnicos quanto ao desempenho das atividades do dia a dia, mas também as competências inerentes à gestão dos processos decorrentes do ciclo BPM (WIECHETEK et al., 2017; JEWER; EVERMANN, 2015; SARASWAT et al., 2014) 1.5 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO Este trabalho está estruturado em 5 capítulos, sendo o primeiro destinado à introdução, englobando a questão de pesquisa, delimitação, justificativa e objetivos da pesquisa. No capítulo dois se encontra a revisão da literatura contendo a fundamentação teórica do trabalho, enquanto o capítulo três apresenta o método de pesquisa. Os dois últimos capítulos se destinam, respectivamente, a abordar a análise e discussão dos resultados, bem como apresentar as considerações finais. 4 Segundo a Unesco, REA é definido como Materiais de ensino, aprendizado e pesquisa em qualquer suporte ou mídia, que estão sob domínio público, ou estão licenciados de maneira aberta, permitindo que sejam utilizados ou adaptados por terceiros. O uso de formatos técnicos abertos facilita o acesso e o reuso potencial dos recursos publicados digitalmente. Recursos Educacionais Abertos podem incluir cursos completos, partes de cursos, módulos, livros didáticos, artigos de pesquisa, vídeos, testes, software e qualquer outra ferramenta, material ou técnica que possa apoiar o acesso ao conhecimento” (UNESCO, 2015) 24 2 REVISÃO DA LITERATURA No bojo deste projeto, as discussões teóricas giram em torno de dois principais eixos, a saber, a Gestão de Processos de Negócios/Business Process Management/BPM no setor público, bem como as TDIC, em especial, a assinatura digital e a certificação digital. Considerando a multidisciplinaridade do BPM, paralelamente, discute-se brevemente temas relacionados aos sistemas de informação, preservação digital, gestão do conhecimento e ciência da informação uma vez que são temáticas que preparam o terreno e fornecem um ambiente seguro para a pesquisa em BPM e TDIC. 2.1 GESTÃO DE PROCESSOS DE NEGÓCIO - BPM Segundo a ABPMP (2013, p. 40) o Gerenciamento de Processos de Negócio (BPM – Business Process Management) é uma disciplina gerencial que: [...]integra estratégias e objetivos de uma organização com expectativas e necessidades de clientes, por meio do foco em processos ponta a ponta. BPM engloba estratégias, objetivos, cultura, estruturas organizacionais, papéis, políticas, métodos e tecnologias para analisar, desenhar, implementar, gerenciar desempenho, transformar e estabelecer a governança de processos. Baldam, Valle e Rosenfeld (2014) dissecam o termo BPM, apontando suas singularidades. Para os autores, “negócio”, derivado do termo em latim negotium que significa ocupação ou trabalho, diz respeito a existência de infraestrutura e pessoas com esforços direcionados para entrega de valor aos clientes, gerando retornos sociais, econômicos, enquanto a composição dos termos “Processo de Negócio” compreende um conjunto de atividades que produzem valor para determinados grupos. Davenport (1994, p. 68) explica que “um processo é uma ordenação específica de atividades de trabalho através do tempo e do espaço, com um início, um fim, e um conjunto claramente definido de entradas e saídas: uma estrutura para a ação”. Por sua vez, Hammer e Champy (1994), esclarecem que a Gestão por Processos deixa para trás a visão departamental das empresas, trazendo uma visão geral de todo o processo, sem se limitar às hierarquias da organização O BPM parte da perspectiva de que para melhorar a eficiência operacional da organização é necessário que todos os processos sejam claramente definidos e, se possível, organizados de 25 forma documental, para que todos os envolvidos saibam de suas atribuições. No Mapa Concei- tual ilustrado à Figura 2 é possível observar as principais nuances e elementos partícipes da temática BPM. Figura 2 - Mapa Conceitual – BPM Fonte: Elaborado pelo autor Sublinhando as tendências pioneiras dos anos 1990 advogadas por Davenport (1994), Hammer e Champy (1994), Gonçalves (2000) aponta que a gestão por processos emerge como uma forma de organização dominante para o séc. XXI, onde as estruturas funcionais são abandonadas ou modificadas para uma forma mais matricial. De forma geral, Van der Aalst et al. (2003) preconizam que BPM é uma ferramenta gerencial que apoia os processos de negócios por meio de métodos, técnicas e softwares que projetam, representam, controlam e analisam os processos operacionais envolvendo pessoas, organizações, aplicações, documentos e outras fontes de informações. 26 Acreditam ainda que o BPM pode ser visto como uma evolução conceitual de Workflow Management (WFM), definido pela Workflow Management Coalition como a automação de um processo de negócio, por inteiro ou por partes, durante o qual documentos, informações e atividades são passadas de um participante para outro para que estes desenvolvam ações respeitando um conjunto de regras procedimentais. Segundo Baldam, Valle e Rosenfeld (2014, p. 34), “BPM ajuda as organizações a identificarem a importância dos seus processos e a obterem vantagens competitivas através de indicadores de avaliação dos processos, como por exemplo, o tempo de execução e melhorias de desempenho”. Os autores ilustram também que o ciclo de BPM, a saber: planejar o BPM; analisar, modelar e otimizar processos; implantar processos; e monitorar o desempenho dos processos, contribui para a aplicação das TDIC. Existem na literatura diversos tipos de ciclos BPM, a ABPMP (2013) convencionou um modelo, considerando o corpo comum de conhecimento estabelecido por acadêmicos, profissionais e stakeholders, tal como é possível observar na Figura 3. Figura 3 – Ciclo BPM Fonte: ABPMP (2013) Cabe ressaltar que uma questão importante para o sucesso na implantação do BPM em uma organização é entender quais são os fatores críticos de sucesso que devem ser levados em consideração. É nesse sentido que Syed et al. (2018) realizam uma revisão sistemática da literatura buscando elencar os Fatores Críticos de Sucesso (FCS) nos projetos de BPM do setor público em países desenvolvidos e em desenvolvimento, partindo do princípio que muitos 27 governos adotam o BPM como uma estratégia para se alcançar a eficiência nos serviços públicos. Desta revisão foram identificados 14 FCS pertinentes ao setor público. Dentre esses fatores críticos, destacam-se o engajamento da alta gestão em nível estratégico, a comunicação, a escolha da equipe de implementação do BPM, a infraestrutura de TIC, a cultura, o constante treinamento em TIC, clareza estratégica e alinhamento. Ressalta-se, ainda, que a volatilidade política, social e econômica dos países em desenvolvimento gera barreiras significativas para o sucesso na implantação de um ciclo de BPM. Paralelamente, Nascimento et al. (2018) apresentam um trabalho semelhante de revisão da literatura no qual buscam identificar um núcleo comum de FCS em projetos de BPM em organizações públicas e privadas em nível nacional e internacional. Além disso, ampliam o escopo de abordagem analisando, também, a configuração de parcerias público-privada. Como resultado, evidencia-se que os FCS do BPM são extremamente sensíveis às características geográficas, natureza e tamanho das organizações, não sendo possível selecionar um núcleo comum de fatores críticos de sucesso do BPM que serviriam como base universal para replicação. Com o intuito de obter uma melhor compreensão do estado da arte dos modelos de maturidade em BPM, Tarhan et al. (2016) realizam uma revisão da literatura entre os anos de 1990 a 2014 a fim de identificar estudos empíricos a respeito de modelos de maturidade em BPM que foram desenvolvidos, validados e aplicados. A despeito da existência de variados modelos de BPM constituídos nas últimas décadas, os autores concluem que as evidências empíricas de uso e, sobretudo, de validação desses modelos, são escassas. Por sua vez, Van der Aalst et al. (2003) fornecem uma visão global teórica e prática das questões relativas aos Business Process Management Systems (BPMS)5. De forma introdutória, os autores buscam clarificar alguns conceitos fundamentais sobre BPM e seus ciclos de vida, associando-os às potencialidades dos sistemas de BPM, tanto em nível de modelagem quanto de análise de processos. Ressaltam o fato de que a seleção de determinado BPMS é parte fundamental dos projetos de BPM, considerando relevante o papel dessa TDIC como um Fator Crítico de Sucesso. De Sousa et al. (2014) em um estudo de caso realizado no então chamado Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG do Brasil, aplicam o mapeamento de processo de negócio usando a notação BPMN com o intuito de desenvolver um sistema de gestão de 5 BPMS são comumente descritos como um software que, em geral, suporta atividades de modelagem, simulação, análise e monitoramento dos processos de negócio (REIJERS, 2006; RAVESTEYN; BATENBURG, 2010) 28 recursos humanos. Os resultados forneceram evidências de que os requisitos de engenharia na concepção de um novo sistema de informação podem ser melhores definidos com a aplicação do BPM. Os mesmos autores, a partir do referido estudo de caso, apresentam uma metodologia para a modelagem do mapeamento de processo que pode ser aplicado para o desenvolvimento de grandes sistemas computacionais. A metodologia é composta de duas fases principais: uma fase de pré-mapeamento de processo e uma fase de mapeamento de processo propriamente dita. Em linhas gerais a intenção dos autores é fornecer elementos para um mapeamento qualitativo dos processos (DE SOUSA et al., 2015). Nogueira et al. (2018) analisam o segundo ciclo da utilização do BPM em uma seção de uma organização pública com foco no projeto de informatização do processo por meio do projeto de um sistema de informação. Os resultados permitem avaliar que a aplicação do BPM trouxe benefícios à instituição analisada, permitindo, concomitantemente com o desenvolvimento de sistemas de informação, maior flexibilidade, mesmo em um ambiente caracterizado por limitações legais e burocráticas. Franco et al. (2018) apresentam, em um estudo de caso, a reestruturação no processo de colação de grau de uma Instituição de Ensino Superior da Serra Gaúcha. Tal reestruturação se valeu do BPM por meio das técnicas de modelagem para redesenho do processo. Corroborando com os artigos apresentados até aqui que se valeram dessa ferramenta, verificou-se um ganho de agilidade dos procedimentos, da redução do tempo gasto e da melhoria da comunicação interna e com o cliente final, no caso, o(a) aluno(a). Discute-se, a partir de agora, alguns artigos que contribuíram com estudos bibliométricos sobre a temática BPM. Dos 3 artigos selecionados, dois são de autores brasileiros (um analisa a produção exclusivamente em nível nacional e o outro em nível geral, sendo que ambos apresentam seus trabalhos focando também a teoria relacionada ao BPM) e um de autores estrangeiros que analisa especificamente a produção sobre BPM em um periódico específico. Iritani e Morioka (2015) apresentam e discutem o panorama da produção científica sobre BPM, buscando situar o seu estado da arte. Para tanto, se valem dos metadados da base de dados Scopus e Web of Science importado-os para o software Sci²Tool, no qual foram elaboradas e analisadas as redes bibliométricas. Notou-se um aumento de publicações sobre BPM, embora, tais publicações tendem a seguir escolas distintas que atuam de forma isoladas. Com tais redes é possível observar a existência de agrupamentos bibliométricos que pouco interagem. Dos artigos analisados foram identificadas oito práticas de BPM: planejamento de BPM; modelagem de processos; análise 29 de processos; melhoria e mudanças de processos; medição, monitoramento e controle de processos; simulação de processos; implementação de processos/sistemas de apoio e modelos de ciclo de vida de BPM. Os autores citam, também, que uma parte dos artigos toma a disciplina de BPM como uma abordagem de tecnologia e sistemas de informação. Esse diagnóstico limita a essência dos estudos em BPM uma vez que, já é consenso, ela é muito mais do que uma simples ferramenta (ABPMP, 2013). Os autores concluem que o BPM é uma abordagem com origem multidisciplinar com foco na gestão organizacional (Reengenharia e Total Quality Management) e outra com foco nas tecnologias de BPM. Turra et al. (2018) mapeiam a produção de artigos científicos nacionais sobre BPM classificados nos níveis Qualis Capes A1, A2, B1 e B26. Verificou-se que há um número de publicações escassas, não existindo crescimento ao longo dos anos, bem como um baixo nível de coautoria entre autores. A principal fonte de citação bibliográfica é de origem internacional (destaca-se o autor estadunidense Thomas H. Davenport, com 16 citações). Em seguida, empatados com 14 citações, o holandês Wil Vander Aalst e o estadunidense Michael Hammer, evidenciando uma relativa maturidade internacional de pesquisa nessa temática. Foi possível identificar também ao menos seis tipos diferentes de metodologias científicas, sendo a mais adotada o estudo de caso, com 31,25% de cobertura, seguida de pesquisa bibliográfica, com 25% artigos. A terceira metodologia mais utilizada foi a documental, com 18,75%. Destaca-se, também, que mais da metade dos artigos encontrados, 56,25%, tratam de Modelagem de Processos (TURRA et al., 2018). Fechando o rol de artigo bibliométricos selecionados, Recker e Mendling (2016) buscam contribuir com a pesquisa em BPM analisando 347 artigos publicados no Congresso Internacional sobre Business Process Managment entre os anos de 2003 a 2014. Por conseguinte, os autores buscam situar o estado da arte da pesquisa no referido congresso de modo que possam fornecer subsídios à comunidade no que se refere às novas oportunidades de pesquisa e emancipação de eventuais limitadores sobre o tema, o que impediria, também, o seu desenvolvimento. Verificou-se que o BPM é frequentemente apresentado por meio do modelo de ciclo de vida de BPM (modelo referenciado a partir de Dumas et al. (2013)), resultando no fato de que 56% dos artigos analisados residem no estágio de descoberta do processo (process discovery stage). Os estágios que possuem menos cobertura são de redesign e monitoring com 6 Recentemente essa classificação foi alterada para A1, A2, A3, A4, B1, B2, B3, B4. (CAPES, 2019) 30 respectivamente 6% e 2%. Os autores concluem que, no que diz respeito ao ciclo de vida do BPM nas fases de redesign e monitoring, a maturidade das pesquisas em BPM no Congresso não é evidente, propiciando oportunidades de pesquisa. Além disso, uma abordagem menos positivista poderia ser incorporada visto que os resultados indicam que os artigos publicados são em sua maioria fruto de estudos estritamente empíricos. 2.1.1 Técnicas de Mapeamento e Modelagem Existem diversas técnicas de notação que podem ser usadas na modelagem de processos, tais como fluxogramas, raias, Event Process Chain (EPC), cadeia de valor, Business Process Model and Notation (BPMN), (MÜCKENBERGER et. al, 2013; GERBER et al., 2013; ALOTAIBI, 2016), Unified Modeling Language (UML) (ERACAR; KOKAR, 2014), Colour Petri Net (MAHDAVI et al. 2009), Business Process Execution Language (BPEL) (VILLASEÑOR HERRERA et al., 2012), Integration Definition for Function Modeling (IDEF) (WATANABE et al., 2011). Alguns trabalhos descrevem como essas técnicas de modelagem são utilizadas e aplicadas. Recker et al. (2009), por exemplo, avaliaram comparativamente as representações de 12 técnicas populares de modelagem de processos, a fim de fornecer insights sobre até que ponto elas diferem umas das outras. Para traçar as potencialidades e diferenças, foram tomados como referência quatro tipos de critérios relacionados às deficiências de representação nas técnicas de modelagem, a saber: limitações de mapeamento; redundâncias; excesso e sobrecarga. Da referida análise, sugere-se que os modelos de representação DFD, IDEF3 e BPMN possuem melhor performance. Contudo, apontam para a dificuldades de falta de definições comuns para as diferentes técnicas. Por sua vez, utilizando-se das ferramentas de mapeamento (SIPOC, Fluxograma, Blueprint, Process-Chain-Network, Mapa do Consumo, SERVPRO e Carta de Atividades), Jorge e Miyake (2016) exploram as suas capacidades na construção de mapas de processos que possam representar as atividades executadas pelos consumidores em processos de serviços. Para coleta dos dados os próprios autores elegeram um processo de serviço considerado mais abrangente do tipo “faça você mesmo” e se submeteram a ele. Diante do mapeamento do processo, à luz das diferentes técnicas, observou-se que cada ferramenta possibilitou representar o processo sob diferentes enfoques e níveis de profundidade. Ademais, sugere-se a seleção da ferramenta com maior capacidade informativa dentre as sete 31 pesquisadas, em vista dos aspectos do processo, levando em consideração suas virtudes e limitações. A aceitação do BPMN tem crescido sob várias perspectivas com sua inclusão nas principais ferramentas de modelagem. Esta notação, em particular, é um tipo de representação padronizada pela BPMI (Business Process Management Iniciative), incorporado pelo Object Management Group (OMG), grupo que estabelece padrões para sistemas de informação, para representação clara ou mapeamento dos processos de trabalho (ABPMP, 2013). A notação BPMN apresenta objetos de fluxos (evento, atividade e gateway), de conexões (de sequência, mensagens e associações) e artefatos (objetos de dados, anotações e grupos). Tais elementos são construídos sob um plano denominado Piscina (onde o processo é diagramado) e Raias (que organiza as atividades em uma piscina por atores, permitindo ilustrar funções e responsabilidade específicas). Na Figura 4 são ilustrados os principais elementos do BPMN. 32 Figura 4 – Elementos básicos do BPMN Fonte: Adaptado de OMG (2014) Diante da literatura, é possível verificar que a padronização dos processos por meio de uma notação é uma das principais fases do BPM. A linguagem BPMN é uma dessas notações que fornece uma orientação na modelagem de processos, propiciando modelos simples, comunicativos e de fácil interoperabilidade, tanto para os profissionais especialistas quanto para os não-especialistas. 2.1.2 BPM e o AHP Na fase de planejamento do ciclo de BPM de Baldam, Valle e Rosenfeld (2014), obser- vam-se dois elementos primordiais com estreita relação com as abordagens de Métodos de Apoio à Decisão Multicritério, a saber, a seleção de processos críticos e a priorização de 33 atividades. Esses dois elementos estão na base do planejamento de BPM não por acaso, uma vez que a complexidade, gama e demanda de processos de negócio existentes nas organizações exigem métodos que auxiliem os(as) gestores(as) em uma melhor tomada de decisão. É nesse sentido que a abordagem multicritério para a tomada de decisão ou Multi-Criteria Decision Making (MCDM) visando a hierarquização e a priorização de processos críticos as- sociados ao BPM vem ganhando importante relevância na comunidade científica (CHO; LEE, 2011; STORCH, 2015; SAMPAIO et al., 2018). Os métodos de apoio à tomada de decisão multicritério se constituem a partir de duas escolas, a estadunidense e a francesa. Dentre os diversos métodos existentes na tradição esta- dunidense, destaca-se o AHP como o mais conhecido e utilizado dado a sua facilidade de apli- cação (BALDAM; VALLE; ROSENFELD, 2014). Segundo Diaby e Goerre (2014), o MCDM pode ser classificado em três grandes grupos, a saber: a seleção, em que o objetivo é selecionar uma das opções de solução (alternativas); a ordenação, que visa criar um ranking das opções de soluções (que é caso a ser aplicado neste trabalho); e a classificação, que classifica as soluções em grupos pré-determinados. Becker (2004) entende que a natureza de problemas de multicritérios soma-se aos pro- cessos de priorização, já que envolvem tradeoffs significativos, o que requer atribuição de pesos para cada critério, tal como é realizado no AHP. Dentre os diversos métodos multicritérios exis- tentes, o AHP é considerado um dos mais estudados e aplicados em contextos de complexidade (Gestão de Processos, Gestão de Riscos, Sistemas de Gestão da Qualidade, entre outros) e sub- jetividade7. De acordo com Shimizu (2006), o AHP foi desenvolvido pelo prof. Thomas Saaty no final da década de 1970 para resolver complexos problemas de decisão multicritério. O Decision Support Systems Glossary (DSS, 2014) define AHP como “uma aproximação para tomada de decisão que envolve estruturação de multicritérios de escolha numa hierarquia. O método avalia a importância relativa desses critérios, compara alternativas para cada critério, e determina um ranking total das alternativas”. O AHP representa uma importante ferramenta para o processo de tomada de decisão, pois possibilita o envolvimento tanto de aspectos quantitativos quanto qualitativos durante seu pro- cesso de modelagem (VAIDYA; KUMAR, 2006). O método permite ainda, realizar as compa- rações entre pares de elementos, em níveis de critérios e alternativas com intuito de definir a importância relativa de um elemento sobre o outro dentro de cada nível (SAATY, 1991). 7 Tal subjetividade deriva do fato de que o AHP se vale de julgamentos de valor tratando-os cientificamente, justificando as escolhas tomadas (SALOMON, 2010; COSTA, 2006). 34 Segundo Gomes et al. (2004) a aplicação do método AHP consiste nas seguintes etapas: (a) definir os objetivos; (b) definir as alternativas; (c) definir os critérios relevantes para o pro- blema; (d) avaliar a importância relativa de cada critério; (e) avaliar as alternativas em relação dos critérios; e (f) determinar a avaliação global de cada alternativa. Em suma, a estruturação hierárquica do AHP é composta por meta/objetivo, critérios e alternativas, conforme é possível observar na Figura 5. Figura 5 – Estrutura Hierárquica do AHP Fonte: Costa (2006) Saaty (2008) estabelece a aplicação do AHP em 4 etapas, a saber: 1. Definição do problema: nesta etapa é definido o objetivo do problema e identifica- dos os critérios e subcritérios a serem avaliados com base no contexto do problema, convicções e crenças do decisor; 2. Estruturação da hierarquia de decisão: nesta etapa é realizada a construção da estru- tura hierárquica obedecendo a uma ordem de prioridade, onde no topo encontra-se o objetivo final do problema de decisão, seguido dos critérios principais desse problema. Abaixo desse nível encontram-se os subcritérios referentes a cada critério, podendo apresentar mais de um nível de subcritérios; 3. Construção das matrizes de decisão: nesta etapa são construídas as matrizes de com- parações par a par a partir dos julgamentos dos especialistas. Para tanto é utilizada uma escala de 1 a 9, denominada Escala Fundamental de Saaty (SAATY, 2001), conforme Quadro 1. 35 4. Sintetização final: nesta etapa as prioridades obtidas nas comparações par a par são utilizadas para ponderar as alternativas e assim obter o resultado final. Quadro 1 – Escala Fundamental de Saaty Fonte: Saaty (1990) De forma mais didática, Salomom (2002) resume a aplicação do AHP da seguinte forma: estruturação do Modelo, realização de julgamentos e síntese dos resultados. No quadro 2 é pos- sível verificar o conjunto de equações que compõe o método AHP: 36 Quadro 2 – Síntese de equações do AHP Fonte: Adaptado de Mendes et. al. (2013) 2.1.3 BPM e a Simulação O Ciclo BPM prevê em uma de suas fases o processo de “implementação de melhorias” (modelo TO-BE) que, nas fases de planejamento, análise e desenho (modelo AS-IS), puderam ser identificadas. Essas melhorias, em geral, seguem duas tendências. Uma que aponta para o conhecido Business Process Reengineering (BPR) identificado como o processo de melhoria que envolve mudanças drásticas (HAMMER; CHAMPY, 1994), e outra, que aponta para o Business Process Improvement (BPI), que lida com a ideia de melhoria contínua nos processos, conceito oriundo das escolas de Gestão da Qualidade Total (HARMON, 2010). Contudo, o que se observa, é que dadas as limitações e restrições do mundo real das or- ganizações, em alguns casos tais implementações de melhorias são precedidas de análises, do ponto de vista financeiro e operacional, para serem efetivadas. Diante desse cenário, o Business Process Simulation ou Simulação dos Processos de Negócios emerge, tradicionalmente, como um poderoso instrumento de apoio capaz de proporcionar análises de cenários What-if dos pro- cessos, ou seja, como um determinado sistema se comportaria, baseado em dados de entradas, eventos discretos e determinadas propriedades, caso as melhorias fossem efetivadas (AGUI- LAR et al., 1999). 37 Em outras palavras, consegue-se, a partir da simulação, estimar quais os impactos das mudanças nas performances dos processos, tendo em vista indicadores específicos. Em muitos casos, tais melhorias estão estreitamente vinculadas aos efeitos nos processos ocasionados pela introdução das TDIC (BROCKE; MENDLING, 2018; BALDAM et al., 2014; DUMAS et al., 2013). A simulação no universo da engenharia é amplamente aplicada (BERTRAND; FRAN- SOO, 2002), estando seu conceito tradicionalmente consolidado como sendo “a construção e representação simplificada das diversas interações entre as partes de um sistema, é uma abstra- ção da realidade, aproximando-se do verdadeiro comportamento do sistema” (CHWIF; ME- DINA, 2010). A simulação computacional consiste na compreensão das características de um sistema por meio de outro similar, com o objetivo de testar diferentes alternativas operacionais a fim de encontrar e propor melhores formas de operação que visem à otimização do sistema como um todo (PRADO, 1999). Alguns trabalhos analisam a simbiose entre o BPM e a simulação, especificamente, no que se refere às chamadas ferramentas tecnológicas de BPM ou BPMS que, como já referenci- ado, são softwares que possibilitam realizar atividades de modelagem, simulação, análise e mo- nitoramentos dos processos de negócio (REIJERS, 2006; RAVESTEYN; BATENBURG, 2010). Pihir et al. (2018) analisam e comparam as características e limitações das ferramentas de simulação presentes nas aplicações de BPMS (Software AG ARIS, IBM WebSphere, Business Modeler, Bizagi Process Modeler e iGrafx Process) que se valem da notação BPMN, em espe- cial, no que diz respeito às dinâmicas relacionadas às atividades que demandam processamento em lote. Os resultados decorrentes das comparações revelam o crescimento e desenvolvimento de ferramentas de simulação embarcadas em BPMS. No entanto, existem significantes limitações, sobretudo, quando se trata de atividades de processamento em lote com complexas proprieda- des. De forma similar, Pereira; Freitas (2019) amadurecem seus trabalhos desenvolvidos an- teriormente buscando identificar, nas aplicações de BPMS que englobam a notação BPMN, as limitações e capacidades de simulação. Entre as aplicações comparadas, observou-se que o sof- tware Bizagi Modeler, enquanto ferramenta gratuita, abrange um amplo leque de propriedades necessárias à simulação, tais como: distribuição probabilística; definição de custos, definição de recursos com suas capacidades e programações; tempos de espera e processamento, entre outros controles. 38 Os autores, ainda, sistematizaram as comparações das capacidades de simulação das fer- ramentas em uma plataforma online, considerando o cadastro de BPMS e as respectivas propri- edades de simulação, contribuindo, assim, com a comunidade de usuários de BPMS que buscam selecionar a ferramenta mais adequada de acordo com suas necessidades. Alguns trabalhos ex- ploram o uso concomitante da modelagem e simulação em projetos de BPM, conforme é pos- sível observar no Quadro 3. Quadro 3 - Artigos que exploram o uso da modelagem e simulação em projetos BPM Autores Objetivos Resultados Aushay; Gar- cía (2017) Modelar, simular e automati- zar, à luz do BPM, o processo de Práticas Pré-Profissionais (PPP) existente em um setor universitário. As ferramentas de BPMS permitiram modelar, si- mular e automatizar o processo de PPP, melho- rando substancialmente o cumprimento dos objeti- vos institucionais relacionados à gestão universitá- ria. Bisogno et al. (2016) Apresentar um método para análise e melhoria da perfor- mance de processos de negó- cios da área da saúde, em parti- cular, em um departamento or- topédico de emergência de um hospital público do norte da Itá- lia. Combinando abordagens de modelagem (BPMN 2.0) e simulação (BPSim 1.0), por meio de análise de cenários (To-be) de simulação What-if, os indi- cadores chave de desempenho foram medidos, per- mitindo identificar os processos críticos, bem como as melhores ações de correções a serem opor- tunamente implementadas, subsidiando, assim, o processo de tomada de decisão. Vukšić et al. (2017) Realizar, nas áreas de Pesquisa Operacional, Ciência da Com- putação e Administração, uma Revisão Sistemática da Litera- tura (RSL) em trabalhos que exploram o uso de Simulação de Eventos Discretos (SED) em projetos de BPM. A partir da análise de 54 artigos selecionados na WoS e Scopus, foi possível fornecer uma visão glo- bal de trabalhos desenvolvidos entre 1994 e 2015 que exploram o uso da SED em projetos de BPM, revelando uma tendência de crescimento de artigos publicados, sobretudo, nas áreas de indústria, transporte e armazenagem. Apenas dois artigos se referenciavam à administração pública, evidenci- ando um gap de pesquisa a ser trabalhado. Em ge- ral, com a RSL, foi possível contribuir com a co- munidade acadêmica e de usuários. Kuchař; Vondrák (2016) Fornecer um método para espe- cificar as competências de re- cursos humanos em modelos de simulação em BPM quando da alocação automática desses re- cursos às atividades, levando em consideração a produtivi- dade e capacidade de cada tra- balhador. O modelo proposto permitiu. no processo de simu- lação em BPM, construir uma alocação automática de recursos humanos às atividades, tendo em vista a especificação do conjunto de competências de cada trabalhador a partir de sua capacidade e pro- dutividade. Fonte: Elaborado pelo autor De maneira geral, é possível observar, à luz dos artigos expostos, que o uso da simulação para analisar cenários com vistas à identificação de gargalos e, consequentemente, à melhoraria 39 da performance dos processos é amplamente utilizada, embora, algumas ferramentas de BPMS com notação BPMN necessitem evoluir em suas especificações quando comparadas às tradici- onais ferramentas de simulação. Nesse sentido, as vantagens das ferramentas de simulação as- sociadas ao BPM subsidiam as instituições e seus gestores nas tomadas de decisões, especial- mente, quando essas decisões são tomadas em ambientes de natureza incerta e de constantes mudanças, características próprias de sistemas complexos. 2.1.4 BPM e o Setor Público Algumas características do setor público, por sua própria natureza no atendimento aos atos normativos que o rege, podem ser vistas como fomentadoras para aplicação do BPM. Baldam, Valle e Rosenfeld (2014) sugerem algumas, a saber: ▪ Implantação do e-Gov: Programas de Governo Eletrônico que visam a utilização das TDIC (BPM podem ser um grande facilitador na construção dos sistemas de apoio ao e-GOV); ▪ Necessidade de simplificação no atendimento ao cidadão, vide o atual Decreto nº 9.094/2017, que dispõe sobre a simplificação do atendimento prestado aos usuários dos serviços públicos, ratifica a dispensa do reconhecimento de firma e da autenticação em documentos produzidos no País e institui a Carta de Serviços ao Usuário; ▪ Obrigatoriedade de garantir ao cidadão o acesso à informação, vide a Lei de Acesso à Informação (LAI) nº 12.527/2011, que dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; ▪ Responsabilidade fiscal e restrição de gastos com pessoal: o BPM pode ser muito útil no apoio à implantação de procedimentos que impliquem maior eficiência, accountability e compliance na produção dos diversos serviços exigidos; ▪ Aumento de produtividade imposta pela sociedade: Princípios de eficiência e eficácia cada vez mais exigidos pela sociedade, previstos, inclusive, na Carta Magna Brasileira (artigo 37 da CF (Constituição Federal) de 1988); ▪ Apoio estatal nas ações que envolvem a gestão de processos: Programas e escolas do governo que apoiam a Gestão de Processos à luz do e-GOV; http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art5xxxiii http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art37%A73ii http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art37%A73ii http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art216%A72 40 Além dessas características elencadas acima, destaca-se a recente LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), Lei nº 13.709/2018 que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Frente ao processo de Transformação Digital vivenciado em Indústrias 4.0, Serviços 4.0, Cidades 4.0, Transportes 4.0 que alavancam iniciativas de BPM associadas às TDIC, cabe observar algumas diferenças, a partir de fatores fundamentais, existentes entre o setor privado e público, conforme apresentado no Quadro 4. Quadro 4 – Diferenças de abordagens entre setor privado e público Critérios / Setor Setor Privado Setor Público Propósitos da organização Atender as necessidades do mercado visando lucros e vantagem competitiva Atender com eficiência e eficácia (melhoria contínua na utilização dos recursos públicos) as necessidades da população. Tipo de controle Resultado com foco na gestão dos custos Resultado com foco na satisfação dos cidadãos Indicadores de desempenho Maior número de indicadores em virtude da pressão de mercado Indicadores restritos à gestão dos custos, à accountability (Transparência e prestação de contas) e ao compliance (Gestão de Riscos) Formas de medir eficácia e eficiência Sem muitas diferenças significativas Em geral relacionado à prestação de serviços cuja medição é mais complexa Características do serviço prestado Dependente do segmento de mercado Devem ser norteados pelos critérios de continuidade, regularidade, uniformidade, generalidade, obrigatoriedade e regulação. Estrutura organizacional Maior flexibilidade de alteração Menor flexibilidade de alteração Acesso aos processos pelos clientes Restrito, podendo gerar vantagem competitiva Transparente, podendo fomentar melhores práticas de gestão Pressão do mercado Alta Relativa, a depender do ramo de atuação Aquisição de ferramentas e serviços que permitem melhorar o desempenho Ágil e flexível Lento e burocrático em decorrência da necessidade de observação do rito disciplinado em leis e normas. Controle burocrático Nível médio, podendo ser mais flexível Nível alto e redundante, perpassa toda a organização Fonte: Elaborado e adaptado pelo autor a partir de Baldam et. al. (2014) 41 Na literatura nacional e internacional é também possível verificar práticas confluentes entre BPM e o setor público, ainda que essas práticas, comparadas ao setor privado, careçam de mais pesquisas e aplicações no sentido de generalizar seus benefícios. Palkovits e Wimme (2003) descrevem a necessidade de compreender o BPM e suas ferramentas a fim de implementá-lo no setor público. Com esse objetivo, os autores trabalham de forma holística buscando introduzir a modelagem de processos de negócios em serviços públicos, comumente denominados como e-Gov. Como pano de fundo, afirmam que a provisão de serviços da administração pública via transações online requer contínua reestruturação dos processos que possam estar fundamentados à luz da discussão de tópicos prementes tais como: segurança dos dados; assinatura digital; pagamentos online e etc. Costa et al. (2016), por meio de estudo de caso em um setor de manutenção de uma Instituição de Ensino Superior (IES), aplicam, à luz da teoria do ciclo de vida do BPM de Baldam et al. (2011), ferramentas BPM e BPMS. Ficou demonstrado que o mapeamento do processo permitiu analisar e definir com clareza o fluxo do processo, revelando a sua realidade e os seus pontos de melhoria, além de torná-lo visível a todos os envolvidos. Ademais, as práticas do BPM aplicadas ao processo de manutenção reduziram a burocracia e tornaram o processo ágil, padronizado e adaptável a possíveis mudanças. Manfreda et al. (2015) apresenta um estudo de caso sobre o projeto de implantação do BPM no Ministério do Trabalho, Família, Direitos Sociais e igualdade de oportunidades da Eslovênia. Esse ambiente de trabalho é caracterizado por processos que envolvem alta complexidade de tarefas e alta intensidade de conhecimento no que diz respeito à produção de processos, tal como, por exemplo, o processo de elaboração de políticas públicas. O estudo permitiu inferir que a gestão adequada de projetos, a comunicação, o papel ativo da alta gerência e o envolvimento de consultores externos no desenvolvimento de projetos de BPM são muito importantes. Para as soluções de Tecnologias da Informação (TI) propostas, no entanto, não puderam ser implementadas em virtude do alto custo, além da dependência existente entre outros ministérios. O processo modelado forneceu aos empregados uma melhor visão e entendimento dos processos. Todavia, segundo os autores, a pesquisa se defrontou com limitações de estudo dado a sua natureza metodológica de estudo de caso, carecendo, portanto, de mais pesquisas sobre o assunto, em particular, no que concerne aos fatores chaves que permitem aos empregados manterem a motivação nas fases de implantação do projeto e após a sua finalização. Em estudo de caso similar ao citado acima realizado no Ministério da Educação, Ciência e Esporte da Eslovênia, Stemberger et al. (2007) propõem um método sustentável que visa 42 nortear a aplicação (atividades, técnicas e ferramentas são propostas) de mudanças nos processos de negócios do setor público objetivando melhorar o nível de maturidade em BPM. Os resultados indicam que, em geral, os projetos que buscam mudanças nos processos de negócios do setor público possuem características similares com os projetos da iniciativa privada. Entretanto, afirmam que é necessário customizar os projetos às características intrínsecas do setor público (que, por sua vez, não são suscetíveis de mudanças radicais em virtude de sua estrutura burocrática e razões políticas, observa-se que Baldam et al. (2014) já mencionavam os mesmos motivos), considerando: os desafios do e-Gov; a falta de alinhamento entre os objetivos organizações e os projetos de TI, conflitos internos, interesses individuais e resistência às mudanças. Ademais, os resultados são de grande relevância para a área de TI visto que as propostas de mudanças apontaram ações que deverão ser desencadeadas por esta área, a saber, unificação dos bancos de dados e aplicações, melhoria dos sistemas e introdução de assinaturas digitais. Niehaves et al. (2013) avaliam as capacidades do BPM em governos alemães locais discutindo os modelos normativos e de maturidade. Com uma abordagem mutimétodo foram avaliados os resultados quantitativos de uma survey e qualitativos de um estudo de caso. As capacidades foram analisadas em seis áreas distintas, a saber: alinhamento estratégico, governança, métodos, TI, pessoas e cultura. Dos resultados obtidos destacam-se: a maioria das organizações se vê bem posicionada em relação à TI; apenas cerca de um terço dos municípios veem o BPM como um componente chave para melhorias administrativas (alinhamento estratégico) e um em cada quatro municípios treina os funcionários em relação ao BPM (pessoas) ou possui uma boa cultura de BPM. Como as organizações deveriam se reorganizar a fim de implementar o BPM? Como os sistemas corporativos existentes ou novos estão alinhados com as metodologias de BPM? Estas são algumas das questões enfrentadas por Gulledge e Sommer (2002) no artigo de revisão de literatura que busca discutir os benefícios oriundos do BPM no setor público, bem como as duas razões centrais pelas quais as organizações públicas têm sido incentivadas a implementá-lo. De maneira geral, os autores concordam que as organizações públicas terão que mudar suas estruturas organizacionais, bem como seus sistemas corporativos, a fim de implementar com sucesso os conceitos decorrentes do BPM. García-González (2016) discute a necessidade de implementação do BPM na administração pública espanhola que subsidie a criação de um sistema integrado de informações. Para tanto, argumenta que é imprescindível uma política de gestão de informações que esteja integrada com uma política de gestão de documentos eletrônicos. Reconhece, todavia, que tais 43 questões se relacionam com a estrutura funcional das instituições. Posto isso, entende que se deve investir em um enfoque de gestão baseado em processos com vistas a criação de um quadro de classificação funcional que esteja balizado na análise dos documentos gerados no ambiente organizacional. Sabe-se que a institucionalização do BPM é um fator importante que não deve ficar apenas no discurso, em um nível estratégico. No setor público, como conduzir a estratégia para os resultados? Hernaus et al. (2016) examinam como o BPM é incorporado na estrutura organizacional. Uma survey tendo como temática as práticas de adoção do BPM foi conduzida com mais de 50 empregados de organizações públicas e privadas. Os resultados indicam que as tomadas de decisões estratégicas podem promover a excelência operacional das iniciativas de BPM. Além disso, identificou-se que unidades organizacionais especializadas em BPM (escritórios de processos, centros de excelência, grupos, departamentos e etc.) foram reconhecidas como um importante fator de sucesso, bem como o apoio estratégico pela alta gestão e suas decisões estruturais. Em suma, os resultados oferecem uma espécie de benchmarking das atuais práticas e inciativas de BPM, embora, aleguem, também, a necessidade de mais pesquisas que possam corroborar e ampliar o objeto de estudo relacionado à governança em BPM. O estudo de caso referente ao desenvolvimento do BPM em uma agência federal do governo australiano realizado por Bandara et al. (2018) parece corroborar com os resultados obtidos por Hernaus et al. (2016) citados anteriormente. Bandara et al. (2018) descrevem os estágios iniciais, os desafios e as ações realizadas etapa por etapa na tentativa de criação de uma cultura que esteja centrada em processos. Percebe-se no estudo supracitado que à medida que há um amadurecimento da cultura centrada em processos, os esforços de gerenciamento tendem a ser direcionados estrategicamente permitindo a emergência de Centros de Excelência de BPM como entidades institucionais fundamentais de apoio. Os autores destacam também a necessidade, conforme tradicionalmente preconizadas por Brocke e Rosemann (2010), de se avaliar o nível de maturidade do BPM na organização, a definição dos donos de processos, bem como a definição de indicadores de desempenho. Tais esforços implicam na construção de um repositório de processos que esteja atualizado e facilmente disponíveis de modo que a alta gestão melhore a tomada de decisão, fornecendo, também, aos departamentos, a capacidade de compreender os impactos das mudanças nos processos. Como analisado, os indicadores de desempenho são elementos importantes para a fase de análise e monitoramento de processos. Concomitantemente, é possível se valer de ensaios de 44 simulação que possa proporcionar cenários representativos da realidade. Pecek e Kovacic (2011) utilizam métodos e técnicas de BPM no setor público e simulam cenários distintos em uma casa de repouso para idosos com o objetivo de fundamentar o processo de planejamento. Os resultados indicam que com a simulação é possível prever os efeitos da renovação e a duração dos processos e gargalos e, assim, evitar más decisões. Foram propostos dois modelos (um estado atual e outro futuro) a fim de avaliar os dias perdidos em que uma cama permanecia desocupada. No modelo futuro foi proposto no processo a existência de uma lista de espera o que permitiu verificar uma redução de 55% do tempo de reocupação. Waal e Batenburg (2014) realizaram uma survey com 143 usuários de sistemas e entrevistaram 49 funcionários de uma grande organização pública holandesa que implementaram um novo e integrado BPMS. Foi aplicado a teoria de Markus e Mao (2004) no que se refere ao engajamento, participação direta e intensiva dos usuários nas práticas de implementação dos sistemas de BPM. Os resultados quantitativos e qualitativos mostraram que uma rica e intensa participação do usuário mantém uma relação positiva com o desenvolvimento de BPMS em contraste com as situações em que há atividades participativas que apenas auxiliam no desenvolvimento e implementação. No desenvolvimento e implementação de um BPMS, os autores observaram que uma grande parte dos usuários teve uma atitude negativa em relação ao sistema, resultando em uma baixa aceitação. Isso implica que é necessário coordenar e organizar a participação do usuário de uma maneira mais efetiva e engajada, considerando que sua participação foi considerada um fator crítico de sucesso. Entretanto, ficou reconhecido que a pesquisa é limitada a apenas um estudo de caso e que mais estudos devem ser realizados de modo a permitir generalizar os resultados. As concepções de Mückenberger et al. (2013) confluem com as de Waal e Batenburg (2014), pois consideram que um dos fatores centrais para a aplicação do BPM, que ocorre de fato e com sucesso, é o envolvimento das pessoas. Com efeito, foi revelado, a partir da pesquisa- ação, que o envolvimento das pessoas ocorreu desde o início, uma vez que foi solicitado pelos próprios atores participantes do processo. Em síntese, os autores contribuem para a pesquisa em BPM no setor público por meio de sua avaliação e aplicação em um contexto de internacionalização de uma IES pública brasileira, restringindo a análise ao processo de realização de convênios bilaterais internacionais da escola de negócios de um dos campi da instituição. Tal análise implicou na modelagem AS-IS e TO-BE (as seguintes alterações no modelo foram: a eliminação da aprovação pelos departamentos da Escola de Negócios; a automatização 45 da aprovação por parte da Assessoria Jurídica da Instituição de Ensino Superior (IES) e a eliminação da aprovação pela Comissão de Orçamento e Patrimônio), evidenciando as melhorias e os indicadores de desempenho. Observaram, também, que a existência de questões burocráticas da IES interferem na agilidade do processo de realização de convênios e limitam a imediata aplicação das propostas de melhoria sugeridas. Alotaibi (2016) realiza uma revisão da literatura entre os anos de 2000 a 2012 nas bases de dados Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE) e da ACM Digital Library (revelando as principais revistas dedicadas ao assunto), destacando, dentre os vários existentes, três desafios, a saber: dificuldade no alinhamento entre os objetivos da organização e os objetivos de TI; questões que envolvem a segurança da informação e as dificuldades de gestão dos requisitos dos clientes frente às mudanças constantes no ambiente organizacional interno e externo. De maneira geral, ao situar o estado da arte em BPM, identificou-se que a modelagem de processos de negócios não é uma atividade trivial e, portanto, demanda mais pesquisas que busquem responder e dar vasão aos principais desafios ora elencados. A pesquisa também põe em relevo algumas técnicas de modelagem tais como UML, BPMN, Colour Petri Net, BPEL, Integration Definition for Function Modeling (IDEF). Ademais, o estudo reforça a necessidade de garantir um melhor alinhamento entre os objetivos dos negócios e a equipe de TI, propondo mais pesquisas sobre o assunto em virtude da limitação da literatura. Percebe-se, atualmente, que há uma evolução na integração de temas entre a Gestão de Processos, as TDIC e o Setor Público na literatura. Tal aproximação se faz presente também no seio de estratégias de governos, de Leis promulgadas, bem como em iniciativas legislativas que tem como objetivo utilizar práticas gerenciais apoiadas em tecnologias com vistas ao desenvolvimento sustentável administrativo, financeiro e orçamentário. A seguir são apresentadas algumas dessas estratégias, leis e iniciativas. 2.1.4.1 BPM, TDIC e o arcabouço legal brasileiro O Decreto nº 8.539/2015 dispõe sobre o uso do meio eletrônico para a realização do processo administrativo no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Por sua vez, o Decreto nº 8.638/2016 institui a Política de Governança Digital no âmbito dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Em seu inciso I do art. 1º, uma de suas finalidades é “gerar benefícios para a sociedade mediante o uso da informação e dos recursos de tecnologia da informação e comunicação na prestação de serviços públicos”. 46 De modo a confluir tecnologia e simplificação dos serviços públicos, o Decreto nº 9.094/2017, que dispõe sobre a simplificação do atendimento prestado aos usuários dos serviços públicos, ratifica a dispensa do reconhecimento de firma e da autenticação em documentos produzidos no País, bem como institui a Carta de Serviços ao Usuário, estabelece em seu inciso IV do art. 1º que deverão ser observadas, na relação entre os órgãos da administração pública e os usuários dos serviços públicos, a “aplicação de soluções tecnológicas que visem a simplificar processos e procedimentos de atendimento aos usuários dos serviços públicos e a propiciar melhores condições para o compartilhamento das informações”. Como instrumento estratégico para o país, o Decreto nº 9.319/2018 institui o Sistema Nacional para a Transformação Digital e estabelece a estrutura de governança para a implantação da Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital). O §1º do art.1º do referido Decreto fomenta o envidamento de esforços com vistas à: [..] harmonização das iniciativas do Poder Executivo federal ligadas ao ambiente digital, com o objetivo de aproveitar o potencial das tecnologias digitais para promover o desenvolvimento econômico e social sustentável e inclusivo, com inovação, aumento de competitividade, de produtividade e dos níveis de emprego e renda no País. Como elemento fundamental para viabilizar as chamadas Indústrias 4.0, Serviços 4.0, Cidades 4.0, Transportes 4.0, o Decreto nº 9.854/2019 institui o Plano Nacional de Internet das Coisas (IoT) e dispõe sobre a Câmara de Gestão e Acompanhamento do Desenvolvimento de Sistemas de Comunicação Máquina a Máquina e Internet das Coisas. Em seu inciso I do art. 2º a IoT é definida como “a infraestrutura que integra a prestação de serviços de valor adicionado com capacidades de conexão física ou virtual de coisas/objetos com dispositivos baseados em tecnologias da informação e comunicação existentes e nas suas evoluções, com interoperabilidade Em paralelo ao avanço do arcabouço legal relacionado à Transformação Digital, emergem também preocupações com a segurança cibernética no sentido de garantir aos cidadãos e instituições públicas e privadas proteção e segurança no universo digital. O Decreto Federal nº 10.222/2020, por exemplo, vem preencher uma crítica lacuna ao aprovar a Estratégia Nacional de Segurança Cibernética. 47 Em tramitação na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 3.443/2019 buscar dispor sobre a Prestação Digital dos Serviços Públicos na Administração Pública em geral (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) - Governo Digital, destaca-se que uma de suas propostas é “desburocratizar, modernizar, fortalecer e simplificar a relação do Poder Público com a sociedade, mediante serviços à distância, sempre acessíveis mediante plataforma de telefonia móvel, inclusive de telemedicina, mais acessíveis à população e mais eficazes”. Finalmente, ressalta-se, com o intuito de disciplinar e ampliar os dispositivos legais existentes que versam sobre assinaturas eletrônicas, a publicação da Lei nº 14.063/2020 que dispõe sobre o uso de assinaturas eletrônicas em interações com entes públicos, em atos de pessoas jurídicas e em questões de saúde, com o objetivo de proteger as informações pessoais e sensíveis dos cidadãos, bem como atribuir eficiência e segurança aos serviços públicos prestados, sobretudo, em ambiente eletrônico. 2.1.4.2 O aspecto multidisciplinar do BPM Diante dos artigos expostos até o momento, percebe-se uma abordagem multidisciplinar do BPM, destacando-se as seguintes áreas: Administração; Administração Pública, Engenharia de Produção; Ciência da Computação; Sistemas de Informação e Ciência da Informação. As novas tecnologias digitais ampliam ainda mais esse horizonte, fomentando os pesquisadores a realizarem mais pesquisas sobre o assunto. Mendling et al. (2018, p.304, grifo nosso), por exemplo, evidenciam esta multidisciplinaridade ao sumarizar, em 7 pontos, as discussões sobre o impacto e desafios que as novas tecnologias digitais exercem sobre a sociedade: All these seven aspects require the research efforts of interdisciplinary teams. Insights from computer science, psychology, business administration, economics, engineering, political sciences, law, and other studies have to be integrated to investigate them in an adequate way. Also, curricula will have to evolve beyond the narrow boundaries of specialized fields in order to develop a broader perspective on these developments. Business processes will continue to be relevant research subjects in understanding the impact of new information technology on the profitability of existing business models and the emergence of new ones. We call for the BPM research community to reach out to these neighboring disciplines to study the impact of emerging technologies such as RPA and blockchains and directions for further improving them. Outro estudo multidisciplinar é o de Sundberg (2013) que investiga a situação atual, os desafios, os problemas e tópicos ao implementar descrições arquivísticas baseadas em processos. Foram realizados estudos de casos com abordagens quantitativas e qualitativas em organizações públicas suecas por meio de 500 questionários web acompanhados de 32 48 entrevistas semiestruturadas. Antes, porém, ressalta a importância da descrição de arquivos baseado em processos. Das respostas obtidas verificou-se uma baixa adesão a esse tipo de gerenciamento, inclusive, ao esquema sugerido pelo Arquivo Nacional. Saindo de uma perspectiva europeia, Mathew et al. (2015) apresentam o problema indiano de fechamento de empresas públicas. Foram discutidos a necessidade de utilização de ferramentas de gestão tal como o BPM e o BPR de modo a mitigar esse problema. Diante desse escopo, foram identificados 12 fatores que podem contribuir drasticamente com melhorias de performance no setor público, a saber, custo, qualidade, tempo, entrega, flexibilidade, crescimento, serviço, colaboração, tecnologia da informação, política e obsolescência. 2.2 TECNOLOGIAS DIGITAIS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO: CERTIFICADO DIGITAL E ASSINATURA DIGITAL Antes de introduzir o conceito de certificação digital, cabe realizar um breve esforço lógico para entender como os conceitos de criptografia simétrica e assimétrica se desenvolvem. De acordo com Braga (2008), criptografar é o processo de transformação de dados ou informação para uma forma ininteligível, usando um algoritmo criptográfico e uma chave criptográfica. Desse modo, não há como recuperar os dados sem usar o processo inverso de decifração. O procedimento inverso, isto é, a decifração, nada mais é do que o processo que transforma dados previamente cifrados e ininteligíveis de volta à sua forma legível. A criptografia de chave simétrica consiste em usar uma mesma chave, secreta, para codificar e decodificar informações. Por este método é possível obter confidencialidade, autenticação e integridade de dados. No caso da criptografia assimétrica ou de chave pública, além de prevenir lacunas de segurança existentes na simétrica, é a partir dela que é possível se criar uma infraestrutura de certificação digital, pois esse método utiliza um par de chaves diferentes, ao invés de apenas uma chave secreta para decifração. A primeira, denominada de chave privada, sempre mantida em segredo por seu detentor e não é transferida a ninguém; enquanto a chave pública, por sua vez, encontra-se acessível, podendo ser livremente compartilhada com qualquer um (BRAGA, 2008). Desta forma, a criptografia de chave pública dá significado aos certificados digitais, pois estes contêm a chave pública da entidade identificada no certificado, correlacionando-a a um indivíduo em particular. No Brasil, o principal responsável pela distribuição de Chaves Públicas é o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), autarquia federal criada por meio da 49 Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) (ITI, 2019). A ICP-Brasil é uma cadeia hierárquica e de confiança que viabiliza a emissão de certificados digitais para identificação virtual do cidadão. Observa-se que o modelo adotado pelo Brasil foi o de certificação com raíz única, sendo que o ITI, além de desempenhar o papel de Autoridade Certificadora Raiz (AC-Raiz), também tem o papel de credenciar e descredenciar os demais participantes da cadeia, supervisionar e fazer auditoria dos processos (ITI, 2019). Segundo Thomaz (2015, p. 9): Na prática, o certificado digital da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP- Brasil) funciona como uma identidade virtual que permite a identificação segura e inequívoca do autor de uma mensagem ou transação feita em meios eletrônicos, como a web. Esse documento eletrônico é gerado e assinado por uma terceira parte confiável, ou seja, uma Autoridade Certificadora (AC) que, seguindo regras estabelecidas pelo Comitê Gestor da ICP-Brasil, associa uma entidade (pessoa, processo, servidor) a um par de chaves criptográficas. Desse modo, a certificação digital pode, portanto, ser aplicada em diversos processos tais como: identificação de sites; publicação de diário oficial; e-mail; assinatura de contratos e processos digitais; comércio eletrônico; e-CPF dentre outros. Ferneda et al. (2011) discutem como a Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), em especial, a certificação digital, pôde contribuir para o avanço do Governo Eletrônico no Brasil. O estudo aponta para o domínio da informação em formato digital, fator característico da chamada Era da Informação e da Revolução Tecnológica Digital. O avanço da informação em formato eletrônico traz consigo inúmeros desafios do ponto de vista da sua integridade, preservação e segurança. A partir desse diagnóstico, buscou-se mostrar os benefícios da certificação digital como instrumento para o desenvolvimento da administração pública brasileira e do e-Gov. Para tanto, desenvolveu-se e aplicou-se uma pesquisa semiestruturada, de natureza qualitativa, com 10 stakeholders (profissionais envolvidos com o governo eletrônico brasileiro e com o processo de certificação digital) a fim de verificar os prós e contras da adoção da certificação digital, a relação entre a certificação digital e o e-Gov, bem como as perspectivas e propostas de ampliação do uso da certificação digital. Depreendeu-se do referido estudo que a certificação digital relaciona-se diretamente com os aspectos atinentes à Segurança da Informação. Nesse sentido, verificou-se que a certificação digital, de maneira geral, tende a suprir o déficit de falta de segurança no meio digital, 50 garantindo a autenticidade, a integridade e a validade jurídica da informação, sendo, portanto, indispensável para o desenvolvimento do Governo Eletrônico no Brasil e do aprimoramento dos processos internos da administração pública, à medida em que amplia também a eficiência nos serviços prestados à sociedade. Em estudo similar, Braga (2017) analisa no cenário brasileiro a existência de diversas aplicações, desencadeadas pelo fomento ao uso da certificação digital, desenvolvidas no setor privado e público, sobretudo, no que diz respeito àquelas concebidas no interior do e-Gov. Além disso, apresenta, revisando a literatura, uma série de conceitos relacionados à criptografia simétrica e assimétrica (base técnica teórica do modelo de certificação digital implantado no Brasil, a saber, a Public Key Infrastructure (PKI)), descrevendo os aspectos específicos da certificação digital e da assinatura digital. Discute, ainda, o modelo organizacional e as peculiaridades legais da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), instituída legalmente em 2001. Verificou-se, desse estudo, que há um grande potencial de uso da certificação digital, permitindo desenvolver, em um ambiente marcado pela instabilidade e insegurança, soluções seguras para desenvolvimento do e-Gov e do e-commerce que possam, dentre outras coisas, garantir a autenticidade, a integridade e a confidencialidade dos dados, bem como a sua validade jurídica. Braga (2017), ao final do estudo, evidencia, ainda, que existem perspectivas favoráveis para utilização da certifica