UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES MESTRADO EM ARTES Danilo Crispim de Alencar Visualização de dados no contexto da arte São Paulo 2021 2 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES MESTRADO EM ARTES Danilo Crispim de Alencar Visualização de dados no contexto da arte Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação IA/UNESP da Universidade Estadual Paulista “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”, área de concentração em Artes Visuais e linha de pesquisa em Processos e Procedimentos Artísticos sob orientação da Profa. Dra. Rosangela da Silva Leote São Paulo 2021 3 Ficha catalográfica desenvolvida pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da Unesp. Dados fornecidos pelo autor. A368v Alencar, Danilo Crispim de, 1994- Visualização de dados no contexto da arte / Danilo Crispim de Alencar. - São Paulo, 2022. 88 p. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosangela da Silva Leote Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes 1. Arte e tecnologia. 2. Banco de dados. 3. Mineração de dados (Computação). 4. Visualização da informação. I. Leote, Rosangella (Rosangela da Silva Leote). II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título. CDD 700.456 Bibliotecária responsável: Laura M. de Andrade - CRB/8 8666 4 Banca Examinadora: __________________________________ Prof.ª Dra. Rosângela da Silva Leote Orientadora UNESP – Instituto de Artes __________________________________ Prof.ª Dr Nicolau Centola FPAC - Faculdade Paulista de Comunicação __________________________________ Prof.ª Dra Suzete Venturelli UAM – PPG Design 5 AGRADECIMENTOS Para a UNESP pela e ao PPG Artes, incluindo todos os docentes que participaram da minha trajetória. Aos companheiros grupo de pesquisa cAt, que mesmo apesar do meu distanciamento devido ao trabalho sempre quando estive junto me estimularam a pensar mais artisticamente Aos meus orientadores Milton Sogabe e Rosangela Leote, que sempre me deram forças para seguir em frente, mesmo quando por vezes eu não encontrava os caminhos, e pelo direcionamento da pesquisa. A minha família, em especial os meus pais, pelo apoio em qualquer situação e o carinho de todos. A minha parceira Ursula Neumann, por me ajudar a enfrentar todas as dificuldades e a vivenciar comigo os momentos bons e ruins. Aos meus amigos, que estarão sempre comigo. 6 RESUMO Este trabalho se insere no contexto de interseção entre os campos da arte e tecnologia, e permeia questões poéticas e tecnológicas que envolvem trabalhos artísticos que utilizam fluxos de visualização de dados como processo criativo. Estuda-se como alguns artistas exploram as possibilidades de captura de dados e a utilização destes em contextos poéticos, em obras de arte, sobretudo utilizando tecnologias computacionais. Por meio da metodologia de pesquisa qualitativa, através de revisão bibliográfica, e comentários de obras apresentadas, serão desenvolvidos os aspectos teóricos e técnicos sobre o conceito de dados, banco de dados, visualização de dados, sistemas informacionais, arte generativa e como esses conceitos são explorados, relacionando-os e levando-os para uma perspectiva de exploração artística dentro de uma nova tipologia de trabalho artístico que a pesquisa entende como “arte de visualização de dados”. A pesquisa também, localiza historicamente a evolução dos processos de visualização de dados na arte, mostrando suas poéticas e diálogos com os temas de seus contextos históricos. Palavras-chaves: arte e tecnologia; arte de visualização de dados; visualização de dados; estética de banco de dados; arte generativa; arte de dados 7 ABSTRACT This research is inserted in the context of intersection between the fields of art and technology, and permeates poetics and technologicals issues that involve artistic works that use data visualization flows as a process. This research also explores how artists work with the possibilities of data capture and the using of these in poetic contexts in artworks, especially using computational technologies. Through the qualitative research methodology, bibliographic review, and study of artworks, theoretical and technical aspects about the concept of data, database, data visualization, information systems, generative art and how these concepts are explored was developed relating them and taking them to a perspective of artistic exploration within a new typology of artistic work that the research understands as “data visualization art". The research historically locates the evolution of data visualization processes in art, showing its poetics and dialogues with themes from its historical contexts. Keywords: art technology; data visualization art; data visualization; database aesthetics; generative art; data art 8 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Novos Casos diários de COVID-19 no Brasil (17.03) ................................ 15 Figura 2 – Etimologia da palavra dado......................................................................... 19 Figura 3 – Evolução da População do Munícipio de São Paulo................................... 21 Figura 4 – Exemplo de um Banco de Dados Relacional.............................................. 23 Figura 5 – Esquema de funcionamento de cookies na internet................................... 26 Figura 6 – Metade esquerda do Mapa de Turim.......................................................... 28 Figura 7 – Metade direita do Mapa de Turim............................................................... 28 Figura 8 – Categorias e momentos históricos para a visualização de dados na história.......................................................................................................................... 29 Figura 9 – Gráfico de dados econômicos por William Playfair..................................... 31 Figura 10 – Mapa temático com dados sobre crime contra pessoas na França de André Michel Guerry..................................................................................................... 31 Figura 11 – Pintura de Johannes Vermeer: Oficial e Moça Sorridente........................ 32 Figura 12 – Mapa da Holanda ao fundo da pintura de Oficial e Moça Sorridente........ 32 Figura 13 – Cartografia de Leonardo da Vinci: Mapa da cidade de Imola, na Itália......36 Figura 14 – Le Monde au Temps des Surrealistes, de Paul Éluard............................. 38 Figura 15 – Gráfico de densidade produtiva de modelos de visualização de dados... 39 Figura 16 – What if machines can see music…? 2”, de Sey Min................................. 40 Figura 17 – Exemplo de mapa em tempo real em mutação......................................... 44 Figura 18 – Palabas, de Sharon Daniel........................................................................ 47 Figura 19 – Connected World....................................................................................... 49 Figura 20 – Rhapsody in Grey...................................................................................... 51 Figura 21 – Explicação de uso dos parâmetro físicos em Rhapsody in Grey...............52 Figura 22 – Instalação The File Room......................................................................... 55 9 Figura 23 – Instalação The File Room......................................................................... 56 Figura 24 – Modelo criado através do Software Apartment......................................... 57 Figura 25 – Modelo criado através do Software Apartment......................................... 58 Figura 26 – Ser vivo em iFlux....................................................................................... 59 Figura 27 – Ser vivo de iFlux realizando interações..................................................... 59 Figura 28 – Interface do sistema de iFlux.................................................................... 60 Figura 29 – Mapa de ventos dos Estados Unidos gerado pelo software do WindMap...................................................................................................................... 61 Figura 30 – Mapa de ventos dos Estados Unidos gerado pelo software WindMap focado no estado de Lousiana..................................................................................... 62 Figura 31 – Escultura "Hurricane Noel" (2011), de Natalhie Miebach.......................... 63 Figura 32 – Escultura "In the Shadow of a Giant" (2011), de Natalhie Miebach……... 63 Figura 33 – Desenvolvimento de Stefanie Posavec.....................................................65 Figura 34 – "Organismo Literário" do projeto Writing Without Words.......................... 66 Figura 35 – Visualização de dados de Stefanie Posavec............................................ 67 Figura 36 – Instalação Social Soul............................................................................... 68 Figura 37 – Desenvolvimento da Oficina de Arte-Identidade (antes)........................... 71 Figura 38 – Desenvolvimento da Oficina de Arte-Identidade (depois) ........................ 72 Figura 39 – Oficina de Arte-Identidade – Montagem da ˜casinha˜............................... 72 Figura 40 – Projeção "Quebra Cabeça" de Istorô!....................................................... 73 Figura 41 – Projeção "Pé rachado" de Istorô!........ ..................................................... 74 Figura 42 – Projeção da "Casinha" de Istorô............................................................... 75 Figura 43 – Esquema da instalação Istorô!.................................................................. 75 Figura 44 – Esquema de montagem da interface sonora da instalação Istorô!........... 76 Figura 45 – Protótipo de integração entre Arduino e sensores.................................... 78 Figura 46 – Sensor de ultrassom na instalação Istorô................................................. 79 10 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO.................................................................... 11 2. DADOS E VISUALIZAÇÃO DE DADOS: CONCEITOS E EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA............................................. 19 2.1. Dados e Banco de Dados.............................................. 19 2.2. Sistema Informacional.................................................. 24 2.3. Visualização de Dados................................................. 27 3. ARTE DE DADOS NA HISTÓRIA........................................ 34 3.1 Período Pré-Computacional........................................... 34 3.2 Período Computacional.................................................. 40 4. OBRAS COM ARTE DE DADOS........................................ 41 4.1 The File Room................................................................ 57 4.2 Apartment....................................................................... 59 4.3 I-Flux............................................................................... 60 4.4 Windmap........................................................................ 62 4.5 Esculturas de Natalie Miebach........................................ 64 4.6 Writing without words...................................................... 67 4.7 Social Soul...................................................................... 69 5. ISTORÔ!.............................................................................. 72 6. CONCLUSÃO...................................................................... 82 7. REFERÊNCIAS.................................................................... 84 11 1. INTRODUÇÃO Desde o final do século XX, com o surgimento e o desenvolvimento da internet, tem se potencializado o fluxo de globalização econômica e cultural. Entrar em contato com pessoas que estão fisicamente longe se tornou simples. Há maior interação e integração entre os habitantes de diferentes países do mundo, tornando-se cada vez mais acessível receber e distribuir informações e conteúdo multimídia produzidos por e para pessoas de diversos pontos do planeta em alta velocidade e disponibilidade. Os processos e as soluções tecnológicas de comunicação, de consumo de produtos e entretenimento, de informação e de digitalização do trabalho estão tornando a vida, de certo modo, mais dinâmica e veloz. Isso está caracterizando uma reconfiguração da sociedade em que, cada vez mais, seus indivíduos produzem e consomem dados digitais de diferentes naturezas que estão sendo registrados em algum lugar. Essa reconfiguração pode ter sido ainda mais acelerada com o surgimento de uma significativa pandemia causada pela COVID-19 que, segundo a Organização Mundial da Saúde, é uma doença que causa infecções respiratórias pelo mais recente coronavírus e que está afetando vários países e o Brasil de ainda mais intenso. A existência e o avanço do vírus nos últimos meses têm promovido a necessidade de distanciamento social e o uso mais intenso da internet por todos para as atividades essenciais, como a alimentação, a compra de itens essenciais, para o trabalho realizado de casa, as reuniões, as aulas, as consultas médicas, e até mesmo as festas e confraternizações, que têm sido feitas online. No contexto de digitalização da rotina da vida humana, que já vinha ocorrendo antes da pandemia, mas que agora parece ter sido catalisada, é possível compreender que coletar os dados de tráfego dos utilizadores da grande rede mundial é uma poderosa moeda. Ela pode ser eficiente para entender e controlar os perfis de consumo ou de prever e/ou promover certos comportamentos e ideologias de consumidores ou eleitores, por exemplo. Na 12 nossa sociedade da informação e do consumo, então, as informações pessoais passaram a ser um dos elementos mais valiosos para as empresas. A internet como ambiente amplamente utilizado foi pensada a princípio de modo mais otimista, como um local livre. Um novo espaço que causaria uma mudança no paradigma para a educação e comunicação, por exemplo, como Pierre Lévy (1997) já previa. Ela traria como potencial ideais mais positivos de compartilhamento, integração e comunicação, sendo ela inclusive isenta de taxas para sua utilização, apesar de que, hoje, para utilizarmos em casa, precisamos pagar pelo fornecimento do serviço pelas empresas de telecomunicação. Tudo isso de positivo realmente se tornou verdadeiro, mas ela, com sua evolução e o aumento de possibilidades tecnológicas para o armazenamento de dados, se tornou um espaço com características sistematicamente diferentes do que foi imaginado quando foi criada. Da mesma forma, as redes sociais digitais, que pareciam ter um sentido maior inicialmente de incentivar as relações sociais, se transformaram em um espaço para direcionamentos e formas de ganhos financeiros e políticos aproveitando-se da escalabilidade e o grande alcance de conteúdos. Com essas mudanças, viabilizou-se possibilidades de controle social com mecanismos sofisticados a partir do armazenamento de dados dos usuários. O filme Privacidade Hackeada (The Great Hack)1, dos diretores Karim Amer e Jehane Noujaim, de 2019, mostra como o acesso aos dados de utilização da internet e dados sensíveis das pessoas se tornou uma fonte econômica muito importante para as corporações. Também apresenta como todas as interações e escolhas que realizamos nas redes sociais geram insumos para a produção de dados para as empresas "conhecerem" seus usuários, funcionando como uma forma de entender e até manipular as pessoas em suas “bolhas”. A bolha é uma lógica em que os usuários das redes sociais têm os conteúdos exibidos de forma filtrada, reforçando seus gostos e ideologias, enfraquecendo a possibilidade desse usuário ser exposto a ideias e conteúdos divergentes à sua ideologia. Por meio de um questionário de personalidade que foi acoplado aos aplicativos do Facebook, que é uma rede social de mais de 2 bilhões usuários2, 1 https://www.imdb.com/title/tt4736550/ 2 https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2019/02/04/facebook-completa-15-anos-com-23- 13 a empresa Cambridge Analytica, que foi uma empresa de mineração e análise de dados que funcionou até 2018. Ela aproveitou uma fragilidade do sistema, a partir de uma configuração da rede social que permitia coletar não apenas os dados das pessoas que participavam do questionário de criado, mas também de dados de todos os contatos dela. Então, se somente um usuário desse o consentimento para a coleta de seus dados para participar do teste de personalidade criado, já seria possível coletar os dados de uma série de pessoas. A partir desses dados, a Cambridge Analytica, conseguiu mapear os perfis das pessoas com tal complexidade que se tornou possível definir não somente as preferências de consumo, mas também quais eram as visões de mundo delas, quais eram seus medos e podendo analisar o quanto elas seriam manipuláveis. Com isso, a Cambridge Analytica, em parceria dos partidos políticos que utilizavam o serviço da empresa, criou conteúdo personalizado para manipular o sentimento das pessoas, a favor de algum partido ou escolha política. Essa estratégia foi utilizada por essa empresa, em casos amplamente divulgados na mídia internacional como no Brexit, que é o apelido do processo de referendo para saída do Reino Unido da União Europeia, que foi votado e aprovado em 2016 e na eleição de Donald Trump para a presidência nos Estados Unidos, mas também foi utilizado em outros países estrategicamente para manipular a opinião pública. Outro documentário relacionado é “The Social Dilemma” (2020)3, de Jeff Orlwoski. Nesse, é possível compreender de modo mais detalhado o funcionamento e o impacto das grandes corporações, a partir dos algoritmos de classificação e de recomendação das redes sociais em nossas vidas, que acabam influenciando a cultura, as decisões e o comportamentos de seus usuários. É possível perceber, nesse contexto, como as fake news também se tornaram parte constante dessas relações não muito saudáveis das redes sociais. Apesar dessas empresas que controlam as grandes redes sociais digitais como Twitter, Facebook. Instagram, WhatsApp, Telegram, entre outras não serem produtoras de desinformação, os algoritmos de engajamento que bilhoes-de-usuarios.ghtml 3 https://www.imdb.com/title/tt11464826/ 14 foram desenvolvidos nas redes sociais acabam por impulsionar a propagação de mentiras e de uma cultura do ódio. Esse trabalho de controle não é uma novidade que as redes sociais trouxeram. O documentário “O Século do Ego” (2002)4, produzido por Adam Curtis, já apontava para a relação das teorias de psicanálise comportamental, através de Edward Bernays, sobrinho de Freud, com o marketing e a política. Os regimes fascistas do século XX foram gerados a partir dessa relação de influência da população a partir do controle e da provocação nos sentimentos das pessoas. Isso é algo que as redes sociais tiveram seu peso para os regimes neofascistas que surgem no século XXI. Esse espaço digital acaba parecer funcionar para uma parte dos usuários como um aparelho intangível, agora computacional, do que seria a “caixa preta”, em que Vilém Flusser refletiu em seu livro A Filosofia da Caixa Preta (1983). As redes sociais nesse sentido se comportariam como o “brinquedo” em que se produz imagens “magicamente” e que foge ao controle do utilizador o funcionamento desse “aparato” A mágica, nesse contexto, não só está em na produção e manipulação de imagens ou de vídeos, mas também na criação de, cada vez mais sofisticados, sistemas automatizados com a finalidade de ganhos econômicos e políticos espalhados nas principais redes sociais digitais destes espaços, como Facebook, Twitter e WhatsApp Embora já existam diversas matérias que explanam o comportamento de tais mecanismos, como na veiculada no site Carta Capital em 13 de dezembro de 2019 (“Como funciona um perfil “robô” no Twitter”)5, este tipo de conteúdo informativo não chega na mesma proporção como os veiculados pelas automações que geram desinformação e engajamento muitas vezes de forma não orgânica. Parece haver, nesse contexto, uma crise na imprensa no mundo inteiro, que busca se adaptar e disputar espaços contra atores que buscam, por interesses escusos, desacreditar na ciência e no jornalismo por razões políticas. No Brasil, assim como em outros países do mundo, tenta-se adaptar às mudanças sociais causada por essa revolução tecnológica. O Marco Civil da 4 https://www.imdb.com/title/tt0432232/ 5 https://www.cartacapital.com.br/sociedade/como-funciona-um-perfil-robo-no-twitter/ 15 Internet junto com à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais busca atualizar juridicamente essa relação entre pessoas com esses novos canais de comunicação, mas ainda a ver como se dará, pois, foi a lei adiada para agosto 2021. A pandemia, embora tenha trazido diversas oportunidades para manipulação política e tenha funcionado como um gatilho para o monitoramento de dados para fins comerciais, também sensibilizou para se trabalhar mais questões de visualização de dados sobre ela para o entendimento da gravidade da situação pela população geral. É comum, nos últimos meses a divulgação de boletins com informações sobre dados de contágio e letalidade, tendências de crescimento, estabilidade ou queda (Fig 1). Esse fato de certo modo, mudou o estado das coisas relacionada a uma área que não estava em tanta evidência, como parece estar agora, facilitando para o grande público, a compreensão dos dados de uma forma visível. Figura 1: Média móvel de novos casos de COVID-19 no Brasil (17.03.2021) Fonte: Our World in Data 16 Embora, a contextualização apresentada ofereça exemplos mais recentes e não relacionados aos meios artísticos, sendo mais relativos ao consumo de dados como estão nossa sociedade, ela impacta existência dessa pesquisa. Quando se percebe a que ponto se chegou em relação a importância dos dados digitais, nos últimos anos, para a vida cotidiana, há diversas reflexões comportamentais sobre como está o estado das coisas relacionados à privacidade, à vigilância e ao uso e a visualização de dados. Surgem inquietações e questionamentos sobre os processos de visualização desses dados do cotidiano. O que são esses dados coletados e como eles afetam nossos relacionamos e atitudes. Como eles estão presentes historicamente nos espaços que habitamos e de que modo eles podem ser compreendidos, visualizados e explorados artisticamente, dando visibilidade para elementos que podem estar ocultos à nossa percepção visual, sonora ou emocional. O objeto de estudo da pesquisa, então, é o uso do processo de visualização de dados, a partir da interseção entre arte, ciência e tecnologias, na produção de trabalhos de arte de dados ou arte de visualização de dados (data art). Este objeto é percebido como parte de um recente campo da arte que deverá ser cada vez mais explorado, compreendendo como os artistas de visualização de dados tem historicamente produzido suas obras a partir de seus contextos tecnológicos e sociais. Nessa dissertação é possível perceber que, ao longo da evolução da arte e da tecnologia, a visualização de dados já era presente no contexto da cartografia e da criação dos mapas temáticos desde séculos passados. Mas, ao pensar na visualização de dados no campo da arte e nas obras de arte dados no final do século XX e no século XXI, é possível percebê-las como partes de um movimento mais consolidado e mais integrado ao contexto digital. Esse movimento é disruptivo e se apropria de questões antropológicas, tecnológicas, físicas e comportamentais para responder às provocações que são sentidas nessa conjuntura onde se aumentam os exemplos de automações no cotidiano e a vivência digital das pessoas está cada vez mais intensa. Isso se conecta intimamente a possibilidade de exploração de registros armazenáveis, como fotos, sons, bem como também nas criações de listas personalizadas e automatizadas de preferências de música, filmes e comida, que podem ser exploradas para fins econômicos, por exemplo. 17 Esse é um tema para ser compreendido como um meio de explorar artisticamente essas relações tecnológicas cotidianas, e questionar o potencial que há nos processos de armazenamento de dados, trabalhando eles como possibilidades de exploração e compreensão de espaços físicos e digitais a partir de elementos que dialogamos diariamente. Desse questionamento, e a partir de obras e trabalhos pesquisados que exploram algumas dessas questões supracitadas, a dissertação explora como os artistas utiliza essas ferramentas de armazenamento de dados, sejam elas online ou offline, ou seja, conectadas à internet ou não, para que em suas obras criem visualizações a partir dos dados coletados. Como objetivo geral, a dissertação estuda e comenta paradigmas relacionados a visualização de dados e armazenamento de dados e explora como esses temas são apropriados e utilizados no contexto da arte de dados. Metodologicamente, a estrutura da pesquisa é um estudo exploratório do processo de visualização de dados, iniciando de uma perspectiva mais geral, ou seja, pensando no processo de visualização fora de áreas específicas de estudo. É investigado um estudo mais geral, o contexto artístico e apresentando de forma qualitativa as obras relacionadas a este tema. Desse modo, é possível com a dissertação, contribuir para o entendimento do processo de visualização de dados, que é um tema tão presente na sociedade e que tem se mostrado que a arte tem se apropriado dessa técnica. No primeiro capítulo, denominado “Dados e visualização de dados: conceitos e evolução tecnológica” a dissertação identifica o histórico da evolução tecnológica no processo de visualização de dados principalmente utilizando o projeto de identificação dos momentos históricos Milestones de Friendly e Denis (2001) como base e explica os principais conceitos relacionados ao termo "dados" no contexto da pesquisa. No segundo capítulo, “Arte de dados na história”, discute-se sobre trabalhos anteriores ao surgimento da computação que podem sem registrados como obras de visualização de dados, contextualizando historicamente os trabalhos desses artistas de visualização de dados pré-computacionais em obras como cartografias e mapas temáticos. 18 Também é abordado a evolução do tema para a arte computacional, quando se torna presente na visualização de dados o auxílio de tecnologias computacionais. Nessa abordagem são explorados os conceitos já apresentados como banco de dados, visualização de dados, internet, focando na relação desses conceitos com a arte de dados. Isso é feito a partir de diálogos com leituras de autores como Lev Manovich (2001), Victoria Vesna (2007), Sey Min (2016), Doris Kominsky (2012), Sharon Daniel (2004), Philip Galanter (2003), Suzete Venturelli (2019), entre outros e que já trazem questões sobre visualização de dados e estética de banco de dados banco de dados como potência artística. No terceiro capítulo, “Obras com visualização de dados”, são selecionados e comentados processos criativos de armazenamento e visualização de dados de obras de arte de dados, relacionando qualitativamente aspectos como: as interfaces utilizadas, as poéticas exploradas nas obras. Também são identificados que paradigmas para a visualização de dados essa obra está agregando. São realizados comentários de obras que se enquadram temporalmente dentro do período em que a arte computacional já está presente. Os trabalhos envolvem majoritariamente a construção de algoritmos computacionais, bem como há obras que possuem processo híbrido de interação entre espaço físico com o espaço digital. Também há trabalhos que fogem de uma lógica tradicional de interface computacional para justamente para mostrar um nova perspectiva criativa em relação ao contexto tecnológico em que a arte de dados está inserida. No último capítulo, será dado ênfase à obra de visualização de dados que foi desenvolvida por mim entre 2016 e 2017, chamada Istorô. Assim será adicionado o ponto de vista do artista-pesquisador dentro do contexto do objeto de estudo da dissertação. 19 2. DADOS E VISUALIZAÇÃO DE DADOS: CONCEITOS E EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA Este primeiro capítulo fundamenta os principais conceitos que estão presentes ao longo do trabalho, como dados, banco de dados e visualização de dados trazendo uma perspectiva geral e histórica a fim de contextualizar como esta pesquisa os entende. É apresentada as origens desses conceitos, e em que cenários eles são utilizados para que a partir do próximo capítulo seja possível relacioná-los com o contexto da arte. 2.1 Dados e Banco de dados Segundo o site etyonline.com, que é uma página web que funciona como dicionário etimológico, a palavra "dado" tem um processo de evolução que se inicia a partir do latim datum, que significa dar algo6. Figura 2 – Etimologia da palavra dado Fonte: https://www.etymonline.com/word/data 6 https://www.etymonline.com/word/data 20 Desde 1897, segundo o mesmo site, dado significa “um fato numérico coletado como futura referência”. A palavra ainda evoluiu o significado a partir do surgimento dos processos computacionais, passando a significar a partir de 1946 como “informação transmissível e armazenável por operações computacionais”. O conceito de "dados" no entendimento desta pesquisa é um conjunto de valores e propriedades quantificáveis e/ou qualificáveis que podem ser medidos, coletados e analisados. Nessa perspectiva, uma pessoa em qualquer lugar que ela esteja, pode "capturar" dados pela sua observação espacial e estabelecer relações e significados entre esses elementos que podem ser enxergados, sentidos ou escutados, tendendo esses elementos a serem agrupados e diferenciados uns dos outros por nossa percepção, gerando conhecimento a partir dessas relações criadas. McGarry (1984) diferencia dado e informação, conceituando que o dado é a "matéria prima a partir da qual se pode estruturar a informação" e a informação é "mais complexa e estruturada do que os dados”. Por exemplo: o valor numérico da população atual da cidade de São Paulo é isoladamente um dado bruto, que fora de contexto e sem outros elementos que possam classificá-los, como o título de "População de São Paulo", não teria valor representacional. Já no gráfico (Fig. 3) que apresenta o crescimento populacional de São Paulo durante o século XX poderia ser considerada uma informação, pois já há diversos dados brutos de uma mesma natureza relacionados, criando significados e relações entre eles, inclusive trazendo uma visualização desses dados. 21 Figura 3 – Evolução da População do Munícipio de São Paulo Fonte: IBGE Valdemar Setzer (2001) caracteriza conhecimento como “uma abstração interior, pessoal, de algo que foi experimentado, vivenciado por alguém", estando presente no subjetivo do humano. Enquanto o conceito de informação é algo que pode ser descrito e por sua vez armazenado, o conhecimento depende da experiência prática de cada pessoa. A partir do exemplo acima poderíamos sugerir que pela quantidade de pessoas dentro de um ônibus praticamente vazio teríamos uma experiência positiva, pois há, teoricamente, mais espaço para sentar-se. Todavia, para outra pessoa, essa mesma situação poderia ser uma experiência negativa pois o “vazio" poderia passar uma sensação de menor segurança. Essas diferentes experiências podem apresentar um conjunto de dados e informações em comuns, como relações entre horários, número de pessoas, e capacidade, mas para esse conceito de conhecimento há uma maior abstração que não são necessariamente descritas. Nesse sentido, quanto mais se abstraem e ao mesmo tempo relacionam- se diversos valores brutos, mais conexões e representações podem ser produzidas a partir deles. Essa produção de informações acontece a partir da relação de dados que é estabelecida quando eles são arquivados e organizados em bancos de dados. 22 Os dados brutos são, no entendimento desta pesquisa, valores isolados de contextos e que podem produzir, a princípio, um entendimento pouco refinado relacionado à um contexto mais complexo. Por exemplo, uma lista de alunos com nome, idade, número de matrícula de um sistema escolar, quando desmembrada, pode gerar desconexão da representação desses valores. Pois, se cada valor que há nela for desestruturado e separado, tenderá a se configurar como dados brutos, que são valores que não criam relação entre um dado e outro. Os bancos de dados, por sua vez, são coleções de dados brutos organizados que são classificados em entidades. As entidades são conceitos que determinam que um conjunto de dados como variáveis que podem diferenciar, por exemplo, uma pessoa de outra pessoa, com informações de nome, CPF, data de nascimento. Essas entidades passam a produzir sentidos diferentes, a depender do contexto e da complexidade dos bancos de dados. Na ciência da computação, Christopher Date (2004), introduz o termo banco de dados como uma coleção de dados persistentes, ou seja, que não tem uma natureza transitória, mas que são armazenáveis. Esse termo pode ser aplicado desde no contexto de uma pessoa que possui um banco de dados pessoal de fotografias arquivadas até uma grande corporação com grandes bancos de dados compartilhados de informações sobre clientes, por exemplo. Edgar F. Codd, no artigo A Relational Model of Data for Large Shared Data Banks (1970), criou um modelo para lidar com bases de dados, o chamado modelo relacional, cujo objetivo principal consistiu em permitir relacionar dados estruturados Assim, por exemplo, se tornou possível identificar logicamente a estrutura de um usuário cadastrado em um site ou rede social de filmes (Fig. 4) com a estrutura de uma avaliação, a partir de um valor quantificável que especificamente esse usuário deu para um filme por meio de tuplas,7 que são linhas que representam a relação e a separação de, por exemplo, “um usuário de nome André que deu nota 7 para um filme X e o usuário João que deu nota 6 para o mesmo filme X”. 7 Tupla na matemática é uma lista finita de elementos ordenados. Esse termo é normalmente representado na computação como uma linha na lógica de banco de dados ou uma entidade na lógica de programação. 23 Figura 4: Exemplo de um Banco de Dados Relacional Fonte: https://www.omnisci.com/technical-glossary/relational-database Na Fig.4 é possível identificar a relação de separação entre uma tupla e outra é criada a partir dos ids, que são os identificadores de cada tupla. Cada entidade de usuário (users), de filmes (movies), de rótulos (tags) e de avaliações (ratings) podem possuir várias tuplas. Na estrutura de rótulos (tags), um usuário identificado (user_id) se relaciona com um filme (movie_id), dando um rótulo específico (tag) que é discriminável por um identificador (id). Dessa forma é possível criar múltiplos rótulos e identificar cada um deles para um mesmo ou diferentes usuários e filmes Esses dados, quando organizados, hierarquizados e indexados em um sistema computacional têm o potencial de identificar certos padrões, repetições e até pontos divergentes que podem transformar esses dados brutos em informações relevantes para o entendimento de determinados contextos. O uso de dados, conforme comentado anteriormente, pode ser utilizado em diversos campos da ciência, e passa por um processo comum de definição simbólica em cada área, de o que um número, texto, som, imagem, ou algo que possa ser percebido ou armazenado pode representar. 24 2.2 Sistema Informacional O conceito sistema informacional, aqui usado, engloba o pensamento da existência de uma estruturação processual em que os dados para serem visualizados e utilizados para algum fim partem de um registro bruto que é desenvolvido, tratado e refinado em banco de dados até se tornarem informações contextualizadas. Este processo envolve desde a captação dessa “matéria-prima”, passando por etapas armazenamento, processamento e disseminação ou veiculação de um dado. Nesse sistema, os dados que são capturados, não necessariamente passam por um processo computacional, pois podemos relativizar a captura de dados, por exemplo, a uma ação de observação como captação e armazenamento. Ao desenhar essa observação há uma visualização de dados que foi feita a partir de determinado ambiente. No entanto, a computação deu um novo paradigma para a produção desses dados, pois agora vários fluxos informáticos podem se comunicar entre si em rede. Uma das discussões mais contemporâneas, quando se trata da comunicação e a digitalização do meio ambiente está no conceito de Cidade Inteligente (CI). André Lemos (2013) apresenta a Cidade Inteligente como a evolução das cidades digitais, uma discussão que ele tinha começado nos anos 1990. O conceito de cidades inteligentes modernizou a ideia de apenas de se ter conexão à internet em uma cidade. Hoje se tem uma relação autônoma muito maior entre dispositivos que produzem e reproduzem um grande volume de dados, que poderiam facilitar e melhorar a experiência de gestão em uma cidade, quando interpretados: Inteligente aqui é sinônimo de uma cidade na qual tudo é sensível ao ambiente e produz, consome e distribui um grande número de informações em tempo real. Esse processamento inteligente servirá como referência e norteará as tomadas de decisões de empresas, governos e cidadãos, com o intuito de tornar as atividades urbanas mais eficientes e sustentáveis nas esferas econômica, social, ecológica e política. Consequentemente, o foco hoje são projetos que visam tornar a economia, a mobilidade urbana, o meio ambiente, os cidadãos e 25 o governo mais inteligentes. A cidade passa a ser um organismo informacional que reage e atualiza todos sobre suas condições a qualquer hora. (LEMOS, 2013 p.47) É possível perceber nessa citação de Lemos que ele traz uma visão mais positiva em relação a potencialidade do acesso, da produção e do consumo dessa grande quantidade de dados gerados. Por outro lado, é aceitável que a produção desses dados nas cidades inteligentes proporcione uma dinâmica de rompimento com elementos de privacidade e passem a funcionar como um fenômeno caracterizado por Gilles Deleuze (1990) como Sociedade de Controle. Nele, quem detém o poder (que aqui é o acesso aos dados) poderia utilizar deste poder para vigilância e perseguições políticas principalmente em lugares onde a democracia é mais frágil. Desse modo, o comportamento humano ao longo desses últimos 20 anos se modificou bastante, tornando-se o homem mais integrado com a internet e com os dispositivos móveis, que foram se popularizando e barateando. Com a massificação na produção de conteúdo via web, a relação com os espaços urbanos principalmente nas grandes cidades se transformou. Diversos elementos e ações que fazem parte do cotidiano, como utilizar o transporte público ou ter experiências de visitação em determinados lugares, como museus e restaurantes, agora são captados, monitorados e compartilhados milhares de vezes por aplicativos de celular que possuem sensores e câmeras fotográficas, que possibilitam o rápido processamento e publicação dessas informações em interfaces variadas, como as redes sociais digitais, que podem influenciar até a vida de outras pessoas. Na rede mundial de computadores, a internet, a formalização do processo de captação e armazenamento de dados na internet está nos cookies. Eles são pedaços de dados capturados quando um usuário da internet está navegando por um browser, que é um software para acessar a internet, como por exemplo o Internet Explorer, ou o Google Chrome. Alguns desses cookies são usados apenas para garantir uma melhor navegabilidade e experiência de usuário em uma página web, mas há outros tipos (Cookies Persistentes) que identificam comportamentos e preferências de usuários para em momentos posteriores oferecerem, de acordo com cada site, 26 os serviços e produtos que mais se conectem com o perfil traçado pelo processamento dos cookies. Figura 5: Esquema de funcionamento de cookies na internet Fonte: https://www.oficinadanet.com.br/ A Figura 5 mostra como o funciona de forma macro o armazenamento de cookies, mostrando como os servidores de determinados sites conseguem localizar e identificar um usuários pelos cookies que foram salvos. Não é estranho que, hoje, depois de uma pesquisa sobre alguma cidade, já apareça em alguns sites propagandas para de viagens justamente para o local que foi pesquisado. Isso acontece pois a cada clique, há um evento protocolado de comunicação entre o navegador e um determinado site, e as estruturas de determinada palavra buscada no navegador podem sugerir um tipo de serviço, principalmente quando a palavra já é bastante utilizada, ou relacionada com o serviço que foi sugerido. As redes sociais digitais são uma das maximizações da produção de conteúdo armazenável em massa. Vários dessas redes que possuíam como 27 objetivo inicial conectar as pessoas, na verdade evoluíram esses cookies para outro patamar de armazenamento. As páginas e os perfis que uma pessoa segue, além do que o usuário navega e escreve, podem descrever algoritmicamente o tipo de perfil que um usuário representa comercialmente. Os dados que estão contidos nessas estruturas internas das redes sociais digitais influenciam no processamento de todo o sistema que tende a ser customizado para cada pessoa. 2.3 Visualização de dados A visualização de dados, é o ponto de saída desse sistema, é o processo de representação, usualmente gráfica, mas que pode ser produzida em outras naturezas, como mídias sonoras, táteis, entre outras. É um processo que envolve a produção de imagens, quando mídia gráfica, ou envolve o processo de sons quando há a um processo de sonificação dos dados, que seria a visualização sonora de dados. Por exemplo, em um monitor de sinais vitais, há a informação gráfica que indica visualmente como estão os sinais vitais e ao mesmo tempo pode-se ter a produção de um som de maior ou menor velocidade e intensidade dependendo de como se comporta o corpo de uma pessoa que está sendo monitorada. Esses resultados se dão pelas relações entre um dado capturado e armazenado e o processamento que esse dado teve para se transformar em uma informação representada em diferentes naturezas. Segundo Alexandre e Tavares (2007), o termo visualização significa construir uma imagem visual na mente humana, sendo algo mais do que representação: A visualização contribui de maneira mais significativa no processo de análise de dados do que na simples observação dos mesmos. Ao organizar dados segundo critérios específicos, com o objetivo final de visualizá-los, acaba-se por obter informações e possibilitar a construção de novos conhecimentos sobre as mesmas. Assim, ferramentas computacionais de visualização e análise podem dar apoio aos seus utilizadores em todo o processo de análise dos dados envolvidos (TAVARES, ALEXADRE, 2007, pág. 4) 28 Esta comunicação, quando potencializada com o uso de banco de dados, pode ser realizada através do mapeamento sistêmico dos valores armazenados para a representação dos dados. Esse mapeamento por algoritmos pode estabelecer como os valores armazenáveis podem ser representados visualmente, determinando como e o que cada propriedade gráfica, tal como cores, tamanho, forma, espessura, ou mesmo propriedades de outra natureza representacional, como por exemplo o som, podem refletir as mudanças e os comportamentos de um conjunto de dados armazenáveis em um espaço determinado, seja físico ou na web. Michael Friendly (2006) cita que não há uma história estabelecida da visualização de dados, mas pode-se afirmar que representações envolvendo mapeamentos de espaços físicos datam períodos muito anteriores aos da modernidade. O Mapa de Turim (Fig. 6 e 7), desenhado em cerca de 1160 AC no Egito, é possivelmente o primeiro documento que pode ser encontrado de visualização de dados, como um registro topográfico. Segundo matéria de James A. Harrel8, o mapa tenha sido preparado para uma das expedições de enviadas pelo faraó Ramses IV para extração de pedra Bekhen, um tipo de pedra verde-acinzentada muito apreciada pelos antigos egípcios, mas ainda até hoje as o motivo da criação do mapa é incerto. Figura 6 - Metade esquerda do Mapa de Turim Fonte: Wikimedia 8 http://www.eeescience.utoledo.edu/faculty/harrell/egypt/turin%20papyrus/harrell_papyrus_map_text.htm 29 Figura 7 - Metade direita do Mapa de Turim Fonte: Wikimedia Friendly (2007) escreveu que não há relatos que abranjam todo o desenvolvimento da representação visual dos dados, pois nas diversas disciplinas cada uma seguiram suas próprias áreas de desenvolvimento: Porém, não há elementos que contemplem todo o desenvolvimento do pensamento visual e da representação visual dos dados e que comparem as contribuições de disciplinas distintas. Na medida em que suas histórias estão interligadas, o mesmo deve acontecer com qualquer revelação sobre o desenvolvimento de visualização de dados (FRIENDLY, 2007, p.17) - Tradução nossa9 Friendly, junto com Daniel J. Denis (2001) possuem um site em que mapeia cronologicamente os documentos históricos sobre os modelos visualização de dados10. No site, é possível notar que diversas áreas do conhecimento desenvolveram representações gráficas baseada em dados. Desde os primeiros mapas cartográficos até os temáticos, que ampliaram a compreensão de visualização de dados para temas específicos da ciência e da modernidade. 9 But there are no accounts that span the entire development of visual thinking and the visual representation of data, and which collate the contributions of disparate disciplines. In as much as their histories are intertwined, so too should be any telling of the development of data visualization. (FRIENDLY, 2007, p.17 10 : http://www.datavis.ca/milestones/. 30 Figura 8 – Categorias e momentos históricos para a visualização de dados na história http://www.datavis.ca/milestones. Acesso em 10 de março de 2021 Em relação ao processo evolutivo da visualização de dados, Friendly e Denis (2001), fizeram um levantamento por cada século. Eles explanam que as questões mais importantes para serem resolvidas até o século XVII estavam relacionados à medição dos valores. O tempo, a distância e o espaço, sobretudo. Essas propriedades são essenciais para a criação de mapas que foram criados e utilizados nas grandes navegações de expansão territorial. Nesse século, então se viu um grande crescimento teórico pelo surgimento da geometria analítica, das teorias de medição e estimativa. Do nascimento da teoria da probabilidade e o início da estatística demográfica e da aritmética política. No século XVIII em diante, os cartógrafos buscaram trazer algo mais que posições geográficas em um mapa. Como resultado no final deste século, vemos as primeiras tentativas de mapeamento temático de dados geológicos, econômicos e médicos. Além disso, muitas inovações tecnológicas forneceram materiais que facilitaram a reprodução dos dados em imagens a partir do surgimento da impressão. Com as inovações das técnicas de coleta e mapeamento, o século XIX teve um grande crescimento na produção de gráficos estatísticos e mapa temáticos. Nesse momento surgiram as formas de representação de grande 31 popularidade, como gráfico de barras (Fig. 9), gráfico de pizza, histogramas, entre outros. Figura 9: Gráfico de dados econômicos por William Playfair (1821) Fonte: Research Gate, conteúdo disponibilizado por Trevor Hog 32 Figura 10: Mapa temático com dados sobre crime contra pessoas na França de André Michel Guerry (1833) Fonte: datavis.ca O início do século XX trouxe menos inovação em relação aos modelos de visualização de dados, pois seguiam-se se utilizando os modelos do século anterior, mas a partir do surgimento dos computadores em meados do mesmo século, houve uma série de inovações facilitadas pelo grande poder de processamento de dados das máquinas. Com os computadores podemos visualizar maiores conjuntos de dados; criar visualizações dinâmicas (animadas e interativas, por exemplo); alimentar dados em tempo real; fundamentar representações gráficas de dados sobre suas análises matemáticas, utilizando variados métodos da estatística clássica para a prospecção de dados [data mining]; mapear um tipo de representação em outro (imagens em sons, sons em espaços 3D, etc.). (MANOVICH, 2004 p.135) A partir desse momento, como descreve Manovich (2002 e 2004), surgiram novos paradigmas e técnicas, como processos de visualização de 33 variados dados em tempo real, tecnologias de seleção, mapeamento e exibição de dados, com linguagens de programação para consulta de banco de dados. Eles se tornaram mais acessíveis a partir do século XXI, possibilitando trabalhar atualmente com técnicas de análise de grandes massas de dados (big datas), que será mais explorado no terceiro capítulo desta dissertação. 34 3. ARTE DE DADOS E NA HISTÓRIA Neste capítulo, aprofundamos a temática da arte dados e visualização de dados no contexto da arte levando em consideração a evolução do uso de dados na arte na história. Desse modo, são apresentados artistas e pesquisadores que já exploram o tema até o momento em que a arte computacional se tornou presente. 3.1 Período Pré-Computacional No livro Arte de Descrever: A Arte Holandesa do Século XVII, Svetlana Alpers cita o geógrafo, Ronald Rees: A execução de mapas como forma de arte decorativa pertence à fase informal, pré-científica da cartografia. Quando os cartógrafos não tinham nem o conhecimento geográfico, nem a habilidade cartográfica para produzir mapas precisos, a fantasia e a arte galopavam à rédea solta. (REEVES, 1980 apud ALPERS, 1994). Então, os trabalhos de cartografia, mesmos os que eram feitos com certa formalidade, para descrever aspectos demográficos de uma cidade, por exemplo, ainda não tinham os instrumentos industriais e científicos necessários para que não houvesse ou necessitasse de um processo criativo artístico totalmente artesanal na feitura dos mapas. Era um trabalho que até o Renascimento não era reconhecido como “cartografia”. Rees (1980) cita que a ligação que conectava cartografia com a arte é “o espírito bastante evidente” que cartógrafos investiam nos mapas, sendo esses artistas responsáveis em selecionar em suas práticas artísticas os fenômenos observados e representá-los em uma superfície plana. Já Alpers (1994) exemplifica em seu livro sobre a ação de cartografar como um passamento comum das pessoas na Holanda do Século XVII, pois ofereceria a possibilidade de expressar profundos sentimentos humanos no ato de descrever a si mesmo: 35 Diz-se com frequência que o gosto pelas vistas e detalhes topográficos tornou os mapas semelhantes àquilo que consideramos como pinturas. Um horizonte não era coisa incomum num mapa. Mas a conexão é demonstrada também pelo surpreendente número de artistas setentrionais que estavam envolvidos em algum aspecto de cartografia. (ALPERS, 1994). Artistas-cientistas, famosos nos meios mais tradicionais da arte, segundo Ribeiro e Caquard (2018), como Vermeer e Leonardo da Vinci, por exemplo, já possuíam a cartografia como parte do conhecimento científico, pois durante a renascença, os mapas assumiram um papel importante na exploração e na colonização, ajudando na navegação marítima. No caso de Vermeer, segundo Livieratos e Koussoulakou (2006), em sua obra - Oficial e Moça Sorridente (Fig. 11) - ao fundo que se revela um mapa da Holanda do século XVII. Na época, segundo os autores, trabalhar com cartografias era um símbolo de grande conhecimento. Figura 11: Pintura de Johannes Vermeer: Oficial e Moça Sorridente (1657-1660) Fonte: Livieratos e Koussoulakou (2006) 36 Figura 12: Mapa da Holanda ao fundo da pintura de Oficial e Moça Sorridente (1657- 1660) Fonte: Livieratos e Koussoulakou (2006) Segundo a jornalista Laura Bliss, em matéria no site da internet Citylab, de 22 de abril de 201611, vários mapas feitos na Renascença eram fantasiosos, mas que Leonardo da Vinci, utilizou seus próprios instrumentos desenvolvidos, mostrando a cidade de Imola iconograficamente, como se fosse vista por um infinito número de pontos de vistas. Talvez. Segundo ela, já poderia te inspirado pelo estudo da aviação em o que o artista estaria desenvolvendo. 11 https://www.citylab.com/design/2016/04/this-old-map-da-vinci-imola/479493/ 37 Figura 13: Cartografia de Leonardo da Vinci: Mapa da cidade de Imola, na Itália (1502) Fonte: https://www.citylab.com/design/2016/04/this-old-map-da-vinci-imola/479493/ No período industrial houve a saturação dos modelos tradicionais de visualização de dados como ferramenta de demonstração de dados coletados por institutos de pesquisa para criação de atlas demográficos, por exemplo, como já foi mencionado no primeiro capítulo. Desse modo, esse período foi um momento de expansão em quantidade na criação de visualizações de acordo com a área de interesse de cada cartógrafo, mas ainda assim havia alguma dificuldade de armazenamento desses mapas. Segundo MacEarchen e Taylor (1994), diversos trabalhos criados a partir de visualização de dados cartográficos devem ter desaparecido ou se tornado inacessíveis: 38 A maioria das evidências diretivas do uso de visualizações cartográficas pré-computacionais pode, portanto, ter desaparecido ou, na melhor das hipóteses, pode sobreviver apenas como arquivos "perdidos" ou profundamente armazenados (e, portanto, amplamente inacessíveis). Onde podem estar as evidências indiretas? Em quais campos de estudo as técnicas poderiam ter sido aplicadas de forma mais visível? Desde o início do século 19, os arqueólogos, em busca de explicações tanto das localizações absolutas quanto das relações espaciais de seus "achados", fizeram uso de técnicas de visualização simples. (MACEARCHEN; TAYLOR, 1994)12 No modernismo também se usufruiu da combinação entre arte e cartografia. Segundo Ribeiro e Caquard (2018), durante esse período, movimentos como o Dadaísmo e Surrealismo começaram a criar visualizações de dados que desafiavam as práticas tradicionais da cartografia, geralmente traçando aspectos políticos da época de uma forma poética em mapas. Este relacionamento entre cartografia (pensando como visualização de dados) e arte foi depois explorada também pelo Surrealismo, transformando a experiência de criar um mapa em uma prática de engajamento sócio-espacial. Em Le Monde au Temp des Surrealistes (Fig. 14), Paul Éluard traz uma mensagem política contra o imperialismo eurocêntrico e as representações convencionais do mundo. 12 "Most directive evidence of the use of pre-computer cartographic visualization may thus have disappearead or, at the best, may survive only as “lost" or deeply stored archives (and hence largely inaccessible). Where might the indirect evidence lie? In which fields of study might the techniques have been most visibly applied? Since the early 19th century, archaeologits, searching for explanations of both absolute locations and the spatial relationships of their "finds", have made use of simple visualization techniques." (MACEARCHEN; TAYLOR, 1994).12 39 Figura 14 - Le Monde au Temps des Surrealistes, de Paul Éluard (1929) Fonte: Reseach Gate, disponibilizado por Sébasiten Caquard 3.2 Período Computacional Na era digital, é possível dizer que a produção de dados para a criação de visualizações se tornou intrinsecamente ligados com a computação. Essa produção se dá muitas vezes em processos que não são necessariamente visíveis ou compreensíveis ao olho humano, tal como transferências e transmissões de dados via rede. A potência desses dados para se tornarem 40 visíveis dependem bastante da possibilidade de filtrá-los e criar uma estrutura organizada que permita uma orientação na visualização dos dados. Desde a popularização das tecnologias digitais, dos espaços informáticos e da criação de modelos visuais que permitem uma visualização dinâmica de fluxo de dados, visualizar dados tornou-se uma área cada vez mais popular de experimentações e de pesquisas além de ser aplicada em muitas outras áreas da ciência, seja na estatística, na arquitetura, no design e mesmo na arte digital. Friendly (2006), traz em um de seus levantamentos, um gráfico (Fig.15) de evolução em relação a criação de paradigmas ligados à visualização de dados. Ele mostra que houve um ápice quando relacionado temporalmente ao desenvolvimento computacional e fatalmente do uso de dados digitais. Figura 15 – Gráfico de densidade produtiva de modelos de visualização de dados Fonte: Friendly (2006) O termo espaço informático ou territórios informacionais (LEMOS, 2007) é hoje largamente associado com as tecnologias digitais e a Internet, mas pode- se ampliar este conceito para cada um dos "espaços de informação", seja uma biblioteca, uma construção ou uma cidade que, essencialmente, constituem-se de espaços de dados dinâmicos. Estes espaços de informação são 41 potencialmente uma fonte que artistas podem se apropriar em seus trabalhos de arte de dados. Na arte computacional, esses territórios informacionais, podem ser igualmente usados para representar artisticamente algo a partir da natureza, ou no corpo humano ou mesmo a partir de entradas já digitalizadas de algum banco de dados armazenado em alguma mídia física. Então, a partir desses dados armazenados que são explorados nos processos criativos com auxílio computacional, os artistas de dados podem questionar, provocar e produzir obras sobre padrões e comportamentos da natureza e também sobre comportamentos que são reproduzidos na web. E assim, os artistas podem fazer intepretações do que ele consegue armazenar, compreender e representar através da codificação de um software que crie esse diálogo entre os dados. Para Suzete Venturelli (2019), a visualização de dados abre dois caminhos. O de tornar visível o que é invisível e o de mostrar que os dados são movimentos contínuos. Ou seja, a dinâmica desses dados nem sempre oferece uma nitidez ou uma legibilidade para a visualização, mas atesta a existência de fluxos contínuos que nem sempre podemos enxergar. Por meio da visualização de dados, Sey Min (2015) considera que pode- se relacionar uma forma de produção de arte realista pelo meio digital, pois os dados que são coletados pelo cotidiano, podem representar fatos e verdades sobre nós mesmos, permitindo que retratemos o que é possível de enxergarmos e as coisas que são não visíveis aos olhos humanos. Em “What if machines can see music..?", por exemplo, Sey Min cria uma visualização de semelhanças e relacionamentos entre vários pedaços de uma música. Dentro de um software que reconhece padrões de eventos sonoros e separa esses eventos por características, há uma saída visual em 2D e 3D para essas partes de uma música com cores diferentes a depender da divisão dos pedaços. Figura 16 - “What if machines can see music…? 2” Sey Min (2017) 42 Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=iv58cGv7B2k Liam Young e Memo Akten, artistas computacionais, trazem outro conceito para se trabalhar com arte de dados. Eles enxergam que, diferente do processo de visualização de dados, existiria a dramatização de dados (Data Dramatization). Deste modo, diferentemente de tentar mostrar dados de forma legível para o espectador, a dramatização dos dados buscaria provocar respostas emocionais e empatia. Haveria um início processual de entendimento dos dados tal como há na visualização de dados, mas na manipulação e na interpretação dos dados, caberia ao artista de modo subjetivo produzir sua abstração de um processo desse entendimento, não dos números: Você cria uma abstração, uma interpretação pessoal dos processos, não dos números. Você conta uma história sobre as engrenagens e rodas que sustentam os eventos que deram origem aos dados, não os próprios eventos. Você cria uma abstração comportamental, não apenas visual ou sonora. Isso também não é uma ficção de dados. Você não está apenas contando uma história fictícia por meio de dados fictícios. Você está inventando um novo contexto para uma história fictícia, com dados fictícios - inspirado por histórias, eventos e processos da vida real.(AKTEM, 2015) 13 13 You create an abstraction, a personal interpretation, of the processes, not the numbers. You tell a story about the cogs and wheels that underpin the events that gave rise to the data, not the events themselves. You create a behavioural abstraction, not just a visual or sonic one. This also isn't a data fiction. You’re not just telling a fictional story through fictional data. You’re inventing a new context for a fictional story, with fictional data — inspired by real life stories, events and processes. (AKTEM, 2015) 43 No texto The Anti-Sublime Ideal in Data Art (2002), Lev Manovich descreve a arte de visualizar dados como uma ideia antisublime contrastante a uma “arte romântica”. Enquanto os artistas que produzem essa arte comprometida com o sublime, pensariam que certo fenômeno é algo irrepresentável, como fora dos limites humanos de visualização, os artistas de visualização de dados visariam criar exatamente o oposto, mapeando o fenômeno em uma representação cuja escala pode se conectar a algo dentro dos limites da visualização. Assim, o fluxo de dados através da rede pertencente a diversos emissores com mensagens e arquivos que seriam ordenados e harmonizados realizaria o desejo de artistas de transformar visível o que foge da escala humana: O desejo de pegar o que normalmente está fora da escala dos sentidos humanos e tornar visível e gerenciável alinha a arte da visualização de dados com a ciência moderna. Seu assunto, ou seja, dados, o coloca dentro do paradigma da arte moderna. No início do século XX, a arte abandonou amplamente uma de suas principais - senão a principal função - retratar o ser humano. Em vez disso, a maioria dos artistas se voltou para outros assuntos, como abstração, objetos industriais e materiais (Duchamp, minimalistas), imagens de mídia (pop art), a própria figura do artista (performance e videoarte) - e agora dados. (MANOVICH, 2002, p.8)14 Para ele o grande desafio de criar arte de dados não é mapear dados abstratos e impessoais em representações objetivas, pois economistas, designers gráficos e cientistas já fazem isso muito bem. O mais interessante desafio é como representar a experiência pessoal subjetiva da vida de uma pessoa em uma sociedade de dados. 14 "The desire to take what is normally falls outside of the scale of human senses and to make visible and manageable aligns data visualization art with modern science. Its subject matter, i.e. data, puts it within the paradigm of modern art. In the beginning of the twentieth century art largely abandoned one of its key – if not the key – function – portraying the human being. Instead, most artists turned to other subjects, such as abstraction, industrial objects and materials (Duchamp, minimalists), media images (pop art), the figure of artist herself or himself (performance and video art) – and now data." (MANOVICH, 2002, p.8) 44 Se nós temos interações diária com grande volumetria de dados e essas numerosas mensagens e interações fazem parte da nossa vida, Manovich faz refletir como podemos representar uma nova experiência. Por fim, ele escreve que os artistas de visualização de dados não podem esquecer que a arte tem a licença única de representar a subjetividade humana, incluindo agora novas dimensões de ser "imerso em dados”. A questão fundamental da estrutura de dados das visualizações são as bases de dados, que são os elementos chave no mapeamento de nosso entendimento da cultural digital. Durante os anos 90, as base de dados foram se desenvolvendo até o que se pode ser visto hoje como parte da nossa cultura de armazenamento. Desde a digitalização de bibliotecas, dos arquivos históricos (jornais, vídeos e fotos) e das coleções de museus até o contexto comercial, a Internet virou um gigantesco espaço de fluxo massivo de informação em sites, aplicativos e redes sociais, onde nestes espaços as bases de dados se tornaram uma forma essencial de organização cultural e memória de nossas ações. As bases de dados, como já foi mencionado, são parte essencial dessa relação entre os dados brutos que não são necessariamente representativos até serem inseridos em um contexto. O poder dos bancos de dados consiste na potencialidade de criar relações e múltiplas interpretações e conexões entre tipos de dados e na construção de narrativas a partir deles. A existência de dados digitais mediados por base de dados é um aspecto fundamental da arte digital em geral. Muitos trabalhos artísticos digitais explicitamente focam em diversos aspectos de uma cultura de banco de dados. Uma das características herdadas da arte digital está na tensão narrativa entre o que era estritamente linear, como em uma estrutura hierárquica de instruções, enquanto na lógica de base de dados, no território da Internet, funciona como um grande servidor com múltiplos diretórios de hyperlinks. No contexto da visualização, o uso do termo mapping, ou mapeamento, levanta questões como o "território" é cartografado, agora interpretando o espaço 45 em valores digitais. Em contraste a um mapa tradicional, que é baseado na relação estática com o espaço e pretende ajudar seu leitor a navegá-lo, um "mapa digital" pode responder constantemente às mudanças que seu dado representa. Isso também, potencialmente, permite aos leitores desses mapas customizarem de acordo com suas necessidades ou mesmo interagirem e gerarem e gravarem suas próprias experiências personalizadas nesses mapas mutáveis. Por exemplo, no site da empresa Mapbox15 é possível encontrar um exemplo de mutação de um mapa por cor baseada na relação de dados de participação eleitoral dos Estados Unidos (Fig. 17). Figura 17: Exemplo de mapa em tempo real em mutação Fonte: https://www.mapbox.com/solutions/real-time-maps O uso de dados em arte se passa normalmente pelo processo de visualização. As formas gráficas que são amplamente utilizadas em visualização de dados como infográficos com gráfico de barras, ou histogramas, ou gráficos de pizza, entre outros, buscam encontrar padrões e entender agrupamentos e 15 https://www.mapbox.com/solutions/real-time-maps 46 contrastes tendem a se modificar quando adentramos no campo da arte, quando essas representações saem da formalidade e buscam outras compreensões e expressões. Atualmente, na área tecnologia da informação, é cada vez mais recorrente que grandes corporações tenham acesso a possibilidade tecnológica de armazenamento de grande quantidade de dados (big datas). Big data, segundo Sam Madden (2012) "são dados muito grandes, muito rápidos ou muito complicados para uma ferramenta comum processar”. Nesse sentindo ser muito grande é ter muitos bytes acumulados, muito rápido significa que o dado não somente é grande, mas ele deve ser processado rapidamente, para, por exemplo, identificar rapidamente um usuário de uma grande base dados de usuários de uma rede social digital. Os artistas que hoje têm criado trabalhos com estéticas que podem funcionar como um diálogo síncrono e híbrido de um espaço físico e virtual, principalmente pelo uso de sensores e atuadores conectados à rede (Internet das coisas) criando uma experiência estética que se torna complexa em si, dada grandes coleções de informações. Nesse sentido, a arte de banco de dados ou arte de dados pode ser entendida como obras que utilizam dados como insumo criativo e meio para que através de tecnologias de banco de dados e de suas visualizações seja realizado uma interpretação de algum espaço, ideia, sentimento etc. Em 1998, no artigo Database as a Symbolic Form, Lev Manovich, que já vinha discutindo sobre cinema e novas mídias, trouxe que a lógica de base de dados como narrativa floresceu de fato na internet: Onde a forma de banco de dados realmente floresceu, no entanto, foi na Internet. Definido pelo HTML original, uma página da Web é uma lista sequencial de elementos separados: blocos de texto, imagens, videoclipes digitais e links para outras páginas. Sempre é possível adicionar um novo elemento à lista. Tudo o que você precisa fazer é abrir um arquivo e adicionar uma nova linha. Como resultado, a maioria das páginas da Web são coleções de 47 elementos separados: textos, imagens, links para outras páginas ou sites. (MANOVICH, 1998, p. 3)16 – Tradução nossa A possibilidade de editar as páginas online faz com que estes espaços nunca estejam completos. Os sites sempre crescem e adicionam novas camadas que contribuem para o aspecto não linear da web. Pois a história e os dados, assim como os aspectos da vida sempre mudam, são dinâmicos. A lógica de base de dados, quando não hibridizada, é divergente da mentalidade de narrativa linear, que cria a relação de causa-efeito de aparentes eventos desordenados, pois os dados representariam um mundo de uma lista de itens que não tem uma organização visível, mas que se tornam o centro do processo criativo na era computacional. Em 2001, Lev Manovich, já tinha uma visão da amplitude que uso do paradigma do banco de dados em trabalhos artísticos que utilizam computadores, quando escreveu: "O banco de dados torna-se o centro do processo criativo na era do computador. Historicamente, o artista faz um trabalho único dentro de um meio específico. Logo, interface e trabalho são o mesmo; em outras palavras, o nível de interface não existe. Com as novas mídias, o conteúdo do trabalho e a interface são separados. Então, é possível criar diferentes interfaces para o mesmo material" (MANOVICH, 2001, p.227) – Tradução nossa Embora o discurso de Manovich nesse tempo remetesse a um momento inicial em termos tecnológicos em relação à web, já havia em seu pensamento uma consciência em relação à uma mudança das estruturas narrativas e de como as novas mídias seriam criadas em decorrência desse novo paradigma. Outro ponto de vista sobre o paradigma do banco de dados foi apresentado por Sharon Daniel, uma artista americana que trabalha com a estética de banco de dados. Em 2004, em seu projeto Palabras, ela trabalhou com representações do espaço público através de redes de bases de dados mediadas por interfaces interativas. 16 Where the database form really flourished, however, is on the Internet. As defined by original HTML, a Web page is a sequential list of separate elements: text blocks, images, digital video clips, and links to other pages. It is always possible to add a new element to the list — all you have to do is to open a file and add a new line. As a result, most Web pages are collections of separate elements: texts, images, links to other pages or sites. 48 Um banco de dados é uma metaestrutura que mapeia uma infinidade de potenciais trajetórias para processos dialógicos e emergentes. O banco de dados e o mapa são muito mais do que simples ferramentas usadas para organizar, elaborar ou conservar o conhecimento; na verdade, eles são componentes significativos do nosso mundo perceptivo e de nossa percepção. (DANIEL, 2004, p. 287) – Tradução nossa Figura 18: Palabras, de Sharon Daniel (2004-2006) Fonte: http://www.sharondaniel.net/palabras Esta foi uma obra realizada em uma residência na Argentina, e segundo Daniel, foi pensada para facilitar a autorrepresentação coletiva de comunidades locais e promover a inclusão social. Ela buscou estabelecer, também, uma estrutura na qual as comunidades tecnologicamente desprivilegiadas e economicamente marginalizadas se engajariam em um diálogo social e político mais amplo, construindo seus próprios bancos de dados, compartilhando textos, sons e imagens de suas realidades. Este conceito que ela apresenta, se assemelha com o que Manovich já apresentara, quando se implica a possibilidade de se trabalhar com narrativas 49 não lineares que se conectam com nossa percepção do mundo, no caso dela, do espaço urbano. Já de acordo com Victoria Vesna (2007), os bancos de dados também são precursores de uma nova estética que pode definir o século XXI. Enquanto a estética predominante dos séculos XIX e XX foi a narrativa linear, onde o artista desejou essencialmente transmitir uma história com começo, meio e fim, as bases de dados, juntamente com a tecnologia baseada em hiperlinks, oferecem a possibilidade de desconsiderar uma sequência linear de eventos. Para Doris Kominsky (2012), o artista, na visualização de dados, se apropria dos insumos e técnicas para racionalizações de caráter científico e subverte-os em função de uma expressão particular que evidencia a ambiguidade de nossa percepção e da nossa experiência. No processo de produção artística com visualização de dados ligados a uma fase computacional pode-se relacionar trabalhos ligados à arte computacional com processos ligados a Arte Generativa. A Arte Generativa, como discorre Phillip Galanter (2003), é a produção artística criada através de sistemas generativos, os quais podem criar múltiplos resultados a partir de um programa de computador. Apesar de sistemas generativos não serem necessariamente processos computacionais, eles têm comportamentos autônomos, contribuindo com a multiplicidade de resultados randômicos: Arte generativa refere-se a qualquer prática artística em que o artista usa um sistema, como um conjunto de regras de linguagem natural, um programa de computador, uma máquina ou outra invenção procedimental, que é posta em movimento com algum grau de autonomia, contribuindo para ou resultando em uma obra de arte concluída. (Galanter, 2003, p.5)17 – Tradução nossa 17 Generative art refers to any art practice where the artist uses a system, such as a set of natural language rules, a computer program, a machine, or other procedural invention, which is set into motion with some degree of autonomy contributing to or resulting in a completed work of art. (Galanter, 2003, p.5). 50 Galanter (2003) cita que o importante nesse tipo de produção artística está em como o artista cede parcialmente ou totalmente o controle do processo criativo, o que potencialmente traz questionamentos sobre autoria e criatividade de uma obra. É notável que a possibilidade de ter uma multiplicidade de resultados na Arte Generativa dialoga tematicamente com a perspectiva de uma estética de banco de dados, pois se tem nestes resultados, a noção de uma não linearidade narrativa que apresenta resultados inesperados ou fora do controle do propositor, algo que Galanter apresenta com popular termo “efeito borboleta”, que significa que pequenas mudanças podem amplificar a caoticidade de um sistema. A não linearidade dos sistemas caóticos resultam na amplificação das pequenas diferenças e isso é o que torna eles cada vez mais difíceis de serem previstos com o tempo. Esta situação é normalmente referenciada como condição inicial de um "efeito borboleta" (Galanter, 2003, p.7)18 Outra relação que aproxima bastante a arte generativa da visualização de dados é a perspectiva do entendimento de sistemas complexos, tais como os fenômenos naturais. A partir do momento em que se busca interpretar as interações desses sistemas que Galanter chama de “auto-organizados”, pode- se trazer temas como causa-efeito, comportamentos de ecossistemas complexos como na instalação interativa Connected World. Figura 19 - Connected World (2015) 18 The nonlinearity of chaotic systems results in the amplification of small differences, and this is what makes them increasingly difficult to predict over time. This is usually referred to as sensitivity to initial conditions or "the butterfly effect” 51 Fonte: https://www.creativeapplications.net/openframeworks/connected-worlds-interactive- ecosystem-for-nysci-by-design-io/ Essa instalação foi feita para encorajar uma abordagem de pensamento sistêmico da sustentabilidade em que ações localizadas em um ambiente podem ter consequências globais. O público da obra trabalha com uma quantidade fixa de água no sistema digital e têm que trabalhar juntas para gerenciar e distribuir a água entre os diferentes ambientes que podem gerar o efeito causa-efeito em outros ambientes da obra. Quando se pensa no conceito de visualização de dados logo se imagina como um processo que tem como resultado algo visual, mas há outros processos ligados a visualização que estão conectados com outros tipos de naturezas como resultado o que acaba por expandir esse conceito. A sonificação dos dados é uma dessas possibilidades. Este conceito, segundo Thomas Hermann (2008), significa a utilização de áudio não vocal para transmitir informações. É a transformação de dados em sons por relações percebidas através de sinais acústicos para fins de comunicação. Segundo Wilson Roberto Avilla (2016), os aspectos acústicos, temporais e espaciais são os veículos das informações que representam os dados. Uma sonificação musical, então, envolve o mapeamento dos dados em uma estrutura musical, sendo escolhidos os valores de frequências de uma dada escala que tocam sobre um determinado tempo ou ritmo. 52 Fernando Iazetta e Augusto Piccinini (2018) comentam que a sonificação é um campo de pesquisa relativamente jovem e que remontam aos anos 90, quando foi possível ter acessibilidade aos equipamentos eletrônicos e tecnologias digitais, que são parte importante da técnica de sonificação. Eles afirmam que esse campo de pesquisa possui um tripé lógico de desenvolvimento de sonificações. A lógica de prestação de contas, é a que mais promoveria a interdisciplinaridade e se caracteriza como um processo de sonificação educacional, acessível e de fácil compreensão para um público diversificado. Há também a lógica de inovação com características de inovação tecnológica onde se tem uma sonificação científica preocupada com a aplicabilidade da técnica, que pode se encontrar nas disciplinas de design de interfaces, nos estudos de feedbacks sonoros no uso de interface computacionais. E, por fim, a lógica ontológica, onde a sonificação se torna um processo artístico que propõe uma nova forma de lidar com dados científicos e de incorporar problemas científicos com as práticas artísticas. Um exemplo interessante de sonificação artísticas de dados está no trabalho de Brian Foo, Rhapsody In Grey19 (2016) em que o artista utiliza os dados de um eletroencefalograma de uma paciente anônima com epilepsia (potencialmente insumos científicos) para compor uma trilha a partir de um algoritmo desenvolvido pelo artista. O objetivo dele é dar ao ouvinte uma visão empática e intuitiva da atividade neural do cérebro, órgão que ele considera complexo e fascinante, durante uma convulsão. Figura 20 – Rhapsody in Grey (2015) 19 https://vimeo.com/121042482 53 Fonte: https://datadrivendj.com/tracks/brain/ Ele criou três etapas dessa rapsódia musical. Uma etapa referente ao momento anterior à convulsão, uma referente ao evento da convulsão e a última sobre os momentos após a convulsão. Além disso, ele utilizou três características físicas das ondas sonoras para criar a composição: a amplitude, que aumentaria a o volume do instrumento, quando a amplitude da onda fosse maior; a frequência, que aumentaria a altura do som, quando a onda fosse mais rápida; e da comparação do ritmo para e sincronismo das diferentes ondas para adicionar instrumentos de percussão. Figura 21 – Explicação de uso dos parâmetros físicos em Rhapsody in Grey 54 Fonte: https://datadrivendj.com/tracks/brain/ Em contextos musicais, os dados podem ser mapeados para essas variáveis sonoras, bem como para outras dimensões musicais da onda sonora, como o tempo, forma e timbre. Percebe-se mudanças em cada um desses elementos simultaneamente, pois muitos aspectos da audição são intrinsecamente multidimensionais (Hermann et al., 2011). Um outro exemplo, já na publicidade, é a propaganda de vídeo20 da marca Doril "Enxaqueca não é frescura” em que é explorada a dor da enxaqueca para transformar em som as sensações incômodas da dor de cabeça. A produtora do vídeo, segundo matéria veiculada no site marcas pelo mundo21, afirmou que o som foi elaborado escolhendo minuciosamente os timbres sonos, auxiliados por especialista em neurociência, que na peça simbolizaram os sintomas em uma linha do tempo contínua representado pelo som que são atenuados pelo remédio da marca. Por todos estes exemplos, pode-se entender que, por meio do armazenamento de dados e a visualização desses, alguns artistas já têm 20 https://www.youtube.com/watch?v=PIDqgUYV5q8&feature=youtu.be 21 https://marcaspelomundo.com.br/destaques/doril-enxaqueca-transformou-em-som-a-dor-da-enxaqueca/ 55 desenvolvido algumas obras que de algum modo identificaram padrões e criaram interfaces que dialogam com novas estéticas multilineares em diferentes abordagens. A visualização de dados já é, em alguns casos, uma construção abstrata de como os dados são apresentados e armazenados como na construção de mapas temáticos. No entanto, da mesma forma que a arte representacional procura imitar a aparência de algo que existe na realidade, o mesmo acontece com as visualizações representacionais. Uma prática de visualização padrão normalmente envolve a obtenção de quantidades de dados que podem ser incompreensíveis para um indivíduo em um nível macro e o objetivo por vezes pode ser apresentá-la de tal forma que seja visualmente atraente e legível. Muitas vezes, há um apelo à sensibilidade estética que gera um interesse nos dados que estão sendo exibidos (cores, padrões). Em outros casos, se torna uma questão de encontrar o design visual que apresenta mais claramente os dados como muitas vezes são criados em infográficos. Enquanto esses trabalhos de representações de dados se referem a si na medida em que estão visualizando sua própria matéria-prima (os dados) como saída, a valorização de aspectos mais subjetivos que buscam uma narrativa mais emocional na arte de dados usa mais os dados como ponto de partida para sugerir algo que pode ser indefinível e ambíguo. A visualização representacional, então é mais sobre reconhecimento de padrões e permanecer nesses padrões como suficiente para gerar alguma compreensão dos dados. O fazer artístico com arte de dados busca compreender e se expressar com dados. Um outro aspecto interessante para ser futuramente explorado e discutido no contexto de visualização de dados na arte é próprio conceito em si. Como vimos e veremos em exemplos no capítulo a seguir, a visualização de dados pode ter como representação diversas naturezas (visual, sonora, tátil etc.) embora o termo "visualização" nos leve a pensar sempre em algo visual como resultado. 56 Talvez o termo Arte de Dados ou Arte Representacional de Dados sejam nomenclaturas conceituais que possam englobar essas diferentes naturezas que podem estar ou não juntas dentro de um mesmo resultado agrupado. Será interessante pensar nisso principalmente considerando as representações de dados sinestésicas ou as que trabalhem ao mesmo tempo com diversas naturezas. 57 4. OBRAS COM ARTE DE DADOS Este capítulo apresenta obras que estão inseridas temporalmente no contexto da arte computacional. Elas utilizam diferentes processos criativos, não necessariamente digitais, ligados à arte de dados como parte significativa da poética. As escolhas de obras foram direcionadas considerando as diferentes visões e paradigmas técnicos que são contemplados junto com as representações das relações entre as tecnologias empregadas e o processo sistêmico de transformação de estímulos do autor ou do público em visualizações de dados. Serão apresentadas obras de artistas que contribuíram para o entendimento geral do contexto da arte de dados atualmente e no próximo capítulo será apresentada uma obra que detalhada a experiência do autor desta dissertação com visualização de dados. Um dos pontos que norteiam os comentários das obras, que seguem ao longo deste capítulo, foi buscar entender no processo criativo quais foram os procedimentos e as estratégias para tornar visíveis os dados utilizados. 4.1 The File Room (1994) Apontada por Kominsky (2012) como a primeira obra que relaciona os conceitos de arquivos e de banco de dados, The File Room (Fig. 22 e Fig. 23), de Antoni Muntadas, artista espanhol, é uma instalação que foi montada primeiramente no Centro Cultural de Chigado em 1994 e que contêm uma compilação registros de casos de censura ao redor do mundo. 58 Figura 22 – Instalação The File Room (1994) Fonte: https://rhizome.org/editorial/2016/nov/17/antoni-muntadas-the-file-room/ Esta instalação (Fig. 22 e 23) do projeto realizada no centro artístico Randolph Street Gallery trazia a ideia de um lugar burocrático, trazendo além do computador que serviria como ponto de navegação e inserção do arquivo digital, paredes cheias de armários de arquivos e que, apesar de estarem iluminadas por diversos monitores, dava a dimensão de algo sombrio, de uma estética de vigilância. A intenção da obra foi reintroduzir materiais que foram deletados ou que não nunca puderam ser publicados por algum tipo de censura. O público da poderia explorar e colaborar com o arquivo computacional, como se fosse uma Wikipedia, por exemplo, para criar na instalação um espaço de consulta alternativo, visto que a internet ainda não estava popularizada à época. Muntadas, no site criado para a obra22, ele explica que ela surgiu como uma ideia de uma construção abstrata de um sistema aberto e interativo que permitiria, por diferentes perspectivas, se questionar e pensar sobre os atos de censura ao redor do mundo. O projeto se tornaria uma escultura social tridimensional que desafiaria as noções de censura e de autoridade e trataria 22 http://www.thefileroom.org 59 sobre questões como decisões políticas, futuro das tecnologias, e o controle da moral Figura 23: Instalação The File Room (1994) Fonte: https://anthology.rhizome.org/the-file-room A obra tem uma construção muito interessante e funciona como um grande banco de dados que traz uma noção de rede antes delas se popularizarem, mas que também propôs um modelo de alternativa de arquivamento e distribuição colaborativa de conhecimento. 4.2 - Apartment (2000-2004) A obra de visualização de dados Apartment (2000-2004) é um site desenvolvido por Martin Wattenberg e Marek Walczak, artistas norte- americanos. O público pode escrever palavras e textos de sua escolha que promovem a aparição de quartos em 2D (Fig. 24) como se fosse uma planta baixa de um apartamento. 60 Figura 24: Modelo criado através do Software Apartment Fonte: http://www.bewitched.com/apartment.html A arquitetura de cada apartamento se baseia na análise semântica das palavras escolhidas pelo público, que refletia na constituição dos temas que elas expressam. A palavra 'trabalho' pode criar um escritório, enquanto a palavra 'olhar' pode criar uma janela, isso funcionando somente para a língua inglesa. Apartament se conecta à escrita, em que a semântica da linguagem se torna simbólica para a criação de diferentes formas de configuração de espaços a depender de como os dados que são inseridos no software se relaciona com o banco de dados de palavras que a obra possui. Figura 25: Modelo criado através do Software Apartment 61 Fonte: http://turbulence.org/Works/apartment/ 4.3- I-Flux A obra I-Flux (Fig. 26-28) dos artistas brasileiros paulistas Silvia Laurentiz, Martha Gabriel e Fernando Iazzetta. O trabalho foi exposto no Itaú Cultural em São Paulo (SP), na bienal Emoção Art.ficial 6.0, em 2012. I-Flux é uma instalação interativa com uma visualização de dados contínua e dinâmica em uma obra de arte interativa que experimenta fluxos de informações de diferentes naturezas A obra23 combina a captura de informações de sensores do espaço da obra. Também captura informações do prédio o Itaú Cultural, que é o lugar de exposição da obra com o consumo de água e energia Também utiliza a rede social Twitter como outra camada de dados a ser explorada, de modo a criar uma visualização poética dos dados para interpretar o prédio como um ser vivo. Assim este ser é algoritmicamente criado e visualizado uma imagem projetada, como se fosse uma forma 23 https://www.youtube.com/watch?v=FXsK4D6M274 62 flutuando no espaço e em constante transformação, de acordo com a variação de dados do sistema criado. Esta obra funciona, no entendimento dessa pesquisa, como uma expressão que não pretende fornecer uma imagem óbvia entre obra e espectador, mas sim uma interação de um sistema sensível que captura e realiza fluxos de visualização de dados de diferentes organismos dinâmicos. Figura 26: Ser vivo em iFlux Fonte: Laurentiz (2013) Figura 27: Ser vivo de iFlux realizando interações Fonte: Laurentiz (2013 63 Figura 28: Interface do sistema de iFlux Fonte: Laurentiz (2013) 4.4 - WindMap (2012) A artista brasileira Fernanda Viégas e o norte-americano Martin Wattenberg montaram em 2012 um mapa de ventos em tempo real dos Estados Unidos (Wind Map). Reunindo dados do National Digital Forecast Database. Este trabalho representa os padrões de vento que fluem pelo Estados Unidos e apresenta-os como uma obra de arte em movimento, do vento pelo espaço, de forma indicial. Figura 29: Mapa de ventos dos Estados Unidos gerado pelo software do WindMap 64 Fonte: http://hint.fm/projects/wind/ É possível notar padrões e peculiaridades no mapa de ventos. Por exemplo, a Figura 30 mostras efeitos do Furacão Isaac que foi registrado em setembro de 2012, no Sul dos Estados Unidos, na região dos Estados do Golfo para o mapa de ventos. 65 Figura 30 - Mapa de ventos dos Estados Unidos gerado pelo software WindMap focado no estado de Lousiana Fonte: http://hint.fm/projects/wind/ É possível notar que esse tipo de trabalho foi criado a partir de dados já previamente trabalhados capturados e indexados, então a obra tem um processo de importação mais acessível, pois já há uma camada externa à obra que realiza a captura de dados físicos, mas ela ao mesmo se apresenta como um sistema mutável que em tempo real se transforma através da representação desses dados armazenados. Esse trabalho artístico, tem um tipo de abordagem diferente do I-Flux. Aqui, já mostra, por exemplo, o objeto da sua visualização, o país Estados Unidos, como um mapa que é mais representativo, dando uma noção geográfica e se aproximando da realidade de uma pesquisa científica, pois utiliza como "matéria-prima" dados do meio ambiente já interpretados. 4.5 – Esculturas de Nathalie Miebach Há outros exemplos, como as obras da artista Nathalie Miebach, em que a noção de visualização de dados torna-se mais ampla e expressiva. Mesmo em um período em que a tecnologia da informação aparece com grande capacidade de processamento de dados e se encontra tão presente. Para ela, criar 66 visualizações de dados de natureza táteis (esculturas de dados) como resultado é uma parte muito importante do seu processo criativo. Ela captura dados científicos relacionados à ecologia, mudanças climáticas e meteorologia e os transforma em estruturas tridimensionais. Ela utiliza principalmente a técnicas de tecelagem - em particular a tecelagem de cestos -, a qual ela dispõe para traduzir os dados no espaço tridimensional. Figura 31: Escultura "Hurricane Noel" (2011), de Natalhie Miebach Fonte: https://www.thisiscolossal.com/2016/03/nathalie-miebach-weather-sculptures/ Figura 32: Escultura "In the Shadow of a Giant" (2011), de Natalhie Miebach 67 Fonte: https://www.thisiscolossal.com/2016/03/nathalie-miebach-weather-sculptures/ Considerando que para ela as visualizações típicas, ou seja, as que vemos em cenários não artísticos são "didáticas" na forma como apresentam dados, ela chama suas esculturas de “poéticas”. Ela, em sua palestra no TedTalks de 201124 disse que se sentiu satisfeita explorando as esculturas em vez de “sacrificar essa dimensionalidade à tela do computador”. No lugar disso, ela busca criar narrativas que contêm traços de informação. Ela cria esculturas que consomem parâmetros de sua interpretação. Suas esculturas transformam a informação em diversos elementos subjetivos da escultura, mostrando que os dados podem ser visualizados por diferentes perspectivas e não somente na tela de um monitor. 24 https://www.ted.com/talks/nathalie_miebach_art_made_of_storms?language=pt-br 68 4.6 – Writing Without Words Stefanie Posavec adota uma abordagem semelhante à de Natalie Miebach. Ela, no entanto, usa das narrativas literárias para gerar dados. Usando romances, ela emprega o que ela chama de "ilustração de dados" para traçar padrões de dados na escrita. Posavec (2002) reconhece que há emoções diferentes associadas à fabricação manual de algo, do que fazer alguma coisa com uma máquina. Para ela é importante a utilização do trabalho manual e modelar um objeto a partir de uma matéria-prima, em vez de simplesmente tentar mostrá-lo em uma tela de computador. A mão ou corpo para ela é como uma experiência humana que pode ser perdida no plano de uma imagem digital, sendo ela interativa ou não. Explorando pessoalmente os textos, ela "visualiza" estilos de escrita e temas que se revelam a ela dentro do espaço do livro. O conteúdo do livro que ela lê se mistura com o seu percurso pessoal do texto para gerar uma nova maneira de gerar significado a partir dos dados que já estão lá. Em sua nova maneira de ler, então, ela gera uma série de ilustrações que documentam sua experiência de leitura e a visualização de um ato de leitura. 69 Figura 33: Desenvolvimento de Stefanie Posavec no projeto Writing Without Words Fonte: http://www.stefanieposavec.com/writing-without-words Ela em seu processo usa um método para coletar dados examinando de perto a estrutura básica de um romance a qual ela nomeou como "Organismo Literário”. Uma estrutura de árvore é usada para mostrar como uma parte do romance é dividida em capítulos, os capítulos são divididos em parágrafos, os parágrafos são divididos em sentenças e as sentenças são divididas em palavras. O resultado dessa divisão é uma estrutura celular semelhante a uma planta como na Figura 34 e Figura 35 70 Figura 34: "Organismo Literário" do projeto Writing Without Words Fonte: http://www.stefanieposavec.com/writing-without-words Tanto para Posavec como Miebach, os dados não são o foco principal do que está sendo visualizado, mas servem como base de algo criativo, sendo pontos de partida para a criação de algo mais sensível e não representativo. Para as duas artistas, há um tipo de significado que os dados pod