UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Vinícius Sanches Tizzo Mobilizações de Narrativas na (e para a) Formação de Professores: potencialidades no (e a partir do) Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência Rio Claro 2019 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro Vinícius Sanches Tizzo Mobilizações de Narrativas na (e para a) Formação de Professores: potencialidades no (e a partir do) Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Rio Claro, como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Educação Matemática. Orientadora: Profa. Dra. Heloisa da Silva Rio Claro 2019 Tizzo, Vinícius Sanches T625m Mobilizações de Narrativas na (e para a) Formação de Professores : potencialidades no (e a partir do) Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência / Vinícius Sanches Tizzo. -- Rio Claro, 2019 488 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro Orientadora: Heloisa da Silva 1. Pibid. 2. História Oral. 3. Educação Matemática. I. Título. Sistema de geração automática de fichas catalográficas da Unesp. Biblioteca do Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Rio Claro. Dados fornecidos pelo autor(a). Essa ficha não pode ser modificada. Vinícius Sanches Tizzo Mobilizações de Narrativas na (e para a) Formação de Professores: potencialidades no (e a partir do) Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência Comissão Examinadora Profa. Dra. Heloisa da Silva Unesp/Rio Claro (SP) – Orientadora Prof. Dr. Roger Miarka Unesp/Rio Claro (SP) Prof. Dr. Antônio Vicente Marafioti Garnica Unesp/Bauru (SP) Profa. Dra. Luzia Aparecida de Souza UFMS/Campo Grande (MS) Prof. Dr. Marcelo de Bezerra Morais UERN/Mossoró (RN) Resultado: APROVADO Rio Claro – SP, 25 de fevereiro de 2019. À memória de Joaquim, Marim, Romulo e Vicente. Anjos que se foram durante esse processo, mas que deixaram marcas profundas em meu coração e em meu modo de ver a vida. AGRADEÇO... Às vezes a parte mais difícil da vida é dar o que temos, não a materialidade, mas a oportunidade de ser para o outro, ser a sua melhor parte, ser o melhor filho, o melhor irmão, o melhor amigo, o melhor marido, o melhor pai... A minha família é o melhor livro que eu li em toda a minha vida, essa família é a melhor faculdade em que estudei, é o melhor assunto de dissertação ou tese de doutorado sobre o qual poderia escrever. Porque a minha família é a morfologia da vida, é o formato de tudo o que é vivo para mim, isto porque, eles sempre me ensinaram que a gente não devia economizar o que éramos um para o outro. Por isso, Fátima, José, Lucas e Juliana, mesmo que hoje em dia a nossa vida esteja tão diferente, esse aprendizado não sai de mim: o essencial da minha vida é que embora às vezes não possa fazer muitas coisas pelas pessoas, sempre tenho a oportunidade de ser e isso me encoraja a seguir em busca de novas experiências e afetos. À Amanda, minha esposa, que se mantém forte o tempo todo ao meu lado. Sou grato por cada gesto, cada sorriso. Ela devir-espuma; eu, devir-vapor; nós dois, devir-amor. À Heloisa, minha orientadora, que é muito especial para mim e a tenho em alto grau de afeto e admiração, pois você supera, ressignifica, volta a sorrir e recomeça ainda mais forte. Sua orientação foi um presente que a vida me deu. A você ofereço meu carinho e minha lealdade. Ao Vicente, sempre! Pela generosidade e por proporcionar minha aproximação com o Ghoem e com as teorias/inspirações de pesquisa. À Luzia, pessoa pela qual cultivo respeito, carinho e admiração que são indescritíveis. Estar com você é sempre transbordar coragem. Obrigado por seu cuidado desde nosso primeiro contato em me olhar mais devagar, pois nessa vida muitos me olharam depressa demais. Ao Roger, querido, que talvez mesmo sem saber, transformou minha vida ao incentivar meu ingresso na pós-graduação na Unesp em Rio Claro. Sua presença é sempre inspiradora. Ao Marcelo, pelo respeito, companheirismo e envolvimento que tanto me inspiram. Como é bom nossos caminhos terem se cruzado. Aos professores Eugênio, Laura, Maria Bernadete, Maria Rosa e Roberto. O modo como entrei em contato com eles definiu o modo como saí, embora as mudanças possam parecer imperceptíveis, fazem parte do que sou hoje. É isso que esses professores fizeram por mim e, espero, que ao escutá-los, eu também tenha feito algo por eles. Aos integrantes do Pibid da Unesp/Rio Claro, especialmente aqueles vinculados ao curso de Licenciatura em Matemática entre os anos de 2014 e 2018, pela receptividade. Tenho ciência da gravidade do cenário político-social ao qual estamos imersos, o que pesa na intenção de se comemorar algo, mas não poderia deixar de agradecer aos meus amigos por reforçarem nossos laços das maneiras mais diversas. Só consigo ver o lado positivo da vida porque tenho vocês. Sou muito grato pelas amizades que fiz nessa vida. Às queridas companheiras de jornada, minhas irmãs de orientação, Ana Cláudia, Adriane, Camila, Flávia, Iara, Janaina, Janile e Marinéia, as quais nutro os mais profundos sentimentos de respeito, admiração e cumplicidade. Aos amigos do Ghoem, pelas sugestões, as leituras, críticas, companheirismo, paixão e afeto. De modo especial, agradeço aos integrantes do grupo em Rio Claro: Alexsandro, Bruna, Douglas, Erica, Eliete, Ivete, Jean, João Pedro, Leoni, Lidiane, Natalia e Silvana. Ao Thiago Donda pelo incentivo e cuidado desde o início dessa jornada. Aos meus irmãos, Anderson, Bruna, Washington, Tayna, Vicente e Bella, pela família que constituímos em Rio Claro. Aos amigos do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da Unesp/Rio Claro. Aos companheiros de trabalho no Boletim de Educação Matemática – Bolema. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001. A todos vocês faço um agradecimento profundo. Um agradecimento que estabelece um vínculo, um comprometimento com os que estiveram envolvidos nesse processo rizomático de formação e de estabelecimento de afetos. Obrigado! Com isso quero dizer que fico obrigado perante vocês. Fico vinculado a vocês. Fico comprometido com vocês. Com o diálogo, com a interlocução. Fico empenhado em continuar esse contato e poder contribuir, na medida das minhas possibilidades, para os seus projetos, para os seus trabalhos, para as suas reflexões. É esse diálogo que quero e é nesse preciso sentido que lhes digo: MUITO OBRIGADO! Medo é necessário, faz sentido. Só não dá para ter medo de ter medo, paralisar e deixar as histórias passarem sem encontrar quem as conte. Ficar escondido atrás do computador, achando que o fato de escolher em que mundo virtual entrar, quando sair, quais e-mails responder e quais deletar é ter vida sob controle configura, talvez, a grande ilusão contemporânea. Por mais que você escolha não viver, a vida te agarra em alguma esquina. O melhor é logo se lambuzar nela, enfiar o pé na jaca, enlamear os sapatos. Se quiser um conselho, vá. Vá com medo, apesar do medo. Se atire. Se quiser outro, não há como viver sem pecado. Então, faça um favor a si mesmo: peque sempre pelo excesso. A vida que ninguém vê, Eliane Brum (2006, p. 194). Resumo Elaborar uma compreensão sobre as mobilizações de narrativas e suas abordagens na (e para a) formação de professores no âmbito dos subprojetos Pibid, da Unesp/Rio Claro, foi o objetivo desta pesquisa. Elegeu-se o Pibid como cenário a ser investigado por se tratar de uma política pública de formação de professores e porque se verificou, por meio de uma análise do projeto institucional da Unesp (Unesp-Pibid, 2013), que muitos de seus subprojetos apresentavam propostas de formação com abordagens narrativas. Para tanto, sob os pressupostos da História Oral na Educação Matemática, lançamos um olhar para as ideias que envolvem o trabalho com narrativas no processo de formação formal de professores, tendo como disparador de perspectivas, entrevistas realizadas com os professores coordenadores de área de seis diferentes subprojetos Pibid da Unesp/Rio Claro, a saber: Educação Física, Física, Geografia, Interdisciplinar/EJA, Matemática e Pedagogia. Por meio do estudo dessas entrevistas, buscamos compreender como as narrativas vêm sendo mobilizadas em processos formativos no âmbito do Pibid da Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro. A pesquisa tende a contribuir com os trabalhos do Grupo História Oral e Educação Matemática – Ghoem, do qual o pesquisador é integrante, e com uma de suas linhas de pesquisa, intitulada História Oral, Narrativas e Formação de Professores: pesquisa e intervenção, cujo objetivo principal é o de elaborar, aplicar e analisar estratégias alternativas para a formação de professores que ensinam Matemática considerando, dentre tais estratégias, a História Oral e, mais amplamente, as narrativas sobre a escola. Em linhas gerais, esta pesquisa sinaliza que a potência do trabalho com narrativas em processos de formação de professores está atrelada a uma política da narratividade, que compreende uma dimensão ética, porque respeita a visão de mundo dos envolvidos; também estética, pois propõe um estilo de escrita, modos de se elaborar a narrativa; e política, porque diz respeito ao empoderamento pessoal. Nesse sentido, o trabalho com narrativas não se trata de uma imposição, mas opera como oficinas de experimentação que tem potência de criação de realidades que permitem aos futuros professores acessarem aspectos de sua própria constituição que talvez de outro modo nem fosse possível. Palavras-chave: Pibid. História Oral. Educação Matemática. Abstract Elaborating an understanding of narrative mobilizations and their approaches to (and for) teacher training within the scope of the Unesp/Rio Claro Pibid subprojects was the objective of this research. The Pibid was chosen as the scenario to be investigated for being a public policy of teacher training and because, through an analysis of Unesp's institutional project (Unesp-Pibid, 2013), many of its subprojects presented training proposals with narrative approaches. Therefore, under the assumptions of Oral History in Mathematics Education, we take a look at the ideas that involve the work with narratives in the process of formal teacher training, taking as a perspective trigger, interviews with teachers coordinators of area of six different Pibid subprojects of Unesp/Rio Claro, namely: Physical Education, Physics, Geography, Interdisciplinary/EJA, Mathematics and Pedagogy. Through the study of these interviews, we sought to understand how the narratives have been mobilized in formative processes within the scope of the Pibid of the Universidade Estadual Paulista, campus of Rio Claro. The research tends to contribute to the work of the Group Oral History and Mathematical Education – Ghoem, of which the researcher is a member, and one of his lines of research, entitled Oral History, Narratives and Teacher Training: research and intervention, whose The main objective is to elaborate, apply and analyze alternative strategies for the formation of teachers who teach mathematics considering, among these strategies, Oral History and, more broadly, the narratives about the school. In general terms, this research indicates that the power of work with narratives in teacher training processes is linked to a narrative policy, which includes an ethical dimension, because it respects the world view of those involved; also aesthetic, because it proposes a style of writing, ways of elaborating the narrative; and politics, because it concerns personal empowerment. In this sense, the work with narratives is not an imposition, but operates as experimental workshops that have the power to create realities that allowed future teachers to access aspects of their own constitution that might not otherwise be possible. Keywords: Pibid. Oral History. Mathematical Education. Lista de Abreviaturas e Siglas ASIHVIF – Associação Internacional de Histórias de Vida em Formação e Investigação na Educação ATPC – Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo ATPI – Aula de Trabalho Pedagógico Individual BAAE – Bolsa de Apoio Acadêmico e Extensão BNCC – Base Nacional Comum Curricular Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CEA – Centro de Estudos Ambientais CEB – Câmara de Educação Básica Cecemca – Centro de Educação Continuada em Educação Matemática, Científica e Ambiental Cenp – Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas CEPFE – Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores CIC – Congresso de Iniciação Científica da Unesp CIDTFF – Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores CNE – Conselho Nacional de Educação CNFP – Congresso Nacional de Formação de Professores CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico DEB – Departamento de Educação Básica DEPEM – Departamento de Modernização e Programas da Educação Superior DOU – Diário Oficial da União EJA – Educação de Jovens e Adultos Enade – Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes Enalic – Encontro Nacional das Licenciaturas Enem – Exame Nacional de Ensino Médio Enpeg – Encontro Nacional de Práticas de Ensino em Geografia Enpurc – Encontro Pibid Unesp Rio Claro Etec – Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza FAFI – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo Fuvest – Fundação Universitária para o Vestibular FHO/Uniararas – Fundação Hermínio Ometto FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Forpibid – Fórum Nacional dos Coordenadores Institucionais do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência Gepec – Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Continuada Ghoem – Grupo História Oral e Educação Matemática Hemep – Grupo História da Educação Matemática em Pesquisa HTPC – Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo HTPI – Hora de Trabalho Pedagógico Individual IB – Instituto de Biociências Ideb – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica Idesp – Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo IES – Instituições de Ensino Superior Ifes – Institutos Federais de Ensino Superior IGCE – Instituto de Geociências e Ciências Exatas Inep – Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Ipes – Instituições Públicas de Ensino Superior LBD – Diretrizes e Bases da Educação Nacional Life – Programa de Apoio a Laboratório Interdisciplinar de Formação de Educadores MEC – Ministério da Educação MIT – Instituto de Tecnologia de Massachusetts NE – Núcleo de Ensino NEAPSI – Núcleo de Estudos Avançados em Psicologia Cognitiva Comportamental NEPEF – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Formação Profissional no Campo da Educação Física Obeduc – Observatório da Educação Parfor – Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais PEB I – Professora da Educação Básica PEJA – Projeto de Educação de Jovens e Adultos da Unesp PES – Grupo de Pesquisa Psicologia e Educação Superior Pibid – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência PPP – Projeto Político Pedagógico PQ – Bolsa de Produtividade em Pesquisa Prodocência – Programa de Consolidação das Licenciaturas Prograd – Pró-Reitoria de graduação Prope – Pró Reitoria de Pesquisa da Unesp PT – Partido dos Trabalhadores RDIDP – Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa Rede Formad – Rede de Formação Docente: narrativas e experiências RI – Recuperação Intensiva Reuni – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Saresp – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo SEB – Secretaria de Educação Básica Sesu – Secretaria de Educação Superior Sinaes – Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior TCC – Trabalho de Conclusão de Curso TICs – Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação UAB – Universidade Autônoma de Barcelona UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UFMS – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul UFScar – Universidade Federal de São Carlos UFTM – Universidade Federal do Triângulo Mineiro Unesp – Universidade Estadual Paulista Unicamp – Universidade Estadual de Campinas UniRio – Universidade Federal do Rio de Janeiro USP – Universidade de São Paulo Vunesp – Fundação para o Vestibular da Unesp Sumário Prólogo ..................................................................................................................................... 14 Introdução ............................................................................................................................... 24 Sobre o subprojeto Pibid/Pedagogia, o contato e a entrevista com a professora Laura Noemi Chaluh .............................................................................................................. 36 É a partir da escrita e da fala que assumimos o nosso lugar no mundo ............................ 38 Sobre o subprojeto Pibid/Educação Física, o contato e a entrevista com o professor Roberto Tadeu Iaochite ......................................................................................................... 61 Que o aluno tenha condições de ser autônomo na construção do seu próprio conhecimento ........................................................................................................................... 63 Sobre o subprojeto Pibid/Interdisciplinar/EJA, o contato e a entrevista com a professora Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo .................................................... 96 Pensamento que se produz na ação de ler, pensar, escrever... ........................................... 98 Sobre o subprojeto Pibid/Geografia, o contato e a entrevista com a professora Maria Bernadete Sarti da Silva Carvalho .......................................................................... 117 Pipocas pedagógicas: um refinamento para a percepção das coisas................................ 119 Sobre o subprojeto Pibid/Física, o contato e a entrevista com o professor Eugenio Maria de França Ramos ....................................................................................... 153 Os acasos do espaço escolar são oportunidades de discussão e de problematização ...... 155 Sobre o subprojeto Pibid/Matemática, o contato e a elaboração com a professora Heloisa da Silva ..................................................................................................................... 196 A identidade do pibid não é fixa: depende de quem fala .................................................. 198 Sobre o pibid: marcas de uma política de formação docente em transformação ........... 215 (De) formação de professores: um convite para os encontros .......................................... 237 As narrativas na (e para a) formação de professores ........................................................ 253 Algumas singularidades sobre mobilizações de narrativas em cenários de formação de professores ........................................................................................................................ 263 Tramas procedimentais: a História Oral mobilizada ....................................................... 364 Entre métodos e teorias: História Oral, Cartografia, inspirações, afetos, desejos, caminhos... ............................................................................................................................ 392 Algumas considerações ........................................................................................................ 410 Referências bibliográficas .................................................................................................... 416 Anexos .................................................................................................................................... 442 Apêndices ............................................................................................................................... 481 14 Prólogo Como determinar o momento exato em que uma história começa? Tudo começou desde sempre, a primeira linha da primeira página de cada romance remete a alguma coisa que você já leu fora do livro. Ou então a verdadeira história é aquela que começa dez ou cem páginas depois, e tudo o que a precede não é mais que um prólogo. As vidas humanas formam uma trama contínua, onde cada tentativa de isolar um fragmento do vivido desligado do resto – por exemplo, um encontro entre duas pessoas que se tornará decisivo para ambas – deve levar em conta que cada um dos dois arrasta consigo um tecido de fatos, lugares, outras pessoas, e que desse encontro decorrerão de novo outras histórias, que por sua vez se separarão de sua história comum. Se um viajante numa noite de inverno, Italo Calvino (1990, p. 114). Encontrar um marco que tenha disparado meu desejo pela carreira docente não é fácil, sobretudo porque não venho de uma família com pessoas ligadas à docência, de tal modo, seria um equívoco atribuir meu investimento na profissão a uma inspiração quer seja paternal ou maternal. Por essa razão, inicio esse prólogo tratando brevemente sobre minhas origens: sou Vinícius, filho do José Luiz, mecânico, e da Fátima, doméstica, irmão de Lucas, bacharel em Direito, juntos, somos os únicos dois filhos do casal e os primeiros da família a cursar uma universidade pública. Vivi durante os primeiros cinco anos de vida no sítio de propriedade de meu avô paterno, localizado no município de Santa Clara D’Oeste/SP, onde, naquela época – meados de 1989 e 1995 – meus pais trabalhavam como lavradores. Em 1995, nos mudamos para cidade de Santa Fé do Sul/SP, em que residi até 2008, quando me mudei para Paranaíba/MS para cursar a graduação. E, neste ponto, opto por iniciar a construção deste breve memorial a partir das razões que me levaram a ingressar em um curso de licenciatura em Matemática, levando em consideração o acaso. Sim, o acaso de “sonhar” com o ingresso no curso de Engenharia Mecânica e, por razões de concorrência no vestibular, optei por utilizar o curso de Matemática como um “trampolim” para pleitear uma vaga no tão sonhado curso de engenharia. Entretanto, ainda não sei se a engenharia realmente era um sonho, talvez, esse pseudo sonho, tenha sido influenciado por minha atuação como torneiro mecânico, desde os doze anos de idade, em uma oficina de desenvolvimento de equipamentos em Santa Fé. Nesse trabalho, aliava, principalmente, os conteúdos matemáticos estudados no ensino regular na escola pública, às atividades que desenvolvia na oficina, deste modo, o envolvimento com as temáticas ligadas à Matemática, tornou a área de exatas sedutora. Além disso, a empresa contava com diversos estudantes do curso de Engenharia Mecânica da Unesp 15 de Ilha Solteira/SP que vinham cursar seus estágios em Santa Fé. As conversas com esses estagiários me revelaram três situações bastante confortáveis e significativas, isto é, a possibilidade de ingressar em um curso que me daria a oportunidade de me especializar na área em que eu já atuava; me dedicar às exatas; e, principalmente, cursar a graduação em uma universidade pública, aspecto muito valorizado em uma cidade do interior que conta apenas com uma fundação educacional municipal. Ao final do Ensino Médio, em 2006, me candidatei ao curso de Engenharia Mecânica em três universidades distintas, mas em todos os vestibulares fiquei na lista de espera e não fui convocado posteriormente, com isso optei por ingressar em um cursinho pré-vestibular. Nesse cursinho, foram seis meses de muita tristeza e desmotivação, isto porque, a maioria dos colegas que concluíram o Ensino Médio junto comigo, já estavam cursando uma graduação enquanto eu ainda me via envolto a indefinições de futuro. No fim do primeiro semestre de 2007, um dos professores desse cursinho me alertou sobre o vestibular de inverno da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, inclusive com oferta de cursos para o campus de Paranaíba/MS, cidade a aproximadamente oitenta quilômetros de distância de Santa Fé. No entanto, o único curso ligado à área de exatas seria o de Matemática, cuja concorrência por uma vaga era menor do que em um curso de Engenharia. Busquei algumas informações no site da instituição e descobri a possibilidade de transferência entre cursos da mesma área dentro da própria universidade. A essa altura dos acontecimentos, não queria nem saber se a concorrência para tal modalidade de transferência era maior ou menor que a de um vestibular, simplesmente desejava me livrar da angústia de não ter ingressado em um curso superior. Me candidatei para o vestibular de inverno, fui aprovado e ingressei no curso de licenciatura em Matemática no segundo semestre do ano de 2007. Em pouco tempo me envolvi tanto com a licenciatura em Matemática da UFMS que nem me recordava que um dia pensei em transferência para outro curso. O primeiro ano foi cheio de descobertas, sobretudo, por um fator que atualmente observo como recorrente aos ingressantes em cursos de licenciatura em Matemática, isto é, optei por um curso de Matemática, logo esperava operar apenas com matemática. No entanto, com exceção da disciplina Fundamentos da Matemática Elementar, as demais disciplinas do curso, no primeiro ano, eram voltadas para questões educacionais. Foi a partir daí que comecei a entender a diferença entre os cursos de bacharelado e de licenciatura, embora esse tema já tenha sido apresentado a mim durante os anos do Ensino Médio. 16 Nesse início do curso foram muitos os enfrentamentos, especialmente no decorrer do primeiro semestre. Naquela época, meus pais iniciaram um pequeno negócio – uma sorveteria – em Santa Fé, com isso, pela proximidade entre as duas cidades e pela possibilidade de transporte noturno diário entre elas, optamos pelas viagens, ou seja, trabalhava durante o dia na sorveteria e a noite viaja para cursar a graduação na UFMS em Paranaíba. Essas viagens se mantiveram apenas nesse primeiro semestre, pois os riscos eram significativos, sobretudo, pela situação de degradação da rodovia que liga os dois municípios que, aliás, se mantém até os dias atuais. Em seis meses, foram incontáveis os acidentes que presenciei. Além disso, entre o estado de São Paulo e Mato Grosso do Sul, existe a diferença de uma hora de adiantamento no fuso horário, circunstância que favorecia a ida, mas a volta tornava-se mais cansativa, já que a chegada acontecia em horário já avançado na madrugada. Por essa razão, a opção tomada em família, foi por residir em Paranaíba durante a semana e, às sextas-feiras, retornava à Santa Fé para, durante o fim de semana, colaborar com o trabalho na sorveteria. Estando em Paranaíba, pude me envolver mais diretamente com o curso e perceber algumas questões emergentes na Instituição e mais especificamente no curso que influenciam a vida acadêmica dos discentes, por exemplo, estávamos locados em um prédio recém construído, na verdade, a inauguração do prédio ocorreu no primeiro dia letivo do segundo semestre de 2007, antes, a UFMS de Paranaíba funcionada em um espaço cedido pela Secretaria Estadual de Educação em uma escola de Ensino Fundamental e Médio do município. E justamente por ocupar esse novo espaço, algumas demandas estruturais dos três cursos oferecidos pela UFMS em Paranaíba – Administração, Licenciatura em Matemática e Bacharelado em Psicologia –, estavam em processo de adequação, como a ausência de gabinetes para os professores; biblioteca pouco aparelhada; falta de laboratórios; de cantina; ausência de transporte coletivo, já que a universidade ficava localizada a alguns quilômetros da cidade e o acesso era feito por uma via sem pavimentação; além disso, e talvez mais importante, na instituição havia uma ausência significativa de recursos humanos para operar com as demandas exigidas por um campus universitário. Então, nesse início, não se contava no campus com técnicos administrativos efetivos e, o mais grave, a falta de professores aprovados por meio de concurso público era acentuada. Os poucos docentes efetivos se desdobravam entre atividades de ensino, pesquisa, extensão e administração. A maior parte das disciplinas eram ministradas por professores contratos por um regime de seleção que estabelecia um vínculo temporário com a instituição, quase sempre de dois anos, depois disso, o docente contratado deveria obedecer a uma regra de afastamento de igual período para que pudesse novamente concorrer ao processo seletivo para contratação 17 temporária. Acontece que nesse período não eram muitos professores disponíveis e que manifestavam interesse em ocupar um cargo docente com essas características. O resultado foi que durante um certo período, os mesmos professores que eram contratados, depois de terem seus contratos finalizados, continuavam na função como voluntários e essa circunstância acontecia por motivos que abarcavam, por exemplo, o envolvimento pessoal com o campus, com os alunos e com os colegas de profissão. Foi nesse primeiro ano, por meio de uma disciplina intitulada “Leitura e Produção de Textos em Matemática”, ministrada por Thiago Donda Rodrigues, à época lecionando como professor contratado, que tive meu primeiro contato com a Educação Matemática e, de certo modo, com o universo que envolve a pesquisa nessa área. Pois, durante a disciplina, depois da leitura e discussão de textos relacionados às diferentes tendências da Educação Matemática, foi proposta uma atividade em que os alunos apresentassem modos distintos de se operar com a Matemática. Lembro de ter me empenhado em produzir um texto que tratava sobre a matemática na técnica de encabar uma enxada, para isso, entrevistei meu avô que durante a nossa conversa, ao saber que se tratava de um trabalho para a faculdade, fez questão de realizar todo o processo e ao final fotografar a enxada encabada. Os trabalhos produzidos pelos discentes foram submetidos na modalidade de pôster ao Terceiro Congresso Nacional de Etnomatemática, realizado em Niterói/RJ, no início de 2008. Meu trabalho foi aprovado e essa foi a primeira vez que tive oportunidade de conhecer, de modo mais próximo, alguns autores que antes apenas havia tido contato por meio dos textos discutidos na disciplina. Vale também sinalizar aqui que tal participação foi possibilitada pelo fomento financeiro de participação em eventos científicos, à época oferecido pela universidade. Também foi durante o primeiro ano do curso que tive meu primeiro contato com a professora Heloisa da Silva, naquela oportunidade ela ministrou um minicurso na Semana de Matemática promovida pelo curso e que foi organizada pela professora Silvia Regina Vieira da Silva, à época uma dos únicos dois professores efetivos do curso e que além de docente, acumulava o cargo de coordenadora e, na ausência do titular, ocupava também a função de diretora do campus1. Com a mudança de cidade, além de me livrar dos riscos da viagem, pude me dedicar, de modo mais integral, às atividades da graduação, isto é, me envolvi de maneira mais direta com as demandas curriculares do curso, e também tive oportunidade de atuar em diferentes 1 A professora Silvia se doutorou em Educação Matemática na Unesp em Rio Claro, trabalhando com a História Oral, e dessa experiência surgiu a interlocução entre ela e a professora Heloisa, que a convite de Silvia, participou desse evento que foi um dos primeiros promovidos pelo curso com a participação de professores externos à licenciatura em Matemática da UFMS de Paranaíba. 18 frentes que extrapolavam o conteúdo programático da licenciatura. Por ser um curso noturno, a maioria dos licenciandos eram trabalhadores do munícipio ou de cidades vizinhas. Diferente deles, nesse período, passei a frequentar o campus durante o dia e, desse modo, pude me aproximar das atividades desenvolvidas pelos professores. Em meio a tal envolvimento, surgiu a possibilidade de desenvolver – como aluno voluntário – uma iniciação científica vinculada a um projeto coordenado pela professora Silvia que, em linhas gerais, tinha como objetivo estudar o uso do livro didático de Matemática nas escolas públicas de Paranaíba. Estavam vinculados a esse projeto outros dois alunos do curso, Anderson Afonso da Silva e Washington Campos Marques, e o professor Paulo Isamo Hiratsuka da Unesp/Ilha Solteira, que atuava como colaborador e que quinzenalmente acompanhava presencialmente o desenvolvimento das atividades do projeto. Durante a execução dessa iniciação científica, além do acompanhamento de algumas aulas, realizamos – eu e Anderson – entrevistas com professores das redes municipal e estadual de ensino em Paranaíba, sobre como trabalhavam com o livro didático de Matemática. Nessas entrevistas, seguimos alguns protocolos de trabalho da História Oral na Educação Matemática que nos foram apresentados pela Silvia. Posteriormente, por meio de algumas possibilidades da Fenomenologia, apresentada por Paulo Isamo, analisamos os dados produzidos a partir dos momentos de entrevistas. Durante esse primeiro movimento propriamente analítico de minha vida acadêmica, busquei pelas incoerências entre o dito nas entrevistas sobre a temática Resolução de Problemas e o que era feito em sala de aula pelos professores que participaram de minha investigação. A incoerência se dava por conta da afirmação de que trabalhavam com Resolução de Problemas, mas ao observar a aula, nada disso era possível de ser identificado. Nessa época, a professora Luzia Aparecida de Souza, já havia ingressado no curso por meio de um concurso público para efetivação docente no campus da UFMS em Paranaíba. Além de ministrar Prática de Ensino para minha turma, ela trabalhava com uma disciplina da qual eu atuava como monitor e, por isso, foi gerada uma possibilidade de diálogo mais frequente entre nós. Dentre algumas dessas conversas, tratamos sobre meu movimento de pesquisa e em relação a possibilidade, mais coerente, de se investigar não o rastro de uma aparente ilusão, mas a lógica operante àqueles professores de forma que eles acreditavam estarem trabalhando com Resolução de Problemas, a partir do que isto significava para eles. Essa orientação fomentou em mim uma postura de escuta atenta diante de um interlocutor que desde então cultivo em meus afazeres profissionais e que, de algum modo, me insere em um 19 movimento estético, ético e político de exercitar outras formas de pensar, de problematizar. E, talvez, seja por isso meu interesse e entusiasmo com as operações da Educação Matemática. Ao longo da graduação, além da iniciação científica, me envolvi com o movimento estudantil, por meio da presidência do centro acadêmico do curso; fui representante discente junto ao conselho da licenciatura em Matemática; membro de comissão eleitoral para escolha do diretor do campus, de organização de eventos e de reivindicações; atuei junto a projetos de pesquisa e de extensão desenvolvido por professores dos diferentes cursos do campus, bem como com professores de outras instituições da cidade; participei de grupos de estudos relacionados à Matemática, à Educação e à Educação Matemática, inclusive, entre 2008 e 2010, vindo à Rio Claro, em que mensalmente acompanhava presencialmente as discussões do grupo de Etnomatemática e Educação Matemática, à época liderado por Pedro Paulo Scandiuzzi, possibilidade que foi aberta pelo vínculo do professor Thiago com esse grupo; me envolvi com atividades de programas de assistência estudantil, como o Bolsa Permanência e o Vale Alimentação, que efetivamente tornaram mais estável meu vínculo com a universidade; e também fui bolsista de iniciação à docência do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – Pibid, desde o início do programa nas universidades federais, em meados de 2008. Na UFMS em Paranaíba a professora Silvia foi a responsável pela elaboração do subprojeto Pibid/Matemática. Por meio da parceria com uma escola estadual da cidade, muitos alunos do curso de licenciatura em Matemática da UFMS, como eu, tiveram no Pibid sua primeira oportunidade de contato direto com a escola antes do estágio obrigatório. A bolsa oferecida aos professores em formação com um valor mais significativo e a possibilidade orçamentária oferecida pelo Pibid de aquisição de materiais permanentes, de consumo e de fomento a participações em eventos, além promover o contato dos estudantes com obras e trabalhos até então indisponíveis na biblioteca do campus, possibilitou o estabelecimento de interlocuções com os autores de tais trabalhos por meio da participação dos estudantes vinculados ao Pibid em feiras, fóruns, simpósios, encontros e eventos de divulgação científica. No meu caso, por exemplo, um dos eventos mais significativos que pude participar nesse período, apresentando as atividades desenvolvidas pelo Pibid/Matemática da UFMS de Paranaíba, foi o X Encontro Nacional de Educação Matemática realizado em Salvador, em 2010, com todas as despesas subsidiadas pelo programa. Aliás, quero destacar que foi nesse evento meu primeiro contanto mais direto com os integrantes do Grupo História Oral e Educação Matemática – Ghoem e desde então passei a manter uma interlocução frequente com os trabalhos do grupo. 20 O início das atividades do Pibid na UFMS em Paranaíba foi marcado por um período de descobertas – tanto da universidade como da escola – sobre as potencialidades abertas pela parceria direta, frequente e permanente com a escola. No primeiro momento, nós, bolsistas de iniciação à docência, sob a supervisão dos professores da escola e a coordenação da professora Silva na universidade, elaboramos um mapeamento sobre as possíveis frentes de atuação, dentre elas começamos a operar com intervenções em sala de aula, trabalho com atividades de reforço escolar e também com a elaboração de atividades pedagógicas por meio da utilização do computador em vista de uma demanda da escola. Tais atividades foram desenvolvidas com essa estrutura ao longo de praticamente um ano, até que em razão do desligamento da professora Silvia – por conta de um compromisso assumido com um concurso para efetivação em outra universidade –, a professora Luzia assumiu a coordenação do subprojeto Pibid/Matemática e promoveu um rearranjo estrutural, com vistas a um envolvimento mais visceral dos integrantes do programa com as atividades promovidas, dividindo os bolsistas em frentes de atuações, a partir de demandas da escola e do processo formativo docente na universidade, do seguinte modo: projeto “Fazer- compreender”, que se dedicava aos alunos com dificuldades de aprendizagem em Matemática; projeto “Saber-crescer”, que objetivava constituir um grupo de estudos em Matemática junto a alunos que demostravam facilidade na aprendizagem e desejo em aprofundar os estudos em algumas temáticas da área; projeto “Ser (verbo) Humano”, empenhado em resgatar e discutir valores junto aos alunos e professores (de diversas áreas) das salas participantes do programa2; e o projeto “Em FormAção”, dedicado à elaboração de oficinas temáticas para professores da rede pública de Paranaíba. Posteriormente, com o deslocamento das funções docentes da professora Luzia do campus da UFMS de Paranaíba para Campo Grande, o professor Thiago – à época já efetivo no cargo – assumiu a coordenação do subprojeto Pibid/Matemática e além de manter em curso as atividades em operação, sugeriu a criação de uma nova frente de atuação preocupada com um tema emergente naquele período, isto é, as problemáticas ligadas à inclusão escolar, instituindo um grupo de estudos regular chamado Grupo de Estudos da Práxis Inclusiva – GEPI. Esse envolvimento com o Pibid fomentou em mim um desejo muito forte por aprofundar os estudos na temática que envolve a formação de professores de Matemática e, 2 Esse resgate e discussão foram feitos por meio de exibição e estudo de filmes que retratavam histórias reais, tais filmes selecionados possuíam a característica de provocar nos alunos a reflexão sobre sua maneira de ser (verbo) humano 21 para isso, a Educação Matemática – em que já me envolvia desde o início da graduação – se apresentou como uma área potente e que me entusiasmou muito. Entretanto, devo destacar que nem tudo ocorreu de maneira suave e livre de enfrentamentos, isto é, nos desdobramentos da graduação, especialmente no período de definição da opção que faria para continuidade dos estudos, episódios que hoje seguramente podem ser classificados como assédio moral, reduziram sobremaneira meu ânimo com a continuidade da carreira com vistas às atividades ligadas ao universo acadêmico. Durante tais episódios experienciei momentos terríveis de não saber onde me segurar, de não saber lidar comigo mesmo, com meus sentimentos, com meus pensamentos, simplesmente não conseguia encontrar uma resposta que me ajudasse a seguir em frente. Desde então tomei um respeito e uma atenção muito grande para esse quadro e o tenho comigo por onde eu vou. Com ele, de algum modo, tento alertar as pessoas de que nós prestemos atenção naqueles que estão ao nosso lado, que enfrentam tristezas além da conta, porque esse sentimento faz parte da vida, no entanto, às vezes ele pode ser patológico e quando essa tristeza dura muito tempo dentro da pessoa, não há dúvidas de que ela pode ceifar o desejo de viver. E quantas vezes, depois desses episódios de violência, deixei de me expor por medo da emoção que naquelas circunstâncias me aterrorizava. De lá para cá vivo, sobretudo, no ambiente acadêmico, uma luta com minhas próprias circunstâncias para tentar demonstrar um pouco do que tenho a oferecer. Essa parece ter sido uma etapa muito intensa de minha vida, em que busquei tentativas desenfreadas de me convencer de que não há necessidade de nervosismo e, talvez, seja por isso que tenha chegado a um momento em que sublimei isso, passando por cima dessas ansiedades sem sentido e atualmente entendo que me encontro em um momento de travessia dessa fronteira em que tento me expor de modo pleno. E trago essa circunstância, não com a pretensão de lamento, mas para marcar posição de que tais episódios não devem ocorrer e me comprometo com a ideia de, durante minha carreira, não os reproduzir. Fico pensando também que muitas vezes durante aquela época, quando me referia a quem era a favor ou contra alguma coisa, usava adjetivos para desqualificar a pessoa. Cheguei a pensar que se a pessoa é contra isso ou aquilo ela é má, é ignorante, está mal informada. Não penso mais assim, pois estou me convencendo de que não se trata disso. Trata-se de valores, de visão de mundo, de afetos. Pessoas que defendem posições duvidosas de democracia também se informam. Por exemplo, no contexto da produção desse prólogo em que o Brasil se encontra em efervescente polarização política, é possível identificar pessoas que leem e que sem pudor defendem pena de morte, redução da maioridade penal, cura gay, 22 armamento da população, são contra a legalização do aborto. Por isso, penso que não adianta dialogar usando como argumentação apenas as referências dos trabalhos que leio, pois há argumento teórico para tudo, até mesmo para a defesa do nazismo. Logo, não acredito que seja falta de informação e de argumento teórico de alguns pontos de vista, trata-se de uma questão de escolha e visão de mundo. Eu, por exemplo, escolho me envolver com uma visão de mundo mais humanista, democrática, solidária, resistente e inclusiva. Seguindo essa linha de pensamento, me nego a compartilhar da perspectiva dos que dizem “se for fácil ninguém valoriza”; eu diria que se for difícil muita gente desiste, algumas pessoas dão a própria vida por algo, outras passam a vida inteira buscando algo para no final acumularem tanto trauma que passam a odiar o que conseguiram. Então, não, o que é mais difícil causa trauma. Uma coisa é lidar com as dificuldades e frustrações comuns na vida. Outra coisa é achar que qualquer dificuldade é saudável em qualquer processo de aprendizagem ou projeto de vida. Claro que teria graça se fosse fácil. Me oponho à mania de romantizar o sofrimento. Quanto mais prazeroso melhor. E penso que é urgente a necessidade de se abandonar essa vocação para o sofrimento. Que para uma coisa ter valor, tem que sofrer para conquistá-la. Absurdo! Se aprende muito com prazer, reitero, sofrimento só serve para causar trauma. Sofrimento não é saudável em lugar nenhum. Por isso, dedico também esse trabalho aos amigos que compartilham dessa perspectiva, porque o tornaram possível, e aos amigos que vão de encontro a esse pensamento, por torná-lo necessário. Finalizei o curso de graduação em agosto de 2011 com o desejo de prosseguir com os estudos ligados ao processo de formação de docente. Nessa época, com o incentivo incondicional dos professores Luzia, Thiago e Silvia, e com a interlocução com Anderson e Washington – à época mestrandos em Educação Matemática sob orientação da professora Heloisa –, me mudei para Rio Claro, passei a cursar algumas disciplinas como aluno especial do Programa e me candidatei a uma vaga no mestrado indicando como orientadora a professora Heloisa. A aprovação ocorreu em meados de outubro daquele ano e o desenvolvimento do trabalho se deu a partir de março de 2012, nele, por meio de uma parceria com a professora responsável pela disciplina de Política Educacional Brasileira, promovi um estudo que envolvia pesquisa e intervenção, vinculado a um projeto mais amplo da Heloisa interessado em analisar as potencialidades da História Oral enquanto abordagem de processos formativos formais. Nesse contexto, meu trabalho se empenhou em elaborar uma compreensão sobre as potencialidades didático-pedagógicas da História Oral como abordagem de temas trabalhados na disciplina de Política Educacional Brasileira oferecida ao curso de licenciatura em Matemática da Unesp/Rio Claro. 23 A defesa do mestrado ocorreu em abril de 2014 e nesse mesmo ano iniciei minha atuação como professor efetivo da rede estadual de ensino do estado de São Paulo. Mas, a convite da professora Heloisa, mantive meu contato com a formação de professores de Matemática, por meio da atuação como professor colaborador das atividades do subprojeto Pibid/Matemática da Unesp/Rio Claro. Dessa colaboração surgiu a possibilidade de concorrer a uma vaga no doutorado, propondo um projeto com vistas a uma ampliação da compreensão elaborada durante o mestrado, isto é, compreendendo o Pibid como uma política pública de fomento à formação docente, a ideia seria propor a História Oral como uma abordagem de trabalho nesse cenário. Durante a elaboração de tal projeto, me candidatei ao doutorado, fui aprovado e, em março de 2015, iniciei o trabalho – com dedicação exclusiva, pois a essa altura havia sido contemplado com uma bolsa de estudos e, por isso, exonerei meu cargo no estado –, mas com uma configuração diferente do que inicialmente Heloisa e eu havíamos pensado, isto é, propor a História Oral como potente para a formação de professores nos pareceu uma investida pretenciosa diante da possibilidade de estudarmos como as narrativas vem sendo operadas em cenários de formação docente. Por isso, por meio de um mapeamento simbólico, passamos a elaborar uma compreensão sobre como são mobilizadas as narrativas em diferentes cenários, especificamente em meu trabalho, me interessei em estudar essa mobilização nos subprojetos Pibid da Unesp/Rio. Finalizo esse prólogo com as reticências, pois como compartilho de uma perspectiva de que assim como as reticências, a vida tem momentos intermitentes que transbordam afetos, como esse momento em que celebro a apresentação de meu trabalho de doutorado. Mas, também porque reconheço que nada está pronto, fechado, acabado, definido, sempre existe alguma coisa por vir, dizer, nascer, brotar, sublinhar, transcender, viver... No céu também há uma hora melancólica. Hora difícil, em que a dúvida penetra as almas. Por que fiz o mundo? Deus se pergunta e se responde: Não sei. Os anjos olham-no com reprovação, e plumas caem. Todas as hipóteses: a graça, a eternidade, o amor caem, são plumas. Outra pluma, o céu se desfaz. Tão manso, nenhum fragor denuncia o momento entre tudo e nada, ou seja, a tristeza de Deus. Tristeza no céu, Carlos Drummond de Andrade (2001, p. 275). (Tentei recitar muitas vezes, mas o peso do contexto sempre foi maior do que a força dessa poesia) 24 Introdução Este trabalho tende a se aproximar dos esforços empreendidos por uma das linhas de pesquisa do Grupo História Oral e Educação Matemática – Ghoem1, intitulada História Oral, Narrativas e Formação de Professores: pesquisa e intervenção, cujo objetivo principal é o de elaborar, aplicar e analisar estratégias alternativas para a formação de professores que ensinam Matemática considerando, dentre tais estratégias, a História Oral e, mais amplamente, as narrativas sobre a escola. Além disso, esta pesquisa faz parte dos interesses de uma proposta investigativa de ampla envergadura do mesmo grupo, cujos interesses estão para a História da Educação Matemática brasileira, que engloba, atualmente, três vertentes: a primeira busca delinear um “mapa de movimentação” sobre a formação de professores de Matemática no Brasil2; a segunda tem interesse na análise de materiais didáticos3; e a terceira vertente, que objetiva propor e apresentar a História Oral como uma proposta de intervenção e teorização sobre narrativas4. Inclusive, é desta última vertente que minha proposta de pesquisa mais tem se aproximado5. Elaborar uma compreensão sobre as potencialidades das abordagens que elejam as narrativas e a História Oral como uma possibilidade para processos de formação de professores (de Matemática) tem se configurado como uma de minhas metas no Ghoem. No trabalho de mestrado que desenvolvi em Tizzo (2014), por exemplo, busquei elaborar uma compreensão sobre as possibilidades, limitações e potencialidades da História Oral como uma abordagem didático-pedagógica na exploração de temas trabalhados na disciplina Política Educacional Brasileira oferecida ao curso de licenciatura em Matemática da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, em Rio Claro. O trabalho aqui delineado tem como propósito, em continuidade e ampliando o cenário da pesquisa de mestrado, apresentar a elaboração de uma compreensão sobre as mobilizações 1 Liderado por Antonio Vicente Marafioti Garnica (Unesp, Bauru). Maiores informações disponíveis no site: www.ghoem.org 2 Essa vertente visa à possibilidade de escrita de uma história sobre a Educação Matemática no Brasil, alguns exemplos de pesquisas vinculadas a este projeto maior são: Cury (2011), Souza (2011), Fernandes (2011), Martins-Salandim (2012), Morais (2012), Macena (2013), Toiller (2013), Both (2014), Silva (2015) e Cavamura (2017). 3 Andrade (2012), Teixeira (2013), Silva, T. (2013) e Bernadino (2016) são trabalhos desenvolvidos por integrantes do Ghoem e que se incluem nesta vertente, sob a luz do referencial metodológico da Hermenêutica de Profundidade. 4 Os trabalhos de Silva (2006), Rosa (2013), Tizzo (2014), Zaqueu (2014) e Flugge (2015), são exemplos de pesquisas desenvolvidas nesta perspectiva. 5 Segundo Garnica (2014), o atual projeto de longa duração desenvolvido pelos integrantes do Ghoem, foi iniciado no ano de 2000 e lastrado em pesquisas e compreensões elaboradas anteriormente, por essa razão, não há uma previsão de conclusão desta empreitada, isto porque, “essa inconclusão tanto pode atordoar e paralisar quanto pode atuar como germe criativo” (p. 49). ../Qualificação/Qualificação/Relatório/www.ghoem.org 25 de narrativas no âmbito dos subprojetos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – Pibid, da Unesp/Rio Claro e, a partir desta apreciação, aventar novas possibilidades de utilização de narrativas no processo de formação de professores (de Matemática). Para isso, o trabalho foi guiado pela questão: como as narrativas vêm sendo mobilizadas em processos formativos no âmbito do Pibid da Universidade Estadual Paulista, campus de Rio Claro?6 O Pibid foi eleito como cenário a ser investigado, por se tratar de uma política pública de formação de professores e porque verifiquei, por meio da análise do projeto institucional da Unesp (Unesp-Pibid, 2013), que muitos dos seus subprojetos apresentavam propostas com abordagens narrativas. Considerando esse cenário, aspirei, inspirado na cartografia, mapear simbolicamente, as mobilizações de narrativas relacionadas à formação de professores em sete subprojetos Pibid da Unesp/Rio Claro, a saber: Ciências Biológicas, Educação Física, Física, Geografia, Interdisciplinar/EJA, Matemática e Pedagogia. Para essa empreitada, além da análise dos subprojetos Pibid da Unesp/Rio Claro, das produções escritas e do acompanhamento das atividades desses grupos, realizei entrevistas com os coordenadores de área desses subprojetos, que foram disparadas a partir das perspectivas da História Oral na Educação Matemática. De tal modo, compreendo ser esta uma possibilidade de expandir as compressões a serem elaboradas sobre a utilização de narrativas no processo de formação de professores que apresentei em Tizzo (2014), visto que, embora o Pibid esteja também voltado à formação formal de professores, isto é, aquela que acontece no interior das instituições formativas, trata-se de um programa com objetivos específicos, distintos daqueles de uma disciplina. Apresentadas essas considerações iniciais a respeito do que trata essa tese, passo a problematizar algumas questões que me acompanham há tempos, sobretudo ao longo de todo o processo de doutorado, e que embora não tenham um início precisamente definido, foram, de certo modo, potencializadas durante o exame de qualificação desse trabalho. Aliás, falando desse exame e pensando junto à algumas ideias de Mariano (2015) – leitura sugerida pelos membros da banca naquela ocasião e que foi indicada em função das possibilidades de análise aventadas naquela oportunidade –, pondero a possibilidade de reflexão sobre outros aspectos relacionados à minha própria tese e, em um sentido mais amplo, à questões ligadas ao meu processo de formação enquanto professor e pesquisador em Educação Matemática. De modo 6 Trabalho vinculado ao projeto desenvolvido por Heloisa da Silva “Mobilizações de Narrativas na e para a Formação Inicial de Professores (que Ensinam Matemática)” (SILVA, 2015). Especificamente nesta pesquisa a elaboração de uma compreensão sobre a mobilização de narrativas no âmbito do Pibid da Unesp/Rio Claro foi produzida a partir da perspectiva dos coordenadores de área dos subprojetos Pibid desse campus da universidade. 26 muito próximo ao que a autora expõe, sempre me gerou interesse a perspectiva de que um trabalho de doutorado deve trazer à cena uma contribuição teórica à área de interesse do pesquisador em formação e, nesse contexto, o exame de qualificação se configura em um momento, digamos, de transformação, em que um salto conceitual pode ocorrer e em que o pesquisador envolvido diretamente nesse processo passa a delinear um discurso mais coeso daquele que anteriormente apresentava. No entanto, como lembra Mariano (2015), movida pelas notas de Bruner (2014), ainda que esse salto conceitual ocorra de maneira evidente, não existe um eu definitivo, acabado e pronto a ser exposto, ao contrário, o que se evidencia é a existência de um eu constantemente em processo de construção e reconstrução que busca atender a múltiplas demandas que lhes são impostas. E tal construção comumente é produzida em direção às expectativas que observamos e pensamos terem sido criadas pelos outros sobre nós. E a qualificação parece ser um momento em que essas expectativas em relação ao trabalho que se delineia, se criam, se apresentam e se fomentam, sobretudo porque trata-se de um espaço que singularmente foi constituído com a pretensão de construção e reconstrução de ideias, conceitos, reflexões, verdades, afetos, etc. E aqui não se trata de negar as demais interações que ocorrem ao longo do processo e que invariavelmente influenciam nossas perspectivas sobre o desenvolvimento do trabalho, claro que nos construímos e reconstruímos em outros cenários e circunstâncias, já que compartilhamos de uma ideia de que é na alteridade que nos constituímos de maneira sempre provisória. Mas, especificamente durante o exame de qualificação, algumas coisas acontecem, talvez, por esse ser um momento de intensa interação em que as arguições podem promover acordos, fomentar debates, ou de modo até despretensioso aventar perspectivas distintas das que inicialmente haviam sido pensadas, por exemplo: o que faz de um doutorado um doutorado? A abrangência de um tema? O ineditismo? A quantidade de depoentes? A contribuição para um campo, uma instituição, um grupo? O momento em que é realizado? A maturidade das análises? A força, variedade, envergadura das tramas teóricas que sustentam as afirmações e a metodologia? O poder do orientador e/ou de seu grupo? A benevolência da banca criteriosamente constituída? O que é uma tese além de uma síntese imprecisa dos afetos vividos e que povoaram o pesquisador durante o processo de doutoramento? E muitas outras provocações que afloram desse momento. Pode ser que em função dessas interações que vivi antes, depois e especialmente durante a qualificação e do desejo de ampliar as possibilidades de diálogos, não apenas com os membros da banca, mas também com aqueles que acessarem meu texto, que o trabalho apresentado nessa tese foi, de algum modo, remodelado e ressignificado. 27 Talvez, um desses saltos tenha a ver com uma compreensão mais estável de que meu trabalho de doutorado pretende se apresentar em potência, isto é, como a possibilidade sempre imanente de se tornar algo para alguém ou para um contexto social. Aliás, possivelmente, essa compreensão justifique minha intenção em não definir a priori um cenário específico no título dessa tese, ou seja, o título desse trabalho, de certo modo, expressa meu entusiasmo em propor o doutorado como algo em potência, já que para mim um doutorado vai além da defesa de uma tese. Isto porque defender uma tese parece ir ao encontro de uma definição de um resultado e eu não quero definir alguma coisa, quero transbordar. Inclusive, torno essa ideia extensiva ao modo como lido com as epígrafes ao longo da tese, especialmente as derivadas de obras literárias que, no processo, atravessaram meus movimentos de pesquisa, ajudando a guiar e trilhar (outros) caminhos e, assim, me ajudaram a olhar mais devagar, pensar mais devagar... São várias epígrafes e de modo mais potente do que simplesmente se constituir como adornos do trabalho, elas carregam a pretensão de dizer coisas que não tenho palavras para expressar, por isso, elas são o que são e o que eu quero dizer. No entanto, ao mesmo tempo, elas são mais do que são, pois permitem que os leitores desse trabalho, meus interlocutores, tracem sua própria linha de compreensão, penso que há nisso uma possibilidade mais declarada de transcendência sobre o que está escrito. Embora isso também possa acontecer no resto do texto, as epígrafes são um recurso que não tem declaradamente a pretensão de esclarecer nada, não quero discuti-las, não quero incorpora-las ao texto, não quero problematiza-las e não quero usa-las como metáfora. E não se enganem, já que não trago essas epígrafes com a intenção de facilitar a vida do leitor. Acho que agir deste modo seria uma falta de respeito. Deixo muitos espaços “em branco” para que o leitor possa preenche-los e continuar com o debate. Deste modo, essa tese não é baseada em verdades absolutas, mas em passagens – passíveis de retificação – não tem fim e pode ser rizomatizada por cada corpo por ela afetado, pois foi motivada por inquietações e incertezas. Ela foi pensada como uma caixa de ferramentas que problematiza e cria vidas ainda não existentes. Um ato provocador que convida o leitor a ser afetado pelos meus afetamentos, mas, ao mesmo tempo, contestá-los, refutá-los, amplia-los, enfim, problematiza-los de modo a ampliar essas compreensões iniciais sobre essa temática. Isso para mim é potência7. 7 Compreendo os termos potência e potencialidade em seu sentido amplo, ou seja, como característica daquilo que está em potência, que contém a possibilidade de vir a ser algo. Neste caso, penso que essa ideia se relaciona à possibilidade de que os sujeitos envolvidos com o estudo de minha tese ampliem suas vontades de terem potência. E aqui não há como negar que esse pensamento surge de minhas incursões em alguns trabalhos relacionados às reflexões do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, para ele: a potência é, em si mesma, sempre a vontade de mais potência. 28 Um segundo ponto que me disponho a tratar logo no início desse trabalho, se refere à incorporação de um estilo de escrita em que assumo a primeira pessoa do singular, em vista também de um apontamento dos membros da banca de qualificação. Naquela ocasião, esses sinalizaram a potência de me colocar mais diretamente como o sujeito que esteve imerso às problematizações desse trabalho de doutorado e isso tem relação com a reelaboração de algumas passagens do texto que antes eram descritas privilegiando um estilo de escrita mais impessoal. Certamente, isso tem a ver com meu processo de formação até aqui, em que o “correto” ou o mais coerente em uma escrita acadêmica, era conduzir a escrita do trabalho de um modo menos comprometedor. Embora isso possa parecer trivial, para mim, significa uma mudança radical no estilo de escrita. Uma mudança que me possibilitou exercitar na escrita de meu trabalho um espaço aberto pela mobilização da experiência, como defende Jorge Larrosa. Busquei com esse exercício produzir um texto que, de algum modo, refletisse um sujeito da experiência, um sujeito cartográfico, um sujeito em processo, um sujeito que deseja, um sujeito... E, durante essa produção, procurei não me afastar desse sujeito, que é um “eu” – ou eus, ou nós – da escrita. Minha ideia foi mobilizar um modo de escrita que permita, ainda que sutilmente, o encontro dos interlocutores dessa tese comigo. A partir dessa perspectiva, tentei viver mais a escrita, senti-la, não permitindo que os cânones, ou outras forças, limitassem em definitivo a possibilidade de me mostrar em processo como sujeito da experiência que busco ser. Colocando-me no texto, imbriquei-me na escrita, como fiz com os demais momentos da pesquisa; vivi a experiência também no texto, com o texto, buscando viver as aberturas e, quiçá, produzir novos significados sobre o que ainda não sabia. Nesse sentido, compreendo que existe uma multiplicidade de potencialidades que emanam de uma escrita em que o autor se posiciona como sujeito ativo da pesquisa desenvolvida, no entanto, em meu ponto de vista, isso não significa dizer que o trabalho foi operado por uma única pessoa, o pesquisador, ou, neste caso, o doutorando, eu. O estilo de escrita, por exemplo, é provocado e atravessado pelas discussões do Ghoem em relação à forma, à estética dos trabalhos, as potencialidades da escrita, os modos de dizer e fazer com que o feito se materialize no dito. Por isso, esclareço que na escrita dessa tese também lanço mão em algumas passagens do plural majestático e a isso devo a inspiração florescida por um exemplo apresentado pelo professor Antonio Vicente Marafioti Garnica no evento em comemoração aos 15 anos do Ghoem, que aconteceu em Belo Horizonte, no mês de setembro de 2017, que me marcou de um modo muito significativo, e de lá pra cá tenho pensado muito sobre o assunto. Tanto é que a opção de estilo de escrita desta tese tem também a ver com esse exemplo. Pensando junto ao 29 poema Tecendo uma manhã de João Cabral de Melo Neto (1965)8 e levando em conta alguns arranjos que fiz sobre o discurso do professor Vicente, disse ele naquela ocasião: nós não somos somente nós, mas, como costumamos dizer no Ghoem, nós somos nós e nossas circunstâncias. E um exemplo muito claro desse discurso está presente em Vianna (2000), trabalho em que o autor apresenta um arsenal metodológico e teórico filosófico para contar, usando vários autores, de que, na verdade, estamos relativamente limitados às nossas circunstâncias. Isso não quer dizer que somos integralmente subservientes às nossas circunstâncias, isto é, as circunstâncias não controlam totalmente as nossas vidas, no entanto, também não dominamos completamente nossa vida e as nossas circunstâncias. Consequentemente, de certo modo, vivemos nessa espécie de jogo, em que não somos, nem tentamos ser, subservientes, e no qual nem somos totalmente livres, já que a liberdade, aquela liberdade dos Deuses, a liberdade humanamente ampla, é uma invenção. No limite, essa liberdade não existe. Embora não sejamos e nem precisemos ser brinquedos do acaso, não há possibilidades de sermos inteiramente mestres absolutos de nossos destinos. Inclusive, pensamos que é a partir dessa perspectiva que a história, de um modo geral, passou a ser compreendida como o estudo dos homens no tempo. Atinamos que é justamente por percebermos que as circunstâncias são determinantes para a vida, que a história passou, de um determinado momento, no início do século XX, a ter a ênfase, não nos homens, mas na comunidade. E não somente no tempo, mas no tempo e no espaço. Uma mudança radical, que segundo nossa compreensão, tem a ver com essa perspectiva das circunstâncias, ou seja, uma busca em 8 Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão. Tecendo a manhã, João Cabral de Melo Neto (1965). 30 compreender como é que as circunstâncias nos afetam. Por essa razão, falamos de algumas circunstâncias de uma coletividade da qual fazemos parte, o Ghoem. Falando de tudo, também estamos falando de nós, falamos daqueles que de modo mais vertiginoso convivemos, daqueles que estudamos e das pessoas com as quais nos relacionamos para que as nossas pesquisas possam ser operadas. Essas são algumas de nossas circunstâncias, é isso que faz a gente ser o que é, ser o grupo que somos e produzir as pesquisas que produzimos. Mas quem afinal escreve essa tese? Quem se autoriza a falar sobre os temas aqui propostos que por vezes se mostram densos e por outras vezes caricatos? De onde surge a ousadia de problematizar as ideias dessa tese? É pensando sobre essas indagações que me pergunto o porquê da necessidade de um, digamos, ego-autor, de uma personificação que concentre a gênese de um discurso, uma narrativa, ou, de outro modo, um todo organizado que represente a intelectualidade. Por que um nome unificado para a escrita da tese? Por que não tratar de um nome que manche esse nome unificado? Neste trabalho, prefiro pensar que os autores dos textos são as forças e eu apenas às coloco no papel. Digo isso, porque ao longo da redação de minha tese, me vi envolto a um processo de escrita em que exercitei o rompimento de minhas constâncias, dispensando e rasgando as forças da autoridade e do ego- autor que, direta e indiretamente, insistiam em dizer: me louve, pois eu sei. Se for permitido pedir alguma coisa, por favor, peço que os textos apresentados nesse trabalho sejam observados como uma espécie de dente-de-leão em que se pode se afetar por sua beleza e leveza, mas que se pode voar com apenas um sopro se desfazendo em múltiplos fragmentos carregados de significados. Logo, não tenho nenhuma piedade disso que chamam de eu, dilacero tudo aquilo que tenta me totalizar, sou muitos e não sou ninguém. Meu corpo é um terreno aberto para passagens de multidões de possibilidades e intensidades que se envolvem comigo e fazem surgir a diferença. Se pensam que sou estático, desvio-me por rotas que eu mesmo invento. Dentro de mim baila um caos de puras intensidades disparadas por uma pluralidade que faz vibrar meu movimento de vida e de escrita que me insere em um plano de experimentação e possibilidades existenciais e estéticas. É assim que em mim e através de mim que diversas vozes falam, inclusive as minhas, as nossas, as suas. Exercito o abandono de um rosto decalcado de outros rostos e trago à cena uma série de linhas, cores, forças, uma poesia composta sempre num agenciamento, num entre, num encontro, numa espécie de bricolagem de afetos incomensuráveis e irrepresentáveis num eu. Quiçá os leitores desse trabalho sejam mais autores dessas linhas do que eu que as escrevi. Por isso, opto por iniciar essa tese trazendo os depoimentos dos 31 professores coordenadores de área dos subprojetos Pibid da Unesp/Rio Claro que ao serem produzidos também me constituíram. Em vista de tais intenções, inicio essa tese com os textos intitulados É a partir da escrita e da fala que assumimos o nosso lugar no mundo, Que o aluno tenha condições de ser autônomo na construção do seu próprio conhecimento, Pensamento que se produz na ação de ler, pensar, escrever..., Pipocas pedagógicas: um refinamento para a percepção das coisas, Os acasos do espaço escolar são oportunidades de discussão e de problematização e A identidade do Pibid não é Fixa: depende de quem fala, que correspondem às textualizações das entrevistas realizadas com os professores Laura Noemi Chaluh, Roberto Tadeu Iaochite, Maria Rosa Rodrigues Martins de Camargo, Maria Bernadete Sarti da Silva Carvalho, Eugenio Maria de França Ramos e Heloisa da Silva9, respectivamente coordenadores de área dos subprojetos Pedagogia, Educação Física, Interdisciplinar/EJA, Geografia, Física e Matemática do Pibid da Unesp/Rio Claro. Antes de cada um desses textos – que versam sobre como o subprojeto em questão é praticado –, no entanto, apresento, tendo como referência o projeto Institucional do Pibid na Unesp, uma breve caracterização de cada subprojeto desenvolvido em Rio Claro e alguns aspectos relacionados ao contato com os professores que entrevistei. O propósito de apresentar as textualizações como abertura da tese tem a ver com uma sugestão feita pelos membros da banca na ocasião de meu exame de qualificação, naquela oportunidade, dentre os vários assuntos abordados, falamos sobre como meus textos carregam e problematizam ideias presentes nos textos compostos junto aos depoentes. E isso nada tem a ver com decalques das entrevistas, mas com um processo de afetos sobre mim, de várias ideias e concepções presentes nessas entrevistas. E também porque pretendo fugir de uma circunstância que vejo como pouco produtiva nesse trabalho, isto é, apresentar ideias imprecisas dessas entrevistas para só então apresenta-las na íntegra para os interlocutores de minha tese. Agir desse modo, me parece algo como uma projeção sobre eles e, na minha 9 A textualização de Heloisa da Silva carrega uma particularidade, isto é, não foi disparada por um momento de entrevista, mas composta em parceria comigo ao longo do período de produção dos dados para esse trabalho. Nesse sentido, sinalizo de imediato que possivelmente meus leitores perceberão que se trata de um texto que em certa medida destoa das demais textualizações, já que a elaboração perdeu algumas cicatrizes de naturalidade que caracterizam o momento de uma entrevista oral. Isso não significa que seja um texto menos crível, até porque essa elaboração tem a ver com meu envolvimento direto com o subprojeto Pibid/Matemática. Segundo meu entendimento, trata-se de uma possibilidade alternativa de apresentação das atividades desenvolvidas nesse subprojeto. A textualização de Heloisa foi disparada por sua fala em uma mesa redonda, na ocasião em que participou de um encontro dos subprojetos Pibid da Unesp/Rio Claro, promovido pelo subprojeto Pibid/Geografia. Vale dizer também que opto por apresentar as textualizações na ordem em que foram elaboradas, pois os assuntos que foram tratados em uma entrevista afetaram as entrevistas seguintes. Neste sentido, apresentar as textualizações na ordem em que foram compostas, me parece um modo interessante de oferecer ao leitor desta tese a oportunidade de acompanhar esse processo. 32 escala de valores, por suposto, essa projeção tem a ver com certa empatia e pode ser que quando digo que meu depoente fala, ele não fala, e sim sou quem falo o que ele supostamente tenha falado. Por isso, busquei empreender um esforço de rompimento com essa ideia que consiste em falar “da pessoa”, como se ela fosse um objeto. E apresentar as textualizações de antemão, faz parte desse esforço, pois desse modo, acredito, o leitor de minha tese terá a oportunidade, caso opte por uma leitura linear, de se aproximar dos dizeres de cada entrevistado. Para mim, esses parecem ser modos de criar mundos, de contar histórias, enfim, um modo mais sensível de apresentar as textualizações tentando não criar barreiras de linguagem prévias sobre o que é dito pelos professores que colaboraram com essa pesquisa. Com a intenção de apresentar um breve traçado histórico do Pibid e sua relação com outras políticas tangentes à formação de professores, elaborei o texto Sobre o Pibid: marcas de uma política de formação docente em transformação, que intenciona configurar o cenário em que desenvolvi meus afazeres nesta pesquisa. Busco nessa elaboração contextualizar o Pibid buscando compreender algumas tramas macropolíticas nas quais transita o Pibid, para entender alguns entornos das tramas micropolíticas, internas à Unesp. Em seguida, trago o texto intitulado (De) formação de professores: um convite para os encontros, em que exponho um arrazoado de ideias e conceitos que foram se formando, deformando e, de certa maneira, me motivando ao longo de meu percurso de pesquisa. São notas relacionadas ao que tem me provocado, de um modo bastante potente, a pensar e problematizar algumas questões que envolvem o processo de formação de professores. Nesse sentido, posso dizer que esse texto discute um pouco os afetos que tive ao longo de meu processo de doutoramento em relação à possibilidade de pensar a formação de professores a partir da experiência. Na sequência, o texto As narrativas na (e para a) formação de professores, intenciona apresentar uma breve revisão dos diversos trabalhos envolvendo narrativas e formação de professores que me inspiraram e me colocaram em ação no início da proposta de pesquisa. Tal revisão versa sobre trabalhos que apostam nas narrativas e em suas múltiplas possibilidades como potencialidades de modos outros de investigar fenômenos educativos e propor um processo de formação que tenha como pauta a horizontalidade, alteridade, solidariedade, paixão e o diálogo com o outro. Trata-se de uma movimentação em torno de explorar diversos sentidos para as narrativas no contexto da formação docente a partir de diferentes autores no sentido não de eleger ou constituir uma definição, mas de, ao evidenciar vários usos, ampliar a gama de possibilidades para compreender as narrativas em sua pluralidade. 33 Depois, exercito um movimento analítico em que busco registrar o que, singularmente, as entrevistas realizadas com os coordenadores de área me apresentam e sobre o que me fazem refletir quanto à proposta de elaborar uma compreensão sobre as mobilizações de narrativas no âmbito dos subprojetos Pibid da Unesp/Rio Claro. Nesse exercício, busco realçar singularidades observadas nos depoimentos em direção aos modos pelos quais as narrativas são mobilizadas. Penso que singularizar neste caso, tem a ver com um modo de tornar coletivo, por meio de meu exercício analítico, alguns aspectos que antes eram apenas individuais. Entretanto, preciso dizer que minha intenção com esse exercício não se limita ao rigor acadêmico que de algum modo exige uma operação propriamente analítica para que o trabalho seja legitimado entre os pares, junto a isso, acrescento meu entusiasmo e preocupação em criar problemas e não em resolve-los, isto é, fissuras com potência de instauração de novidades, de diferenças. Fazer perguntas, criar problemas, embora possa parecer desconcertante, não se resume propriamente a um defeito de estilo, mas tem a ver de modo mais vertiginoso com um interesse em compreender o trabalho investigativo como um processo no qual o início e o fim são rejeitados, pois são opressivos, violentos e lineares. Me interesso por questionamentos, ainda que não sejam respondidos, pelo menos não agora, não aqui. Os problemas produzem fissuras que abrem caminhos e estilhaçam as certezas claras e razoáveis. Tramas procedimentais: a História Oral mobilizada, de modo sintético, assinala os procedimentos que efetivamente operei nessa pesquisa para que pudesse compor as narrativas dos professores coordenadores de área dos subprojetos Pibid da Unesp/Rio Claro, em vista de que é a partir dos depoimentos desses sujeitos e da articulação deles com uma série de outras fontes as quais tivesse acesso, que almejei apresentar minhas compreensões sobre a mobilização de narrativas na (e para a) formação formal de professores. Nesse sentido, em tal texto também abordo aspectos que envolveram a produção de meu exercício de análise, composto a partir da atenção às singularidades que observei nos depoimentos. Posteriormente, apresento o texto Entre métodos e teorias: História Oral, Cartografia, inspirações, afetos, desejos, caminhos..., que trata de muitos interesses que tive ao longo dessa jornada de trabalho e, para mim, esse texto se apresenta como um desarranjo de ideias e conceitos que pretendo trabalhar na continuidade de meus afazeres de pesquisa. Nesse sentido, ele tem a ver com um processo em que ainda me vejo envolto, isto é, metaforicamente, entendo que a pesquisa, tal qual uma estrada, se constitui ao se fazer como caminho a um sujeito, e o sujeito se constitui na travessia dessa estrada. Nesse ir e vir, nesse caminhar e nos encontros sujeito e estradas ganham novas configurações a partir dos 34 elementos que os compõe. É sobre tal caminhar que o texto trata. Mas, vale dizer também que esse texto não é, sob nenhuma hipótese, um ineditismo e nem traz novidades teóricas ou metodológicas. Ele é, se muito, um desejo ou uma forma que encontrei de inscrever uma série de compreensões minhas e que visam a contribuir com a Educação Matemática e, especificamente, com a pesquisa em História Oral na Educação Matemática atualmente realizada no Brasil. Por isso, escolhi apresentar essa discussão de modo separado e, para que os interlocutores desta tese não corram o risco de se envolverem em uma leitura desavisada, comunico de antemão que talvez não seja possível adequar diretamente o tema tratado nesse texto ao objetivo de minha pesquisa, no entanto, para mim, ele é imprescindível, por motivos que dizem respeito à minha constituição como pesquisador em Educação Matemática, pertencente a um grupo de pesquisa que me possibilita ampliar minhas referências teórico- metodológicas. Nesse grupo, mais do que se limitar à implementação de um método e observar os resultados, nos interessa muito problematizar, questionar, inventar e analisar as potencialidades do método e é com vistas a esse meu propósito no/com grupo que trago ao cenário de minha tese esse texto. Nele retomo algumas ideias tematizadas em outros textos da tese e elaboro uma argumentação que visa expor a compreensão que tenho sobre o trabalho com a História Oral na Educação Matemática, isto é, um exercício de apresentar aos interlocutores de meu trabalho – não apenas da Educação Matemática10 – que a História Oral não age de modo, digamos, narcisista, em que a metodologia vale por si. Em oposição à essa ideia, neste texto busco expor as inspirações de outras vertentes sobre o trabalho com fontes orais que de modo algum operam como complemento da metodologia, mas sim como forças de ação que tendem a ampliar as possibilidades de trabalho. Trata-se da denegação de preconceitos em relação à legitimidade de fontes, tendo em mente a envergadura de cada uma delas e as intencionalidades do pesquisador ao mobilizá-las. Deste modo, tematizo nesse texto a questão teórico-metodológica porque acredito que o que é feito em um projeto de pesquisa não tem sentido sem que sejam legítimos os modos de fazer. Por fim, mas não menos importante, apresento algumas considerações, as referências bibliográficas que mobilizei nessa pesquisa, alguns anexos com os trechos do projeto Institucional do Pibid da Unesp que correspondem aos subprojetos da Unesp/Rio Claro e o Regimento Interno do programa na universidade. Os apêndices trazem a carta modelo de convite que utilizei no primeiro contato com os professores entrevistados e nela consta a 10 Penso que essa é uma aposta de que meu texto circulará entre leitores que não possuem uma articulação frequente entre meus elementos de pesquisa. 35 apresentação da pesquisa. E fecho a tese com os termos de cessão de diretos concedidos por cada depoente. 36 Sobre o subprojeto Pibid/Pedagogia, o contato e a entrevista com a professora Laura Noemi Chaluh O subprojeto Pibid/Pedagogia, é descrito no projeto institucional como tendo sido proposto pela professora Laura Noemi Chaluh, docente do Departamento de Educação da Unesp/Rio Claro. Tal subprojeto conta com dez bolsistas de iniciação à docência, dois professores supervisores e uma coordenadora de área que desenvolvem suas atividades no Ensino Fundamental. Na descrição do subprojeto constam cinco ações gerais a serem desenvolvidas: 1. Diagnóstico da realidade escolar, a partir da identificação e socialização, em reuniões de ATPC, de práticas vinculadas à Literatura que já foram desenvolvidas na escola. Além disso, os bolsistas devem investigar e refletir sobre aspectos pedagógicos e de gestão escolar, participar de diferentes situações do cotidiano da escola, como aulas, intervalos e reuniões; 2. Planejamento de ações a serem realizadas na escola, por meio da realização de seminários na universidade, sob a orientação da coordenadora e de professores da universidade colaboradores do subprojeto, para o estudo específico de teóricos que versem sobre o trabalho com Literatura na escola. Há o destaque de que as experiências tidas na escola serão tomadas como base para essas discussões para que efetivamente haja uma articulação entre a relação teoria e prática. Além disso, são previstas realização de oficinas e/ou palestras de professores da universidade que possam contribuir com as discussões relacionadas às temáticas abordadas pelo subprojeto, isto é, “literatura e arte”, “prática de escrita”, “trabalho docente”, “saberes docentes” e “interdisciplinaridade”. 3. Desenvolvimento das ações didático-pedagógicas na escola, por meio de apoio aos professores da escola no que se refere à construção de propostas didáticas e de materiais, como produção de peças de teatro, produção de jornal, dramatizações, oficinas de escrita, teatro de fantoches, exposição de livros produzidos por alunos, esculturas, dentre outras. Promoção da utilização da biblioteca da escola e organização de um espaço de leitura em cada sala de aula. Participação dos bolsistas de iniciação à docência em atividades de intervenção, sob a supervisão de um professor da escola e, junto a este, planejar e desenvolver planos de aula, produzindo material e registros que possibilitem uma análise das situações vivenciadas. Sistematização de um acervo que contenha as propostas elaboradas de ensino e materiais que fiquem disponíveis para todos os professores que compõem a equipe escolar; 4. Socialização e divulgação das experiências e resultados, promover ações de formação que abordem as experiências vivenciadas junto à escola, participação em eventos científicos com apresentação de trabalhos que tratem das atividades desenvolvidas na escola; e 5. Avaliação do subprojeto, de maneira 37 processual durante as reuniões da equipe em que sejam realizados momentos de reflexão sobre as atividades realizadas, participação em eventos que tratem do Pibid e envolvimento na organização de encontros de avaliação que envolva os subprojetos Pibid de Ciências Biológicas, Educação Física, Física, Geografia, Interdisciplinar EJA e Matemática. O primeiro contato pessoal com a professora Laura aconteceu em junho de 2015, na ocasião de apresentações dos trabalhos desenvolvidos nos subprojetos Pibid da Unesp/Rio Claro para a coordenação institucional do Pibid na Unesp. Antes disso, tive a oportunidade de conhecer um pouco sobre o trabalho da professora, por meio de curtas conversas com alguns bolsistas do subprojeto Pibid/Matemática que cursavam a disciplina de Didática ministrada pela professora Laura ao curso de licenciatura em Matemática. O convite formal à Laura para a participação na pesquisa, por meio de uma entrevista, foi feito no início do mês de outubro de 2015, quando foi enviado um e-mail acompanhado de um anexo com a cópia da apresentação da pesquisa. Além disso, a carta original descrevendo as intenções do trabalho foi deixada no escaninho da professora no Departamento de Educação da Unesp/Rio Claro. A resposta ao e-mail com o aceite do convite veio rápida, a partir de então, iniciamos uma negociação da data para a realização da entrevista, que ocorreu no final no mês de novembro de 2015. A gravação, a convite da Laura, foi realizada em seu gabinete no departamento de Educação. Iniciamos a conversa retomando alguns detalhes da pesquisa que foram brevemente apresentados na carta de apresentação. Falamos também sobre os procedimentos que envolveriam nossa entrevista, isto é, gravação, transcrição, textualização e legitimação do texto. Na sequência a professora apresentou alguns aspectos que envolveram sua formação e iniciou a fala sobre os temas que havia lhe apresentado. Foi uma conversa calma e prazerosa em que não houve necessidade de muitas intervenções, pois os assuntos eram sucedidos de uma maneira bastante dinâmica pela Laura. O que chamou a atenção ao longo de todo o processo de interlocução que estabelecemos, foi a definição da versão final da textualização, isto porque foram vários os contatos seguidos de alterações propostas pela Laura ao texto. Talvez, como houve em média um mês de intervalo entre um contato e outro, o trabalho da professora continuava e, por isso, novos elementos eram agregados ao texto. Foram diversas as mudanças propostas, tanto ao longo do texto como em inserções de notas de rodapé. No final, entre a entrevista e a versão definitiva do texto a seguir, se passou um ano e dois meses. 38 É a partir da escrita e da fala que assumimos o nosso lugar no mundo Laura Noemi Chaluh Figura 1 – Nuvem de palavras sobre a textualização de Laura Fonte: elaborado pelo autor1 Bom, Vinícius. Formei-me em 1981, na Argentina, em Buenos Aires. Sou professora de Ensino Fundamental, formada na Argentina, o que implica que sou professora de primeira à sétima série, pois é diferente do sistema daqui2. No Brasil, os licenciados em Matemática, Geografia, História e Física, por exemplo, são responsáveis por ministrar essas disciplinas no Ensino Fundamental II, isto é, do sexto ao nono ano. Na Argentina, o professor de Ensino Fundamental é responsável por ministrar essas disciplinas até a sétima série. Os professores de Matemática, Geografia e das outras disciplinas, ministram aulas no Ensino Médio. Durante doze anos, fui professora em escolas particulares e na prefeitura de Buenos Aires. Em 1985, decidi ampliar minha formação e ingressei na universidade de Buenos Aires, na licenciatura de Ciências da Educação. Posteriormente, fui professora de futuros professores 1 www.wordclouds.com 2 Na Argentina, as províncias, como são chamados os estados argentinos, praticam sistemas distintos. Em algumas, o Ensino Fundamental dura sete anos e o Ensino Médio cinco. É o caso de Buenos Aires, por exemplo. Em outras, pratica-se o sistema de três ciclos de estudo, cada um com duração de três anos, totalizando nove anos de primeiro grau. Em outras províncias, ainda, o Ensino Fundamental é de oito anos, e o médio de quatro. Para os argentinos, não importa muito o número de anos, mas os conteúdos aprendidos, que devem ser os mesmos em todo o país. Também em todas as províncias as crianças começam a estudar aos seis anos de idade. Para entrar na universidade, não é preciso fazer vestibular, mas todos têm que prestar um curso preparatório de nivelamento. Informações adicionais sobre o sistema de ensino argentino podem ser encontradas no estudo de Castro (2007) que, em síntese, elabora uma pesquisa comparativa entre as leis gerais da educação entre Argentina e Brasil: CASTRO, M. L. O. de. Brasil e Argentina: estudo comparativo das respectivas leis gerais sobre Educação. Brasília: Senado Federal, 2007. Disponível em: . Acesso em: 26 abr. 2017. http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/7%200482 http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/7%200482 http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/7%200482 39 na Escuela Normal Nº 2 “Mariano Acosta”. Minha inspiração, meu desejo, a vida inteira, foi ser professora formadora de professores. Aí me casei, tive filhos e a empresa onde meu marido atuava, fez uma proposta de vir para o Brasil, para Campinas – SP, por dois ou três anos e então aceitei. Só que estou aqui há dezessete. Fiquei sabendo que em Campinas tinha uma universidade, então isso me inquietou, no sentido de que poderia estar acompanhando o projeto familiar e dar continuidade aos meus estudos. Quando o meu filho menor tinha dois anos, já queria fazer alguma coisa lá na Argentina, mestrado, doutorado. Ao vir para o Brasil, fiz o mestrado3 acerca de um Projeto Político Pedagógico – PPP, que havia sido implementado na última escola em que trabalhei lá na Argentina, uma escola judaica. Foi trazido para essa escola um projeto político pedagógico de Israel que tinha como dimensão fundamental o “Educar para a Diversidade”. Então, fiz um histórico desde o início da imigração judaica na Argentina e, mais especificamente, em Buenos Aires, buscando compreender qual a importância que tinha a educação dentro dessa comunidade, explicitando e tentando entender: por que esse projeto chega na Argentina nesse momento sócio histórico envolvendo o neoliberalismo4? Com a pesquisa finalizada, tive uma compreensão das motivações, de porquê chega esse projeto na Argentina. Porém, o projeto fomentava a autonomia das crianças e eu me questionava: onde ficava a autonomia dos professores, quando nenhum de nós tinha sido consultado sobre a implementação ou não dessa proposta? Porque era além da escola onde eu estava. Enfim, foi esse tema que tratei no mestrado, fiz esse projeto, a dissertação depois virou livro5, está na segunda edição. Mas minha inquietação sempre foi a formação de professores. E, então, posteriormente, mudo de linha. Prestei para o doutorado, para o Gepec que é o Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Continuada6, que na época era coordenado pela 3 CHALUH, L. N. Ensino para a Diversidade: o projeto pedagógico das escolas judias de Buenos Aires, Argentina, 1997. 2002. 154f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação. Unicamp, Campinas, 2002. Disponível em: . Acesso em: 26 abr. 2017. 4 Segundo Chaluh (2002), o neoliberalismo chega à Argentina pelas mãos de Carlos Saúl Menem, presidente do país entre julho de 1989 e dezembro de 1999. Nesta ideologia, o estado é considerado ineficiente, tanto como agente econômico quanto como promotor do bem-estar social. A crise do Estado, que já tinha sido grave entre 1983 e 1989, durante a presidência de Raul Alfonsín, chega ao ponto máximo na administração do presidente Menem. Neste contexto, o público é desvalorizado, fala-se de um gerenciamento ineficaz e ineficiente. Deste modo, facilita-se a passagem de empresas e serviços da esfera do setor público para as mãos privadas, aqui o mercado e o privado sendo considerados como modelos a seguir. Além da transferência de recursos aos grupos aliados ao governo em detrimento do gasto social, há “desregulação, desemprego, privatização das economias, privatização dos espaços públicos... Privatizar? O quê? O petróleo, os telefones, a água, o correio, os hospitais, as escolas. O Estado mostra-se ausente das responsabilidades básicas” (CHALUH, 2002, p. 55). 5 CHALUH, L. N. Educação e Diversidade: um projeto pedagógico na escola. 2. ed. Campinas: Alínea, 2013. v. 1. 6 Uma breve descrição do grupo indica que o Gepec – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada integra o Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=0007816%2041 http://lattes.cnpq.br/5879357007917808 http://lattes.cnpq.br/5879357007917808 http://lattes.cnpq.br/5879357007917808 40 professora Corinta Geraldi7 – ela agora já se aposentou – e pelo professor Guilherme do Val Toledo8. Bom, conto tudo isso porque tem a ver e porque considero importante o contexto. Na época do meu doutorado, em Campinas, estava no governo o Partido dos Trabalhadores – PT. Nesse período, a Corinta saiu da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e foi atuar como Secretária da Educação da prefeitura9. Ela tem toda uma concepção da escola com autonomia, construção coletiva do Projeto Político Pedagógico – PPP. Aí, me interessei por ver como os professores lidam, quando eles têm a possibilidade, dentro de uma política pública, de fazer e construir a escola. Então, a ideia era participar, semanalmente, da Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo – HTPC10, para observar, como uma pesquisadora “externa” ao movimento da escola11. A entrada nessa escola foi da seguinte maneira: inicialmente, fui bater na porta da coordenadora, apresentei o trabalho e, posteriormente, ela foi perguntar para as professoras se aceitariam a entrada do pesquisador, todo mundo aceitou. Então, tudo bem. Porém, tenho que falar: na Argentina, não tinha a questão da formação do pesquisador como tenho aqui no Brasil. Quero dizer que na época em que me formei como professora de Ensino Fundamental, Unicamp; e tem como perspectiva de formação docente a busca da compreensão dos saberes e práticas cotidianas dentro da complexidade da organização do trabalho pedagógico escolar, usando referências do campo da Pedagogia, da Psicologia e da História. Nesse sentido, a pesquisa é tomada como eixo da formação continuada do/a professor/a e na (re)constituição do seu fazer docente. Tais informações foram extraídas do site do grupo, disponível em: . Em acesso realizado no dia 01 de março de 2016. 7 Corinta Maria Grisolia Geraldi é professora aposentada pela Unicamp. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Ensino e Formação de Professores. Tem envolvimento com as temáticas: Ensino-pesquisa, Trabalho docente, Currículo em ação, Curso de Pedagogia. Tais informações possuem livre acesso no site do grupo Gepec ou no próprio currículo acadêmico da docente, disponível na plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. 8 Guilherme do Val Toledo Prado é professor assistente doutor na Faculdade de Educação da Unicamp. Tem experiência na área d