Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.35, n.1, p.49-54, jan./mar. 2011. Disponível em www.cbra.org.br _________________________________________ Recebido: 14 de dezembro de 2009 Aceito: 21 de fevereiro de 2011 Efeitos da diminuição do fluxo sanguíneo testicular nas temperaturas escrotal superficial, escrotal subcutânea, intratesticular e intravascular em touros Effects of decrease of testicular blood flow in scrotal surface, scrotal subcutaneous, intratesticular and intravascular temperatures in bulls C.M.Q. Barros1, E. Oba1, JB Siqueira1, L.S. Leal1,3, J.P. Kastelic2 1Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, UNESP, Botucatu, SP, Brasil. 2 Lethbridge Research Centre, Agriculture and Agri-Food Canada, Lethbridge, AB, Canada. 3Correspondência: lu_s_leal@yahoo.com.br Resumo O presente estudo avaliou o efeito da diminuição do fluxo sanguíneo testicular sobre as temperaturas escrotal superficial (TES), escrotal subcutânea (TESC), intratesticular (TIT) e intravascular (TIV). Foram utilizados 11 touros Aberdeen Angus, divididos nos grupos controle (GC, n = 6) e experimental (GE, n = 5). No testículo 2 (T2) dos touros do GE, foi realizada uma vasoconstricção mecânica da artéria testicular por 45 minutos. A média da TES no testículo 1 (T1 – não submetido à vasoconstricção) de todos os animais foi de 29,0 ± 0,3 e 27,9 ± 0,4°C nas porções dorsal e ventral do escroto, respectivamente. As médias da TESC foram, respectivamente, de 30,8 ± 1,1oC (T1), 30,4 ± 0,6oC (T2, GC) e 31,2 ± 0,8oC (T2, GE). Os valores obtidos para TIT foram de 33,3 ± 0,4 (T1), 33,9 ± 0,5 (T2, GC) e 34,2 ± 0,6oC (T2, GE). As médias para TIV arterial foram de 38,4 ± 0,4 (T1), 37,3 ± 0,7 (T2, GC) e 38,2 ± 0,6oC (T2, GE), e para TIV venosa de 34,4 ± 0,4 (T1), 34,4 ± 0,7 (T2, GC) e 34,4 ± 0,5oC (T2, GE). A média do fluxo sanguíneo testicular (T1) foi de 28,1 ± 3,5 ml/min., com redução de 50% no GE. A diminuição de fluxo sanguíneo por 45 minutos não foi suficiente para alterar as temperaturas testiculares. Palavras-chave: Aberdeen Angus, termorregulação, testículo, vasoconstricção. Abstract The present study evaluated the effect of decreasing testicular blood flow on scrotal surface (SST), scrotal subcutaneous (SQT), intratesticular (ITT) and intravascular (IVT) temperatures. Were used 11 Aberdeen Angus allocated into control (CG, n = 6) and experimental (EG, n = 5) groups. In testicle 2 (T2) of EG bulls a mechanic vasoconstriction of testicular artery was performed for 45 minutes. The averages of SST in testicle 1 (T1 – not submitted to vasoconstriction) of all animals were 29.0 ± 0.3 and 27.9 ± 0.4°C in dorsal and ventral scrotum portions, respectively. The averages of SQT were respectively 30.8 ± 1.1oC (T1), 30.4 ± 0.6oC (T2, CG) and 31.2 ± 0.8oC (T2, EG). The values obtained to ITT were 33.3 ± 0.4 (T1), 33.9 ± 0.5 (T2, CG) and 34.2 ± 0.6oC (T2, EG). The averages of arterial IVT were 38.4 ± 0.4 (T1), 37.3 ± 0.7 (T2, CG) and 38.2 ± 0.6oC (T2, EG) and to the venous IVT 34.4 ± 0.4 (T1), 34.4 ± 0.7 (T2, CG) and 34.4 ± 0.5oC (T2, EG). The average of testicular blood flow (T1) was 28.1 ± 3.5 ml/min., with reduction of 50% in EG. The decrease of blood flow for 45 minutes was not sufficient to alter testicular temperatures. Keywords: Aberdeen Angus, testicle, thermoregulation, vasoconstriction. Introdução A termorregulação escrotal e testicular é um processo de manutenção da temperatura dos testículos. Mecanismos locais, como troca de calor contracorrente, regulação do fluxo sanguíneo, posição dos testículos e sudorese, desempenham papel importante na manutenção da temperatura testicular 4 a 6°C abaixo da temperatura corporal (Kastelic et al., 1997). O mecanismo de contracorrente, presente no funículo espermático, destaca-se como principal fator nesse processo, sendo constituído principalmente de um plexo venoso pampiniforme, situado ao redor da artéria testicular altamente espiralada e longa, onde o calor é transferido do sangue arterial para o venoso. Nesse mecanismo, a artéria testicular, além de apresentar uma grande extensão para troca de calor, propicia uma diminuição do fluxo sanguíneo arterial, aumentando, dessa maneira, o tempo de contato com o sangue venoso (Brito et al., 2004). De acordo com Setchell et al. (1971), a magnitude da troca de calor depende exclusivamente da diferença de temperatura entre os dois fluidos. A eficiência deste mecanismo é também influenciada pela distância e taxa de fluxo entre os condutos, tempo de contato entre os dois fluidos e comprimento dos condutos. A artéria testicular, apresentando-se sinuosa e longa no funículo espermático, propicia diminuição do fluxo sanguíneo arterial, aumentando, desse modo, o tempo de contato com o sangue venoso, além de também apresentar uma grande extensão para troca de calor. Barros et al. Efeitos da diminuição do fluxo sanguíneo testicular nas temperaturas escrotal superficial, escrotal subcutânea, intratesticular e intravascular em touros. Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.35, n.1, p.49-54, jan./mar. 2011. Disponível em www.cbra.org.br 50 O mecanismo de troca de calor contracorrente permite que o sangue arterial seja resfriado antes de chegar aos testículos. Da mesma maneira, permite que o sangue venoso seja aquecido antes de penetrar na cavidade abdominal à temperatura próxima da corporal (Setchell et al.,1971). A elevação da temperatura testicular é a causa mais frequente de degeneração testicular em bovinos, seja por temperatura ambiente elevada, infecções sistêmicas ou locais, ou ainda por falha no sistema de termorregulação (Barnabé et al., 1974; Barth e Bowman, 1994). A função testicular também é rapidamente afetada quando as gônadas masculinas são submetidas a temperaturas muito baixas. Em camundongos expostos a uma temperatura próxima a zero, há uma redução na produção de andrógenos e falha na espermatogênese. Esses efeitos ocorrem em resposta a uma isquemia, em que o fluxo sanguíneo no parênquima testicular é progressivamente diminuído (Vandermark e Free, 1970). O fluxo sanguíneo testicular, da mesma forma, parece alterar-se com mudanças de temperatura testicular e/ou ambiente. Setchell et al. (1995) demonstraram que o aumento da temperatura escrotal pode resultar em alterações na movimentação dos vasos (variação rítmica espontânea do fluxo sanguíneo). Waites et al. (1973) documentaram aumento de fluxo sanguíneo escrotal nos testículos e no cérebro de camundongos anestesiados, quando o escroto desses animais foi imerso em água com temperatura variando de 28 a 45°C durante 20 minutos. No entanto, Glode et al. (1984) observaram que, após o resfriamento artificial de testículos de cães, ocorreu uma notável redução do fluxo sanguíneo da pele escrotal, porém não afetou significativamente o fluxo sanguíneo testicular. Setchell (1978) demonstrou que não houve aumento do fluxo sanguíneo quando se elevou a temperatura do testículo de carneiros (até a temperatura corporal), entretanto o fluxo sanguíneo aumentou quando a temperatura testicular foi acima da temperatura corporal. Os efeitos da redução aguda do fluxo sanguíneo foram estudados por Bergh et al. (2001) em camundongos, que demonstraram que a redução de 70% do fluxo sanguíneo durante cinco horas foi suficiente para comprometer a espermatogênese, além de resultar em resposta inflamatória dos vasos sanguíneos. Devido à discrepância nos valores encontrados na literatura para o fluxo sanguíneo testicular, Setchell et al. (1994) realizaram uma revisão dos diferentes métodos utilizados para mensurar o fluxo sanguíneo em diferentes espécies (camundongos, coelhos, cães, macacos e carneiros). A comparação foi efetuada entre o fluxo sanguíneo obtido eletromagneticamente, onde o sensor é colocado ao redor da artéria ou introduzido no circuito por meio da canulação do vaso, pelo método de fricção, pela utilização de marcadores ou por microesferas infundidas no sistema genital, doppler e laser-doppler. Os autores encontraram diferenças nos valores de fluxo sanguíneo registrados pelas diferentes metodologias dentro da mesma espécie. A vantagem da determinação eletromagnética do fluxo sanguíneo, como a empregada neste experimento, está no fato de esse método permitir uma mensuração contínua, tornando-se possível observar alterações de fluxo, ao passo que em outras técnicas, como nas descritas acima, só é possível obter valores de fluxo em pontos e tempos determinados. Sabendo-se que a redução do fluxo sanguíneo e das temperaturas testiculares compromete a espermatogênese e a produção de andrógenos, levando a uma diminuição da fertilidade do touro, objetivou-se avaliar se a diminuição do fluxo sanguíneo testicular em aproximadamente 50%, por um período de 45 minutos, resulta em diminuição nas temperaturas escrotal superficial, escrotal subcutânea, intratesticular e intravascular. Material e Métodos O experimento foi desenvolvido no Centro de Pesquisa de Lethbridge, Agriculture and Agri-Food, estado de Alberta, Canadá, no mês de outubro de 2000, onde a média da temperatura ambiente registrada neste período foi de 13°C. Animais Foram utilizados 11 touros da raça Aberdeen Angus, clinicamente sadios, de 14 meses de idade e peso médio de 500 kg. Todos os animais foram submetidos a exame andrológico prévio, apresentando, em média, 85,7% de espermatozoides morfologicamente normais e circunferência escrotal média de 35,4 ± 0,4 cm. A mensuração do perímetro escrotal foi obtida com o animal em estação, utilizando-se um Coulter Scrotal Tape (Trueman Manufacturing Ltda. Edmonton, AB, Canadá). Os touros foram submetidos à anestesia epidural com 40 mg de xilazina (Rompum®, Chemagro Limited, Etobicoke, Ontário, Canadá), diluída em água até se obter uma solução final de 7,0 ml (Kastelic et al., 1996b). Em seguida, os animais foram colocados em tronco-mesa e mantidos em decúbito lateral esquerdo, para posteriores avaliações. Os animais foram divididos em grupos controle (GC, n = 6) e experimental (GE, n = 5). Inicialmente os animais dos dois grupos (GC + GE; n = 11) foram submetidos às avaliações das temperaturas: escrotal Barros et al. Efeitos da diminuição do fluxo sanguíneo testicular nas temperaturas escrotal superficial, escrotal subcutânea, intratesticular e intravascular em touros. Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.35, n.1, p.49-54, jan./mar. 2011. Disponível em www.cbra.org.br 51 superficial (TES), escrotal subcutânea (TESC), intratesticular (TIT) e intravascular (TIV) em um dos testículos (testículo 1), escolhido aleatoriamente. Posteriormente, os touros do grupo experimental foram submetidos à vasoconstricção mecânica da artéria no testículo contralateral (testículo 2), fazendo-se uma ligadura ao redor da artéria testicular, alterando, desta forma, o fluxo em aproximadamente 50%. Mensuração das temperaturas A avaliação da temperatura escrotal superficial foi determinada utilizando-se um termógrafo infravermelho digital (Compact Infrared Thermometer, Horiba IT – 330, Tokio, Japão). Este aparelho foi posicionado a aproximadamente um metro de distância do touro, na altura da bolsa escrotal. Realizaram-se tomadas nas regiões dorsal e ventral do escroto, com duração de 30 segundos cada. Todas as imagens obtidas pelo termógrafo foram gravadas em disquetes e analisadas por um sistema digital de processador de imagem AGA, em disco 3.0 software. As temperaturas escrotal superficial, intratesticular e intravascular foram mensuradas por meio de agulhas térmicas thermocouples, constituídas de fios de cobre acoplados a um termômetro eletrônico digital. Para a avaliação da temperatura escrotal subcutânea, a extremidade da agulha foi inserida na pele escrotal e, para a avaliação da temperatura intratesticular, foi inserida aproximadamente 2,0 cm no parênquima testicular, na região do mediastino nas porções dorsal, medial e ventral (Kastelic et al., 1996b). As temperaturas na artéria e veia testiculares (TIV) foram mensuradas pelas mesmas agulhas inseridas delicadamente nos vasos sanguíneos, permanecendo pelo período necessário para a estabilização da temperatura. O gradiente térmico foi obtido pela diferença entre a temperatura na porção dorsal do escroto ou testículo e a temperatura na porção ventral. O fluxo sanguíneo foi determinado por uma de incisão na porção dorsal do funículo espermático, dorsalmente ao testículo, onde a artéria testicular foi identificada, expondo-se um segmento de aproximadamente 3,0 cm de comprimento. Um transdutor em formato de C (diâmetro variando de 2,0 a 3,0 cm) foi colocado ao redor da artéria e manipulado para que ficasse em estreito contato com a parede vascular, sem comprimir a artéria e evitando a formação de espaço vazio. O fluxo sanguíneo foi registrado durante 45 minutos, e o transdutor foi conectado ao Monitor de Fluxo Sanguíneo Eletromagnético (Eletromagnetic Blood Flowmeter, modelo T106/t206). As mensurações de temperaturas escrotal subcutânea, intratesticular e intravascular foram realizadas no testículo 2 nos dois grupos (GC e GE), após 45 minutos da oclusão parcial da artéria testicular no grupo experimental. Durante todo o experimento, houve monitorização cardíaca (eletrodos de superfície) dos animais, bem como controle da temperatura corporal. Delineamento estatístico Para análise estatística, foi utilizado o programa SAS (SAS Institute, Cary, NC, 1996), adotando-se o nível de significância de P ≤ 0,05. Utilizou-se teste “t” de Student pareado para comparação das temperaturas retais antes e após anestesia epidural para todos os touros; para determinar os efeitos de tratamento nas temperaturas escrotal superficial, escrotal subcutânea, intratesticular e temperatura na artéria e veia testiculares; e para comparar essas variáveis entre o primeiro e o segundo testículo (somente para os touros submetidos à vasoconstricção). Resultados e Discussão A temperatura retal apresentou diferença (P < 0,001) em touros pós-anestesia epidural quando comparada ao período pré-anestesia (39,4 ± 0,2 e 38,9 ± 0,1°C, respectivamente). O aumento da temperatura corpórea pode decorrer do estresse ocasionado pela contenção do animal ou pela própria administração do anestésico, diferindo dos resultados encontrados por Kastelic et al. (1996a) e Barros (2002). Não foi encontrada diferença (P < 0,05) entre o grupo controle e o grupo experimental para temperaturas escrotal subcutânea e intratesticular dos testículos 1 e 2 (Tab. 1). No entanto, quando se comparam as temperaturas escrotal subcutânea e intratesticular nas diferentes porções dos testículos 1 e 2 (dorsal, medial e ventral), nos dois grupos de estudo, foram observadas diferenças significativas, mostradas na Tab. 1. Os gradientes de temperatura para temperatura escrotal subcutânea foram positivos e semelhantes aos encontrados por Barros (2002), assim como os gradientes negativos para temperatura intratesticular. Barros et al. Efeitos da diminuição do fluxo sanguíneo testicular nas temperaturas escrotal superficial, escrotal subcutânea, intratesticular e intravascular em touros. Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.35, n.1, p.49-54, jan./mar. 2011. Disponível em www.cbra.org.br 52 Tabela 1. Média e desvio-padrão das temperaturas escrotal subcutânea e intratesticular (dorsal, medial e ventral) e gradiente térmico do testículo 1 em todos os touros e do testículo 2 para os grupos controle e experimental. Testículo 1 (GC + GE, n = 11) Testículo 2 (GC, n = 6) Testículo 2 (GE, n = 5) P TESC (°C) Dorsal 31,9 ± 0,6 30,9 ± 1,0 32,1 ± 0,3 0,5 Medial 30,7 ± 0,6 30,6 ± 0,9 30,9 ± 0,4 0,5 Ventral 29,7 ± 0,5 29,7 ± 0,7 30,5 ± 0,4 0,1 Gradiente 2,2 ± 0,4 1,2 ± 0,3 1,6 ± 0,5 P* 0,0001 0,01 0,05 --- TIT (°C) Dorsal 33,0 ± 0,5 33,4 ± 0,6 33,6 ± 0,6 0,1 Medial 33,2 ± 0,5 33,9 ± 0,5 34,9 ± 0,4 0,1 Ventral 33,7 ± 0,7 34,5 ± 0,5 34,1 ± 0,4 0,1 Gradiente -0,7 ± 0,2 -1,1 ± 0,3 -0,5 ± 0,8 P* 0,05 0,02 0,5 --- GC: grupo-controle; GE: grupo experimental; TESC: temperatura escrotal subcutânea; TIT: temperatura intratesticular. P indica comparação entre o testículo 1 e testículo 2 nos grupos controle e experimental para TESC e TIT; P* indica comparação entre as porções (dorsal, medial e ventral) dos testículos. O período em que os touros foram submetidos à diminuição de fluxo sanguíneo (45 min), ainda que superior ao tempo de 30 min empregado por Barros (2002), provavelmente não foi suficiente para alterar as temperaturas testiculares. De acordo com Seafon e Zorgiotti (1991), a duração da isquemia arterial é importante, pois, embora o parênquima testicular represente um elemento de armazenamento que não pode ter sua temperatura alterada instantaneamente, há necessidade de certo período de adaptação ao equilíbrio térmico, devendo-se considerar que a termorregulação ocorra em minutos ou até em horas. No experimento realizado por Bergh et al. (2001) em camundongos, a redução de 70% do fluxo sanguíneo durante cinco horas foi suficiente para comprometer a espermatogênese, além de resultar em resposta inflamatória dos vasos sanguíneos. Esses autores, entretanto, não avaliaram as temperaturas intravascular e testicular. A explicação para esse efeito deletério na produção de espermatozoides pode estar relacionada à isquemia provocada pela diminuição do fluxo, levando ao menor fornecimento de oxigênio e, consequentemente, à hipóxia testicular. A exposição dos testículos a temperaturas muito baixas também provoca uma diminuição progressiva do fluxo sanguíneo no parênquima testicular. Em resposta à isquemia, além de um efeito negativo direto na espermatogênese, observa-se redução na produção de andrógenos (Vandermark e Free, 1970). Em relação às temperaturas intravasculares, as temperaturas venosas foram inferiores às temperaturas arteriais no testículo 1 e no testículo 2 dos grupos controle e experimental (Tab. 2). Esta diferença também foi constatada por Barros (2002), quando a temperatura ambiente se encontrava em torno de 15°C. Tabela 2. Média e desvio-padrão da temperatura intravascular (arterial e venosa) e do fluxo sanguíneo do testículo 1 em todos os touros e do testículo 2 para os grupos controle e experimental. Testículo 1 (GC + GE, n = 11) Testículo 2 (GC, n = 6) Testículo 2 (GE, n = 5) P TIV Artéria 38,4 ± 0,4 37,3 ± 0,7 38,2 ± 0,6 0,5 Veia 34,4 ± 0,4 34,4 ± 0,7 34,4 ± 0,5 0,5 P* <0,001 <0,05 <0,01 - GC: grupo-controle; GE: grupo experimental; TIV: temperatura intravascular. P indica comparação entre testículos e P* indica comparação entre artéria e veia. Os padrões de temperatura observados neste experimento podem ser explicados pelas características anatômicas da vascularização testicular nos touros. O mecanismo de troca de calor contracorrente presente no funículo espermático só é eficiente quando o sangue venoso apresenta temperatura inferior ao arterial. De acordo com as descrições realizadas por Coulter et al. (1997), a artéria testicular, altamente espiralada, quando deixa o funículo espermático, entra nos testículos, segue direto e logo abaixo da túnica albugínea até a porção ventral dos testículos. Na parte ventral, a artéria se ramifica na superfície caudolateral dos testículos antes de entrar no parênquima. Dessa maneira, o sangue aquecido, porém parcialmente resfriado pelo sistema de transferência de calor contracorrente, mantém grande parte da sua temperatura ao longo do seu trajeto abaixo do epidídimo, sendo resfriado somente quando a artéria testicular se ramifica e se desloca em direção dorsal ao testículo. Kastelic et al. (1997) avaliaram a temperatura arterial do testículo em temperatura ambiente de 15°C e Barros et al. Efeitos da diminuição do fluxo sanguíneo testicular nas temperaturas escrotal superficial, escrotal subcutânea, intratesticular e intravascular em touros. Rev. Bras. Reprod. Anim., Belo Horizonte, v.35, n.1, p.49-54, jan./mar. 2011. Disponível em www.cbra.org.br 53 verificaram valores de 34,3 ± 0,8, 33,4 ± 0,6 e 31,7 ± 0,6ºC para testículo coberto, e 32,5 ± 0,8, 32,0 ± 0,5 e 29,6 ± 0,7ºC para testículo exposto, em distintas porções anatômicas (dorsal, medial e ventral, respectivamente). De acordo com Waites e Moule (1961), qualquer alteração da temperatura escrotal é rapidamente transferida para as veias presentes na superfície testicular, e essas veias, quando chegam ao funículo espermático, determinam a temperatura com que o sangue chega aos testículos. No presente experimento, não houve redução das temperaturas escrotais avaliadas (temperatura escrotal superficial e escrotal subcutânea) em resposta à redução do fluxo sanguíneo provocada artificialmente, deste modo, não houve diferença na temperatura venosa entre os três grupos analisados. A média e o desvio-padrão do fluxo sanguíneo arterial de todos os touros (n = 11) foram de 28,1 ± 3,5 ml/min. Este valor foi semelhante ao registrado por Barros (2002; 25,0 ± 1,0 ml/min, temperatura ambiente de 15°C), que utilizou o mesmo aparelho para mensuração de fluxo sanguíneo eletromagnético. Uma vez que muitos fatores genéticos, hormonais, infecciosos e clínicos podem levar ao comprometimento da espermatogênese e, consequentemente, da fertilidade, a temperatura testicular só pode ser considerada como item de risco quando puder ser aferida com precisão, por meio da avaliação das temperaturas escrotal e testicular. Alguns efeitos relevantes foram discutidos em diversos estudos (Lagerlof, 1938; Purohit et al., 1985; Pryor e Howards, 1987; Coulter, 1988; Coulter et al., 1988; Gabaldi, 1999; Kastelic et al., 1995, 1996b, 1997) relacionados à alteração da temperatura testicular: degeneração das células do epitélio seminífero; alterações na hemodinâmica do fluxo sanguíneo; alterações ultraestruturais e funcionais no epidídimo, alterações nos níveis séricos de gonadotrofinas; diminuição do tamanho dos testículos; produção de espermatozoides anormais e diminuição da fertilidade. Conclusão Considerando-se a presente condição experimental e a análise dos resultados, pode-se concluir que a diminuição do fluxo sanguíneo por um período de aproximadamente 45 minutos não influenciou as temperaturas escrotal superficial, escrotal subcutânea, intratesticular e intravascular. Os resultados desta pesquisa foram relevantes, porque mostram que a capacidade termorregulatória do escroto é um mecanismo eficiente na prevenção de alteração nas temperaturas estudadas em decorrência da redução do fluxo sanguíneo. Este trabalho poderá ser complementado com experimentos futuros estudando a frequência e a amplitude dos movimentos dos vasos. Agradecimentos À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e Lethbridge Research Center, Alberta, Canadá, pelo auxílio financeiro na realização do trabalho. Referências bibliográficas Barnabé RC, Barnabé VH, Mucciolo RG. Observações sobre o quadro espermático e características térmicas em carneiros normais e criptorquídeos unilaterais. Rev Fac Med Vet Zootec USP, v.11, p.179-189, 1974. Barros CMQ. Avaliação das temperaturas escrotal, intratesticular, intravascular e fluxo sanguíneo da artéria testicular em touros. 2002. 11f. 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