"Campus” de Marília” PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E EDUCAÇÃO VALORES MORAIS EM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL II E MÉDIO DO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO DISCENTE: Graziella Diniz Borges ORIENTADOR: Dr. Raul Aragão Martins MARÍLIA – SP 2017 "Campus” de Marília” PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E EDUCAÇÃO VALORES MORAIS EM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL II E MÉDIO DO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO Dissertação de Mestrado apresentada para a Banca Examinadora junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP. Área 1 –Linha 01 - Psicologia da Educação: Processos Educativos e Desenvolvimento Humano Orientador: Prof. Dr. Raul Aragão Martins Professor Adjunto - Deptº. de Educação do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista – UNESP Marília, SP 2017 Graziella Diniz Borges VALORES MORAIS EM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL II E MÉDIO DO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO BANCA EXAMINADORA Orientador: ________________________________________________ Profº. Dr. Raul Aragão Martins (IBILCE – UNESP – São José do Rio Preto) 2º Examinador: _____________________________________________ Profª. Dra. Alessandra de Morais Shimizu (FFC – UNESP – Marília) 3º Examinador: ____________________________________________ Profª. Dra. Luciana Ap. Nogueira da Cruz (IBILCE – UNESP – São José do Rio Preto) Marília – SP 2017 DEDICATÓRIA Dedico esta dissertação aos jovens que participaram desta pesquisa. O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar, a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro. MIA COUTO AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus pela vida e pelos ideais que trago comigo. Agradeço ao meu esposo Rafael por todos os esforços, compreensões, paciência, desprendimento de tempo para digitar questionários, por estar ao meu lado sempre que precisei. Aos meus filhos Gabriel, Arthur e Bernardo, que dividiram a atenção da mãe com os livros, aulas, estudos e etc. Aos meus pais Gersi e Péricles (in Memoriam), a minha sogra Maria, meu sogro Rui (in Memoriam), minha cunhada Nathália e a minha irmã Juliana. Quero agradecer a minha grande amiga Flávia, pois foi ela quem prestou grande incentivo nesta jornada e acreditou em mim mais que eu mesma. Ao Professor Dr. Raul Aragão Martins da Unesp de São José do Rio Preto, pela amizade, por acreditar em mim, por me apoiar e me ouvir sempre com atenção e carinho. A Professora Dra. Alessandra de Morais da Unesp de Marília, por todas as colocações, incentivos, olhares e posicionamentos críticos e afetivos para comigo. Também pelos momentos de construção e muita aprendizagem. A Professora Dra. Luciene Tognetta da Unesp de Araraquara, por suas intervenções, críticas e colaborações nesta pesquisa. A Professora Dra. Patrícia Bataglia da Unesp de Maríla, pelos vários momentos de discussões, construções conceituais, aprendizagens e encantamento pela Educação Moral. Agradeço as coordenadoras Verediana da Cunha Rossi e Regina Cristiane Peres por todo apoio e incentivo durante essa jornada. E a todos que contribuíram com a construção e realização dessa pesquisa. RESUMO A sociedade atual, por sua complexidade, traz novos desafios para a educação. Um deles é o comportamento social das pessoas, em especial os relacionados com uma conduta correta nas relações privadas e públicas. A esse respeito à escola é compreendida como uma das responsáveis por essa construção, visto que é na sala de aula, que o professor poderá ensinar ética por meio de seus comportamentos e relações com seus alunos e estes com seus pares. Os valores são construídos nas relações, pela formação de hábitos, pelos exemplos de justiça, respeito, diálogo e outros, mais que ministrar discurso, o professor precisa agir moralmente. Esta pesquisa tem o objetivo de avaliar a adesão aos valores morais preconizados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), que definem vários temas. Um desses temas chamado de temas transversais que por sua vez inclui a ética e aponta os valores de respeito, de solidariedade, de justiça e de convivência democrática como sendo os mais importantes, que, portanto devem ser trabalhados nas escolas. Para avaliar a adesão aos valores nas escolas foi utilizado um instrumento construído por um grupo de pesquisadores da Fundação Carlos Chagas – FCC, que desenvolveram uma Escala de Valores Morais destinada a mensurar a presença e a adesão dos valores morais preconizados nos PCNs. A metodologia envolve a aplicação da Escala de Valores Morais. O grupo estudado compreende uma amostra de 276 jovens de três escolas particulares do interior do estado de São Paulo. O estudo apresenta resultados importantes sobre as relações sociais dos sujeitos em diferentes lócuos, dentre eles a família e a escola. Verificamos a qualidade das relações nesses ambientes pesquisados e suas relações com a adesão aos valores mensurados. Os resultados encontrados foram a adesão a valores em nível III, ou seja, numa perspectiva social egocêntrica. Espera-se que esta pesquisa traga novos subsídios para fundamentar ações voltadas para o desenvolvimento de uma vida saudável e harmoniosa entre nossos estudantes. Palavras-chave: Educação moral. Adesão aos valores. Jovens. Ambiente escolar. ABSTRACT Today's society, because of its complexity, presents new challenges for education. One is the social behavior of people, especially those related to correct conduct in private and public relations. In this respect the school is understood as one of the responsible for this construction, since it is in the classroom, that the teacher can teach ethics through their behaviors and relationships with their students and these with their peers. Values are built in relationships, by the formation of habits, by the examples of justice, respect, dialogue and others, rather than ministering speech, the teacher must act morally. This research aims to evaluate adherence to the moral values advocated by the National Curricular Parameters (1998), which define several themes. One of these themes is called cross-cutting themes which in turn includes ethics and points to the values of respect, solidarity, justice and democratic coexistence as the most important, which must therefore be worked out in schools. To evaluate adherence to values in schools, an instrument was built by a group of researchers from the Carlos Chagas Foundation - FCC, who developed a Moral Values Scale to measure the presence and adherence of the moral values recommended in the PCNs. The methodology involves the application of the Moral Values Scale. The study group comprises a sample of 276 young people from three private schools in the interior of the state of São Paulo. The study presents important results on the social relations of the subjects in different liquors, among them the family and the school. We verified the quality of the relationships in these researched environments and their relationships with adherence to the measured values. The results found were adherence to level III values, that is, from an egocentric social perspective. It is hoped that this research will bring new subsidies to support actions aimed at the development of a healthy and harmonious life among our students. Keywords: Moral education. Adherence to values. Young. School environment. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 - Consciência das regras (PIAGET, 1932/1994a) .................................. 30 Ilustração 2 - Justiça retributiva e distributiva (PIAGET,1932/1994a)....................... 40 Ilustração 3 - Sanção expiatória (PIAGET, 1932/1994a) ........................................... 41 Ilustração 4 - Sanção por reciprocidade (PIAGET, 1932/1994a)............................... 42 Ilustração 5 - Fatores de heteronomia e autonomia na escola .................................. 45 Ilustração 6 - Quatro éticas para aprender a viver .................................................... 70 Ilustração 7 - Solidariedade do ponto de vista da filosofia e da psicologia ................ 78 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Os estágios morais e seus conteúdos .................................................... 49 Quadro 2 - Distribuição dos itens do caderno 8 por valor moral................................ 90 Quadro 3 - Distribuição dos itens do caderno 9 por valor moral................................ 90 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Frequência absoluta dos alunos por escola, caderno respondido e nível/ano de ensino ................................................................................................... 87 Tabela 2 - Frequência relativa das respostas dos níveis de perspectiva social dos alunos por itens do valor Convivência Democrática .................................................. 94 Tabela 3 - Frequência realtiva das respostas dos níveis de perspectiva social dos alunos por itens do valor Solidariedade .................................................................... 95 Tabela 4 - Frequência relativa das respostas dos níveis de perspectiva social dos alunos por itens do valor Respeito ............................................................................ 97 Tabela 5 - Frequência relativa das respostas dos níveis de perspectiva social dos alunos por itens do valor Justiça ............................................................................... 99 Tabela 6 - Frequência absoluta e relativa das respostas positivas em relação aos modos de convivência dos alunos na família .......................................................... 102 Tabela 7 - Frequência absoluta e das respostas positivas sobre gostar ou de ir à escola ...................................................................................................................... 102 Tabela 8 - Frequência relativa de respostas sobre como percebem as relações na escola ...................................................................................................................... 103 Tabela 9 - Frequência relativa da percepção que os alunos têm sobre como é visto na escola, família e entre amigos ............................................................................ 105 Tabela 10 - Frequência relativa sobre as regras na escola ..................................... 105 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 14 2 A TEORIA MORAL DE JEAN PIAGET ......................................................................... 21 2.1 Relação entre cognição e afeto .................................................................................... 24 2.2 O Juízo Moral na Criança, segundo Jean Piaget.......................................................... 27 2.3 Sobre a prática e a consciência das regras em Piaget ................................................. 28 2.3.1 Práticas das regras ......................................................................................... 28 2.3.2 Consciência das regras .................................................................................. 30 2.4 O respeito .................................................................................................................... 33 2.5 Os julgamentos morais e as regras: realismo moral, a responsabilidade objetiva e a responsabilidade subjetiva ................................................................................................... 38 2.6 As noções de justiça: ................................................................................................... 39 2.7 A justiça e as sanções ................................................................................................. 41 2.8 Educar moralmente na escola ...................................................................................... 43 3 A TEORIA DE JULGAMENTO MORAL DE LAWRENCE KOHLBERG ........................ 47 3.1 Os estágios de juízo moral de Kohlberg ....................................................................... 48 3.2 Os paralelismos entre Piaget, Kohlberg e outros estudiosos da moral ......................... 59 3.3 O querer fazer moral e o despertar da moral ................................................................ 62 4 VALORES MORAIS ..................................................................................................... 66 4.1 Educação moral como socialização e a educação moral como clarificação de valores 665 4.2 Educação moral como desenvolvimento ...................................................................... 68 4.3 Os Valores morais: O plano moral e o plano ético ........................................................ 73 4.4 Justiça .......................................................................................................................... 76 4.5 Solidariedade ............................................................................................................... 78 4.6 Respeito ....................................................................................................................... 80 4.7 Convivência democrática ............................................................................................. 82 5 MÉTODO ..................................................................................................................... 86 5.1 Participantes .................................................................................................................. 86 5.2 Instrumento e forma de análise dos dados..................................................................... 87 5.3 Procedimentos ............................................................................................................. 91 5.4 Considerações éticas ................................................................................................... 91 6 RESULTADOS E DISCUSSÕES ................................................................................. 92 6.1 Apresentação das escalas de valores morais .............................................................. 93 6.1.1Escala de Convivência Democrática ............................................................................ 93 6.1.2Escala de Solidariedade .............................................................................................. 95 6.1.3Escala de Respeito ...................................................................................................... 97 6.1.4Escala de Justiça ......................................................................................................... 99 6.2 Perfil dos sujeitos e suas percepções do ambiente escolar e familiar..........................101 6.3 Relações sobre os valores morais pesquisados, com o perfil dos jovens e o contexto escolar pesquisado ............................................................................................................ 106 7 DISCUSSÕES ........................................................................................................... 110 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................119 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 123 APÊNDICE A - CARTA CONVITE....................................................................................... 13232 APÊNDICE B - CARTA DE AUTORIZAÇÃO DOS PAIS - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE ...................................................................................... 133 APÊNDICE C - CARTA DE ASSENTIMENTO DOS JOVENS - TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .................................................................. 13434 APÊNDICE D - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DA DIRETORA REGIONAL DE ENSINO . 1355 14 1 INTRODUÇÃO A presente pesquisa apresenta a mensuração de valores morais: Respeito, Justiça, Solidariedade e Convivência Democrática de jovens do Ensino Fundamental II e Ensino Médio de uma cidade no interior de São Paulo. Como eles se percebem nas suas formas de agir junto aos colegas. Como se sentem ao estar diante de conflitos, de dilemas, quando precisam tomar uma decisão, enfim escolher um caminho a seguir. E, por conseguinte, como esses jovens acreditam que devem ou deveriam ser as condutas de uma pessoa ao passar pelas situações acima mencionadas e de que forma percebem o ambiente que experimentam no dia a dia, seja na vida escolar, na família, na sociedade em geral. O objetivo é avaliar a presença e o modo de adesão aos valores morais em jovens dos anos finais do Ensino Fundamental II (9º anos) e Ensino Médio. Também se quer conhecer o perfil da amostra estudada e relacionar com os valores morais investigados (justiça, solidariedade, respeito e diálogo/convivência democrática) com as seguintes variáveis: convivência familiar, atitudes e convivência com os pares e professores no espaço escolar, regras na escola e outros. Para tanto, iremos utilizar da Escala de Valores Morais (TAVARES et al., 2016) para tratarmos os valores convivência democrática, solidariedade, respeito e justiça e relacionar os valores mensurados com os perfis dos jovens respondentes. As questões acerca dos valores morais são trazidas a reflexões desde muito tempo por filósofos, existe uma diversidade teórica representando a complexidade do tema. Sendo assim, precisamos fazer um recorte conceitual para definir fronteiras e territórios teóricos pelos quais iremos transitar. Os valores em Psicologia vêm sendo investigados e discutidos dentro de duas subáreas desta ciência, a Psicologia Social e a Psicologia do Desenvolvimento Moral. A primeira, a Social, tem como foco os valores humanos em sua dimensão mais ampla, como mostra Schwartz e Bilsky (1987), que definem valores como (a) princípios ou crenças, (b) sobre comportamentos ou estados de existência, (c) que transcendem situações específicas, (d) que guiam a seleção ou avaliação de comportamentos ou eventos e (e) que são ordenados por sua importância” (p.551). (in PORTO;TAMAYO, 2007, p.63) 15 Tamayo e Schwartz (1993, p.331) definem valores como [...] metas que o indivíduo fixa a si próprio, relativas a estados de existência (valores terminais) ou a modelos de comportamentos desejáveis (valores instrumentais) (Lovejoy, 1950; Rescher, 1969; Rokeach, 1973). A sua raiz é de ordem motivacional, já que eles expressam interesses e desejos de tipo individual, coletivo, ou misto, dentro de áreas motivacionais bem determinadas (Hofstede, 1980; Triandis, 1987; Bomtempo, Villareal, Asai & Lucca, 1988). Os valores apresentam uma hierarquia baseada na maior ou menor importância que eles têm na vida do indivíduo (Rokeach, 1968/69; Tamayo, 1988) e uma função que faz com que eles sejam determinantes da rotina diária, já que eles orientam a vida da pessoa e determinam a sua forma de pensar, de agir e de sentir (Williams, 1968, 1970). Desta forma, a psicologia considera os valores como um dos motores que iniciam, orientam e controlam o comportamento humano. Eles constituem um projeto de vida e um esforço para atingir metas de tipo individual ou coletivo. Nesta perspectiva os valores humanos vêm sendo investigados, especialmente após Rokeach (1973) ter desenvolvido uma escala para a sua avaliação, que por sua vez recebeu aperfeiçoamentos e atualmente considera-se a existência de 10 tipos motivacionais: Autodireção (AD) Independência no pensamento e na tomada de decisão, criação e exploração (criatividade, independente, liberdade). Estimulação (ES) Ter excitação, novidade e mudança na vida (ser atrevido, uma vida excitante, uma vida variada). Hedonismo (HE) Prazer ou gratificação sensual para a própria pessoa (desfrutar da vida, prazer). Realização (RE) Êxito pessoal como resultado da demonstração de competência segundo as normas sociais (ambicioso, capaz, obter êxito). Poder (PO) Posição e prestígio social, controle ou domínio sobre pessoas e recursos (autoridade, poder social, riqueza). Benevolência (BE) Preservar e reforçar o bem-estar das pessoas próximas com quem se tem um contato pessoal freqüente e não casual (ajudando, honesto, não rancoroso, ter sentido na vida). Conformidade (CO) Limitar as ações, inclinações e impulsos que possam prejudicar a outros e violar expectativas ou normas sociais (autodisciplina, bons modos, obediência). Tradição (TR) Respeitar, comprometer-se e aceitar os costumes e as idéias que a cultura tradicional ou a religião impõem à pessoa (devoto, honra aos pais e mais velhos, humilde, respeito pela tradição, vida espiritual). Segurança (SE) Conseguir segurança, harmonia e estabilidade na sociedade, nas relações interpessoais e na própria pessoa (ordem social, segurança familiar, segurança nacional). Universalismo (UN) Compreensão, apreço, tolerância e proteção em direção ao bem-estar de toda a gente e da natureza (aberto, amizade verdadeira, igualdade, justiça social, protetor do meio ambiente, sabedoria, um mundo em paz, um mundo de beleza) (GOUVEIA et al. 2001, p.135). 16 A segunda subárea da Psicologia que trata de valores é a do Desenvolvimento Moral. Para Höffe (2004) valores morais são aqueles que [...] exigem ações que não são boas e corretas em função de algo externo, mas por si mesmas. Sendo fundamento de todos os outros, estes valores se enquadram na categoria de valores básicos. Não estão ligados às condições particulares de uma determinada comunidade, mas são válidos para toda a humanidade. [...] já sabemos que de tal natureza são o direito e a justiça, e sua formulação concreta, os direitos do homem (HOFFE, 2004, p.470). De acordo com Piaget (1994b), um valor é um investimento afetivo que nos faz agir; que nos move numa direção. Valores morais são, portanto, os investimentos afetivos que colocamos em regras, princípios, ideias, sentimentos, e que influem em julgamento e ações consideradas, na maioria das culturas, como boas ou justas. São o que nos guia para os chamados bons costumes. Esta questão não é nova na Educação e um exemplo é um texto de Durkheim que só foi publicado na França em 1982, mas se refere a uma palestra que ele ministrou no ano letivo de 1908/09 (ou 1909/10), na Universidade de Sorbonne. Esse artigo nos chama a atenção por ele afirmar que desde o final dos anos 70 do século XIX tentava-se na França “[...] ensinar a moral para nossas crianças das escolas primárias em termos puramente laicos [...].” (DURKHEIM, 2007, p.62), mas considerava que os resultados ainda estavam longe do desejável. Passado cerca de um século da proposta de Durkheim, a sua preocupação continua atual e aparentemente no mesmo patamar. La Taille e Menin (2009) publicaram um conjunto de estudos sobre valores, que intitularam “Crise de Valores ou Valores em Crise”. Entendem que “Crise de valores” nos remete a valores morais “doentes” e em “risco de extinção” (p.9) e “Valores em crise” denotaria que eles não acabaram, mas sim, que estão tendo novas interpretações. Mesmo que haja transformação e não ausência de valores, é recorrente a queixa de que os jovens têm balizado suas vidas mais em valores ligados à aparência, ao reconhecimento momentâneo, ao sucesso, à posse, ou mesmo, à força, do que em outros valores relacionados a uma vida harmônica com os outros e consigo mesmo. Ou seja, são reconhecidos como valores aqueles que mais instrumentalizam os jovens para a competição e o “sucesso”. Essa queixa não está presente só na voz do senso comum e na mídia; ela aparece, repetidamente e, em 17 vários países, em autores que estudam a pós-modernidade, tais como: Lipovetsky (2010), Bauman (1998) e Jares (2005). No Brasil, autores que estudam desenvolvimento e educação moral (tais como, LA TAILLE; MENIN, 2009; MENIN, 2002; LA TAILLE, 2006, 2009; TOGNETTA; VINHA, 2007; TOGNETTA, 2003; 2006; D’AUREA-TARDELI, 2006, 2008, 2011; ARAÚJO; PUIG; ARANTES, 2007; ARAÚJO, 2007; ARAÚJO; ARANTES, 2009; VINHA, 2000, 2003), ou que estudam as relações entre ética e educação (GOERGEN, 2001, 2007; LOMBARDI; GOERGEN, 2005; SILVA, 2010) também têm apontado essa crise dos valores morais. As diferentes perspectivas teóricas discutem dentro da ética, critérios para julgar o bem moral. Revelando que as escolhas podem ser influenciadas por pertencimentos sociais, contextos e momento sócio histórico. Essas relações, suas raízes e possíveis interdependências (MENIN; TAVARES, 2013). Já no construtivismo de Piaget (1994b), o desenvolvimento moral, bem como as escolhas do sujeito e a forma de julgar o bem moral, são constituídas em contextos de interação, vistos por esse autor como fruto de uma construção, de uma constante auto-organização, seguidas de interações com os pares e objetos (LA TAILLE, 2006). Sendo assim, valores se constroem mediante vivências em práticas sociais, como destaca os Parâmetros Curriculares Nacionais. “Na escola, essa formação passa a ser tarefa do professor, do diretor, da merendeira, da secretária e dos alunos entre si (BRASIL, 1997 in MENIN; TAVARES; 2013, p.15). Diante desse cenário, a escola aparece como uma instituição importante para a manutenção ou mudança de valores. Isso acontece porque a escola promove a convivência diária entre jovens, impõe uma vida coletiva e normas comuns; passa valores considerados importantes para a cultura em que se vive. Porém, conforme pesquisa, os professores compreendem que a escola passou a ter que exercer a educação moral ou em valores, pois, segundo eles, a família não cumpre mais esse dever, não assume mais tal responsabilidade (MARTINS; SILVA, 2009; TREVISOL, 2009). Professores se queixam, considerando as incivilidades o maior dificultador das práticas docentes, estando os alunos, os professores imersos num ambiente onde o desrespeito parece imperar (ZECHI, 2008; SILVA, 2004; SPÓSITO, 2001). Em nenhum momento atribuem a si, ao ambiente escolar, alguma responsabilidade, 18 não questionam sobre a sua prática pedagógica, sobre sua responsabilidade perante o que os afligem. Muitas pesquisas indicam, de modo geral, que a violência e indisciplina constituem um fenômeno multideterminado. Revelando que a problemática presente no meio escolar é reflexo da violência social, das mudanças socioeconômicas ocorridas na sociedade e no sistema escolar, da educação familiar, mas é também gerada e potencializada no interior da escola, apontando a violência simbólica praticada pela instituição escolar, o estabelecimento de regras e normas escolares, as condutas docentes e outros problemas considerados influenciadores da dinâmica escolar (ZECHI, 2008). Todas essas queixas são apontamentos para a necessidade de as escolas se voltarem para a formação em valores morais, indo além das postulações existentes nos currículos escolares, como a rigor não vem acontecendo de fato. Nesse sentido, Costa (2007, p.77), compreende nas palavras de Savater (2000) que [...] de todos os empenhos humanos, a educação é o mais humano e humanizador; educar significa então acreditar na perfectibilidade humana; acreditar que os homens possuem uma capacidade inata para diferentes e múltiplas aprendizagens. Costa (2007) complementa dizendo que só chegamos a ser plenamente humanos quando os nossos semelhantes nos contagiam com sua própria humanidade. Diante dessa reflexão, vemos a extrema relevância conferida aqui ao papel do professor. Nos postulados de Savater (2000), podemos ver surgir uma possibilidade em meio a tantas vicissitudes e tantos desalentos. O professor deve acreditar que vale a pena seu esforço, que ele é imprescindível e ainda saber que o seu objetivo é formar indivíduos autônomos. Acreditamos e consideramos essas reflexões bem apropriadas e importantes às finalidades de estudos desta pesquisa, pois o trabalho docente, a figura do professor, pois este pode e deve ter no seu ofício não somente transmitir conhecimentos, mas criar espaços de circulação de valores e princípios voltados para a preservação e expansão da vida (SAVATER, 2000). Os membros de uma escola devem por meio de suas ações, dar exemplos de respeito, justiça, solidariedade, diálogo, cooperação, mais do que fazer discursos ou agir de forma não condizente com os valores que querem ensinar (MENIN;TAVARES, 2013, p.15). 19 Os estudos em psicologia moral, entre outras coisas, têm se dedicado a pesquisar, compreender e discutir as complexas relações que permeiam nossa sociedade e como sabemos, a escola é um palco de grandes e recorrentes relações sociais. Este texto para o exame de defesa de mestrado está organizado em cinco capítulos. De acordo com o objetivo, dividimos o referencial teórico em três capítulos: O desenvolvimento moral segundo Jean Piaget, A teoria de julgamento moral de Lawrence Kohlberg e Os valores morais. No capítulo sobre “O desenvolvimento moral segundo Piaget”, buscamos a apresentar a teoria da moral desenvolvida por Jean Piaget, na obra “O juízo Moral na Criança”, publicado em 1932, bem como suas contribuições para a psicologia e para a educação, serviu-nos para esclarecer aspectos da moralidade no ser humano, mostrando que o desenvolvimento acontece devido a uma evolução cognitiva, afetiva e social. No capítulo, “A teoria de julgamento moral de Lawrence Kohlberg”, queremos dar continuidade a teoria da moral com o psicólogo e professor Norte Americano, Kohlberg. Este que era fascinado pela teoria de desenvolvimento moral de Jean Piaget, dessa forma ele enveredou para o estudo de desenvolvimento moral de crianças e adolescentes. Foi professor em Harvard desde 1968 até sua morte em 1987. Os capítulos dois e três são destinados a fundamentações teóricas importantes para este trabalho, enfocando vários conceitos como anomia, heteronomia, autonomia, os dois respeitos entre outros. Finalizando este capítulo com as contribuições desta teoria da moral para a educação. No capítulo, “Os valores morais”, trazemos referenciais teóricos sobre os valores morais contundentes com os temas em questão. E buscamos cumprir a meta de tratar de como as virtudes e os valores podem e devem ser fomentados no ambiente escolar. Tratamos especialmente dos temas “Justiça”, “Solidariedade”, “Respeito” e “Convivência Democrática”, de forma a atribuir a estes maiores destaques. No quinto capítulo, “Metodologia” discutimos questões dos métodos, instrumentos de coleta de dados utilizado. Destacamos o tipo de pesquisa utilizada, dos sujeitos, a coleta de dados, e por fim, a direção que seguimos para a análise do material coletado. Como dissemos anteriormente, para a coleta de dados, foi utilizada a aplicação de uma Escala de Valores Morais em uma amostra de alunos do Ensino Fundamental II (9ºano) e Ensino Médio. Ainda faremos nesse capítulo 20 uma breve explicação dos tipos de questões e suas alternativas, onde mostraremos os níveis de tipos de resposta escolhida pelos sujeitos. No capítulo sexto, iremos tratar dos resultados e discussões. Traremos os dados por nós encontrados nesta pesquisa demonstrados em tabelas e quadros. Em seguida das apresentações dos dados, será disposta a descrição dos níveis em cada escala de valor apresentada. Adiante faremos a apresentação dos perfis dos jovens respondentes e as relações sugeridas entre o perfil encontrado e sua maior ou menor adesão aos valores pesquisados. Estes resultados apresentados são discutidos considerando a teoria da moralidade de Piaget e Kohlberg por nós elegida como referencial teórico e a situação atual das escolas e dos jovens. Por fim, no sétimo e último capítulo desejamos trazer a tona nossas considerações finais e também algumas implicações para a educação em valores. 21 2 A TEORIA MORAL DE JEAN PIAGET Neste capítulo, iremos apresentar os pressupostos teóricos presentes na teoria da moral piagetiana, alguns conceitos importantes dentro dessa teoria, como anomia, heteronomia, autonomia moral. Em seguida trataremos das contribuições do psicólogo americano Lawrence Kohlberg, este que se debruçou sobre a teoria do primeiro autor citado, propondo completá-la, e ainda dando a ela forte consolidação como área nobre da psicologia (LA TAILLE, 2006). No ano de 1932, o suíço Jean Piaget, publica sua obra “O Juízo Moral na Criança”. Esse feito tem trazido até hoje grandes contribuições por ser no campo da Psicologia Moral, um referencial e também um ponto de partida para os estudiosos da moral. O tema da moral tem sido amplamente discutido e estudado, visto o quão notáveis são os conflitos e embaraços vividos por nós enquanto sociedade. Esses problemas têm algo a nos dizer enquanto professores pesquisadores, pois estão arraigados em questões morais. Vários estudos e autores influenciaram Piaget na elaboração de suas teorias. O alemão Immanuel Kant exerceu determinada influência, visto a apropriação feita por Piaget de termos da filosofia kantiana dentro de conceitos como ética, agir moralmente, autonomia, entre outros. Para Kant o homem transita entre dois mundos. Vamos clarificar o que Kant desejou dizer. “O primeiro mundo é o das coisas naturais, dos fenômenos da experiência e da sensibilidade humana; este é regido e determinado pela causalidade das leis físicas e biológicas; portanto, sem liberdade” (PEGORARO, 2013, p.102). O segundo mundo, o inteligível, da liberdade, da razão, da lei do dever. Isto posto, a ética kantiana se dá no domínio da razão prática livre, na ética do dever. O homem, ser finito, vive nos dois mundos. Pela razão, vontade e liberdade o homem insere-se no mundo inteligível, causa de sua lei moral. “Esta dupla vivência gera um conflito que Kant chama mal radical: o conflito entre a lei do dever moral e a lei particular do prazer dos sentidos” (PEGORARO, 2013, p.103). A moral kantiana se dá na passagem de um ser humano biológico e sensível para um ser humano racional. É nesse alicerce que se fundamenta o imperativo categórico de Immanuel Kant (PEGORARO, 2013). 22 Em seu imperativo categórico Kant instala a pura forma da lei moral, dizendo: Age de tal forma que consideres a humanidade, tanto em sua pessoa, como na pessoa de todos os outros, sempre como fim e nunca como um simples meio (PEGORARO, 2013). Nestes princípios Kant já anunciava conceitos que adiante foram bem fundamentados por Piaget (1932/1994a), como heteronomia, autonomia, descentração, entre outros. Nesse sentido Freitag (1990), acrescenta dizendo que Piaget construiu sua teoria da moralidade baseando-se no modelo kantiano, concentrando sua atenção na autonomia da razão, no respeito às normas e leis, na ideia de justiça. Estes conceitos citados eram para Kant ideias centrais. Na psicologia moral em Piaget e Kohlberg o papel da razão é privilegiado, portanto a autonomia é possível. Piaget pensava num sujeito epistêmico, um sujeito do conhecimento. Compreendendo que estruturas lógicas e o conhecimento físico começam a ser elaborados desde o nascimento, frutos de maturações biológicas, de experiências variadas e de ensinamentos formais como os das escolas. Esses fatores citados precisam estar harmonizados para culminar no que Piaget em seguida denomina equilibração (LA TAILLE, 2006). Essa equilibração ocorre devido à capacidade humana de auto-regulação, no sentido de um trabalho interno e individual das estruturas da inteligência, é dessa forma que a teoria piagetiana é denominada construtivista, exige muito trabalho psíquico (LA TAILLE, 2006). Da mesma forma que o desenvolvimento da inteligência, o desenvolvimento da moral também é um processo interior e construído (PIAGET, 1932/1977 em VINHA, 2000). Essa construção se dá a partir das experiências morais e a escola é um local propício para essas vivências. Sendo assim, “[...] não adianta tentarmos ensinar moralidade, pois ela é construída a partir da interação do sujeito com o meio em que vive” (VINHA, 2000, p.40). Sabendo que o processo de construção se dá na interação do sujeito com o meio, e ainda precisa haver ações do sujeito sobre esse meio. Se há pouca interação, haverá pouca construção, ou construção parcial (LA TAILLE, 2006). Araújo (2014) mostra a necessidade de a escola se orientar em torno de dois eixos básicos indissociáveis, a instrução e a formação moral. No eixo da instrução fica a responsabilidade de construção dos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade, ou seja, conteúdos acadêmicos. Já no âmbito da formação moral 23 e ética do cidadão, há que se dar aos jovens e as crianças condições físicas, psíquicas, cognitivas e também culturais necessárias para participar da vida em sociedade de forma, crítica e autônoma. Este mesmo autor em suas experiências, trabalhando em escolas públicas e privadas, no estado de São Paulo, observou que ambas as escolas incluem em seu projeto político-pedagógico o objetivo de trabalho com esses dois princípios – todas dizem que pretendem instruir e formar os futuros cidadãos. Mas na realidade, a formação ética fica em segundo plano, as escolas preocupam, objetivamente em instruir (ARAÚJO, 2014). Mantovani de Assis (2012) relata que investigou sujeitos que tiveram a oportunidade de conviver num ambiente moral e intelectualmente enriquecedor, cujo clima socioafetivo lhes proporcionou estímulos à curiosidade, à interação social, além de contar com a estrutura física favorável. Tudo em conjunto, pôde favorecer o desenvolvimento intelectual e fez o que Piaget denominou construção de conhecimento. Para aquele grupo experimental criou-se o processo chamado “Solicitação do Meio”, que significa dizer que o meio e as situações foram propositalmente preparados para a criança agir sobre os objetos e conhecê-los através da ação efetiva ou mental, gerando perturbações que engendram situações de conflito cognitivo, as quais provocam a passagem de um estado de equilíbrio para outro, através de sucessivas regulações e compensações, que determinam a construção de novas estruturas. Para que ocorra a construção do conhecimento, não basta à cognição, existem outros diversos fatores preponderantes. Essa ação nunca é puramente cognitiva, pois nela intervêm em graus diversos a afetividade, o interesse e os valores. “[...] No ato de conhecer e em todo comportamento humano, afetividade e inteligência são dois aspectos indissociáveis de uma mesma ação” (MONTOVANI DE ASSIS, 2012, p.181). Concordando com esta autora, sobre o paralelismo entre o desenvolvimento das funções intelectuais, da afetividade e o desenvolvimento social, daremos sequência a estas ideias no tópico a seguir. Onde reservamos um espaço para registrar em nossa pesquisa, as ideias de Piaget sobre a relação entre desenvolvimento da inteligência e afetividade. 24 2.1 Relação entre cognição e afeto Uma reação observada ante a leitura de Piaget é o fato de algumas pessoas leigas e até autores, pensarem que a obra desse autor ignora a dimensão afetiva e trata somente de cognição. Queremos nos contrapor a esta ideia. Para tanto, vamos dedicar aqui um espaço para tratar da questão afetiva, ou melhor, mostrar que Piaget (2014), propõe um paralelo entre os estados cognitivos e afetivos, mesmo fazendo de forma breve, desejamos fazê-lo, pois, acreditamos que será de suma importância para a sequência do trabalho em questão. Em primeiro sentido, podemos dizer que a afetividade interfere nas operações da inteligência, que pode tanto estimular quanto perturbar, no entanto, não pode modificar as estruturas da inteligência como tal. O papel da afetividade como acelerador ou perturbador da inteligência é incontestável. O aluno motivado tem muito mais entusiasmo para estudar, e assim aprenderá muito mais facilmente. Num segundo sentido, poderíamos supor que afetividade intervém nas próprias estruturas da inteligência, sendo fonte de conhecimento e de operações cognitivas. Sobre essa ideia, alguns autores estão de acordo, tais como, Wallon que acredita que a emoção desempenha função excitante e causa progresso no desenvolvimento. Malrieu (in VRIN, 1952) afirma que a vida afetiva determina positivamente o progresso intelectual, ainda acrescenta dizendo que a mesma é fonte de estruturações. Ribot (na obra “Lógica dos Pensamentos”) afirma que, o sentimento, perturbando o raciocínio lógico, cria novas estruturas a seu favor (PIAGET, 2014, p.37-38). Algumas definições são compreendidas como básicas, portanto necessárias para uma compreensão mais profunda adiante, sendo assim, vamos a elas. Os fatores afetivos intervêm sempre, desde as formas mais abstratas de inteligência, podem intervir em estados de prazer, de decepção, de fadiga, sentimento de sucesso, também nos sentimentos estéticos, como na coerência de uma solução encontrada. Na inteligência prática também é percebido, havendo sempre interesse intrínseco ou extrínseco nos atos cotidianos. Na percepção também é notável, selecionamos e distinguimos sentimentos agradáveis dos desagradáveis. Enfim, não existe estado afetivo puro, sem elemento cognitivo. “[...] Os fatores cognitivos desempenham, pois, um papel nos sentimentos primários e, com maior razão, nos sentimentos complexos mais evoluídos, onde se mesclam cada vez mais com os elementos gerados pela inteligência” (PIAGET, 2014, p.40). 25 Piaget se interessou especialmente pelo desenvolvimento intelectual e, portanto, descobriu uma correlação entre cognição e afeto. Desta forma afirma que, não pode haver conhecimento sem afeto, nem afeto sem conhecimento. E ante este importante dado, Piaget questiona: Qual é relação entre os dois? Em seguida responde que, o afeto motiva as operações de conhecimento e o conhecimento estrutura as relações de afeto (HERSH, PAOLITTO, REIMER, 1998). A teoria de Piaget baseando-se no princípio das interações julga este processo como central. Para este autor, existe algo nessas interações que chama nossa atenção e estimula nosso interesse, este que será compreendido aqui como uma forma de sentimento. Percebendo que somos movidos a explorar algo dentro de nós mesmos; uma nova ideia, um conflito entre ideias, um conflito entre ideias e sentimentos. Diante destas afirmações, Piaget declara que, uma pessoa que está emocionalmente comprometida não pode funcionar cognitivamente, pois o afeto se desenvolve paralelamente ao conhecimento (HERSH, PAOLITTO, REIMER, 1998). Em seus estudos sobre como se desenvolve a moralidade na criança, Piaget irá tratar mais especialmente sobre as relações entre o conhecimento e o afeto. Sabendo que o juízo moral em si, não é uma simples estrutura cognitiva, é algo maior, onde o princípio está no fato de estudar o juízo moral e compreender como as crianças se orientam frente o mundo em suas relações sociais (HERSH, PAOLITTO, REIMER, 1998). Em resumo, queremos expor que não existe estado afetivo sem elemento cognitivo, nem o contrário. Usando a ideia do significado que o combustível tem para o motor de uma máquina, que a faz funcionar. Compreendemos que a afetividade desempenha um papel de fonte energética, da qual dependeria o funcionamento da inteligência. Como é o caso do combustível para o motor de uma máquina. A afetividade é o combustível de uma ação moral. Defendemos que afetividade pode ser causa de condutas, ela não gera estruturas cognitivas e não as modifica, pode sim causar acelerações ou atrasos. Aciona o motor, mas não modifica a estrutura da máquina (PIAGET, 1896-1980). Os sentimentos constituem o aspecto energético presente em toda conduta humana, é a afetividade que atribui valor e regula as energias. A partir dos textos de Piaget (1896-1980), concluímos que a afetividade é responsável pelo conteúdo da conduta, enquanto a inteligência a organiza. 26 Vinha (2000), explica um ponto de vista essencial dentro da teoria piagetiana, que ainda não está sendo valorizado pelos educadores, que é o papel da interação social entre o adulto e a criança e também entre os pares. As formas de interações sociais e as relações estabelecidas nos espaços escolares podem gerar sentimentos negativos, relações onde não se considera o sentimento do outro favorecem o egocentrismo, a conduta heterônoma. Quando o educador compreender a importância da interação social irá valorizar o respeito mútuo, irá considerar opiniões, desejos e sentimentos de todos, perceberá que as reflexões são necessárias. Para Piaget (1932/1994a) somente a cooperação levará o sujeito à autonomia, portanto, registramos a importância do ambiente educacional ser este lugar de relações de cooperação. A interação social cumpre papel importante dentro da teoria de desenvolvimento moral de Piaget e nos processos educativos. Na obra o Juízo Moral na Criança, Piaget (1932/1994a), propõe compreender o juízo moral do ponto de vista da criança, desejando com a educação moral, formar personalidades livres e responsáveis. Pensemos, portanto, seguindo os passos do desenvolvimento moral, como um valor ou uma virtude que podem ser construídos no ambiente escolar. Que nos inclina a pensar em termos de evolução, considerando ainda a dimensão afetiva dessa evolução. Piaget (1932/1994a) se refere a moral como um conjunto de regras construídas na interação do sujeito com o mundo e suas estruturas internas. Para esse autor, a razão é imprescindível à moral, porque dispõe a razão decidir sobre suas direções. Nesse sentido a razão pressupõe uma operação. Operar significa coordenar ações em plano representativo, em plano de pensamento e quando há uma perspectiva de reversibilidade, para Piaget seria aqui a chave para entendermos a moral. “[...] uma ação reversível, segundo Piaget, é ir e vir, uma transformação de estados, com volta ao estado inicial em que algo conserve” (TOGNETTA; ASSIS, 2006, p.52). 27 2.2 O Juízo Moral na Criança, segundo Jean Piaget Na obra “O Juízo Moral na criança”, publicada primeiramente no ano de 1932, Piaget, nos propõe o estudo do juízo moral partindo do ponto de vista da criança, descreve e procura compreender como se estabelecem regras morais no decorrer de seu desenvolvimento. Nos postulados de Piaget (1932/1994a), vemos um estudo pioneiro da moralidade, como forma de respeito às regras e como julgamentos que fazemos de nós e dos outros frente às escolhas e atos (MENIN, 2007a). Piaget (1932/1994a) optou pelos jogos infantis, por estes possibilitarem relações sociais. Dessa forma, aborda a criança como um ser social. Usou como metodologia de investigação a observação e o método clínico, utilizando também histórias com questões morais e dilemas, inqueriu crianças de 6 a 12 anos. As considerações acerca da moral podem ocorrer de maneiras distintas. Pode se compreender a moral como um sistema de regras, normas e princípios. Podemos também pensá-la como forma de julgamento dos atos, estes classificados, como corretos, justos, bons ou o oposto. Também há de se considerar como moral, os sentimentos que atribuímos a pessoas ou situações, como por exemplo, sentimento de compaixão, solidariedade, altruísmo. A moral também pode ser atribuída com base nos valores que utilizamos como critério para julgar a outrem e seus atos, a exemplo, a liberdade, a igualdade, a honestidade e outros, enfim também como característica de personalidade moral como em pessoas fieis, solidárias, bondosas e outros (MENIN, 2007a). Piaget (1932/1994a) encontrou estágios ligados à prática das regras e estágios referentes à consciência das regras. Na prática das regras situamos os estágios motor e individual, o egocêntrico, o da cooperação, e por fim o da codificação da regra. Foi estudando o desenvolvimento da criança junto ao jogo de Bolinhas de Gude, que Piaget identificou os seguintes aspectos, que resumem os principais pontos nos achados de suas investigações. Queremos registrar, que a definição precisa que Piaget fez nos estágios de desenvolvimento cognitivo não ocorre nos estágios de desenvolvimento moral, nestes os estágios são gerais, portanto mais vagos (LA TAILLE, 2006). Importante esse registro, pois iremos utilizar do termo estágio, porém feita a ressalva, seguimos nossos referenciais teóricos. 28 2.3 Sobre a prática e a consciência das regras em Piaget 2.3.1 Práticas das regras Existem relações dos estágios das práticas das regras com os estágios da consciência das regras como veremos a seguir, é importante considerar estes estágios como representativos de uma continuidade sem interrupção, mas essa continuidade não é linear, entretanto parece-nos seguro dizer que há uma relação (PIAGET, 1932/1994a). Portanto, para este autor a consciência e prática das regras não são rígidas e invariáveis, visto que a primeira não garante a segunda. Do ponto de vista da prática das regras Piaget explicita quatro estágios sucessivos. 1º Estágio: puramente motor e individual, “no decorrer do qual a criança manipula as bolinhas em função de seus próprios desejos e de seus hábitos motores” (PIAGET, 1932/1994a, p.33). Neste estágio, a criança usa a manipulação para estabelecer alguma espécie de ritualização que é própria desse momento, como no caso de rituais como processo de adaptação efetiva. Em (relação às regras motoras, apesar de haver regularidades, ainda não há nenhuma obrigação (PIAGET, 1932/1994a). Desta forma, os autores a seguir complementam dizendo sobre a importância do pensamento neste estágio, pois, los bebés están limitados, en su interacción con el entorno, al ejercicio de sus capacidades sensomotoras; el punto decisivo para el siguiente nivel de desarrollo es la llegada del pensamiento. El pensamiento, que Piaget define como la representación interna de actos externos, se desarrolla sólo hacia la mitad del segundo año. Su atención concentra sólo en los objetos que ve. Piaget dice que ha desarrollado la habilidad de representar el objeto internamente. Esto es, puede pensar en un objeto sin que este visualmente presente (HERSH, PAOLITTO, REIMER, 1998, p.32). 2º Estágio: Egocêntrico (2-5,6 anos), caracterizado principalmente pelo egocentrismo infantil. Neste momento a criança recebe do exterior, regras codificadas. Desta forma, imita exemplos, pode jogar sozinha ou com alguém, ainda não se preocupa em encontrar parceiros, não procura vencer, utiliza qualquer forma para jogar (PIAGET, 1932/1994a). A criança aceita as regras vindas do exterior, ou seja, dos adultos ou dos meninos maiores, no entanto joga para si. Considera as regras sagradas. Neste estágio a criança não consegue ainda considerar o outro, pois não diferencia seu 29 ponto vista, com o do outro, em outros termos as crianças desse estágio, mesmo quando juntas, jogam cada uma para si. Há uma indiferenciação, não percebendo que o outro vê o mundo de outra perspectiva (PIAGET, 1932/1994a). Os autores a seguir, ainda dizem que neste estágio de desenvolvimento as crianças ainda não distinguem as verdades. Vejamos: Del mismo modo, los ninõs de esta edad no pueden distinguir entre lo que es verdad objetiva y subjetivamente. Simplemente consideran las dos cosas reales. Lo que en mundo adulto se experimenta como fantasía, superstición es en el mundo del niño como realidad. (HERSH, PAOLITTO, REIMER, 1998, p.33). 3º Estágio: Cooperação nascente (7-8,9,11 e 12 anos), nesta fase cada jogador quer vencer seu oponente, donde o aparecimento da necessidade de controle mútuo e da unificação das regras, caracterizado por uma cooperação que começa a surgir (PIAGET, 1932/1994a). Complementando, veremos a seguir que as crianças nesse estágio "[…] juegan con reglas y esperan que todos los demás hagan lo mismo. Además, juegan juntos como equipo, cooperando con sus compañeros para ganar a los otros y el juego. Su ajustarse a las reglas, sin embargo, es literal” (HERSH, PAOLITTO, REIMER, 1998, p.42). 4º Estágio: Codificação das regras (10-11,12 anos), neste momento, a regra é de conhecimento de todos, até nos pormenores, as partidas são regulamentadas diante das previsões possíveis de desacordo. Existe um prazer pela disputa, tornando o jogo ainda mais interessante (PIAGET, 1932/1994a). Neste estágio finalmente ocorre à organização do pensamento e autonomia. Nas palavras de (HERSH, PAOLITTO, REIMER, 1998), Piaget (1932/1994a) percebe que nitidamente uma evolução considerável. Vejamos: [...] Estos distintos modos de organizar los juegos – limitación egocéntrica de los demás, jugar literalmente con reglas e adaptación cooperativa a éstas - se puede considerar en gran medida como niveles en la práctica d las reglas por parte de los niños. Hay progresión de un nivel a otro tanto en el grado de cooperación social como en el respeto por las reglas (HERSH, PAOLITTO, REIMER, 1998, p.42). Piaget (1932/1994a) ficou surpreso com a capacidade de organização que observou nas crianças investigadas, no que tange a compreensão e a prática de regras durante os jogos, por isso assinalou essa observação como uma diferença notável entre meninos e meninas. 30 Relacionando questões morais as suas observações clínicas durante os jogos de bolinha, Piaget (1932/1994a) pôde concluir sobre a existência de três regras. 2.3.2 Consciência das regras Em sua obra, Piaget (1932/1994a) menciona três estágios equivalentes à consciência das regras na teoria de desenvolvimento moral, refirmando a questão da evolução moral. No quadro abaixo vamos introduzir os estágios e em seguida os explicaremos de forma mais detalhada. Ilustração 1 - Consciência das regras (PIAGET, 1932/1994a) Fonte: A pesquisadora com base em Piaget (1932/1994a) O primeiro deles chamado de estágio da regra motora: neste estágio inicial a consciência da regra é puramente individual, satisfazendo os interesses motores das crianças, suas fantasias simbólicas, não existindo ainda compromisso com a regra. Por outro lado, Piaget ressalta que os pais já começam as regulações externas, observadas em exemplos como: horário de sono, de banho, de refeições, dessa forma, desde cedo a criança está inserida no contexto das regras. “A regra motora resulta, portanto, de uma espécie de sentimento de repetição, que nasce por ocasião da ritualização dos esquemas de adaptação motora (PIAGET, 1932/1994a, p. 76). Por volta dos três ou quatro anos, a criança está cercada de regras, estas podem também ter sido imitadas, inventadas, ou seja, vindas do exterior, que mais adiante assumem sentimento de obrigação (PIAGET, 1932/1994a). Segundo estágio, o da regra coercitiva: a criança joga compreendendo a regra como sendo sagrada, existe um respeito místico pela regra, não aceita 1 • Regra motora: fase pré-verbal, onde a criança ritualiza sua ação sobre os objetos e ainda faz elaboração. 2 • Regra coercitiva: fase na qual a criança ompreende as regras como sagradas e imutáveis, porque considera aquele que a transmite como ser superior. 3 • Regra racional: fase onde as regras não são facilmente aceitas, os jovens as modificam desde que todos concordem, desde que haja aceitação grupal. 31 modificações ou ajustes, nesta fase, toda modificação é tida como transgressão. Há uma relação entre a prática egocêntrica do jogo e o respeito místico da regra. Estágio marcado pela heteronomia e respeito à coação adulta. A criança se submete a praticar leis que por hora são imutáveis, vindas do exterior, ou seja, dos adultos. Ainda não existe cooperação, pois cooperação nasce entre os iguais (PIAGET, 1932/1994a). Terceiro estágio, regra racional: ao qual Piaget marca a passagem da heteronomia para a autonomia. Pois encontramos uma cooperação que sucede o egocentrismo. Percebemos as possíveis variáveis das regras, o jogo se apresenta não mais com regras vindas do exterior, mas agora, como resultado de uma livre decisão, passíveis de regulações e ajustes se são mutuamente consentidas. A democracia sucede à teocracia, a heteronomia dando lugar à autonomia (PIAGET, 1932/1994a). A autora a seguir corrobora, nos falando sobre a heteronomia e autonomia, dizendo da importância do trabalho cooperativo e os benefícios que uma moral autônoma pode trazer para a humanidade. As crianças são heterônomas quando fazem um uso imitativo das regras e quando as consideram sagradas. As crianças são autônomas quando fazem um uso racional e social das regras, e quando as consideram produtos do e para o grupo. A universalização na moral começa, portanto, com a reciprocidade no grupo. Ao aprender a fazer em grupo, aquilo que é bom para nós, começamos a aprender a fazer, no mundo, o que é bom para a humanidade (MENIN, 1996). Para Vinha (2000), a construção da moralidade ocorre da mesma forma que o das estruturas cognitivas, portanto, precisa haver trocas entre o organismo e o meio, essa interação é marcada principalmente pela busca de equilíbrio e de reciprocidade entre a ação do sujeito sobre o objeto e da ação do objeto sobre o sujeito. Sendo assim, o juízo moral desenvolve-se na medida em que as pessoas se defrontam com problemas, com conflitos. Discutindo os elementos e as condutas que fortalecem na prática a heteronomia e as que favorecem a construção da autonomia, Piaget (1932/1994a), reafirma a importância das relações sociais, uma vez que estas são formadoras dos sentimentos morais. O egocentrismo infantil e o respeito unilateral abrigam-se nas relações da criança com os mais velhos, resultando em heteronomia ou em moral do dever. 32 Em contraponto, a descentração é possível na vivência de relações de cooperação com prática de reciprocidade. Sendo uma construção de autonomia da prática e da consciência das regras. Estando dessa forma duas morais, em dois extremos. Num extremo respeito unilateral e egocentrismo, e no outro a cooperação com reciprocidade, esta última que colaborará para uma evolução dos juízos morais e das concepções de justiça entre as crianças (MENIN, 2007a). Com referência aos estágios do desenvolvimento moral, o epistemólogo suíço nos mostra idades relacionadas com estágios, entretanto afirma que tais estágios não possuem uma idade fixamente definida. Também não há uma correspondência totalmente fidedigna de estágios em relação à prática e à consciência. Na verdade, em relação ao desenvolvimento, a consciência sempre apresenta um leve atraso em relação à prática. Piaget supõe que “o pensamento, de fato, está sempre atrasado em relação à ação, e a cooperação deve ser praticada muito tempo antes que suas consequências possam ser plenamente manifestadas pela reflexão” (PIAGET, 1932/1994a, p.60). Piaget (1932/1994a) irá defender uma evolução da prática e da consciência das regras, identificando três estágios distintos no desenvolvimento moral dos indivíduos, em que um precede o outro: a anomia, a heteronomia e a autonomia. Chamou de anomia, ou seja, um período em que o sujeito desconhece as regras. Nesse período, então, a ação da criança é voltada à satisfação de seus próprios impulsos motores e fantasias. Piaget não trata muito desse período, afinal, não se pode falar aqui de uma moral propriamente dita, porém quando a criança ingressar no universo da moral percorrerá um caminho, no qual passará por uma fase denominada, heteronomia. Na heteronomia o sujeito já age de maneira moral, mas essa moral é exterior ao indivíduo, as regras são consideradas sagradas, imutáveis e obrigatórias, sendo impostas por uma autoridade. Para esses sujeitos os valores a serem seguidos são aqueles que a sociedade adulta ou uma autoridade lhes impõe. “A criança heterônoma não assimilou ainda o sentido da existência de regras: não as concebe como necessárias para regular e harmonizar as ações de um grupo de jogadores” (LA TAILLE, 1992, p. 50). Assim, a heteronomia é considerada por Piaget como sendo a “moral do dever”, é a moral do respeito unilateral, não há reciprocidade. Na autonomia, o sujeito age moralmente, ou melhor, por volta dos 8, 9 anos, a criança começa a dar sinais de autonomia de acordo com uma moral que é 33 construída por ele próprio dentro de um acordo mútuo com o coletivo. “A criança autônoma pensa que um dever moral primordial é tratar as pessoas sem privilegiar umas nem desprezar outras” (LA TAILLE, 2006, p.98). Ainda sobre as regras, torna-se interessante mencionar a pesquisa realizada por Menin e Lepre, que observaram em escolas essa mesma evolução do respeito às regras que Piaget observou no jogo infantil, onde crianças da primeira série do ensino fundamental podem ter uma consciência heterônoma das regras escolares e práticas imitativas egocêntricas. Regras como a de obedecer à professora, não sair do lugar, não jogar lixo no chão, são afirmadas pelas crianças como corretas, e que devem ser obedecidas sem modificação, pelo motivo específico de terem vindo dos diretores, ou de alguém exterior a escola. Num momento mais avançado de idade as crianças fazem na regra obrigatória, (como a de não poder emprestar material ao colega) uma modificação, essa modificação é válida porque acontece na construção pelo grupo, este que constrói a nova regra de poder emprestar o material desde que peça ao amigo o empréstimo e em seguida faça a devolução do material. A autora ainda ressalta a infelicidade de haver dentro das escolas poucas oportunidades de os escolares discutirem as regras, ou até mesmo refazê-las, as mesmas são impostas em relações de coação, de respeito unilateral, o que reforça a prática e a consciência de condutas heterônomas (MENIN, 1996; LEPRE, 2001; apud MENIN, 2007a). Portanto, assim como a moral heterônoma é uma moral da obediência e do respeito unilateral, a moral autônoma é uma moral da justiça e do respeito mútuo. Contudo, a autonomia consiste, ainda, em ser capaz de se colocar no lugar do outro, ou seja, em fazer com que as leis sejam universais e os ideais sejam coletivos, diferentemente do egocentrismo encontrado na heteronomia (LA TAILLE, 2006). Seguindo o caminho percorrido pelo emérito epistemólogo iremos tratar do respeito. 2.4 O respeito Antes de adentrarmos nas matérias do respeito, iremos falar da sociologia moral de Kant, Durkheim e Bovet, na obra de Piaget (1932/1994a), trataremos especificamente sobre a teoria do dever ou da obrigação moral e da teoria do bem ou da autonomia da consciência. O conjunto de deveres, em dada sociedade está ligado à coação, está sendo social e exercida pelo adulto. Neste cenário situamos o 34 respeito unilateral, que tem sua consciência no dever. O respeito mútuo constitui o bem e não leva o sujeito ao conformismo. A moral do bem elabora-se progressivamente. Para Kant, em Freitas (2003), todo homem pode ter um agir ético, mesmo aquele que não é culto. A moral deve-se pautar por uma boa vontade, por um querer reto. Em Kant, essa é a condição necessária e suficiente para que um sujeito seja moral. Esse mesmo autor apregoa que aquilo que eu reconheço como respeito, como uma lei, significa somente a consciência de subordinação de minha vontade a uma lei. Deste modo, o respeito que sentimos por uma pessoa é apenas o respeito à lei, “[...] nós respeitamos a pessoa que respeita a lei” (FREITAS, 2003, p.63). Se para Kant, agir moralmente é agir por dever, é preciso o conhecimento de quais regras devemos nos conformar, e então devemos nos submeter ao imperativo categórico kantiano, para agir de tal forma, que essa ação possa vir a ser uma lei universal. Para este autor, um ato moral é um ato conforme o imperativo categórico (FREITAS, 2003). Para Durkheim, a moral é um fato social por excelência, pois apresenta-se a nós como um sistema de regras e condutas, portanto era contrário à ideia de dizer que a moral estava contida na consciência individual. Desta forma, Durkheim, acreditava que a sociologia poderia substituir a moral, fazendo uma crítica aos valores estabelecidos e afastando tendências possivelmente prejudiciais (FREITAS, 2003). Segundo Bovet, a lei não origina o respeito, mas é justamente o respeito pelo outro, que faz com que a lei seja respeitada. Piaget concorda com Bovet e discorda de Durkheim, que acredita que as relações sociais existem apenas em função da relação do indivíduo com o grupo. Afirma que a criança respeita o pai, por exemplo, pela pessoa que ele é (PIAGET, 1932/1994a). No início, afirma Bovet, a obediência se deve ao medo ou à simpatia pelo mais velho. Por essa razão, a criança cumpre as regras que lhe são impostas, mas não pela autoridade do grupo, como afirma Durkheim. Assim, as teorias sobre o dever de Bovet e Durkheim se assemelham, mas não no que diz respeito à gênese do respeito. Piaget (1932/1994a) entende que Bovet tem razão quanto à origem do respeito, mais ainda não estava satisfeito. Piaget dá sequência a essa teoria e apresenta dois tipos de respeito. 35 Sobre respeito, no significado da palavra que em latim provem do termo respicere, significa olhar para o outro. O respeito visto como capacidade de ver uma pessoa como ela é, ou seja, na sua individualidade. Mais ainda, respeitar significa colocar-se no lugar do outro com intenção de compreendê-lo, e em segundo lugar coordenar o ponto de vista do outro com o seu. Dessa forma, para Piaget, respeitar diferenças não é apenas aceitá-las. Respeitar as diferenças pede a coordenação de pontos de vista. “E coordenar significa conjugar, concatenar, interligar, isto é, dispor os elementos numa sequência lógica. Nesse sentido, a coordenação solicita a interpretação ou a assimilação e a coordenação recíproca (PEDRO-SILVA, 2011, p.146). Piaget ainda ressalta que o respeito mútuo aparece desde que haja cooperação e acrescenta, “[...] quem diz respeito, diz admiração por uma personalidade” (PIAGET, 1932/1994a, p.84). Piaget observou quanto aos tipos de respeito e suas consequências e nos relata que os efeitos do respeito unilateral e do respeito mútuo são diferentes no que tange à personalidade. Desta forma, a coação adulta não é capaz de reprimir o egocentrismo infantil, ao contrário da cooperação que conduz a constituição verdadeira da personalidade. A personalidade e a autonomia implicam-se uma em outra, enquanto o egocentrismo e heteronomia coexistem sem se anular (PIAGET, 1998). A coação moral é caracterizada pelo respeito unilateral, que segundo Bovet, é origem de obrigação moral e do sentimento do dever, vindo de uma pessoa respeitosa. A obrigação de dizer a verdade, bem como, e o fato de não roubar. Em consequência, a moral do dever originalmente é essencialmente heterônoma. Visto que o bem é obedecer ao adulto, o mal é seguir sua própria opinião. Na relação das crianças com os pais não existem apenas relações de coação, a esse efeito Piaget deixa claro. Há uma afeição mútua, que leva a criança a proferir atos de generosidade (PIAGET, 1932/1994a). Para Bovet, há um registro curioso de uma fase intermediária, onde a criança não obedece mais somente às ordens dos adultos, mas a regra em si própria, como no caso da mentira, num dado momento a criança acha que a mentira é má, portanto não deve mentir. Neste momento registra-se os efeitos de inteligência trabalhando por meios das regras morais. Para ele este momento se funda como uma semi-autonomia, podemos pensar em uma espécie de transição (PIAGET, 1932/1994a). 36 Conforme Piaget (1932/1994a), vemos surgir o sinal de autonomia quando a criança descobre que a veracidade é necessária nas relações de simpatia e de respeito mútuo. A reciprocidade parece neste caso, ser fato de autonomia. Entretanto, há autonomia moral, quando a consciência considera como necessário um ideal, independentemente de qualquer processo exterior. Inversamente, toda relação com outrem, na qual intervém o respeito unilateral, conduz a heteronomia. “[...] A autonomia só aparece com a reciprocidade, quando o respeito mútuo é bastante forte, para que o indivíduo experimente interiormente a necessidade de tratar os outros como gostaria de ser tratado” (PIAGET, 1932/1994a, p.155). Ainda fazendo menção ao fenômeno do respeito, queremos dizer que a relação de cooperação provém do respeito mútuo. E essa cooperação constitui a essência das relações entre os sujeitos, numa espécie de jogo regulamentado, no que Piaget (1932/1994a) chama de self-government, ou seja, uma discussão sincera e bem tratada (MENIN, 1998). Visto que “[...] na medida em que se aproxima do ideal de cooperação e de self-government, a criança desvincula-se da sanção expiatória e tende para a pura reciprocidade” (MENIN, 1998, p.32). Acreditamos juntamente com vários estudiosos da moral que o respeito constitui o sentimento fundamental para a aquisição das noções morais. Segundo Bovet (1912) apud Menin (1998), ”[...] duas condições são necessárias e suficientes para que se desenvolva a consciência da obrigação: em primeiro lugar, que um indivíduo dê ordens a outro e, em segundo que esse outro respeite aquele de quem emana as ordens” (MENIN, 1998, p. 28). Dizendo de outra forma, é suficiente que a criança respeite seus pais ou professores para que as ordens sejam além de aceitas, obrigatórias. Enquanto Kant vê no respeito um resultado da lei e Durkheim um reflexo da sociedade, Bovet mostra, ao contrário que o respeito pelas pessoas constitui um fato primário e que mesmo a lei dele deriva. Este resultado, essencial para a educação moral, posto que leva logo de início a situar as relações de indivíduo acima de qualquer ensinamento oral e teórico, parece-nos confirmado por tudo o que sabemos sobre a psicologia moral infantil (MENIN, 1998, p.28). Um dos princípios da educação construtivista é haver na sala de aula um ambiente sociomoral, onde o respeito pelos outros é continuamente praticado e cultivado. Nesse ambiente, as pessoas interagem, respeitando-se reciprocamente como pessoas iguais. Entretanto, sabemos que não se pode esperar que as crianças de pouca idade se relacionem com o professor de igual para igual, ela 37 ainda é heterônoma, nutrindo pelo adulto um respeito totalmente unilateral. Enquanto pequena, é incapaz de vê-lo como igual, assim, a relação será assimétrica. Mas essa questão não impede de trata-la num mesmo plano, de relacionar-se de forma a imputar respeito. Um adulto pode demonstrar respeito pela criança quando, consulta o grupo antes de tomar uma decisão, ao justificar alguma atitude, quando se dispõe a ouvir o que a criança tem a dizer (VINHA, 2000). O respeito é unilateral quando, a exemplo o professor abusa da sua autoridade, de seu poder sobre a criança, quando a humilha, quando desconsidera seus sentimentos, quando manipula seu comportamento com recompensas e punições, quando ensina ou induz algo que poderia ser descoberto. Numa relação de respeito mútuo pressupõe que a legalidade suplante a autoridade, assim se remetendo a uma relação entre iguais (VINHA, 2000). Refletindo ainda sobre o respeito unilateral e a forma de educação autoritária, La Taille (1998), complementa dizendo que este tipo de educação acaba por gerar pessoas submissas, conformadas, hábitos críticos, posturas obedientes sem poderes argumentativos, características estas de indivíduos heterônomos, pois sendo submetida a constantes pressões dos adultos, a criança não tem condições de pensar sobre o que está acontecendo ou fazendo. A postura autoritária do adulto impossibilita que a criança caminhe em direção a moral autônoma. Com os postulados apresentados na teoria moral de Piaget (1932/1994a), percebemos uma reflexão sobre o ambiente encontrado nas escolas, as formas de relações que são estabelecidas nesses locais. Menin (1996) compara escolas com princípios distintos, à escola tradicional e a escola construtivista. Na escola tradicional, há o respeito unilateral, esse que implica uma desigualdade entre aquele que respeita e aquele que é respeitado, seria o respeito do pequeno pelo grande. Esse tipo de respeito é marcado pela coação (MENIN, 1996). De modo geral, podemos afirmar que o respeito unilateral como vimos anteriormente, Bovet o chamou de sentimento de dever, mas o dever primitivo assim resultante da pressão do adulto sobre a criança que permanece essencialmente heterônoma (PIAGET, 1998). Já na escola construtivista podemos perceber uma forma diferente de lidar com o respeito, neste caso os indivíduos se tratam como iguais, sendo assim, o respeito é mútuo. Esse respeito não implica nenhuma coação e revela um tipo relação chamada de relação de cooperação. Esses dois tipos de respeito, nos 38 parece explicar a existência de duas morais chamadas por Piaget (1932/1994a) de moral heterônoma e moral autônoma. O resultado da pressão do adulto sobre a criança seria essencialmente a heteronomia. Ao contrário, o respeito mútuo possibilita o sentimento do bem, o ideal de reciprocidade, que constitui um sujeito autônomo (MENIN, 1996). 2.5 Os julgamentos morais e as regras: realismo moral, a responsabilidade objetiva e a responsabilidade subjetiva Piaget segue pesquisando a moral infantil com a questão do dever, para tanto, dividiu suas hipóteses em três situações distintas: o dano material, a mentira e o roubo. Emprega o método de fazer com que as crianças desempenhassem o papel de pequenos juízes, cuja tarefa seria de tomar partido sobre diversos dilemas morais. Piaget (1932/1994a) confirma a existência de uma primeira fase de heteronomia no desenvolvimento do juízo moral, tal heteronomia traduzindo-se pelo realismo moral (LA TAILLE, 1992). Com relação ao realismo moral, Piaget, compreende que é resultado da tendência da criança em considerar os deveres e os valores a eles relacionados como subsistentes em si. No realismo moral o dever mencionado é essencialmente heterônomo. O bem se define pela obediência e é mau todo ato que não assegura a regra. Esta que é observada ao pé da letra, acarretando uma concepção objetiva de responsabilidade. Um dos fatores observados e expostos por Piaget, diz respeito à coação moral, que está próxima da coação intelectual, uma vez que são impostas pelos adultos (PIAGET, 1932/1994a). Piaget (1932/1994a) percebe que a finalidade de sua pesquisa não estava somente na resposta dada pela criança ao ser inquerida sobre sua mentira, mas estava no fato de analisar o julgamento de valor moral, mais que o ato de mentir, pois no julgamento de valor, pode-se avaliar a conduta moral utilizada pelo sujeito. O autor referido relata que ao avaliar as condutas morais sobre a mentira, encontrou como mais comum nas crianças, a responsabilidade objetiva, onde a mentira mais grave do ponto de vista da criança é a maior mentira. Já na responsabilidade subjetiva, a mentira mais grave é aquela que ocorre com a intenção de enganar. “[...] os pequenos são levados a desprezar a intenção para se ocupar apenas do próprio 39 resultado dos atos. Os grandes, ao contrário, sempre levam em conta as intenções” (PIAGET, 1932/1994a, p.130). Os resultados encontrados por Piaget (1932/1994a), com o estudo do realismo moral confirmaram os da análise das regras do jogo de bolinhas. Ou seja, são identificadas duas morais distintas, a moral da heteronomia e a moral da autonomia. Entre essas duas morais é possível então observar que há uma fase que faz um trabalho intermediário, que é o de interiorização e generalização das regras e ordens, que se consolidará na moral autônoma. Então percebemos uma evolução de juízo moral, indo de uma moral heterônoma a caminho de uma moral autônoma, visto que a responsabilidade objetiva diminui com a idade, crianças entre seis e sete anos, tendem a responder considerando os danos materiais. Em meados dos 8 e 9 anos em diante, nos deparamos com respostas baseadas em responsabilidade subjetiva, levando em conta as intenções sobre o ato da mentira. O respeito unilateral, de ordem absoluta cede espaço ao respeito mútuo onde se observa estar à fonte da cooperação. Piaget (1932/1994a) conclui que a responsabilidade subjetiva corresponde também à conduta dos pais com a criança, pois ressalta que nas relações onde os pais sabem ser justos, a responsabilidade objetiva diminui de importância. Já nas relações pautadas fortemente em prejuízos materiais são relevantes as coações adultas na vida dessas crianças. Ao falarmos de relações justas, vamos aos conceitos trazidos por Piaget a esse respeito. 2.6 As noções de justiça: A justiça não é uma virtude como as outras, e sim o horizonte de todas. A justiça é a lei de sua coexistência. Virtude completa, dizia Aristóteles. Todo valor a supõe; toda humanidade a requer. Não é, porém, que ela faça às vezes da felicidade; mas nenhuma felicidade a dispensa (COMTE-SPONVILLE, 2009). Quanto a noções de justiça Piaget (1932/1994a), observou uma primeira noção de justiça, a justiça imanente. Neste caso, a criança pequena acredita que os castigos vêm diretamente dos próprios elementos naturais, como sendo provocados pelas próprias coisas (MENIN, 2007b, p.17). 40 As noções de justiça estão presentes no desenvolvimento do juízo moral na criança, mas duas noções de justiça foram as mais investigadas por Piaget (1932/1994a), a retributiva e a distributiva. Ilustração 2 - Justiça retributiva e distributiva (PIAGET, 1932/1994a) Fonte: a pesquisadora com base em Piaget (1932/1994a) A primeira diz sobre as consequências de uma infração e os castigos que virão decorrentes dela. Neste tipo de justiça, uma sanção é injusta quando pune um inocente ou recompensa um culpado, ou quando a dosagem fica a desejar ou é demasiadamente dura. Na segunda diz respeito à aplicação das leis em grupos de sujeitos, onde injustiça é compreendida quando há uma repartição que favorece uns e desfavorece outros (MENIN, 2007a). “[...] Tanto para Piaget como para Kohlberg, as concepções de justiça mostram uma evolução em função do progredir dos estágios de desenvolvimento operatório e moral” (MENIN, 2007b, p. 17). Para Piaget (1932/1994a) na justiça retributiva podem vir dois tipos de sanções: as expiatórias e as por reciprocidade. As sanções expiatórias são aquelas em que não há relação entre a falta e a punição; são extremamente severas, estão ligadas à coação e com as regras de autoridade, apresentando caráter arbitrário, não havendo nenhuma relação entre o conteúdo da sanção e a natureza do ato sancionado. Seguindo o desenvolvimento, crianças mais velhas, já operatórias, passam a afirmar a igualdade como princípio de justiça e a noção de justiça distributiva, ligada ao tratamento igualitário ou equitativo entre as pessoas, se afirma como mais importante que a retributiva” (MENIN, 2007b, p.18). Piaget (1932/1994a) também percebe e afirma certa evolução no conceito de injustiça, entre os pequenos a injustiça está ligada a desobediência às ordens dos JUSTIÇA RETRIBUTIVA: Na justiça retributiva a criança crê na ideia de sanção. O ato deve ser corrigido com uma correspondente punição. Relacionando castigo ou prêmio em função dos atos. JUSTIÇA DISTRIBUTIVA: Na justiça distributiva vemos uma ideia contrária à sanção, visto que o importante é repor a perda, se retratar ao ofendido considerando as condições e as intenções ainda mais que as consequências dos atos. 41 adultos ou ilegalidades (legal e retributiva), em crianças já operatórias, as injustiças se relacionam ao princípio de igualdade (distributiva), nos mais velhos as preocupações são de ordem social, sendo injustas as situações econômicas e/ou políticas (social) (MENIN, 2007b). 2.7 A justiça e as sanções Dizemos que uma sanção é injusta quando não é dosada na proporção exata do mérito ou da falta. Neste caso, “[...] a noção de justiça é inseparável daquela de sanção e define-se pela correlação entre os atos e sua retribuição” (PIAGET, 1994a, p.157). Por outro lado, dizemos injusta uma repartição quando favorece uns à custa de outros. Aqui temos a noção de justiça implicando apenas a ideia de igualdade (PIAGET, 1932/1994a). Piaget (1932/1994a) apresenta um estudo da justiça e das punições, para tanto, pensou que poderia perguntar a opinião das próprias crianças e sobre o julgo a respeito das histórias contadas a elas. Os resultados encontrados nas respostas dadas foram analisados e nessa análise percebemos dois tipos de reação em relação à sanção. Para uns a sanção é justa e necessária; é tanto mais justa quanto mais severa. Para outros, “[...] as sanções justas são aquelas que exigem uma restituição, ou que fazem o culpado suportar as consequências e sua falta” (PIAGET, 1932/1994a, p.159). Esta última reação apresentada, é observada mais entre os maiores. Mas a questão da severidade subsistiu em qualquer idade, mesmo entre adultos. Resultado favorecido por certos tipos de relações familiares ou sociais (PIAGET, 1932/1994a). Conforme Piaget (1932/1994a) existem dois tipos de influências que juntas temperam a sanção expiatória adotada pela criança: Ilustração 3 - Sanção expiatória (PIAGET, 1932/1994a) Fonte: A pesquisadora com base em Piaget, 1932/1994a Influência individual: desejo de vingança Influência social: autoridade adulta Sanção expiatória 42 Ainda a esse respeito, vemos no caso da sanção por reciprocidade uma evolução já mencionada, a qual ilustramos com a figura seguinte. Ilustração 4 - Sanção por reciprocidade (PIAGET, 1932/1994a) Fonte: A pesquisadora com base em Piaget, 1932/1994a Contrariamente às sanções expiatórias, as sanções por reciprocidade possuem variedades. Conforme as faltas podem seguir certo número de variantes. Variedades mais ou menos justas, segundo a natureza do ato repreensível (PIAGET, 1932/1994a). As sanções por reciprocidade, “[...] eis como podemos classificá-las, indo das mais para as menos severas” (PIAGET, 1932/1994a, p.162). Num primeiro momento pode haver uma exclusão momentânea ou definitiva do grupo. Segundo ponto, o grupo onde se localizam as sanções apela para consequências diretas e materiais dos atos, como não dar o pão para aquele que se recusou em comprá-lo, sabendo que faltaria o referido alimento. Terceiro, o grupo confere privar o culpado de alguma coisa da qual abusou. Em quarto lugar, sobre a reciprocidade simples ou propriamente dita, estão as sanções que se resumem essencialmente em fazer a criança aquilo o que ela própria fez. Em quinto lugar, a sanção simplesmente restitutiva, pagar ou substituir o que fora quebrado ou roubado. Há ainda “[...] uma sexta categoria, que seria a simples repreensão, sem nenhuma punição, e a repreensão que não se impõe autoritariamente, mas que se limita a fazer compreender ao culpado em que rompeu com o elo de solidariedade” (PIAGET, 1932/1994a, p.164). Sanção por reciprocidade: Respeito unilateral, vindo de uma lei, uma autoridade (lei de talião), que irá evoluir para o respeito mútuo. Respeito mútuo: lei da reciprocidade, a sanção por reciprocidade (a lei moral do do perdão). 43 Finalizando nossos registros sobre as noções de justiça, conforme Piaget (1932/1994a), constatamos que as noções de justiça e de solidariedade ocorrem correlativamente em função da idade da criança. Primeiramente porque no campo da justiça retributiva a reciprocidade se afirma com a idade, e segundo lugar, vimos que a necessidade de igualdade aumenta também com a idade. E por fim, alguns traços de solidariedade, como não trapacear, não usar de mentiras, desenvolvem-se juntamente com as tendências mencionadas anteriormente. Concluindo sobre a justiça, Piaget (1932/1994a), diz da existência de três grandes períodos no desenvolvimento da justiça na criança: Um período estendendo-se até mais ou menos os sete, oito anos, durante o qual a justiça está subordinada à autoridade adulta, um período compreendido entre oito e onze anos aproximadamente, e que é o do igualitarismo progressivo, e finalmente um período que se inicia por volta dos onze-doze anos, durante o qual a justiça puramente igualitária é temperada pelas preocupações de equidade (PIAGET, 1932/1994a, p.236). Em conclusão sobre a justiça, encontramos nesse campo, como nos anteriores, a oposição de duas morais sobre as quais Piaget insiste frequentemente: A moral da autoridade, do dever, da obediência, conduzindo no campo da justiça, à confusão do que é justo, como conteúdo da lei que fora estabelecida e à aceitação da sanção expiatória. Já na moral do respeito mútuo, que é a do bem, por opor-se ao dever simplesmente, e da autonomia, que fica a cargo de conduzir no campo da justiça, ao desenvolvimento da igualdade, noção central da justiça distributiva e da reciprocidade. A solidariedade entre os iguais também aparece como sendo de grande importância por formar um conjunto de noções morais complementares e coerentes, caracterizando uma mentalidade racional (PIAGET, 1932/1994a). 2.8 Educar moralmente na escola Piaget (1932/1994a) compreendeu que a autonomia era uma conquista esperada, em termos de evolução como foi dito durante todo esse capítulo, porém por poucos conquistada. Todas as pessoas tendem a uma moral autônoma, mas a maioria permanece na heteronomia. Na verdade, identificam-se muitas variáveis que compõem a interação do sujeito com o meio, possíveis de favorecer ou não o 44 desenvolvimento moral. Dessa forma, influem significativamente na evolução da heteronomia para a autonomia (TOGNETTA, 2003). As descobertas de Piaget indicam implicações para educação moral nas escolas, entre muitos fatores citamos a busca pela autonomia, no sentido da capacidade de construir valores e regras com as quais se concorda em submeter-se, considerando os seus benefícios para todos os envolvidos, os métodos dessa ação pedagógica não podem ser autoritários, mas ativos para que contribuam na construção da autonomia moral (MENIN, 2007a). Piaget (1931/1997) propõe uma pedagogia ativa, que não deve ser pautada em metodologias autoritárias, passando por descobertas, redescobertas, experiências morais, partindo de trabalhos coletivos e experimentos. Dessa forma, o sujeito de fato construirá ativamente seu conhecimento. Para tanto, Piaget (1931/1997) elenca três pontos importantes: 1) Para suportes de uma escola ativa, a educação moral não é um ramo especial da educação, mas um aspecto particular de todo o sistema. Dessa forma, a educação como um todo, e a atividade que a criança está a fazer sobre cada uma das disciplinas escolares assume um caráter de esforço e um conjunto de conduta moral. Ela está ocupada analisando as regras da gramática, resolvendo um problema de matemática, a criança trabalha "ativamente". É importante que o sujeito e o seu grupo social, compreendam que são uma "equipe” (PIAGET, 1931/1997). 2) Na escola ativa, todos são de igual importância, envolve necessariamente a colaboração de todos no trabalho. Na escola tradicional, todo mundo trabalha para si mesmo: a classe escuta o mestre e cada um deve, em seguida, mostrar suas apropriações individuais, seja nas aulas ou em casa. A classe não é bem como uma soma de indivíduos, a comunicação entre os alunos é proibida e a colaboração quase inexistente. Na perspectiva da escola ativa, pelo contrário, na medida em que o trabalho exige a iniciativa da criança, torna-se coletiva porque se a criança é auto- centrada, a cooperação não ocorre, ou ao menos se torna inadequada (PIAGET, 1931/1997). 3) Depois das duas observações gerais, devemos voltar agora para o processo "ativo" especificamente moral. Estes métodos são baseados na noção bem conhecida de autogoverno. Para saber física ou gramática, o sujeito irá redescobrir a si próprio pela experiência ou pela análise de textos, as leis da matéria ou regras da linguagem, bem como, para adquirir senso de disciplina, solidariedade e 45 responsabilidade, a escola "ativa" tem tentado colocar a criança em uma posição onde ele experimenta diretamente as realidades e, gradualmente, descobre-se leis constitutivas. A classe forma uma verdadeira parceria, uma associação com base no trabalho conjunto dos seus membros (PIAGET, 1931/1997). A partir desta perspectiva, a educação moral deve permear todas as matérias, o trabalho na pedagogia ativa ocorre coletivamente, no qual prevaleça a colaboração e a cooperação. A sala de aula se transforma num espaço essencialmente social, os sujeitos ativamente organizam essa “sociedade”. Afinal, se o desenvolvimento moral ocorre graças às relações de respeito mútuo, como demonstrou Piaget, a cooperação é a forma mais eficaz para se chegar à autonomia (PIAGET, 1996). No quadro que segue apresentaremos alguns fatores extraídos das descobertas de Piaget sobre as condições para que ocorra o desenvolvimento moral das crianças dentro do espaço escolar (MENIN, 2007a). Ilustração 5 - Fatores de heteronomia e autonomia na escola Fonte: (MENIN, 2007a, p.58) O que a escola faz que mantém a heteronomia •Relações unilaterais entre professor e aluno;imposição de regras prontas; controle por punições arbitrárias. •Proibição de trocas entre as crianças, como: ficar quieto, cada um faz o seu, não sair do lugar, cada um com suas coisas. •Colocar regras sem significado social ou de apredizagem, apenas para manter a autoridade do professor. •Dar lições de moral, como se a moral pudesse ser ensinada pelos discursos moralistas e de forma isolada. •Disciplina por punições arbitrárias, expiatórias; a ação errada é castigada e não é reconstituída; não há relação lógica entre o erro e o castigo; a punição não restitui os danos. •Tem como consequencias da punição; calculos de riscos; conformidade cega; revolta. •Favorece a imitação irrefletida: as crianças imitam os professores em relação aos seus atos, julgamentos e valores e são reforçadas por isso, como ocorre na delação. O que a escola pode fazer para construir autonomia •Enfatizar relações de trocas entre os alunos, trabalhos com jogos em grupo sao as melhores possiblidades para se descobrir as funções sociais das regras. •Utilizar regras que permitam e regulem trocas entre os alunos para uma melhor aprendizagem e para o desenvolvimento da cooperação, reciprocidade, respeito mútuo... •Construir juntamente com os alunos, regras com claros significados racionais e funcionais, feitas para o benefício do grupo. •Entender a moral como algo presente em qualquer situação de respeito ou desrespeito às regras do grupo. Qualquer conflito entre alunos ou destes com o professor, pode ser uma situação de construção moral. •Disciplina por sanções por reciprocidade: o castigo deve ter relações com erro, consertando-o ou evitando-o. Sanções por reciprocidade podem ser: apelar para a consequencia direta e/ou material do ato; exclusão temporária do grupo; privar a criança do que usou mal; reparação. •Os alunos aprendem a prever as consequencias de suas ações no grupo e começam a pensar em formas de reparação dos erros. •Favorecer a reflexão, pelos professores, de seus valores e ações pedagógicas e disciplinares. Proporcionar a auto- avaliação em valores, tanto nos alunos quanto nos professores. 46 Diante da síntese apresentada no quadro acima, registramos a importância e o desafio que se coloca para a escola, no fato de estruturar um ambiente onde relações baseadas em respeito mútuo, cooperação, reciprocidade sejam a norma que orienta as ações (MENIN, 2007a). Para que um ambiente sociomoral exista de fato e que seja propício a construção da autonomia, faz-se necessário cuidar da forma como a construção e aquisição de conhecimento está posta. Também é preciso cuidar do convívio com os pares, propiciando que o aluno vivencie situações em que a democracia, o respeito, a cooperação, a justiça, a igualdade estejam presentes, momentos em que as situações-problema sejam discutidas e refletidas continuamente (TOGNETTA, 2007). O grande objetivo a atingir é que o indivíduo ao agir moralmente o faça pela consciência e liberdade, este sim será um homem moral, homem aqui referenciado pela consciência de sua moralidade (LIMA, 2004). No seguinte capítulo, iremos tratar da teoria moral de Lawrence Kohlberg, que nasce com raízes em sua experiência, e se revela como teoria em sua tese de doutorado em 1955. 47 3 A TEORIA DE JULGAMENTO MORAL DE LAWRENCE KOHLBERG Para compreender a teoria de Kohlberg, se faz necessário a contextualização de suas origens, que são piagetianas. Lawrence Kohlberg se baseou nas ideias de Piaget, aprofundando o estudo do desenvolvimento moral. Em relação a Piaget, Kohlberg parece apresentar uma conceituação mais precisa e discriminada dos estágios da moralidade, sob os quais também perpassa a dimensão da heteronomia-autonomia (BIAGGIO, 2006). La Taille (2006) considera que Kohlberg, com sua teoria de desenvolvimento moral, tornou-se o autor mais completo da psicologia moral e é visto como referência até hoje. As principais publicações de Kohlberg são as seguintes: The development of modes of thinking and choices in the years from 10 to 16 (1958), From is to ought (1971) entre outras produções (BIAGGIO, 2006). As pesquisas sobre desenvolvimento moral, na perspectiva construtivista, têm como base as investigações inicialmente realizadas por Piaget e retomadas por Kohlberg, entre as décadas de 60 e 80. Esse caráter de retomada é enfatizado por alguns autores (BIAGGIO, 2006; CAMINO, 1998; FREITAS, 2003; MARTINS; SILVA, 2009; YOUNISS; DAMON, 1992), os quais ressaltam que embora Kohlberg tenha se inspirado nas ideias de Piaget, ele tinha o seu próprio projeto e propôs uma teoria que é divergente em alguns pontos da formulação de seu predecessor (DELLAZZANA-ZANON et al. 2013). Nesse sentido no Brasil, [...] o estudo do desenvolvimento moral também foi bastante influenciado pelas ideias de Piaget e Kohlberg. Contudo, continua sendo uma área do desenvolvimento humano estudada por pesquisadores filiados a diferentes perspectivas teóricas (Beluci; Shimizu, 2007; Biaggio, 1972; Freitas, 1999; Martins, 1988; Sirota, 2008; Souza; Vasconcelos, 2003). Quanto aos temas pesquisados, no entanto, observa-se pouca variabilidade até o final do século XX, considerando-se o predomínio de pesquisas sobre a justiça (La Taille, 2000) (DELLAZZANA-ZANON et al., 2013, p.343). As pesquisas de Kohlberg (1992) estão incluídas no grupo das teorias cognitivo-evolucionistas, como principal base está o pressuposto de que o desenvolvimento se dá através de transformações básicas das estruturas cognitivas, enquanto organizadas num sistema de ralações, as quais conduzem a formas superiores de equilíbrio, estes que resultam de processos de interação entre o 48 organismo e o meio. Kohlberg acredita que a moral, bem como os aspectos cognitivos, ocorre por meio de evoluções de estágios. Os estágios de raciocínio moral em Kohlberg são referentes a raciocínios de justiça e não de emoções ou ações. Para este autor o centro da moralidade é a justiça (BATAGLIA; MORAIS; LEPRE, 2010). Kohlberg sempre deixou claro que seus estágios são de raciocínio de justiça, sempre se preocupou com o que se julga da moralidade. Suas definições de moralidade tiveram antecedentes nas ideias neokantianas de Hare (1982), que propõem que o cerne da moralidade é a justiça ou os princípios da justiça (BIAGGIO, 2006). Percebemos que Kohlberg acreditava que os conceitos de heteronomia e autonomia de Piaget (1932/1994a), não bastavam para classificar os tipos de raciocínios morais, a partir desse problema Kohlberg propõe os seis estágios de raciocínio moral em sua teoria (BATAGLIA; MORAIS; LEPRE, 2010). A teoria kohlberguiana é uma busca da definição científica e filosófica a respeito da moralidade, onde qualquer descrição da forma ou modelo de estrutura social é necessariamente dependente de estruturas cognitivas, dessa forma, os afetos e as atitudes dos indivíduos também estão juntos dessa estrutura. Os motivos de uma ação moral têm também um elemento cognitivo formal. Suas descobertas na área da moral estruturam-se em estágios e são construções tipológicas ideais que delimitam diferenças qualitativas nas organizações psicológicas da evolução do indivíduo, sendo previsíveis e consequenciais em uma e