Leonardo Mietto Roberto A superação da dicotomia teoria-mundo de acordo com a Lógica hegeliana: A Ideia absoluta e seu autodesenvolvimento no mundo subjetivo e objetivo da consciência. Marília 2023 Leonardo Mietto Roberto A superação da dicotomia teoria-mundo de acordo com a Lógica hegeliana: A Ideia absoluta e seu autodesenvolvimento no mundo subjetivo e objetivo da consciência. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Filosofia, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP - Câmpus de Marília, para obtenção do título de Bacharel em Filosofia. Área de Concentração: Lógica e Epistemologia Financiadora: CNPQ – Bolsa PIBIC - Edital 01/2020 – PROPe – UNESP Orientador: Prof. Dr. Ricardo Tassinari Marília 2023 Roberto, Leonardo Mietto A superação da dicotomia teoria-mundo de acordo com a Lógica hegeliana: A Ideia absoluta e seu autodesenvolvimento no mundo subjetivo e objetivo da consciência. / Leonardo Mietto Roberto. -- Marília, 2023 54 p. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado - Filosofia) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília Orientador: Ricardo Pereira Tassinari 1. Teoria da mente. 1. Descritor. 2. Descritor. 3. Descritor. I. Título. Leonardo Mietto Roberto A superação da dicotomia teoria-mundo de acordo com a Lógica hegeliana: A Ideia absoluta e seu autodesenvolvimento no mundo subjetivo e objetivo da consciência. Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Conselho de Curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP - Câmpus de Marília, para obtenção do título de Bacharel em Filosofia. Área de Concentração: Lógica e Epistemologia Financiadora: CNPQ – Bolsa PIBIC - Edital 01/2020 – PROPe – UNESP Banca Examinadora Profª. Dr. Ricardo Pereira Tassinari (orientador/DFIL/FFC/UNESP); UNESP – Câmpus de Marília Prof. Dr. Pedro Geraldo Aparecido Novelli (DFIL/FFC/UNESP); UNESP – Câmpus de Marília Prof. Me. Marcelo Marconato Magalhães (DFIL/FFC/UNESP). UNESP – Câmpus de Marília Marília, 27 de janeiro de 2023 AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Ricardo Tassinari, pela paciência e dedicação ao longo dos anos. À FFC, por todos os anos de estudo Agradeço ao CNPq pelo apoio financeiro e por ter tornado possível a realização desse trabalho. RESUMO Esse trabalho tem por objetivo expor e demonstrar uma possível solução à dicotomia teoria- mundo de acordo com a perspectiva hegeliana, o que será feito por meio da explicitação das etapas que o pensamento realiza ao apreender o mundo e os objetos, para posteriormente mostrar como as experiências de um Eu pensante – tanto “externas” como “internas” a consciência – são necessárias para que o ser humano se apreenda enquanto um sujeito singular, capaz de subsumir o conceito dos objetos dentro um pensamento complexo que se auto relaciona, mas que não se diferencia, em absoluto, daquilo que é “externo” em relação a consciência, pois a separação entre sujeito e objeto se resolve no conceito de Espírito, a partir do momento em que um Eu ultrapassa a cisão existente entre o pensar e o mundo, justamente porque compreende a conexão entre a Coisa Pensada e o Ser da Coisa – compreensão que está para além da fenomenologia e só pode ser entendida por meio da Lógica. Palavras – chave: Conceito; pensar; mundo; entendimento. ABSTRACT This work aims to expose and demonstrate a possible solution to the theory-world dichotomy according to the Hegelian perspective, which will be done by explaining the steps that thought takes when apprehending the world and objects, to later show how the experiences of a thinking I – both “external” and “internal” to consciousness – are necessary for the human being to apprehend himself as a singular subject, capable of subsuming the concept of objects within a complex thought that is self-related, but that does not differentiates itself absolutely from what is “external” in relation to consciousness, since the separation between subject and object is resolved in the concept of Spirit, from the moment an I overcomes the existing split between thinking and the world, precisely because it understands the connection between the Thing Thought and the Being of the Thing – an understanding that goes beyond phenomenology and can only be understood through Logic. Keywords: Concept; think; world; understanding. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 5 2. A RELAÇÃO DO EU COM A EXPERIÊNCIA .......................................................... 9 2.1 – O Processo Lógico do conhecer ..................................................................................... 9 2.2 – Discussões a respeito do Conceito do Eu .................................................................... 12 3. A NATUREZA DA AUTOCONSCIÊNCIA E A NATUREZA DO CONCEITO .... 15 3.1– A autoconsciência e a natureza dupla do Conceito ....................................................... 15 3.2 – A autoconsciência e a apreensão do Conceito especulativo ........................................ 17 4. A PERSPECTIVA ESPECULATIVA E O ENTENDIMENTO SEPARADOR ...... 19 4.1 – O entendimento e a multiplicidade sensível ................................................................ 19 4.2 – O juízo e sua relação com o Conceito .......................................................................... 21 5. O MOVIMENTO DO PENSAR FRENTE AO OBJETO CONHECIDO ................ 24 5.1 – A compreensão especulativa e a superação da abstração ............................................ 24 5.2 – A passagem para o momento da objetividade.............................................................. 26 5.3 – A objetividade do Conceito ......................................................................................... 29 6. O CONCEITO E A MULTIPLICIDADE SENSÍVEL ............................................... 31 6.1 – O conceito como o fundamento do devir ..................................................................... 31 7. O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO A PARTIR DE SUAS FORMAS MAIS IMEDIATAS ....................................................................................................................... 34 7.1 O juízo ............................................................................................................................ 34 7.2 O silogismo como desenvolvimento do juízo ................................................................. 38 8. A SUBJETIVIDADE DO CONCEITO ........................................................................ 43 8.1 A verdade apenas em si do Conceito ............................................................................. 43 8.2 A infinitude e o para si do Conceito como superação da primeira negação .................. 45 9. A IDEIA ABSOLUTA .................................................................................................... 49 CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................54 5 1. INTRODUÇÃO A relevância desse trabalho se mostra devido ao tema de que trata, uma vez que ele perpassa uma discussão recorrente na área da epistemologia e apresenta uma visão única, uma vez que Hegel procura superar a dicotomia entre sujeito e objeto, enquanto, em geral, as demais filosofias se encontram encerradas nessa separação sem tratar do desenvolvimento que possibilita o conhecer, enquanto em direção a unidade teoria-mundo. O terceiro volume da Ciência da Lógica, A Doutrina do Conceito, abarca o desenvolvimento lógico-filosófico-conceitual mais completo e detalhado do sistema quanto a questão da relação pensamento-mundo. As categorias e conceitos do pensar expostos nessa obra devem, portanto, mostrar-se como necessários e suficientes, se é certo que seu propósito está em abarcar toda a atividade pensante sobre o mundo da vida – tanto natural como espiritual. Os momentos do conceito adquirem seu valor em função do todo ao qual participam, isto é, não possuem autonomia em si mesmos, como coisas separadas; daí se mostra que, o verdadeiramente originário, não é algo construído, mas, sim, apreendido pelo sujeito. O conceito, portanto, vem a se mostrar em uma figura da consciência mais desenvolvida que outrora, justamente pelo fato de que a autoconsciência penetra o objeto em suas determinações fundamentais, o que lhe permite a suprassunção da multiplicidade sensível, que agora é compreendida através da forma lógica que lhe é inerente: “a compreensão de um objeto em nada mais consiste do que no fato de o Eu se apropriar do mesmo, penetrá-lo e trazê-lo à sua forma própria, isto é, à universalidade que é imediatamente determinante ou determinidade que é imediatamente universalidade” (HEGEL,2018, pg. 45). A unicidade do conceito se mostra como algo contraditório para a consciência que se atém a uma determinidade isolada do objeto, o que remonta o formalismo dos conceitos determinados, e, assim, a justificação racional cai em descrédito, dando lugar ao entendimento separador. A verdade, enquanto tal, é muitas vezes confundida com a mera exatidão, com a concordância que uma representação tem em relação ao objeto exterior; essa maneira de considerar, no entanto, entrava o desenvolvimento do pensar e o prende ao âmbito do ser-aí – ele se atém a ilusão da autossubsistência dos termos, doravante, como sabemos, é bem o contrário que ocorre. – O passar-se fora um do outro que ocorre no âmbito sensível adquire sua verdade imediatamente em um outro, e assim sucessivamente, o que leva a má infinitude e, consequentemente, impinge a necessidade de algo que supere essa posição finita do pensar. O 6 movimento da consciência frente as determinações que o Conceito expõe, a cada etapa, mostra uma insuficiência que exige sua superação, o que se faz através do movimento dialético especulativo. O movimento empregado nesse trabalho terá por fito a superação última dessas passagens incessantes, que relegam a finitude um crédito demasiado alto; mostrar tais sucessões do pensamento dentro de si mesmo será de extrema utilidade para a defesa da tese aqui proposta, uma vez que ela pretende unir algo que, com frequência, entendemos como sendo duas coisas distintas, a saber: o pensar e o mundo. Essa tese consiste em mostrar a inerência do mundo com o Pensar – mostrando que ele se diferencia em si mesmo, formando figuras distintas –, que é tanto o movimento como o repouso, e tanto possibilidade quanto atualidade (dynamis e enérgeia). Para Hegel, decerto, a contradição move o mundo, e ela pertence ao próprio Conceito, podendo ser pensada e concebida, diferentemente do que defende a lógica formal. A recusa da contradição como fundamento do existente cria a necessidade de divisões, expressa pela metafísica do entendimento, que só concebe as coisas em sua separação; tais dicotomias criam, sobretudo, a separação tão bem conhecida entre o pensar e a efetividade, uma vez que por pensamento se entende um conjunto de representações subjetivas, e por efetividade um algo imediato, visado em determinado momento. Uma consideração mais profunda da Lógica hegeliana há de mostrar sua proposta de unidade para essas separações do entendimento, que se pautam, sobretudo, em uma concepção divisória, que coloca o pensamento de um lado e o âmbito sensível do outro, sem se dar conta de que a sensibilidade só possui significação para a consciência na medida em que ela o transforma por meio do pensar. Certamente, poder-se-ia objetar que esse fato, por si só, não diz que o pensar e o mundo sejam uma mesma coisa, pois até mesmo o idealismo subjetivo concorda com tal premissa – de que a objetividade só pode ser apreendida por meio do pensar e de suas operações –, e resolve essa dicotomia com uma proposta divisória, que, aliás, parece resolver o problema. Procurarei mostrar, à guisa do autor, como isso não é mais do que uma ilusão, que embora possa parecer definitiva, não resolve o problema por inteiro, embora conte com observações perspicazes. Entendo que a compreensão totalizante de Hegel seja importante para que se possa pensar o conhecimento a partir de um ponto de vista lógico-conceitual, que é capaz de unir as partes do processo em um todo coerente, enquanto que a visão do entendimento ou a fenomenologia, em geral, fica estacionada em separações absolutas, mas não consegue justificá-las sem o auxílio 7 de pressupostos, que parecem muito coerentes por estarem fundados nas crenças comuns, mas que, em última instância, não constituem uma prova ou uma explicitação lógica. Se um filósofo adepto dessa perspectiva for questionado sobre a validade da separação assumida entre pensamento e objeto, ele certamente tentará argumentar dizendo que a verdade da coisa nem sempre corresponde aos pensamentos que temos dela (representações, em geral), ou que a multiplicidade das convicções não corresponde a imutabilidade dos princípios lógicos. No entanto, a visão especulativa compreende a opinião e as representações como partes integrantes do processo que envolve o conhecer, não obstante não se encerra nelas, posto que o múltiplo das intuições não nos fornece nenhum fundamento, justamente porque é um imediato; a lógica, por sua vez, inverte essa ordem de razões ao tentar compreender como as coisas funcionam olhando em retrospectiva, o que lhe permite compreender o fenômeno como algo que subsiste em relação ao fundamento, mas que, muito embora a aparição e toda a multiplicidade que a acompanha seja apresentada primeiramente ao sujeito pensante, elas são, segundo a perspectiva lógica, algo que deriva do fundamento da coisa, mas que é modificado ao ser apreendido pelo sujeito, posto que ele mistura suas preconcepções a coisa conhecida, bem como seus sentimentos; contudo, o caminho do pensar resolve essa contradição ao passo que mais determinações do conceito do objeto são conhecidas, de modo que a preconcepção inicial (de uma separação entre o Eu e o mundo) se esvai e se explicita sob a lógica do Conceito. Para esse intento, é preciso mostrar como a experiência do sujeito constrói para si algo que se encontra em si, além de explicitar a conexão existente entre esse “em si” e a apreensão que o sujeito realiza da coisa. Desse modo, ficará claro se estamos falando de coisas distintas, a saber, sujeito e objeto, ou se elas são “partes” constituintes de um mesmo processo – a atividade pensante. O intento desse trabalho é, portanto, mostrar como a consciência se apossa do Lógico ou, caso se queira, do puramente racional, e como ela se torna independente da limitação e das divisões que existem no âmbito fenomênico e finito, mas, ao mesmo tempo, não fica presa as determinações subjetivas da coisa, o que recaí em uma lógica igualmente subjetiva, como a lógica formal; a Lógica especulativa, por sua vez, deve ser capaz de romper a cisão entre o subjetivo e o objetivo, mostrando-se capaz de pensar as determinações da coisa em esferas simultâneas, posto que só essa totalidade pode revelar a verdadeira integralidade do espírito e do Conceito. Nas palavras de Hegel: Mas a libertação da oposição da consciência, que a ciência tem de poder pressupor, eleva as determinações do pensar acima deste ponto de vista 8 medroso e não plenamente realizado e exige a consideração das mesmas tal como são em e para si, sem um tal aspecto limitado, o lógico, o puramente racional. (HEGEL, 2016, pg. 56). Começarei expondo as relações do pensamento com a exterioridade sensível, posto que essa é a forma mais imediata possível para o conhecer, e irei progredindo segundo a exigência das formas lógicas, a fim de expor o pensamento como um auto movimento que se completa segundo as insuficiências que vai encontrando em cada etapa. Procurarei mostrar, logo no início, como a autoconsciência e o Conceito são de fundamental importância para a superação da dicotomia teoria-mundo. Também me focarei na diferença entre a visão do entendimento e a visão especulativa, de modo que fique claro a necessidade de superar as separações fixas do entendimento. O Conceito será exposto segundo o momento da subjetividade e da objetividade, a fim de mostrar como cada um desses lados é inseparável do outro, resultando na superação da abstração que divide o objetivo do subjetivo, como se fossem “coisas” absolutamente distintas. Por fim, terminarei com a Ideia absoluta e com a junção dos momentos descritos até então sob esta forma última, capaz de os conter e os intuir. 9 2. A RELAÇÃO DO EU COM A EXPERIÊNCIA Nesse capítulo irei mostrar a conexão que existe entre o pensamento e a experiência sensível, uma vez que ela é a base do conhecer, justamente porque fornece ao sujeito cognoscente um material e um contraste em relação à mera imaginação, que é livre e indeterminada. O intento desse capítulo se baseia no fato de que é preciso mostrar de que modo o conhecimento se constrói como algo que se destina a atingir a necessidade do Conceito, mas que, ao mesmo tempo, depende da indeterminação que existe no início desse processo, já que o em si ainda não se mostrou como algo que também é para si. 2.1 O PROCESSO LÓGICO DO CONHECER A autoconsciência se reconhece como um eu pensante no processo que envolve o conhecer, uma vez que é através de si que o pensamento se desdobra em seu outro aparente, a saber, na experiência; através desse movimento o outro do pensar deixa de ser visto como tal, pois aquilo que supostamente existe como um externo em relação ao Eu é apossado por ele, deixando, então, de ser um algo indeterminado para ser um determinado. Dito de outro modo, o pensamento determina para si os objetos ao fixar-se sobre uma ou outra característica; quando um Eu as pensa ele se reflete sobre si mesmo, pois aquilo que pensa já não é mais exclusivo da coisa, uma vez que o sujeito interioriza as características e as relações que percebe no mundo, podendo, inclusive, modificar o modo pelo qual elas apareceram inicialmente – como uma espécie de jogo do pensamento – , além de poder combinar características e supor relações entre os objetos. Muito embora a suposição possa se diferenciar do conhecimento da coisa, uma vez que ela pode se mostrar ulteriormente como sendo um equívoco, em um momento inicial essa característica faz parte do processo de descoberta e é, inclusive, necessária para que as determinações da coisa venham a ser conhecidas pelo sujeito que a pensa; portanto, cabe notar que o não-ser da coisa é essencial para que o ser se mostre, o que deriva do fato de que o Conceito mais alto do ser e do não ser se mostra no devir, que contém ambos dentro de si e os contempla simultaneamente. Até esse ponto podemos ver claramente uma distinção entre um Eu que pensa e uma multiplicidade de objetos que é conhecida, justamente porque estamos considerando a fenomenologia da experiência, e nesse estágio o Eu só tem um saber abstrato de si mesmo, o 10 que resulta, necessariamente, em separações. A mais evidente está calcada na sensibilidade e na constatação simples que o pensamento realiza sobre o mundo e sobre si mesmo, a de que ele é um Eu frente a vários outros, e o mundo também é algo de outro em relação a ele; disso se segue que a consciência ainda não tem ciência sobre a atividade que realiza, não se sabe como um pensamento que se pensa, mas apenas concebe a abstração simples dessa atividade, que, vista por intermédio da representação, parece indicar um Eu que se mantém de um lado da relação, ao passo que os objetos aparecem do outro lado. Nas palavras do autor, temos que: A meta do espírito enquanto consciência é fazer esse seu fenômeno idêntico à sua essência, é elevar a certeza de si mesmo à verdade. A existência que ele tem na consciência tem sua finitude em ser a relação formal a si, [em ser] certeza apenas. Porque o objeto é determinado só abstratamente como o seu, ou, porque o espírito só está refletido sobre si mesmo como Eu abstrato, essa existência tem ainda um conteúdo que não é como o seu (HEGEL, 1995, pg.186). No âmbito da consciência sensível o sujeito não reconhece que as determinações do objeto são tanto suas como também dos objetos percebidos; o sujeito só concebe a relação como algo que se direciona do objeto em relação a si mesmo, mas não percebe que o pensamento não se reduz a essa passividade, mas que, muito pelo contrário, só existe como um ato do espírito (expressão utilizada por Bourgeois), de modo que tudo aquilo que é pensado por um Eu deve tornar-se parte dele. As determinações conceituais são reconhecidas como possuidoras de objetividade unicamente porque se supõe que a objetividade do mundo empírico lhes fornece esse material, mas é justamente o contrário que pretendo mostrar, pois a ordem da apreensão inverte a ordem lógica, levando-nos a pensar que o efeito é a causa, que o subordinado é o incondicionado. Uma investigação ulterior, contudo, mostrará como não é possível que seja desse modo, uma vez que o fenômeno é por natureza condicionado e dependente, assim como as coisas que nele se situam, justamente porque elas só existem enquanto fazem referência a um outro delas mesmas, e assim sucessivamente, o que se deve à sua natureza finita, que é incapaz de ser o fundamento de si mesma. Por outro lado, mesmo inicialmente já se pode entrever como o âmbito conceitual não possui essa dependência do finito e como ele pode, por si só, mostrar-se como fundamento daquilo que se expressa no finito, uma vez que o finito é sua exteriorização; poderíamos, contudo, supor 11 o inverso: e disso se seguiria um absurdo lógico-conceitual, posto que não é possível pensar em conceitos determinados como estando em uma relação de dependência ao fenômeno; só o inverso é possível, justamente porque o Conceito é primeiro na ordem das razões, muito embora ele apareça como segundo para o sujeito que o percebe. Tomando como exemplo alguns conceitos determinados, ou conceitos do entendimento, como a força da gravidade e a força elétrica, é possível perceber como os objetos submetidos a eles constroem suas relações e, certamente, é por intermédio dessas relações que o sujeito chega ao conhecimento dessas forças elementares; no entanto, não se pode dizer razoavelmente que o Conceito se subordina aos objetos, mas sim que os objetos se subordinam aos Conceitos, visto que eles são determinantes na relação, enquanto que o fenômeno se mostra como o determinado. Mesmo a exteriorização de uma potência, ao tornar-se efeito, já elucida o tornar-se outro do Conceito; sua efetivação, contudo, não o destrói, mas apenas realiza aquilo que já estava contido potencialmente ou idealmente na forma de Conceito. Acontece que somos muito mais propensos a admitir que o Real se reduz a efetivação de alguma coisa, pois podemos “assistir” a esse movimento, enquanto aquilo que é só potência nos permanece velado; a efetivação é, aqui, vista como desdobramento daquilo que é primeiro, de modo que os dois lados da relação são partes de um sistema complexo que, unindo-se a várias outras relações e a vários outros conceitos determinados formam a Realidade. Desse modo, fica claro como as determinações conceituais são em si e por si e, portanto, não dependem da vontade do sujeito, mas, ao mesmo tempo, a apreensão conceitual da objetividade que existe no Conceito depende da atividade subjetiva, que é seu contrário aparente; a conexão existente entre a subjetividade e a objetividade do Conceito se mostram como sendo o movimento do pensar em si mesmo, que ao apreender o outro de si mesmo se enriquece e vem a saber de si, fazendo do seu outro algo interno e que se correlaciona com outras determinações conceituais, que posteriormente são reconhecidas como a Realidade – que também é Idealidade pura e simplesmente, tanto subjetiva como objetiva. Esse movimento, no entanto, pode parecer ininteligível, uma vez que ele nos força a assumir a unidade existente entre coisas que se mostram como sendo opostas, mas isso decorre do fato de estarmos acostumados a pensar segundo abstrações e, justamente por isso, fixamos em nossa mente um aspecto da coisa e a definimos por meio dele, para então relacionar essa determinidade com outras definições estáticas; a filosofia hegeliana, por sua vez, nos força a pensar o movimento do Conceito, que é capaz de assumir diferentes aspectos por meio da atividade pensante, o que resulta em uma mistura de definições segundo a compreensão 12 abstrata. Se, contudo, nos distanciarmos dessa visão, será possível notar como a indeterminação e o não-ser são a base para a determinação e o ser do Conceito, do mesmo modo que a ausência de saber e o reconhecimento do sujeito a respeito de sua própria ignorância é a base para o saber, para o preenchimento e para a determinação. 2.2 DISCUSSÕES A RESPEITO DO CONCEITO DO EU Nessa seção irei tratar sobre o reconhecimento da objetividade e a superação da unilateralidade que existe no pensar meramente subjetivo, uma vez que o elemento racional presente nas determinações do Conceito é apreendido como o único verdadeiro e a subjetividade se molda a partir disso, tornando-se una face ao múltiplo que agora não conta com a divisão existente entre o Eu e sua respectiva exterioridade, mas abarca ambos em um só saber – que por conter a determinidade da Razão também contém em si a diferença e supera a igualdade abstrata do Eu, que só é capaz de conceber a si mesmo. Primeiramente é preciso se atentar ao fato que mais concerne à natureza do Eu, posto que ele coincide com o Conceito. O modo comum de pensar se aferra a representação de que o Eu é uma coisa e de que ele possui propriedades ou faculdades, o que limita a compreensão de seu processo, já que nenhuma unidade em “dynamis” pode ser concebida deste modo. A autoconsciência, enquanto tal, não pode ser entendida como sendo uma posse ou um receptáculo onde as coisas são guardadas. Essa representação exclui de sua consideração o fato de que tanto aquilo que é percebido externamente como aquilo que o Eu percebe em si mesmo não decorrem de uma passividade, mas, ao contrário, é a atividade pensante que constitui esse processo. O objeto, portanto, só adquire verdade para um Eu pensante quando ele é reconhecido como um momento do próprio Eu, quando ele passa a ser visto como uma parte constituinte da unidade que é a consciência; um pressuposto que vem a ser reconhecido como algo posto, mas que posteriormente adquire uma validade no âmbito objetivo da consciência. Quando esse processo se completa, o sujeito adquire a certeza de que as determinações do objeto são tanto objetivas quanto subjetivas, e que elas constituem a verdade da unidade entre o Eu e o mundo, que são, em última instância, lados da Ideia absoluta, que se expressam na subjetividade e na objetividade, ambos pertencentes ao Conceito especulativo. A passagem a seguir ilustra esse movimento do Eu, que é um movimento de liberdade, que através do reconhecimento da 13 objetividade conceitual abandona a unilateralidade que está inicialmente presente no momento da subjetividade conceitual, o que constitui um saber que não se sabe, ao efetivar o Conceito segundo sua verdade mesma, que vem a ser em si e para si: Porém a identificação, de início puramente idêntica (segundo o momento do Eu = Eu característico da subjetividade), da diferença, a interiorização puramente interior do exterior perdem posteriormente sua unilateralidade ao exteriorizar-se, diferenciar-se, objetivar-se ao nível da exterioridade ou da diferença. (HEGEL, 1995, pg. 423). O sujeito, ao exteriorizar e objetivar as determinações conceituais, constrói para si uma efetividade adequada ao Conceito, um mundo objetivado a partir da racionalidade e que, diferentemente de outrora, é capaz de satisfazer as exigências do espírito, que passa a se ver reconhecido em uma alteridade que duplica a interioridade mesma do Conceito especulativo e, por essa razão, aquilo que é efetivado após ter se tornado objeto do pensar perde sua unilateralidade – como Hegel ressalta na passagem acima –; no entanto, se o sujeito impingir suas tendências e desejos particulares na consideração objetiva do Conceito, a unilateralidade ainda permanecerá, posto que, nesse caso, não é a racionalidade do pensar que se mostra, mas a opinião, que por possuir um caráter arbitrário e individualista não consegue se universalizar, mostrando-se falsa. O terreno do direito é o melhor exemplo desse movimento, já que ele resulta do reconhecimento que o sujeito realiza sobre a racionalidade da vontade, em contraste com as tendências individuais, que apesar de estarem presentes não se mostram como a expressão racional do Direito. Se o ponto de vista racional-especulativo é atingido, então a separação entre sujeito e objeto se desfaz mediante o esfacelamento da unilateralidade que antes se mostrava na opinião, visto que o a autoconsciência faz do Racional sua própria expressão e nele se reconhece, de modo que aquilo que se efetiva a partir desse reconhecimento não possui nenhum tipo de dualidade ou separação – entre o pensar do sujeito e a efetividade mesma –, já que aquilo que é posto como efetivo se mostra como sendo idêntico à interioridade do Conceito – é a própria Ideia que se faz objeto. Portanto, a objetividade e a necessidade do Conceito são apreendidas pelo sujeito pensante como sendo sua própria expressão, de modo que o pensamento abandona seu si mesmo para tornar-se unidade com o racional que está para além de sua imediatidade; esse movimento, por outro lado, não significa uma subordinação e o aniquilamento do Eu, mas é sua mais justa expressão, uma vez que a universalidade do Conceito “Eu” é posta em sua necessidade absoluta, posto que a individualidade agora é capaz de contemplar as outras com igual força de expressão, 14 o que faz do Eu um nós. Devido a interiorização daquilo que é apreendido, o sujeito pensante se enriquece ao contemplar o Conceito de si mesmo sob a ótica da diferença e a subjetividade se mostra em seu caráter próprio, de acordo com a necessidade que lhe é inerente. A compreensão especulativa é subjetiva-objetiva, dado que esses lados da Ideia foram agora pacificados de sua luta e discordância interna. 15 3. A NATUREZA DA AUTOCONSCIÊNCIA E A NATUREZA DO CONCEITO Esse capítulo se destina a explicitar a conexão inerente entre a autoconsciência e o Conceito, já que a instância do pensar é normalmente entendida como sendo algo de outro em relação a objetividade do mundo empírico, cujo representante é um conceito determinado. Desse modo, a Lógica Hegeliana visa a desconstrução dessa separação, que é unilateral e abstrata. 3.1 A AUTOCONSCIÊNCIA E A NATUREZA DUPLA DO CONCEITO Nessa seção irei mostrar como a aparente duplicidade do Conceito se resolve em uma única natureza, a autoconsciência, que devido ao seu movimento pode adquirir ora esta ou aquela determinação e, ao mesmo tempo, permanecer sendo aquilo que era no início, muito embora possua, agora, diferenças características que a colocam em um patamar diferenciador em relação ao pensar que não se sabe. Ninguém chega a ser consciente de si e das coisas que o cercam sem antes ter pressuposto algo como sendo deste ou doutro modo; o âmbito da sensibilidade oferece uma prova tácita desse fato, já que reconhecemos como parco algo que outrora possuía um valor absoluto, e isso justamente porque as determinações dos objetos nunca foram um outro em relação a nós, de modo que podemos enriquecer nossa consciência com determinações mais altas do que aquelas que possuíamos antes, e o nosso pensamento vai se preenchendo ao subsumir o entendimento que pertence a um estágio do saber em outro, que o contém e o explicita de uma maneira mais rica do que aquilo que sabíamos até então; esses conceitos mais altos marcam o desenvolvimento do pensar e permitem que ele se reconheça como o centro desse processo, não obstante seja necessário vários “outros” em relação ao pensar do sujeito, eles não são outros de fato quando se reconhece a conexão inerente que as partes possuem em relação ao todo: “Portanto, o objeto tem essa objetividade no conceito, e este é a unidade da autoconsciência na qual ele foi acolhido; logo, sua objetividade ou o próprio conceito nada mais é do que a natureza da autoconsciência” (HEGEL, 2018, pg. 46). Explicitar a Verdade desse trecho é de suma importância para o desenvolvimento dessa tese, já que nele Hegel assume que a natureza da 16 autoconsciência é a mesma que a do Conceito e, portanto, da objetividade, o que deve ser extremamente estranho àqueles que não estejam acostumados com o pensamento hegeliano porque ele está, justamente, dizendo que a subjetividade se mostra como sendo o objetivo e, inversamente, que o objetivo se mostra igualmente como sendo o subjetivo, uma vez que a base do processo é a autoconsciência. Ora, quanto a isso suponho que possam ser levantadas diversas recusas, já que não parece difícil indicar contraexemplos de como essa tese parece, à primeira vista, absurda, pois a subjetividade é indeterminada por natureza, enquanto a objetividade é marcada pela determinação. Uma coisa não corresponde a outra, do que se segue que elas devem ser coisas diferentes – assim pensa a abstração do entendimento –; no entanto, quando o pensar, inicialmente enredado pela subjetividade, se eleva a racionalidade do Conceito, ele se faz mediante as determinações que apreende dele, o que é um sacrifício do contingente e do fugaz – agora sabidos como não essenciais, falsos –, de modo que a cisão entre o Pensar e a Coisa vão se esvanecendo, e quanto maior é saber do sujeito cognoscente maior será a força com que ele percebe a nulidade dessa separação, pois é uma consequência lógica ver nos atos e nas apreensões do espírito humano ele próprio, não algo outro que se lhe contrapõe. A suposta externalidade do mundo objetivo se expõe em um universo pensado para ser conhecida; ela não é nada enquanto não for para o pensamento, único capaz de atribuir significação; o em si da coisa que não é sabido permanece um além inacessível, mas quando ele se mostra presente e se coloca diante de um ser pensante, o ser da coisa expõe determinações pensáveis, e elas se mostram como sendo objetivas e racionais na mesma medida em que são acolhidas por uma subjetividade; daí provém o duplo jogo subjetivo-objetivo da Ideia absoluta que jamais se satisfaz com apenas um lado da relação. Se, por exemplo, o sujeito cognoscente toma por verdadeiro características extraídas de sua própria subjetividade e as impõe com violência sobre a objetividade da coisa, esse movimento mostra sua nulidade por permanecer unilateral e não corresponder a universalidade da coisa pensada; a própria lógica do procedimento denuncia a vontade que quer fazer valer sua intenção frente a racionalidade conceitual, como ocorre com um querer injusto que se opõe a universalidade da justiça; isso, no entanto, é perceptível pelo próprio movimento do pensar, uma vez que as determinações do Conceito não são um outro para aqueles que a tomam por objeto. Seria até estranho se, contrariando essa autocorreção do pensamento frente a si mesmo, fosse exigido que a humanidade tomasse por critério uma outra coisa que não fosse a própria consciência que se 17 pensa e a racionalidade que é por ela intuída, mas ficássemos presos a um critério exterior e estranho aos nossos propósitos, o que seria justamente o irracional e o mero arbítrio. Portanto, fica claro como a exterioridade só pode se mostrar por meio da interioridade da autoconsciência, assim como só pode possuir significado em relação a ela, de modo que a aparente duplicidade entre o Eu e o mundo começa a mostrar sua insuficiência, uma vez que a objetividade só se mostra por intermédio da subjetividade, ao passo que o sujeito tenta se subordinar a supostos dados puros que julga encontrar no mundo, mas, ao contrário, ele só os encontra em si mesmo e eles não possuem nada de puro, já que estão em conexão com o movimento do pensar frente ao mundo conhecido, que nada é além de Idealidade (objetiva- subjetiva), totalidade imanente de todo o pensar sem o qual nada é – do mesmo modo, sem a atividade pensante e o reconhecimento da subjetividade frente a objetividade não há conhecimento possível. Isso mostra que a aparente duplicidade entre o pensar e a coisa conhecida se resolvem na Ideia, que é tanto subjetiva quanto objetiva, podendo suportar a contradição e revelar a natureza da autoconsciência como sendo a mesma que a do conceito. 3.2 A AUTOCONSCIÊNCIA E A APREENSÃO DO CONCEITO ESPECULATIVO Essa seção é dedicada a explicação do movimento do pensar em si mesmo, de modo a deixar claro como isso se conecta com a objetividade do Conceito. Em outras palavras, como a subjetividade ultrapassa a limitação do Eu e se enriquece com as determinações conceituais. A consciência que não oferece assentimento a uma descoberta não pode apreendê-la; independentemente da força que uma suposta objetividade exerça sobre o Eu, ele não reconhece algo que julga ser estranho a si. Se a estranheza desaparece, isso não deve ser visto como uma refutação da unidade existente entre o Conceito e a autoconsciência, mas como uma prova dela. O pensar não é, como a representação muitas vezes exige, algo fixo no tempo; ele se move em suas próprias determinações e se molda junto a elas. O Conceito, portanto, nessa perspectiva, não decorre de um ato subjetivo do julgar – não sendo, enfim, uma representação –, mas se constitui como a verdade do espírito; a representação certamente lhe pertence, muito embora ele não se encerre nesse modo de apreensão. A compreensão especulativa subsume os termos em uma unidade mais completa, a fim de abarcá- los em sua coparticipação; tal conexão se mostra com a suprassunção do ponto de apoio fixo da percepção, que julga encontrar entes separados devido a sua incapacidade de uni-los. A 18 operação do pensamento consiste justamente em superar a fixidez dos momentos da percepção, em compreender a conexão entre coisas que aparecem como sendo termos isolados, mas que em sua verdade encontram-se unidos em uma unidade conceitual. Não é por acaso que a atividade pensante não consegue se apartar do uso de universais, e é somente através deles que progride no saber. Na Fenomenologia do Espírito Hegel nos diz o seguinte: Os membros independentes são para si; mas esse Ser-para-si é antes, imediatamente, sua reflexão na unidade - como essa unidade é por sua vez o fracionamento em figuras independentes. A unidade se fracionou por ser unidade absolutamente negativa ou infinita; e, por ser ela o subsistir, também a diferença tem independência somente nela. (HEGEL, 1992, pg. 122). Isso quer dizer, mais precisamente, que a independência que os termos conceituais aparentam ter entre si é ilusória, justamente porque a verdade da finitude depende sempre de um outro para se fazer completa, de modo que ela nunca atinge a pacificação, é sempre uma incompletude que se mostra, pois as figuras estão divididas e se mostram como coisas que auto subsistem; entretanto, elas não expressam nenhuma verdade nessa separação, apenas denunciam sua falta de fundamento, o que se mostra na necessidade de um outro. O entendimento certamente se encerra nessas figuras isoladas do Conceito e por isso concluí que o Pensar e a Coisa são eternamente distintos, posto que a representação não é capaz de expor o em si da coisa. Em um momento posterior, contudo, ver-se-á que o subsistir isolado das determinações conceituais esfacela o ser para si do Conceito, que em sua separação só é capaz de mostrar sua finitude, mas não o verdadeiro ser para si, que é o infinito. O momento do Ser para si que contém essa contradição resolvida concebe as partes como estando em dependência absoluta em relação ao Conceito, nada é um auto subsistente. O momento do ser para si, portanto, supera a exposição fragmentada do mundo empírico e se mostra como sendo a verdade dos momentos anteriores devido à sua sistematização e junção, além de conter a suprassunção da finitude, que se mostra como dependente por não possuir em si sua própria justificação. Nas palavras de Hegel: “A negação da negação não é uma neutralização: o infinito é o afirmativo, e só o finito é que é o suprassumido. No ser-para-si é introduzida a determinação da idealidade.” (HEGEL, 1995, pg. 193). A Idealidade se mostra no ser para si que também é em si, o que ultrapassa a limitação existente na mera subjetividade, incapaz de reconhecer a diferença do conceito e sua suprassunção; portanto, a introdução do ser-para-si vai além do eu=eu e, ao mesmo tempo, mantém a 19 subjetividade como o centro do processo, pois tudo isso ocorre no pensamento que se pensa – na autoconsciência. 4. A PERSPECTIVA ESPECULATIVA E O ENTENDIMENTO SEPARADOR Esse capítulo tem por objetivo expor e demonstrar as diferenças existentes entre a visão do entendimento e a especulativa (Idealismo absoluto), posto que os contraexemplos normalmente apresentados contra a Lógica hegeliana se baseiam em pressupostos oriundos desse modo de pensar. 4.1 O ENTENDIMENTO E A MULTIPLICIDADE SENSÍVEL Essa seção tem por objetivo expor a perspectiva do entendimento a fim de compará-la com a visão especulativa, de modo que fique claro como ela se distingue desta última, assim será possível mostrar de modo detalhado a insuficiência da perspectiva empirista e a necessidade de sua superação. A perspectiva empirista não eleva o Conceito à sua verdade, posto que ela faz representações da multiplicidade sensível, impedindo que as determinações do pensamento se mostrem como são em si e por si mesmas – uma prova lógica não exige uma comprovação empírica, pois ela é sua própria prova. Essa operação subjetiva do Eu – quando pensa sobre algo – faz colapsar seu julgamento sobre um mundo aparentemente exterior a si, onde o Conceito não pode valer como o essencial, já que a subjetividade do Conceito, nesse ponto, apenas realiza uma síntese entre coisas que, aparentemente, existem como entes separados, mas que se conectam pelo fortuito acaso – essa conexão permite ao pensamento estabelecer uma relação de causa e efeito, que posteriormente resulta no conceito de causalidade. Nessa perspectiva não há espaço para o originário, para o Conceito (Logos); pois, aquilo que comumente se costuma designar como sendo o conceito de algo, não é nada mais do que um produto da representação. Essa visão coloca o critério de verdade na multiplicidade da intuição, no aparecimento fenomênico, como se o verdadeiro fosse simplesmente a organização desse múltiplo – donde derivaria seu conceito –; operação que se limita a exterioridade da coisa, que concebe os objetos do pensamento como meras unidades auto subsistentes, restando apenas a tarefa de unificá-los, ou seja, realizar uma síntese deles. 20 Por mais verdade que a operação sintética possa conter em conformidade com o fenômeno, ela jamais alcança a conexão interior do Conceito especulativo, posto que o unir do Conceito não se limita a uma ou outra característica, e muito menos toma por critério a sensibilidade, mas, antes, entende a união sob seu aspecto mais próprio – a justificativa racional provém do próprio Conceito e não de algo que lhe é subordinado, como a experiência sensível. Dito de outro modo, o Conceito se justifica por si mesmo, não depende de um outro para tanto, enquanto na esfera do ser tudo existe mediante um outro, não havendo nenhum tipo de conexão interior dentro do processo observado, ou melhor, nenhuma conexão que seja conhecida pelo sujeito que experiencia determinado evento. A lógica formalista concebe suas operações como um mero instrumento, mas não as aceita como a própria verdade, de modo que o âmbito da sensibilidade se outorga o direito de valer como absoluto; disso decorre que a união sintética é deficiente, pois ela copia a ordem do aparecimento: “Mas a filosofia não deve ser uma narração daquilo que acontece, e sim o conhecimento daquilo que é verdadeiro no acontecimento, e, além disso, a partir do verdadeiro, ela deve compreender aquilo que, na narração, aparece como um mero acontecer” (HEGEL, 2018,pg. 50). A compreensão especulativa, portanto, compreende o fenômeno a partir do ponto de vista lógico, a partir de sua conexão interna; a síntese empírica, por sua vez, conecta os entes exteriormente, para só então chegar ao “conceito”, que nada mais é do que uma singularidade efêmera ao lado de tantas outras que poderiam ser observadas, posto que esse conceito do entendimento é apenas um momento do Conceito enquanto tal. O erro, se podemos chamar assim, consiste justamente no fato de que o Eu toma por verdade um lado da coisa, quando na verdade ela só pode ser compreendida na junção dos seus lados. – A compreensão partitiva da coisa se expressa no juízo, que vem a se desenvolver dentro de si mesmo à medida em que o sujeito conhece a si. Portanto, a insuficiência do juízo se mostra nas primeiras figuras do silogismo, uma vez que ele é a superação do juízo e começa por expressar o declínio da perspectiva empirista, mas não de forma completa; as figuras do silogismo vão delineando as diferenças e insuficiências que existem em suas primeiras formas, de modo que o pensamento evolui a partir das exigências que a racionalidade faz para si mesma e, ao mesmo tempo, reconhece que tais exigências pertencem ao ser da coisa pensada, não sendo apenas algo subjetivo. Fica, então, exposto de que modo a visão especulativa busca a totalidade sistêmica enquanto o entendimento vê a unilateralidade do Conceito como sua expressão última, tomando apenas a abstração como o critério da verdade. 21 4.2 O JUÍZO E SUA RELAÇÃO COM O CONCEITO Essa seção tem por objetivo mostrar a conexão existente entre o juízo e o Conceito, uma vez que ele contém em si as formas menos desenvolvidas do pensar e é proveniente delas. O juízo também é o exemplo mais tácito e simples para exemplificar a visão do entendimento, uma vez que ele expõe a unilateralidade e a abstração presentes nessa perspectiva. O Conceito, ao contrário do juízo, não fica parado em apenas uma de suas determinações, mas, antes, coloca o contraposto de si mesmo na relação com o determinado, o que certamente vem a ser uma contradição para a visão do entendimento. Nas palavras do autor: “[...] a natureza da determinação do conceito se destaca como aquela que não é algo abstrato e fixo, mas, sim, tem dentro de si e põe em si sua determinação contraposta[...]” (HEGEL, 2018, pg. 92). Desse modo, o juízo é um passo necessário na progressão que o sujeito faz enquanto apreende as determinações do Conceito; a relação dos contrapostos precisa ser apreendida, primeiramente, como totalidades auto subsistentes, para só então virem a ser compreendidas dentro da relação – e somente essa visão constitui o ponto de vista verdadeiro, pois só ela é capaz de compreender a relação e os termos da relação concomitantemente. A compreensão do sujeito se move dentro das determinações que pertencem ao próprio Conceito, sendo que o juízo expressa essas próprias determinações. A autoconsciência se conhece ao experienciar as mudanças do mundo “externo” e “interno” (a si mesma), pois é por meio dessa relação que o sujeito vem a saber de si. Contudo, a experiência possui diferentes estágios e níveis de compreensão, e em cada um deles o juízo se modifica de acordo com a lógica que lhe é inerente, tornando-se cada vez mais rico e mais específico. O movimento do juízo se aproxima cada vez mais da interioridade que o Conceito contém em si mesmo, como se pode notar pela passagem: “Restabelecer ou, antes, pôr, essa identidade do conceito, é a meta do movimento do juízo.” (HEGEL, 2018, pg. 98). O juízo, enquanto momento do Conceito, se diferencia dele na medida em que expressa uma determinidade isolada da coisa e acopla essa determinidade ao ser do sujeito. A personalidade, por exemplo, certamente possui em si muitas propriedades ou qualidades que lhe são inerentes, mas o juízo que alguém faz sobre o ser de uma outra pessoa acaba por excluir a relação que as propriedades têm uma frente a outra – o que constitui a totalidade e a verdade da mesma –, e termina por isolá-las; desse modo, a imediatidade que expressa não condiz com a verdade da 22 coisa; não porque a enunciação é falsa, mas porque ela não consegue abarcar dentro de si a mediação que é própria ao Conceito, o qual, por sua vez, expressaria uma mediação enriquecida pela diferença – como o julgamento que deriva da observação de múltiplas qualidades –, enquanto que o juízo positivo é a imediatidade abstrata pura e simples. Tal como se pode notar em: “– O predicado, ao contrário, como esta universalidade não real ou concreta, mas abstrata, é, frente ao sujeito, a determinidade, e contém apenas um momento da totalidade do mesmo, com a exclusão dos outros.” (HEGEL, 2018, pg. 101). O maior grau de determinação que o pensar adquire em relação a coisa define o movimento do juízo dentro de suas variantes, pois o objeto passa a ser cada vez mais conhecido em função do seu próprio Conceito, e é justamente isso que faz com que o pensar avance dentro da determinidade que toma para si. O em si da coisa é somente o sem determinação, o não conhecido, ou a coisa enquanto pensada sob o ponto de vista da representação, que também designa uma ausência de saber – caracteriza uma noção ou mera opinião –; por outro lado, quando essa perspectiva separadora vai sendo superada pelo movimento que o próprio pensar realiza, os objetos pensados passam a ser reconhecidos como parte integrante da consciência que os pensa, já que ela, enquanto realiza o desdobramento das particularidades de um objeto, desvela para si mesma aquilo que estava, até então, em si. É essa inseparabilidade entre o Pensar e a Coisa que é necessário frisar, pois é somente o permanecer da consciência na separação absoluta de suas figuras que faz com que a subjetividade assuma as tão famosas cisões que o entendimento expressa. Por meio desse procedimento acaba-se por endeusar a lógica abstrata, que é a subjetividade do Conceito enquanto tal, porque ela se faz por meio de momentos isolados da Coisa: “– Esse silogizar que procede através de proposições isoladas nada mais é do que uma forma subjetiva; a natureza da coisa é que as determinações diferenciadas do conceito da coisa estão unificadas na unidade essencial”. (HEGEL, 2018, pg. 141). Unidade essencial que contém em si determinações muito diversas e que resultam de uma reflexão que toma por objeto pontos de vista distintos do objeto considerado; o silogismo, por sua vez, não expressa essa riqueza do pensamento especulativo, pois só considera a coisa sob um ponto de vista, a abstração e a determinação exterior. É completamente impossível conhecer o ser de uma pessoa por meio de tal procedimento, que só serve para abstrações puras e simples; ele só expõe o superficial e as junções que realiza são feitas exteriormente, enquanto o Conceito especulativo, único verdadeiro, mira na unidade que contém a contradição resolvida dos elementos que se mostram em oposição, sendo capaz de compreender aquilo que se origina da interconexão entre as partes, ao passo que, para o entendimento, isso permanece um mistério. 23 Por fim, espero ter mostrado, por meio dessa breve explanação, como a compreensão partitiva da coisa é insuficiente para conter em si a verdade da coisa, posto que ela depende da união entre os múltiplos lados da Ideia, o que é impossível de ser concebido mediante a perspectiva empírica, pois ela consiste, justamente, em uma operação que fixa determinações e as compara entre si, de modo que uma compreensão sistêmica acaba sendo falseada e termina por comparar os lados da coisa de maneira externa, quando em verdade deveria conectá-los internamente. 24 5. O MOVIMENTO DO PENSAR FRENTE AO OBJETO CONHECIDO Esse capítulo se propõe a expor o modo pelo qual o processo lógico do conhecer se realiza, bem como explicitar a unilateralidade da abstração que, ao se apegar a uma característica isolada, supõe que a totalidade das conexões realizadas pelo pensar se submeta àquilo que é encontrado em apenas um dos lados do Conceito. 5.1 A COMPREENSÃO ESPECULATIVA E A SUPERAÇÃO DA ABSTRAÇÃO Essa seção procurará mostrar a diferença entre a conexão exterior (própria ao entendimento) e a conexão interior (especulativa) que é realizada ao agrupar características do objeto conhecido, deixando claro de que modo a exterioridade prejudica a verdadeira compreensão da coisa. Se o pensamento se fixa em uma determinação do objeto e se põe a pensá-la, as outras determinações não deixam de existir, e é justamente sua copresença que faz com que uma característica isolada seja aquilo que ela é. Uma consideração posterior há de unir os momentos desse mesmo todo a fim de se aproximar da totalidade; no entanto, se as características do pensar existirem para a consciência como entidades separadas, que subsistem sem a necessidade de seu contrário, qualquer pretensa união será uma tarefa vã, posto que ela só poderá se fazer exteriormente frente a coisa de que trata. O movimento de abstração que o pensamento utiliza para reter as determinações do objeto pensado constitui a primeira negação do processo lógico – negação justamente porque o abstrair consiste em reter determinações do objeto, deixando outras para trás ou ao lado delas – que se encerra no elemento do conceito subjetivo. A mediação é ainda parcial e consiste unicamente nesse abstrair de determinações, as quais se ligam, sempre e renovadamente, algumas outras: “Essas determinações são, enquanto determinações, em geral, negações; além disso, de igual modo, descartar as mesmas é um negar” (HEGEL, 2018, pg. 67); a mediação completa, por sua vez, consiste em um mediar das determinações consigo mesmas: a isso denomina-se negação da negação, ou terceiro momento lógico, por ser, justamente, o ponto de vista da universalidade. As determinações de pensamento podem ser apreendidas na unidade que possuem com sua oposta quando o sujeito adentra a esfera do Conceito, do verdadeiramente universal: “[...] elas são apreendidas como conceitos determinados na medida em que cada uma é conhecida dentro 25 da unidade com sua outra ou com sua oposta.” (HEGEL, 2018, pg. 73). Reconhecer essa unidade é uma condição necessária para superar a dicotomia existente entre sujeito e objeto, uma vez que ela é capaz de oferecer ao pensamento uma teoria que suporta a aparente contradição entre ser e pensar, que a aqui é assumida como nula. É justamente pelo fato de que as determinações do pensamento não são reconhecidas, ordinariamente, em conjunção com sua oposta, que o entendimento proclama suas famosas separações fixas; essa unilateralidade, contudo, não se mantém quando o pensamento é capaz de reconhecer a unidade existente entre uma determinação e outra. A simplicidade das determinações que o entendimento fixa para si mostra, desde já, sua nulidade. Caracterizar uma coisa como um algo simples no qual algumas propriedades existem ao lado de outras é uma apreensão vazia e sem conceito; as conceitualizações se ligam ao objeto por meio de uma formulação que incide fora deles, o que só tem a vantagem da exatidão. O Conceito verdadeiramente universal só é simples enquanto é tomado segundo sua universalidade abstrata, que consiste justamente em um excluir de determinações do objeto. Se o sujeito se propõe a adentrar no íntimo dessas determinações, descobrirá que elas possuem outras dentro de si e que aquela simplicidade é uma ilusão. A mediação do entendimento mostra-se, por conseguinte, como externa em relação ao objeto pensado. As determinações do Conceito valem para o entendimento como notas descoladas da coisa, posto que seu valor e veracidade são atribuídos segundo a forma que essas determinações possuem para o sujeito cognoscente; a caracterização psicológica e fenomênica toma, então, o lugar da Lógica no domínio do entendimento abstrativo – não é a coisa que se mostra, mas sim o sujeito que a monta, coadunando determinações que julga pertencerem ao mesmo domínio e separando as demais –, o que acaba por ser algo completamente inócuo do ponto de vista Lógico. Assim, a conexão abstrata e exterior do entendimento expõe a si mesma como insuficiente à medida em que a coisa exige um sistema para ser compreendida; ela não suporta a negação de uma determinidade e precisa fixar outra, igualmente abstrata, para superar uma negação quando ela é percebida, no entanto, a verdadeira compreensão exige que a negação seja considerada, pois ela faz parte da coisa enquanto tal. O entendimento, portanto, se afasta da verdade mediante a fixidez que ele assume, já que o pensar é movimento puro e uma sistematização dos lados da coisa pensada – conexão interior e enriquecida pela diferença ou, antes, negação da negação. 26 5.2 A PASSAGEM PARA O MOMENTO DA OBJETIVIDADE Nessa seção procurarei mostrar como a objetividade do Conceito depende do momento da subjetividade, de modo que ela se mostre como sendo o resultado do desenvolvimento inerente ao pensar. O momento da objetividade do Conceito provém da relação estabelecida entre as partes envolvidas em um processo, de modo que o resultado da interação se mostre dependente das particularidades que pertencem a cada um dos termos. É evidente que isso ocorre em todo tipo de combinação, pois o produto sempre depende dos fatores envolvidos, como é o caso do silogismo formal; no entanto, o modo pelo qual essa interação é conhecida pelo sujeito pensante é diferente dependendo do nível de saber que ele possui sobre uma determinada operação. Logo, o Conceito do objeto, ou mesmo, a verdade por “trás” de operação, pode ser desconhecida, e disso decorre que o Conceito não é reconhecido como a verdade da coisa. Por outro lado, quando a perspectiva teórica do sujeito consegue perceber a determinidade das partes e é capaz de compreender a união entre fatores distintos – que são momentos do Conceito como um todo –, então ele deverá ser capaz de conceber que a efetividade da coisa percebida é determinada pelo Conceito da própria coisa. Quando isso acontece, o pensar subsume os termos em uma unidade teórica capaz de compreender o resultado e o processo que subsiste junto a ele; portanto, o pensar e a coisa pensada adquirem um estatuto muito semelhante, para não dizer idêntico, quando o objeto é conhecido por meio de suas próprias determinações. Dizendo de outro modo, a diferença entre o ser do Conceito e o seu ser outro é aparente e se dissolve no processo que é inerente ao próprio conhecer. Se essa verdade não for reconhecida, então o conceito permanecerá velado para o sujeito que o pensa, pois apenas um dos momentos do todo é reconhecido – a primeira imediatidade do objeto –, e disso resulta a própria subjetividade do Conceito; ela, doravante, nada mais é do que a unilateralidade do pensar frente ao conceito. Se a mediação é capaz de suprassumir os termos de acordo com a lógica que lhes é inerente, então o resultado da operação será justamente o Conceito da própria coisa, mas que agora é reconhecido como o resultado de uma segunda mediação, capaz de remediar a falta que existe no primeiro momento; o que é, justamente, para a subjetividade, uma adequação da realidade ao Conceito. Portanto, o momento da objetividade do Conceito nada mais é do que o reconhecimento de que a contradição entre o Real e o conceitual é pura aparência. Nas palavras do autor: “Dessa maneira, o processo extinguiu-se; na medida em que a contradição do conceito 27 e da realidade está igualada, os extremos do silogismo perderão a oposição, com isto, cessaram de ser extremos um frente ao outro e frente ao meio termo.” (HEGEL, 2018, pg. 207). Tanto na natureza dos objetos como no próprio conhecer o Conceito se mostra de acordo com a Lógica que lhe é inerente, mas muitas vezes aparece como sendo o contrário de si mesmo, justamente porque assumimos que um dos extremos, enquanto raciocinamos, é a verdade da coisa pensada; no entanto, se observarmos com mais cautela, também será possível perceber que a verdade que supomos estar em um extremo não poderia ser o que é se não fosse pela existência do outro extremo, de modo que o juízo que fazemos sobre o objeto acaba conduzindo a consciência a pensar no processo como um todo, pois apenas uma de suas partes é insuficiente para nos mostrar aquilo que queremos. Esse processo interior do Conceito se mostra como sendo exterior quando observamos a natureza, mas é possível reconstruí-lo e pensá-lo como um todo, como um Logos que constitui a essência das coisas. Para dar um exemplo mais tácito, basta pensarmos em um processo físico ou químico, e a partir dele tentar explicitar a essência de um elemento ou de uma lei física. Tal intento é impossível caso o pensamento não utilize nenhum exemplo que extrapole a própria natureza do objeto, pois ele está em relação e só na relação pode ser concebido; no entanto, a relação que um elemento estabelece com outro explicita sua própria natureza, já que ela não seria possível se não fosse pela afinidade química e por uma determinada tensão entre as moléculas. Esse silogismo mediador que ocorre na natureza apenas remonta a teleologia que já lhe pertence; uma objetividade capaz de ser concebida através de abstrações, de esquemas e, por fim, por um pensamento que ultrapasse a limitação do formalismo e construa uma teoria filosófica sobre o mundo, a vida e o espírito humano. O Conceito, então, é concebido pelo sujeito filosofante como algo que é em si e para si, de modo que as condições encontradas na natureza não sejam condicionantes para o Conceito, mas, antes, o Conceito é que condiciona sua exterioridade, uma vez que os objetos agem em função de uma essência predeterminada e apenas expressam aquilo que devem ser quando uma determinada condição solicita essa atividade; a consciência, por outro lado, possui uma natureza mais complexa e existe como uma mediação entre a subjetividade e a objetividade – aquilo que comumente se chama de exterior frente à vida psíquica –, tal como ocorre com o Conceito, que, por assim dizer, possui essa natureza “dupla”, que é tanto objetiva quanto subjetiva. Doravante, só é possível falar em duplicidade em um sentido representativo, posto que a natureza da 28 subjetividade se coaduna com a objetividade, do que decorre que elas se mostram como sendo partes de uma mesma natureza. O Conceito que agora é sabido como uma totalidade imanente se mostra como o incondicionado, pois ele é justamente o primeiro, a essência do ser aí objetivo; no entanto, o Conceito, primeiramente, era reconhecido como algo apenas formal e, por essa razão, ele parecia estar condicionado ao ser aí e aos fenômenos; agora, por outro lado, o conceito formal foi reconhecido como sendo um momento do Conceito, mas um momento em que o saber ainda está preso na unilateralidade e toma por critério da verdade aquilo que para o Conceito é apenas o inessencial. A concepção formal não consegue atingir uma noção clara sobre a teleologia do Conceito, justamente porque ela possui uma compreensão que se pauta sobre finalidades exteriores (indiferentes) e só sabe formar conceitos por um processo de abstração, que vai culminar em uma concepção universalizante apenas por generalização, tal como faz o empirismo; contudo, é preciso notar que esse modo de proceder não justifica suas asserções de uma maneira Lógica – a não ser que se entenda por lógica um conjunto de regras que determinam o procedimento da investigação empírica –; ele apenas é capaz de agrupar características semelhantes e classificar os objetos a partir disso. Uma vez exposto o caminho do pensar, desde suas apreensões mais imediatas até as mais desenvolvidas, o próprio desdobramento do Conceito se mostra, fazendo com que tudo retorne a si, donde ele passa a ser concebido como o fundamento da coisa, já que ele se mostra, para o sujeito, como sendo a expressão de todo o existente, do mesmo modo que também é a necessidade do desdobramento que provém dele, já que aquilo que está conectado a ele não pode ser concebido como um outro, muito embora possua em si mesmo diferenças características. Trata-se, portanto, de conceber aquilo que forma a união das partes com o todo, uma vez que a relação subsumida entre os elementos forma a passagem para um ponto de vista mais alto, que se encerra na teleologia. Por fim, mostramos como a objetividade do Conceito resulta da insuficiência da mera abstração que, por se manter fixa em um dos momentos do Conceito, não consegue conceber a contradição e a negação que são indispensáveis ao Conceito, justamente porque ele não é estático, mas puro movimento – capaz de expressar de uma maneira ímpar a natureza da autoconsciência. 29 5.3 A OBJETIVIDADE DO CONCEITO Nessa seção irei continuar a discussão da seção anterior, mas agora tratando a objetividade do Conceito de um modo mais pormenorizado, além de deixar claro como o processo lógico que envolve o conhecer é por si mesmo suficiente para que a objetividade se mostre. Se o exame do objeto contraria seu em si, o objeto se modifica frente a consciência que o considera, de modo que o ser para si do Conceito vai se adequando àquilo que é em si; o próprio movimento do pensar realiza essa atividade que se põe a condicionar o saber tendo em vista sua objetividade mesma, do que decorre que a unilateralidade vai se auto anulando na medida em que a relação estabelecida entre as partes denuncia sua inverdade. Dito de outro modo, a relação entre os lados do Conceito da coisa força o sujeito cognoscente a abandonar a unilateralidade e a inverdade, como se pode notar pela seguinte passagem: “Quando descobre portanto a consciência em seu objeto que o seu saber não lhe corresponde, tampouco o objeto se mantém firme. Quer dizer, a medida do exame se modifica quando o objeto, cujo padrão deveria ser, fica reprovado no exame.” (HEGEL, 1992, pg. 71). Essa auto anulação da unilateralidade do saber conduz a subjetividade a se adequar a objetividade, de modo que a necessidade do Conceito se torna presente e efetiva para a consciência que se apossa do seu conteúdo determinado; como se pode notar, portanto, a diferenciação entre aquilo que é pertencente ao sujeito e aquilo que pertence à coisa mesma vai deixando de ser em favor de uma unidade entre o subjetivo e o objetivo, e é a própria subjetividade, através da reflexão que lhe é inerente, que conduz esse processo. O sujeito cognoscente, ao se relacionar consigo mesmo em sua interioridade, coaduna os diversos momentos apreendidos da coisa em uma unidade conceitual, que é subjetiva e objetiva, visto que sua fonte é o Conceito da coisa; então, ao pensar, o sujeito adquire, em determinado momento, a certeza de que seu saber se faz mediante a coisa, muito embora necessite da atividade que provém da consciência, que, ao unir aspectos diversos e momentos do Conceito, vai percebendo a Coisa em profundidade, e isso é possível mediante aquilo que se mostra na própria aprendizagem, ou seja, a subjetividade é capaz de mostrar para si mesma a objetividade em um nível muito mais elevado e verdadeiro do que aquele contido na percepção – o que normalmente se chama de objetividade em sentido estrito. Vê-se, pois, o seguinte: “Como ao mesmo tempo o diverso é para ela, a consciência é um correlacionar dos diversos momentos do seu apreender.” (HEGEL. 1992, pg. 86). Posso, portanto, realizar vários tipos distintos de ligações com os momentos de meu saber e, devido a isso, fazer do diverso algo que é uno, o 30 que vai reconstituindo a verdade daquilo que aparece como separação absoluta, aliás, o pensar reconhece que só em unidade se concebe conceitos, e essa exigência o compele a unir aquilo que se encontra separado. Entretanto, não é no âmbito da objetividade que isso acontece, mas é na própria subjetividade que, ao contemplar a si mesma, contempla o objeto em sua verdade mais pura, uma vez que ela separou o inessencial da percepção sensível do essencial que se mostra pela atividade pensante; mas como aquilo que se mostra no subjetivo é a própria objetividade, o fundamento dela, então podemos concluir que essas duas instâncias possuem a mesma natureza, pois, se assim não fosse, então a conclusão do pensamento a respeito do objeto não poderia revelar o Conceito dele; ou, se o revelasse, esse conceito seria um conceito por aproximação, abstrato por assim dizer, e a efetividade mesma revelaria mais relações e lados do que aqueles que podem ser percebidos pelo ser pensante. Contudo, é bem o contrário que ocorre, posto que as relações percebidas pelos momentos coadunados na subjetividade superam em riqueza e em detalhes a imediatidade que se mostra no mundo empírico, sendo, inclusive, capaz de revelar seus fundamentos últimos, desde que o sujeito cognoscente possua genialidade o bastante para tanto. O âmbito abstrato e conceitual não é, como poderia se esperar, mais pobre do que a efetividade, mas muito mais rico, justamente porque o pensar expressa a Verdade mesma do efetivo: o âmbito do Conceito, que se desdobra em efetividade. Portanto, mostramos como a objetividade provém do próprio processo pensante e como a Verdade mesma do objeto só pode ser concebida como anterior em relação à efetividade, uma vez que esta última é o seu desdobramento necessário. Para tornar isso esquemático podemos tomar por exemplo as forças físicas em estado de potência, como a força potencial gravitacional, a força elástica e todas as outras do mesmo gênero. Todas elas são conceitos do entendimento enquanto são determinados e fixos segundo o processo de abstração e elas representam um desdobramento que irá ocorrer no mundo físico quando a força se torna ato, mas o ato não é a realidade primeira, uma vez que ele decorre da potência que lhe deu origem – seu fundamento e sua verdade são conceituais e só há movimento possível mediante a existência do Conceito, assim como só há realidade mediante a presença de conceitos determinados e do Conceito propriamente dito, que é a unidade ideal de todas as determinações possíveis, ou o Conceito adequado, que resulta na Ideia. 31 6. O CONCEITO E A MULTIPLICIDADE SENSÍVEL Esse capítulo compara o Conceito com a imediatidade da sensibilidade e se propõe a mostrar como ele se desenvolve, no interior da consciência, a partir daquilo que é vivido e pensado, mas, ao mesmo tempo, por possuir uma Lógica que lhe é inerente, também é primeiro em relação ao sujeito cognoscente, embora não seja reconhecido enquanto tal. 6.1 O CONCEITO COMO O FUNDAMENTO DO DEVIR Essa seção se propõe a mostrar como o Conceito é o fundamento do devir, de modo que tudo aquilo que deriva dele não é nada senão mediante sua atividade. Os momentos do Conceito se relacionam consigo a partir de sua interioridade, desdobrando- se em devir ao se colocarem como um outro de si mesmo. Essa contradição aparente, que surge na fenomenologia, encontra sua resolução na Lógica, já que ela toma as coisas sobre um ponto de vista universal, donde o fundamento inverte a ordem cronológica da aparição; o resultado, vem a ser, então, a manifestação do próprio originário, como consta na Ciência da Lógica: “O resultado do devir é, antes, o incondicionado e originário” (HEGEL, 2018, pg. 66). Se o Conceito costuma ser entendido como algo formal, isto é, como conceito determinado, isso se deve apenas a falha do entendimento separador, uma vez que ele julga ser contraditório as determinações que contém em si mesmas sua própria negação. A dialética, contudo, mostra a necessidade desse movimento. Ela bem poderia apontar como contraditória as pretensas verdades do entendimento, já que elas só se mantêm firmes enquanto não se desenvolvem, não passam para o seu contrário, que, aliás, lhes é inerente; esse ponto de vista faz-se ver como juízo, uma vez que ele exclui de si o termo médio, e, por sua vez, só pode obter uma conclusão que provém da própria premissa adotada. Não é por acaso, mas pela lógica do procedimento adotado, que o entendimento julga ser falso as determinações que não possuem uma base na multiplicidade sensível; como ele só pode conceber o âmbito finito, tem de tomar por pressuposto que tudo se assenta nele, donde julga como uma atividade vã a filosofia que pretenda superar as dicotomias que imperam em seu reino; dicotomias essas que, aliás, só existem mediante a atividade do Eu que as fixa, que separa o que se encontra imerso em um todo, para então asseverar algo mediante o formalismo de suas operações, sem se dar conta de 32 que o mundo que enuncia, ao contrário do que pretende, está muito longe de ser um critério da verdade, mas é, antes, o domínio subjetivo por excelência. A identidade do Conceito não se confunde com a identidade abstrata porque, diferentemente dela, o idêntico do conceito contém dentro de si a negação, e isso faz dele um universal que está para além do universal abstrato do entendimento; o aparecer do fenômeno é o devir do próprio Conceito, mas que não é conhecido em sua verdade pela consciência que o experiencia. Os termos mediados do fenômeno só obtém sua verdade e justificação em relação ao todo do qual participam – os organismos são um belo exemplo desse silogismo mediador que o Conceito contém –, de modo que eles não podem ser enquanto autônomos, isto é, coisas separadas. O incognoscível da coisa mesma é, doravante, a própria nulidade do entendimento, que se fixa em seres postos pela ordem em que elas aparecem na sensibilidade, sem se dar conta que a apreensão conceitual se dá em sentido inverso em relação a operação que é realizada por nós. O fundamento é o último a ser percebido, mas é justamente por ele e por meio dele que uma coisa é o que é; a determinação essencial conta, por fim, como aquilo que vem primeiro, embora apareça em um outro e seja percebida depois de um longo esforço. A subsistência dos termos isolados, como a sensibilidade os apresenta, tem por sua verdade o universal concreto – forma infinita que pervade as diferenças dos particulares. Esse movimento dialético faz com que o Conceito se determine como o universal, o particular e o singular, uma vez que a compreensão de um remonta àquilo que está contido dentro dos outros termos: “visto que cada um dos três momentos contém os outros, cada momento constitui o conceito inteiro” (HEGEL, 2018, pg. 9). Os conceitos determinados têm de dissolver-se em um universal concreto, capaz de os conter e os intuir, como se nota pela seguinte passagem: Na medida em que a vida, o Eu, o espírito finito, são certamente apenas conceitos determinados, sua dissolução absoluta está naquele universal que tem de ser apreendido como conceito verdadeiramente absoluto, como ideia do espírito infinito, cujo ser posto é a realidade infinita, transparente, onde ele intui sua criação e, dentro dela, a si mesmo (HEGEL, 2018, pg. 70). O universal e o particular se mostram, portanto, como sendo o mesmo, pois o oposto aparente do conceito provém dele próprio, é uma determinidade sua. Dentro do particular o universal está em si mesmo, em uma unidade imperturbada, cuja diversidade existe como momento, como algo posto pela liberdade do Conceito. A necessidade das determinações que existem no mundo 33 da vida apenas serve o fim interno pelo qual sua natureza se manifesta, de modo que o ato livre de se colocar em um outro não altera em nada a clareza do Conceito frente a si mesmo – ele não se torna um outro de si mesmo, apenas aparece desse modo. Bem se poderia objetar esse ponto com a asseveração tantas vezes repetida de que a multiplicidade dos particulares não se deixa abarcar em uma unidade; aqui, o entendimento fixa o universal determinado em um ente que toma por exemplo, mas esquece, todavia, que ele está dissolvido em uma universalidade mais alta, o verdadeiramente universal que o contém e o subsume. A apreciação finita dos entes ligadas ao âmbito fenomênico conduz o pensamento a tais concepções, por julgar ser deverás claro a incompatibilidade do diverso no uno; quando, no entanto, a diferença é vista enquanto um momento ou particularidade da universalidade, ela desaparece como conclusão e recai na inverdade da finitude. Assim o Conceito, enquanto é o pensamento livre, se diferencia de si mesmo sem perder a autonomia, pois aquilo que é posto recai na unidade da qual partiu: “O universal pervade seu oposto, e dentro dele está junto a si mesmo” (HEGEL, 2018, pg. 72). Uma vez que o ser posto está em unidade com o Conceito, a tarefa de apercepção da consciência deve realizar um movimento fenomênico de apreensão, que começa na ordem dos entes múltiplos para então se desdobrar em sua verdade. Trata-se, portanto, de um reconhecimento por parte do Eu, que recolhe em si aquilo que já é em si e para si; dito de outro modo, a consciência reconhece a si mesma na multiplicidade do devir, mas só toma a verdade do fenômeno quando liga o múltiplo a unidade da qual partiu – os momentos do conceito são, por fim, reconhecidos em razão de sua auto relação. Portanto, mostramos como o devir é resultado de uma unidade conceitual, que é primeira em relação ao fenômeno, muito embora pareça ser secundária, já que o entendimento separador julga que o Conceito é derivado de uma operação sintética, que é subjetiva e representativa; a visão especulativa, por outro lado, não adota essa concepção, sendo, antes, o inverso dela, assim como se pode notar pelos argumentos expostos ao longo dessa seção. 34 7. O DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO A PARTIR DE SUAS FORMAS MAIS IMEDIATAS Esse capítulo procurará mostrar como as formas Lógicas exigem por si mesmas sua superação, de modo que o ulterior desenvolvimento do Conceito só revele aquilo que já estava contido nele, pois a verdade das formas mais imediatas se resolve em seu universal concreto, que de início aparece como universalidade abstrata. 7.1 O JUÍZO Essa seção procurará mostrar como o juízo se desenvolve a partir de si mesmo, superando suas deficiências ao passar para formas mais desenvolvidas, de modo que o anterior esteja contido no posterior, capaz de o intuir em uma forma mais plena. Inicialmente, temos o juízo do ser-aí, que é a forma mais simples de predicação sobre um objeto. Essa modalidade de juízo enuncia uma característica sensível de um ser singular, que, como tal, está sujeita a mudança; soma-se a isso o fato de que as qualidades do ser não podem ser determinadas infinitamente, pois mesmo que se proceda desse modo, a definição caí no outro de si mesma, onde nenhuma delas corresponde ao efetivo da coisa. Temos, portanto, uma sucessão acidental de determinações exteriores, onde os momentos da apreensão conceitual valem como qualidades isoladas – não há nenhum tipo de termo médio, apenas um sujeito e um objeto ligados pela cópula é, o que redunda em uma enunciação formal e superficial: “a dialética do juízo do ser-aí mostra que o singular não pode ser determinado exaustivamente em suas qualidades. Exige-se, portanto, a passagem para um tipo ulterior de juízo capaz de remediar a falta do juízo do ser-aí” (HEGEL, 2018, pg. 12). Como essa forma de juízo representa um pensar abstrato sobre a coisa conhecida, ela precisa se desenvolver, segundo a Lógica que lhe é inerente, até o ponto em que as determinações conceituais se tornem mais concretas e sejam capazes de exibir a diferença como momento do próprio Conceito. Considerando-se o juízo, isoladamente, a proposta dessa tese não parece se justificar, justamente porque, em sua imediatez, o pensar ainda se atém em um momento que é próprio da unilateralidade. É justamente a união entre diferentes pontos de vista que pode superar a dicotomia existente entre sujeito e objeto, já que em um momento inicial ela se mantém firme e parece verdadeira; no entanto, a necessidade que as formas lógicas impõem ao 35 sujeito pensante e que requerem uma superação em razão de sua insuficiência, mostra desde já que elas não são adequadas ao Conceito. O Pensar revela o próprio Conceito da coisa ao desdobrar e desenvolver as formas lógicas, que exigem sua própria superação, até que se desenvolvam até a sua forma última, que é a Ideia absoluta e a verdade que a tudo contém. Essa etapa do pensamento exige uma superação devido a finitude da esfera em que se encontra; afinal, enunciar qualidades sensíveis possui muito pouco valor epistêmico. O próximo tipo de juízo a ser elencado será o juízo da reflexão; este, por sua vez, exprime uma identidade em um sentido diverso daquela que ocorre no âmbito do ser-aí. Trata-se de uma enunciação sobre disposições, como, por exemplo: o objeto A é útil para realizar determinada função por possuir certas características. Nota-se, então, uma presença da experiência no raciocínio, e não mais uma simples asseveração de características sensíveis. Se um médico julga que determinado medicamento faz bem para certa enfermidade por possuir certas características, ele realiza um juízo de reflexão. Esse julgamento se aparta do âmbito sensível e é próprio da arte e da experiência. O juízo de reflexão dá exemplos de qualidades refletidas, isto é, que não se deixam perceber imediatamente, como ocorre no caso do juízo do ser-aí: “essa fruta é vermelha” – nesse caso, a vermelhidão é idêntica a fruta em questão, mas ela não é necessária; ela lhe pertence em determinado momento, não é algo intrínseco ao objeto. A qualidade da cor, portanto, não exprime nenhum tipo de necessidade e não explica o porquê de algo ser desse ou doutro modo. O juízo de reflexão decorre do desenvolvimento que a apreensão realiza, de modo que ele contém, em si mesmo, um momento essencial do Conceito da coisa; mas essa essencialidade não está ainda desenvolvida em sua forma mais própria, pois as qualidades aferidas do objeto decorrem de uma correlação com outro, por exemplo: se uma planta é curativa em relação a determinada enfermidade, isso não designa uma característica inerente do Conceito em relação a si mesmo, posto que ela decorre de uma relação que se dá exteriormente. A forma absoluta não está desenvolvida em seu elemento próprio. O próximo tipo de juízo se dá na forma do juízo universal, que é mais desenvolvido que o anterior, não obstante sofra de uma carência intransponível que ocorre no âmbito empírico; ele, devido ao modo de inquirição adotado pelo sujeito, recai na multiplicidade sensível, não podendo ser aquilo que o Conceito exige em relação ao pensar objetivo. Logo, vê-se que: “A todidade empírica permanece, por isso, uma tarefa, um dever ser, o qual, assim, não pode ser apresentado como ser”. (HEGEL, 2018, pg. 117). De acordo com o autor (HEGEL, 2018), 36 pode-se inferir que: muito embora esse dever ser se mantenha como algo firme para o sujeito nessa etapa, o movimento do juízo transpõe essa verdade que está em si, posteriormente, em algo que é também para si, ou seja, ela é conhecida em seu elemento próprio e, dessa forma, a reflexão não incide mais no lado de fora da coisa conhecida e a universalidade deixa de ser um produto morto, algo que é conhecido segundo uma relação formal, para tornar-se verdadeira objetividade. O que distingue essa etapa da anterior é justamente o maior grau de determinação que o pensar adquire em relação a coisa, posto que agora ele se refere ao elemento universal objetivo da relação, ao invés de se referir a algo multíplice. Em seguida temos o juízo da necessidade, que reflete o modo pelo qual as características do objeto pensado são conhecidas pelo sujeito. Como o próprio nome nos indica, elas decorrem necessariamente da coisa; todavia, as propriedades enunciadas carecem de complexidade, posto que elas se referem, simplesmente, a um pertencimento. Como se pode notar pelo exposto, o movimento realizado pelo juízo consiste em tornar cada vez mais determinado a exibição do Conceito frente ao sujeito, de modo que suas figuras vão superando suas insuficiências mediante as exigências que o pensar coloca para si mesmo. Seja no juízo, no silogismo ou em qualquer outra forma intermediária, que antecede o absoluto, o pensar se mostra como o desenvolvimento de si mesmo, de modo que o momento posterior sempre contém em si mesmo o anterior, que é por ele suprassumido e compreendido em uma forma mais alta; por isso, para a Lógica não se faz necessário um outro, visto que a consciência supera sua imediatez através de si mesma à medida que percebe a insuficiência e a unilateralidade dos momentos considerados; a dificuldade, certamente, torna-se maior à medida em que o pensamento tem de considerar mais relações e mais diferenças, que se dividem em diferença interna e externa. O entendimento leva em conta o momento da diferença, mas ele o faz de maneira deficiente porque considera os termos valendo-se da lógica matemática, que realiza uniões externas entre aquilo que é conhecido; o pensar especulativo une de uma maneira mais completa porque é capaz de entender a diferença em um nível mais profundo, que abandona a autossubsistência dos termos isolados, expressando a união interna – a única verdadeira. Por fim, temos o juízo do conceito, que avalia até que ponto um objeto singular corresponde ao seu Conceito, ou seja, resulta de uma valoração do objeto. Vê-se, portanto, que o valor, embora possa ser subjetivo, não decorre de uma coleção empírica de fatos, mas os subsume em uma unidade pensada, julgando-os segundo critérios que não pertencem a simples classes ou 37 gêneros de coisas, mas segundo o próprio movimento reflexivo. O pensamento, agora, abandona a estrita necessidade do âmbito empírico e se coloca frente a frente com seu objeto, que não é nada mais do que sua própria subjetividade. Quando o sujeito se pronuncia sobre algo impingindo um valor a coisa, sua subjetividade se mistura com a aparência de subsistência que os elementos possuíam até então; se algo é belo, por exemplo, ele certamente o será devido às suas qualidades objetivas, mas também é belo devido à influência particular que ele causa sobre o sujeito, sem a qual ele não poderia ser, uma vez que, sem isso, ele jamais seria reconhecido. O absoluto da forma que está presente como algo apenas em si para a consciência, passa a ser, ao menos parcialmente, reconhecido como uma junção de características, que são tanto objetivas quanto subjetivas. Certamente se poderá objetar contra esse ponto com a asseveração que proclama que a diversidade sem conceito, tanto das opiniões como a que é encontrada na própria natureza, não é capaz de constituir o cerne de um pensar objetivo, e que ele certamente diferirá da mera subjetividade. Tal pressuposto se funda, majoritariamente, no preconceito difundido de que o pensar se resume a uma atividade formal, algo que, devido às suas próprias características, não consegue subsumir o mundo objetivo em uma unidade que seja tanto plural como estática, tanto subjetiva quanto objetiva. Isso só indica que as categorias da subjetividade e da objetividade não foram apreendidas em seu elemento próprio, mas estão sendo representadas pelo sujeito: apenas a representação não suporta o movimento, enquanto o pensar é plenamente capaz de se mover dentro dele; aliás, esse movimento não pode ser algo diferente do pensamento, mas é, antes, ele próprio, como se haverá de notar. Esse movimento do pensar já inicia uma volta sobre si mesmo (não em um sentido negativo, de introspecção), de modo que os objetos pensados passam a ser reconhecidos como parte integrante da consciência que os pensa, já que ela, enquanto realiza o desdobramento das particularidades de um objeto, desvela para si mesma aquilo que estava, até então, em si: Mas a natureza do objeto que investigamos ultrapassa essa separação ou essa aparência de separação e de pressuposição. A consciência fornece, em si mesma, sua própria medida; motivo pelo qual a investigação se toma uma comparação de si consigo mesma, já que a distinção que acaba de ser feita incide na consciência. (HEGEL, 1992, pg. 69). 38 O juízo do conceito, desse modo, anuncia sua própria superação, que se dá no silogismo; ele se reveste das formas aferidas até então, mas as compreende de maneira coparticipativa, ou seja, entende que os termos possuem seu valor e sua verdade somente em função do todo sistêmico ao qual participam. Não é por acaso que os diferentes tipos de silogismo decorrem de um movimento que recebe seu prenúncio no ajuizar; o silogismo da indução, por exemplo, pertence à classe do silogismo da reflexão justamente por ser o desenvolvimento dos juízos de reflexão. Primeiramente se percebe que um singular qualquer possui uma qualidade inerente e, após estender o processo e conectá-lo com semelhantes, forma-se uma conclusão. De modo esquemático, essa e outras operações do pensar constituem o movimento sistêmico (capaz de compreender a coparticipação dos termos) que a autoconsciência realiza sobre si mesma ao desdobrar-se sobre o conteúdo da totalidade. Portanto, fica exposto como as figuras do juízo de desenvolvem a partir das exigências que a razão faz para si mesma, uma vez que a insuficiência de um estágio vai sendo superado pelo posterior, que, no entanto, não abandona as características do anterior, mas o contém e o subsume. 7.2 O SILOGISMO COMO DESENVOLVIMENTO DO JUÍZO Essa seção se propõe a expor o modo pelo qual o silogismo decorre do desenvolvimento do próprio juízo, de modo que o pensar lógico seja compreendido como um todo e como uma constante superação de si mesmo, o que também nos mostrará como a atividade subjetiva desvela, a partir de sua atividade, a objetividade do conceito, posto que o ser da coisa se mostra pelo pensar. O silogismo também possui figuras e auto diferenciações porque o meio termo que medeia as premissas não começa como sendo o universal em si e para si, isto é, ele pode subsumir os extremos através de sua exterioridade. O movimento do silogismo é, portanto, o movimento do pensamento lógico que vai coadunando determinações e se enriquecendo a partir delas. A primeira figura do silogismo é, portanto, algo subjetivo, uma vez que a verdade dos termos mediados incidem sobre uma outra coisa, que é, ainda, aparentemente diversa deles – silogismo do ser aí –; isso significa, precisamente, que o todo das relações lógicas não se fez notar como a verdade da consciência, que pensa segundo determinações do Conceito que estão cindidas de seu elemento próprio. – Certamente, o sujeito ainda não adquiriu consciência sobre o verdadeiro 39 significado das mediações, que aparecem como sendo um outro, uma mera produção ou capricho subjetivo. Como consequência, temos o seguinte: o problema da primeira figura do silogismo consiste justamente no fato de que as determinações da forma não acompanham as determinações da coisa, ou seja, elas são ricas enquanto elementos estruturais, mas pobres e unilaterais em seu significado; trata-se, portanto, de um formalismo exacerbado que medeia os termos de uma relação segundo uma qualidade necessária, mas que compreende a ligação de um modo inessencial. Nesse ponto, o pensar é pensar do entendimento e a ligação se faz de modo puramente externo. Imediatamente poder-se-ia pensar que algo é conhecido em sua essencialidade quando o meio termo mediador dos extremos, em um silogismo, possui a necessidade requerida pelo Conceito determinado da coisa; todavia, a verdadeira compreensão exige que o todo da relação seja concebido como conexão necessária entre suas partes constituintes, o que não acontece no silogismo formal. As partes de um todo, as premissas, aparecem como sendo termos auto subsistentes que adquirem verdade ao desembocar em uma conclusão; mas a conclusão já pertencia a elas imediatamente. Ou seja, o meio termo ainda não subsumiu a universalidade em seu elemento objetivo, mas se atém ao abstrato da forma e, embora contenha a verdade do Conceito em alguns de seus elementos, não consegue exprimi-lo em sua completude. Segue-se disso que a conclusão aferida do objeto é completamente arbitrária, caso se queira tomá-la como um absoluto, uma vez que a diferença essencial do Conceito ainda não está presente. A transição constante de conclusões em conclusões mostra a transitoriedade do silogismo do ser-aí, já que, como ele é em si múltiplo segundo o aparecimento, torna-se contingente o que se seguirá dele. Esse equívoco do pensamento é, provavelmente, o mais comum, posto que o sujeito do conhecimento possui a tendência natural para aferir universais a partir de particularidades imediatas, que, doravante, vão se subsumindo em um universal mais concreto à medida em que o sujeito percebe que o aparecimento (fenômeno) não constitui o âmbito da Verdade. É preciso, portanto, haver uma reunião de determinações do objeto subsumidas em um único elemento simples, que é sua unidade e sua Verdade, para que se possa compreender a natureza do Conceito. Esse simples do Conceito não se confunde com a simplicidade abstrata, na qual as determinações da coisa se encontram excluídas; tal elemento simples deve deixar entrever a multiplicidade que há nele e, por essa razão, ele pressupõe um conhecimento anteriormente adquirido por parte do sujeito para que possa ser reconhecido enquanto aquilo que ele é. Desse 40 modo, é possível notar, desde já, que o elemento abstrato da universalidade só adquire essa denominação pelo modo que ele é conhecido; de outra forma ele poderia, certamente, ser denominado como um universal concreto, posto que essa determinação existe dentro dele, não obstante ela se encontre velada – ela não é a determinação da forma enquanto algo posto, mas é enquanto algo imediato. Portanto, independentemente de qual das três figuras do silogismo do ser aí se tome como exemplo, todas elas carecem do mesmo problema fundamental, vide o exposto no parágrafo anterior. No silogismo da reflexão o movimento dialético inerente as determinações do conceito – singularidade, particularidade e universalidade – tendem a suprassumir a imediatez da forma; contudo, não o fazem de modo completo. O silogismo da todidade alcança o limite formal e anuncia sua superação, que se dá no silogismo da indução. A passagem de um para outro pode ser vista claramente quando se pensa sobre o processo indutivo, posto que o silogismo da todidade anuncia um todo, mas o faz sem recorrer à experiência, de modo que sua conclusão se reduz a um pressuposto, ou seja, ela já está posta na premissa maior; o silogismo indutivo, por sua vez, possui a mesma forma que o silogismo da todidade, mas o pressuposto que ele admite possui um grau menor que a forma precedente, já que ele está respaldado na experiência. Digo que o pressuposto possui um grau menor pelo fato de que a indução supõe uma repetição que não pode ser verificada, donde se segue que a conclusão não é necessária; isso, no entanto, já é muito diverso do que a asseveração analítica e formal presente no silogismo da todidade, uma vez que ele não pressupõe experiência alguma e a possível verdade da conclusão recaí unicamente em algo que já estava presente na premissa maior, isto é, a conclusão será verdadeira se, e unicamente se, a premissa maior for verdadeira. Disso decorre que: “Portanto, a indução não é silogismo da mera percepção ou do ser aí contingente, como a segunda figura correspondente a ele, mas silogismo da experiência” (HEGEL, 2018, pg. 164). O que é enunciado está além das qualidades contingentes do ser e se constitui como algo que não pode ser percebido imediatamente pelo observador, ao menos que se suponha um conhecimento anteriormente adquirido. A última forma do silogismo se mostra no silogismo da necessidade, como desenvolvimento necessário das anteriores. O silogismo da necessidade se divide em três formas, a saber: silogismo categórico, silogismo hipotético e silogismo disjuntivo (as diferenciações pertencentes a eles seguem o mesmo critério utilizado no juízo em sua figura correspondente, 41 com a diferença de que ele – o juízo – progrediu, através de suas próprias determinações, até a forma do silogismo); nesse último – no silogismo disjuntivo – , o silogismo da necessidade alcança sua figura dominante, colocando a universalidade como meio termo. O Conceito se encontra completamente determinado, mas sua determinação se dá de modo necessário e através de uma reunião de propriedades da