Lourenço Chacon Jurado Filho INSTABILIDADES DA LINGUAGEM: DISCURSO, LÍNGUA E SUAS RELAÇÕES Marília 2017 Lourenço Chacon Jurado Filho Instabilidades da linguagem: discurso, língua e suas relações Texto apresentado como parte dos requisitos para a obtenção do título de livre-docente em Linguística em Fonoaudiologia, junto à Faculdade de Filosofia e Ciências “Júlio de Mesquita Filho” UNESP – Campus de Marília. Disciplina: Linguística Geral. Marília 2017 Chacon, Lourenço. C431i Instabilidades da linguagem : discurso, língua e suas relações / Lourenço Chacon Jurado Filho. – Marília, 2017. 185 f. : il. ; 30 cm. Tese (Livre-Docência - Lingüística em Fonoaudiologia) - Universidade Estadual Paulista (Unesp), Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília, 2017. Bibliografia: f. 175-185. 1. Lingüística. 2. Fala. 3. Hesitação. 4. Parkinson, Doença de. 5. Crianças – Linguagem. 6. Ortografia. 7. Percepção da fala. 8. Fonoaudiologia. I. Título. CDD 410 Lourenço Chacon Jurado Filho Instabilidades da linguagem: discurso, língua e suas relações Texto apresentado como parte dos requisitos para a obtenção do título de livre-docente em Linguística em Fonoaudiologia, junto à Faculdade de Filosofia e Ciências “Júlio de Mesquita Filho” UNESP – Campus de Marília. Disciplina: Linguística Geral. BANCA EXAMINADORA Profª Drª Célia Maria Giacheti – Universidade Estadual Paulista – UNESP – Marília/SP Profª Drª Leda Verdiani Tfouni – Universidade de São Paulo – USP – Ribeirão Preto/SP Profª Drª Raquel Salek Fiad – Universidade de Campinas – UNICAMP – Campinas/SP Profª Drª Rosana do Carmo Novaes Pinto – Universidade de Campinas – UNICAMP – Campinas/SP Profª Drª Simone Aparecida Capellini – Universidade Estadual Paulista – UNESP – Marília/SP Profª Drª Ester Mirian Scarpa – Universidade de Campinas – UNICAMP – Campinas/SP (suplente) Prof. Dr. Roberto Gomes Camacho – Universidade Estadual Paulista – UNESP – São José do Rio Preto/SP (suplente) Marília 2017 Agradecimentos Os agradecimentos que faço aqui mostram uma pequena parte (talvez aquela que se apresente para mim como mais acessível) do inacessível das diferentes presenças na trajetória de reflexão descrita e desenvolvida no presente texto. Mas antes dos agradecimentos a essas presenças, pelas diferentes e inestimáveis formas de apoio que recebi para o desenvolvimento de todo o processo de livre- docência, agradeço, primeiramente no plano pessoal, a: Sonia Maria Martins Guirado, Aparecida Tereza Dias, Mariana de Almeida Lourenço, Sandra Regina Bossa, Luiz Eduardo Galvani, Emerson Calora Perossi, Manoel Luiz Gonçalves Corrêa, Larissa Cristina Berti, Larissa Maria Felipe, Carlos Aurélio Sobrinho, Gabriela de Oliveira Codinhoto, Diego Jesus Rosa Codinhoto e Anahi Rocha Silva. No plano profissional e pessoal, agradeço aos colegas servidores técnico-administrativos que, durante o período em que estavam em greve, mesmo assim, tudo fizeram para que as diferentes exigências de meu processo fossem cumpridas (e no prazo!): Ana Lúcia Bincoletto, Ana Paula Rodrigues, Aparecida de Moraes Sgorlon Trinca, Denise Gomes Martins, Eder Ludovico de Matos, Elizangela da Silva Ribeiro, Renato Geraldi, Rosemar Rosa de Carvalho Brena, Sérgio Adriano Giroto Marques, Sueli Esteves Quiquinato, Tatiana Cristina Amorim Zanini Fonseca, Tatiana Cristina Segatto, Telma Jaqueline Dias Silveira e Tiago Siqueira de Oliveira. Ainda no plano profissional e pessoal, agradeço, pelo apoio administrativo e pelo grande incentivo pessoal, meus colegas docentes do Departamento de Fonoaudiologia: Célia Maria Giacheti, Edson Luis Maistro, Eliana Maria Gradim Fabron, Luciana Pinato, Roberta Gonçalves da Silva, Sandra Regina Gimeniz Paschoal, Simone Aparecida Capellini e Vitor Engrácia Valenti. Agradeço, por fim, todo apoio logístico e pessoal (muito frequentemente regado a sessões de cafezinhos, bolachas, pães e geleias) que recebi de minhas queridas orientandas Isabela de Oliveira Pezarini, Larissa Aparecida Paschoal e Suellen Vaz de Souza. Feitos esses agradecimentos iniciais, passo a listar pessoas que, lado a lado com as fabulosas figuras que forneceram os alicerces principais das reflexões que aqui exporei – Authier-Revuz, Pêcheux e Tfouni –, compõem interlocuções fundamentais (mais-recentemente presentes ou sempre-já presentes) do desenvolvimento de minha trajetória: Ana Paula Nobre da Cunha, Ana Ruth Moresco Miranda, Cristiane Carneiro Capristano, Clélia Cândida de Abreu Spinardi Jubran (in memoriam), Elaine Cristina de Oliveira, Fabiana Cristina Komesu, Juliana Longo Bonatto de Freitas, Julyana Chaves Nascimento, Larissa Cristina Berti, Leda Verdiani Tfouni, Luciana Lessa Rodrigues, Luciani Ester Tenani, Manoel Luiz Gonçalves Corrêa, Maria Cláudia Camargo de Freitas, Maria Helena Mira Mateus, Maria João dos Reis de Freitas, Raquel Salek Fiad, Roberta Cristina Rodrigues Vieira, Rosana do Carmo Novaes Pinto e Sanderléia Roberta Longhin. Passo, a seguir, aos agradecimentos a todos os orientandos que tive até o presente momento – direta ou indiretamente presentes/mostrados neste texto de relato de minha trajetória de investigação. Listo-os na sequência temporal em que a interlocução com cada um deles se instituiu: Elaine Cristina de Oliveira, Julyana Chaves Nascimento, Camila Ribas Delecrode, Claudia Rossi Ferreira, Cristiane de Araujo, Renata Cano Ferreira Freitas, Caroline da Silva Barrozo, Eloá Francisco Drobina, Maria Cláudia Camargo de Freitas, Renata Pelloso Gelamo, Juliana de Souza Moraes Mori, Lilian Fátima Zaniboni, Luciana Lessa Rodrigues, Cristiane Carneiro Capristano, Cristiane Regina Xavier Fonseca, Alessandra Carla Comar, Melodi Witt, Ísis Fernanda Vicente de Paula, Leni Sayuri Mizuta, Cláudia Mileide de Lima, Carlos Eduardo Borges Dias, Fernanda de Oliveira Costa, Manuela Beneti, Thaís Firmo Carvalho, Márcia Pereira Serra, Roberta Cristina Rodrigues Vieira, Daniele Maciel da Silva, Luana de Lima, Micheliny Cruz Reis, Maria Rosirene de Lima Pereira, Simone Sperança, Fernanda Domenegheti, Maira Camillo, Natália Faloni Coelho, Aline Simão do Amaral, Amanda Burgemeister, Monique Herrera Cardoso, Ymorian Vilela Zwarg, Juliana Longo Bonatto de Freitas, Karina Geraldo Baptista, Cristyane de Camargo Sampaio Villega, Milena Fraga, Suellen Vaz de Souza, Cristina Gonçalves de Melo, Jéssica Santos Cardoso Zaniboni, Tamires Soares Moreira, Thaís Rosa dos Santos, Akisnelen de Oliveira Torquette, Ana Cândida Schier Martins Lopes, Bianca de Carvalho Coelho, Isabela de Oliveira Pezarini, Larissa Aparecida Paschoal, Tamires de Andrade, Aparecido José Couto Soares e Aline Suelen Santos. Mas antes desses meus orientandos, houve os primeiros alunos meus, do curso de Fonoaudiologia da UNESP, que se interessaram pelos estudos linguísticos sobre a linguagem antes mesmo que eu pudesse ter, formalmente, orientandos. Até hoje permanece, com a maioria desses meus ex-alunos (que, na prática, considero também como orientandos), uma forte interlocução. Com eles, fiz muitas e produtivas leituras sobre teorias linguísticas. Com eles, também, passei a ter meus primeiros contatos com as questões de linguagem que circulam no campo da Fonoaudiologia – sobretudo as de natureza clínica. O interesse desses meus ex-alunos pelos estudos linguísticos motivou- me, muito fortemente, a querer abordar essas questões (não só pelo seu potencial científico, mas, principalmente, pela paixão que me despertaram) e a buscar interpretações linguístico-discursivas para elas. Agradeço, então, e muito!, a esses meus ex-alunos, listados também na sequência com que a interlocução com cada um se instituiu: Alessandra Carla Comar, Luciana Cláudia Leite Flosi, Alessandra Aparecida Nunes, Cristina Ide Fujinaga, Larissa Cristina Berti, Carla Alessandra Scaranello Domingues, Ana Paula Duca, Cristiane Marangon, Danielle Peres Toigo, Elisabete Giusti e Soraia Andrade de Lima. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – PCN, tópicos 1-7: grau de duração das pausas iniciais ................................ 29 Tabela 2 – PCN, tópicos 1-7: grau de duração das pausas internas .............................. 30 Tabela 3 – PJP, tópicos 1-15: grau de duração das pausas iniciais ............................... 30 Tabela 4 – PJP, tópicos 1-15: grau de duração das pausas internas .............................. 30 Tabela 5 – PCN, tópicos 1-7: distribuição das pausas não-preenchidas, preenchidas e mistas e sua duração média ............................................................................................ 31 Tabela 6 – PJP, tópicos 1-15: distribuição das pausas não-preenchidas, preenchidas e mistas e sua duração média ............................................................................................ 31 Tabela 7 – PCN, tópico 2: grau de duração das pausas iniciais .................................... 32 Tabela 8 – PCN, tópico 5: grau de duração das pausas iniciais .................................... 32 Tabela 9 – PCN, tópico 2: grau de duração das pausas internas ................................... 32 Tabela 10 – PCN, tópico 5: grau de duração das pausas internas ................................. 33 Tabela 11 – PJP, tópico 5: grau de duração das pausas iniciais .................................... 33 Tabela 12 – PJP, tópico 7: grau de duração das pausas iniciais .................................... 33 Tabela 13 – PJP, tópico 5: grau de duração das pausas internas ................................... 33 Tabela 14 – PJP, tópico 7: grau de duração das pausas internas ................................... 33 Tabela 15 – Distribuição e percentual das marcas de hesitação. ................................... 99 Tabela 16 – Distribuição e quantidade dos pontos de hesitação ................................... 99 Tabela 17 – Distribuição numérica e percentual das marcas simples e das marcas combinadas .................................................................................................................... 100 Tabela 18 –Acurácia perceptual-auditiva e ortográfica ................................................ 117 Tabela 19 – Percepção-auditiva de contrastes entre as soantes nas crianças do 1° ano.................................................................................................................................123 Tabela 20 – Ortografia de contrastes entre as soantes nas crianças do 1° ano ............. 123 Tabela 21 – Percepção-auditiva de contrastes entre as soantes nas crianças do 2° ano.................................................................................................................................124 Tabela 22 – Ortografia de contrastes entre as soantes nas crianças do 2° ano ............. 124 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Percentual de acertos no 1° ano ................................................................. 117 Gráfico 2 – Percentual de erros no 1° ano ................................................................... 118 Gráfico 3 – Percentual de não-respostas no 1° ano ..................................................... 118 Gráfico 4 – Percentual de respostas não-interpretáveis no 1º ano ................................ 119 Gráfico 5 – Percentual de acertos no 2° ano ................................................................. 120 Gráfico 6 – Percentual de erros no 2° ano .................................................................... 120 Gráfico 7 – Percentual de não-respostas no 2° ano ...................................................... 121 Gráfico 8 – Percentual de respostas não-interpretáveis no 2º ano ................................ 121 Gráfico 9 – Erros de percepção-auditiva de acordo com as subclasses no 1° ano.................................................................................................................................125 Gráfico 10 – Erros de ortografia de acordo com as subclasses no 1° ano .................... 125 Gráfico 11 – Erros de percepção-auditiva de acordo com as subclasses no 2° ano.................................................................................................................................126 Gráfico 12 – Erros de ortografia de acordo com as subclasses no 2° ano .................... 126 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Pares contrastivos de soantes ...................................................................... 113 SUMÁRIO A título de introdução ................................................................................................... 11 O primeiro momento: a instabilidade do não-apropriado das pausas .......................... 16 O segundo momento: a instabilidade das hesitações .................................................... 56 O terceiro momento: a instabilidade da língua ............................................................. 95 Palavras finais: de onde o instável e o que dizer de suas relações com o estável? ...... 152 Passos futuros ............................................................................................................... 166 Referências bibliográficas ........................................................................................... 168 11 A título de introdução Venho de uma formação em linguística voltada (do início da graduação ao término do doutorado) ao que se pode considerar como o estável da linguagem. Durante a graduação, era o pensamento formalista/racionalista de Chomsky sobre a competência linguística que me encantava – de início, acerca de seu componente sintático; mais ao final, acerca do fonológico. No mestrado, vivi um deslocamento do foco de interesse do estável da linguagem: encantei-me pelas regularidades discursivas e, àquela época, releguei a planos de interesse secundário as regularidades formais. No doutorado, na busca de entender como o ritmo – enquanto característica fundamental (já que organizadora) da linguagem – se mostrava na enunciação escrita, cheguei a uma conciliação entre esses dois estatutos diferentes do estável da linguagem: o formal e o discursivo. É que passei a ver as regularidades formais (com destaque às fonológicas de natureza prosódica) sobretudo como marcas linguísticas de regularidades discursivas nesse tipo de enunciação. Porém, com o término do doutorado, em 1996, outros aspectos da linguagem passaram a ocupar o primeiro plano de minha curiosidade e de meu interesse de investigação. Na prática, já vinha me deparando com eles desde 1991, quando passei a integrar o corpo docente do curso de Fonoaudiologia da FFC/UNESP, embora não me fosse possível enfrentá-los em razão de meu doutorado, ainda em desenvolvimento. Tratava-se daqueles aspectos considerados como dificuldades, desvios, problemas ou distúrbios de linguagem. A partir de 1996, já tendo concluído o doutorado, passei a estabelecer, com algum sucesso, diálogos, pontos de contato e – também – pontos de confronto entre o modo como a ciência linguística observa e constrói explicações para o fenômeno linguístico (independentemente de se desenvolver em contextos considerados 12 como de normalidade ou de patologia) e o modo como as ciências biomédicas tendem a recortar e a dar explicações para esse mesmo fenômeno (sobretudo em contextos tidos como patológicos). Voltei-me, então, para o que é considerado como irregular, alterado, não-adequado, não-padrão na linguagem, ou seja, para aquilo que nela evoca o instável. Não que o instável seja desconsiderado nos estudos linguísticos; ao contrário, desde sempre, nesses estudos, ele se mostra como um incômodo, que pode/deve ser descartado ou submetido a filtros (como nos estudos gerativistas), atribuído à variação e/ou à subjetividade, ou ainda, mais recentemente, a zonas opacas do próprio sistema linguístico. Contrariamente, porém, a uma visão do instável como algo não-apropriado, ou a uma visão dele como o incômodo da regularidade, passei estes últimos 20 anos de minha trajetória de investigação tentando mostrar como ele é constitutivo da linguagem em todos os seus aspectos: “(...) [na] linguagem em ato, (...) [na] linguagem em estado nascente, [na] linguagem em dissolução.” (JAKOBSON, 1975, p. 34). Essa trajetória, porém, não foi linear, como mostrarei a seguir. Com efeito, lidar com o instável foi (e têm sido) lidar preferencialmente com o insólito e, sobretudo, com os sucessivos e necessários deslocamentos para melhor compreender seu estatuto na linguagem. Como se verá, esses deslocamentos, além de uma dose de acaso, resultaram de análises de dados de pesquisas, de injunções profissionais, ou mesmo de percalços, cujos efeitos se materializaram em descobertas (e redescobertas) de objetos de investigação, mudanças de objetos e/ou de concepção teórico-metodológica de investigação, mudanças de grupos de sujeitos, dentre outras. Mas eles foram (e têm sido) constitutivos da trajetória que empreendi. Na sistematização crítica que faço dessa trajetória, separo em três momentos a descrição de suas condições de produção. Esses momentos remetem aos três aspectos da 13 linguagem que mais investiguei até o presente: (1) a instabilidade do não-apropriado das pausas; (2) a instabilidade das hesitações; (3) a instabilidade da língua. A título de apresentação, exponho aqui, resumidamente, as características que vejo como essenciais de cada um desses momentos. O primeiro deles pode ser caracterizado como o momento em que o caráter tido como não-apropriado das pausas na fala de sujeitos com Doença de Parkinson constituiu meu principal objeto de investigação do instável da linguagem. A marca linguística preferencial de detecção desse caráter das pausas foi a sua (oscilante) duração. Ser constitutivo da linguagem, porém, é uma percepção do instável que (re)afirmo hoje, o que equivale a dizer que não foi com essa percepção que o investiguei nesse primeiro momento. Como se verá, na construção teórica que fiz dele, o instável viria “de fora” da linguagem, ou seja, estaria na linguagem como algo que lhe seria exterior, e as marcas de instabilidade nela deixadas seriam descritíveis em função do que caracterizei como a linguagem em uso – “uso” entendido, nesse primeiro momento, como atividade conversacional. Mesmo que, com esse olhar, minha trajetória tenha tido êxitos acadêmicos, não tardou, porém, que eu viesse a me incomodar com a base de sua construção. O incômodo com pilares dessa base (como a concepção de linguagem em uso enquanto atividade conversacional e das marcas linguísticas do objeto de investigação – as pausas – entendidas como interrupções da sequência temporal-gramatical da fala) acabou por ter efeitos fortemente inquietantes no desenvolvimento de minha pesquisa, provocando deslocamentos que fizeram emergir o que considero como o segundo momento de minha trajetória de investigação desses últimos 20 anos. Nesse segundo momento, desloca-se o objeto de investigação, na medida em que o caráter não-apropriado das pausas, em si mesmo, não mais constitui esse objeto, mas, 14 sim, as hesitações. Reconfiguradas, no entanto, as pausas permanecem como marca linguística do objeto, embora vistas não mais como interrupções da sequência temporal- gramatical da fala, mas como uma (dentre várias outras) marcas de hesitação. Também se desloca minha concepção de linguagem em uso: de atividade conversacional, ela passa a ser entendida como discurso – com os sentidos preferenciais com que os estudos de orientação francesa o definem. E, fato que considero como o de maior importância nesse deslocamento, passo a ver o instável não mais como algo exterior à linguagem, mas como algo que lhe seria interior e constitutivo: o instável da linguagem, uma propriedade dela. Permanecem, contudo, os sujeitos (empíricos) de investigação, os parkinsonianos, mas vistos, enquanto sujeitos, no sentido discursivo que esse termo adquire, em razão do deslocamento epistemológico que marca o segundo momento de minha trajetória. Injunções profissionais – sobretudo, mas não exclusivamente – levaram-me a um terceiro momento dessa trajetória. Foi quando comecei a me voltar não apenas para dados de fala (como as hesitações), mas, também, para dados que indiciam relações entre características da fala e características da escrita (conforme se mostram na ortografia ou nas segmentações não-convencionais de palavras). Foi, ademais, quando me voltei para a linguagem em constituição, e não mais para mudanças de condição de (seu) uso provocadas por uma patologia (no adulto). Voltar-me para esses dados, no entanto, não se deu sem deslocamentos no plano epistemológico. Com efeito, não foram exatamente hesitações ou oscilações de escrita que se tornaram meus (novos) objetos de investigação. Hesitações e oscilações da escrita mostraram-se, na verdade, como diferentes formas do que vim a entender como instabilidades da própria língua – estas, sim, o novo objeto de investigação. Que fique claro, porém, já de partida, que não se trata de um “retorno” a uma língua que se 15 mostraria como autônoma ou não afetada, não constituída, pelo discurso, mas de uma língua que se caracterizaria, antes, como um dos outros constitutivos do discurso. Em outras palavras, o que fiz (e que continuo a fazer) foi justamente investigar como ela mesma, em sua autonomia relativa, como propõe Pêcheux, mobilizada e constituída pelo discurso, deixa marcas de sua forte presença (como um outro) no discurso. É assim que hoje, e neste texto, (re)construo minha trajetória de investigação. Como se verá, os tópicos que, particularmente, considero como mais significativos dessa trajetória serão ilustrados por excertos de pesquisas que desenvolvi e que venho desenvolvendo como fruto de diálogos interiores ou de bem sucedidos diálogos com (ex)orientandos. Será a ocasião de expor com mais detalhes, bem como exemplificá-las, as características que, resumidamente, acabo de apresentar. Por último, um esclarecimento quanto ao estatuto deste trabalho de livre- docência. Constituindo-se, pelo menos em parte, do retorno de trabalhos anteriores, não é, porém, ou portanto, uma simples compilação. Tampouco a descrição de minha trajetória de investigação é pura rememoração. Mais do isso, trata-se de extrair dessa trajetória, com o benefício do distanciamento, direção e sentido, ou, em outros termos, de defendê-la como uma tese, estatuto para o qual espero ter como aliado o tom narrativo que escolhi para dialogar com (meus) estados de leitura e histórias de possíveis leitores. 16 O primeiro momento: a instabilidade do não-apropriado das pausas Esse primeiro momento decorreu do acaso, ou melhor, de um encontro – constitutivo, fundamental e definitivo para toda a minha história de investigação após a obtenção do título de doutor. Em 1996, uma aluna me procurou para desenvolver uma pesquisa de iniciação científica. Era Elaine Cristina de Oliveira, hoje docente e pesquisadora do curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal da Bahia. Seu interesse: questões vocais de sujeitos acometidos pela Doença de Parkinson. Nada, portanto, relacionado ao conhecimento que eu tinha construído até aquele momento (sobre regularidades discursivas marcadas pelos aspectos rítmicos da escrita). Várias conversas foram necessárias até chegarmos a um ponto comum de interesse: dela, permaneceram os sujeitos; para mim, talvez pelas questões vocais, iluminou-se a prosódia, assunto que já tinha contemplado em minha tese de doutorado. Em uma das leituras que fiz durante a condução desse trabalho (para mim totalmente novo) de orientação, chamou-me a atenção o fato de, dez anos antes, Robbins, Longemann e Kibshner (1986) já terem alertado que problemas de linguagem eram verificados em mais de 92% dos parkinsonianos. Busquei, então, conhecer esses problemas, bem como as explicações fornecidas para a sua ocorrência. Duas surpresas aguardavam-me: (1) diferentemente do que ocorria com as chamadas afasias, nas revistas de linguística (nacionais e internacionais), não havia (e, ainda hoje, são bem poucos) trabalhos sobre os problemas de linguagem de sujeitos parkinsonianos; (2) praticamente só a literatura biomédica se encarregava de abordar esses problemas – e muito raramente com a participação de linguistas. 17 Passei, então, a ter contato com um sem-número de artigos produzidos por esse tipo de literatura (a maioria extraída de revistas internacionais), voltados para as questões de linguagem em parkinsonianos1. Constatei que, de modo geral, desde os estudos mais antigos até os (então) mais recentes, o que a literatura chamava de problemas de linguagem dizia respeito, sobretudo, àqueles relacionados à esfera motora da produção da fala. Na verdade, eram destacados problemas que, de um ponto de vista linguístico – mas não-necessariamente biomédico –, se verificavam na produção de características prosódicas da fala (tais como intensidade e velocidade) e na produção de fonemas (vista, em seu aspecto físico, como “embaralhada”2). A explicação para esses dois grupos de problemas à época (e ainda hoje) é predominantemente a mesma: a dificuldade motora, característica da doença, atinge também a produção da fala, em seu aspecto físico. No entanto, no contato com trabalhos produzidos no campo biomédico, chamou- me a atenção também uma outra característica da fala dos parkinsonianos bastante mencionada: dificuldades de memória. Eram, e ainda são, categorizadas como sendo de natureza cognitiva, embora de um ponto de vista linguístico muitas delas melhor pareceriam se deixar interpretar como dificuldades em aspectos semânticos da linguagem. Chamou-me, pois, a atenção a frequente referência a essas dificuldades justamente por não serem associadas à linguagem nos trabalhos que as mencionavam. Desse modo, os sujeitos parkinsonianos teriam, de um lado, dificuldades motoras (que se estenderiam à linguagem, mais especificamente à produção da fala) e, de outro, dificuldades cognitivas (que não teriam, pelo menos em princípio, relação com a 1 As características de vários desses trabalhos serão expostas mais adiante. 2 Tradução que fiz da palavra blurred, frequentemente usada nessa literatura para designar um aspecto da percepção desse tipo de fala, caracterizada como confusa, turva, às vezes, ininteligível, em contraste com a clareza, limpidez e inteligibilidade atribuídas à fala de sujeitos não acometidos por nenhum tipo de doença. 18 linguagem). E mais: com raríssimas exceções3, dificuldades motoras e dificuldades cognitivas não estariam em relação na descrição dos sintomas da doença – o que acarreta em ver como dicotomizados, na atividade linguística de sujeitos parkinsonianos, aspectos motores e aspectos simbólicos. De minha parte, acredito que o fenômeno linguístico se caracteriza justamente pela integração entre elementos de diferentes naturezas, e não pela sua dissociação. Em um de meus trabalhos4, fiz referência a uma formulação seminal de Saussure (1979), fundamental para o percurso que fiz na investigação dos problemas de linguagem de parkinsonianos: (...) admitamos que o som seja uma coisa simples: é ele quem faz a linguagem? Não, não passa de instrumento do pensamento e não existe por si mesmo. Surge daí uma nova e temível correspondência: o som, unidade complexa acústico-vocal, forma por sua vez, com a idéia, uma unidade complexa, fisiológica e mental. (op. cit., p. 16). Assim, a inquietação que me moveu a trilhar (individualmente ou com meus orientandos) esse percurso foi a de buscar, cada vez mais, comprovações de que, na verdade, os problemas na produção de enunciados falados de sujeitos parkinsonianos não resultariam exclusivamente de suas dificuldades motoras, mas, sobretudo, de diferentes graus de integração dessa esfera da produção da fala com fatos provenientes de sua esfera simbólica. Isso porque, se se tratasse apenas de dificuldades motoras, os enunciados falados mostrariam, em qualquer ponto de sua produção, essa dificuldade. De fato, o que verifiquei foi uma flutuação dessa dificuldade motora na produção dos 3 Tomo como exceções trabalhos como os de Mayeux et al (1981), Growdon, Corkin e Rosen (1990), Pang et al (1990), Owen et al (1992) e Hayashi et al (1993), na medida em que, neles, são tematizadas relações entre problemas atribuídos ao que os autores entendem como cognição e desordens motoras na Doença de Parkinson. Em atualização bibliográfica feita em 2015, mais um estudo pôde ser incluído nessa lista de exceções. Trata-se de estudo no qual a chamada programação motora da fala é entendida como “processo de transformação de representações linguístico-simbólicas em um código motor” (SPENCER; ROGERS, 2005, p. 347). 4 Cf. Chacon (2002). 19 enunciados, que ocorria justamente porque, nos melhores e nos piores momentos de sua produção, detectavam-se relações entre a menor (ou maior) dificuldade motora e a menor (ou maior) dificuldade simbólica (ou cognitiva) envolvidas nos enunciados. Mas com que dados cheguei a esses resultados? A resposta a essa questão supõe que eu especifique, um pouco mais, a visão que a literatura biomédica predominantemente constrói sobre as alterações de linguagem decorrentes da Doença de Parkinson. Conforme antecipei, ela enxerga, sobretudo, o que tais alterações revelam sobre os aspectos linguísticos mais imediatamente apreensíveis, em termos físicos, da linguagem: os prosódicos e os articulatórios da fala. Dada a ênfase que essa mesma literatura coloca em tais aspectos, pensei em priorizar, como dados de pesquisa, justamente aqueles que, de um ponto de vista linguístico, embora de algum modo relacionados a questões prosódicas e articulatórias, eram pouco descritos/explicados por ela: as chamadas pausas inapropriadas e as chamadas disfluências. A propósito, o fragmento a seguir, extraído de publicação mais recente (de 2004), é bastante representativo de como essas pausas e hesitações são descritas na literatura biomédica: Comportamentos de fala, tais como pausas colocadas anormalmente5, dificuldade de progressão do enunciado e dificuldade em iniciar a articulação são características de falantes com DP [Doença de Parkinson] e poderiam resultar de uma dificuldade em manter a programação motora da fala. Adicionalmente, a habilidade reduzida para mudar a programação motora da fala seria consistente com comportamentos da fala tais como dificuldade em parar uma resposta presente, hesitações marcadas entre segmentos de movimento e, ocasionalmente, inabilidade em mudar de um movimento para o outro. Estes comportamentos são realmente evidentes na fala de indivíduos com Doença de Parkinson.” (SPENCER; ROGERS, 2005, p. 348). 5 Grifos meus. 20 Em razão de meu interesse pelo aspecto simbólico das pausas, interessava-me saber o que se caracterizava como “pausas inapropriadas” (ou “pausas colocadas anormalmente”) e como “disfluências”. Perguntava-me: a que corresponderia, em termos linguísticos, o que (no interior e nos limites do recorte biomédico) se postula como um caráter “não-apropriado” das pausas? Perguntava-me ainda: o que se pode depreender, também em termos linguísticos, do caráter tido como embaralhado, confuso, indefinido das disfluências (na sua relação com dificuldades de produção de fonemas)? Levantei, então, duas hipóteses sobre a menor ênfase nesses aspectos físicos da fala. Talvez ela se devesse (ou se deva, ainda) a uma percepção difusa da natureza dessas alterações, bem como à falta de instrumental (teórico-metodológico?) para caracterizá-las apenas sob o prisma biomédico. Mas talvez ela se devesse também à (impensada) certeza quanto à (aparente) obviedade do estatuto do não-apropriado e do disfluente, inadequação possivelmente detectada apenas pela intuição linguística de falante nativo (e, quem sabe, até mesmo por avaliação normativa); portanto, sem necessidade de se estabelecer com clareza o estatuto do que seria o não-apropriado e o disfluente na fala de parkinsonianos. Aliás, as hipóteses que estão na base da literatura comentada, a saber: (i) a da percepção difusa das pausas inapropriadas e das disfluências; e (ii) a da certeza quanto à obviedade do estatuto do não-apropriado e do disfluente; a meu ver, não se excluem... Independentemente dessas hipóteses, a menor atenção às pausas e às disfluências já era motivo suficiente para que merecessem, de minha parte, atenção maior numa investigação de natureza linguística. Foi esta a razão principal de eu ter escolhido, de antemão, como dados de pesquisa, as ditas pausas inapropriadas e as chamadas disfluências na enunciação falada de sujeitos com Doença de Parkinson. Para tanto, a partir de como esses dois fenômenos eram vistos na literatura biomédica, 21 busquei ver como eles poderiam ser (re)interpretados, com maior cuidado e recurso de investigação, sob a ótica dos estudos linguísticos. Essa busca foi inicialmente feita durante estágio de pós-doutorado que desenvolvi junto à University of Florida6, entre os anos de 1998 e 1999. Dado o período, não-longo, que poderia dispender a essa busca, deixei de lado – naquele momento – a investigação sobre as chamadas disfluências para centrar-me na investigação das pausas. Já tinha conhecimento de que, na literatura biomédica, o funcionamento das pausas na fala de sujeitos com Doença de Parkinson é interpretado como inapropriado. Como, de um ponto de vista linguístico, pausas são elementos cruciais no estabelecimento de fronteiras prosódicas (dentre outros tipos de fronteiras, como as sintáticas, por exemplo), inicialmente procurei compreender como o componente prosódico da linguagem era interpretado pela literatura biomédica que se voltava para os problemas de linguagem de sujeitos parkinsonianos7. Se, por um lado, considerei como louvável a preocupação dessa literatura com a prosódia na enunciação falada dos parkinsonianos, por outro lado, o modo como ela era abordada nesses trabalhos causava-me incomodo, pelo fato de os autores restringirem seu funcionamento, quase que exclusivamente, aos aspectos mais orgânicos da atividade verbal. Com essa restrição, perdiam-se, a meu ver, valiosas informações que um enfoque linguístico poderia fornecer para uma melhor compreensão desse fenômeno em 6 Esse estágio foi desenvolvido com apoio da FAPESP (Processo 1998/06966-2), sob a supervisão da Profa. Dra. Geralyn Schulz, estudiosa das dificuldades motoras da fala de sujeitos afetados pela Doença de Parkinson. 7 Durante o estágio, tive acesso totalmente facilitado a informações sobre características prosódicas da fala de parkinsonianos. Essas informações constavam de vários trabalhos aos quais tive acesso direto na biblioteca da University of Florida, como, por exemplo: Canter (1963); Darley, Aronson e Brown (1969); Critchley (1981); Kent (1982); Scott e Caird (1983, 1984a); Hofman e Streifler (1984); Darkins, Fromkin e Benson (1988); Blonder, Gur e Gur (1989); Hofman (1990); Pitcairn et al (1990); Caekebeke et al (1991); Le Dorze et al (1992); Bagunyá e Sandorrín (1992); Hird e Kirsner (1993); Shea et al (1993); e Ramig et al (1995). 22 parkinsonianos, na medida em que a distribuição rítmica8 dos muitos aspectos fonatórios da fala – bem como de outros aspectos, mais relacionados a sua continuidade – está na base da significação na enunciação falada9. Em outras palavras, variações padronizadas desses aspectos prosódicos estão estreitamente relacionadas à inteligibilidade da fala, além de fornecerem importantes pistas sobre a inserção sociocultural e sobre condições psicológicas dos sujeitos em sua atividade enunciativa falada. Portanto, é facilmente compreensível que inclusive autores não provenientes do campo dos estudos linguísticos se interessassem pelo modo como sujeitos com Doença de Parkinson expressavam e detectavam aspectos ligados à emotividade na atividade verbal, mesmo com dificuldades de fazer distinções prosódicas mais sutis em sua própria enunciação10. Mas naquele momento (e mesmo atualmente) a grande maioria dos trabalhos sobre dificuldades e/ou melhora na utilização da prosódia por parte de parkinsonianos se concentrava nas variações que esses sujeitos conseguiam fazer em algumas de suas características fonatórias, como frequência e intensidade (que podem ser mais facilmente avaliadas por instrumentos de medida objetiva), ou em características mais ligadas ao encadeamento verbal, como velocidade de fala11. Outras características prosódicas como as pausas, que também contribuem de modo decisivo para a organização e significação da enunciação falada, recebiam pouquíssima atenção na pesquisa sobre a atividade verbal de parkinsonianos. No entanto – como pensava, e ainda penso –, o modo pelo qual a produção de um ato de linguagem se ajusta à sequência temporal da fala apresenta estreitos vínculos 8 Entendida aqui no sentido que lhe atribui Meschonnic (1982). 9 E mesmo na escrita, como atestam, por exemplo: Preston e Gardner (1967); Holden e MacGinitie (1972); Rowe (1974); Quirk et al (1985); Abaurre (1991a); Corrêa (1994); e Chacon (1998). 10 Por exemplo: Monrad-Krohn (1957); Scott e Caird (1984b); Pitcairn et al (1990); Benke, Bosch e Andree (1998); e Adolphs, Schul e Tranel (1998). 11 A título de exemplo, e segundo revisão de literatura atualizada em 2015, destaco Gasparini, Diaféria e Behlau (2003), Ramig, Fox e Sapir (2004) e, ainda, Ferreira, Cielo e Trevisan (2009). 23 com “[...] onde e sob quais condições ocorrem pausas” (ROCHESTER, 1973, p. 51). Com efeito, de acordo com Cagliari (1992), as pausas têm papel aerodinâmico na atividade verbal, na medida em que se encontram na base da coordenação entre a respiração e a assinalação de limites linguísticos tais como os de sentenças, sintagmas, às vezes palavras, e mesmo sílabas, estas últimas em momentos nos quais certas palavras são emitidas sílaba por sílaba na enunciação. Cagliari destaca ainda que as pausas podem ser associadas à representação de atitudes do falante e à sinalização de mudanças semânticas na atividade verbal. Observe-se que, além de Cagliari, muitos outros autores enfatizam em seus trabalhos (alguns clássicos) a função das pausas no que categorizam como planejamento e organização da fala, bem como sua significação na percepção da fala, no reconhecimento de estados afetivos e cognitivos e na interação social construída pela enunciação falada12. Mesmo assim, na literatura biomédica, raros estudos se dedicavam a este elemento prosódico essencial da fala. À época, na medida do que pude obter como informação, além de alguns poucos autores que apenas fizeram alguma referência às pausas13, Canter e Van Lancker (1985) usaram o tempo total de pausa para medir como a cirurgia talâmica bilateral afetava a fala de um sujeito parkinsoniano. Esses pesquisadores basearam a medida que fizeram desse aspecto prosódico em gravações que designaram como “textos de fala”: (a) leitura oral de um pequeno texto; e (b) uma breve descrição que o sujeito fez de sua atividade profissional. Ludlow, Connor e Bassich (1987) observaram mudanças de duração de pausas numa comparação que fizeram entre a produção de sentenças em sujeitos com Doença de Parkinson e de 12 Cf., por exemplo: Goldman-Eisler (1958a; 1958b; 1961); Mahl (1959); Tannenbaum, Williams e Hillier (1965); Levin e Silverman (1965); Siegman e Pope (1965); Boomer (1965); Henderson, Goldman- Eisler, e Skarbek (1965; 1966); Levin, Silverman e Ford (1967); Preston e Gardner (1967); Barik (1968); Reynolds e Paivio (1968); Taylor (1969); Lay e Paivio (1969); Pope et al (1970); Rochester (1973); Rowe (1974); Clemer (1980); Reich (1980); Marshall e Tompkins (1982); Scott e Caird (1984a); Bouhuys e Meulen (1984); Canter e Van Lancker (1985); e Iles et al (1988). 13 Referimo-nos mais especificamente a Critchley (1981); Barbosa (1989); Pitcairn et al (1990); e De Angelis (1995). 24 Huntington relativamente a sujeitos considerados como normais. Iles et al (1988), em sua proposta de caracterização linguística da atividade verbal de sujeitos com Doença de Parkinson, basearam-se no que designavam como amostras de fala, extraídas da leitura em voz alta de um pequeno texto, bem como do que chamaram de conversas espontâneas. As pausas – dentre outros aspectos da fala – foram utilizadas como parâmetro para se distinguirem, por um lado, a performance verbal de parkinsonianos quando comparados a sujeitos considerados normais e, por outro, essa performance em sujeitos com grau leve e moderado da doença. Por sua vez, por meio da repetição (dez vezes) da mesma sentença, em velocidade cada vez mais rápida do que a anterior, Volkmann et al (1992) observaram dificuldades na organização temporal da fala em sujeitos com doenças no gânglio basal – incluindo Doença de Parkinson. A duração das pausas foi uma das medidas empregadas nesse estudo. Por meio dela, os autores estabeleceram distinções entre a performance desses sujeitos e, especialmente, a de sujeitos com afasia de Broca. Também Hammen, Yorkston e Minifie (1994) estudaram alterações temporais na atividade verbal de parkinsonianos usando pausas como um dos critérios de avaliação dessas alterações. A análise desses autores envolveu a manipulação de gravações de um trecho escrito de 132 palavras lido por sujeitos com Doença de Parkinson. Finalmente, Ramig et al (1995) incluíram a duração de pausas como medida secundária do controle da respiração e da velocidade de fala para confirmar a eficácia de duas formas de terapia fonoaudiológica para parkinsonianos: (a) respiração; e (b) voz e respiração. As pausas, nesse estudo, foram extraídas da leitura de um pequeno texto e de um monólogo com duração entre 25 a 30 segundos produzido pelos sujeitos com base em tópicos verbais de seu interesse. Embora, como se vê, esses estudos lançassem (alguma) luz sobre funções das pausas na enunciação falada de parkinsonianos, a pesquisa sobre essas funções era 25 incipiente se comparada àquela já desenvolvida a respeito de outros tipos de enunciação falada, tanto em contextos considerados como normais, quanto em contextos considerados como patológicos. Além da pouca atenção a esse aspecto prosódico da enunciação falada de parkinsonianos, os estudos que lhe dedicavam atenção não o colocavam como tópico central de pesquisa. Mais ainda: minha revisão de literatura à época indicava que apenas Canter e Van Lancker (1985), Illes et al (1988) e Ramig et al (1995) baseavam, pelo menos em parte, suas análises em amostras do que designavam como conversa espontânea – na verdade, amostras de fala isolada, de poucos minutos, sobre algum tópico específico. A meu ver, porém, a função das pausas na enunciação falada de sujeitos com Doença de Parkinson merecia – e merece – maior consideração. Como procurei mostrar, as pausas constituem um fenômeno complexo em qualquer tipo de enunciação falada, e essa complexidade parece aumentar na enunciação falada de parkinsonianos. No entanto, tal complexidade não é facilmente mostrada em dados linguísticos como os que constituem a amostra principal de análise dos estudos biomédicos, já que, neles, o modo preferido de obtenção desses dados, como se viu, tem sido o de extraí-los, predominantemente, de tarefas metalinguísticas ou de repetições faladas e leitura de sentenças. Embora, mesmo em tarefas verbais restritas como essas, os sujeitos parkinsonianos as desenvolvam com as chamadas pausas inapropriadas (até mesmo pela artificialidade das próprias tarefas), contrapondo-me a esse tipo de obtenção de dados, os dados de pesquisa que levei para análise em meu estágio junto à University of Florida foram extraídos de sessões semidirigidas de conversação, desenvolvidas o mais proximamente possível de situações reais de enunciação – já que entendia (e continuo a entender) que é na enunciação (em qualquer condição, patologizante ou não) que a 26 linguagem se organiza e, principalmente, mostra os recursos linguísticos de sua organização. Portanto, qualquer tipo de pesquisa (e, obviamente, também de avaliação clínica) das alterações linguísticas de sujeitos parkinsonianos deve, a meu ver, basear-se fundamentalmente na linguagem em uso. Assim, o método de extração de dados que foi utilizado, ao mesmo tempo em que mantinha a possibilidade de que, na enunciação falada de parkinsonianos, as chamadas pausas inapropriadas pudessem ser resultantes de dificuldades motoras dos sujeitos, também possibilitava reunir evidências de que não resultavam apenas e exclusivamente dessas dificuldades, já que, na enunciação, muitos outros fatos (e, dentre eles, os de natureza cognitiva) concorrem coordenadamente para o desenrolar dessa atividade, determinando, pois, o funcionamento dessas pausas. Como se vê, a metodologia contrapunha-se àquela predominantemente desenvolvida pelas ciências biomédicas para a extração de dados linguísticos de sujeitos parkinsonianos. Assim, pode ser considerada, em si mesma, como um primeiro (e, também, um dos principais) resultados da pesquisa. Contudo, para verificar sua eficácia, ou não, desenvolvi, ainda em meu estágio de pós-doutorado, um estudo-piloto, que teve como dados pausas extraídas, conforme já disse, apenas de conversas semidirigidas de parkinsonianos. Numa primeira tentativa de entender pelo menos parte do complexo funcionamento dessas pausas, dediquei-me a um de seus possíveis (e fundamentais) parâmetros de análise: a duração. Como Metter e Hanson (1986) chamaram a atenção para a grande variabilidade de funcionamento dos diversos aspectos da fala de parkinsonianos, busquei ver se essa variabilidade se mostrava também na duração das pausas desses sujeitos. 27 Extraí os dados de gravações de dois sujeitos, PCN e PJP14, ambos do sexo masculino, que eram atendidos na antiga Clínica de Fonoaudiologia da UNESP/Marília. Ambos receberam diagnóstico neurológico de parkinsonianos e apresentavam grau moderado de comprometimento da doença. Eram destros, escolarizados e falantes nativos do português brasileiro. Nenhum deles apresentava perdas auditivas. PCN tinha sessenta e dois (62) anos de idade, com tempo diagnosticado de doença de sete anos. PJP tinha setenta e quatro (74) anos de idade e oito anos de doença após o diagnóstico. De várias gravações feitas com PCN e PJP, separei as duas que mostravam melhor condição (acústica e conversacional). Elas foram feitas na Clínica de Fonoaudiologia da UNESP/Marília, numa sala comum, sem tratamento acústico específico, já que a referida Clínica não contava com esse tipo de recurso à época do registro. Cada sessão de conversação gravada envolveu uma estagiária da Clínica e apenas um dos dois sujeitos. O registro foi feito num gravador Sony DAT, modelo TCD-D8, acoplado a um microfone Sony, modelo ECM-M2957. As conversas desenvolveram-se em torno de tópicos como suas ocupações diárias, seus familiares e suas viagens. Mas, com muita frequência, os sujeitos intercalavam esses tópicos com outros, sobretudo os problemas que a doença lhes causava. O registro selecionado da atividade conversacional de PCN foi feito em 25 de agosto de 1998. PJP teve a sessão de conversação escolhida registrada em 31 de agosto do mesmo ano. Ambas as gravações ocorreram durante o processo terapêutico dos sujeitos. Para garantir mais igualdade de condições entre eles, as gravações foram feitas uma hora depois que tomaram o medicamento dopamina. O tempo total de gravação de 14 Nestas e nas demais siglas que surgirão, a letra inicial P abrevia a expressão “sujeito parkinsoniano”. As duas seguintes correspondem às iniciais do primeiro nome e do último sobrenome de cada sujeito. 28 PCN foi de 48 minutos e 54 segundos. Para PJP, esse tempo foi de 38 minutos e 27 segundos. Uma vez que, espontaneamente, ambos enfatizavam sua condição de parkinsonianos, justamente os tópicos em que discorriam sobre essa sua condição foram selecionados como material para análise. PCN despendeu um tempo total de seis minutos e quarenta e dois segundos (6:42), distribuídos em sete tópicos conversacionais, falando sobre sua doença. Durante esse tempo, foram verificadas 130 pausas em sua fala. Por sua vez, PJP tematizou sua condição por catorze minutos e quarenta e sete segundos (14:47) de sua atividade verbal. Nesse período, foram verificadas 294 pausas, distribuídas em quinze diferentes tópicos conversacionais. As pausas, no material, foram consideradas como “[...] interrupções da sequência temporal-gramatical de fala”, como propõem Illes et al (1988, p. 149). Algumas delas eram não-preenchidas, ou seja, silenciosas; outras preenchidas, já que suplementadas por material acústico – vocalizações ou ruídos – ligando duas porções de fala; outras, por fim, mistas, na medida em que foram verificadas, em sua composição, diferentes combinações entre silêncio e, especialmente, ruídos. As pausas mistas, em particular, ou apresentavam uma porção de silêncio seguida por algum tipo de ruído (não-preenchidas + preenchidas), ou o inverso (preenchidas + não-preenchidas), ou ainda qualquer outro tipo de combinação entre ruído e silêncio (outras), como, por exemplo: silêncio + ruído + silêncio; ruído + silêncio + ruído; etc. Independentemente de sua duração, todas as ocorrências desses tipos de interrupções da cadeia temporal-gramatical – desde que vinculadas aos tópicos sobre os problemas com a doença – foram mensuradas objetivamente pelo equipamento Kay Elemetrics Corp. CSL, Model 4300, acoplado a um computador Intel 5186. Foram levadas em consideração no estudo 424 pausas produzidas pelos dois sujeitos durante o 29 desenvolvimento desses tópicos. Desse total, 351 (82,79%) estavam numa faixa de duração entre 0,20 e 1,99 segundos. Pensando em uma distribuição razoável da duração das pausas, dividi essa faixa em três subgrupos, para melhor reconhecimento do que eu poderia considerar como pausas breves, médias e longas. Desse modo, as pausas com duração entre 0,20 e 0,79 segundos foram consideradas como breves; com duração entre 0,80 e 1,39 como médias; e com duração entre 1,40 e 1,99 como longas. Uma vez que, do total de 424 pausas, 37 (8,76%) tiveram uma duração menor do que 0,20 segundos e 36 (8,49%) uma duração maior do que 2,00 segundos, as primeiras foram consideradas como muito breves (duração de até 0,19 segundos) e as últimas como muito longas (duração superior a 2,00 segundos). Em síntese, no estudo, a duração das pausas foi classificada da seguinte maneira: (a) muito breve (até 0,19 segundos); (b) breve (de 0,20 a 0,79 segundos); (c) média (de 0,80 a 1,39 segundos); (d) longa (de 1,40 a 1,99 segundos); e muito longa (acima de 2,00 segundos). Além da classificação em termos de preenchimento (ou não) e de duração, as pausas foram ainda classificadas em termos da posição em que ocorreram nos enunciados dos sujeitos. Aquelas que caracterizavam um tempo antes de o sujeito começar o enunciado foram entendidas como pausas iniciais; aquelas que interrompiam o desenvolvimento do enunciado, como internas. Seguem-se os principais resultados desse estudo-piloto. As Tabelas 1-4 mostram a duração das pausas de PCN e de PJP, juntamente com a posição em que elas ocorreram nos enunciados dos sujeitos: Tabela 1 – PCN, tópicos 1-7: grau de duração das pausas iniciais Muito breves (até 0,19 seg) Breves (0,20 – 0,79 seg) Médias (0,80 – 1,30 seg) Longas (1,40 – 1,99 seg) Muito longas (mais de 2,00 seg) Freq. 06/60 37/60 11/60 05/60 01/60 % do total 10,00 61,66 18,33 08,33 01,66 Média 0,11840 0,47480 1,08100 1,55000 2,24700 Dp 0,05005 0,16260 0,19900 0,19180 0,00000 Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. 30 Tabela 2 – PCN, tópicos 1-7: grau de duração das pausas internas Muito breves (até 0,19 seg) Breves (0,20 – 0,79 seg) Médias (0,80 – 1,30 seg) Longas (1,40 – 1,99 seg) Muito longas (mais de 2,00 seg) Freq. 07/70 26/70 21/70 11/70 05/70 % do total 10,00 37,14 30,00 15,71 07,14 Média 0,11870 0,49410 1,04800 1,56200 2,36400 Dp 0,04190 0,15890 0,14930 0,19310 0,31320 Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. Tabela 3 – PJP, tópicos 1-15: grau de duração das pausas iniciais Muito breves (até 0,19 seg) Breves (0,20 – 0,79 seg) Médias (0,80 – 1,30 seg) Longas (1,40 – 1,99 seg) Muito longas (mais de 2,00 seg) Freq. 09/84 32/84 26/84 06/84 11/84 % do total 10,71 38,09 30,95 07,14 13,09 Média 0,14380 0,50370 1,01900 1,58000 2,37400 Dp 0,03357 0,18880 0,17700 0,14600 0,38820 Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. Tabela 4 – PJP, tópicos 1-15: grau de duração das pausas internas Muito breves (até 0,19 seg) Breves (0,20 – 0,79 seg) Médias (0,80 – 1,30 seg) Longas (1,40 – 1,99 seg) Muito longas (mais de 2,00 seg) Freq. 15/210 89/210 55/210 32/210 19/210 % do total 07,14 42,38 26,19 15,23 09,04 Média 0,14140 0,51250 1,10800 1,65900 2,51000 Dp 0,04080 0,17470 0,15450 0,17210 0,47790 Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. Como se pode observar, ocorreu grande variabilidade na duração das pausas, tanto inter quanto intra-sujeitos. Com exceção das pausas internas de duração média, PJP apresentou duração média maior do que PCN em todos os demais tipos de pausa. Essa diferença se torna mais clara quando se busca onde esses valores se concentraram mais. Além de apresentar duração média maior, PJP teve um percentual mais baixo de pausas com menor duração e um percentual mais alto de pausas com maior duração do que PCN. Com efeito, enquanto PCN apresentou um total de 9,99% de pausas muito breves, 73,07% de pausas breves e médias e 16,90% de pausas longas e muito longas, PJP apresentou um total de, respectivamente, 8,16%, 68,69% e 23,12%. Outro fato a ser considerado diz respeito à relação entre a duração e os diversos tipos de preenchimento (ou não) das pausas. As tabelas 5 e 6 mostram informações sobre essa relação, tanto para PCN quanto para PJP: 31 Tabela 5 – PCN, tópicos 1-7: distribuição das pausas não-preenchidas, preenchidas e mistas e sua duração média Não-preench Preenchidas Mistas N-pr/preench Preench/n-pr Outras Freq. 110/130 11/130 06/130 02/130 01/130 % do total 84,61 08,46 04,61 01,53 00,76 Média 0,95960 0,71660 0,89850 1,06800 0,61420 Dp 1,65300 0,53880 0,93410 0,87800 0,00000 Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. Tabela 6 – PJP, tópicos 1-15: distribuição das pausas não-preenchidas, preenchidas e mistas e sua duração média Não-preench Preenchidas Mistas N-pr/preench Preench/n-pr Outras Freq. 174/294 35/294 46/294 07/294 32/294 % do total 59,18 11,90 15,64 02,38 10,88 Média 0,91570 0,57760 1,22000 0,95900 1,45300 Dp 0,65170 0,40270 0,77130 0,53280 0,71930 Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. Verifica-se que ambos os sujeitos tiveram uma duração média maior nas pausas não-preenchidas do que nas preenchidas – com PJP apresentando duração média ainda maior do que PCN. No entanto, em relação às pausas mistas, houve uma diferença: enquanto PCN apresentou duração um pouco maior nas pausas preenchidas/não-preenchidas, PJP apresentou duração maior nas pausas não- preenchidas/preenchidas e outras. Portanto, embora tenha havido similaridade no fato de que, para ambos os sujeitos, as pausas não-preenchidas tiveram maior duração do que a das preenchidas, a duração média das pausas mistas, comparando-se os dois sujeitos, mostrou grande variabilidade. O que dizer sobre esse conjunto de resultados? Segundo Critchley (1981), o processo de formulação e produção da fala em sujeitos com Doença de Parkinson é organizado assimetricamente no nível talâmico. Certamente essa característica geral da enunciação falada dos parkinsonianos pode estar na base da grande variabilidade das características da fala desses sujeitos – tal como observada por Metter e Hanson (1986) – e o estudo-piloto aqui em relato reforçou as 32 ideias desses autores. No entanto, fatores de natureza linguística puderam ser considerados como igualmente importantes e relacionados à variabilidade na duração de pausas na enunciação de parkinsonianos. Um desses fatores linguísticos diz respeito à grande abrangência da faixa de duração das pausas numa mesma atividade conversacional. Com efeito, essa faixa se estendeu de menos de 0,20 segundos para os dois sujeitos até 2,79 para PCN e 3,99 para PJP. Portanto, na enunciação falada dos dois sujeitos coexistiram pausas de duração muito longa e pausas de duração bastante reduzida. Outro fator linguístico envolvido nessa variabilidade diz respeito à natureza do tópico mobilizado na enunciação. Conforme se verá, com base nos dados expostos nas tabelas 7 a 14, a seguir, ambos os sujeitos apresentaram variabilidade na duração de suas pausas em função do tópico em desenvolvimento na conversação: Tabela 7 – PCN, tópico 2: grau de duração das pausas iniciais Muito breves (até 0,19 seg) Breves (0,20 – 0,79 seg) Médias (0,80 – 1,30 seg) Longas (1,40 – 1,99 seg) Muito longas (mais de 2,00 seg) Freq. 03/06 01/06 02/06 - - % do total 50,00 16,66 33,33 - - Média 0,10610 0,40616 1,19900 - - Dp 0,03601 - 0,10040 - - Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. Tabela 8 – PCN, tópico 5: grau de duração das pausas iniciais Muito breves (até 0,19 seg) Breves (0,20 – 0,79 seg) Médias (0,80 – 1,30 seg) Longas (1,40 – 1,99 seg) Muito longas (mais de 2,00 seg) Freq. - 08/11 - 02/11 01/11 % do total - 72,72 - 18,18 09,09 Média - 0,43670 - 1,41700 2,24744 Dp - 0,14590 - 0,02000 - Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. Tabela 9 – PCN, tópico 2: grau de duração das pausas internas Muito breves (até 0,19 seg) Breves (0,20 – 0,79 seg) Médias (0,80 – 1,30 seg) Longas (1,40 – 1,99 seg) Muito longas (mais de 2,00 seg) Freq. - 08/13 01/13 02/13 02/13 % do total - 61,53 07,69 15,38 15,38 Média - 0,50040 1,18128 1,54800 2,41100 Dp - 0,14490 - 0,19930 0,53680 Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. 33 Tabela 10 – PCN, tópico 5: grau de duração das pausas internas Muito breves (até 0,19 seg) Breves (0,20 – 0,79 seg) Médias (0,80 – 1,30 seg) Longas (1,40 – 1,99 seg) Muito longas (mais de 2,00 seg) Freq. - 04/10 04/10 02/10 - % do total - 40,00 40,00 20,00 - Média - 0,55130 0,96580 1,43400 - Dp - 0,21730 0,13170 0,00260 - Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. Tabela 11 – PJP, tópico 5: grau de duração das pausas iniciais Muito breves (até 0,19 seg) Breves (0,20 – 0,79 seg) Médias (0,80 – 1,30 seg) Longas (1,40 – 1,99 seg) Muito longas (mais de 2,00 seg) Freq. 02/08 05/08 01/08 - - % do total 25,00 62,50 12,50 - - Média 0,14220 0,50780 0,97528 - - Dp 0,06313 0,20830 - - - Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. Tabela 12 – PJP, tópico 7: grau de duração das pausas iniciais Muito breves (até 0,19 seg) Breves (0,20 – 0,79 seg) Médias (0,80 – 1,30 seg) Longas (1,40 – 1,99 seg) Muito longas (mais de 2,00 seg) Freq. - 03/10 02/10 01/10 04/10 % do total - 30,00 20,00 10,00 40,00 Média - 0,69310 0,88120 1,47988 2,41800 Dp - 0,06295 0,09108 - 0,26350 Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. Tabela 13 – PJP, tópico 5: grau de duração das pausas internas Muito breves (até 0,19 seg) Breves (0,20 – 0,79 seg) Médias (0,80 – 1,30 seg) Longas (1,40 – 1,99 seg) Muito longas (mais de 2,00 seg) Freq. 01/28 15/28 06/28 03/28 03/28 % do total 03,57 53,57 21,42 10,71 10,71 Média 0,18824 0,54410 1,07300 1,77000 2,36100 Dp - 0,16860 0,17770 0,29800 0,19200 Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. Tabela 14 – PJP, tópico 7: grau de duração das pausas internas Muito breves (até 0,19 seg) Breves (0,20 – 0,79 seg) Médias (0,80 – 1,30 seg) Longas (1,40 – 1,99 seg) Muito longas (mais de 2,00 seg) Freq. 02/09 06/09 - - 01/09 % do total 22,22 66,66 - - 11,11 Média 0,09540 0,43140 - - 2,12260 Dp 0,02400 0,20400 - - - Fonte: CHACON; SCHULZ, 2000. De um ponto de vista linguístico, essa variabilidade estaria relacionada ao que está em consideração no tópico mobilizado durante a conversação e/ou à menor ou à maior dificuldade do sujeito em desenvolvê-lo durante essa atividade. No entanto, a 34 variabilidade na produção de diferentes tópicos certamente deveria ser relacionada – dentre outros fatores – também à ansiedade, fato para o qual alerta Mahl (1959), que detectou seus efeitos especialmente em tópicos que apresentam predomínio de pausas de maior duração. Ainda outro fator linguístico (além do tópico) diretamente relacionado à variabilidade diz respeito ao preenchimento, ou não, das pausas. Os valores expostos nas tabelas 5 e 6 mostram que ambos os sujeitos tiveram valores mais altos nas pausas não-preenchidas do que nas preenchidas. Segundo Preston e Gardner (1967), pausas preenchidas e pausas breves, embora diferentes em sua natureza, podem desempenhar funções semelhantes na fala. Assim, as diferenças de valores entre os dois sujeitos podem servir como um argumento de reforço a essa ideia de que pausas preenchidas são, de algum modo, equivalentes a pausas breves. Ainda outro fato relacionado ao preenchimento das pausas diz respeito à sua natureza acústica. Muitas das pausas preenchidas de ambos os sujeitos assemelhavam-se a sílabas de duração reduzida ligando duas palavras na sequência temporal de sua fala. Assim, os dados confirmam relatos de “sílabas reduzidas estranhas entre palavras” (PICKETT et al, 1998, p. 177), cuja presença na fala de parkinsonianos é atribuída, por esses autores, à “[...] falta de controle subglotal e laríngeo com respeito a configurações supra laríngeas” (id. ibid.) muitas vezes verificada nesses sujeitos. Em acréscimo à tematização desses fatores linguísticos mais gerais envolvidos na variabilidade de duração de pausas, outros fatores linguísticos, mais especificamente ligados à relação – observada nos dois sujeitos – entre pausas de maior e menor duração, foram levados em consideração. Um desses fatores diz respeito à fluência na fala. 35 De acordo com Levin e Silverman (1965) e Levin, Silverman e Ford (1967), as pausas maiores na fala podem indicar que alguma organização cognitiva está ocorrendo nesses pontos da atividade verbal. Mas elas poderiam também ser associadas a estados motivacionais ou emocionais relacionados à dificuldade dos sujeitos de desenvolver a atividade enunciativa. Sobre a ação desses estados na fala, Lay e Paivio (1969) apontam o aumento de duração das pausas (especialmente as não-preenchidas) como pista da ansiedade produzida pela dificuldade de desenvolvimento da atividade verbal. Também Levin, Silverman e Ford (1967) destacam o fato de que a extensão das pausas (especialmente a das não-preenchidas) pode ser associada a uma situação de fala sob stress. Consequentemente, dificuldades de organização cognitiva combinadas com stress podem resultar em períodos mais disfluentes da fala, marcados pelo predomínio de pausas longas, especialmente no interior de constituintes. Momentos de disfluência associados a pausas mais longas – ligados a momentos de dificuldades cognitivas e/ou talvez a stress – ocorreram no material de análise, como se pode verificar nos exemplos que se seguem. Nesses exemplos: três pontos em sucessão (...) assinalam uma pausa; um número (x) entre parênteses indica sua duração em segundos; (:) ou (::) designam um menor ou maior alongamento de duração de uma vogal; e uma barra oblíqua (/) remete a interrupções de palavras15: PCN não ... (2.03192) é o:: … (1.18128) versabelo momentan/… (1.68864) momentâneo … (0.44696) é só ... (1.40672) é o … (0.51044) versabelo (2.79104) não sei o nome dele (0.61944 ) e-esporá/ (0.55672) esporádico PJP não porque:: ... (1.06964) começou esse problema de:: ... (3.99292) Parkinson ... (1.11728) Síndrome de Parkinson diz que é o n-nome correto ... (2.11356) e: desde então eu não … (1.28956) não gosto de sa/sair na rua Inversamente, de acordo com Levin, Silverman e Ford (1967), pausas mais breves podem ser relacionadas a trechos mais fluentes de fala. Nesse tipo de situação, 15 Este e os demais fragmentos foram transcritos de acordo com normas de Pretti e Urbano (1998). 36 essas pausas estariam ligadas, predominantemente, a retomadas do fluxo aéreo e, desse modo, “[...] poderiam servir como uma óbvia e necessária função fisiológica” (LEVIN; SILVERMAN, 1965, p. 68). Devido à doença, os sujeitos deste estudo – especialmente PJP – não poderiam ser considerados como fluentes. No entanto, seus períodos menos disfluentes de fala apresentam fatos mais próximos do que sugerem Levin e Silverman, já que foram marcados por pausas mais longas apenas no final de sentenças e, quando estas ocorriam no interior de constituintes, tiveram menor duração: PCN tá aparecendo … (1.16640) acho que tem que eu co:nheço un-un-uns … (0.06084) quatro ou cinco ... (2.54916) se fosse bastante a gente fazia aí organizava uma: … (0.47408) sucursal aqui mas … (0.46656) não tem PJP eu nu-num tenho assim … (0.86384) prazer de ir … (0.39664) por causa da minha situação né? … (1.13248) chega lá eles não podem tá dando uma atenção que eles querem dar porque … (0.61792) todos lá … (0.25880) trabalha Entretanto, em momentos nos quais os sujeitos apresentaram maior disfluência, também pude observar pausas breves. Destacarei dois tipos de contextos nos quais as pausas breves ocorreram nesses momentos. O primeiro deles diz respeito às situações de palilalia ou autoecolalia, ou seja, situações nas quais se verifica “[...] uma tendência compulsiva à propulsão psicomotora manifestar-se na fala acelerada” (CRITCHLEY, 1981, p. 754). Por exemplo: “e-esporá … (0.55672) esporádico” (PCN); “cance … (0.51820) cancelar” (PJP). Além disso, ambos os sujeitos apresentaram pausas breves entre o primeiro som de uma palavra e sua emissão completa, por exemplo: “f … (0.47196) fisioterapia” (PCN) and “v … (0.52068) vista” (PJP). Embora dificuldades motoras de articulação pareçam ser mais evidentes nesses exemplos, sua associação com problemas de memória não deveria ser descartada, uma vez que essas experimentações poderiam agir como pistas para recuperar aspectos fonológicos e/ou semânticos das palavras a serem emitidas (LURIA, 1972). 37 Um segundo contexto no qual ocorreram pausas breves em disfluências foi aquele antes de palavras iniciadas por consoantes oclusivas – como [p] e [k] para PCN e [t], [d] e [k] para PJP. Pausas breves nesse contexto poderiam ser vistas como índices de dificuldades articulatórias da doença envolvendo os movimentos da língua e dos lábios (CRITCHLEY, 1981), fato também observado por Kent (1982) em parkinsonianos e caracterizado por este autor como “má articulação plosiva”. Outro fato linguístico envolvido na relação entre pausas de maior e menor duração na enunciação falada de parkinsonianos é o aspecto semântico de palavras que sucediam pausas em momentos de seleção de palavras, interpretados pela literatura biomédica como déficits de reconhecimento (TWEEDY; LANGER; MCDOWELL, 1982). De acordo com Critchley (1981, p. 751), efeitos do medicamento dopamina não apenas influenciam a ação dos mecanismos prosódicos na fala como também “[...] podem afetar a habilidade de encontrar palavras”. De fato, pude observar dificuldades de seleção de palavras na enunciação dos dois sujeitos. A variação na duração das pausas que ocorreram nesses momentos poderia ser relacionada, por exemplo, à natureza mais concreta ou mais abstrata do significado das palavras a serem enunciadas. As pausas que precederam palavras com significado mais concreto tiveram duração média de 0.71590 segundos (dp = 0.55628; n = 14) para PCN e 0.75467 segundos (dp = 0.71736; n = 30) para PJP. Por outro lado, precedendo palavras de significado mais abstrato, as pausas tiveram duração média de 0.95704 (dp = 0.44733; n = 10) para PCN e 0.88690 (dp = 0.53004; n = 30) para PJP. Em síntese, em momentos de seleção de palavras, as pausas tenderam a ter maior duração diante daquelas com significado mais abstrato. Essa tendência confirma estudos desenvolvidos, por exemplo, por Goldman- Eisler (1961) e por Reynolds e Paivio (1968). 38 Ainda a esse respeito, um fato adicional chamou-me a atenção: ambos os sujeitos tiveram dificuldades na seleção de palavras que apresentavam o traço semântico “tempo” em sua enunciação. Nessas situações, de modo geral, os sujeitos fizeram uma pausa antes de se referirem a um período de tempo designado por anos, dias da semana ou horas. O que é digno de nota é que as pausas que ocorreram nesses momentos nunca tiveram duração menor do que 0.92496 segundos: a duração média das pausas de PCN foi de 1.17960 segundos (dp = 0.22703; n = 3) enquanto que a de PJP foi de 1.07893 (dp = 0.24418; n = 3). Os dados que observei a esse respeito obviamente são insuficientes para uma generalização – mesmo porque, no mínimo, se deveria produzir um estudo comparativo entre parkinsonianos e não-parkinsonianos com características de gênero, idade e escolaridade equivalentes para se saber até que ponto as dificuldades que encontrei dizem, mesmo, respeito à condição de parkinsoniano ou a outra(s) dessas condições. Feita a ressalva, os resultados a que cheguei sobre o traço semântico “tempo” na enunciação de parkinsonianos podem ao menos sugerir estudos posteriores sobre possíveis relações entre esse traço e o próprio estabelecimento do eixo enunciativo em sujeitos com Doença de Parkinson. Outro fato linguístico envolvido na relação entre pausas de maior e menor duração na enunciação falada dos dois sujeitos diz respeito a dois processos conversacionais típicos. O primeiro desses processos é a autocorreção. Nesse processo, os sujeitos detiveram-se em algumas palavras ou em partes de sua enunciação sentidas como rejeitadas e as mudaram. Para os dois sujeitos, a autocorreção foi preferencialmente semântica – ou seja, ambos substituíram uma palavra ou uma expressão por outras de sentido equivalente – embora PJP algumas vezes tenha se detido em palavras com similaridades fonológicas, mas com significados distintos: “encaminhando” por “eu caminhando” e “serviço” por “exercício”. Frequentemente eles 39 fizeram uma pausa logo após terem enunciado o que rejeitaram, em seguida enunciaram o que sentiram como desejado e, após, fizeram nova pausa. Para ambos os sujeitos, a primeira dessas duas pausas foi menor do que a segunda: PCN apresentou duração média de 1.09670 segundos (dp = 0.64613; n = 6) para a primeira pausa e 1.27804 (dp = 0.84901; n = 6) para a segunda, enquanto PJP apresentou, respectivamente, a duração de 0.59212 segundos (dp = 0.62045; n = 16) e 1.17085 (dp = 0.66046; n = 16). Ressalte-se, porém, que, como PCN teve, com muito mais frequência, enunciados de extensão menor do que PJP, muita informação sobre seus processos de autocorreção foi perdida, já que muitas de suas segundas pausas coincidiram com o final de seus enunciados. Além disso, dos seus 6 dados coletados, 3 foram extraídos do mesmo tópico, exatamente um tópico em que PCN apresentou enunciados mais desorganizados e disfluentes. Contudo, pelo menos sua tendência a ter pausas de maior duração depois da palavra ou estrutura corrigida – bastante pronunciada em PJP – foi mantida. Mais uma vez, porém, esse resultado merece maior investigação, baseada em trabalhos comparativos entre sujeitos parkinsonianos e sujeitos sem lesão neurológica. Há que se destacar que Marshall e Tompkins (1982) fazem referências a autocorreções verbais delimitadas por pausas em sujeitos com problemas neurológicos – particularmente sujeitos afásicos. De acordo com esses autores, tais processos de autocorreção sugerem que mesmo sujeitos com problemas neurológicos mantêm “[...] um grau residual de consciência da inadequação de muitas de suas respostas erradas” (p. 301). Na pesquisa que desenvolveram, esses autores notaram que os processos de autocorreção foram marcados também por comentários como “vamos ver” ou “espera um minuto”. Nesse aspecto, os sujeitos que investiguei não exibiram a tendência a fazer comentários. Apenas em PCN, e numa única ocasião, verifiquei tal recurso (“eu não sei o nome dele”). Uma vez que em ambos os sujeitos não encontrei comentários (além das 40 pausas) em seus processos de autocorreção, a ausência desse recurso pode sugerir que o tipo de doença seria um aspecto a ser levado em conta para a explicação desse mecanismo verbal. Também, num grupo de parkinsonianos em que os sujeitos apresentassem maior ou menor grau de comprometimento verbal, o grau de severidade da doença deveria ser levado em consideração quando se tematizassem os processos de autocorreção verbal. O segundo processo conversacional ligado à correção entre pausas de maior e menor duração é o que se poderia caracterizar como hesitação/confirmação. Nesse processo, os sujeitos primeiramente hesitaram antes de dizer algo, em seguida seu interlocutor solicitou deles uma confirmação e, finalmente, eles confirmaram o que vinham dizendo. Diferentemente do que se verificou nas autocorreções, os processos de hesitação/confirmação foram delimitados por uma pausa mais longa marcando a hesitação e uma pausa mais breve (ou mesmo a ausência de pausas) antes da confirmação. Por exemplo: PCN … (1.15288) diminuiu o-o remédio DDF16 diminuiu? PCN … (0.35056) é DDF cansava a perna do senhor? PJP … (1.74752) não, não cansava DDF não? PJP … (0.73412) não cansava não Nesses processos, PCN apresentou uma duração média de 0.77632 segundos (dp = 0.63767; n = 12) para a primeira pausa e 0.22850 (dp = 0.18742; n = 12) para a segunda; PJP apresentou, respectivamente, 0.89123 segundos (dp = 0.50530; n = 13) e 0.44803 (dp = 0.43045; n = 13) de duração média. Esses dados sugerem que confirmar é um processo mais fácil para os sujeitos, especialmente porque, nesse tipo de situação, o 16 Nestas e nas demais siglas que surgirão, a letra inicial D abrevia a palavra “documentadora”. As duas seguintes correspondem às iniciais do primeiro nome e do último sobrenome de cada documentadora. 41 interlocutor recupera para eles parte do que tinham acabado de enunciar. Entretanto, deveria também ser levado em consideração o fato de que os sujeitos talvez tenham feito as confirmações não porque eles realmente tenham entendido o que lhes foi solicitado mas porque tenham reconhecido uma estrutura linguística típica de confirmação. Um último fator linguístico envolvido na relação entre pausas de maior e menor duração será considerado. Este fator diz respeito a finais suspensivos ou descendentes das porções de fala dos sujeitos. Ambos combinaram entonação suspensiva e pausas mais curtas para marcarem uma porção não-conclusiva da conversação, bem como entonação descendente e pausas mais longas para marcarem o final de uma sentença, tanto no interior quanto no término do enunciado. PCN apresentou duração média de 0.68729 segundos (dp = 0.39920; n = 30) na primeira situação e 1.24027 (dp = 0.55037; n = 27) na segunda, enquanto PJP apresentou, respectivamente, os seguintes valores: 0.83420 segundos (dp = 0.49991; n = 70) e 1.33392 (dp = 0.66164; n = 80). Esses dados indicam que, embora a Doença de Parkinson traga prejuízos para as informações semânticas veiculadas pela prosódia, os dois sujeitos preservam pelo menos parte de sua capacidade de levar seus interlocutores em conta e assinalar-lhes variações de sentido produzidas por aspectos prosódicos da fala, como entonação e pausas. Com efeito, mesmo com suas limitações, os sujeitos ainda se mostraram capazes de produzir no ouvinte a sensação de continuidade da enunciação (por meio de entonação suspensiva e pausas mais curtas) ou de seu término (por meio de entonação descendente e pausas mais longas). Em acréscimo às observações feitas sobre a variabilidade na duração das pausas e sobre os fatores linguísticos envolvidos na relação entre pausas de maior e menor duração, serão expostas diferenças inter-sujeitos relativas à variabilidade na duração das 42 pausas que detectei em seus enunciados. As tabelas 1-4 indicaram que PJP teve pausas mais longas do que PCN em todas as faixas de duração, exceto a das pausas internas de duração média. Esse fato sugere maior hesitação ou latência em sua atividade verbal. É certo que ambos os sujeitos apresentavam dificuldades de memória – os próprios sujeitos fazem menção a essas dificuldades – e tais dificuldades possivelmente tenham interferido na duração de suas pausas. Durante as sessões de gravação, PCN, por exemplo, depois de uma pausa muito longa de 2.79104 segundos, observou: “não sei o nome dele”. Por sua vez, depois de duas pausas muito longas de 2.53408 e 2.58844 segundos, PJP observou, respectivamente: “mesmo porque-e D. eu tô tô com a memória muito ruim viu?” e “só que preciso tá com a relação [dos exercícios] na mão porque se não …”17. Contudo, segundo observações que fiz ao acompanhar a fonoaudióloga responsável pela terapia de ambos os sujeitos, PJP mostrou evidências mais significativas de perda de memória em comparação com PCN. Ademais, sua segunda observação sobre perda de memória mencionada acima ocorreu exatamente num tópico em que ele iniciou 5 enunciados com pausas longas e muito longas (respectivamente: 2.62508, 2.03296, 2.47820, 1.47988 e 2.53408 segundos). Também, ao iniciar enunciados, várias vezes PJP necessitou alguma forma de retomada ou esclarecimento sobre o que lhe havia sido dito para que pudesse continuar o processo enunciativo – e nesses momentos pude observar pausas relacionadas a essas retomadas ou esclarecimentos. Por exemplo: DDF e a igreja o senhor não vai? PJP … (0,54684) na igreja? DDF é cantar uns salmos lá PJP … (0,52336) é não eu não tenho ido 17 A propósito, a menção que PJP faz ao suporte que a escrita lhe dava me remete a Luria (1988) e seus experimentos sobre o papel da escrita como auxiliar da memória em crianças de 4-5 anos. 43 DDF o senhor tem engasgado? PJP … (1,32600) como? DDF o senhor tá tendo assim tosse durante a alimentação? PJP … (1,51556) não Portanto, nesse tipo de situação, a duração média maior nas pausas poderia funcionar como elemento para investigações posteriores sobre perda de memória em parkinsonianos. No entanto, outros fatos, desta feita relacionados à maior duração das pausas iniciais para PJP em relação a PCN, deveriam ser levados em consideração. As tabelas 1 e 3 mostram que PCN teve um total de 71,66% de suas pausas iniciais categorizadas como muito breves ou breves. Nessas mesmas faixas de duração, PJP teve 48,80% de suas pausas iniciais. Esse dado sugere que PJP combina maior tempo de reação à atividade verbal de seu interlocutor com latência precedendo sua própria enunciação, possivelmente porque “[...] latências e hesitações refletem a quantidade de conceptualização para a produção de sentenças” (TAYLOR, 1969, p. 170). Ainda a esse respeito, uma vez que “[...] produzir sentenças em diferentes taxas de elocução requer planificação e controle de velocidade de movimentos durante muitas sílabas” (LUDLOW; CONNOR; BASSICH, 1987, p. 196) e considerando que para os parkinsonianos “[...] na iniciação da fala pode ser necessário grande esforço físico para relaxar a rigidez da musculatura fonatória e articulatória” (CRITCHLEY, 1981, p. 753), a maior duração das pausas iniciais de PJP pode também sugerir que problemas motores relacionados à fala estejam envolvidos nesse processo. A propósito, outro fato possivelmente relacionado a essa sua maior dificuldade para iniciar os enunciados seria seus frequentes problemas para iniciar a marcha, contrariamente a PCN, que apresentava essa dificuldade com frequência muito menor. Consequentemente, o fato de que PJP apresentasse problemas para iniciar a fala combinado com seus problemas para iniciar a marcha e, inversamente, o fato de que PCN apresentasse essa combinação com 44 muito menos intensidade poderia fornecer suporte à visão de que, pelo menos para alguns parkinsonianos, “[...] a fala e os sistemas esqueletomotores partilham controle neural comum, a despeito de diferenças biomecânicas fundamentais” (VOLKMANN et al, 1992, p. 386). Ainda outro fato linguístico a respeito das diferenças entre PCN e PJP relativamente à variabilidade na duração das pausas deveria ser considerado. Os dados expostos nas tabelas 5 e 6 mostram grande variabilidade de duração média das pausas mistas entre os dois sujeitos. Embora os valores para as pausas preenchidas/não- preenchidas sejam próximos para ambos, nas pausas mistas, eles são maiores para PJP. Deve-se levar em conta que as pausas mistas desse sujeito frequentemente combinavam partes de silêncio com ruídos que evocavam problemas de deglutição e/ou algum tipo de perda de controle da respiração – fato que aconteceu com muito menos frequência com PCN. A princípio, a grande maioria das pausas mistas que ocorreram durante a atividade enunciativa de PJP – muitas vezes no interior de constituintes – poderia ser atribuída exclusivamente a problemas de deglutição ou de respiração. Entretanto, como o próprio ato de enunciar pela fala pode significar uma situação estressante (tanto no sentido físico quanto no psicológico) para muitos parkinsonianos e, também, como “[...] a frequência da respiração parece estar relacionada ao envolvimento emocional” (HENDERSON; GOLDMAN-EISLER; SKARBEK, 1965, p. 237), um melhor entendimento sobre as pausas mistas na Doença de Parkinson deveria necessariamente levar em conta diferentes maneiras pelas quais os aspectos linguísticos, fisiológicos e psicológicos dos sujeitos parkinsonianos podem ser combinados e detectados em sua enunciação. Acrescentarei uma informação de natureza complementar – mas não menos importante – sobre as pausas na enunciação de PCN e de PJP, embora não- especificamente relacionada a sua duração. No decorrer das sessões de gravação, 45 quando PCN enunciou pela primeira vez a palavra “Parkinson”, ele a repetiu e fez uma pausa entre as duas emissões da palavra. De modo mais pronunciado, PJP teve sua pausa mais longa (3,99292 segundos) no interior de um constituinte no qual a palavra “Parkinson” foi emitida pela primeira vez em sua enunciação. Além disso, nas outras três vezes em que PJP emitiu essa palavra na sessão de gravação: (a) ele fez uma pausa de 2,11356 segundos após ter dito “Parkinson”; (b) ele repetiu a primeira sílaba da palavra e separou a repetição da emissão completa por meio de uma pausa de 0,65104 segundos; e (c) ele rejeitou selecionar a palavra “Parkinson” na sentença “eu não descuido do … (1.46132) desse assunto”. Por conseguinte, as pausas na atividade verbal de parkinsonianos podem também funcionar como pistas de como os sujeitos estão psicologicamente envolvidos com a doença e como “imprimem” esse envolvimento em sua enunciação. Foram esses os principais resultados a que cheguei no estudo-piloto desenvolvido em meu estágio de pós-doutorado na University of Florida. Obviamente, dado seu caráter, os vários resultados que descrevi se caracterizaram, para mim, principalmente como direções possíveis para uma investigação mais aprofundada sobre o funcionamento das pausas na enunciação falada de parkinsonianos. Mas, além de direções, eles possibilitaram o levantamento de diversas questões. Com efeito: (1) a maior, ou menor, dificuldade de iniciar movimentos que observei, respectivamente, em PJP e em PCN referendaria a afirmação de que “[...] a fala e os sistemas esqueletomotores partilham controle neural comum, a despeito de diferenças biomecânicas fundamentais” (VOLKMANN et al, 1992, p. 386), ou seria apenas coincidência o fato de ambos os sujeitos apresentá-la tanto em relação à enunciação falada quanto em relação à marcha?; 46 (2) mais especificamente em relação à enunciação falada, uma possível dificuldade de iniciá-la seria (como postulam trabalhos sobre a Doença de Parkinson) decorrente exclusivamente de dificuldades motoras ou de dificuldades de uma integração de atividades motoras e simbólicas (cognitivas) ligadas à linguagem?; (3) uma vez que os fatos que observei no funcionamento das pausas dos sujeitos parkinsonianos podem, em princípio, ser observados também em sujeitos sem lesões neurológicas, em que medida esse funcionamento tornaria próximos, ou distantes, sujeitos com essa diferença de condição para a enunciação falada?; finalmente, (4) o funcionamento que descrevi no estudo-piloto se manteria ou se modificaria nos mesmos sujeitos após um intervalo significativo de tempo? Com relação à primeira questão, dada a dificuldade que tive de acesso a informações fundamentais para investigá-la, não pude fornecer respostas para ela. Para respondê-la, precisaria de informações sobre a atividade motora global de um grande número de parkinsonianos. No entanto, para obtê-las, precisaria ter contado com o apoio não só de profissionais que se ocupam da linguagem, mas, ainda, de profissionais de outros campos do conhecimento, especialmente das áreas clínicas – apoio que se mostrou muito difícil e, mesmo, impossível de se obter nas diversas tentativas que fiz de acesso a tais informações. Com relação à segunda questão, vou respondê-la parcialmente neste momento, uma vez que uma resposta mais completa depende de considerações que farei a propósito das outras duas questões. Para o momento, limito-me a dizer que, em razão da curiosidade de saber se a dificuldade de iniciar a enunciação falada resultava apenas de fatores de ordem motora ou de sua integração com fatores de ordem cognitiva em relação à linguagem, passei a investigar o funcionamento das pausas que ocorriam 47 justamente no início de enunciados, pelo fato de ter observado (tanto na escuta dos dados, quanto em situações de terapia com os sujeitos) que nesse momento da enunciação, além de questões motoras, também questões cognitivas (cuja base, mais tarde, vim a entender como de natureza discursiva) estavam em ação na porção do enunciado que se seguia a uma pausa. Com relação à terceira questão, para investigar até que ponto os funcionamentos das pausas que observei nos dois sujeitos parkinsonianos se aproximavam ou se distanciavam daqueles de sujeitos sem lesões neurológicas, cheguei à resposta que buscava no trabalho que Zaniboni (2002) desenvolveu sob minha orientação. Nesse trabalho, a autora analisou as pausas iniciais de enunciados verificadas em registros de conversação de PCN e de PJP, bem como as pausas iniciais extraídas de duas sessões de conversação de dois outros sujeitos sem lesão neurológica (uma sessão com cada um desses sujeitos). Para a seleção desses dois últimos sujeitos, a autora procurou estabelecer, na medida do possível, correspondências entre eles e os parkinsonianos no que se refere às variáveis sexo, idade, grau de escolaridade e atividade profissional. Como resultados da comparação, Zaniboni (2002) verificou que essas pausas: - ocorreram em maior número na enunciação dos parkinsonianos do que na dos não- parkinsonianos; - tiveram duração média maior nos parkinsonianos do que nos não-parkinsonianos; - apresentaram-se como silenciosas, preenchidas e mistas nos parkinsonianos e apenas como silenciosas nos não-parkinsonianos; - mantiveram fortes vínculos com todo o processo da enunciação tanto nos parkinsonianos quanto nos não-parkinsonianos, embora de modo particular em cada um desses dois grupos de sujeitos. 48 Dentre outras particularidades, a diferença entre os dois grupos, no que se refere ao vínculo entre pausas iniciais e enunciação, mostrou-se mais acentuada em situações enunciativas que exigiram maior grau de elaboração do enunciado, tais como aquelas baseadas no par dialógico “pedido de informação/forma aberta”. A presença de “forma aberta” mobilizou nos parkinsonianos uma incidência significativamente maior de pausas iniciais do que nos não-parkinsonianos. Além disso, Zaniboni (2002) observou, nos parkinsonianos, grande incidência de pausas preenchidas e mistas nesses momentos, em sua maioria com duração acima de 1,0 segundo – o que sugere que esses sujeitos talvez tenham disfarçado momentos de dificuldade na produção de seus enunciados (tanto em seu aspecto motor quanto em seu aspecto cognitivo) na tentativa de garantirem a continuidade de seus processos enunciativos. Distanciamentos e aproximações puderam, pois, ser estabelecidos em relação ao funcionamento das pausas iniciais de enunciados nos parkinsonianos e nos não- parkinsonianos. Com efeito, a maior presença de pausas, bem como sua maior duração e o seu preenchimento, podem produzir na enunciação falada dos parkinsonianos um efeito de ralentamento, quando essa atividade é comparada à dos não-parkinsonianos. Por um lado, esse ralentamento pode ser entendido, segundo Zaniboni (2002), como um processo alternativo de enunciação ao qual os parkinsonianos recorrem na tentativa de manter a efetividade de sua atividade dialógica, fato que os distingue dos não- parkinsonianos. No entanto, por outro lado, independentemente de sua condição de parkinsonianos, esses sujeitos, assim como ocorreu com os não-parkinsonianos, não mais fizeram mais do que se servirem de recursos fornecidos pela própria linguagem, fato que aproxima os dois grupos de sujeitos. Por fim, respostas à quarta questão – investigar se o modo como as pausas iniciais de enunciados se modificava após um intervalo significativo de tempo – foram 49 fornecidas em trabalho desenvolvido por Oliveira (2003), também sob minha orientação. Nesse trabalho, a autora analisou o funcionamento dessas pausas em quatro registros de conversa de PCN e de PJP (dois de cada), feitos com um intervalo de tempo de um ano e oito meses. Feito o levantamento das pausas iniciais de enunciados nesses quatro registros dos dois sujeitos parkinsonianos, a autora examinou suas características acústicas de duração e de preenchimento para, em seguida, relacionar essas características das pausas com o desenvolvimento dos enunciados que elas iniciavam. Da primeira para segunda gravação, Oliveira (2003) verificou que os dois sujeitos apresentaram: - de modo geral, maior percentual de pausas médias e longas em sua atividade conversacional; - também de modo geral, diminuição no percentual de suas pausas silenciosas e aumento no percentual de suas pausas preenchidas e mistas; - de modo específico, diminuição de pausas breves antes de enunciados desenvolvidos e um aumento de pausas médias e longas antecedendo esse mesmo tipo de enunciado; - também de modo específico, aumento de pausas silenciosas antes de enunciados não-desenvolvidos; - ainda de modo específico, diminuição de pausas silenciosas antes de enunciados desenvolvidos e aumento de pausas preenchidas e mistas antecedendo esse mesmo tipo de enunciado. Esses resultados permitiram à autora não só verificar que o modo de funcionamento das pausas nos mesmos sujeitos apresentou modificações num intervalo significativo de tempo, mas também que essas modificações podiam indiciar alterações da linguagem decorrentes da progressão da doença. Tais modificações sugeriram, para 50 Oliveira (2003), que não só a presença de pausa, mas especialmente suas características de duração e de preenchimento, seriam de fundamental importância (ou talvez, mesmo, aspectos imprescindíveis) para que os sujeitos pudessem produzir seus enunciados com a progressão da doença. Os resultados a que chegaram Zaniboni (2002) e Oliveira (2003) possibilitam, então, complementar a resposta que não forneci integralmente à segunda questão. Assim, com relação à dificuldade de iniciar enunciados falados, diferentemente do que postulavam os trabalhos sobre a doença de Parkinson a que tive acesso, os resultados acima mostrados sugerem que ela não decorreria de dificuldades motoras consideradas isoladamente, mas sim de dificuldades na integração entre aspectos motores e cognitivos ligados ao exercício da linguagem. Com efeito, em relação a sujeitos não-parkinsonianos, os sujeitos parkinsonianos apresentaram, por exemplo, não somente maior presença de pausas como, ainda, pausas de maior duração e com presença de preenchimento para iniciarem enunciados baseados no par dialógico “pedido de informação/forma aberta”. Além disso, os mesmos sujeitos parkinsonianos, com a progressão da doença, passaram a apresentar maior presença de pausas longas e com preenchimento no início de enunciados desenvolvidos, ou seja, enunciados que exigiam processos verbais mais elaborados, ficando circunscritas as pausas mais breves e silenciosas praticamente ao início de enunciados não-desenvolvidos. Trata-se, pois, de bons indícios de que não se podem dissociar os aspectos motores dos aspectos cognitivos (como faz a literatura dominante sobre a Doença de Parkinson) se se quiser uma explicação mais convincente dos problemas de linguagem de sujeitos parkinsonianos. * * * 51 Algumas palavras finais devem ser ditas a propósito desse conjunto de resultados. Talvez o maior sentido deles para minha trajetória de investigação tenha sido a construção de um olhar: chegar a eles sob uma perspectiva de relações e não de dicotomizações (COUDRY, 2002), atento às várias faces em correspondência (acústica, fisiológica, psíquica, individual, social) detectadas por Saussure (1979) no fenômeno linguístico. Também acredito que ter chegado a esses resultados foi possível, sobretudo, pelo fato de os dados analisados terem sido extraídos de entrevistas semidirigidas. Como essas entrevistas se aproximaram bastante de situações reais de conversação, processos mais elaborados da produção verbal não detectados e/ou não explorados pela literatura biomédica emergiram largamente no material de análise e puderam, portanto, ser trazidos à luz. Desse modo, conforme antecipei, a própria metodologia se mostrou como um ganho científico na investigação das questões de linguagem de sujeitos parkinsonianos. Quanto ao objeto de investigação – o caráter não-apropriado das pausas –, cheguei a uma (primeira) tentativa de interpretação de seu funcionamento. O que a literatura biomédica interpreta como pausas colocadas anormalmente na fala de sujeitos com Doença de Parkinson, decorreria, numa visão linguística, de um processo alternativo de enunciação (resultante da condição de parkinsoniano). Nesse processo, longe de se configurar como casual, aleatória, não-apropriada, a instabilidade das pausas ou (1) mascarava regularidades linguístico-textuais (já que suas diferenças de duração estruturalmente distinguiam: mudanças de tópicos conversacionais; aspectos semânticos mais, e menos, abstratos de palavras; mecanismos de autocorreção; estratégias de hesitação/confirmação; finais suspensivos e descendentes de enunciados) ou (2) denunciava seu caráter hesitativo (mostrado nos momentos mais disfluentes da 52 produção dos enunciados). Podia ser atribuída, ainda, a fatores de ordem interna dos parkinsonianos que produziam seus efeitos no ato enunciativo e/ou, por extensão, no processo conversacional – como, por exemplo: ansiedade; estados motivacionais ou emocionais relacionados à dificuldade dos sujeitos de desenvolver a atividade enunciativa; situação de fala sob stress; dificuldades de organização cognitiva combinadas com stress; dificuldades de memória; dificuldades no controle de movimentos envolvidos na produção física da fala; ou, em síntese, as diferentes maneiras como aspectos linguísticos, fisiológicos e psicológicos dos sujeitos parkinsonianos pode