UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DOCÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA CURRÍCULO DE SOCIOLOGIA: UM ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER CRISTIANE MONTEIRO LETTER BAURU 2021 CRISTIANE MONTEIRO LETTER CURRÍCULO DE SOCIOLOGIA: UM ESTUDO SOBRE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do título de Mestre, a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Faculdade de Ciências, Campus de Bauru – Programa de Pós-graduação em Docência para a Educação Básica. Orientador: Prof. Dr. Vitor Machado. BAURU 2022 FICHA CATALOGRAFICA CÓPIA DA ATA 14 DEDICATÓRIA “Dedico esta monografia aos meus amores, a minha filha Carolina, ao meu companheiro Júlio César, a minha mãe Ângela, ao meu irmão Fábio que foram grandes companheiros na minha jornada. Muito obrigada! Quero agradecer ao meu orientador professor Dr. Vitor Machado cuja dedicação e paciência serviram como pilares de sustentação para a conclusão deste trabalho. Grato por tudo.” AGRADECIMENTOS Agradeço a oportunidade de fazer parte do Programa de Pós-Graduação em Docência para Educação Básica. A pesquisa me permitiu cursar disciplinas que contribuíram para a minha formação, além de ter sido um enorme prazer. Também a pesquisa me agraciou com a orientação do Prof.º Dr. Vitor Machado que foi fundamental para eu chegar aqui. Por fim, agradeço aos meus familiares pela compreensão e colaboração. RESUMO A presente pesquisa teve como objetivo investigar como a Sociologia na educação básica aborda o tema violência doméstica. O trabalho assumiu um caráter documental de pesquisa e investigação. A pesquisa buscou analisar a persistência cultural da violência contra a mulher pautada nos altos índices de ocorrências registrados no país. O recurso utilizado pela pesquisa foi examinar a trajetória de luta do Movimento Feminista no Brasil e seus desdobramentos no ordenamento jurídico brasileiro. Dentro desta perspectiva jurídica, em que se consagra uma legislação específica de proteção à mulher, observa-se que esta não consegue reprimir a violência dirigida a sua condição de gênero. Com o propósito de contribuir com o ensino de Sociologia, foi elaborado um objeto de aprendizagem à luz da Pedagogia Histórico Crítica, “Jogo Didático de Sociologia: pensando com meus botões sociológicos”. A finalidade é proporcionar uma problematização sobre a violência doméstica utilizando o jogo como uma ferramenta didática na abordagem do tema, sendo uma das etapas da sequência didática dedicada a tratar a violência contra a mulher, para ser disponibilizada como uma estratégia de aprendizagem que pode ser aplicada no segundo bimestre da terceira série do ensino médio. Palavras-chave: Educação; Ensino de Sociologia; Gênero, Patriarcalismo Violência doméstica. 14 ABSTRACT This research sought to analyze the cultural persistence of violence against women based on the high rates of occurrence registered in the country. The work assumed a documentary character of research and investigation. The resource used in the research was to examine the trajectory of struggle of the Feminist Movement in Brazil and its consequences in the Brazilian legal system. Within this legal perspective, in which specific legislation for the protection of women is enshrined, it is observed that they are unable to repress violence directed at women. In this sense, the objective of the research was to investigate how sociology in basic education approaches the theme of domestic violence. With the purpose of contributing to the teaching of Sociology, a learning object was elaborated in the light of the Critical Historical Pedagogy, “Didactic Game of Sociology: thinking with my sociological buttons”. The purpose is to provide a problematization of domestic violence using the game as a didactic tool in approaching the theme, being one of the stages of the didactic sequence dedicated to treating violence against women, to be adopted and applied in the second bimester of the third series of high school. Keywords: Education; Teaching of Sociology; Domestic violence; Gender; Patriarchy. 15 Sumário 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 16 2 METODOLOGIA ............................................................................................................... 20 2.1 A ESCOLA PESQUISADA E SUAS CARACTERÍSTICAS ............................................ 26 2.2 O CONTEXTO DA PESQUISA .................................................................. 28 2.3 ANÁLISE DOCUMENTAL E O PROCESSO DE PESQUISA ..................... 31 3 UM BREVE HITÓRICO DO FEMINISMO NO BRASIL ......................................... 34 3.1 O FEMINISMO NO BRASIL ........................................................................ 34 3.2 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM FENÔMENO HISTÓRICO CULTURAL........................................................................................................36 3.3.A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES....................39 3.4 ANÁLISE DE DADOS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER....................43 4 O PAPEL DA EDUCAÇÃO E DA ESCOLA COMO PRÁXIS PEDAGÓGICA NO COMBATE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ................................................ 50 4.1 O PAPEL DA EDUCAÇÃO E DA ESCOLA.................................................50 4.2 O ENSINO DE SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA............................58 4.2.1 A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA SOCIOLOGIA .....................................60 5. O CURRÍCULO PAULISTA DE SOCIOLOGIA: UMA ANÁLISE CRÍTICA....68 5.1 ANÁLISE COMPARATIVA DO CURRÍCULO PAULISTA DE SOCIOLOGIA ANTES E DEPOIS DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO .................................. 72 6. O PRODUTO PEDAGÓGICO OBJETO DE APRENDIZAGEM ........................ 88 6.1 A PEDAGOGIA HISTÓRICO CRÍTICA E O ENSINO DE SOCIOLOGIA: CONSTRUINDO ESTRATÉGIAS PARA O COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ....................................................................................................... 89 6.2 A DESCRIÇÃO DO OBJETO DE APRENDIZAGEM...................................98 6.2 A APLICACÃO DA SEQUÊNCIA DE DIDÁTICA E JOGO..........................106 CONIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 109 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 112 14 ÍNDICE DE FIGURAS FIGURA 1: FACHADA DO MURO DA E. E. AZARIAS LEITE – BAURU/SP. ............................ 27 FIGURA 2: PÁTIO DA E. E. AZARIAS LEITE – BAURU/SP. ..................................................... 27 FIGURA 3: PÁTIO DA E. E. AZARIAS LEITE – BAURU/SP. ..................................................... 28 FIGURA 4: E. E. AZARIAS LEITE – BAURU/SP. ....................................................................... 28 FIGURA 6: PERFIL ETÁRIO DAS VÍTIMAS DE FEMINICÍDIO POR CAUSA VIOLENTA. ....... 45 FIGURA 7: LOCAL DO CRIME ................................................................................................... 46 FIGURA 8: PERFIL ÉTNICO DAS MULHERES ASSASSINADAS. ........................................... 47 FIGURA 9: CAUSA MORTE DE MULHERES. ........................................................................... 48 FIGURA 10: FEMICÍDIOS NO BRASIL ...................................................................................... 49 FIGURA 11: DISTRIBUIÇÃO DE MATRICULAS ENSINO MÉDIO E SUPERIOR. .................... 66 FIGURA 12: ESCOLARIDADE POR COR E RAÇA. .................................................................. 67 FIGURA 13: ANALFABETISMO POR COR DA PELE ............................................................... 67 FIGRURA 14: DISTRIBUIÇÃO DAS MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA NO ANO 2017. 68 FIGURA 15: CURRÍCULO (SÃO PAULO, 2011), SOCIOLOGIA: 2º ANO, 4º BIMESTRE. ....... 73 FIGURA 16: CADERNO DO PROFESSOR (SÃO PAULO, 2014), SOCIOLOGIA: 2º ANO, 4º BIMESTRE. ................................................................................................................................. 74 FIGURA 17: CADERNO DO PROFESSOR (SÃO PAULO, 2014), SOCIOLOGIA: 2º ANO, 4º BIMESTRE. ................................................................................................................................. 75 FIGURA 19: CADERNO DO PROFESSOR (SÃO PAULO, 2011), SOCIOLOGIA: 2º ANO, 4º BIMESTRE. ................................................................................................................................. 77 FIGURA 20: CADERNO DO PROFESSOR (SÃO PAULO, 2011), SOCIOLOGIA: 2º ANO, 4º BIMESTRE. ................................................................................................................................. 78 FIGURA 21: CADERNO DO PROFESSOR (SÃO PAULO, 2011), SOCIOLOGIA: 2º ANO, 4º BIMESTRE. ................................................................................................................................. 79 FIGURA 22: CADERNO DO ALUNO (SÃO PAULO, 2014), SOCIOLOGIA: 2º ANO, 4º BIMESTRE, P.103. ...................................................................................................................... 82 FIGURA 23: CADERNO DO ALUNO (SÃO PAULO, 2019), SOCIOLOGIA: 2º ANO, 4º BIMESTRE. ................................................................................................................................. 82 FIGURA 24: CADERNO DO ALUNO (SÃO PAULO, 2020), SOCIOLOGIA: 2º ANO, 4º BIMESTRE, P.110. ...................................................................................................................... 83 FIGURA 25: CADERNO DO ALUNO (SÃO PAULO, 2020), SOCIOLOGIA: 2º ANO, 4º BIMESTRE. ................................................................................................................................. 84 FIGURA 26: CADERNO DO ALUNO (SÃO PAULO, 2020), SOCIOLOGIA: 2º ANO, 4º BIMESTRE. ................................................................................................................................. 85 FIGURA 27 – COMPETÊNCIAS E HABILIDADES. CATEGORIA E OBJETIVO DE CONHECIMENTO DE SOCIOLOGIA. ........................................................................................ 91 FIGURA 28 – A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL: PERFIL ETÁRIO .................. 92 FIGURA 29 – A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ESTADO CIVIL ......................................... 93 FIGURA 30 – A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: COR DA PELE ......................................... 93 FIGURA 31 – NÚMERO DE FEMINICÍDIOS NO BRASIL ENTRE 2016-2020 .......................... 93 FIGURA 32– INCIDÊNCIA DE FEMINICÍDIOS – FAIXA ETÁRIA. ............................................. 94 15 FIGURA 33: FEMINICÍDIOS E DEMAIS MORTES INSTRUMENTO EMPREGADO. ............... 94 FIGURA 34: VIOLÊNCIA CONTRA MULHER – O QUE DIZ A NORMA? .................................. 95 FIGURA 35: VIOLÊNCIA CONTRA MULHER – O QUE DIZ A NORMA? .................................. 96 FIGURA 36: VIOLÊNCIA CONTRA MULHER – O QUE DIZ A NORMA? .................................. 96 FIGURA 37: VIOLÊNCIA CONTRA MULHER – O QUE DIZ A NORMA? .................................. 97 FIGURA 38 – VIOLENTRÔMETRO. ......................................................................................... 100 FIGURA 39: JOGO DIDÁTICO DE SOCIOLOGIA: “PENSANDO COM MEUS BOTÕES SOCIOLÓGICOS”. .................................................................................................................... 101 FIGURA 40 - TABULEIRO ........................................................................................................ 102 FIGURA 41 – PEÇA DO JOGO: BOTÕES ............................................................................... 102 FIGURA 42: CARTÕES DO JOGO COM AS SITUAÇÕES PROBLEMA ................................ 104 FIGURA 43: CARTÕES DO JOGO COM AS SITUAÇÕES PROBLEMA ................................ 105 FIGURA 44: CARTÕES DO JOGO COM AS SITUAÇÕES PROBLEMA ................................ 106 16 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho teve como objetivo investigar como o Currículo Paulista de Sociologia (SÃO PAULO/2021) aborda o tema violência doméstica, e violência contra a mulher, na Educação Básica no Estado de São Paulo (SÃO PAULO,2020). Os caminhos percorridos pela pesquisa contaram com o levantamento de dados estatísticos, revisão bibliográfica dos conceitos de violência doméstica e violência contra a mulher, análise documental do Currículo Paulista de Sociologia e, nesta etapa da investigação foi realizado um breve estudo comparativo do Currículo Paulista de Sociologia vigente no período de 2009 à 2020, e o lançado em 2021, pelo governo do Estado de São Paulo, já adequado ao Novo Ensino Médio (SÃO PAULO, 2021). Por último, os desdobramentos da pesquisa deveria resultar em uma proposta de intervenção no Currículo Paulista de Sociologia (SÃO PAULO, 2021). A proposta de intervenção também deveria contar com um produto pedagógico, e nesta dissertação foi elaborado uma sequência didática utilizando como recurso metodológico para construção a Pedagogia Histórico Crítica (SAVIANI, 2011), e o produto finalmente, um Jogo Didático Sociológico: pensando com meus botões sociológicos, utilizado como uma estratégia de aprendizagem a ser aplicado na etapa inicial de sequência didática como um momento lúdico de problematização da violência doméstica. Como recurso metodológico esta pesquisa de cunho qualitativo utilizou a proposta de VIANA (2015) que sugere em seus estudos um método de análise de conteúdo a partir das “representações cotidianas” e, assim realizamos um levantamento documental do Novo Ensino Médio (SÃO PAULO, 2021) e do Currículo o estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2009), a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018) homologada em dezembro de 2018. O mesmo procedimento investigativo se debruçou sobre a trajetória de luta do movimento feminista com o intuito de compreender a persistência cultural desta violência. O levantamento documental esteve acompanhado das análises dos 17 dados socioeconômicos e índices de violência sobre a realidade social da mulher no Brasil. O contexto da pesquisa, buscou a compreensão do tema abordado “a persistência cultural da violência contra a mulher”, dentro de uma conjuntura institucional brasileira, na qual a Constituição Federal Brasileira (BRASIL, 1988) promulgada em 1988, assegura que todo o indivíduo em solo brasileiro tem a garantia da vida, da saúde, da segurança e proteção contra qualquer forma de violência seja a física ou tortura, seja a violência psicológica ou simbólica, expressas muitas vezes por meio da discriminação ou preconceito, Neste sentido, institucionalmente, o Brasil pode ser considerado um dos países no mundo com um ordenamento jurídico extremamente avançado no tocante aos direitos sociais, tomando como referência a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), apelidada por Ulysses Guimarães: “a constituição cidadã”, assim apontou também o jurista italiano Luigi Ferrajoli, estudioso importante de Direito Constitucional, em palestra realizada em 15 de outubro de 2013 na sede do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Nesta mesma perspectiva institucional de análise, a Lei Maria da Penha de 2006 (BRASIL, 2006), é considerada a terceira melhor legislação de proteção a mulher de acordo com o relatório global do Fundo de Desenvolvimento da ONU para a Mulher (UNIFEM): "Progresso das Mulheres no Mundo 2008/2009" (ONU, 2009), a legislação brasileira ficou ao lado da Lei de Proteção contra a Violência de Gênero da Espanha (ESPANHA, 2004), considerada a primeira em abrangência, pois além de combativa trata a importância da educação pela igualdade de gênero e prepara os estudantes para desenvolver a habilidades em resolução de conflitos de gênero. Em segundo lugar está o Chile, com a Lei Violência Intrafamiliar n.º 20.066 de 2005 (CHILE, 2005), a qual estende a proteção às crianças e idosos, bem como auxilia as vítimas. O estudo sobre “a persistência da violência contra a mulher”, levou-nos a algumas reflexões acerca da perspectiva cultural da sociedade brasileira, na medida, em que por não se respeitar a lei maior do país que é a sua Constituição Federal (BRASIL, 1988), nos vemos obrigados a reforçar normativamente a proteção de públicos alvos mais vulneráveis, por meio da edição de Estatutos como o da Criança e Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990), 18 Estatuto do Idoso, como os mencionados anteriormente e, assim, a edição de Estatutos como do Idoso (Lei 10.741/2003) (BRASIL, 2003), Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) (BRASIL, 2010), Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) (BRASIL, 2006) e a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015) (BRASIL, 2016). A análise da conjuntura institucional brasileira revela o caráter cultural no tocante aos valores referentes a dignidade humana, podemos afirmar a partir da desnaturalização dos fenômenos sociais citados, que estes conduziram o país a buscar segurança jurídica às minorias mencionadas. Neste sentido, a sociedade brasileira culturalmente naturalizou certo grau de violência em virtude, das raízes históricas nas quais foram alicerçadas a estrutura da sociedade no Brasil. Um país que se organizou economicamente sobre a égide do escravismo e patriarcalismo, ou seja, sistemas sociais e econômicos fundados na submissão, dominação e exclusão, que em outras palavras, produzem o acúmulo de capital a partir da exploração do ser humano em sua condição de vulnerabilidade social. Os capítulos seguem abordando uma sequência que retrata o percurso da pesquisa. O capítulo 2 tratou da metodologia utilizada, trazendo o referencial teórico de VIANA (2015) sobre a abordagem do método pelas representações cotidianas e complexas. O contexto de pesquisa, os documentos analisados. O terceiro capítulo aborda o conceito de violência doméstica e feminicídio com a análise de dados estatísticos, com uma breve reconstrução do movimento feminista no Brasil em uma perspectiva histórica até nossos dias. No quarto capítulo é apresentada uma reflexão sobre a educação, a escola como práxis pedagógica no combate a violência contra a mulher. O quinto capítulo aborda o ensino de Sociologia na educação básica e sua trajetória histórica. Ainda no quinto capítulo é realizado um estudo sobre o Currículo de Sociologia do estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2014) e o Novo Ensino Médio Paulista (SÃO PAULO, 2020). No último capítulo, o sexto é apresentada a sequência didática e o jogo didático produzido para a abordagem lúdica da prática social inicial e com o desenvolvimento do jogo a problematização do problema. 19 Desta forma, a pesquisa resultou na elaboração de um jogo (Jogo Didático de Sociologia: Pensando com os botões da Sociologia), descrito na sexta seção deste trabalho, cuja estratégia de abordagem do tema violência contra mulher, deu-se a partir de situações corriqueiras do cotidiano produzindo uma problematização sobre o tema (SAVIANI, 2012), na qual o professor assume uma posição de mediador do processo de ensino/aprendizagem, sendo uma forma de interagir com o estudante criando um ambiente menos refratário a discussão. O contexto da pesquisa, sofreu as consequência das adversidades provocadas pela pandemia do COVID – 19 (SARVS-COV-2) que colocou a educação básica no ensino remoto e, neste sentido, a aplicação do jogo e Sequência didática planejadas não pode contar com a mesma observação que teria ocorrido presencialmente. Sendo docente em duas escolas do município de Bauru, uma Unidade Escolar do estado de São Paulo e outra da rede privada. Cabe ressaltar que neste cenário de atuação e de calamidade pública, evidentemente que as condições materiais desiguais dos estudantes da rede pública tiveram direcionados o atendimento através das aulas remotas centralizadas no Centro de Mídias de São Paulo (CMSP), sendo assim a dificuldade de aplicação do trabalho e, neste sentido, a aplicação da sequência didática foi direcionada para a rede privada. O estudo do movimento feminista demandou diversos desafios visto que temos dois caminhos a serem visitados, um sendo a partir da história do feminismo, enquanto movimento social em ação, e de outro a produção teórica feminista nas várias áreas do conhecimento (PINTO,2010). Os caminhos da pesquisa ao examinar o movimento feminista a partir da produção teórica na área das ciências sociais significou me deparar com as discussões epistemológicas sobre o tema que trouxeram-me a ideia de desconstrução de valores e verdades universais, trazendo ao feminismo uma pluralidade de sujeitos como mulher-negra, mulher-homossexual, mulher- camponesa-pobre que são referenciadas enquanto pautas identitárias. Neste sentido, tendo como objetivo principal a construção de um produto facilitador da aprendizagem, adotei a história do movimento feminista, enquanto ação social, como o principal referencial teórico de investigação na 20 medida que fatores como o tempo e a preocupação com o produto delinearam a pesquisa. O percurso da história do movimento feminista não se distancia da produção teórica, visto que a prática social do movimento feminista se apresenta como um reflexo em parte da produção acadêmica, pensando assim, a unicidade original do movimento. Aqui uso o termo unicidade não com o objetivo de ser refratária às pautas identitárias, mas sim buscando demonstrar que os frutos dos estudos retornam como contribuições à sociedade moderna através da ação social do movimento feminista. 2 METODOLOGIA O recurso teórico metodológico utilizado na presente dissertação é a pesquisa em representações cotidianas do autor Nildo Viana (2015), como instrumento teórico de análise do fenômeno social da violência contra a mulher, para análise qualitativa dos dados estatísticos coletados sobre a violência sofrida pelas mulheres brasileiras. A presença e certo grau de permanência de uma violência dirigida à mulher pela sua condição de gênero são observadas nas análises dos dados como, ironicamente democráticos, no sentido, em que atinge as mulheres de todas as classes socais. Justifica-se a escolha teórica-metodológica da pesquisa em representações cotidianas, justamente por buscar uma análise que não se contente com as identificações que os dados de violência apresentam dentro da perspectiva conjuntural de leitura da realidade social como: cor, escolaridade, classe social, faixa etária, etc. A preocupação objetivamente era analisar o fenômeno da violência considerando a influência do patriarcado na totalidade social sobre os indivíduos nas diversas relações sociais no interior da sociedade de classes no Brasil. Em outras palavras, independentemente da posição dos sujeitos seja na condição de vítima ou agressor dentro da divisão social do trabalho, os dados demonstram a recorrência de violência contra a mulher. As representações cotidianas são as manifestações que apresentam as características da vida cotidiana, que naturalizada, se reproduz sem uma reflexão profunda sobre o mundo e mesmo sobre a realidade que circunda as 21 pessoas. Embora a vida cotidiana seja diferente em cada classe social, ela apresenta alguns elementos comuns que perpassam todas as classes, ou seja, as representações cotidianas expressam formas de consciência de classe, ou seja, um modo de vida próprio, entretanto, há uma sociabilidade comum a todas as classes sociais. De acordo com VIANA (2015), a pesquisa deve ter como ponto de partida a realidade para se compreender a representação e não o contrário partindo da representação para compreender a realidade. As contribuições teórico-metodológicas do autor VIANA (2015) estão alicerçadas no pensamento de Marx: “O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da natureza dos meios de vida já encontrados e que têm que reproduzir. Não se deve considerar tal modo de produção de um único ponto de vista, a saber: a reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se muito mais, de uma determinada forma de atividade dos indivíduos, determinada forma de manifestar sua vida, determinado modo de vida dos mesmos. Tal como os indivíduos manifestam sua vida, assim são eles. O que eles são coincide, portanto, com sua produção, tanto como o que produzem, com o modo como produzem. O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção” (MARX & ENGELS, 1991, p.28). Neste sentido, retoma-se ao pensamento de Marx: “Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência” (MARX & ENGELS, 1991, p. 37). Nas sociedades de classes as representações cotidianas são distintas entre as diferentes classes sociais, mesmos tendo elementos comuns que são o da sociedade em geral. Este ponto nos interessa para a análise da violência contra a mulher na medida em que o capital (SAFFIOTI,2004) contou com o patriarcado para estabelecer na divisão social do trabalho uma desigualdade de gênero no tocante as remunerações bem como a ocupação dos cargos de chefia. Dentro deste universo o patriarcalismo como elemento totalizante da sociedade na medida em que está presente na divisão social do trabalho, produz uma desigualdade de gênero no mercado de trabalho. De acordo com o estudo realizado pelo IBGE (BRASIL, 2018) para o Dia internacional da Mulher, como base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) revelou que quanto maior a escolaridade entre as mulheres menor são as diferenças 22 salariais em percentuais. Entretanto, não observa-se grandes diferenças quanto a presença das mulheres nos cargos de chefia. Para o autor, as representações cotidianas (VIANA, 2015) buscam constituir uma explicação interna, para tanto, VIANA (2015) recorre a distinção entre opinião e convicção realizada por FROMN e MACCOBY, os autores identificam que as representações cotidianas possuem um núcleo central e elementos periféricos que as constituem. No tocante a distinção entre opinião e convicção realizada por FROMN e MACCOBY (1972), se faz necessária o devido esclarecimento que os autores apresentam e o autor VIANA (2015) utiliza. Em outras palavras, a convicção seria algo enraizado, ou seja, profundo, produto da reflexão e escolhas do sujeito, que incorporadas no indivíduo passam a ser o núcleo das representações cotidianas. Já a opinião se caracteriza como algo superficial, sem reflexão, refletindo a aceitação das ideias que são socialmente compartilhadas. A violência contra a mulher se apresenta como fenômeno social recorrente e em certa medida naturalizado nas relações sociais. Dentro desta perspectiva, entender a condição de persistência do fenômeno motivou a investigação. Esta observação nos remete ao esclarecimento que o autor VIANA (2015) faz sobre a cotidianidade que “é marcada pela simplicidade, regularidade e naturalidade” (VIANA, p. 540, 2015). Neste momento, contribui para o entendimento da pesquisa e talvez a própria motivação desta, as impressões da pesquisadora enquanto docente da disciplina de Sociologia nos três anos do Ensino Médio na Educação Básica na rede pública do estado de São Paulo. A vivência no interior do espaço escolar, no sentido, de transitar entre os jovens e no ambiente de sala de aula, na condição de professora mediadora da discussão e debate sobre a violência contra a mulher observou certo grau de naturalização de tal violência por parte dos jovens, alimentados pelo sentimento de pertencimento do outro nas relações afetivas, identificando a presença dos sentimentos de posse e domínio nos relacionamentos afetivas como reflexo da ideologia patriarcal. 23 As falas que permitem tal observação são: “a mina é minha”. Essa é a expressão e explicação recorrente entre os meninos entre 15 e 17 anos, que são moradores do bairro, periferia da cidade. De acordo com Viana (2015, p. 540), “A naturalidade é a forma de existência na qual o mundo não é questionado, problematizado, como se tudo fosse assim e não precisasse de questionamento”. Neste mesmo espaço escolar, também há jovens que não tomam a violência contra a mulher como algo naturalizado e sim como uma violência contra os direitos humanos. Estas impressões fazem parte tanto da posição da professora enquanto sujeito do processo ensino/aprendizagem, como também um elemento a ser superado na medida em que esta naturalização se apresenta como uma condição que barra o desenvolvimento do processo ensino aprendizagem na medida que estes jovens que percebem o fenômeno da violência como algo natural se posicionam como sujeitos refratários à educação que combate à violência contra a mulher. Retomando as palavras do autor, sobre as características da representação cotidiana: “as representações cotidianas são formas simples de compreensão do mundo e processos, da mesma forma que não reflete sobre a produção, aquelas que utilizamos em nossa vida cotidiana. Quando um indivíduo liga a televisão para assistir a um programa, ele não questiona o funcionamento do aparelho de TV, seus mecanismos e processos, da mesma forma que não reflete sobre a produção social do programa e de tudo que o envolve, (...)” (VIANA, 2015, p.547). Ainda sobre as características da representação cotidiana, VIANA (2015) utiliza o próprio exemplo da televisão para explicar a regularidade, ou seja, no geral os indivíduos tendem a ligar os aparelhos de TV nos mesmos horários, os programas da TV também possuem regularidade começando sempre na mesma hora, com duração pré-fixada, etc. Seguindo o autor VIANA (2015), na busca por explicações para as representações cotidianas, o autor alicerçado no materialismo histórico– dialético de MARX (1991), compreende que a vida cotidiana é determinada pelo modo de vida, que é gerado por sua vez pelo modo de produção dominante em uma sociedade. 24 Dentro deste contexto metodológico de pesquisa, o levantamento documental altos índices de violência referentes à realidade das mulheres brasileiras, foram utilizados como estratégias de pesquisa para a análise qualitativa do fenômeno social da violência contra a mulher em uma perspectiva dialética enquanto representações sociais cotidianas. (VIANA, 2015) “A origem etimológica do termo remete ao latim, ao termo “representare”, que significa “tornar novamente presente”, ou, re- apresentar. Aqui temos um significado diferente de apresentar. Re- presentar significar tornar novamente presente, o que é algo indireto, enquanto que a-presentar que, representação significa tornar novamente presente algo que está ausente, ou seja, é uma forma de substituição que se pretende fidedigna. Logo, se a apresentação é apenas presença, a representação é ausência e presença, é ausência real e presença ideal. (VIANA, 2015, p. 468)”. A orientação teórica corroborou para analisar a persistência da violência contra a mulher a partir de uma perspectiva cultural, como uma representação cotidiana que se contrapõe dialeticamente aos desdobramentos do movimento feminista no tocante a construção de uma teoria social de gênero e dos avanços no âmbito jurídico brasileiro. Para esclarecer o entendimento de representação, segundo Viana (2015, p. 468) “a representação é um fenômeno da consciência. É a consciência do ausente, mas que, por isso mesmo, remete a algo parcial, a “algo” específico, a um objeto, ideia, coisa, ser.” A teoria social sobre as relações de gênero identificam o patriarcalismo como sistema de organização social que alicerçou a sociedade brasileira (SAFIOTTI, 2004) e, neste sentido, sob a égide da dominação simbólica masculina (BOURDIEU,2001) estruturou de forma ideológica as relações sociais no Brasil. A perspectiva “cultural” da violência contra a mulher na sociedade brasileira pode ser entendida como parte da representação cotidiana, na medida que segundo Viana (2015, p.476) “o conceito de representação enfatiza o que se torna consciente e é transmitido para outros, ou seja, o “algo” ou ser percebido ao invés do que se percebe”. Neste sentido, a persistência cultural da violência resiste ao entendimento da igualdade de gênero como um direito fundamental da mulher. 25 Dentro deste universo da pesquisa o recurso teórico utilizado merece o esclarecimento sobre o entendimento das representações cotidianas, segundo Viana (2015, p. 998) O termo “abordagem das representações sociais” é utilizado no sentido de que não se trata de uma teoria, no que fornecemos a esta palavra, e sim uma ideologia, e por isso não é possível usar o termo “teoria das representações sociais”. Também não é possível dizer que é uma “disciplina”, e por isso o termo “abordagem” é mais preciso, não caindo em sua autoilusão ideológica. A pesquisa seguiu realizando leituras que percorreram os caminhos das produções da teoria social de gênero, a trilha histórica pela igualdade de gênero. Ao longo da trajetória de luta e combate às violências sofridas pela condição de gênero, resultaram em conquistas que destacamos em especial em virtude do recorte metodológico assumido na pesquisa as duas legislações brasileiras de proteção a mulher como a Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006) e Lei do Feminicídio (BRASIL, 2015). Nesta perspectiva, do recorte da pesquisa destaca-se a Lei Maria da Penha, (LEI 11.340, BRASIL, 2006) considerada pelo relatório global “Progresso das Mulheres no Mundo (UNIFEM, 2008/2009) como uma das três legislações mais avançadas para enfrentamento da violência contra as mulheres no mundo. Está ao lado da Lei de Proteção contra a Violência de Gênero da Espanha (2004). A pesquisa também tinha a preocupação que o resultado dos trabalhos de investigação e análise se desdobrassem em uma forma de intervenção no Currículo Paulista de Sociologia para o Novo Ensino Médio, no tocante a abordagem da violência doméstica e violência contra a mulher. A preocupação metodológica em construir um material didático que contribua no processo ensino/aprendizagem, tomamos como referencial teórico-metodológico SAVIANI (1999, p.80): “...detectar que questões precisam ser resolvidas no âmbito da prática social, e, em consequência, quais conhecimentos serão necessários dominar” Com a preocupação de contribuir para a educação pelo combate à violência doméstica e contra a mulher, foi elaborado um objeto de aprendizagem pautado na Pedagogia Histórico Crítica, de SAVIANI (1999), sendo utilizado como estratégia na etapa inicial da sequência didática, proporcionando de forma lúdica a sensibilização dos alunos. O jogo conta com 26 situações problemas que permeiam as relações de gênero no cotidiano dos estudantes. 2.1 A ESCOLA PESQUISADA E SUAS CARACTERÍSTICAS A presente pesquisa foi realizada na Unidade Escolar Azarias Leite, da rede pública do estado de São Paulo, localizada no município de Bauru, jurisdicionada à Diretoria de Ensino Região Bauru. A escola em questão atua nos dois segmentos da Educação Básica, os Anos Finais do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. A escola foi criada pelo Decreto nº 14.853 de 24/03/1980 (SÃO PAULO, 1980), publicado no DOE de 25/03/1980 (SÃO PAULO, 1980), instalada pela Resolução SE – 58/80 (SÃO PAULO, 1980), publicada pelo DOE de 06/05/1980 e transformada em EEPSG pela Resolução de 27/86 (SÃO PAULO, 1986), publicada no DOE de 28/01/1986 (SÃO PAULO, 1986). A instituição atende, atualmente, aproximadamente 850 estudantes distribuídos nos dois períodos: matutino e vespertino para a Educação Básica. Dentro do contexto municipal, a Unidade Escolar selecionada ocupa uma quadra inteira em área útil, entretanto, é considerada uma escola pequena, em virtude da sua capacidade física na oferta de salas de aulas, precisamente são doze (12) salas disponíveis para cada período. No período matutino, nos anos letivos de 2019, 2020 e 2021, por exemplo, foram abertas nove salas de Ensino Médio distribuídas em três salas para cada ano, ou seja, três salas de 1ª série, três de 2ª série e três de 3ª série. Também no período matutino funcionam três salas do nono (9º) ano do Ciclo Fundamental II. No período vespertino, nos anos letivos selecionados, o Ciclo do Ensino Fundamental II, contou com três sala da sexto (6º) ano, três salas da sétimo (7º) ano, três salas do oitavo (8º) ano. Para esclarecer, a presença do 9º ano junto com o Ensino Médio no mesmo período é justificado pelo corpo gestor como sendo uma preocupação no sentido, de preservar os estudantes jovens em relação aos mais velhos. A Unidade Escolar em questão apresenta as características comuns à rede estadual, ocupa uma quadra inteira com uma vasta área verde, uma estrutura física pequena proporcionalmente a extensão em metros quadrados de área total da escola. 27 As características da comunidade escolar são estudantes residentes no em torno da Unidade Escolar (UE), situada no bairro Jardim Carolina, periferia da cidade de Bauru. A escola é totalmente cercada por um muro de alvenaria e pintada a partir do trabalho de grafite realizado pelos estudantes como forma de integração e expressão artística dos jovens, como podemos observar na Figura 1: Figura 1: Fachada do muro da E. E. Azarias Leite – Bauru/SP. Fonte: A própria Autora. A Figura 1, corresponde a lateral onde fica localizada a entrada da escola. No interior da unidade, existe um espaço coberto denominado Pátio, com mesas e bancos, nos quais são realizadas as refeições, bem como as festas e comemorações, como mostram as Figuras 2 e 3: Figura 2: Pátio da E. E. Azarias Leite – Bauru/SP. Fonte: A própria autora. 28 Figura 3: Pátio da E. E. Azarias Leite – Bauru/SP. Fonte: A própria autora. O pátio é comumente um espaço de convívio para os estudantes e, é também onde estão localzados os banheiros que servem aos jovens e também é o acesso a sala de leitura, como podemos observar na Figura 4. Figura 4: E. E. Azarias Leite – Bauru/SP. Fonte: A própria autora. A sala de leitura é a biblioteca da Unidade Escolar e surge com a Resolução SE – 15 (SÃO APULO, 2009), na qual estabelece o Programa Sala de Leitura que é considerado uma pasta, na qual os professores da rede estadual se candidatam a serem responsáveis pelo espaço a partir da seleção de projetos que contemplem estratégias de estímulo à leitura por parte dos estudantes. 2.2 O CONTEXTO DA PESQUISA A presente pesquisa elegeu como momento de intervenção no Currículo Paulista de Sociologia (SÃO PAULO, 2021), o 4º bimestre da 2ª série do Novo Ensino Médio que conta com duas aulas semanais de 45 minutos cada, totalizando 90 minutos. 29 Com o objetivo de mediar a apropriação de uma reflexão crítica sobre a condição da mulher como sujeito histórico do gênero humano, a preocupação da pesquisa foi conferir objetividade e direcionamento na formação dos jovens como nas palavras inspiradoras de FREIRE (1941, p.46-52) no discurso Adeus ao Colégio: “O saber deve ser como um rio, cujas águas doces, grossas, copiosas, transbordem do indivíduo, e se espraiem, estancando a sede dos outros. Sem um fim social, o saber será a maior das futilidades.” O combate à violência contra a mulher demanda alcançar a perspectiva cultural da vida em sociedade, sendo assim, no processo de formação do indivíduo, este deve se apropriar do entendimento da não violência como algo naturalizado, com regularidade e simplicidade como se pretende na Declaração dos Direitos Humanos (ONU, 1948), a preservação à vida humana. Em outras palavras, de forma lúdica, se houver vida extraterrestre, e se estes ao olharem para o planeta Terra, enxergam seres humanos, ou seja, o gênero humano. Dentro deste contexto de pesquisa alguns esclarecimentos pontuais são necessários no tocante a vivência da pesquisadora no ambiente escolar descrito, enquanto Professora da Educação Básica - PEB II, na disciplina de Sociologia, ou seja, atua no Ensino Médio de acordo com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. A trajetória da docência na disciplina de Sociologia começa com o ingresso na rede pública do estado de São Paulo no ano letivo de 2012 e se efetiva na Unidade Escolar Azarias Leite no ano de 2014. A experiência foi marcada por episódios de violência e intolerância vividas em virtude do próprio preconceito que a disciplina de Sociologia carrega com os estigmas de “doutrinação à esquerda”. Vamos relatar três episódios de violência importantes, o primeiro em maio de 2014, quando a docente realizava uma proposta de atividade proximal (VYGOTSKY, 1984) com a 1ª série do Ensino Médio, que continha um texto jornalístico da Revista Carta Capital, “Douglas Rafael, mais um Amarildo?” (SÃO PAULO, 24/04/2014) com dez questões interpretativas. A docente durante a aula foi chamada na sala da direção e ao entrar se deparou com dois policiais militares, comunicando que havia uma denúncia contra a docente, de prática de apologia contra a Polícia Militar. Durante todo momento em que a docente estava sendo inquerida, permaneceu sozinha, sem acompanhamento 30 da equipe gestora, ou seja, sem a presença da diretora, vice-diretora e professora coordenadora que estavam presentes na Unidade Escolar. O segundo episódio ocorreu em 2018, em junho, na 3ª série do Ensino Médio, depois de trabalhar a importância das políticas afirmativas como a Lei nº 12.711, de Cotas (BRASIL, 2012), pois o Currículo Paulista de Sociologia (SÃO PAULO, 2011) trabalhava os diversos movimentos sociais como Feminismo, Negro, Ambiental, LGBT, a legislação na ocasião se fazia necessária como instrumento de esclarecimento quanto ao seu atendimento, bem como a representação cotidiana das lutas travadas pelo Movimento Negro em especial. Nesta ocasião, foi denunciado por professores membros de um grupo de WhatsApp da terceira série que havia sido publicado a seguinte postagem: “Vamos pintar a escola de vermelho com o sangue da professora de Sociologia”. Por último, em 2019, no segundo semestre, a cidade de Bauru viveu um homicídio seguido por um suicídio, em que envolvidos eram policiais militares, a esposa policial militar, do policial militar que mantinha um relacionamento extraconjugal com um policial militar negro, famoso por ser campeão de judô e o marido traído também policial militar que praticou o homicídio e se suicidou na frente da esposa. O episódio que comoveu a cidade coincidia com o tema violência contra a mulher, abordado no 4º bimestre da 2ª série do Ensino Médio. Durante as aulas, o crime surgiu como debate em sala de aula e a fala da docente: “não existe justificativa para se tirar a vida de outro ser humano. Ainda mais por motivo banal”. “Ninguém domina os pensamentos do outro”. A traição foi classificada banal pela docente, e afirmou o não domínio genuíno do outro, como ponto pacífico. Posteriormente, na aula de Filosofia, sete estudantes da sala disseram ao professor que a filha de 2 anos, da professora de Sociologia deveria ser estuprada para que a professora recebesse uma lição. As experiências relatadas acima inevitavelmente acompanharam as preocupações da presente pesquisa, no sentido de elaborar uma proposta de intervenção com o compromisso de produzir uma ferramenta lúdica para a abordagem do tema violência doméstica e violência contra a mulher. O recurso teórico-metodológico utilizado, as representações cotidianas (VIANA, 2015), sugere como ferramenta de pesquisa o uso de entrevistas para 31 uma pesquisa qualitativa. Entretanto, a pandemia do COVID-19, coronavírus – SARS- CoV-2 (OMS, 2020) esvaziou o espaço escolar nos anos letivos de 2020 e 2021. Quando ocorreu o retorno das aulas no segundo semestre de 2021, foi de forma hibrida, com a imposição de rodízio entre os estudantes. O ambiente pedagógico foi palco de inúmeras dificuldades, a começar pela ausência dos estudantes, com salas que contavam com a presença de um, dois, três e quando muito, quatro ou cinco estudantes sem nenhuma regularidade em virtude do rodízio necessário para evitar a contaminação. A dificuldade dos estudantes de acompanhar as aulas online, a desigualdade entre as Unidades Escolares no tocante a instalação de equipamentos para fomentar o ensino hibrido, sendo o Azarias Leite, uma das escolas que receberam os equipamentos como TV, notebook e verbas para instalação de internet, mas que por dificuldades na instalação elétrica da Unidade Escolar encerrou o ano letivo de 2021 com instabilidade na rede de Wi-Fi, inviabilizando uma rotina de aulas síncronas. A partir de 18 de outubro de 2021, quando passa a ser obrigatório a presença dos estudantes na escola, a sala de aula passa a receber uma quantidade assustadora de estudantes com defasagens no ensino, problemas de ordem psicológicas seja pelo isolamento, perdas de familiares vitimados pela COVID-19, perda econômicas e um controle do governo quanto aos conteúdos trabalhados em sala para garantir a equidade do acesso aos conteúdos presencial e virtual trabalho pelo Centro de Mídias do Estado de São Paulo. 2.3 ANÁLISE DOCUMENTAL E O PROCESSO DE PESQUISA A análise documental teve como objetivo compreender como a educação contribui no processo de socialização secundária para a construção cultural da “igualdade de gênero”, combatendo assim, a violência contra a mulher, como um princípio construído e compartilhado pela coletividade. A pesquisa percorreu três etapas da análise documental: a primeira observando os documentos oficiais do Currículo do estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2014 – 2020) e a BNCC (BRASIL, 2017), buscando identificar a abordagem sobre a violência doméstica como conceito organizado em uma subcategoria de análise, assim como o conceito de patriarcalismo para o 32 entendimento da organização social e, desta forma, parte da cultura da sociedade brasileira. Na segunda etapa a pesquisa se ocupou do levantamento bibliográfico e na terceira etapa se debruçou sobre os dados sobre a violência contra a mulher. Neste sentido, a revisão documental investigou o papel da Sociologia no Currículo do Ensino Médio do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2011) e, de acordo com as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006), a Sociologia nesta etapa da educação tem como objetivo: “(...] contribuir para a formação do jovem brasileiro, quer aproximando esse jovem de uma linguagem especial que a Sociologia oferece, quer sistematizando os debates em torno de temas de importância dados pela tradição ou pela contemporaneidade. A Sociologia, como espaço de realização das Ciências Sociais na escola média, pode oferecer ao aluno, além de informações próprias do campo dessas ciências, resultados das pesquisas mais diversas, que acabam modificando as concepções de mundo, a economia, a sociedade e o outro, isto é, o diferente – de outra cultura, ‘tribo’, país etc. Traz também modos de pensar (Max Weber) ou a reconstrução e desconstrução de modos de pensar. É possível, ao observar as teorias sociológicas, compreender os elementos da argumentação – lógicos e empíricos – que justificam um modo de ser de uma sociedade, classe, grupo social e mesmo comunidade”. (SÃO PAULO, 2011, p. 133) Dentro de contexto de análise as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 2006) parte da concepção de que a realidade social em que o jovem está inserido é tomada como única referência, completamente naturalizada pelo jovem sendo assim, o recurso metodológico adotado é: “Um papel central que o pensamento sociológico realiza é a desnaturalização das concepções ou explicações dos fenômenos sociais. Há uma tendência sempre recorrente a se explicar as relações sociais, as instituições, os modos de vida, as ações humanas coletivas ou individuais, a estrutura social, a organização política etc. com argumentos naturalizadores. Primeiro, perde-se de vista a historicidade desses fenômenos, isto é, que nem sempre foram assim; segundo, que certas mudanças ou continuidades históricas decorrem de decisões, e essas, de interesses, ou seja, de razões objetivas e humanas, não sendo fruto de tendências naturais. [...] Outro papel que a Sociologia realiza, mas não exclusivamente ela, e que está ligado aos objetivos da Filosofia e das Ciências, humanas ou naturais, é o estranhamento. No caso da Sociologia, está em causa observar que os fenômenos sociais que rodeiam todos e dos quais se participa não são de imediato conhecidos, pois aparecem como ordinários, triviais, corriqueiros, normais, sem necessidade de explicação, aos quais se está acostumado, e que na verdade nem são vistos.” (SÃO PAULO, 2011, p. 134) Nesta perspectiva metodológica adotada no Currículo do Ensino Médio do Estado de São Paulo (SÃO PAULO, 2014), “desnaturalizar” a realidade de violência contra a mulher parece bastante interessante na medida em que a sociedade brasileira demonstra certo grau de tolerância e muitas vezes 33 encontrando justificativas para o fenômeno, como apontou a pesquisa realizada pelo IBGE em 2016 (BRASIL, 2016), quando revelou-se que um percentual elevado da população responsabilizava a vítima em casos de estupro por exemplo. Cabe aqui ressaltar, como aponta VIANA (2015), que a sociabilidade é o modo de vida formado pelo modo de produção e, neste sentido, as relações de produção determinam as relações sociais, portanto, o modo de vida de uma dada sociedade. Nas palavras do autor, “a essa sociabilidade é o que constitui as características concretas da cotidianidade” (VIANA, 2015, p.662). A pandemia do Covid-19 (Sars- Cov-2) confirma a banalização do mal ou muita tolerância do brasileiro para a morte não natural, visto que atingimos em fevereiro e março de 2021 médias móveis de morte diárias em torno de duas a três mil mortes diárias, ou seja, o equivale a aproximadamente a queda de dez Airbus A320-233 da TAM, como foi em julho de 2007, quando os 180 passageiros e 6 tripulantes, conforme noticiado pelo Jornal “O Estado de São Paulo”1, morreram na queda da aeronave. O Brasil assiste resignadamente as morte por Covid-19, assim como tolera um feminicídio a cada sete horas, e em 2020, a média de feminicídio subiu para cinco registros diários (BRASIL, 2020). Assim como toleramos a ocorrência de um estupro a cada 8 minutos no país. Segundo VIANA (2015), a análise das representações cotidianas são construídas socialmente e por isso dependem de quais relações sociais concretas estão na base, pois estas são determinadas a partir do modo de produção estabelecido na sociedade. Neste momento é importante esclarecer a distinção que VIANA (2015) faz sobre convicção e opinião, como elementos fundamentais para entender as “representações cotidianas”, “as convicções são “opiniões entranhadas”, sendo as motivações mais possantes para a ação, elas possuem suas raízes na estrutura do caráter, seja racional ou irracional” (VIANA, 2015, p.648 apud FROMM e MACCOBY, 1972). Por outro lado, as “opiniões, por sua vez, são nada mais que a aceitação de um padrão de pensamento coletivo, seja da sociedade como um todo ou um grupo particular” (VIANA, 2015, p.648). 1 Conteúdo publicado pelo Jornal “O Estado de São Paulo em 31 de outubro de 1996. 34 Neste contexto cruel em que o direito humano fundamental à vida das mulheres está sob constante “ameaça”, a primeira tarefa pedagógica para iniciar um processo de ensino/aprendizagem é estabelecer estratégias que possibilitem os jovens o entendimento da morte como algo não banal e entender que está é uma realidade social injusta. É com essa preocupação que a pesquisa se dedicou em trilhar um caminho para elaborar um objeto de aprendizagem que possibilite uma intervenção no currículo estruturada teoricamente na Pedagogia Histórico Crítica possibilitando a formação crítica do jovem estudante quanto as relações de gênero no Brasil e a violência contra a mulher. 3 UM BREVE HISTÓRICO DO FEMINISMO NO BRASIL 3.1. O FEMINISMO NO BRASIL Ao longo dos séculos a mulher viveu sob a dominação masculina seja ele pai, marido, irmão, patrão, o homem em uma representação social de mando, de autoridade, de proprietário, repressor, castrador da existência feminina. A condição de dominação na qual, a mulher estive submetida, imputava uma destinação determinada pela condições materiais de existência, reservando o espaço privado às mulheres brancas oriundas das classes abastadas e às mulheres pobres e negras, a predestinação ao trabalho doméstico, aos postos subalternos da sociedade. Neste sentido, o movimento feminista do ponto de vista da luta da mulher por direitos, não foi um processo que uniu todas as mulheres em uma mesma causa, em todos os momentos esteve presente a luta de classes enquanto movimentos sociais antagônicos no interior do movimento feminista. De um lado, a mulher burguesa lutando por direitos políticos de votar e ser candidata, pelos direitos civis, de poder trabalhar, estudar. Do outro lado, a proletariada que lutava por direitos sociais, reivindicando seus direitos trabalhistas, combatendo o racismo, o abuso, a violência. A história da mulher é uma história antiga, de subjugação, de desigualdade de direitos entre homens e mulheres, e entender essa realidade histórica se faz necessário. A revisão bibliográfica do movimento feminista partiu da representação social que o feminismo desenvolve enquanto movimento social e, neste sentido, representando além das desigualdades pela condição de gênero, as 35 contradições da sociedade de classes, o racismo, como a representação da diversidade cultural, social e econômica da mulher em nossa contemporaneidade. A história do movimento feminista no Brasil é comumente apresentado a partir de classificações temporais que não exatamente representam a luta da mulher do final do século XIX até nossos dias. Neste sentido, enquanto movimento social configura-se como um movimento heterogêneo na medida em que a posição social, econômica, a raça, a orientação de gênero produzem diversas vivências de opressão. Dentro do universo de opressões precisamos destacar o feminismo a partir da intersecionalidade, ou seja, a subordinação, descriminação, violência em processo de sobreposição de preconceitos de classe, raça e gênero (HOLANDA, 2019). No tocante ao movimento feminista interseccional como teoria é importante para a compreensão das várias formas de opressão presentes na estrutural social, entretanto, esta perspectiva já era abordada pelas pioneiras do feminismo negro brasileiro como Sueli Carneiro (1950 -), Lélia Gonzalez (1935 – 1994), Beatriz Nascimento (1942 – 1995). Na metade do século XX, um novo paradigma contribui para luta feminista, a representação social do gênero como um processo de construção cultural, orientado pelo sistema social patriarcal. A obra, “O segundo sexo” da filósofa francesa Simone de Beauvoir (1908 – 1986), publicada em 1949, nega o destino biológico, psíquico e econômico dado para a mulher na sociedade. Para BEAUVOIR (1967, p.2), “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, em outras palavras, a condição da mulher é social e culturalmente construída. O processo de desenvolvimento de homens e mulheres percorrem as mesmas trajetórias nos primeiros contatos com o mundo exterior. Assim, todas as crianças apresentam as mesmas experiências, carências e prazeres. Se não for pelas vestimentas e/ou enfeites, dificilmente diferenciamos, à primeira vista, o sexo dos bebês. Contudo, essa primeira diferenciação mais evidente, relativa ao tipo de roupa e às cores, guarda outras que querem marcar o destino de cada sexo. As meninas e meninos chegam no mundo com uma “marca social”, imposta para cada sexo. As primeiras brincadeiras pouco diferem, mas os brinquedos e 36 os jogos são diferentes, assim como a postura exigida para cada brinquedo. Tal exigência vai aumentando conforme as crianças vão crescendo (BEAUVOIR, 1967). De acordo Beauvoir (1967), aos meninos, são reservadas uma autonomia forçada, privando-os de muitos mimos. Já para as meninas, o estímulo à graciosidade e afagos é ocasião para submetê-las à carência por proteção. O que é estimulado nas meninas, é vetado para os meninos: “meninos não choram”, “meninos não se enfeitam”, pois são coisas de “mulherzinha”. Com o passar do tempo, os meninos são estimulados a se afastarem das atividades relacionadas com a condição das mulheres e, ao contrário, as meninas são levadas a acompanhar e fazer atribuições como as das mães. Para BUTLER (2003), a determinação biológica induz à naturalização da desigualdade entre homens e mulheres. O conceito de gênero esclarece que as diferenças sexuais não são determinantes para diferenças sociais entre homens e mulheres, mas são significadas e valorizadas pela cultura produzindo diferenças que são ideologicamente afirmadas como naturais. [...] a ideia de que o gênero é construído sugere um certo determinismo de significados do gênero, inscritos em corpos anatomicamente diferenciados, sendo esses corpos compreendidos como recipientes passivos de uma lei cultural inexorável. Quando a ‘cultura’ relevante que ‘constrói’ o gênero é compreendida nos termos dessa lei ou conjunto de leis, tem-se a impressão de que o gênero é tão determinado e tão fixo quanto na formulação de que a biologia é o destino. Nesse caso, não a biologia, mas a cultura se torna o destino. (BUTLER, 2003, p.26, grifo nosso). Dessa forma, a condição da mulher não pode ser entendida como um destino dado pela natureza, mas pela sociedade em uma perspectiva cultural de construção da identidade e representação de papéis sociais. As considerações sobre o conceito de gênero nas autoras BEAUVOIR (1967) e BUTLER (2003) parte da construção social e cultural do feminino e masculino. Entretanto, BUTLER (2003), chama à atenção que essa construção social se dá de forma compulsória enquanto BEAUVOIR (1967) permite entender que é uma escolha. 3.2 A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UM FENÔMENO HISTÓRICO CULTURAL A violência contra a mulher é uma representação cotidiana, na medida em que se apresenta como um elemento cultural na sociedade brasileira. O 37 patriarcalismo enquanto sistema social, assumiu um caráter estruturante nas relações sócias, enquanto valor moral socialmente partilhado entre os indivíduos. A socióloga brasileira SAFFIOTI (2001) aponta o patriarcado como o sistema que tornou as mulheres "(...) objetos de satisfação sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, de força de trabalho e de novas reprodutoras". Para autora, dois fatores marcaram as bases de constituição do patriarcado: “o primeiro é a produção de excedente econômico, núcleo do desenvolvimento da propriedade privada e, portanto, do domínio e da exploração do homem sobre o homem/mulher, no caso, ainda mais fortemente sobre a mulher. A segunda é a descoberta da participação dos homens na procriação, já que antes isso era entendido como um poder divino das mulheres” (SAFFIOTI, 2004, p.58). Acreditava-se portanto, que, por natureza, a mulher seria um ser inferior. Ela deveria cuidar da vida doméstica e o homem, da vida pública. Desse modo, a forma pela qual eram tratadas e se percebiam é histórica e socialmente construída e, portanto, passível de mudança (SAFFIOTI, 1987). A violência do homem contra a mulher emerge em contextos em que os papéis de gênero reforçam a ideia de que é “natural” e “correto” que os homens dominem as mulheres. Esses papéis são aprendidos nas famílias, na escola e por intermédio dos meios de comunicação de massa, que ajudam a ditar as formas de interação social. Os valores culturais e simbólicos disseminados pelos processos educacionais na sociedade regulam condutas e modos de ser mulher e de ser homem, e que naturalizaram a violência contra a mulher. As interpretações históricas apresentadas ao longo deste texto trouxeram explicações a respeito dos princípios que legitimam a desigualdade entre os sexos, quando “desnaturalizam” o que é considerado “natural”. Compreender a historicidade da condição feminina significa entender a “naturalização” que durante muito tempo, a condição feminina e a masculina sofreram, ou seja, vistas como parte da natureza de cada um dos sexos e, portanto, imutáveis servindo para legitimar a dominação masculina. Para avançarmos no processo de compreensão de submissão e violência contra mulher como parte de um processo cultural brasileiro, retomamos Viana (2015): “As representações cotidianas, devido suas características (simplificação, 38 naturalização e regularização), tende a reforçar e reproduzir as relações sociais existentes” (VIANA, 2015, p.669). O entendimento e reconhecimento da violência contra a mulher como ato que atenta contra a dignidade humana pois viola os direitos humanos e fundamentais. A violência é a representação das relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres como fica documentado na Convenção de Belém do Pará: “(...) a Declaração para a Erradicação da Violência contra a Mulher, aprovada na Vigésima Quinta Assembleia de Delegadas da Comissão Interamericana de Mulheres, e afirmando que a violência contra a mulher permeia todos os setores da sociedade, independentemente de classe, raça ou grupo étnico, renda, cultura, nível educacional, idade ou religião, e afeta negativamente suas próprias bases; (...)” (BELÉM, 1994, p.1). A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, reconhecida como Convenção de Belém do Pará (BRASIL, 1994) é o primeiro tratado internacional legalmente que vincula a criminalização de todas as formas de violência contra a mulher e passa a ser adotado pela Comissão Interamericana de Mulheres (CIM). A Convenção de Belém estabelece uma definição normativa do que seja considerado violência contra a mulher: Artigo 1º - Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado. Artigo 2º - Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica: 1. que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual: 2. que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar, e 3. que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra. (BELÉM, 1994, p. 2-3) A Comissão Interamericana de Mulheres (CIM) foi criada em 1928, durante a VI Conferência Internacional Americana, realizada em Havana, Cuba. A CIM foi o primeiro organismo intergovernamental criado para tratar especificamente do tema dos direitos da mulher. A CIM foi incorporada pela OEA (Organização do Estados Americanos) em 1948, quando foi fundada com a assinatura da Carta da OEA, em Bogotá, na Colômbia. 39 O combate a violência contra a mulher alcança o status de defesa dos Direitos Humanos da mulher no século XX, no tocante as garantias fundamentais do ser humano. 3.3 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES O Estado brasileiro até a homologação da Lei Maria da Penha (Brasil, 2006) se mantinha omisso no trato da violência contra a mulher em razão do seu gênero, ou seja, o fato de ser mulher representa não só o padrão recorrente desse tipo de violência, bem como muitas vezes, a impunidade dos agressores reforçam a reprodução dessas representações cotidianas nas relações de entre homens e mulheres na sociedade. A história de violência da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes (1945-) tem seus primeiros episódios a partir de 1977, depois de um ano casada com o Marco Antônio Heredia Viveros, após o nascimento da primeira filha do casal e morando em Fortaleza/ CE, as agressões psicológicas iniciam um ciclo de violência. Em 1983, Maria da Penha sofre duas tentativas de feminicídio. A primeira tentativa, enquanto dormia o marido deu um tiro em suas costas que resultaram em quatro meses de internação deixando-a paraplégica. A segunda tentativa ocorre quatro meses depois em uma tentativa de eletrocutar Maria da Penha no banho. A luta por justiça foi uma longa jornada, pois Marco Antônio alegou no primeiro crime que havia sido uma tentativa de assalto. O primeiro julgamento ocorreu em 1991, oito anos depois dos crimes e o acusado foi condenado a quinze anos de prisão, entretanto, um recurso impetrado pela defesa garantiu a liberdade de Marco Antônio. O segundo julgamento ocorreu em 1996, e neste, o ex-marido foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. A defesa de Marco Antônio alegando irregularidades processuais conseguiu que a sentença não fosse cumprida. Em 1998 o caso, ganhou uma dimensão internacional quando a farmacêutica Maria da Penha, em conjunto com o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) reunidos denunciaram o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA). 40 O Estado brasileiro se posição de forma omissa durante todo o processo, diante do litígio internacional, por grave violação de direitos humanos e deveres protegidos por documentos que o próprio Brasil assinou (Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (COSTA RICA, 1969); Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem; Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (BRASIL, 1994); Convenção sobre a Eliminação do Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (ESTADOS UNIDOS, 1979), acordos internacionais que representam um compromisso internacional para estabelecer diretrizes de políticas públicas para o combate a violência contra a mulher e proteção dos direitos fundamentais como ser humano. A omissão do Estado brasileiro em estabelecer medidas legais e ações efetivas, como acesso à justiça, proteção e garantia de direitos humanos as vítimas que sofreram violência pela condição de ser mulher resultou em 2002, na organização de um Consórcio de ONGs Feministas para a elaboração de uma lei de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher: Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA); Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos (ADVOCACI); Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE); Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA); Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM/BR); e Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero (THEMIS), além de feministas e juristas com especialidade no tema. (BRASIL, 2002. Disponível em https://www.institutomariadapenha.org.br/) Depois de muitos debates com o Legislativo, o Executivo e a sociedade, o Projeto de Lei n. 4.559/2004 da Câmara dos Deputados chegou ao Senado Federal (Projeto de Lei de Câmara n. 37/2006) e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas e, assim o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou em 7 de agosto de 2006, a Lei nº 11.340, denominada Maria da Penha. A lei Maria da Penha (BRASIL, 2006) é um divisor de água na luta pelo direito fundamental da mulher que é o direito à vida. Coloca a mulher como protagonista de sua vida. Por esta razão, o entendimento da violência doméstica ganha luz a partir da Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006). Neste sentido, o art. 5º da Lei 11.340 define a violência doméstica e familiar contra a mulher: “qualquer ação ou 41 omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. Pensando que boa parcela das mulheres brasileira conhecem a Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), faz-se oportuno trazer o esclarecimento da referida da lei sobre o que vem a ser a violência doméstica: Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos. (BRASIL, LEI 11340, 2006) Conforme podemos verificar, a Lei 11.340 (BRASI, 2006) esclarece que a violência se apresenta de formas diferenciadas, como física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Ainda sobre o teor da Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), temos o Art. 8º., o qual esclarece a necessidade de se prevenir a violência contra a mulher, desafiando o Estado a criar políticas públicas e promover currículos escolares que possibilitem a prevenção à violência de gênero. De acordo com estudos promovidos pelo IPEA (2015, p.20) a violência contra mulher ocorre com maior incidência nas suas residências totalizando 49,58% dos casos. A abordagem da pesquisa a partir do conceito de violência doméstica (SAFFIOTI,2001, p.1) se apoia nas considerações de SAFFIOTI (2001) para a amplitude do conceito de violência doméstica e especifica a sua necessidade e importância: Considera-se importante trabalhar com esta categoria, porque ela inclui a violência praticada por mulheres, que , se é diminuta contra homens, é bastante significativa contra crianças e adolescentes. Como seu locus privilegiado é o espaço doméstico, embora não se restrinja a ele, permite a aplicação do velho adágio “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, de trágicas consequências, já que o Estado justifica facilmente sua não-intervenção no espaço 42 privado. Note-se que este espaço privado é concebido não apenas territorialmente, como também simbolicamente, o que confere aos homens o direito de exercer seu poder sobre as mulheres mesmo que estas já se hajam deles separado. Isto é tanto mais verdadeiro quanto mais as mulheres se tenham mostrado independentes, bem sucedidas financeiramente e, sobretudo, hajam tomado a iniciativa da ruptura da relação. Finalmente, a violência intrafamiliar, que apresenta grande sobreposição com a doméstica, restringe-se a pessoas ligadas por parentesco consanguíneo ou por afinidade. Quem já estudou abuso incestuoso sabe o quão importante é distinguir este tipo de violência. O trauma decorrente de um abuso sexual varia enormemente da situação em que o agressor é desconhecido ou até mesmo conhecido, mas não-parente, para a circunstância agravante de ser perpetrado pelo pai, pelo tio, pelo avô, etc. (SAFFIOTI, 2001, p. 134-135) O conceito de violência doméstica estabelece uma amplitude na perspectiva dos sujeitos que podem ser vitimados pela violência, para além da violência de gênero, na medida em que delimita o espaço doméstico, que corresponde a separação entre esfera pública e privada, estabelecida pelo sistema patriarcal. Esta divisão estabelece as relações de dominação do homem e, neste sentido, todos que sob estes domínios podem eventualmente estarem sujeitos as várias formas de violência doméstica. A presente pesquisa “Ensino de Sociologia: a resistência cultural à violência contra a mulher”, direciona os estudos em busca de recursos metodológicos que sejam suporte para o processo ensino aprendizagem, com o propósito de produzir reflexões culturais que refutem a resistência e as práticas machistas presentes na estrutura social que os estudantes estão inseridos. A preocupação aqui levantada nos remete ao conceito de habitus de BOURDIEU (1992), no qual o sociólogo francês aponta como a ação do indivíduo é influenciada pela estrutura social em que o sujeito está inserido, assim como na expectativa de como sua ação social será acolhida pelo grupo. Partindo do pressuposto que o patriarcalismo estruturou a organização da sociedade brasileira, assim os saberes contidos na socialização primária oferta pela família, igreja foram pautados pela desigualdade das relações de gênero espaços. A discussão da violência contra a mulher sob à luz da perspectiva cultural torna necessário o esclarecimento do conceito de cultura. Neste sentido, para a Sociologia, a cultura consiste, em linhas gerais, no conjunto de saberes, símbolos, práticas, normas, valores e crenças partilhados por uma 43 determinada coletividade orientando as relações sociais e produzindo certo grau de coesão social. “... a cultura é melhor vista não como — costumes, usos, tradições, feixes de hábitos —, como tem sido caso até agora, mas como um conjunto de mecanismos de controle — planos, receitas, regras, instruções (que os engenheiros de computação chamam "programas" — para governar o comportamento” (GEERTZ, 2008.p. 32). No interior desta atmosfera cultural reside outro conceito que são o conjunto de ideias e valores que também orientam as ações dos indivíduos e grupos sociais que chamamos de ideologia. As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios da produção material dispõe também dos meios da produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios da produção espiritual. As ideias dominantes não são nada mais do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de uma classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação. (ENGELS; MARX, 2007. P.72) 3.4 ANÁLISE DE DADOS DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER A investigação documental realizou um levantamento dos registros de crimes contra a mulher como estratégia de análise da persistência cultural enquanto representação social concreta da dominação masculina sobre a mulher. A homologação de leis que coíbem a violência contra a mulher não produz efetivamente uma redução nos índices de violência. Os dados sobre a violência contra mulher, se configuram como a representação social do fenômeno cultural, produto da organização social pautada no patriarcalismo: 44 Figura 5: Registro de crimes contra a mulher antes e depois da Lei Maria da Penha. Fonte: IPEA (2014, p. 1) A Figura 5 aponta uma pequena redução nos anos de 2006, 2007 e 2008 do número de morte de mulheres (Feminicídio) no período em que esteve bastante evidenciada a discussão em torno da criação da Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em 2006, com o objetivo de enfrentar a violência contra a mulher. Entretanto, não teve o reflexo esperado no número de mortes resultantes da violência cometida contra a mulher, de acordo com o estudo “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”, divulgado em 2013 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2013), que volta a subir no ano de 2009, atingindo os mesmos números que o ano de 2003. Naquela ocasião do estudo, o Ipea (IPEA, 2013) apresentou uma análise de dados sobre as estimativas de morte de mulheres em consequência da violência doméstica com base nos dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) (SIM, 2003), do Ministério da Saúde. O estudo apontou os dados anteriores à lei Maria da Penha e aos anos posteriores a lei, ficando evidenciado a discreta redução dos números. Entre 2001 e 2006, a taxa de mortalidade foi de 5,28 para cada 100 mil mulheres, e entre 2007 a 2011, a taxa de mortalidade foi 5,22 mortes para cada 100 mil mulheres (SIM, 2010). Naquele momento, o estudo do Ipea (IPEA, 2015), apontava que no Brasil ocorria uma média de 5.664 óbitos de mulheres por causa violenta a cada ano, no período de 2009 a 2011, representando uma estimativa de 472 ocorrências por mês, 15,52 mortes por dia, ou uma a cada uma hora e meia. 45 Neste momento é inevitável a observação dos reflexos que a Lei Maria da Penha produziu com a efetivação de políticas públicas como o registro da ocorrência definida juridicamente, ou seja, os mecanismos jurisdicionais: “(...) aumentou o custo da pena para o agressor; aumentou o empoderamento e as condições de segurança para que a vítima pudesse denunciar; possibilitando que o sistema de justiça criminal atendesse de forma mais efetiva os casos envolvendo violência doméstica” (IPEA,PARTICIPAÇÃO EM FOCO, 2015, p.17). De acordo com o Atlas da Violência (IPEA, 2019), passados quinze anos da homologação da Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), o Brasil registrou uma aumento de homicídios (Feminicídios) de mulheres dentro de suas residências de 17% no período analisado de 2007 a 2017, ou seja, em dez anos. Os dados a seguir mostram uma triste realidade, as vítimas da violência doméstica se concentram na base etária da população feminina, reforçando a importância da educação contemplar a violência doméstica como conteúdo do Currículo do Ensino Médio. Figura 6: Perfil etário das vítimas de feminicídio por causa violenta. Fonte: IPEA (2015, p. 15). (Adaptação nossa). A Figura 6 aponta que 49% das vítimas tem idade entre 20 e 39 anos, ou seja, chama a atenção para fato de serem mulheres jovens em idade economicamente ativa e pela faixa etária nascidas pós consagração da igualdade civil na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). 46 Os dados em conjunto com a análise institucional fruto da trajetória de luta do movimento feminista configura a ideia do que seja a violência doméstica, definida oficialmente no art. 5º da Lei Maria da Penha (Brasil, 2006). E assim, podemos afirmar o grau de crueldade que esta forma de violência representa, na medida que quando idealizamos o “lar” como local seguro, de repouso, descanso, conforto, intimidade onde ficamos “à vontade”. Para muitas mulheres sua casa representa medo, pavor, angústia. Figura 7: Local do crime Fonte: IPEA (2015, p.36). (Adaptação nossa) De acordo como o os dados demonstrados na Figura 7, o domicílio representa para as mulheres um lugar perigoso e hostil. Dessa forma, pode-se observar como as mulheres têm ameaçado o seu direito fundamental a vida e, isto, inclui a sua própria residência como sendo um lugar perigoso para muitas mulheres, lembrando que a casa de um indivíduo deve representar o lugar mais seguro para um ser humano. No Brasil quando tratamos dos índices de violência, invariavelmente os dados oficiais apresentam uma desigualdade significativa quando observados as características étnicas dos perfis das vítimas. Sendo assim, não seria 47 diferente com relação a violência doméstica como demonstram os dados do gráfico a seguir: Figura 8: Perfil étnico das mulheres assassinadas. Fonte: IPEA (2015, p. 18). (Adaptação nossa) Os dados da Figura 8 requerem uma breve apresentação demográfica do Brasil, segundo o IBGE (2021) a população brasileira é aproximadamente 212 milhões de habitantes. Deste total, 51,8% são mulheres, 48,2% são homens. Os percentuais em relação a cor ou raça, são 42,7% brancos, 46,8% pardos, 9,4% pretos e 1,1% amarelos e indígenas. Sendo assim, as mulheres negras ou pardas representam 54,9% (aproximadamente 59 milhões) e 44,1% (aproximadamente 48 milhões) das mulheres no Brasil. Do total de feminicídios, 61% das vítimas eram mulheres negras ou pardas, entre estas, 48% tinham até 8 anos de estudo (escolaridade). 48 Figura 9: Causa morte de mulheres. Fonte: IPEA (2015, p.35). (Adaptação nossa). Os dados apresentados na Figura 9, apontam que 50% dos assassinatos são cometidos com arma de fogo e, neste sentido, podemos concluir rapidamente que a atual ampliação e flexibilização do comércio de armas de fogo e munições colaboram para aumentar o risco de morte entre as mulheres e demais membros da sociedade como os jovens negros. A partir de 2015, o ordenamento jurídico endureceu o tratamento dos assassinatos de mulheres vítimas de violência doméstica com a Lei 13.104. O feminicídio passa a ser entendimento penal, ou seja, aquilo que está registrado na lei brasileira como uma qualificadora do crime de homicídio. Mas, ele pode ser entendido também no sentido mais amplo, no seu aspecto sociológico e histórico. Nesse sentido, feminicídio é uma palavra nova, criada para falar de algo que é persistente e ao mesmo tempo terrível: que as mulheres sofrem violência ao ponto de morrerem” (DINIZ, 2016). Segundo as Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres (BRASIL, 2016), feminicídio é uma expressão utilizada para denominar as mortes violentas de mulheres em razão de gênero, ou seja, que tenham sido motivadas por sua “condição” de mulher. Dentro deste contexto, se faz necessário esclarecer o conceito de gênero: se refere a construções sociais e culturais dos atributos femininos e 49 masculinos definidos como papéis de gênero. Os papéis de gênero podem ser descritos como comportamentos aprendidos em uma sociedade, comunidade ou grupo social, nos quais seus membros são condicionados a considerar certas atividades, tarefas e responsabilidades como sendo masculinas ou femininas. Esses papéis são reproduzidos por atitudes, comportamento, valores e hábitos que variam segundo a idade, classe, raça, etnia, classe social, situação econômica, religião ou outras ideologias, assim como pelo meio geográfico e os sistemas econômico, cultural e político de cada sociedade. Os papéis sociais, portanto, vão se materializar de diferentes maneiras históricas e culturais, variando no tempo e no espaço, entre países e dentro de um mesmo país. E assim, alimentam discriminações e violências por terem características relacionais hierárquicas, ou seja, as atribuições dos papéis masculinos e femininos se complementam, convertendo diferenças em desigualdades. A seguir poderemos analisar os números absolutos do aumento de casos de Feminicídios no Brasil: Figura 10: Femicídios no Brasil Fonte: (FBSP, 2019). A Figura 10 tem os dados compilados de 2015 a 2019 e apontam para um crescimento constante dos registros de feminicídios. Neste percurso de levantamento dos dados estatísticos foi descoberto que algumas unidades da federação não fornecem ou alegam não possuir registros de feminicídios. 50 Portanto, a realidade brasileira, no tocante aos feminicídios, não é registrada ou compilada em sua totalidade, produzindo assim dados que não correspondem à realidade dos fatos, ou seja, os números podem ainda ser muito maiores do que os noticiados. O Atlas da Violência (IPEA, 2019) analisou um período de dez anos entre os anos de 2007 e 2017, no tocante a violência contra a mulher, o documento trata os homicídios de mulheres antes e depois da lei do Feminicídio de 2015. A conclusão do documento revelou um aumento de 17% dos casos de Feminicídios e um aumento de 29,8% do uso de armas de fogo como causa morte dos Feminicídios (IPEA, 2019, p. 40). 4 O PAPEL DA EDUCAÇÃO E DA ESCOLA COMO PRÁXIS PEDAGÓGICA NO COMBATE A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 4.1 O PAPEL DA EDUCAÇÃO E DA ESCOLA Este capítulo foi elaborado com o propósito de trazer um debate relevante acerca do papel da Escola na sociedade, relacionando o conceito de educação e a práxis pedagógica. Em seguida, foi elaborada uma análise sobre o papel da Escola, do currículo, do professor no processo ensino e aprendizagem. Para realizar uma análise da práxis pedagógica se faz necessário retomar o conceito de Educação. Para tanto, o questionamento sobre qual é o efetivo papel da educação para os seres humanos? Qual o papel da Educação para a sociedade? E talvez, a pergunta mais importante: a que se destina a Educação em nossa contemporaneidade? Estes questionamentos que foram levantados são a abordagem de análise do tema da pesquisa. A primeira pergunta sobre a que se destina a educação para os seres humanos, remete às análise de SAVIANI (2015) sobre a natureza da educação: “a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos significa afirmar que ela é, ao mesmo tempo, urna exigência de e para o processo de trabalho, bem como é, ela própria, um processo de trabalho.” (SAVIANI, 2015, p.2) A segunda pergunta refere-se ao papel da educação para a sociedade atual e, neste sentido, o ser humano deve ser contextualizado enquanto sujeito histórico, que assume o papel de cidadão, um indivíduo, consciente ou não, de que é parte de um grupo, uma coletividade, de uma dada sociedade localizada, em tempo e espaço. Neste sentido, o que diz a Constituição Federal de 1988, 51 no tocante aos direitos sociais, reconhecendo a educação como um dever do Estado, no Art.205 da Constituição Federal (BRASIL, 2019, p.166): A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. O ser humano por definição é um ser social que se encontra inserido em grupos sociais. A partir dessa percepção, deslocamos o foco para o meio social em que vive o ser humano: a sociedade. Desnaturalizando o meio social com relação ao espaço (onde), à temporalidade (quando) e ao modo como vive o ser humano, atentando para tudo o que os indivíduos produzem e que faz deles seres humanos e sociais. O meio social ao qual o ser humano encontra-se inserido irá conferir um certo conjunto de valores a que se destina a promoção do ser humano. Neste sentido, o conjunto de redes sociais como a família, amigos, comunidade religiosa, vizinhança, colegas de trabalho etc. são partes integrantes dos processos de interação social, nas quais o ser humano adquire sua identidade e os meios fundamentais para sua sobrevivência. Esse entendimento do ser humano é abordado no presente trabalho como sendo as “representações cotidianas” de VIANA (2015) A reflexão sobre o ser humano revela seu comportamento, como ser racional e social, e esta, combinação evidencia dois fatores: a união dos conhecimentos herdados dos seus grupos sociais de origem e sua própria capacidade de raciocinar, questionar, criar e resolver problemas. Neste sentido, a herança cultural transmitida na socialização é a condição inerente de sobrevivência do homem na medida em que este tem que transformar a natureza. Ou seja, o que a natureza não produz para a sobrevivência do ser humano, este deve produzir sua existência. Para sobreviver o homem necessita extrair da natureza ativa e intencionalmente os meios de sua subsistência. Ao fazer isso ele inicia o processo de transformação da natureza, criando um mundo humano (o mundo da cultura). (SAVIANI, 2015, p.1) A análise nos permite, portanto, afirmar que o ser humano só existe, como ser social e, neste sentido, passa por um processo de socialização primária e secundária na medida em que se desenvolve e, é inserido em outros grupos sociais como a escola, o trabalho por exemplo (BERGER, 2008). 52 Neste ponto da análise, conseguimos observar a natureza e a especificidade da educação, como parte inerente do processo de socialização e um fenômeno próprio dos seres humanos. A proposta nesta seção foi aprofundar o estudo sobre o entendimento do conceito de educação produzindo um levantamento bibliográfico que nos conduziu as análises da teoria social da educação no tocante a práxis pedagógica. A revisão teórica nos permitiu realizar uma abordagem das representações cotidianas e a expectativa da educação em uma abordagem das representações complexas. Abordagem metodológica se alinha ao método pedagógico de SAVIANI (2011), localizando em tempo e espaço a vivência do indivíduo enquanto sujeito da realidade social que está inserido. Neste sentido, a Pedagogia Histórico Crítica (SAVIANI, 2011) propõe uma método para que o estudante aproprie-se do conhecimento historicamente sistematizado. As análises da teoria social que contemplam os objetivos da intervenção didática proposta nesta dissertação, na medida em que se propõe incorporar na prática social o conhecimento teórico, superando a persistência cultural do comportamento social no caso da violência contra a mulher. Neste sentido, pensar a educação escolar significa pensar a relação escola e sociedade, portanto, significa entender os pressupostos socioculturais e epistemológicos da práxis educativa. Começamos pelas teorias não críticas que são correntes que não acreditam na relação entre escola e sociedade. São exemplos desta linha a Pedagogia Tradicional, a Pedagogia Nova ou Escolanovismo e a Pedagogia Tecnicista. As teorias críticas partem da concepção dialética da história, ou seja, a humanidade é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim as teorias críticas reconhecem a relação de reciprocidade entre escola e sociedade, “uma vez que se empenham em compreender a educação remetendo-a sempre a seus condicionantes objetivos, isto é, à estrutura socioeconômica que determina a forma de manifestação do fenômeno educativo.” (SAVIANI, 2008, p. 5). As teorias críticas analisam a educação escolar considerando a relação de reciprocidade entre escola e sociedade, no sentido das influências sociais, 53 culturais e a própria estrutura socioeconômica determinando o processo ensino/aprendizagem ou seja, a educação escolar. Podemos citar alguns representantes dessa corrente: Pedagogia Libertadora, de Paulo Freire (1921- 1997), a Pedagogia Crítico-social dos Conteúdos, de José Carlos Libâneo (1945-) e a Pedagogia Histórico-crítica, de Dermeval Saviani (1943-). Por fim, temos também as teorias crítico-reprodutivistas, que consideram em suas análises as relações de determinação, mas “entendem que a função básica da educação é a reprodução da sociedade” (SAVIANI, 2008, p. 5), entretanto, não vislumbram a possibilidade de transformação do indivíduo por meio da educação escolar. A teoria crítica-reprodutivista defende que a escola tem por objetivo reproduzir a sociedade, ou seja, é uma instituição que assume o papel de fazer a manutenção da estrutura socioeconômica. Podemos citar alguns representantes desta perspectiva: a Teoria dos Aparelhos Ideológicos do Estado, de Louis Althusser (1918-1990), a Teoria da Reprodução ou Teoria da Violência Simbólica, de Pierre Bourdieu (1930-2002). A educação e a práxis pedagógica a partir do olhar da teoria crítico- reprodutivista perde o caráter de transformação social. Para Althusser a escola é uma instituição que reproduz a ideologia dominante, reproduzindo a desigualdade e injustiça. Dentro dessa corrente crítico-reprodutivista a escola é fortemente influenciada pelo Estado. Para Althusser (1993), os Aparelhos Ideológicos do Estado, correspondem às instituições que atuam nos mais diversos espectros como religioso, escolar, familiar, jurídico, político, sindical, da informação e cultural, que ao contrário aos Aparelhos Repressivos de Estado, atuam como responsáveis pela disseminação da ideologia dominante e secundariamente pela repressão. O autor acrescenta, “O Aparelho Ideológico de Estado que foi colocado em posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma violenta luta de classes política e ideológica contra o antigo Aparelho Ideológico de Estado dominante, é o Aparelho Ideológico escolar.” (ALTHUSSER, APUD SAVIANI, 1987, p.27). Na prática, a escola recebe os alunos de todas as classes sociais e durante anos a fio de audiência obrigatória repassa os saberes da ideologia 54 dominante. O resultado dessa educação escolar pode ser representado pelos dados generalizados a seguir: “Uma grande parte (operários e camponeses) cumpre a escolaridade básica e é introduzida no processo produtivo.” Outros avançam no processo de escolarização mas acabam por interrompê-lo(...). Uma pequena parcela atinge o vértice da pirâmide escolar, Estes vão ocupar os postos próprios dos “agentes da exploração” (no sistema produtivo), dos “agentes da repressão” (nos Aparelhos Repressivos do Estado) e dos “profissionais da ideologia” (nos Aparelhos Ideológicos do Estado) (ALTHUSSER, APUD SAVIANI, 1987, p.26). A escola e os sistemas educacionais reproduzem de forma implícita, a cultura da elite dominante, uma cultura reconhecida pelos filhos dessa mesma classe. Os estudantes filhos das outras classes sociais teriam dificuldade de aprender os conteúdos oferecidos pela escola. Desta forma, a escola contribui com a manutenção da estrutura de classes e com as desigualdades sociais inerentes a sociedade capitalista. Neste contexto, Mészáros (2008) discorre chamando à atenção para a educação na sociedade capitalista, que tem como propósito transmitir para as gerações de indivíduos uma herança cultural e material do capital, expresso por um conjunto de práticas e valores que serão responsáveis pela reprodução da sociedade capitalista. A divergência entre as teorias críticas e as crítico-reprodutivistas, é justamente a percepção acerca da reciprocidade existente no interior da relação entre escola e sociedade. Em outras palavras, defende que o trabalho pedagógico pode produzir uma transformação social na medida que percebe a relação dialética entre escola e sociedade. Dentro deste contexto, faz-se necessário uma breve retrospectiva quanto a condição da educação como direito de todos que aparece apenas na segunda metade do século XIX, na forma de escola pública, uma criação do Estado republicano francês, pautada nos valores democráticos. Desta forma, a escola é posta como uma instituição social criada com o propósito de corrigir e completar o processo de socialização primária, se configurando como responsável por parte da socialização secundária do indivíduo, de acordo com BERGER (1973). A educação se destinava à aristocracia, ou seja, para os filhos dos reis, dos nobres em outras palavras a elite dominante. 55 O quadro do pintor Chadan de 17762 retrata a educação individualizada. A educação ilustrada no quadro demonstra que a educação até o século XVII era um processo individualizado, um professor para um aluno. A segunda revolução educacional data do século XVIII, período em que ocorre a consolidação dos estados nacionais europeus. O marco histórico desta 2ª Revolução Educacional refere-se ao Decreto do Rei Frederico Guilherme II na Prússia em 1787. Neste decreto o rei Frederico chama para o Estado a responsabilidade da Educação (PETITAT, 1994). A partir desse momento temos a Educação como sendo uma responsabilidade pública, ou seja, do Estado. Até então, além da educação ser um processo individualizado era também a cargo da Igreja. A configuração que a educação e em especial a escola toma nos séculos XVIII e XIX é a mesma até hoje. Entretanto, neste período permanecia as características de desigualdade no acesso a educação tais como: apenas 10% da população tinha acesso a educação; presença apenas masculina e a elite econômica (ARANHA, 2009, P.222) A terceira revolução refere-se ao processo de democratização e universalização da educação. Em outras palavras temos a inclusão das diferenças sociais, econômicas, psíquicas, físicas, culturais, religiosas, raciais, ideológicas e de gênero. A quarta questão atual é como lidar com essa inclusão das diferenças que é legitimada na sociedade contemporânea na escola (PETITAT, 1994). Neste cenário, os pensadores da teoria social que se debruçaram sobre a educação e a práxis pedagógica, recorreram ao recurso metodológico proposto por Marx e, assim, analisaram a educação e o ser humano enquanto sujeitos do processo histórico. A perspectiva apresentada observa a participação da escola enquanto instituição social responsável em corrigir e completar a educação recebida pelos indivíduos de suas respectivas famílias. Dentro deste contexto de indagações, tomando como referência a perspectiva marxista, o ser humano tem a capacidade de conseguir os meios que garantam a sua sobrevivência, o ser humano age sobre a natureza, transformando-a. Ele se apropria dos 22 O quadro “A jovem professora”. Chadin Jean Baptiste –Simeon, 1736. Esta exposto em Wational Gallery, Londres. 56 materia