UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS E CIÊNCIAS EXATAS Trabalho de Formatura Curso de Graduação em Engenharia Ambiental CONTAMINAÇÃO RADIOATIVA: ASPECTOS FUNDAMENTAIS ASSOCIADOS À POLUIÇÃO NUCLEAR AMBIENTAL Carolina Manabe Pasetti Prof. Dr. Gerson Antonio Santarine Rio Claro (SP) 2013 UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Instituto de Geociências e Ciências Exatas Campus de Rio Claro CAROLINA MANABE PASETTI CONTAMINAÇÃO RADIOATIVA: ASPECTOS FUNDAMENTAIS ASSOCIADOS À POLUIÇÃO NUCLEAR Trabalho de Formatura apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Engenheiro Ambiental. Rio Claro - SP 2013 Pasetti, Carolina Manabe Contaminação radioativa: aspectos fundamentais associados à poluição nuclear / Carolina Manabe Pasetti. - Rio Claro, 2013 66 f. : il., figs., quadros Trabalho de conclusão de curso (Engenharia Ambiental) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Geociências e Ciências Exatas Orientador: Gerson Antonio Santarine 1. Radiação. 2. Radioatividade - Efeitos. 3. Meio ambiente. 4. Acidente nuclear. I. Título. 539.2 P281c Ficha Catalográfica elaborada pela STATI - Biblioteca da UNESP Campus de Rio Claro/SP CAROLINA MANABE PASETTI CONTAMINAÇÃO RADIOATIVA: ASPECTOS FUNDAMENTAIS ASSOCIADOS À POLUIÇÃO NUCLEAR AMBIENTAL Trabalho de Formatura apresentado ao Instituto de Geociências e Ciências Exatas - Campus de Rio Claro, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, para obtenção do grau de Engenheiro Ambiental. Comissão Examinadora Prof. Dr. Gerson Antonio Santarine (orientador) Prof. Dr. Roberto Naves Domingos Prof. Dr. Giovani Fornereto Gozzi Rio Claro, 22 de novembro de 2013. Assinatura da aluna Assinatura do orientador Aos meus pais, Milton e Marilia, por serem meus heróis. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Milton e Marilia, que sempre fizeram o seu melhor para nos criar e me educaram para que eu também faça o meu melhor. Além, é claro, de aguentarem o meu mau- humor de fim de semestre desde 2009 – e o meu mau-humor geral desde 1991. Ao prof. Gerson Antonio Santarine, pela orientação e a paciência nesses meses de trabalho, além do apoio e entusiasmo para uma futura viagem à Terra do Sol Nascente. Aos meus irmãos, Daniel e Geisa, meus primeiros e eternos amigos. Definitivamente, crescer foi mais divertido com vocês. Aos meus melhores amigos, Anne, Pedro e Géssica, por serem os amigos mais bizarros que eu poderia ter encontrado e por, reciprocamente, entenderem e aceitarem a minha bizarrice. Aos meus amigos que conheci na internet, pois, sendo boa cria do século XXI, não poderia deixar de tê-los. Obrigada pelo apoio, a ajuda e as risadas. Às minhas amigas unespianas Ana Luiza, Beatriz, Carolina, Caroline, Fernanda Menin, Fernanda Nosse, Heloise e Verna, por estes cinco anos de Engenharia Ambiental. Vocês foram mães, irmãs, conselheiras, terapeutas, professoras e, claro, grandes amigas! Aprendi muito com toda essa diversidade que nós formamos e pude expandir o meu mundo ao conhecer os seus. Obrigada por dividirem comigo um pouco das suas vidas, incluindo as crises, as risadas, as preocupações e as bobagens! À minha avó, aos meus primos e primas, tios e tias, que sempre torceram por mim. A todos os meus professores, que me inspiraram ao longo dos anos, cada um à sua maneira. Obrigada por colocarem os degraus para que eu pudesse chegar onde estou. Por fim, a todos aqueles que passaram pelo meu caminho nestes últimos cinco anos e colaboraram para a minha formação. “A vida não é fácil para nenhum de nós. Mas e daí? Devemos ter perseverança e, acima de tudo, confiança em nós mesmos. Devemos acreditar que somos dotados para algo, e que isto, a qualquer custo, deve ser alcançado.” Marie Curie RESUMO A radioatividade, desde sua descoberta, tem trazido inúmeros benefícios à sociedade. Possui diversas aplicações na medicina, servindo como ferramenta em métodos não invasivos para diagnósticos e em terapias contra enfermidades, tais como câncer. Aplica-se também a tecnologias para obtenção de energia em usinas nucleares, com impactos ambientais relativamente baixos em condições de perfeita segurança. Todas as aplicações, porém, possuem riscos, exigindo-se precaução para conduzir processos e operações envolvendo elementos radioativos, pois, uma vez liberados no meio ambiente, possuem consequências extremamente nocivas sobre os organismos afetados. A revisão bibliográfica possibilitou a compreensão da problemática da contaminação radioativa sobre os organismos vivos. Três grandes acidentes nucleares aconteceram nos últimos trinta anos, dois deles em anos consecutivos. O acidente nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, contaminou extensas áreas, condenando centenas de milhares de pessoas a conviverem com as consequências do acidente e os efeitos da radiação, vitimando milhares de pessoas ao longo dos anos. Em 1987, ocorreu em Goiânia (GO) um dos maiores acidentes radiológicos da história brasileira, quando se violou uma fonte de césio radioativo, liberando radionuclídeos e contaminando diversas áreas da cidade, levando a óbito muitos daqueles que tiveram contato direto ou indireto com o césio. O acidente mais recente, em março de 2011, ocorreu na usina nuclear localizada na província de Fukushima, no Japão, após um terremoto seguido de tsunami, que atingiu a região. Ainda não há um extenso e preciso conhecimento sobre as consequências da contaminação acarretada pelo acidente, mas já é possível verificar sinais em escala global. O presente trabalho apresenta conceitos e princípios fundamentais de Física Nuclear, visando ao entendimento dos efeitos dos elementos radioativos liberados no meio ambiente, culminando com a questão da contaminação radioativa. Uma análise dos relatos de contaminação de extensas áreas gerada por usinas nucleares acidentadas, com liberação de rejeitos perigosos, sugere ser necessário que se repense a matriz energética dos diversos países que ainda a utilizam como fonte de energia, pois os impactos causados por um acidente nuclear são de grande magnitude e demandam tratamentos dispendiosos, quando reversíveis. Palavras-chave: Radioatividade. Contaminação radioativa. Meio ambiente. Acidente nuclear. ABSTRACT Since its discovery, radioactivity has brought numerous benefits to human societies. It has many applications in medicine, serving as a tool for non-invasive methods for diagnosis and therapies against diseases such as cancer. It also applies to technologies for energy in nuclear power plants with relatively low impacts on terms of perfect security. All applications, however, have risks, requiring maximum caution to drive processes and operations involving radioactive elements because, once released into the environment, they have extremely harmful effects on organisms affected. This paper presents fundamental concepts and principles of nuclear physics in order to understand the effects of radioactive elements released into the environment, culminating on the issue of radioactive contamination. Literature review allowed us to understand the radioactive contamination problem on living beings. Three major nuclear accidents have happened in the last thirty years, two of them in consecutive years. The nuclear accident at Chernobyl, Ukraine, in 1986, polluted large areas, condemning hundreds of thousands of people to live with consequences of the accident and effects of radiation, killing thousands of people throughout the years. In 1987, a major radiological accident occurred in Goiania (GO) when a source of radioactive cesium was violated, leading to the death of those who had direct or indirect contact with cesium. The most recent accident, in March, 2011, was located at the nuclear power plant in Fukushima Prefecture, Japan, after an earthquake and tsunami hit the region. There is no extensive and accurate knowledge about the consequences of the contamination entailed in that accident, although it is possible to verify signals on a global scale. An analysis of reports of contamination of large areas generated by nuclear plants with release of hazardous wastes suggests it is necessary to rethink the energy matrix of the various countries that still use it as an energy source, because the impacts of a nuclear accident are of great magnitude and demand costly treatments when reversible. Keywords: Radioactivity. Radioactive contamination. Environment. Nuclear accident. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 10 2. OBJETIVO ....................................................................................................................... 11 2.1. Objetivos gerais ......................................................................................................... 11 2.2. Objetivos específicos ................................................................................................. 11 3. METODOLOGIA ............................................................................................................. 12 4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ......................................................................................... 13 4.1. Histórico ..................................................................................................................... 13 4.2. Radioatividade natural ............................................................................................... 13 4.2.1. Raios radioativos: radiação alfa, beta e gama..................................................... 13 4.2.2. Desintegração natural: decaimento, recuperação e atividade ............................. 15 4.2.3. Caracterização de um nuclídeo: constante de desintegração, meia-vida e vida- média ............................................................................................................................ 17 4.2.4. Transformações radioativas sucessivas .............................................................. 17 4.2.5. Séries radioativas naturais .................................................................................. 21 4.2.6. Equilíbrio radioativo ........................................................................................... 22 4.3. Desintegração nuclear artificial ................................................................................. 23 4.3.1. Transmutação artificial ....................................................................................... 23 4.3.2. Balanço de massa e energia em reações nucleares ............................................. 25 4.3.3. Aceleração de partículas carregadas ................................................................... 26 4.4. Radioatividade artificial ............................................................................................. 27 4.4.1. Descoberta da radioatividade artificial ............................................................... 27 4.4.2. Decaimento de radionuclídeos artificiais ........................................................... 27 4.4.3. Elementos transurânicos ..................................................................................... 29 4.4.4. Radionuclídeos alfa-emissores e a série do netúnio ........................................... 30 4.5. Radiações nucleares e meio ambiente: poluição nuclear e efeitos biológicos ........... 31 4.5.1. Radiações ionizantes........................................................................................... 31 4.5.2. Radiação natural e artificial ................................................................................ 32 4.5.3. Efeitos das radiações nos seres vivos ................................................................. 33 4.5.4. Síndrome Aguda das Radiações ......................................................................... 36 4.5.5. Contaminação radioativa .................................................................................... 37 4.5.6. Poluição do ar ..................................................................................................... 38 4.5.7. Contaminação do solo ........................................................................................ 39 4.5.8. Contaminação da água ........................................................................................ 42 4.5.9. Incorporação de radionuclídeos na cadeia alimentar .......................................... 42 4.6. Acidentes nucleares ................................................................................................... 44 4.6.1. Conceitos e definições ........................................................................................ 44 4.6.2. Avaliação de impactos de desastres ambientais ................................................. 46 4.6.3. Avaliação de impactos de acidentes nucleares e gerenciamento de áreas contaminadas .................................................................................................................... 48 4.6.4. Escala Internacional de Eventos Nucleares ........................................................ 50 5. RESULTADOS E DISCUSSÕES .................................................................................... 53 5.1. Impactos de um acidente nuclear ............................................................................... 53 5.2. Acidente nuclear em Fukushima ................................................................................ 56 6. CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES .......................................................................... 61 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 62 8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA .................................................................................. 66 10 1. INTRODUÇÃO A história da radioatividade remonta ao final do século XIX, com a descoberta dos raios X e, anos depois, da radioatividade natural de elementos. A partir de então, foram criadas diversas tecnologias utilizando elementos radioativos, sendo as mais relevantes aquelas utilizadas na medicina e na geração de eletricidade. Elementos radioativos são núcleos instáveis, denominados radioisótopos ou radionuclídeos, caracterizados por emitir, continuamente, radiações de diferentes tipos, sendo elas os raios alfa, beta e gama. Continuamente, também, desintegram-se e podem formar novos elementos. Raios alfa são compostos por partículas correspondentes a núcleos de hélio; raios beta, partículas correspondentes a elétrons; e raios gama, por radiação eletromagnética semelhante aos raios X. Foram desenvolvidos métodos para desintegrar átomos de forma artificial, bombardeando-os com partículas carregadas, gerando novos núcleos. Descobriu-se, posteriormente, que alguns destes novos núcleos criados decaíam da mesma forma que radioisótopos naturais, nomeando-se o fenômeno de radioatividade artificial, devido à forma com que são criados. Com isso, foi possível criar elementos artificiais, com massas maiores que a do urânio, elemento natural de maior massa de que se tem conhecimento. O problema que permeia a utilização da radioatividade é a liberação de radioisótopos no meio ambiente. Radioisótopos emitem a chamada radiação ionizante, que, por definição, promove ionizações nos meios que tem contato, podendo modificar sua estrutura. A preocupação é o efeito dessas ionizações na saúde e descendência dos indivíduos expostos a radiação. Há, naturalmente, a chamada radiação de fundo, constituída pela radiação proveniente de radionuclídeos naturais e pela radiação cósmica, vinda do espaço, pouco nociva aos seres vivos. Porém, foram desenvolvidas aplicações onde se utilizam radioisótopos que, se liberados no meio ambiente, poderão afetar os indivíduos diferencialmente, pois será um adicional aos níveis naturais de radiação, como no caso de radioterapia e usinas nucleares. Este trabalho pretende analisar os efeitos das radiações nos indivíduos expostos após liberações de radioisótopos decorridas de acidentes radiológicos e nucleares, tomando como exemplo grandes acidentes que ocorreram nos últimos trinta anos. 11 2. OBJETIVO 2.1.Objetivos gerais O trabalho aqui apresentado tem o objetivo de analisar princípios fundamentais da Física Nuclear, bem como a geração núcleo-elétrica e as consequências da liberação acidental ou proposital de radionuclídeos no meio ambiente. 2.2.Objetivos específicos  Compreender princípios fundamentais da Física Nuclear;  Avaliar os danos causados pela liberação de radioisótopos no meio ambiente, bem como os efeitos biológicos sobre indivíduos expostos à radiação, levando-se em conta a possibilidade de se incorporarem na cadeia alimentar;  Evidenciar métodos de avaliação de impactos ambientais aplicáveis aos casos de acidentes nucleares, com subsequente classificação geral;  Analisar, de forma sucinta, os impactos causados por acidentes nucleares e, mais especificamente, o caso do acidente ocorrido na Central Nuclear de Fukushima I, no Japão, em 2011. 12 3. METODOLOGIA A metodologia foi baseada em extensa revisão da literatura, visando a uma melhor compreensão dos conceitos fundamentais de Física Nuclear e dos aspectos biológicos e ecológicos dos radioisótopos liberados no ambiente. 13 4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 4.1.Histórico A história da radioatividade se inicia em 1895, quando os raios X foram descobertos por Wilhelm Conrad Roentgen, físico alemão que, ao observar a eletricidade num tubo de raios catódicos, notou que um anteparo brilhava do outro lado da sala escura sempre que se ligava a energia ao tubo, apesar deste estar fechado em papelão preto. Roentgen repetiu o experimento até ver que os raios atravessavam seus dedos, revelando uma imagem dos ossos da mão. A primeira imagem radiográfica da ossatura humana foi feita quando o físico aplicou raios X na mão de sua esposa. O potencial de diagnóstico dos raios X foi logo reconhecido pela comunidade médica (CAMARGO, 2006). Em 1896, Henri Becquerel, físico francês, observou impressões em uma chapa fotográfica, causadas por raios de natureza desconhecida que só poderiam ter sido produzidas por uma amostra de sais de urânio que havia sido acidentalmente deixada sobre a chapa. Ele descobria, então, a radioatividade emitida pelo urânio, similar à fluorescência de raios catódicos, porém de origem diferente (CAMARGO, 2006). A física polonesa Marie Curie, orientada por Becquerel, descobriu que o tório também emitia os chamados raios de Becquerel, propriedade renomeada por ela de radioatividade. Em 1898, publicou, junto com seu marido, Pierre Curie, físico francês, a comunicação da descoberta de um novo elemento químico, chamado polônio, em homenagem à terra natal de Marie. Em dezembro do mesmo ano, anunciaram a descoberta do rádio na pechblenda, um minério de óxido de urânio. Finalmente, em 1902, o casal anunciou a obtenção de 0,2 g de cloreto de rádio, com 900 vezes mais atividade que o óxido de urânio (CAMARGO, 2006). 4.2.Radioatividade natural 4.2.1. Raios radioativos: radiação alfa, beta e gama Os elementos radioativos caracterizam-se por emitir radiações com diferentes propriedades e energias, denominadas de raios alfa, beta e gama; quase sempre originando novos elementos. Pode-se examinar a natureza das radiações pela experiência representada na Figura 1, em que um feixe de radiação é submetido a um campo magnético, com separação de três componentes: 14 Figura 1 – Feixe de radiação sujeito a um campo magnético. Fonte: Extraído de Salmeron (2007). Disponível em: . Acesso em: 05 set. 2013. Na Figura 1, é possível observar uma fonte radioativa isolada, cujo feixe de radiação encontra-se sob influência de um campo magnético perpendicular à direção de propagação e incide sobre uma chapa fotográfica. O feixe se separa em três componentes: um sofre uma fraca deflexão em direção à placa negativamente carregada, indicando partículas de carga positiva; outro componente sofre uma forte deflexão em direção à placa positivamente carregada, indicando partículas de carga negativa; o terceiro componente não é defletido. Trata-se, respectivamente, das partículas alfa, beta e raios gama. A força da deflexão é inversamente proporcional à massa das partículas. Partículas alfa correspondem a núcleos de hélio, com carga eletrônica positiva igual a dois em unidades atômicas de carga e massa igual a quatro unidades de massa atômica. Têm alcance limitado, tendo em vista sua massa e carga elétrica maiores, porém possuem alto poder de ionização. Suas trajetórias costumam ser retas, com deflexões raras e abruptas ocorridas devido à colisão com núcleos. Partículas beta são equivalentes a elétrons, com carga eletrônica negativa igual a uma unidade atômica de carga, ou 1,602 × 10-19 C, e massa praticamente nula. São mais penetrantes que as partículas alfa por possuírem carga elétrica e massa menores. Devido exatamente à menor massa, possuem trajetórias tortas, sofrendo várias deflexões. Raios gama assemelham-se aos raios X, com comprimento de onda igual ou mais curto; possuem poder para penetrar até vários centímetros de chumbo; não sofrem desvios, pois se constituem de ondas eletromagnéticas. Enquanto as partículas alfa e beta cedem sua energia em vários processos de ionização, os quanta de raios gama cedem sua energia em processos de ionização, efeito Compton ou produção de pares (OLDENBERG & HOLLADAY, 1971; SALMERON, 2007). 15 4.2.2. Desintegração natural: decaimento, recuperação e atividade A maneira pela qual uma substância radioativa se degrada e produz uma nova foi investigada por William Crookes, físico e químico inglês; Becquerel; Ernest Rutherford, físico e químico neozelandês; e Frederick Soddy, químico inglês. Em 1900, Crookes descobriu um resíduo da precipitação de um sal de urânio altamente radioativo. Becquerel descobriu que a atividade desse resíduo diminuía, enquanto a fração do urânio aumentava. Em 1902, Rutherford e Soddy obtiveram resultados semelhantes com sais de tório. Eles estudaram a razão de decaimento deste elemento e a razão de recuperação da atividade do tório. O decaimento da atividade se dá como um decaimento exponencial, podendo ser expressa em função do tempo pela equação: (1) Onde Ax0 é a atividade inicial do elemento, denominado ThX, Ax(t) é a atividade após um tempo t (s), e λ (s-1) é a chamada constante de desintegração. A atividade é expressa em Becquerel, definido como uma desintegração por segundo (1 Bq = 1 s-1); outra unidade para atividade é o Curie (Ci), correspondente a 3,7 × 1010 Bq. A recuperação do elemento resultante é representada pela equação: (2) As curvas de decaimento e recuperação são simétricas, já que a constante λ possui o mesmo valor para ambas as equações. A Figura 2 representa a curva para o tório: Figura 2 – Decaimento da atividade do elemento radioativo denominado ThX e a recuperação da atividade do tório. Fonte: Adaptado de Kaplan (1961). A atividade de um elemento radioativo é proporcional à quantidade de átomos que se desintegram na unidade de tempo. Substituindo-se a atividade A pelo número de átomos N e eliminando-se o subscrito x, a equação (1) pode ser escrita como: 16 (3) Que representa o decaimento do número de átomos com o tempo de uma substância radioativa. Derivando a equação (3): (4) Onde N(t) foi abreviado para N. A equação (4) representa o decaimento radioativo, onde a diminuição por unidade de tempo do número de átomos de um elemento é proporcional ao número de átomos que ainda não desintegraram, sendo esta proporcionalidade dada pela constante de desintegração. Integrando a equação (4), tem-se: (5) A equação (5) representa a lei de decaimento temporal de um elemento radioativo para outro estável. A equação a seguir mostra a relação entre o número de átomos radioativos N e sua atividade A: (6) Onde c é um fator de proporcionalidade, chamado coeficiente de detecção que depende do instrumento de detecção e pode variar de uma substância radioativa a outra. A partir da equação (6), segue-se que: (7) Cancelando-se o coeficiente de detecção. Assim, pode-se utilizar N e A como equivalentes no caso de uma única substância. No caso de duas substâncias diferentes: A1 = c1λ1N1 e A2 = c2λ2N2. 17 Considerando-se, excepcionalmente, os coeficientes de detecção iguais a um, pode-se simplificar a equação para A = λN. 4.2.3. Caracterização de um nuclídeo: constante de desintegração, meia-vida e vida- média Um nuclídeo radioativo pode ser caracterizado por sua constante de desintegração (λ), meia-vida (T1/2) ou vida média (τ). A constante de desintegração pode ser determinada experimentalmente com a equação (4): (8) Considerando a proporcionalidade entre N(t) e A(t), sendo N(t)/N0 = A(t)/A0, pode-se escrever a equação (8) (9) A meia-vida é o tempo necessário para que metade dos átomos da substância radioativa se desintegre. Então, N(T)/N0 = 0,5, e, a partir da equação (8), Ou Como ln 2 = 0,693, (10) A vida média, ou expectativa média de vida, é a soma dos tempos de existência de todos os átomos da amostra dividida pelo seu número inicial. A vida média é dada pelo recíproco da constante de desintegração: (11) A partir das equações (10) e (11), tem-se uma proporcionalidade entre a meia-vida e a vida média: (12) 4.2.4. Transformações radioativas sucessivas Suponha-se que uma amostra radioativa decaia para outra instável e esta finalmente para uma terceira estável. Para se conhecer o número de átomos de cada membro de uma série radioativa em função do tempo é necessário resolver um sistema de equações diferenciais, 18 referentes às três espécies com a última estável. Seja A primeira equação expressa o decaimento do primeiro nuclídeo de acordo com a lei na equação (4). Átomos do segundo tipo se formam na razão λ1N1 (decaimento de átomos do pai) e decaem na razão λ2N2; o produto final estável aparece na razão λ2N2 (decaimento de átomos do segundo tipo). O número de átomos N1 pode ser escrito como já resolvido anteriormente: (13) Onde N1 0 é o número de átomos do primeiro tipo presentes no início. Para a segunda equação, tem-se: Multiplicando os termos por eλ2t: λ λ λ λ A fim de encontrar C, calcula-se a equação para t = 0 Assim 19 (14) O número de átomos do terceiro tipo é calculado da seguinte forma: A fim de encontrar D, calcula-se a equação para t = 0 Assim (15) Uma das condições de contorno para se resolver este problema é que no início só estão presentes átomos do primeiro tipo de nuclídeo denominado pai; portanto, as constantes N2 0 e N3 0 são iguais a zero, e as soluções para N2 e N3 reduzem-se a (16) (17) A Figura 3 indica os comportamentos dos três nuclídeos: 20 Figura 3 – Série radioativa com três membros: só o pai (T1/2 = 1 h) está presente no início; o filho tem meia-vida de 5 h, e o terceiro membro é estável. Fonte: Adaptado de Kaplan (1961). O tratamento acima pode ser generalizado para uma série natural ou artificial de radionuclídeos com o último deles sendo estável. As equações diferenciais do sistema são (18) A solução deste sistema, na hipótese de que em t = 0 só está presente a substância pai, foi deduzida por Harry Bateman, matemático inglês. As condições iniciais são: (19) O número de átomo do n-ésimo membro da cadeia é dado por (20) Com (21) A Figura 4 ilustra um exemplo de decaimento de elementos para uma série com quatro membros: polônio-218 (Po218), com meia-vida de 3,05 minutos, decai para chumbo-214 (Pb214), com meia-vida de 26,8 minutos. Este decai para bismuto-214 (Bi214), com meia-vida 21 de 19,7 minutos, que, por sua vez, decai em chumbo-210 (Pb210), com meia-vida de 22 anos, que é suficientemente longa para que se despreze o número de átomos que se desintegram. Figura 4 – Decaimento de Po218. Fonte: Adaptado de Kaplan (1961). 4.2.5. Séries radioativas naturais Alguns nuclídeos radioativos naturais constituem três sequências de decaimento definidas, chamadas séries radioativas, que são as séries do urânio, actínio e tório, cujos nuclídeos iniciais são urânio-238 (U238), urânio-235 (U235) e tório-232 (Th232), respectivamente. Os números de massa dos elementos da série do urânio podem ser expressos na forma (4n + 2), onde n é um número inteiro. Na série do actínio, os números de massa são dados por (4n + 3), e na do tório, por (4n). Na natureza, não há nenhuma série cujos números de massa sejam representados por (4n + 1). As séries estão representadas nas figuras a seguir: Figura 5 – Série do urânio. Fonte: Elaborado pela autora a partir de Kaplan (1961). 22 Figura 6 – Série do actínio. Fonte: Elaborado pela autora a partir de Kaplan (1961). Figura 7 – Série do tório. Fonte: Elaborado pela autora a partir de Kaplan (1961). Os radionuclídeos geralmente se desintegram de maneira definida, mas existem casos em que os átomos podem se desintegrar de duas maneiras diferentes, originando dois produtos finais. Esta desintegração é chamada de decaimento ramificado. 4.2.6. Equilíbrio radioativo O termo equilíbrio expressa uma condição em que a derivada de uma função em relação ao tempo é igual a zero – isto é, o número de átomos não muda. As condições para equilíbrio são: 23 (22) As condições indicam que λ1 = 0, o que seria uma contradição se a substância pai é radioativa. É possível, porém, atingir um estado bastante próximo ao equilíbrio se o decaimento da substância pai for muito mais lento que de outros membros, ou seja, se possui uma meia-vida muito longa. Esta condição ocorre nas séries radioativas naturais. A meia-vida do urânio é de 4,5 × 109 anos e, em um período usual de observação, os átomos transformados constituirão uma fração muito pequena. Nesse caso, o número de átomos N1 pode ser considerado constante, e o valor de λ1 é o menor da cadeia. Chama-se de equilíbrio secular e satisfaz a condição (23) Ou, considerando as meias-vidas, (24) O equilíbrio secular também se atinge ao se produzir uma substância radioativa numa razão constante, por um método artificial. 4.3.Desintegração nuclear artificial 4.3.1. Transmutação artificial Partindo da concepção de que se poderiam bombardear átomos com partículas energéticas, Rutherford realizou uma desintegração de núcleos de nitrogênio bombardeados com partículas alfa, com emissão de prótons como resultado. Rutherford e James Chadwick, físico inglês, estenderam o trabalho e descobriram que acontecia desintegração em todos os elementos leves, do boro ao potássio, exceto carbono e oxigênio. Patrick Blackett, físico inglês, estudou as trajetórias de partículas alfa pelo nitrogênio numa câmara de gás. Na Figura 8, pode-se ver que as únicas trajetórias que eram das partículas alfa incidentes, um próton e um núcleo recuando, sendo que a partícula alfa desaparecia após a desintegração. Assim, foi possível concluir que a partícula alfa entrava no núcleo do átomo de nitrogênio, formando um sistema instável que expelia um próton. A desintegração do átomo de nitrogênio pode ser representada pela seguinte equação: 24 À esquerda da equação, estão os nuclídeos reagentes. Entre colchetes, está o núcleo instável formado pela captura da partícula alfa pelo nitrogênio, chamado de núcleo composto. À direita, estão os produtos finais da equação, no caso o núcleo final e o próton emitido. A transmutação do átomo de nitrogênio em um isótopo de oxigênio pode ser representada pela notação N14(α,p)O17. As reações do tipo alfa-próton causam o aumento de uma unidade na carga e de três unidades na massa, podendo ser escrita da seguinte forma: (25) Onde X, Y e Cn representam, respectivamente, o alvo, o produto e o núcleo composto. Figura 8 – Fotografia da câmara de nuvens mostrando a desintegração de um núcleo de nitrogênio (N14) por uma partícula alfa, com a formação de oxigênio-17 (O17) e um próton. Fonte: Retirado de Science Museum e Institute of Physics (1997). Disponível em: . Acesso em: 02 nov. 2013. A captura de uma partícula alfa pelo núcleo pode resultar também em outros tipos de emissão. No caso do berílio, tinha-se que um dos produtos apresentava alto poder de penetração, sem se observar nenhum próton. A primeira suposição era de que o produto consistia de fótons de raios gama. Entretanto, havia uma contradição quanto à energia medida dos “fótons” e a energia que, teoricamente, deveriam ter, sendo esta muito superior à energia medida. Chadwick resolveu esse problema ao formular uma nova hipótese de que a radiação proveniente do berílio consistia de partículas com massa quase igual à do próton, mas sem carga nenhuma, ou seja, nêutrons. A reação nuclear que os produz é (26) http://mvc.bioweb.dcccd.edu/weblinks/1937.html 25 Onde 0 1n representa o nêutron. O alto poder de penetração dos nêutrons se deve à carga elétrica nula. 4.3.2. Balanço de massa e energia em reações nucleares Para que ocorra uma reação nuclear, a determinação do balanço de massa/energia entre as partículas incidentes, núcleo alvo, partícula ejetada e núcleo produto é de fundamental importância. Para se calcular este parâmetro, considera-se uma reação nuclear representada por: (27) Onde X é o núcleo alvo, x é a partícula incidente, Y o núcleo produto e y a partícula ejetada. Para fins de simplificação, supõe-se que X está inicialmente em repouso, não possuindo energia cinética. Visto que a energia total é a soma da energia de repouso com a energia cinética, afirmar que a energia total se conserva na reação nuclear significa que: (28) Na equação acima, mx, MX, my e MY são as massas da partícula incidente, núcleo alvo, partícula produto e núcleo produto, respectivamente; as energias cinéticas são representadas por E. A quantidade Q é a diferença entre a energia cinética dos produtos da reação e da partícula incidente, ou seja: Pode-se expressar a diferença entre energias em relação às massas: (29) Q é chamada de balanço de energia de uma reação e pode ser determinado pela diferença de energias e pela diferença de massa. Se Q apresenta um valor positivo, os produtos possuem energia cinética maior que a dos reagentes e a reação é dita exotérmica ou exoenergética. Se o valor de Q é negativo, os reagentes possuem energia cinética maior e a reação é dita endotérmica ou endoenergética. A energia, a nível atômico, é mais bem expressa em unidade elétron-volt (eV), definido como a energia adquirida por um elétron ao atravessar uma diferença de potencial de 1 volt (SCHABERLE; SILVA, 2000a). Numericamente, um elétron-volt equivale à energia de 1,6 × 10-19 joules (J). 26 4.3.3. Aceleração de partículas carregadas O desenvolvimento de métodos para aceleração de partículas carregadas a altas energias ganhou importância, tendo em vista a necessidade de se utilizar outras partículas projéteis de maiores energias, tais como prótons, dêuterons etc. Além disso, a obtenção de partículas alfa era limitada, realizada em feixes de pequena intensidade e com energias de no máximo 7,68 MeV, e as transmutações induzidas por estas partículas somente poderiam acontecer a núcleos alvos de elementos mais leves devido à repulsão coulombiana entre o alvo e a partícula alfa. Assim, as primeiras reações induzidas por particular carregadas artificialmente aceleradas puderam ser promovidas. Neste contexto as primeiras reações foram produzidas por prótons, seguidas por outras partículas como dêuterons, nêutrons etc. Uma forma bastante efetiva de se produzir reações nucleares é utilizando nêutrons no bombardeamento dos núcleos estáveis. Com carga elétrica nula, eles têm maior capacidade de penetração que outras partículas, pois não se sujeitam a forças eletrostáticas repulsivas. Nêutrons com alta e baixa energia são extremamente efetivos para produzir reações. A reação induzida por um nêutron origina uma partícula alfa, um próton, um fóton de raios gama, ou dois nêutrons. A reação (n,α) é representada por (30) No caso da reação (n,p), a equação geral é (31) Esta reação tem como efeito aumentar a carga em uma unidade, substituindo um próton por um nêutron no núcleo. No caso da reação (n,2n), a carga do núcleo não se modifica e a massa decresce em uma unidade, resultando em um isótopo do núcleo alvo: (32) O resultado mais comum da captura de um nêutron por um núcleo é a do tipo radioativa, com emissão de raios representada por: (33) Os produtos são um ou mais fótons de raios gama, e o núcleo final é um isótopo do núcleo alvo. Observa-se este processo em quase todos os elementos. Os valores de Q são sempre positivos, a energia adicional conduzida pelos raios gama. A reação (n,γ) mais simples com nêutrons lentos tem como núcleo alvo o hidrogênio: 27 A reação tem como produto o deutério – este, quando bombardeado com nêutrons leves, forma o trítio. A captura radioativa de nêutrons lentos amiúde resulta em núcleos radioativos, sendo esta reação uma importante fonte de nuclídeos radioativos artificiais. 4.4.Radioatividade artificial 4.4.1. Descoberta da radioatividade artificial O termo radioatividade artificial se refere à forma com que se produzem os nuclídeos radioativos, que decaem espontaneamente, da mesma forma que elementos radioativos encontrados na natureza. Em 1934, Irène Curie, física francesa, filha de Marie Curie, e seu marido Frédéric Joliot, físico francês, descobriram a radioatividade artificial ao estudar os efeitos de partículas alfa sobre elementos leves. Bombardeando boro, magnésio e alumínio, observaram-se, além dos produtos previstos das reações (prótons e nêutrons), elétrons positivos, também chamados pósitrons. Experiências mostraram que os elementos leves continuavam emitindo pósitrons depois de se remover a fonte de partículas alfa, em uma razão que diminuía com o tempo, até se aproximar de zero. A razão de emissão dos pósitrons, lançada num gráfico pelo tempo, resultava em uma curva exponencial, similar às obtidas com o decaimento beta de radionuclídeos naturais. Concluiu-se que o núcleo formado na reação (α,n) era um nuclídeo instável que se desintegrava emitindo um pósitron. Porém, não só nuclídeos produzidos a partir do bombardeio com partículas alfa, mas também aqueles produtos de reações com prótons, dêuterons, nêutrons e fótons podem ser radioativos. Da mesma forma que radionuclídeos naturais, um radionuclídeo artificial caracteriza-se pela meia-vida e a radiação que emite. 4.4.2. Decaimento de radionuclídeos artificiais Os nuclídeos radioativos artificiais distanciam-se dos nuclídeos estáveis por terem nêutrons demais ou de menos, ou seja, não têm prótons o suficiente ou os têm em excesso, respectivamente. Um núcleo que possua poucos prótons tende à estabilidade aumentando sua carga nuclear por meio da emissão de elétrons; já um que possua prótons demais tende a se estabilizar diminuindo sua carga emitindo pósitrons. Assim, observa-se atividade de pósitrons em isótopos de um elemento com massas menores que os estáveis, e a atividade de elétrons encontra-se em isótopos com massas maiores que os isótopos estáveis. A carga no núcleo 28 também se reduz se há a captura de um elétron orbital. Algo como um terço dos nuclídeos ativos emite somente partículas, enquanto o restante emite também raios gama. O decaimento de um nuclídeo artificial tem como base a energia disponível para que a desintegração ocorra. Para a emissão de elétrons, considera-se a equação: (34) O balanço de energia é dado por: (35) Onde Mn são as massas nucleares do nuclídeo artificial e do produto de decaimento e m é a massa do elétron. A equação pode ser escrita em relação às massas atômicas: Onde Ma é a massa atômica; inclui-se a energia de ligação dos elétrons, porém não implica nenhum problema, pois ela sempre se cancela. Então a equação (35) torna-se (36) A condição para que a emissão do elétron seja energeticamente possível é que o valor de Q seja positivo, ou: (37) Ou seja, a massa atômica do nuclídeo artificial deve ser maior que a de seu isóbaro com carga uma unidade maior. No caso da emissão de pósitrons, a reação é (38) E o valor de Q é dado por Ou (39) Neste caso, para que a emissão de pósitrons seja possível, a massa atômica do nuclídeo artificial deve ser maior que a massa atômica de seu isóbaro com carga nuclear uma unidade menor de pelo menos 2 massas eletrônicas, ou 1,02 MeV: (40) A reação no caso da captura do elétron orbital é (41) E a energia disponível é (42) 29 Portanto, a condição para a captura de um elétron orbital ser possível é (43) Isto é, a massa do nuclídeo artificial deve ser maior que a de seu isóbaro com carga nuclear uma unidade menor. Comparando as equações (40) e (43), vê-se que a captura de um elétron é um processo energeticamente mais favorável que a emissão de um pósitron. Porém, a captura de elétrons depende da probabilidade do elétron estar muito perto do núcleo. Logo que a energia disponível excede 2mc², a tendência é que ocorra a emissão de pósitrons mais frequentemente que a captura de elétrons orbitais. A radioatividade de um nuclídeo artificial pode ser associada com a transformação que o produz, de forma que a emissão de elétron é mais comum para nuclídeos produzidos por reações (n,γ), (n,p), (n,α), e (d,p), pois estas reações resultam em uma diminuição da razão carga-massa.Nuclídeos produzidos por reações (p,γ), (p,n), (α,n), (d,n) e (γ,n) normalmente emitem pósitrons, pois aumentam a razão carga-massa do núcleo. As reações (α,p), (p,α) e (d,α) geralmente resultam em produtos estáveis. 4.4.3. Elementos transurânicos Em 1934, Enrico Fermi, físico italiano, sugeriu que o bombardeio do urânio com nêutrons poderia resultar em elementos com carga nuclear maior que 92. Ao capturar um nêutron, o U238 sofre a seguinte reação: Se o urânio-239 (U239) decaísse por emissão de elétrons, produziria um nuclídeo com Z = 93, um isótopo de um elemento até então desconhecido. A possibilidade do novo elemento com Z = 93 decair por emissão de elétrons formaria um isótopo de outro elemento com Z = 94. Os elementos com valores de Z maiores que 92 foram chamados de elementos transurânicos. Em 1940, realizou-se a produção do isótopo U239, um emissor de elétrons que decai para um isótopo de um novo elemento com Z = 93, também emissor de elétrons. Este novo elemento foi nomeado netúnio. O novo nuclídeo, netúnio-239 (Np239), resulta do decaimento O decaimento do Np239 fornece um isótopo de um novo elemento com Z = 94, chamado plutônio: 30 O plutônio-239 (Pu239) é produzido em reatores nucleares e pode ser utilizado para a produção de energia nuclear ou bombas atômicas. O bombardeio de óxido de urânio com dêuterons ocasiona uma reação (d,2n): Netúnio-238 (Np238) forma plutônio-238 (Pu238) ao emitir um elétron, e tem meia-vida de 2,0 dias. A reação (n,2n) a que se submete o U238 é a seguinte: O isótopo urânio-237 (U237) emite elétrons e decai para netúnio-237 (Np237), sendo este emissor-alfa com uma meia-vida de 2,2 × 106 anos, a mais longa entre os elementos transurânicos. Reações com urânio bombardeado por dêuterons com energia de cerca de 100 MeV resultam na produção isótopos de netúnio e ejeção de 4, 6 ou mesmo 9 nêutrons. Bombardeando Pu239 com nêutrons, podem-se produzir isótopos de amerício (Z = 95) e cúrio (Z = 96). As reações são: Concomitantemente, é formado cúrio-242 (Cm242): O resultado do bombardeamento do amerício-241 (Am241) com partículas alfa é um isótopo do berquélio (Z = 97): Foram usadas estas reações na descoberta do berquélio, e reações similares serviram na primeira preparação e identificação de um isótopo do califórnio, 98Cf244. É possível também produzir isótopos de elementos transurânicos ao bombardear urânio com núcleos pesados altamente ionizados, como carbono (C12), nitrogênio (N14), ou oxigênio (O16), formando isótopos de califórnio, einsteinio e férmio, respectivamente. 4.4.4. Radionuclídeos alfa-emissores e a série do netúnio Atualmente conhecem-se cerca de 150 espécies radioativas que emitem partículas alfa ao decaírem. Cerca de 50 destas estão entre os elementos transurânicos; outras formam uma nova série radioativa, a (4n + 1), chamada de série do netúnio. 31 Figura 9 – Série do netúnio. Fonte: Elaborado pela autora a partir de Kaplan (1961). Como as séries naturais, a série do netúnio apresenta desintegrações ramificadas perto do fim. O produto final estável é o bismuto-209 (Bi209), em vez de um isótopo do chumbo como nas séries naturais. O membro de vida mais longa, Np237, possui meia-vida igual a 2,2 × 106 anos. Considera-se que a Terra tem cerca de 5 × 109 anos de idade. Supondo que o netúnio foi formado conjuntamente à Terra, já se passaram muitas meias-vidas deste nuclídeo e as quantidades ainda remanescentes hoje seriam pequenas demais para serem detectadas. A ausência de uma série (4n + 1) natural pode ser explicada pelo fato de que, mesmo que essa série tenha existido no passado, seus membros já teriam há muito tempo decaído para o Bi209. 4.5.Radiações nucleares e meio ambiente: poluição nuclear e efeitos biológicos 4.5.1. Radiações ionizantes As radiações ionizantes se caracterizam por quebrar as ligações químicas do meio que atravessam. Os seres vivos, quando expostos a tais radiações, podem sofrer severos efeitos que podem levá-los a óbito dependendo da quantidade incidente. Nesse sentido é importante o desenvolvimento de unidades que possam servir de parâmetros para se avaliar um possível dano biológico. Inicialmente os raios X e gama foram caracterizados por uma grandeza denominada de exposição, a qual determina a quantidade de carga elétrica produzida pela ionização para determinada massa no ar nas CNTP. A unidade é o roentgen (R), equivalente a 2,58 × 10-4 C/kg no Sistema Internacional (OKUNO, 1988). 32 Entretanto, a exposição não se mostrou adequada ao se tratar de radiação absorvida pelo tecido vivo. Nesse sentido, definiu-se outra grandeza denominada dose absorvida, a qual corresponde à energia média induzida pela radiação ionizante à matéria por unidade de massa. Esta grandeza pode ser aplicada para qualquer tipo de radiação ionizante em qualquer meio, diferente da exposição, que tratava apenas de raios X e raios gama no ar. A unidade da dose absorvida é o rad (radiation absorbed dose), definida de forma que 1 rad equivale ao resultado da exposição a 1 R de raios X ou gama; numericamente, 1 rad equivale a 0,01 J/kg. No Sistema Internacional, a unidade é o gray (Gy), sendo que 1 Gy = 1 J/kg = 100 rad (OKUNO, 1988). A dose também pode ser relacionada à maneira que é distribuída em determinado período de tempo, o que é representado pela taxa de dose (FREIRE-MAIA, 1972). Para o ser humano, os efeitos biológicos da dose absorvida podem ser diferentes dependendo da irradiação. Levando isso em consideração, e com fins de proteção radiológica, foi criada a dose equivalente, calculada multiplicando-se a dose absorvida por um fator numérico, adimensional, denominado fator de qualidade. Este fator considera que, quanto maior o número de ionizações produzidas por unidade de comprimento, maior é o dano. Assim, partículas alfa, cujo fator de qualidade indicado é 25, provoca um dano maior que raios X, cujo fator de qualidade é 1, se for emitida no interior do corpo, apesar da primeira possuir poder de penetração menor. A unidade é o rem, equivalente a 1 rad multiplicado pelo fator de qualidade recomendado. No Sistema Internacional, a unidade é o sievert (Sv), sendo 1 Sv = 1 Gy multiplicado pelo fator de qualidade (OKUNO, 1988). 4.5.2. Radiação natural e artificial Os organismos são constantemente irradiados pela radiação presente nos ambientes. Essa radiação provém de fontes naturais e artificiais. A radiação natural de um ambiente, denominada radiação de fundo (background), constitui-se de radiação cósmica e radionuclídeos naturais. A radiação cósmica origina-se no espaço interestelar. No topo da atmosfera, as partículas são extremamente energéticas, com cerca de 10 GeV. Ao interagirem com núcleos atômicos, produzem outras partículas, de forma que a constituição da radiação cósmica ao nível do mar é diferente da que se encontra no topo da atmosfera. Devido ao campo magnético terrestre, a intensidade da radiação é mínima na região do equador e máxima nos 33 polos. Ademais, a atmosfera atenua essa intensidade, assim que esta é maior quanto maior for a altitude. (OKUNO, 1988) Os radionuclídeos naturais são aqueles existentes na crosta terrestre e, por consequência, encontrados também em alimentos, nos materiais utilizados em construções etc. Os níveis de radioatividade variam de acordo com o local, devido às suas características naturais. Exemplos são o município de Guarapari, no Estado de Espírito Santo, cujas areias monazíticas contêm fosfato de tório, ou o município de Poços de Caldas, em Minas Gerais, onde há minas de urânio e tório (OKUNO, 1988). As fontes supracitadas de radiação classificam-se como exposição externa. Um organismo pode também se submeter à exposição interna, no caso de ingestão ou inalação de radionuclídeos. Uma maneira comum de haver exposição interna é pelo consumo de alimentos que incorporaram radioisótopos, como o K40, um isótopo radioativo de potássio com abundância relativa de 0,0118% na natureza. O potássio, junto com o sódio, possui um papel importante na transmissão de impulsos nervosos no organismo, e encontra-se em uma concentração de 2 g/kg nos músculos do corpo humano (OKUNO, 1988). As fontes artificiais de radiação são aquelas produzidas pelo homem, como tubos de raios X, reatores nucleares, isótopos artificiais etc. O que mais contribui com a exposição à radiação artificial são os aparelhos de diagnóstico por raios X, cujos processos são realizados com a grande maioria da população ao longo de suas vidas. Outras fontes de radiação artificial costumam afetar mais intensamente apenas os profissionais que lidam com elas (FREIRE-MAIA, 1972; OKUNO, 1988). 4.5.3. Efeitos das radiações nos seres vivos A radiação ionizante pode transferir sua energia para o DNA de uma célula, modificando sua estrutura, causando um efeito direto. Efeitos indiretos ocorrem quando a energia é transferida a uma molécula intermediária, como a água, cuja radiólise gera produtos altamente reativos que podem afetar não só o DNA como outras estruturas celulares. A interação da radiação com os seres vivos acontece em quatro estágios: 1) Estágio físico inicial: extremamente rápido (10-16 s), é quando a energia é depositada na célula e causa a ionização; 2) Estágio físico-químico: igualmente rápido (10-16 s), é o estágio em que os íons interagem com outras moléculas, originando novos produtos; 34 3) Estágio químico: com duração de alguns poucos segundos, neste estágio os produtos da reação anterior interagem com as moléculas orgânicas mais importantes da célula, podendo atacar aquelas que formam o cromossomo; 4) Estágio biológico: este dura de dezenas de minutos a dezenas de anos, dependendo dos sintomas – as alterações químicas podem danificar a célula de diversas maneiras, causando morte prematura, impedindo divisão celular etc. (SCHABERLE; SILVA, 2000b). O efeito causado no DNA depende de vários fatores, como tipo da radiação, pH do meio, temperatura, teor de oxigênio etc. Os efeitos podem ser, entre outros:  Alterações estruturais das bases nitrogenadas e das desoxirriboses;  Eliminação de bases;  Rompimento de pontes de hidrogênio entre duas hélices;  Ruptura de uma ou duas cadeias;  Ligações cruzadas entre moléculas de DNA e proteínas (SCHABERLE; SILVA, 2000b). Por fim, resumidamente, tem-se que, quando a radiação passa através do corpo humano, podem ocorrer os seguintes eventos:  A radiação passa próximo ou através da célula, mas não produz dano;  A célula é danificada, mas adequadamente reparada;  A célula morre ou torna-se incapaz de reproduzir-se;  O núcleo da célula sofre danos, mas a célula sobrevive e continua a reproduzir-se, porém modificada, o que pode levar a um diagnóstico de células malignas no local (OKUNO, 1988). As consequências de danos em células para o organismo são classificadas como efeitos somáticos e genéticos (hereditários). Os efeitos somáticos afetam apenas o organismo irradiado, sem interferir nas gerações posteriores. Podem ser divididos em agudos ou tardios, dependendo do tempo que leva para os sintomas se manifestarem, sendo este em função da dose absorvida – quanto maior a dose, menor o período de tempo entre a exposição e o sintoma. Os efeitos agudos aparecem em horas, dias ou semanas, depois do indivíduo ter sido exposto a uma alta dose de radiação em pouco tempo; entre eles, estão: vômito, queimaduras, afetação dos sistemas hematopoiético, vascular e gastrointestinal. Os efeitos tardios são relacionados a exposições a doses baixas, porém crônicas, ou a exposições a doses altas não letais, mas das quais as pessoas 35 aparentemente se recuperaram. Alguns efeitos que podem ser citados são câncer e lesões degenerativas. Entretanto, os efeitos somáticos tardios são difíceis de distinguir, devido ao tempo que levam para se manifestarem e à incerteza da causa da doença, que pode, por exemplo, estar associada ao processo natural de envelhecimento. O que se verifica, de fato, é um aumento da incidência de certas doenças após a exposição da população de um local a doses de radiação, sendo a análise feita estatisticamente (FREIRE-MAIA, 1972; OKUNO, 1988; SCHABERLE; SILVA, 2000b). Os efeitos genéticos, ou hereditários, decorrem da exposição de células do sistema reprodutivo (óvulos e espermatozoides). Assim, as mutações ocorridas são herdadas pelos descendentes do indivíduo irradiado; algumas são letais, causando a morte do feto antes do nascimento, enquanto outras podem produzir problemas físicos ou mentais, ou simplesmente aumentar a susceptibilidade a doenças crônicas (OKUNO, 1988). Os tecidos do corpo humano possuem diferentes reações à radiação, alguns mais sensíveis que outros; por exemplo, a pele que possua menos irrigação sanguínea será mais resistente que outra que possua uma irrigação maior, uma vez que a sensibilidade de um organismo à radiação aumenta na presença de oxigênio, devido à sua reatividade (SCHABERLE; SILVA, 2000b). Quanto ao organismo como um todo, a sensibilidade varia conforme a idade, com organismos mais jovens mais sensíveis, sendo a fase embrionária a que se encontra mais sujeita a efeitos somáticos (OKUNO, 1988). No caso dos efeitos genéticos, sua importância depende de fatores como a idade do indivíduo, que influencia a sua capacidade reprodutiva, e dose irradiada. De tal modo, os efeitos são mínimos em indivíduos jovens expostos a doses baixas, ou em pessoas idosas (FREIRE-MAIA, 1972). Em geral, os organismos que são mais facilmente prejudicados ou mortos pela radiação ionizante são os mais complexos, sendo os seres humanos um dos mais sensíveis. Na Figura 10, apresenta-se uma comparação da sensibilidade de três grupos diferentes de organismos a doses únicas de radiação gama (ODUM; BARRETT, 2007). Figura 10 – Radiossensibilidade de três grupos de organismos a doses agudas únicas de radiação gama. Fonte: Extraído de Odum e Barrett (2007). 36 As extremidades à esquerda das barras indicam níveis nos quais se podem esperar efeitos severos na reprodução (esterilização temporária ou permanente, por exemplo) das espécies mais sensíveis do grupo em questão. As extremidades à direita das barras indicam os níveis nos quais uma grande parte (50% ou mais) das espécies mais resistentes morreria imediatamente. As setas para a esquerda indicam os menores valores de doses que poderiam matar ou prejudicar os estágios sensíveis do ciclo de vidas, como os embriões. Portanto, uma dose de 200 rads mataria alguns embriões de insetos, enquanto seriam necessários 100 mil rads para matar todos os indivíduos adultos das espécies mais resistentes de insetos. Em geral, os organismos mais sensíveis são os mamíferos, e os microrganismos, os mais resistentes. As plantas com semente e os vertebrados inferiores estão entre os insetos e os mamíferos. A maioria dos estudos mostra que as células em divisão rápida são as mais sensíveis à radiação, de forma que qualquer componente que passa por um crescimento rápido pode ser afetado por níveis baixos de radiação (ODUM; BARRETT, 2007). 4.5.4. Síndrome Aguda das Radiações A Síndrome Aguda das Radiações (SAR) pode ser definida como um conjunto de sintomas e sinais clínicos derivados de uma irradiação de corpo total, desenvolvido em um curto período de tempo. O efeito das radiações ionizantes depende da dose absorvida, da taxa de exposição e da região de incidência (localizada ou corpo inteiro). Quando há exposição a uma significativa dose de radiação, podem surgir sinais e sintomas cuja duração e consequências dependem da dose, da uniformidade de exposição em relação ao corpo, idade e estado de saúde prévio da vítima. Quanto menor o intervalo de tempo entre a exposição e o início do quadro clínico, mais graves serão os sintomas. Entre os sintomas, estão alterações gastrointestinais, alopecia, sintomas neurológicos, distúrbios de comportamento, alterações hematológicas e radiodermites. Muitos pacientes se recuperam dos sintomas, mas para alguns, a SAR pode ser fatal. A SAR pode ser classificada como: 1) Síndrome prodrômica: ocorre de minutos a um dia após a manifestação, manifestando-se por náuseas, vômitos, anorexia, diarreia e mal-estar generalizado; é indício de exposição a altas taxas de doses e de comprometimento das membranas celulares. O período de latência equivale ao intervalo de tempo entre o momento da exposição e o surgimento dos primeiros sintomas de falência dos órgãos; 2) Síndrome hematopoiética: caracteriza-se por alterações nos componentes do sangue, como leucopenia (redução do número de glóbulos brancos), trombocitopenia (redução 37 do número de plaquetas) e anemia (redução da capacidade do sangue em transportar oxigênio), em consequência do comprometimento das células precursoras hematopoiéticas e células-tronco na medula óssea; caracteriza-se também pela linfopenia (redução do número de linfócitos); 3) Síndrome gastrointestinal: produzida por doses mais elevadas de radiação, associada à hematopoiética, é consequência da lesão das células intestinais e invasão da mucosa por bactérias, caracterizada por náuseas persistentes, vômitos e diarreia sanguinolenta, além de manifestações hematopoiéticas supracitadas; 4) Síndrome do sistema nervoso central: ocorre em doses extremamente altas; surgem distúrbios neurológicos intensos, com estupor, coma e convulsões. Pode haver colapso periférico em vista das lesões vasculares produzidas; vômitos são precoces, bem como diarreia com sangue. É fatal em questão de horas (ROCHA, 2008). O Quadro 1 resume os efeitos de uma exposição a radiação aguda em um adulto: Quadro 1 – Efeitos gerais de uma radioexposição aguda em adulto Forma Dose absorvida (Gy) Sintomatologia Infraclínica Abaixo de 1 Ausência de sintomas na maioria dos indivíduos Reações gerais leves 1 – 2 Astenia (debilidade), náuseas, vômitos (3 a 6 h após a exposição) Hematopoiética leve 2 – 4 Função medular atingida: linfopenia, leucopenia, trombopenia, anemia Hematopoiética grave 4 – 6 Função medular gravemente atingida Gastrointestinal 6 – 7 Diarreia, vômitos, hemorragias (morte em 5 ou 6 dias) Pulmonar 8 – 9 Insuficiência respiratória aguda, coma e morte entre 14 e 36 h Cerebral Acima de 10 Morte em poucas horas por colapso Fonte: Adaptado de Rocha (2008). 4.5.5. Contaminação radioativa De acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA) (2007), contaminação radioativa é a presença indesejada de substâncias radioativas em superfícies, sólidos, líquidos ou gases, inclusive o corpo humano. Em geral, a contaminação radioativa pode ser causada por qualquer radionuclídeo, mas como alguns têm uma meia-vida muito curta, raramente representam qualquer inconveniência. Os que têm o potencial de causar uma contaminação são os manuseados ou processados em quantidades significativas e que possam 38 apresentar riscos radiológicos como os nuclídeos físseis, férteis, produtos de fissão e os produtos ativados por nêutrons. Os nuclídeos físseis e férteis são utilizados na fabricação de combustíveis nucleares. Os produtos de fissão são formados durante a irradiação dos combustíveis nucleares e nos testes nucleares, com números de massa entre 70 e 160. Os produtos ativados são obtidos pela irradiação de átomos estáveis em reatores nucleares e em aceleradores de partículas (FUKUMORI, 1989). Uma contaminação não se caracteriza somente pelo comportamento dos radionuclídeos, mas também na forma de como se apresentam: íons, moléculas, coloides ou partículas microscópicas (FUKUMORI, 1989). No estado iônico, os contaminantes podem ser encontrados em soluções aquosas ou adsorvidos na superfície de objetos. Na forma molecular, apresentam radionuclídeos substituindo átomos estáveis em moléculas. Quando possuem dimensões coloidais (de 1 nm a 1 μm), os contaminantes podem assumir a forma aérea, como névoa, fumaça e poeira, além de constituírem emulsões e suspensões em líquidos. Contaminantes também podem ser partículas macroscópicas, como fragmentos de minérios, sais insolúveis precipitados e pós de óxidos metálicos – nesses casos, os radionuclídeos geralmente estão agregados ou associados a substratos não radioativos. No entanto, os contaminantes não se apresentam normalmente sob uma forma definida, possuindo maior complexidade e associando-se a resíduos como fuligem, poeira e materiais oleosos (FUKUMORI, 1989). Assim, vê-se que os radionuclídeos liberados (proposital ou acidentalmente) acabam por contaminar todos os componentes do meio. A tendência é que se dispersem no ar, até que enfim se depositem no solo e na água. Enquanto no ar, os radionuclídeos podem ser inalados por indivíduos que se encontrarem no local. Depositados no solo e na água, podem se espalhar por grandes áreas, contaminando, inclusive, o nível freático. Desta forma, os radionuclídeos podem contaminar indivíduos por irradiação e por ingestão. 4.5.6. Poluição do ar A poluição atmosférica pode ser de origem natural ou resultante de atividades antrópicas. As substâncias poluentes são classificadas de acordo com a sua origem em dois grupos: primárias, produzidas pelas atividades humanas, e secundárias, formadas em reações que ocorrem na atmosfera. Os ventos podem transportar os poluentes atmosféricos a grandes distâncias. Os efeitos da poluição do ar podem ser diretos ou indiretos, provocando alterações 39 climáticas (causadas por modificações nas proporções de vapor d’água, concentração de CO2 etc.) e da qualidade do ar (aumento da quantidade de substâncias tóxicas) (MATOS, 2010). Algumas substâncias presentes no ar, tóxicas ou não, podem ocorrer nos estados sólido, líquido ou gasoso. Quando no estado sólido ou líquido, podem se apresentar finamente divididas e suspensas, como material particulado, formando aerossóis, que podem ser classificados como poeiras (aerossóis formados por partículas sólidas com diâmetros entre 0,1 e 10 μm), fumos (diâmetros menores que 1 μm), fumaças (aerossóis resultantes da combustão incompleta de materiais orgânicos, de diâmetro inferior a 1 μm) e névoas, ou brumas (aerossóis formados por partículas líquidas com diâmetros entre 0,1 e 100 μm). Partículas aerossóis podem permanecer suspensas no ar por tempo e se alastrar por distâncias variáveis, determinadas pelo tamanho da partícula, velocidade do vento, umidade relativa do ar e precipitação. Aquelas com diâmetro maior que 10 μm possuem a tendência a sedimentar de modo relativamente rápido, enquanto as de diâmetro menor que 10 μm podem permanecer suspensas por 10 a 30 dias. Enquanto suspensas, as partículas podem ser transportadas por milhares de quilômetros, dependendo da circulação das massas de ar (MATOS, 2010). Radioisótopos, quando liberados no ambiente, comportam-se como poeira, e sua deposição no solo depende de sua massa, de maneira que os mais pesados acabam se depositando nas áreas mais próximas à fonte de radionuclídeos, enquanto os mais leves são transportados por vários quilômetros até se depositarem. 4.5.7. Contaminação do solo De acordo com a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB) (2001a), pode-se definir uma área contaminada como: [...] área, local ou terreno onde há comprovadamente poluição ou contaminação, causada pela introdução de quaisquer substâncias ou resíduos que nela tenham sido depositados, acumulados, armazenados, enterrados ou infiltrados de forma planejada, acidental ou até mesmo natural. Em uma área contaminada, os poluentes ou contaminantes podem se concentrar em diferentes compartimentos do ambiente, como o solo, sedimentos, rochas, águas subterrâneas, ou, de forma geral, em zonas não saturada e saturada, além de haver a possibilidade de se concentrarem nas estruturas de construções. Os poluentes podem ser transportados, propagando-se por diferentes meios, alterando suas características naturais e determinando impactos negativos e/ou riscos (CETESB, 2001a). A contaminação do solo pode ser definida, portanto, como a alteração prejudicial de suas características naturais, havendo degradação 40 física ou química. A preocupação com a poluição do solo deve-se tanto aos riscos de contaminação de plantas e animais e intoxicação da cadeia alimentar, quanto à probabilidade de contaminar águas superficiais e subterrâneas (MATOS, 2010). No solo, os contaminantes têm sua migração controlada por fatores classificados em processos físicos ou químicos. Entre os processos físicos, estão:  Advecção: a substância é transportada pelo fluxo do fluido no qual está dissolvida;  Dispersão: combina o processo de difusão molecular, em que a substância tende a migrar das regiões com maior concentração para as de menor concentração, e o de dispersão hidrodinâmica, em que a diferença de velocidade de fluxo nos espaços vazios do solo faz com que a solução se disperse (DYMINSKI, 2006). Os processos químicos mais relevantes são aqueles que resultam em acumulação do contaminante no solo, recebendo o nome genérico de sorção. Esta retenção do contaminante pelo solo resulta na diminuição da velocidade da frente de contaminação. A taxa de retenção de substâncias pelo solo vai diminuindo com o tempo, até se tornar nula, atingindo sua capacidade de retenção (DYMINSKI, 2006). Os principais tipos de reações que causam transferência de substâncias para a estrutura sólida (e consequente retardamento da frente de contaminação) são:  Adsorção: as substâncias em solução aderem às partículas por forças de atração elétrica, devido a substituições iônicas na estrutura cristalina dos minerais ou quebra de ligações moleculares;  Absorção – processo em que se retêm substâncias nos poros do solo;  Sorção hidrofóbica: retenção de substâncias orgânicas na matéria orgânica do solo, caracterizada pelo processo de partição, espalhando o contaminante entre a solução e a matéria orgânica;  Precipitação: quando a concentração de um contaminante extrapola seu grau de solubilidade, o excesso sai de solução, precipitando (DYMINSKI, 2006). As principais reações que levam à atenuação das substâncias no solo, por perdas ou transformação em outras substâncias são:  Biodegradação: transformação de moléculas orgânicas em outras menores por micro- organismos;  Degradação abiótica: reações de oxidação, redução, hidrólise e isomerização;  Volatização – difusão do contaminante na fase gasosa;  Decaimento radioativo: já tratado anteriormente (DYMINSKI, 2006). 41 Há reações que aumentam a mobilidade dos contaminantes no solo (efeito geralmente nocivo), entre elas:  Dissolução: contrário de precipitação, pode ocorrer através de, por exemplo, lixiviação;  Formação de complexos ou quelação: formação de uma ligação coordenada entre um cátion metálico e um ânion ou molécula polar, aumentando a mobilidade potencial do metal, tornando-o mais solúvel;  Co-solvência: dissolução do contaminante em mais de um solvente;  Ionização: dissociação de ácidos e bases, aumentando sua mobilidade na água (DYMINSKI, 2006). Referente à contaminação radioativa, tem-se que os íons estão sujeitos a processos de interação com o solo tais como degradação abiótica, adsorção, precipitação e quelação pela matéria orgânica. Aqueles que não são mobilizados por tais processos, podem sofrer lixiviação no perfil do solo, podendo acarretar a contaminação de águas subterrâneas. A intensidade da adsorção de íons depende de suas características e é determinada pela composição (quantidade e tipo de minerais de argila, oxi-hidróxidos e matéria orgânica), pH e potencial redox do solo. Entretanto, mais importante que a concentração do agente contaminante, é a sua disponibilidade no meio para ser absorvido por plantas, ou sua mobilidade no solo (MATOS, 2010). A radioatividade no solo de uma área contaminada varia em função do tempo, dependendo da entrada e saída de radionuclídeos no meio. Alguns fatores que influenciam a entrada de radionuclídeos são o aumento da concentração destes no meio, a extensão da superfície de contato, a renovação do meio, entre outros; entre aqueles que determinam a perda de radionuclídeos da superfície de adsorção, estão o decaimento físico, lixiviação e ressuspensão (SZELES, 1994). Dependendo do tipo e da quantidade de radionuclídeo acumulado, uma parcela permanece na solução do solo, que estará mais disponível para as raízes das plantas e para o transporte da água de infiltração para as águas subterrâneas (BRÜMMER, 1982 APUD SZELES, 1994). Para estimar um possível dano radiológico, deve-se conhecer não somente a concentração total dos radionuclídeos no solo, mas também sua espécie e disponibilidade para os processos ecológicos. A solubilidade dos radionuclídeos é estabelecida pelas propriedades do solo, sendo influenciada por fatores tais como pH, presença de substancias orgânicas e 42 inorgânicas formadoras de complexos, como também o tipo e concentração dos metais presentes (SZELES, 1994). 4.5.8. Contaminação da água A água pode ser poluída por contaminação física e química. As impurezas que alteram as características físicas da água associam, em sua maioria, à presença de sólidos de diferentes dimensões, minerais ou orgânicos, suspensos ou dissolvidos. Já as características químicas da água podem ser modificadas por impurezas orgânicas e inorgânicas (MATOS, 2010). Os contaminantes inorgânicos podem acarretar efeitos negativos para a qualidade da água, comprometendo sua potabilidade, seu uso para a dessedentação de animais e irrigação, além de causar problemas de eutrofização e sobrevivência de espécies aquáticas. Podem ser introduzidos na água por certos despejos industriais e de águas residuárias, atividades mineradoras, garimpos, pesticidas, práticas inadequadas de tratamento etc. Muitos dos contaminantes são tóxicos e podem ser tolerados pelo organismo humano somente em concentrações muito baixas. Além disso, podem ser tóxicos também para animais e plantas, além de prejudicarem processos industriais ou de tratamento da água (MATOS, 2010). A dispersão dos poluentes na água se dá pela difusão molecular, em que um soluto é transportado devido aos movimentos das moléculas do fluido, passando de áreas com maior concentração de soluto para áreas com menores concentrações. Os radioisótopos representam contaminantes químicos inorgânicos para a água, chegando a inviabilizar seu consumo ou sua utilização em atividades humanas, dado o risco de exposição. Da mesma forma que água contaminada com radioisótopos pode poluir o solo ao se depositar e penetrar as camadas do solo, o caminho contrário também é possível, pois, estando aderidos às partículas do solo, radioisótopos podem ser carreados com elas a cursos d’água e serem solubilizados. 4.5.9. Incorporação de radionuclídeos na cadeia alimentar Um ecossistema apresenta, em sua estrutura trófica, uma camada superior, chamada “cinturão verde”, de plantas que contêm clorofila, em que preponderam a fixação da energia luminosa, o uso de substâncias inorgânicas simples e a construção de substâncias orgânicas complexas; e uma camada inferior, chamada “cinturão marrom”, de solos e sedimentos, 43 matéria em deterioração, raízes e outros, em que preponderam o uso, rearranjo e a decomposição dos materiais complexos (ODUM; BARRETT, 2007). Reconhece-se também a composição do ecossistema pelos seguintes elementos: 1) Substâncias inorgânicas (C, N, CO2, H2O e outros); 2) Compostos orgânicos (proteínas, carboidratos, lipídios, substâncias húmicas e outros); 3) Ambiente de ar, água e substrato, abrangendo regime climático e outros fatores físicos; 4) Produtores (organismos autotróficos), a maioria plantas verdes que produzem alimentos a partir de substâncias inorgânicas simples e luz; 5) Fagótrofos, organismos heterotróficos, principalmente animais, que ingerem outros organismos ou matéria particulada; e 6) Saprótrofos e fungos, que obtêm energia degradando tecidos mortos ou absorvendo matéria orgânica exudada, extraída de plantas ou outros organismos (ODUM; BARRETT, 2007). A transferência de energia dos autótrofos pelos organismos é chamada de cadeia alimentar. Uma proporção da energia potencial (de até 80% ou 90%) é perdida a cada transferência na forma de calor. Assim, quanto mais curta a cadeia alimentar (ou quanto mais próximo um organismo estiver do nível trófico do produtor), maior a energia disponível para a população. Porém, enquanto a quantidade de energia diminui a cada transferência, a qualidade ou a concentração da energia que é transferida aumenta (ODUM; BARRETT, 2007). As cadeias alimentares são também a via pela qual circulam os elementos químicos, que tendem a seguir caminhos característicos, conhecidos como ciclos biogeoquímicos. Dos elementos inorgânicos que existem na natureza, são exigidos pelos organismos entre 30 e 40 desses, chamados elementos essenciais, que possuem ciclos biogeoquímicos definidos. Já os elementos não essenciais, aqueles não exigidos pelos organismos, também circulam e, com frequência, fluem juntamente com os elementos essenciais, seja pelo ciclo da água ou porque têm afinidade química com eles. Vários destes elementos concentram-se em certos tecidos, muitas vezes devido à semelhança química com alguns elementos vitais. Já que são transferidos por meio da cadeia alimentar, tais elementos tendem a apresentar altas concentrações em grandes animais predadores, ocasionando o fenômeno conhecido como magnificação biológica, ou biomagnificação. (ODUM; BARRETT, 2007). Exemplos de elementos não essenciais que se transferem pelas cadeias alimentares são os radionuclídeos liberados no ambiente. Disponíveis no solo, estes podem ser absorvidos 44 pelas plantas e passar a circular na cadeia alimentar. A partir daí, podem se concentrar nos organismos, ocorrendo o efeito de magnificação biológica (ODUM; BARRETT, 2007). A razão entre a quantidade de radionuclídeos em um organismo em comparação com o ambiente é chamada de fator de concentração. O comportamento químico de um radioisótopo é fundamentalmente o mesmo do isótopo não radioativo do elemento. Portanto, a concentração observada no organismo não é resultado da radioatividade, mas apresenta a diferença entre a densidade do elemento em um ambiente e no organismo. De tal modo, o iodo-131 radioativo (I131) se concentra na tireoide da mesma maneira que um iodo não radioativo. Alguns radionuclídeos sintéticos se concentram devido à sua afinidade química com nutrientes normalmente concentrados pelos organismos (ODUM; BARRETT, 2007). Podem-se exemplificar as tendências de concentração de dois dos radionuclídeos mais problemáticos, subprodutos da fissão do urânio: o estrôncio-90 (Sr90), que tende a circular como o cálcio; e o césio-137 (Cs137), que se comporta similarmente ao potássio. A Figura 11 ilustra os fatores de concentração de Sr90 em várias partes da teia alimentar de um lago que recebe resíduos de baixo nível de radioatividade (ODUM; BARRETT, 2007). Figura 11 – Concentração de Sr90 em várias partes da teia alimentar de um pequeno lago canadense que recebe um baixo nível de resíduos nucleares. Os valores médios de fatores de concentração estão apresentados em relação à água do lago = 1. Fonte: Extraído de Odum e Barrett (2007). 4.6.Acidentes nucleares 4.6.1. Conceitos e definições Acidentes nucleares são os eventos que acarretam a liberação de radioisótopos no ambiente. De acordo com a Lei nº 6.453, de 17 de outubro de 1977, acidente nuclear é um “fato ou sucessão de fatos da mesma origem, que cause dano nuclear”, este definido como: 45 [...] dano pessoal ou material produzido como resultado direto ou indireto das propriedades radioativas, da sua combinação com as propriedades tóxicas ou com outras características dos materiais nucleares, que se encontrem em instalação nuclear, ou dela procedentes ou a ela enviados (BRASIL, 1977). Podem ser classificados como acidentes radiológicos ou nucleares. Acidentes radiológicos relacionam-se ao manuseio e/ou descarte inadequado de materiais radioativos ou contaminados, como radiofármacos e fontes radioativas utilizadas para fins de medicina nuclear e terapia. Um exemplo é o caso do acidente com césio-137 em Goiânia – GO no ano de 1987, em que um equipamento utilizado para radioterapia foi descartado de maneira negligente e teve seu conteúdo radioativo manuseado por pessoas que desconheciam suas propriedades nocivas. Acidentes nucleares relacionam-se à operação inadequada ou defeitos nos reatores nucleares, como no caso da usina de energia nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, causado pela imprudência dos operadores ao conduzir um teste em um reator (SANTARINE; BRESSANE, 2011). De forma a facilitar o entendimento, ambas as classificações serão referidas como “acidente nuclear”. As principais causas de acidentes nucleares que se podem citar são: falha operacional do equipamento; funcionamento de equipamentos danificados; transporte de substâncias radioativas; e descarte inadequado de substâncias radioativas (SANTARINE; BRESSANE, 2011). Incluem-se na categoria de desastre ambiental, definido como “resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema (vulnerável), causando danos humanos, materiais e/ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais” (BRASIL, 1998). Estes danos podem ser considerados impactos ambientais, cuja definição se dá por: [...] qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetam: I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II – as atividades sociais e econômicas; III – a biota; IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V – a qualidade dos recursos ambientais (BRASIL, 1986). Os impactos dos acidentes nucleares afetam não somente o meio ambiente e a saúde da população, mas também suas relações sociais e econômicas. Portanto, é necessário que se avaliem esses impactos, a fim de lidar com as consequências da melhor forma possível, evitando ou minimizando seus efeitos adversos. 46 4.6.2. Avaliação de impactos de desastres ambientais Impactos ambientais podem ser entendidos como uma “alteração da qualidade ambiental que resulta da modificação de processos naturais ou sociais provocada pela ação humana” (SÁNCHEZ, 1998). Segundo Sánchez (2008), define-se um processo de avaliação de impacto ambiental como “um conjunto de procedimentos concatenados de maneira lógica, com a finalidade de analisar a viabilidade ambiental de projetos, planos e programas, e fundamentar uma decisão a respeito”. Ou seja, a avaliação de impactos ambientais está geralmente vinculada às modificações ocasionadas por projetos a serem ainda realizados, de forma que não há um procedimento consolidado para avaliar os impactos decorrentes de desastres ambientais. Alguns autores, porém, apresentam métodos aplicáveis aos casos de acidentes nucleares. Santarine e Bressane (2011) recomendam aplicar as técnicas de identificação e previsão de impactos ambientais. A identificação corresponde a suposições acerca das modificações ambientais causadas pelo projeto analisado. Há vários métodos para identificar impactos, dentre os quais os autores recomendam os métodos que utilizam um checklist elaborado por especialistas através de brainstorming. A previsão de impactos fornece uma descrição dos impactos identificados. Entre as técnicas existentes para previsão, os autores recomendam a de matriz, em que se identificam as interações entre atividades do projeto e elementos do meio. Apresentam uma série de parâmetros para classificação dos impactos, a fim de analisá-los e buscar soluções aplicáveis ao problema: 1) Incidência (físico-química, biótica ou antrópica); 2) Desencadeamento (imediato, retardado); 3) Temporalidade (permanente, temporário); 4) Duração (curto, médio ou longo prazo) – refere-se ao período em que a perturbação afeta a qualidade ambiental; 5) Extensão (pontual, linear, espacial, regional ou global); 6) Reversibilidade (reversível, irreversível); 7) Magnitude (pequena, média, grande); 8) Importância (desprezível, fraca, moderada, forte); 9) Sentido (positivo, negativo); 10) Origem (direta, indireta); 11) Sinergia (presente, ausente); 12) Acumulação (linear, quadrática, exponencial); 47 13) Ônus/benefícios (socializados, privatizados). Quanto ao desencadeamento e à temporalidade, um desastre ambiental pode ser classificado como: súbito, ou de evolução aguda, caracterizado pela subtaneidade, velocidade e violência dos eventos; gradual, ou de evolução crônica, que acontece de forma progressiva; ou por soma de efeitos parciais, em que numerosos fatores de perturbação se acumulam e acabam por gerar um desastre de expressiva magnitude e importância (BRASIL, 1998). O Sistema Nacional de Defesa Civil (BRASIL, 1998) define que a intensidade, ou importância, de um impacto é dada pela interação entre a magnitude do evento adverso e o grau de vulnerabilidade do sistema afetado, classificando os desastres em quatro níveis: 1) Nível I – desastres de pequena intensidade, com danos pouco importantes e prejuízos pouco vultosos, sendo, portanto, mais facilmente suportáveis e superáveis pelas comunidades afetadas; 2) Nível II – desastres de média intensidade, com danos de certa importância e prejuízos não vultosos, porém importantes, suportáveis e superáveis por comunidades bem informadas, preparadas, participativas e facilmente mobilizáveis; 3) Nível III – desastres de grande intensidade, com danos severos e prejuízos vultosos, porém suportáveis e superáveis por comunidades bem informadas, preparadas, participativas e facilmente mobilizáveis; e 4) Nível IV – desastres de grandessíssima intensidade, com danos muito importantes e prejuízos consideráveis e muito vultosos, não suportáveis nem superáveis pelas comunidades, a menos que recebam ajuda de fora da área afetada. Outro método de avaliação de impactos de desastres é descrito pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) (2003), no seu Manual para a Avaliação do Impacto Socioeconômico e Ambiental dos Desastres. Avaliam-se os efeitos dos desastres tanto em nível setorial como global, medindo a capacidade do país ou da região afetada para realizar a reconstrução e reparação dos danos, determinando se há necessidade de cooperação internacional. São abordados aspectos conceituais e metodológicos para medir os danos causados nos acervos de capital e nos fluxos de produção de bens e serviços, além de estimar os efeitos temporais que podem ser gerados nas principais variáveis macroeconômicas. Incluem-se os danos e efeitos sobre as condições de vida, o desempenho das economias e o meio ambiente. O manual é dividido em cinco seções. A primeira se refere aos aspectos conceituais e metodológicos gerais das avaliações. A segunda seção descreve os métodos para estimar os danos e as perdas nos setores sociais, e se divide nos capítulos de habitação e assentamentos 48 humanos, educação e cultura, e saúde. A terceira seção se concentra na infraestrutura de serviços, divididos nos capítulos de transporte e comunicações, energia, e água e saneamento. A quarta seção trata sobre os danos e as perdas nos setores produtivos e se divide em capítulos sobre os setores agropecuário e pesqueiro, industrial e comercial, e turístico. A quinta seção enfoca os efeitos globais, com capítulos dedicados aos danos ambientais, o efeito diferencial dos desastres sobre as mulheres, o efeito macroeconômico dos danos, emprego e renda; além de uma recapitulação dos danos que proporciona um procedimento para a agregação dos danos diretos e indiretos totais e para a medição dos efeitos sobre os principais agregados macroeconômicos (CEPAL, 2003). 4.6.3. Avaliação de impactos de acidentes nucleares e gerenciamento de áreas contaminadas Uma vez apresentadas as metodologias, é necessário então classificar os impactos de acidentes nucleares, a fim de melhor compreendê-los. Santarine e Bressane (2011) apresentam uma classificação geral dos impactos de um acidente nuclear de acordo com a metodologia previamente apresentada, caracterizando-o conforme alguns dos parâmetros apresentados: 1) Incidência: os impactos de acidentes nucleares costumam recair sobre todos os meios (biótico, físico-químico e antrópico), considerando que as fontes de radiação encontram-se geralmente próximas à população, que utiliza os serviços dela provenientes; 2) Desencadeamento e temporalidade: podem ocorrer em diferentes proporções conforme cada caso, tanto de forma imediata, quanto retardada, iniciando-se a escala temporal no momento de ocorrência dos fatores de perturbação derivados do acidente; como exemplo, têm-se as perturbações causadas pelo decaimento radioativo de um elemento liberado no ambiente e que variam ao longo do tempo, provocando efeitos imediatos e retardados; 3) Duração: pode variar significativamente, já que está relacionada ao tempo de meia- vida dos elementos radioativos envolvidos, sendo esta determinante do decaimento radioativo e, portanto, do período em que se exercerá pressão sobre o meio e seus componentes; 4) Extensão: nos casos de acidentes nucleares, são mais comuns impactos com extensões espaciais (que supera os limites de abrangência de fontes pontuais ou lineares) e 49 regionais (limites definem duas ou mais localidades), mas, no caso de grandes acidentes, os impactos podem chegar a ser globais; 5) Reversibilidade: varia de acordo com o tipo do impacto e a meia-vida do radionuclídeo liberado, além dos métodos de tratamento e remediação disponíveis; 6) Sentido: impactos geralmente negativos, geram efeitos adversos sobre o meio; 7) Magnitude e importância: variam de acordo com a dimensão do acidente, levando também em conta a vulnerabilidade do sistema afetado, como visto anteriormente; 8) Origem: apresentam impactos tanto diretos, como os decorrentes da exposição aos radionuclídeos, quanto indiretos, como os que incidem sobre fatores que afetam a qualidade de vida da população; 9) Sinergia e acumulação: o efeito sinérgico deriva da interação somatória das alterações combinadas originadas por diferentes fatores de perturbação, enquanto a acumulação deriva da somatória dada por funções lineares, quadráticas ou exponenciais de efeitos residuais sobre o ambiente; também variam, nos acidentes nucleares, de acordo com as características dos fatores de perturbação e das condições ambientais anteriores dos locais em questão. De acordo com o Manual de Gerenciamento de Áreas Contaminadas, elaborado pela CETESB (2001b): O gerenciamento de áreas contaminadas visa minimizar os riscos a que estão sujeitos a população e o meio ambiente [...] por meio de um conjunto de medidas que assegurem o conhecimento das características dessas áreas e dos impactos por elas causados, proporcionando os instrumentos necessários à tomada de decisão quanto às formas de intervenção mais adequadas. As principais etapas do gerenciamento de uma área contaminada consistem em: 1) Diagnóstico: avaliação das condições da área contaminada; 2) Prognóstico: projeção das condições futuras para a área, bem como a identificação de soluções aplicáveis para chegar ao resultado pretendido; 3) Planejamento: formulação de um plano de ação, contemplando medidas de descontaminação, abrangendo a apresentação, aprovação e encaminhamento; 4) Execução e monitoramento: implantação do plano de ação e avaliação periódica para acompanhamento e avaliação da eficiência e eficácia das soluções propostas e executadas, com vistas a identificar e programar reajustes que sejam necessários (SANTARINE; BRESSANE, 2011). 50 Assim, para uma área contaminada por radionuclídeos advindos de um acidente nuclear, devem-se estruturar procedimentos para um gerenciamento correto, tendo em vista a peculiaridade de casos como estes. 4.6.4. Escala Internacional de Eventos Nucleares A IAEA classifica os acidentes nucleares de acordo com a Escala Internacional de Eventos Nucleares (INES), apresentada no Quadro 2: Quadro 2 – Descrição dos níveis de acidentes na Escala Internacional de Eventos Nucleares e Radiológicos Nível INES Pessoas e Ambiente Barreiras e Controle Radiológico Defesa em Profundidade Acidente Máximo Nível 7 • Grande liberação de material radioativo com efeitos extensos sobre a saúde e o ambiente, requerendo implementação de medidas defensivas planejadas e estendidas. Acidente Sério Nível 6 • Liberação significativa de material radioativo que provavelmente exigirá implementação de medidas defensivas planejadas Acidente com Consequências Maiores Nível 5 • Liberação limitada de material radioativo que provavelmente exigirá implementação de algumas medidas defensivas planejadas. • Muitas mortes por radiação. • Dano severo ao núcleo do reator. • Liberação de grandes quantidades de material radioativo dentro de uma instalação com alta probabilidade de exposição significativa ao público. Poderia resultar de um acidente muito crítico ou incêndio. Acidente com Consequências Locais Nível 4 • Pequena liberação de material radioativo improvável de resultar na implementação de medidas defensivas que não controle da comida local. • Derretimento ou dano ao combustível resultando em mais de 0,1% de liberação do conteúdo do núcleo. • Liberação de quantidades 51 Nível INES Pessoas e Ambiente Barreiras e Controle Radiológico Defesa em Profundidade • Pelo menos uma morte por radiação. significativas de material radioativo dentro da instalação com alta probabilidade de exposição significativa ao público. Incidente Sério Nível 3 • Exposição em excesso de 10 vezes o limite legal anual para trabalhadores. • Efeitos não letais à saúde (por exemplo, queimaduras) devido à radiação. • Graus de exposição de mais de 1 Sv/h em área de operação. • Contaminação severa em área não prevista pelo projeto, com baixa probabilidade de exposição significativa ao público. • Acidente próximo à planta nuclear sem dispositivos de segurança restantes. • Fonte selada de alta radioatividade perdida ou roubada. • Fonte selada de alta radioatividade entregue de forma errada sem procedimentos adequados para manuseio. Incidente Nível 2 • Exposição de um membro do público acima de 10 mSv. • Exposição de um trabalhador acima do limite legal anual. • Nível de radiação em uma área de operação de mais de 50 mSv/h. • Contaminação significativa dentro das instalações em uma área não prevista pelo projeto. • Falhas significativas em dispositivos de segurança, mas sem reais consequências. • Fonte selada, dispositivo ou embalagem com alta radioatividade encontrada com os dispositivos de segurança intactos. • Embalagem inadequada de fonte selada de alta radioatividade. Anomalia Nível 1 • Superexposição de um membro do público acima dos limite legal anual. • Problemas menores com componentes de segurança com significativa defesa em profundidade remanescente. • Fonte, dispositivo ou embalagem de 52 Nível INES Pessoas e Ambiente Barreiras e Controle Radiológico Defesa em Profundidade baixa radioatividade perdida ou roubada. SEM SIGNIFICAÇÃO PARA A SEGURANÇA (Abaixo da escala/Nível 0) Fonte: Adaptado de IAEA (2009). 53 5. RESULTADOS E DISCUSSÕES 5.1.Impactos de um acidente nuclear Acidentes nucleares liberam diferentes radioisótopos no ambiente de acordo com o tipo do acidente e da fonte de radiação. Como já citado anteriormente, acidentes radiológicos se dão pelo manuseio e/ou descarte inadequado de materiais radioativos, como os utilizados na medicina, para diagnóstico ou terapia. A medicina nuclear, responsável por diagnósticos pela radioatividade em métodos não invasivos, utiliza-se de elementos com meia-vida curta, como o tecnécio-99m (Tc99m), iodo-123 (I123) ou I131, de meia-vida igual a 6 dias, 13 horas e 8 dias, respectivamente. A radioterapia, utiliza