UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” – UNESP PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÍDIA E TECNOLOGIA Samantha Sasha de Andrade JORNALISMO DA MULTIDÃO: ESTUDO SOBRE AS FORMAS DE FINANCIAMENTO COLETIVO DA AGÊNCIA PÚBLICA BAURU 2016 Samantha Sasha de Andrade JORNALISMO DA MULTIDÃO: ESTUDO SOBRE AS FORMAS DE FINANCIAMENTO COLETIVO DA AGÊNCIA PÚBLICA Trabalho de conclusão de Mestrado apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Mídia e Tecnologia, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita de Filho” (UNESP), para obtenção do título de Mestre em Mídia e Tecnologia, sob a orientação do Prof. Dr. Juliano Maurício de Carvalho. BAURU 2016 Samantha Sasha de Andrade Jornalismo da Multidão: estudo sobre as formas de f inanciamento coletivo da Agência Pública Área de Concentração: Ambientes Midiáticos e Tecnológicos Linha de Pesquisa: Gestão Midiática e Tecnológica Banca Examinadora: Presidente/Orientador: Prof. Dr. Juliano Maurício de Carvalho Instituição: Universidade Estadual Paulista “Júlio De Mesquita De Filho” Prof. Antonio Francisco Magnoni Instituição: Universidade Estadual Paulista “Júlio De Mesquita De Filho” Prof. Dr. Gerson Luiz Martins Instituição: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul Andrade, Samantha Sasha. Jornalismo da Multidão: Estudo sobre as formas d e financiamento coletivo da Agência Pública / Samanth a Sasha de Andrade, 2016 106 f. Orientador: Juliano Maurício de Carvalho Dissertação (Mestrado)–Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2016 Aos meus pais e irmã, Pelo apoio incondicional e a dedicação que me permitem aproveitar todas as oportunidades do mundo. AGRADECIMENTOS Ao concluir mais esta fase, não posso deixar de agradecer primeiramente aos meus pais, Samuel e Andreia, pelo infinito amor e incentivo de sempre. Obrigada por me apoiar em mais essa decisão, mesmo ficando tanto tempo longe de casa. E à minha irmã, Natasha, pelo apoio e carinho das incontáveis risadas, sempre tão características dela. Sem vocês nada na minha vida seria possível. Aos meus familiares, pelo carinho de sempre e por compreenderem minha ausência em tantos eventos e momentos familiares. Aos meus queridos amigos-irmãos, que ao longo desses anos estiveram ao meu lado mesmo longe e me desculparam pela constante ausência. Amanda, Guilherme, Mariana, vocês são demais. E também àqueles com quem partilhei todos estes anos aqui em Bauru, dia após dia, trabalho após trabalho, e que fizeram os dias mais alegres. Aos novos amigos que pude conhecer, dividir angústias e sucessos, e são parte da minha vida, Tainan, Lucas e Letícia. Às queridas Vivianne Lindsay e Aline Bastazini, pelos ensinamentos de Economia Política da Comunicação e as inúmeras revisões/traduções de todos os meus trabalhos, além do incentivo e amizade de todas as horas, meu muito obrigada. I’m also very thankful for my host family, that since we met in 2009 made my life full of international culture. Thank you for showing me how amazing it is to learn new cultures and for understanding my absence. Não poderia deixar de agradecer ao meu orientador, Prof. Dr. Juliano Maurício de Carvalho, pela enorme dedicação e presença em cada uma das fases desta caminhada do conhecimento. Muito obrigada pela paciência e fé no meu trabalho, aos outros professores que fizeram parte da minha formação e também a todos do Lecotec, que compartilharam e estiveram presentes nessa conquista. E por fim, mas não menos importante, a Deus, por me tornar capaz e por me dar a chance de ter tantas coisas a agradecer. “Jornalismo genuinamente objetivo é aquele que não apenas apura os fatos, mas compreende o significado dos acontecimentos. É impactante não apenas hoje, mas resiste à passagem do tempo. É validado não apenas por ‘fontes confiáveis’, mas pelo desenrolar da história. E dez, vinte, quinze anos depois ainda serve como espelho verdadeiro e inteligente do que aconteceu.” T.D. Allman ANDRADE, S. S. de. Jornalismo da Multidão: estudo sobre as formas de financiamento coletivo da Agência Pública. 2016. 103f. Dissertação (Mestrado em Mídia e Tecnologia) – FAAC - UNESP, sob a orientação do prof. Dr. Juliano Maurício de Carvalho, Bauru, 2016. RESUMO A pesquisa busca compreender as estratégias e possibilidades que o cenário positivo do financiamento coletivo pode oferecer para o jornalismo de mídia. O crowdfunding, modelo de financiamento onde a arrecadação é feita em grupo e em pequenas quantias, tem movimentado milhões de reais em plataformas para viabilizar projetos. Está pesquisa fez um estudo do caso da campanha “Reportagem Pública”, disponibilizado no site no ano de 2013 e que apresentou um novo modelo de flexibilização financeira para a realização dos projetos da Agência Pública. O estudo dialogou com as categorias das indústrias criativas para compreender a construção desse modelo de financiamento e utilizou como base para análise exploratória o modelo norte-americano. Seguimos uma metodologia mista, com base nos conceitos de relações sociais da teoria da Economia Política da Comunicação buscando uma explicação do caso. Concluímos que o crowdfunding tem como principais características a diversificação, engajamento do público e até o momento, não possui regulamentação. Palavras-chave : Crowdfunding. Jornalismo. Financiamento Coletivo. Agência Pública. Mídia Digital. Economia Política da Comunicação. ABSTRACT The research aims to understand the strategies and possibilities that the positive scenario of the crowdfunding can offer for media journalism. The crowdfunding, funding model where the collection is done in groups and in small amounts, has moved millions of reais into platforms for implementing projects. In this research made a case study of the campaign "Reportagem Pública", available on the website in 2013 and introduced a new model of financial flexibility to achieve the projects of the Agência Pública. The study spoke with the categories of creative industries to understand the construction of this financing model and used as a basis for exploratory analysis the American model. We follow a mixed methodology, based on the concepts of social relations of the Political Economy of Communication theory, seeking an explanation of the case. We conclude that the crowdfunding's main features diversification, public engagement and so far, does not possess regulations. Keywords: Crowdfunding. Journalism. Rewards Crowdfunding. Agência Pública. Digital Media. Political Economy of Communication. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Circulação de jornais no Brasil (mil exemplares)...................................... 31 Figura 2 – Investimentos publicitários no Brasil em 2013 ......................................... 32 Figura 3 – Investimento publicitário total por setor econômico no Brasil (U$$) ......... 33 Figura 4 – Evolução da audiência por emissora no Brasil ......................................... 34 Figura 5 – Relatório financeiro do jornal The New York Times de 2014 ................... 35 Figura 6 – O aumento do número de demissões ao longo de 3 anos ....................... 37 Figura 7 – Porcentagem de assinantes e preferência de assinatura por países ....... 58 Figura 8 – Balanço anual de receitas Agência ProPublica ........................................ 60 Figura 9 – Resumo do The Texas Tribune Festival ................................................... 63 Figura 10 – Receitas do site em 2010 e objetivo para 2013-2014 ............................ 64 Figura 11 – Gráfico com a projeção de despesas do site em 2010 ........................... 65 Figura 12 – Atividades fiscais do site no ano de 2014 .............................................. 66 Figura 13 – Descrição do orçamento do Reportagem Pública .................................. 75 Figura 14 – Evolução das recompensas e descrição dos brindes por cota ............... 78 Figura 15 – Descrição das fases de ação do Reportagem Pública – Parte 1 ........... 83 Figura 16 – Descrição das fases de ação do Reportagem Pública – Parte 2 ........... 84 Figura 17 – Evolução do número de doadores ao longo da campanha .................... 87 Figura 18 – Verba fornecida pela Ford Foundation para a ProPublica em 2015 ....... 89 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Lista de plataformas de financiamento colaborativo ativas no Brasil...... 48 Quadro 2 – Comparações entre o mercado lucrativo e o mercado sem fins lucrativos ... 57 Quadro 3 – Outros exemplos de jornais financeiramente sustentáveis ..................... 61 Quadro 4 – Financiadores da Agência Pública desde 2011 ...................................... 71 Quadro 5 – Meios republicadores de conteúdo da Pública ....................................... 73 Quadro 6 – Lista de recompensas-relâmpago do Reportagem Pública 2013. .......... 79 Quadro 7 – Lista de publicações do Facebook e Twitter da Pública ......................... 82 Quadro 8 – Lista dos meios que publicaram sobre o projeto Reportagem Pública ... 85 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 26 1.1 Metodologia ..................................................................................................... 28 2 OS MODELOS DE NEGÓCIO DO JORNALISMO ............................................. 30 2.1 Conteúdo colaborativo: o crowdsourcing ......................................................... 42 2.2 O crowdfunding ............................................................................................... 43 2.3 As plataformas ................................................................................................. 46 2.4 Dinâmica do crowdfunding .............................................................................. 49 3 O NOVO FINANCIAMENTO ............................................................................... 51 3.1 Algumas experiências de financiamento na cultura americana ....................... 58 4 A AGÊNCIA PÚBLICA DE JORNALISMO INVESTIGATIVO ............................. 68 4.1 Recompensas e brindes oferecidos aos doadores .......................................... 76 4.2 Planejamento e execução do Reportagem Pública 2013 ................................ 79 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 91 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 95 APÊNDICE .............................................................................................................. 101 1 INTRODUÇÃO Em todo o mundo, o acesso à internet vem acompanhado de mudanças na sociedade. Os reflexos das novas tecnologias e do acesso à banda larga estão presentes na cultura, comportamento, educação e até saúde das sociedades. Para o jornalismo, as novas mídias digitais trouxeram principalmente o amplo acesso à informação e a necessidade de adaptação diante da velocidade de propagação da comunicação. Com os smartphones, tablets, câmeras digitais e acesso rápido à internet, qualquer pessoa torna-se produtora de informação e a disponibiliza em sites como YouTube, publica em redes sociais como Facebook, Twitter, Instagram, transmitem por streaming, Facetime, Skype e tantos outros. A presença do público nas mídias digitais é cada ano mais significativa, o que causa reflexos nos outros meios de comunicação e no perfil do consumidor de informação. Segundo o relatório Brazil Digital Future in Focus (BANKS, 2014), elaborado pela consultoria Comscore, 40% da audiência de internet da América Latina está no Brasil. Os Estados Unidos é o país que passa mais horas on-line por mês, com 32,6 horas, enquanto aqui no Brasil são gastas 29,7 horas por mês na internet apenas nos computadores, sem levar em consideração as horas nos smartphones e tablets. O acesso a portais de informação e notícias cresceu 8% em 2014 em relação ao ano anterior. O Brasil é ainda o segundo maior no mundo em alcance de blogs, atrás apenas do Japão. A interação do brasileiro nas fan pages do Facebook cresceram 148% em 2014, e as ações de propaganda na rede Instagram aumentaram 896% no mesmo ano. É inegável que o meio digital tem uma grande audiência e participação do público. A importância do jornalismo está em muitos fatores, especialmente na sua vocação para o interesse público. O jornalismo digital está presente na liberdade em iniciativas não tradicionais que resultam em acontecimentos históricos, como o trabalho de Andy Carvin durante sua transmissão dos acontecimentos da Primavera Árabe na National Public Radio ou dos Mídia Ninjas nas manifestações aqui no Brasil. A informação, que ideologicamente pertencia somente aos profissionais de jornalismo e instituições da imprensa recupera sua função popular. E para o jornalismo, feito hoje de forma a comercializar notícia, as adaptações ainda não foram tão bem absorvidas. 27 A compreensão acadêmica desses fenômenos está ficando para trás em relação ao movimento empreendedor e inovador que a indústria está caminhando, e por isso nos debruçamos em debater os seus reflexos. Este trabalho busca debater e compreender quais as possibilidades que o crowdfunding pode oferecer na sustentabilidade de novos modelos de negócio para o jornalismo. O objetivo da pesquisa é esmiuçar e apresentar as características do crowdfunding que possam fazer desse modelo uma alternativa de financiamento para os novos formatos de jornalismo. Para isso, utilizamos como base para análise o modelo norte-americano, que foi onde o crowdfunding surgiu. Ao obter toda a teoria, seguimos para o estudo do caso da Agência Pública de Jornalismo, que segue um novo modelo de financiamento e fez um projeto de financiamento coletivo chamado Reportagem Pública, onde 808 pessoas participaram com doações que variavam de R$20 a R$ 2 mil. Ao compararmos a teoria com a prática do projeto de jornalismo, observamos diversas características do crowdfunding, além das suas vantagens e desvantagens em relação ao formato tradicional de financiamento. Seguiremos o seguinte raciocínio ao longo dos capítulos No segundo capítulo, discutiremos a crise no modelo de negócio do jornalismo. Ao contrário do que se diz, não é o jornalismo que está em crise e sim seu formato de negócio com uma única fonte de financiamento para diversos meios. A partir daí, apresentaremos as mudanças que o cenário digital pode trazer para o formato e as novas formas possíveis de sustentabilidade do jornalismo, principalmente o financiamento coletivo na modalidade crowdfunding. Definida a crise e seus cenários de mudança, seguiremos no terceiro capítulo com os novos financiamentos para o negócio. As alternativas financeiras oferecem novas possibilidades para a sustentabilidade de um jornalismo fora do formato tradicional baseado no mercado publicitário. Apresentaremos experiências e alternativas utilizadas nos Estados Unidos para a solução da crise no modelo de negócio do jornalismo. No quarto capítulo, apresentamos o caso brasileiro da Agência Pública de Jornalismo Investigativo, que estabeleceu um modelo de negócio independente de publicidade e anunciantes, obtendo através do financiamento coletivo e da flexibilização financeira uma nova forma de financiamento para seus projetos de jornalismo. 28 Por fim, apresentamos nossas conclusões em relação ao crowdfunding e o que os novos modelos de negócio podem acrescentar tanto para o jornalismo digital, quanto para o tradicional modelo de jornalismo comercial utilizado pelos grandes meios. 1.1 Metodologia Examinamos nessa pesquisa o processo envolvido no crowdfunding para mídia em seu aspecto mais amplo, com uma explicação e compreensão do objeto sendo, portanto, uma pesquisa exploratória em que será utilizada uma metodologia mista para “ilustrar argumentos, demonstrar a validade ou refutar hipóteses de trabalho previamente levantadas” (MACHADO; PALACIOS, 2007, p. 8). Para realizar nossos estudos, seguiremos como base a teoria da Economia Política da Comunicação, que de uma forma mais restrita estuda as relações sociais que constituem a produção, distribuição e consumo de recursos – incluindo os de comunicação (MOSCO, 1999). O estudo foi feito em três etapas principais de pesquisa: 1- Estudo documental e bibliográfico, 2- Observação indireta e entrevista, e 3- Estudo do caso da Agência Pública. Buscamos, na primeira parte, os conceitos e definições para os estudos de financiamento coletivo no Brasil com base no modelo americano. Coletamos dados de documentos, notícias, eventos e estudos feitos sobre financiamento coletivo nos Estados Unidos e que estivessem relacionados ao desenvolvimento do crowdfunding para a Agência Pública. Definido os conceitos para o projeto de financiamento coletivo, a segunda etapa que seguimos foi a verificação das características e condições para que o projeto fosse aplicado. Para isso, observamos de forma indireta o desenvolvimento da campanha Reportagem Pública nas mídias, com foco na estrutura do caso e nas características do financiamento coletivo que foram aplicadas dentro do recorte temático do projeto. Como um complemento à observação indireta, entrevistamos a coordenadora de comunicação da Agência Pública, Marina Dias, com o objetivo de compreender como foi o processo de idealização, planejamento do projeto e o seu impacto direto no formato de financiamento da Agência. 29 A importância da entrevista é oferecer novas perspectivas aos fatos que não podem ser obtidos no estudo e observação do caso. Marina confere uma nova abordagem para os assuntos relacionados a objetivos, possibilidades e intenções da Pública com o financiamento coletivo e as estratégias – tanto as que foram utilizadas, quanto as que não saíram do papel – para tornar o projeto real. Em uma última etapa, o estudo do caso levantou os contrapontos entre a estrutura teórica do financiamento coletivo e a prática feita pela Agência Pública, de forma que o caso ofereça uma ampla compreensão do modelo de financiamento coletivo para projetos de comunicação alternativa, como é o caso do Reportagem Pública. O intuito com o estudo do caso foi explicar e explorar as situações observadas, de forma a esmiuçar as questões levantadas ao longo da pesquisa, para que ao final pudéssemos ter uma visão geral das possibilidades e características do modelo crowdfunding. 30 2 O JORNALISMO E SEUS MODELOS DE NEGÓCIO Não podemos falar de economia e novos modelos de financiamento para o jornalismo sem antes discutirmos os modelos de negócios da comunicação. Além das mudanças tecnológicas, como a chegada da rede banda larga e o aumento do uso dos smartphones, o jornalismo passa por uma transformação em seu modelo de negócio. De uma forma simples, modelo de negócio é como uma empresa transforma seu produto em algo de valor para o seu consumidor. Dentro desse processo, existem as estruturas necessárias para que esse valor no produto seja atingido, chamada cadeia de valor. A cadeia de valor do jornalismo tradicional é formada por quatro grandes setores, responsáveis por fazer o negócio do jornalismo. As estruturas são: redação (repórteres, fotógrafos, editores, etc, responsáveis pela produção da informação); administração (área de finanças, parte gráfica, recursos humanos); setor de vendas para assinantes e de publicidade; e o setor de distribuição, responsável pela entrega do produto. Com a internet, essa cadeia de valor se desestrutura, e o modelo de negócio precisa buscar por uma nova forma de agregar valor para o seu produto. Assim como a chegada da televisão para os meios impresso e radiofônico, a digitalização faz adaptações e mudanças nos setores da grande mídia no mundo. A adição das plataformas digitais na divisão dos investimentos publicitários e dos anúncios gera nas empresas uma redução de investimento em relação ao que antes era injetado. Com a tendência do aumento de consumidores de conteúdo on-line, as anunciantes e empresas de publicidade passam a financiar muito mais conteúdo nesse meio do que alguns dos tradicionais, como o impresso e radiofônico. Para o meio impresso, os anúncios, que são representados principalmente pelos classificados e que têm grande representatividade na receita econômica, também sofrem perda de valor diante dos anúncios on-line. O Facebook, rede social mais acessada pelos brasileiros e que tem 92 milhões de usuários, consegue uma abrangência e definição de público alvo muito mais eficientes para venda de publicidade que as outras plataformas, por exemplo. Como consequência, em uma busca pela adequação financeira, os meios passam a investir em versões digitais. Segundo o Mídia Dados (GRUPO DE MÍDIA SÃO PAULO, 2015), os jornais de maior circulação no estado de São Paulo são a Folha de S. Paulo, com uma tiragem de 317,2 mil de S. Paulo, com tiragem 2010, esses valores são 2002, a Folha de S.Paulo impresso. Perdemos jornais seus custos, e o Jornal Paulo, que é do mesmo versões digitais, como o distribuição e produção gráfica Figura 1 – No Brasil, em em anúncios nos jornais milhões, o que representa 2). Um único meio recebe de outros três que são impresso, mil exemplares aos domingos, seguido pelo tiragem de 263,9 mil exemplares aos domingos são contabilizados em versão impressa e S.Paulo tinha uma circulação de 346 mil exemplares jornais como Gazeta Mercantil que não conseguiu da Tarde, que foi incorporado pelo jornal mesmo grupo. Tivemos também os que passaram o Jornal do Brasil, em uma tentativa de gráfica. – Circulação de jornais no Brasil (mil exemplares) Fonte: Grupo de Mídia São Paulo (2015). em 2013 foram investidos mais de U$$ 8 jornais do país, enquanto a televisão aberta representa 53% dos investimentos de comunicação recebe metade do investimento responsável impresso, digital e radiofônico. 31 pelo jornal O Estado domingos (Figura 1). Desde e versão digital. Em exemplares só do produto conseguiu sustentar jornal O Estado de S. passaram a ser apenas eliminar o custo de exemplares) milhões de dólares aberta recebeu U$$ 27 comunicação no Brasil (Figura responsável pelo financiamento 32 Figura 2 – Investimentos publicitários no Brasil em 2013 Fonte: Investimentos... (2013). Vista como o maior meio de mídia brasileira, os meios televisivos receberam 0,4% a menos de investimento publicitário no ano de 2014 em relação ao ano de 2013. Apesar de receber 53% dos investimentos, ainda assim o meio televisivo teve uma queda nas receitas. Por outro lado, os investimentos em plataformas digitais cresceram 3,6% em relação ao ano de 2013 (Figura 3). Figura 3 – Investimento Apesar da grande televisivo apresenta também anteriores e um aument mais caro que os custos frequente. No ano de 2010, televisão aberta no Brasil. com um crescimento das para essa redução são a do público, que passa consumidor de quatro começava a ter acesso à e se adequava ao seu modo dispositivos, que podem faz mais sentido, uma vez muito mais acessível que Investimento publicitário total por setor econômico no Fonte: Grupo de Mídia São Paulo (2015). grande audiência e do maior volume de investimento, também a diminuição da audiência em aumento dos custos, uma vez que manter sua custos dos outros meios e o investimento em 2010, a Rede Globo representava 46,6% Brasil. Hoje, apenas cinco anos depois, a audiência das outras emissoras de 15,1% (Figura 4). Os a concorrência com as mídias digitais e a ter um comportamento diferente diante anos atrás tinha sua atenção em um à interatividade e à grade de horários das modo de vida. Hoje, o telespectador tem podem ser utilizados ao mesmo tempo; a grade vez que o conteúdo pode ser acessado on que antes da banda larga. 33 no Brasil (U$$) investimento, o meio em relação aos anos sua estrutura é muito em tecnologia é mais 46,6% da audiência em audiência é de 37,8%, Os fatores principais a mudança de perfil diante da televisão. O um único dispositivo, das grandes emissoras tem acesso a diversos grade de horário já não on-line, e por um valor Figura 4 A crise do modelo Times, conhecido como maiores quedas de circulação 2000, a empresa responsável lucro operacional em 636 faturamento. Com essa New York Times bancava espalhados por todo o americana, houve uma queda Em 2015, os funcionários de uma verba (Figura 5). O jornal perdeu publicidade foi de 64%. Com em classificados contribu operacional da empresa, 83% em relação ao que sua estabilidade em 2011, conteúdo on-line. E ainda 4 – Evolução da audiência por emissora no Brasil Fonte: Grupo de Mídia São Paulo (2015). modelo de negócio no jornalismo é ocidental como o maior jornal do mundo, teve em 2008 circulação de jornal impresso no mercado responsável pelo jornal faturou 3,5 bilhões de 636 milhões de dólares, o que representa receita, proveniente da publicidade e bancava uma redação com mais de 1000 editores mundo (COSTA, 2014). No ano de queda nas vendas e a estabilidade do jornal os custos fixos do jornal reduziram 4,2% verba que também reduziu 1,6% em relação perdeu visibilidade e, em 12 anos, a queda Com as mídias digitais, as receitas que contribuíram significativamente para essa queda. , ou seja, o lucro com as atividades de venda que era 15 anos atrás (Idem). O jornal só 2011, quando passou a oferecer novas opções ainda assim, sua receita está longe de ser o que 34 Brasil ocidental. O New York 2008 uma de suas americano. No ano de dólares, com um 11% em relação ao venda de jornais, o editores e repórteres 2008, com a crise jornal foi abalada. 4,2% com corte de relação ao ano de 2014 queda das receitas com vinham de anúncios queda. O resultado venda de jornais, caiu recuperou parte da opções de assinatura e que foi em 2000. 35 Figura 5 – Relatório financeiro do jornal The New Y ork Times de 2014 Fonte: The New York Times Company (2015). A redução dos lucros dos meios de comunicação tradicionais já estava preestabelecida pelo seu alto custo financeiro e a limitação da participação do público consumidor em seus produtos. Os jornais pararam de crescer não só porque o público se cansou deles e prefere os novos substitutos eletrônicos. Os jornais já tinham um limite natural de crescimento, imposto pela estrutura de custos variáveis altos. A nova competição esta livre dessa restrição, e o resultado é uma grande flexibilidade financeira (MEYER, 2007, p. 221). Os meios tradicionais passam a investir mais na interatividade com o público, o que muda o perfil do meio. O modelo de negócio também muda com a possibilidade de o público produzir e, principalmente, distribuir conteúdo. A interatividade e o meio digital, mesmo com uma enorme aceitação do público, não gera renda para os outros meios sem uma mudança de posicionamento. Apenas de ter uma versão digital, não é capaz de trazer lucro para o jornal. Somente o acesso do público nas versões digitais não gera retorno para a cadeia de valor dos meios tradicionais. Para obter lucratividade no ambiente digital, essa indústria deve se reinventar. A solução começa pelo entendimento da nova cadeia de valor. 36 Os jornais precisam chacoalhar sua forma de se relacionar com as pessoas e respeitar as novas formas de elas consumirem informações e serviços relacionados. Em síntese, as empresas jornalísticas têm de mudar seu jeito de ser. A velha fórmula se esgarçou. (COSTA, 2014, p. 55). Em 2014, das 587 demissões registradas nos grupos de mídia no país, 244 eram de jornalistas em consequência da crise. Em busca da redução de custos, os profissionais passam a ser terceirizados1, e os cargos com custos mais elevados, como os correspondentes internacionais, reduzem sua participação no quadro de funcionários dos grandes meios tradicionais. Além dos cortes e da redução na circulação de jornais, revistas e editorias inteiros2 deixaram de existir. Entre as razões estão a diminuição de assinaturas, redução do valor de publicidade investido, aumento do uso das mídias digitais, mudança do perfil de consumidor e queda na venda avulsa. Até junho de 2015, o país teve 994 cortes de funcionários em empresas de mídia, sendo desses 335 jornalistas. Em apenas três anos, tivemos um aumento de demissões de jornalistas superior a 181% (Figura 5). Os resultados reforçam que o modelo de negócio tradicional do jornalismo, com a base do seu financiamento em publicidade, não é mais estável, o que leva as empresas a repensar suas formas de obtenção de renda e financiamento O número de demissões no jornalismo - especialmente na mídia impressa - foi surpreendente na última década. Relatos de sindicatos e de associações de jornalistas como a Media, Entertainment & Arts Alliance, na Austrália, a Society of Professional Journalists, nos Estados Unidos, a National Association of Journalists, na Holanda e a National Union of Journalists, no Reino Unido, nos últimos anos, sugerem que seus membros veem seus colegas sendo demitidos (e não substituídos), que a falta de pessoal (understaffing) está em ascensão e que mais e mais jornalistas trabalham em bases contingentes. Profissionais têm hoje cada vez mais contratos e não carreiras no jornalismo - e, como relatam os estudiosos, o stress e o burnout estão em ascensão (DEUZE; WITCHGE, 2015, p. 10). 1 Segundo o Sindicato dos Trabalhadores, “a terceirização é o fenômeno através do qual uma empresa contrata um trabalhador para prestar seus serviços a uma segunda empresa – tomadora. A tomadora se beneficia da mão-de-obra, mas não cria vínculo de emprego com o trabalhador, pois a empresa-contratante é colocada entre ambos” (O QUE..., 2015). O profissional multifuncional é determinado como capaz de executar diversas tarefas, no caso do jornalista, ser repórter, produzir uma foto, vídeo, edição e o que mais for necessário para a publicação da notícia. 2 MAZOTTE, N. Demissões em massa em jornais e revistas geram debate sobre precarização e futuro do jornalismo no Brasil. Journalism in the Americas , 2013. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2016. 37 Figura 6 – O aumento do número de demissões ao long o de 3 anos Fonte: A Conta... (2015). Com essas transformações, observamos uma mudança de comportamento da sociedade e, portanto, do perfil do público, que passa a ser também produtora de conteúdo com a chegada da Web 2.0. Com o aumento do uso da internet, a Web chega ao seu segundo momento, marcado pelas mudanças na interação e formação de opinião do usúario, até então estático. Começam a surgir blogs, chats on-line, ferramentas para reunir informação como o Google e as redes socias, que representam um conjunto de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados (MARTELETO, 2001). O usuário percebe que pode usar as ferramentas criadas a partir desse segundo momento de uso da internet para produzir e compartilhar conteúdo. Já em um terceiro momento ainda em discussão, chamado Web 3.0, toda essa troca entre usuários ganha valor, e é então que as empresas começam a otimizar as informações trocadas pelos usuários para obter informação sobre seu consumidor. 38 Os perfils em redes sociais, buscas na internet e uso dos dados são transformados em poderosas informações sobre o novo perfil do consumidor digital. A resposta rápida dos leitores, agilidade da notícia, maior acesso à diversas fontes de informação, fazem do consumidor da notícia um produtor de informação, fornecendo e propagando o conteúdo nas redes sociais, blogs e no próprio smartphone por meio de aplicativos de troca de mensagens. A mudança no público receptor do conteúdo contribui para a mudança dos modelos tradicionais de financiamento da imprensa, onde o formato de credibilidade e fidelidade do leitor começam a perder força e apresentar resultados muito menores. A audiência comum é substituída pela participação e interatividade do público, que reflete em alterações no formato de captação financeira das empresas de comunicação. Digital and social media functionalities are thus humanising communication by displacing some of the artificiality and alienation inherent in mass communication. This is forcing change on media companies and content providers of all types, altering the ways they address and interact with their users and the types of content they provide. These changes are disquieting to elites and dominant social groups because the alterations are stripping some of the control and influence that was previously afforded to them and because social media are diffusing their abilities to assert ideas and values, to shape culture, and to direct the course of society. The greater role of vox populi in public communication has significant political, economic, social, and cultural implications to mass public life3 (PICARD, 2015, p. 35). Ao contrário do que se observava no passado, os negócios de jornalismo passam a adotar diversas formas de obtenção de renda. Uma vez que o triângulo anúncios-publicidade-assinaturas não oferece o mesmo resultado, as empresas passam a buscar formas inovadoras que fujam da dependência de anunciantes e publicidade. Essa diversificação das fontes de renda dos meios é conhecida como flexibilização financeira, ou seja, a utilização de outras formas de monetização para estabilizar o negócio diante das reduções da fonte principal. 3 “As funcionalidades digitais e de mídia social estão, de certa forma, humanizando a comunicação através do deslocamento de algumas das artificialidades e alienação inerente à comunicação de massa. Isso está forçando mudanças em empresas de mídia e provedores de conteúdo de todos os tipos, alterando as formas de se abordar e interagir com os seus usuários e os tipos de conteúdo que eles fornecem. Essas mudanças são inquietantes para as elites e grupos sociais dominantes porque as alterações estão tirando parte do controle e influência que antes era conferida a eles e porque as mídias sociais estão difundindo suas habilidades para afirmar ideias e valores, para moldar a cultura, e para dirigir o curso da sociedade. O maior papel da vox populi na comunicação pública tem implicações políticas, econômicas, sociais e culturais significativas para a vida pública em massa”. (tradução nossa). 39 At the heart of our economies, a diversification and increasing importance of collaborative practices can be observed. By proposing alternative paths of value creation and sharing, these practices open new perspectives in terms of consumption, production and innovation models4 (BAUWENS; MENDOZA; IACOMELLA, 2012). A contribuição e o engajamento do público conectado pela rede gera uma troca entre os próprios usuários, movimentando renda e formando uma nova economia, chamada economia colaborativa ou participativa, que Albert Cañigueral (2014) classifica em quatro categorias: consumo colaborativo, produção colaborativa, economia peer to peer/participativa e o conhecimento aberto (open knowledge). O consumo colaborativo é o que tem mais visibilidade hoje nos meios digitais, já que estão inclusos nessa categoria todo tipo de troca e compartilhamento de produtos ou serviços por usuários. Consumir de forma colaborativa é trocar de casas com pessoas de outros países ao invés de alugar ou encontrar carona com alguém que vá para um mesmo lugar através de aplicativos de celular. A produção colaborativa constrói um novo modelo de produção, onde predomina a cultura “faça você mesmo” (Do It Yourself) e da democratização dos softwares, permitindo que cada usuário produza e publique seu conteúdo, como é o caso dos blogs e redes sociais. “The inexorable push for business practice to become interactive, connected and collaborative, leads to different ways of conceiving the new social dynamics that have emerged in the collaborative economy.”5 (BAUWENS; MENDOZA; IACOMELLA, 2012). As duas últimas categorias são coexistentes. O conhecimento aberto (open knowledge), que é o conhecimento e as ferramentas distribuídas de forma aberta ao grande público da rede, reafirma as características para que a economia participativa, representada pelo modelo de financiamento coletivo via plataformas de internet, exista de fato. A participação do público em sites de financiamento coletivo (ou participativo) acontecem em grande parte pela distribuição de conteúdo, softwares e conhecimento. 4 “Na área central da nossa economia, podemos observar a diversificação e o aumento da importância de práticas colaborativas. Ao propor passos alternativos de valores criativos e de compartilhamento, essas práticas abrem novas perspectivas em termos de concepção, produção e modelos inovadores” (tradução nossa). 5 “O impulso inexorável para a prática de negócios para se tornar interativo, conectado e colaborativo leva a diferentes formas de conceber as novas dinâmicas sociais que surgiram na economia colaborativa” (tradução nossa). 40 El criterio que usan las plataformas de crowdfunding tiene como precedentes las donaciones, pero como ocurre con los otros pilares de la economía colaborativa, el medio utilizado para realizar esta conexión entre mecenas y creadores (Internet), permite llegar a muchos personas interesadas, que pueden convertirse en potenciales micro mecenas. Otra vez, la red permite aumentar el impacto de viejas prácticas6 (CASANOVAS, 2014, p. 37). Além da economia colaborativa, o crowdfunding, conceito que abordaremos no item 2.2, é também parte da economia criativa. Uma das definições possíveis é a de John Howkins (2001), que concluiu que a relação entre criatividade, o simbólico e a economia seria uma economia criativa. O conjunto das atividades econômicas que dependem do conteúdo simbólico, como, por exemplo, é o conhecimento e a criatividade, geram um tipo de economia, sendo a criatividade o fator mais expressivo para a produção de bens e serviços. A economia criativa é parte das indústrias criativas, que, segundo o modelo criado no fim dos anos 1990 pelo United Kingdom Department of Culture, Media and Sport, é definida como “aquelas que requerem habilidade, criatividade e talento, com potencial de riqueza e a criação de emprego por meio da exploração de sua propriedade intelectual” (DCMS, 2001). Com o desenvolvimento das indústrias, a economia criativa pode promover criação de empregos, diversidade e desenvolvimento humano e, como consequência, aumento na geração de renda (OLIVEIRA; ARAUJO; SILVA, 2013). But the most radical revolution is that people can organize themselves and create common value together, thereby creating the new social system of commons-oriented peer production, and its new institutions. The new verticality refers to how existing players can adapt, survive and perhaps even thrive by adapting to the new dynamics7 (BAUWENS; MENDOZA; IACOMELLA, 2012). 6 “O critério que as plataformas de crowdfunding utilizam tem como precedentes as doações, mas, como ocorre com os outros pilares da economia colaborativa, o meio utilizado para realizar essa conexão entre colaboradores e criadores (internet) permite chegar a muitas pessoas interessadas, que podem ser convertidas em potenciais pequenos colaboradores. Outra vez, a rede permite aumentar o impacto de velhas práticas” (tradução nossa). 7 “Mas a revolução mais radical é que as pessoas podem se organizar sozinhas e criar valor comum juntas, criando, portanto, um novo sistema social de orientação comum de produção pareada e as suas novas instituições. A nova verticalidade se refere a como os atores existentes podem se adaptar, sobreviver e talvez até prosperar ao se adaptar à nova dinâmica” (tradução nossa). 41 Philip Meyer (2007) classifica o antigo dono de jornal impresso como alguém que “tem o poder de recolher um imposto sobre as vendas”. Of course, newspapers are not alone in their troubles. In April of 2010, ABC News laid off 25% of its staff in a single day. Regardless of the medium, all commercial news media face similar challenges. Significant fixed cost structure. The massive capital infrastructure of traditional media—presses, trucks, satellites, affiliate networks—served as significant protective barrier against competition for most of the 20th century. In the 21st century, these large fixed costs often place traditional media at a competitive disadvantage” 8 (THE TEXAS TRIBUNE, 2014, p. 3). Assim como o financiamento coletivo, há diversas iniciativas que buscam firmar-se como modelo de captação de recursos para o jornalismo. No entanto, o próprio modelo de negócio dos financiadores está em construção. Além da agilidade e da ruptura dos padrões, a mídia digital trouxe também novas formas de produção da notícia. Jornalismo colaborativo, mídia ninja e o jornalismo independente são reais através das conexões das mídias digitais. Outras plataformas, como blogs, redes sociais e mainstream9, configuram não apenas uma nova opção para o receptor da notícia, mas também para o jornalista, um produtor mais independente dos formatos tradicionais, como impresso, televisão ou rádio. A ideia do novo modelo não é a substituição do modelo tradicional, mas sim uma alternativa que seja capaz de dar sustentabilidade aos meios. As empresas passam a incorporar novas formas de monetização – ou seja, de arrecadar o dinheiro necessário para a viabilidade do negócio – utilizando as ferramentas que a digitalização oferece. As grandes e antigas empresas passam por uma adaptação, incorporando novas estratégias à sua rotina, o que discutiremos mais adiante. 8 “Claro, os jornais não estão sozinhos em seus problemas. Em abril de 2010, a ABC News demitiu 25% de sua equipe em um único dia. Independentemente do meio, todos os meios de comunicação comerciais enfrentam desafios semelhantes. Estrutura de custos fixos significativos. A infraestrutura dos meios tradicionais – funcionários, caminhões, satélites, redes de afiliados – serviu como barreira de proteção significativa contra a concorrência para a maior parte do século 20. No século 21, esses custos fixos muitas vezes colocam a mídia tradicional em desvantagem competitiva” (tradução nossa). 9 O termo mainstream significa “corrente principal” e se refere ao pensamento ou algo que influencia a maioria da população. Diferente da grande mídia, está em contraste com inúmeras publicações independentes, como jornais semanais alternativos, revistas especializadas e fontes eletrônicas como blogs, podcasts e canais online. https://pt.wikipedia.org/wiki/Mainstream 42 2.1 Conteúdo colaborativo: o crowdsourcing A percepção do poder da multidão começou com o editor colaborador da revista americana Wired, Jeff Howe, que em 2006 observou que sua redação, quando não tinha meios para produzir ou conseguir algo, reunia-se e buscava fontes de várias pessoas até a obtenção do que era necessário. Howe então publicou em seu artigo o que chamou de crowdsourcing, que seria o oposto do modelo outsourcing (em uma tradução livre, fonte terceirizada), portanto, quando se buscava fora, com especialistas, o conhecimento necessário para aprimorar coisas ou ideias. Howe (2008, p. 1) definiu crowdsourcing como: The act of taking a task traditionally performed by a designated agent (such as an employee or a contractor) and outsourcing it by making an open call to an undefined but large group of people. Crowdsourcing allows the power of the crowd to accomplish tasks that were once the province of just a specialized few. Or to put it another way, crowdsourcing is to take the principles which have worked for open source software projects and apply them right across the entire spectrum of the business world10. Hui et al. (2005) define a criatividade como um processo pelo qual as ideias são geradas, conectadas e transformadas em coisas que são valorizadas. Ou seja, a criatividade é o uso de ideias que são trabalhadas e transformadas em algo novo e com valor econômico. Os projetos que buscam pelo financiamento coletivo são inovações, ideias criativas que possivelmente não conseguiriam obter financiamento no modelo tradicional. Apesar de criatividade ser diferente de inovação, usar a criatividade para formar uma indústria pode ser uma inovação. A união entre a criatividade e a inovação possibilita a realização de um novo formato para desenvolvimento de projetos e negócios, que é o empreendedorismo. Hagoort, Thomassen e Kooyman (2012) descrevem empreendedorismo como uma forma de pensar e uma nova atitude, onde o principal objetivo é obter oportunidades no contexto cultural, que, por extensão, acaba sendo criativo e inovador. O Banco Mundial, em seu relatório Crowdfunding’s Potential for the Developing World, 10 “O ato de pegar uma tarefa tradicionalmente feita por um agente designado (como um funcionário ou contratado) e terceirizar isso ao fazer uma chamada aberta para um grupo grande, mas indefinido de pessoas. O crowdsourcing permite o poder da multidão de completar tarefas que eram antes feitas apenas por pequenos grupos especializados. Ou, em outras palavras, crowdsourcing é pegar os princípios que se tem trabalhado para projetos de softwares abertos e aplicar seus conhecimentos para um espectro maior do mundo dos negócios” (tradução nossa). 43 destaca que “ao alavancar a tecnologia, o crowdfunding pode servir como um mecanismo que permita para a formação de novas empresas de risco, criação de empregos e inclusive crescimento econômico” (THE WORLD BANK, 2013, p. 26, tradução nossa). 2.2 O crowdfunding A palavra do inglês traduzida literalmente significa “financiamento da multidão” e retrata exatamente o que é esse tipo de financiamento. A ideia do financiamento coletivo é que haja uma maior captação de fundos das mais variadas fontes, ou seja, doações em grandes ou pequenas quantidades, todas com um só objetivo: promover financeiramente algo que seja do interesse de um grande número de pessoas. Para que o financiamento aconteça, temos três atores principais: os donos das ideias, que são também os criadores dos projetos que buscam arrecadação; os doadores, aqueles que apoiam ou são financiadores do projeto; e as plataformas, que são os sites que fazem o intermédio entre as duas partes. O modelo de financiamento coletivo crowdfunding tem sido dividido em diversos tipos de campanha, onde as formas de participação do coletivo mudam, causando diferenças na estrutura do financiamento. Usaremos como base a definição da Associação de Crowdfunding do Reino Unido (UK Crowdfunding Association) (WHAT..., 2015) e da empresa americana de investimentos PENSCO (2015), que dividem o crowdfunding em três categorias: reward/donation, equity e peer-to-peer/debt crowdfunding. O reward crowdfunding, ou modelo de recompensa, é o modelo original e mais conhecido das categorias de financiamento coletivo, onde os participantes buscam por financiamento on-line para apoiar um projeto ou causa. Em troca do dinheiro, cada doador recebe uma recompensa, tal como nome nos créditos de um filme ou ingresso para o show exclusivo da banda que apoiou, por exemplo. As plataformas mais conhecidas para essa categoria de financiamento coletivo são os sites Kickstarter, Catarse, Impulso, Juntos.com.vc e tantos outros. Os sites de financiamento coletivo funcionam com duas modalidades de crowdfunding: “flexível” ou “tudo ou nada”. Para a modalidade “tudo ou nada”, ao final do tempo de exposição, se o projeto não atingir a meta estabelecida de doações, o dinheiro arrecadado volta para os doadores e o projeto não é financiado. 44 Já na modalidade “flexível”, se ao final do prazo a meta não for cumprida, o projeto fica com a quantia que foi arrecadada até o momento. Os doadores fazem suas contribuições de acordo com cotas, sendo que cada cota oferece um tipo de pequena recompensa. Para os projetos que envolvem a produção de algum objeto, normalmente é oferecido como recompensa ao doador um exemplar para teste do produto que ele investiu. O reward crowdfunding é também uma oportunidade de teste de mercado e experimentação do produto final, sendo uma oportunidade para investidores e consumidores (MOLLICK, 2014). O equity crowdfunding, também conhecido como modelo de investimento, é um modelo utilizado para financiamento de novas empresas, onde os doadores são na verdade investidores de um novo negócio em troca de participação na empresa. Em outras palavras, o equity crowdfunding é a categoria onde empresas ou projetos vendem “ações” da sua empresa para investidores que estejam interessados no produto que ela tem a oferecer. No caso dessa categoria, o dinheiro aplicado pelos investidores pode sofrer valorização ou desvalorização, dependendo de como seja a aceitação e sucesso da empresa/projeto financiado. A última categoria de financiamento é a peer-to-peer (P2P) ou debt crowdfunding. Nessa modalidade de financiamento, o que se busca são pessoas/projetos que necessitem de empréstimo para pagamento de algo específico. É a combinação de investidores com pessoas que buscam financiamento sem a necessidade de um banco, onde os juros não existam ou sejam bem menores que nas outras opções de financiamento existentes. Esse modelo é muito parecido com o modelo de investimento, sendo muitas vezes confundido ou estabelecido como uma mesma modalidade. A principal diferença entre os dois é que, no caso do equity crowdfunding, o investidor tem uma parcela da empresa, portanto, podendo no futuro vender sua parte com lucro. Já no caso do peer-to-peer (P2P) ou debt crowdfunding, o investidor faz um empréstimo, sem a possibilidade de ganho sobre o valor que foi investido. Essa categoria é comum em casos de causas sociais, onde investidores fazem o financiamento de projetos sociais com um retorno previsto no futuro, mas sem o objetivo financeiro. Tim O’Reilly (2005) foi um dos precursores da Web 2.0, onde o usuário não é mais mero espectador, ele passa a interagir com o mundo da internet. Isso significa que, se antes o usuário era apenas um espectador, hoje ele passa a ser um colaborador, participando e acrescentando conteúdo para o mundo web. O uso das 45 redes sociais e de blogs pessoais pode ser um exemplo dessa mudança comportamental. Como mencionamos, o financiamento coletivo de projetos envolvendo produtos pode servir como teste de mercado ou interesse do público consumidor. Com a Web 2.0, o crowdfunding pode agregar estratégias de marketing para um público já definido do seu nicho de mercado. Devido ao fato de se apelar a consumidores e porque ferramentas da Web 2.0 são utilizadas, o crowdfunding pode também ajudar firmas a testar, promover e levar produtos a mercado (marketing), na aquisição de um melhor conhecimento dos gostos de seus consumidores ou na criação de produtos e serviços inteiramente novos (BELLERFLAMME; LAMBERT; SCHWIENBACHER apud FELINTO, 2012, p. 145). Os projetos de financiamento coletivo estão, portanto, diretamente ligados ao interesse e engajamento do público. Assim como nas redes sociais e sites, a participação do público interessado, com compartilhamento de informações e captação de novos seguidores para o projeto, gera maior alcance, marketing e exposição, formando, assim, um mercado consumidor para seu produto/serviço. Apesar de parecer muito simples, o processo de elaborar um projeto de crowdfunding exige que se tenha um conhecimento mínimo das técnicas necessárias para o projeto – como, por exemplo, a produção de um vídeo de introdução da campanha – e habilidade comunicacional. Julie Hui, Michael Greenberg e Elizabeth Gerber (2013) definem em seus estudos três etapas, entre a ideia e a realização, do financiamento coletivo seguidas pela maioria dos criadores de projetos que obtiveram sucesso nas plataformas americanas. Os três estágios de trabalho são: preparar o material de campanha, divulgar o projeto e seguir com os objetivos propostos. No estágio de preparação, os criadores aprendem a fazer vídeos, procuram projetos similares a suas ideias nas plataformas, leem blogs sobre crowdfunding e tutoriais. O tempo médio para planejar e preparar uma boa campanha de financiamento coletivo é de seis meses (HUI; GREENBERG; GERBER, 2013). O segundo estágio acontece já com a campanha publicada. Essa é a fase de divulgar, fazer o marketing do projeto. Os criadores divulgam nas redes sociais, enviam e-mails para seus contatos e entram em contato com a mídia relacionada ao seu tema. Essa fase tem uma média de dedicação de 2 a 11 horas por dia ao longo da campanha que dura de 0,5 a 2 meses (HUI; GREENBERG; 46 GERBER, 2013). O último estágio é o de cumprir com os objetivos do projeto caso ele seja financiado. É a hora de entregar as recompensas e os resultados aos apoiadores do projeto, o que dura em média 3 meses. Os autores concluem: Perceptions of fast financial return and low barrier to entry has led the public to believe that crowdfunding is a quick and easy way to fundraise. However, our initial findings suggest that crowdfunding is more time consuming and requires more skills than what most creators expect. Creators report having trouble with learning new skills in preparation of the campaign, finding and mobilizing supporters while marketing their project, and following through with project goals on a mass scale11 (HUI; GREENBERG; GERBER, 2013, p. 5). Portanto, mesmo com as facilidades da mídia, as bases para um projeto de financiamento coletivo obter sucesso exigem conhecimento e dedicação do detentor da proposta. Saber tanto do projeto quanto dos objetivos e formas de torná- lo real são essenciais. 2.3 As plataformas O Kickstarter (www.kickstarter.com) é a primeira e maior plataforma da internet de financiamento coletivo. Criado em 2008 por Perry Chen, Yancey Strickler e Charles Adler, é hoje o maior site de financiamento coletivo de projetos criativos do mundo. De acordo com relatório divulgado pelo próprio site, mais de um bilhão de dólares já foi arrecadado pela plataforma até o ano passado. Para criar e expor um projeto dentro do site, os autores precisam ser dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália, Nova Zelândia ou Holanda; entretanto, pessoas de todos os países do mundo podem fazer doações aos projetos da plataforma. Aqui no Brasil, os estudantes Diego Reeberg e Luis Otavio Ribeiro criaram em 2011 o site Catarse (www.catarse.me). A plataforma segue o modelo do Kickstarter e surgiu durante uma busca dos estudantes por algo que pudesse financiar novas ideias. Tanto o Kickstarter quanto o Catarse seguem o modelo do tudo ou nada para o crowdfunding, ou seja, se o projeto não atingir a verba dentro 11 “Percepções de retorno financeiro rápido e com pequenas barreiras para se entrar têm levado o público a acreditar que o crowdfunding é uma forma rápida e fácil de financiamento. Entretanto, nossas conclusões iniciais sugerem que o crowdfunding consome muito mais tempo e requer muito mais habilidades do que muitos criadores esperam. Os criadores dizem ter problemas em aprender novas habilidades na preparação da campanha, encontrar e mobilizar apoiadores durante a divulgação do projeto, e em seguir com o objetivo do projeto em larga escala” (tradução nossa). 47 do que foi estabelecido, ele não é financiado e o dinheiro arrecadado retorna aos doadores. De acordo com o Catarse, em seu primeiro ano de funcionamento cerca de 50% dos projetos acolhidos foram financiados, e a plataforma é hoje uma das mais bem-sucedidas no país. Até o ano passado, com então três anos de existência, 1,6 mil projetos tinham sido disponibilizados, e 884 deles financiados efetivamente, sendo que sete desses projetos arrecadaram mais de 100 mil reais. O site teve apoio de 190 mil pessoas, e ao menos um projeto foi ajudado; ao todo foram 27 milhões de reais doados para projetos dentro da plataforma. Além do Catarse, foram criadas 75 plataformas de crowdfunding no Brasil desde 2009. A modalidade mais adotada é a de reward, a peer-to-peer não existe registro no país até o momento, e há apenas duas plataformas de equity crowdfunding (modelo de investimento) por questões legais e a ausência de regulamentação12. No caso do modelo de investimento, a dificuldade é em estabelecer normas e regulamentar esse tipo de modalidade, uma vez que ela se encaixa em um investimento mobiliário. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que é responsável por regulamentar e fiscalizar o mercado brasileiro de valores mobiliários no Brasil, prevê que apenas sociedades limitadas podem fazer tal acordo de investimento, e que o tipo de investimento praticado pelo equity crowdfunding seria um risco para o empreendedor e os investidores. Entretanto, duas plataformas estão ativas no país: a Eu Sócio (www.eusocio.com.br/) e a Broota (www.broota.com.br). Os projetos dessa modalidade são feitos de maneiras diferentes, sendo que na plataforma Broota, o investimento é feito por Títulos de Dívida Conversível (TDC), que são inicialmente uma dívida, mas que oferecem a opção de ser convertido em participação da empresa. A plataforma já obteve oito campanhas de sucesso, onde os investidores financiaram as empresas e se tornaram investidores-anjos com parte do projeto empreendedor. No caso da plataforma Eu Sócio, são investimentos de longo prazo por meio de aportes. As finalidades de cada plataforma são bem amplas e algumas com temas definidos e categorias já preestabelecidas, onde a intenção é estreitar o público-alvo 12 Nos Estados Unidos o equity crowdfunding já recebeu regulamentação. No ano de 2012, o presidente Barack Obama sancionou a lei Jobs Act, que busca facilitar o acesso ao mercado de capitais por empresas de crescimento emergente, como é o caso das startups. 48 para algo específico, como é o caso da plataforma Bicharia, exclusiva para projetos relacionados a animais. Das 75 plataformas criadas, apenas 37 estão ativas (Quadro 1). Lista de Plataformas de Crowdfunding no Brasil Projetos de Shows e Eventos Projetos Sustentáveis Embolacha www.embolacha.com.br Kolmea www.kolmea.com.br PraRolar www.prarolar.com Projetos Sociais Queremos www.queremos.com.br Impulso www.impulso.com.br Traga seu Show www.tragaseushow.com.br Juntos.com.vc www.juntos.com.vc Eu Patrocino www.eupatrocino.com.br Doare www.doare.org Partio www.partio.com.br Causa Coletiva www.causacoletiva.com Projetos em Educação Projetos Criativos O Formigueiro www.oformigueiro.org.br Catarse www.catarse.me Ideia do Futuro www.ideiadefuturo.com.br It's Noon www.itsnoon.net Projetos Gerais Variável 5 www.variavel5.com.br Benfeitoria www.benfeitoria.com Sibite www.sibite.com.br Começa Aqui www.comecaaqui.com.br Guigoo www.guigoo.com.br Idea.me www.idea.me Startando www.startando.com.br Vakinha www.vakinha.com.br Bookstart www.bookstart.com.br Kickante www.kickante.com.br Bookstorming www.bookstorming.com.br O Pote www.opote.com.br Projetos de Equity Mobilize www.mobilizefb.com.br Broota www.broota.com.br Arrekade www.arrecade.com.br Eu Sócio www.eusocio.com.br Zarpante www.zarpante.com Projetos de Esporte Projetos para Animais Vasco Dívida Zero www.vascodividazero.com.br Bicharia www.bicharia.com.br Salve Sport www.salvesport.com Projetos para Leis de Incentivo Viabilizza www.viabilizza.com.br Quero Incentivar www.queroincentivar.com.br Quadro 1 – Lista de plataformas de financiamento co laborativo ativas no Brasil Fonte: Elaborado pela autora. Algumas plataformas acabaram se unindo a outras com a mesma finalidade em busca de criar algo mais forte e consistente diante de um mercado 49 ainda novo, em fase de adaptação do público e em constante transformação, como é o caso do financiamento coletivo. 2.4 Dinâmica do crowdfunding Para atingir seus objetivos e conseguir o financiamento por meio do crowdfunding, todos os projetos devem seguir aspectos em comum para obter sucesso. Como mencionado, os criadores devem seguir um planejamento e alguns passos para que o financiamento receba doações. Nos casos de projetos pequenos, onde o criador busca financiar questões pessoais e que aconteça uma única vez, com uma meta abaixo de mil reais, é comum que amigos e parentes forneçam o dinheiro para que o projeto aconteça (MOLLICK, 2014). No caso dos grandes projetos de financiamento, encontramos algumas características em comum que estão relacionadas ao sucesso ou fracasso da campanha nas plataformas de financiamento coletivo. Pequenos indicadores, como a quantidade de amigos conectados ao criador do projeto nas redes sociais, são fatores de sucesso (Idem), já que o projeto terá maior visibilidade. Para que os projetos sejam atraentes, recursos como matérias em jornais, indicações de sites relacionados ao produto, vídeo de apresentação de qualidade, podcasts, uso de redes sociais, transparência e divulgação massiva, têm um efeito positivo e oferecem credibilidade ao projeto, aumentando a probabilidade de que o financiamento pretendido seja atingido. A parte de planejamento do projeto é um dos métodos que mais oferece resultado. Os estudos feitos por Ethan Mollick (2014) mostram que as definições de prazo, meta e o envolvimento dos usuários das plataformas são fatores determinantes para o sucesso do financiamento. Definir uma meta adequada, que seja de acordo com o prazo estipulado e condizente com o que se propõe a fazer passa credibilidade ao doador, que se sente motivado a apoiar o projeto. Ainda de acordo com o autor, quanto maior a meta, menor sua taxa de sucesso. Uma das recomendações do Catarse para o sucesso de projetos, de acordo com Marina Dias (Apêndice), é que ao menos 5% da verba pretendida seja arrecada nas primeiras 48 horas de campanha. No caso específico de projetos de jornalismo, quanto maior o tempo de exposição do projeto na plataforma, maior sua taxa de arrecadação e chance de sucesso. 50 A linguagem dos projetos é uma das técnicas que aumentam a chance de sucesso. Os pesquisadores Tanushree Mitra e Eric Gilbert (2014) analisaram vinte mil frases das campanhas do site Kickstarter em busca de resultados sobre a importância da linguagem utilizada pelos projetos bem-sucedidos e os que não obtiveram financiamento. Para obter um resultado, eles analisaram as frases e algumas variáveis relacionadas como número de updates, duração do vídeo de apresentação, qualidade do vídeo, número de pessoas conectadas via Facebook, número de comentários, categorias em que os projetos estavam, objetivo do projeto, duração do projeto, quantia necessária, quantidades de recompensas e níveis de recompensas. A única variável que apresenta resultados negativos relacionados ao sucesso do projeto é a sua duração, como reforçado pelos estudos de Mollick (2014, p. 7). Successfully funded projects demonstrate more active thinking (Cognitive Process), a higher degree of Social Process, higher perception rates (Senses), higher levels of emotions (Affect) and exhibit Personal concerns via references to Money, Occupation, Leisure and Home.13 A fórmula do modelo de negócio com flexibilidade financeira, ou seja, com outras fontes de receita além das publicidades, tem obtido ótimos resultados nos países onde o crowdfunding já está estabelecido. Nos Estados Unidos, cultura onde observamos a primeira plataforma de financiamento coletivo surgir, esse formato proporcionou inúmeros projetos, de diversas áreas e com efeitos significativos para a sociedade. Podemos citar desde um efeito de marketing na campanha do atual presidente americano Barack Obama, em 2008, até à formação da ProPublica, primeira agência de notícias financiada por crowdfunding com influência política e prêmios como dois Pulitzer Prizes, dois Emmy Awards e tantos outros. A mudança do consumidor de internet, com base na economia criativa e consumo colaborativo, gera novos modelos de financiamento, que possibilitam outras formas de obtenção de renda para o jornalismo, como o empreendedorismo e o financiamento coletivo. 13 “Os casos de sucesso no financiamento de projetos demonstram maior pensamento ativo (Processo Cognitivo), um grau elevado de Progresso Social, maiores taxas de percepção (Julgamento), altos níveis de emoções (Afeto) e exibem preocupações pessoais com relação a dinheiro, ocupação, tempo livre e casa” (tradução nossa). 51 3 O NOVO FINANCIAMENTO Com o cenário que apresentamos, com mudanças econômicas e políticas, e com a importância que os meios de comunicação adquirem para a sociedade participante da mídia digital, cresce a necessidade em buscar uma contraposição aos formatos conservadores de financiamento. A Economia Política da Comunicação, em seus estudos, busca compreender as relações sociais por trás da produção, distribuição e consumo de produtos culturais e de comunicação diante da estrutura de poder vigente, com a sociedade capitalista brasileira, o que influencia o comportamento e o conteúdo das mídias. O papel dos meios no processo de acumulação de capital, o problema das classes sociais, os meios e a legitimação da estratificação social, a relação entre produção material e produção intelectual constituem a base analítica da Economia Política da Comunicação (HERSCOVICI; BOLAÑO; MASTRINI, p. 1). Em meio a um sistema desigual de exploração da mão de obra, autores da Economia Política da Comunicação como Adam Smith e David Ricardo propõem que o estudo da economia fosse ancorado no cruzamento entre a teoria social e a política, o que ganha o nome de “economia política” (SOUSA, 2006, p. 421). No século XIX, Marx e Engels encetaram a crítica ao capitalismo, considerado um sistema injusto, contribuindo para reorientar a economia política. Por isso, no século XX, influenciados, também, pelos estudos críticos, muitos deles de gênese marxista, vários autores começaram a estudar a influência que fatores como as instituições, as políticas (nomeadamente as políticas públicas) e a tecnologia tinham sobre os mercados e a economia. Considerando que as atividades comunicacionais geram efeitos sobre a sociedade e que essas atividades são reguladas pelas políticas e se submetem a fatores econômicos, Smith propõe, então, que as políticas e os fatores econômicos acabam restringindo as instituições comunicacionais, o que influencia a sociedade. Portanto, esses fatores deveriam também ser considerados. Segundo Vincent Mosco (1999, p. 2): Uma definição mais abrangente e ambiciosa de economia política é o estudo do controle e sobrevivência na vida social. Controle refere-se especificamente a organização interna dos elementos dos grupos e ao processo de adaptação a mudança. Sobrevivência significa a forma como eles produzem o que é necessário para a reprodução e continuidade social. 52 Nesta leitura, os processos de controle são, de um modo geral, políticos, já que constituem a organização social das relações dentro de uma comunidade e os processos de sobrevivência são fundamentalmente econômicos porque se referem aos processos de produção e reprodução. O conceito de economia política ganhou destaque por chamar atenção para as forças de funcionamento do mercado, que permanece constante e sob vários pontos de vistas diferentes, o que a torna atual. Cada abordagem, ou ponto de vista, segue uma tendência de estudo. As linhas institucionais e neomarxistas são as que mais se interessam em investigar a comunicação. Mosco (2006, p. 1) propõe um conceito onde: Específicamente, propone un enfoque para saber que acepta la realidad de ambos conceptos y observaciones y, rechaza la visión, prominente en algunas teorías, de que todas las explicaciones se pueden reducir a una causa esencial como la economía o cultura. Reconsiderar la economía política también enfatiza el cambio social, procesos y relaciones sociales sobre la tendencia tradicional en economía política para comenzar desde estructuras e instituciones sociales. Peter Golding e Graham Murdock analisaram os meios de comunicação como organizações industriais e comerciais capitalistas que produzem e comercializam mercadorias comunicacionais e, portanto, que estariam sujeitas aos fenômenos de concentração, consolidação, internacionalização e outros que afetam as indústrias capitalistas. Ao analisar sob esse aspecto, os autores inseriram a Economia Política da Comunicação no espaço da teoria crítica, em particular da crítica marxista à comunicação. Acontece, então, uma divisão dos autores de acordo com áreas de estudos da Economia Política da Comunicação, classificados por Alain Herscovcii, César Bolaño, Guillermo Mastrini (2000, p. 3) da seguinte forma: o que talvez pudéssemos chamar de “escola norte-americana”, na tradição de Baran e Sweezy, Dallas Smythe e Herbert Schiller e setores das academias britânica e francesa, vinculadas à produção intelectual de Nicholas Garnham, Peter Golding e Graham Murdock, de um lado, Patrice Flichy, Bernard Miège e Dominique Leroy, de outro. Dallas Smythe propôs em sua análise que o primeiro questionamento que deveria ser feito pelos materialistas históricos é a função econômica do capital no sistema de comunicação de massas. 53 o papel dos meios de comunicação é vender audiências aos anunciantes. A partir daí, elabora sua teoria do duplo papel da audiência: de mercadoria, ao ser vendida como produto dos meios aos anunciantes, e como trabalho, ao aprender a consumir, colaborando com a reprodução das forças produtivas. O trabalho de Smythe, mesmo sendo reducionista, ao não considerar, por exemplo o papel do Estado, e mesmo cometendo o equívoco, entre outros, de considerar o ócio como trabalho, não tratando, ao contrário, do trabalho cultural, artístico ou informacional, que é onde se localiza de fato a contradição que ele pretende desvendar, teve o mérito de voltar a propor o problema econômico em lugar da autonomia dos aparelhos ideológicos de Estado que constituía a orientação predominante dos estudos marxistas da época (HERSCOVICI; BOLAÑO; MASTRINI, p. 4). Na década de 1990, os autores começam a perceber as mudanças das tecnologias da informação na reconfiguração política e econômica global do setor de mídia. Em alguns casos, os investigadores fizeram críticas da concentração internacional de propriedade de mídia que acontecia por causa da globalização. A discussão central era que a globalização estava causando uma maior concentração internacional de meios, o que gerou grandes conglomerados multinacionais no setor de comunicação. Segundo Adilson Cabral (2008), a partir da formação e definição dos padrões das grandes redes corporativas, constrói-se a concentração do setor de comunicação. Ao longo das transformações e adaptações que os grandes meios fizeram para se adequar às exigências do público, surgem outras formas de comunicação que vão além da tradicional rádio, televisão e meio impresso. A mídia digital intensifica cada vez mais uma crescente demanda por uma produção e veiculação menos comercial, que inclua todas as partes da sociedade, principalmente as minorias. A forma como os elementos internos da nossa sociedade se reorganiza diante das mudanças, seja ela no aspecto social ou econômico, reflete em áreas como produtividade, indústrias, identidade cultural e classes ou movimentos sociais. A recomposição do setor de comunicação em seus vários aspectos, como o aumento de espaço para veiculação e financiamento, é então questionada. Para Castells (2006, p. 19): A questão é reconhecer os contornos do nosso novo terreno histórico, ou seja, o mundo em que vivemos. Só então será possível identificar os meios através dos quais, sociedades específicas em contextos específicos, podem atingir os seus objectivos e realizar os seus valores, fazendo uso das novas oportunidades geradas pela mais extraordinária revolução tecnológica da humanidade, que é capaz de transformar as nossas capacidades de comunicação, que permite a alteração dos nossos códigos de vida, que nos fornece as ferramentas para realmente controlarmos as nossas próprias 54 condições, com todo o seu potencial destrutivo e todas as implicações da sua capacidade criativa. Da ruptura dos padrões, o formato on-line traz novas formas de produção de conteúdo e outros formatos de notícias e de informação. As mídias digitais tornam o jornalista um produtor mais independente, com liberdade para buscar novas formas de apuração, utilizar o crowdsourcing e outras ferramentas disponíveis sem a limitação de espaço, já que as barreiras geográficas não existem mais. Segundo Cabral (2008, p. 84): De modo geral, o desenvolvimento da percepção da importância da comunicação para a transformação social contribuiu para o resgate do direito à comunicação de todos, para todos e por todos, nas dimensões de conceber, produzir, veicular, disseminar e incrementar a participação de mais atores, englobando outras noções mais recentemente trabalhadas. Mesmo com o antigo modelo de negócio ainda oferecendo resultados e com grandes conglomerados abatendo parte da audiência, o público passa a observar melhor as novas áreas do jornalismo, como, por exemplo, o especializado. A grande mídia passa a dividir sua audiência, com pequenos círculos de comunicação especializada na mídia digital, que trazem formatos inovadores e que conquistam a credibilidade e a atenção do público que busca por um determinado nicho informacional que os grandes meios não oferecem. Apesar do modelo com base na publicidade e venda de anúncios ainda ser uma fonte de lucro e de audiência, o formato digital trouxe alternativas para o público, os profissionais da área e também para os negócios. John Thornton, cofundador do Texas Tribune, que segue um novo modelo de negócio, define a necessidade e o motivo de se buscar um novo modelo de financiamento como uma liberdade que a população e o jornalismo merecem. Commercial media is neither dead nor dying—far from it. But we do believe that our society will function better if we supplement the commercial model for news and information with a model which serves the public exclusively, and can avoid the temptation to chase the “Tiger Woods” story of the moment or attract attention by simply turning up the volume14 (THE TEXAS TRIBUNE, 2014, p. 5). 14 “A mídia comercial não está morta e nem morrendo – muito pelo contrário. Mas nós acreditamos que a nossa sociedade funcionará melhor se nós complementarmos o modelo comercial de notícias e informação com um modelo que serve exclusivamente ao público, e poder evitar a tentação de perseguir a fofoca do momento ou atrair a atenção por imposição” (tradução nossa). 55 A transformação da mídia é que influenciou o desenvolvimento de uma Economia Política da Comunicação. A rapidez de consumo, as mudanças no formato de negócio e a acumulação de capital, que surgiram após as pequenas empresas se tornarem grandes corporações multinacionais, é o que essa teoria busca compreender. Normalmente, toda profissão pede certo tipo de compromisso, mas os jornalistas da era digital têm que estar comprometidos para além disso, posto que o seu trabalho é inseguro, o seu salário é limitado, a confiança da audiência é precária e o seu tempo se entende para além dos limites de um prazo de impressão ou de um horário de transmissão (DEUZE; WITCHGE, 2015, p. 22). As mudanças que os novos meios proporcionam para a comunicação representam também uma mudança nas estruturas da sociedade, à medida que as estruturas familiares e políticas geram influências em aspectos como o de mercantilização, estruturação e o próprio espaço social. Assim como a cultura, cada região do mundo possui características e definições, o que causa mudanças no comportamento social e, portanto, político econômico. Los estudios sobre comunicación han recurrido a varias escuelas de análisis de economía política y es útil trazar un mapa de la economía política de la comunicación desde la perspectiva del énfasis regional. Aunque existen excepciones y enfoques de corrientes cruzadas norteamericanas, europeas y del Tercer Mundo difieren lo suficiente como para recibir un tratamiento distintivo15 (MOSCO, 2006). Segundo Mosco (2006), as abordagens diferem ao redor do mundo de uma forma que se faz necessária uma divisão em três localizações: Estados Unidos, Europa e o que era chamado países de terceiro mundo, onde estão alguns países da América Latina como o Brasil. O autor faz essa divisão porque as distinções geográficas e sociais influenciam nos estudos e pensamentos da Economia Política da Comunicação. 15 “Os estudos de comunicação têm recorrido a várias escolas de análise da economia política e são úteis para mapear a Economia Política da Comunicação a partir da perspectiva de ênfase regional. Embora haja exceções e abordagens cruzadas norte-americanas, europeus e do Terceiro Mundo são diferentes o suficiente para receber um tratamento diferenciado” (tradução nossa). 56 A investigação norte-americana de Dallas Smythe e Herbert Schiller (MOSCO, 2006) estuda a indústria da comunicação como uma corporação exploradora e antidemocrática. O grande desenvolvimento do país gerou uma aproximação entre empresas de comunicação e empresas anunciantes, o que consolida valores consumistas. Já no caso dos países da América Latina, a investigação é em torno da teoria de modernização, que não consegue alcançar o modelo desenvolvimentista e acaba por formar mais desigualdade e que realça as diferenças entre ricos e pobres. Além disso, a ausência de uma regulamentação também influencia na indústria da comunicação e na formação de grandes conglomerados. Tais diferenças observadas pelas investigações da Economia Política da Comunicação – onde nos Estados Unidos o desenvolvimento é muito e ocorre a consolidação dos valores consumistas, enquanto aqui no Brasil ainda se busca por um crescimento – são também observadas nos modelos de negócios. Os centros de jornalismo, como é o caso da agência brasileira Pública e a americana ProPublica, refletem estruturas culturais e políticas muito diferentes. Apesar da cultura de doação americana ser diferente da nossa cultura filantrópica, existe uma participação da sociedade brasileira em projetos que ofereçam motivação para os doadores. Com as definições da crise no modelo de financiamento, observamos surgir dois cenários de financiamento sustentável para as empresas de mídia. Segundo Robert Picard (2015), diante da redução e das mudanças que a crise impõe nas empresas de mídia, surgem dois modelos de financiamento capazes de fazer as máquinas da empresa jornalística girar: o financiamento lucrativo (for-profit) e o não lucrativo (non-for-profit). Os modelos variam de acordo com a origem do dinheiro, podendo ser de empresas que também buscam o lucro – como é o caso das propagandas e da venda de conteúdo – ou do público leitor apenas interessado no produto final com conteúdo. Alguns exemplos se encontram no Quadro 2. Mercado lucrativo Mercado não lucrativo Ampliação do nicho de mercado, adicionando à plataforma digital da empresa outros produtos como livros, CDs e produções de editoras interessadas no público-alvo da empresa. Aqui no Brasil, o jornal Folha de S. Paulo incorporou os produtos da sua editora ao site, oferecendo aos leitores os produtos da Livraria da Folha. Matérias patrocinadas ou financiadas por empresas interessadas no conteúdo. 57 Parcerias com grandes empresas como Google e a utilização de ferramentas do site, como o Google Ads e o Google Analytics, para monitorar seus leitores e traçar melhor o público do site, o que gera mais publicidade e anúncio. Financiamentos coletivos, onde o público contribui com pequenas quantias para reportagens especiais, projetos, eventos e assinaturas. Estratégias de Paywall, que é a cobrança de uma taxa pelo acesso ao conteúdo do site. A Folha de S. Paulo também adotou o paywall em uma modalidade mais branda, chamada soft paywall, onde o leitor tem acesso a parte do conteúdo, ou no caso da Folha, a um limite de 20 matérias ao mês sem a necessidade de assinatura do conteúdo on- line. Ganho de audiência nas redes sociais com fan pages no Facebook, Twitter, Instagram e LinkedIn. Utilizar as particularidades de cada rede para transformar a audiência e engajamento do público em visitas ao site, o que resulta em maior visibilidade para anúncios e publicidade. Versões diferentes para determinados assinantes. O jornal The New York Times oferece aos seus leitores pacotes de assinaturas com três versões diferentes do mesmo conteúdo: mobile, web e impresso. O leitor tem a opção de assinar qual conteúdo gostaria de ter acesso e o que financiar. Quadro 2 – Comparações entre o mercado lucrativo e o mercado sem fins lucrativos Fonte: Elaborado pela autora. Assim como foi no passado o surgimento das propagandas nos meios jornalísticos, essas novas formas de financiamento exigem uma mudança ética e transparência para que o jornalismo mantenha suas características. What is clear is that news providers are becoming less dependent on any one form of funding than they have been for about 150 years. Multiple revenue streams from readers and advertisers, from events and e- commerce, from foundations and sponsors, and from related commercial services such as Web hosting and advertising services at all contributing income. It is too early to fully assess the efficacy and sustainability of these sources, but they provide reason to believe that workable new business models are appearing in news provision16 (PICARD, 2015, p. 8). Os estudos de Picard (2015) mostram que o jornalismo é percebido pelo público como importante demais para depender de um modelo comercial ou passivo. De acordo com ele, os meios estão começando a estudar a resposta do público na 16 “O que está claro é que os veículos de comunicação estão ficando menos dependentes de qualquer forma única de financiamento das que estiveram por cerca de 150 anos. Flexibilização financeira por meio de leitores e anúncios, de eventos e e-commerce, de fundações e patrocínios, e de serviços comerciais relacionados, como oferecer sites e serviços de anúncios como contribuição de renda. É muito cedo para ter acesso à total eficácia e sustentabilidade dessas fontes, mas elas dão razões para acreditar que estão aparecendo novos negócios que funcionam nos veículos de comunicação” (tradução nossa). 58 aplicação de novos modelos de monetização. Os londrinos, por exemplo, preferem se tornar membros do site do jornal The Guardian do que ser assinantes, pela ideia que isso passa de serem uma comunidade, não apenas pagantes. Para o jornal, o sistema de receitas on-line foi então substituído por grupos, onde há interação e participação da comunidade em todas as plataformas ao invés do sistema de assinantes. O público está disposto a pagar pelo conteúdo de qualidade e, independente do país, as novas formas têm apresentado boa aceitação e resposta positiva no meio digital (Figura 7). Aqui no Brasil, os estudos mostram que 61% do público digital se mostra disposto a pagar por conteúdo informativo de qualidade. Figura 7 – Porcentagem de assinantes e preferência de assinatura por países Fonte: Picard (2015). O jornalismo que observamos com esses novos modelos reforça o pertencimento do jornalismo à toda sociedade, muito além do profissional, das estruturas de emprego e do lucro com a comunicação. O jornalismo fica separado da parte técnica, comercial, profissional e das orientações das grandes mídias e passa a focar no conteúdo oferecido ao público (PICARD, 2015). 3.1 Algumas experiências de financiamento na cultur a americana 59 Iniciaremos nossos exemplos de experiências em financiamento com a agência ProPublica (www.propublica.org) pela sua influência no estabelecimento da agência brasileira Pública, que apresentaremos mais adiante. Em seguida, discutiremos outros seis negócios que adotaram a flexibilidade financeira como modelo. Bem-sucedida no modelo de financiamento independente, a ProPublica surgiu nos Estados Unidos em 2007 e um ano depois já funcionava com 24 repórteres, que trabalhavam período integral e com salários compatíveis aos grandes jornais de Nova York. O editor aposentado do The New York Times, Paul E. Steiger, é também o presidente e editor da redação. A agência iniciou suas atividades com o apoio de quatro grandes fundações – Sandler Foundation, Atlantic Philanthropies, JEHT Foundation e John D. and Catherine T. MacArthur Foundation – financiando nos mesmos formatos de venda de projetos hoje adotados pela Pública. Em 2011, a agência passou a aceitar publicidade e patrocinadores para algumas reportagens, desde que de acordo com o modelo de ética e transparência desenvolvido por eles. A agência tem também um sistema de doações únicas ou mensais por contribuintes. Diferente do sistema de assinatura dos meios digitais brasileiros, a informação da agência fica disponível, todos têm acesso ao conteúdo, e colabora com a quantia – de acordo com as cotas preestabelecidas pelo site – quem quiser. De acordo com o balanço anual da agência (Figura 8), disponibilizado no próprio site, a ProPublica teve U$$ 2.524.184 doados por contribuintes e U$$ 7.644.592 arrecadados por meio das fundações. Isso significa que a agência obteve 2% da sua renda anual mantida por colaboradores independentes, ou seja, os leitores do site. 60 Figura 8 – Balanço anual de receitas Agência ProPub lica Fonte: Davies (2014). Outros exemplos de jornais que trabalham com um formato de financiamento sustentável são Voice of San Diego, MinnPost, California Watch, Bay Citizen, Chicago News Cooperative e o Texas Tribune (Quadro 3). Um financiamento sustentável é quando uma ou mais formas de financiamento permitem a sustentabilidade do negócio em longo prazo (COSTA, 2014). Jornal Ano de fundação Formas financeiras Número de Funcionários Outros Bay Citizen 2010 Doações de empresas, fundações e assinaturas/doações. 45 repórteres gerais, 8 repórteres para casamentos, 4 engenheiros e 8 administradores (65 no total). Membro do Center for Investigative Report California Watch 2009 Doações de empresas, fundações e assinaturas/doações. 24 repórteres gerais, 9 repórteres para casamentos, 4 engenheiros e 6 administradores (43 no total). Membro do Center for Investigative Report e possui três sedes na cidade. 61 Voice of San Diego 2005 Fundações, doações de empresas, doações individuais e publicidade/ patrocinadores 16 Os doadores podem escolher cotas que oferecem recompensas, como revista, participação de eventos e o VOSP Experience (eventos interativos para o leitor participar da notícia) Quadro 3 – Outros exemplos de jornais financeiramen te sustentáveis Fonte: Elaborado pela autora. Mesmo com diversas fontes de renda, esses jornais e agências de notícias são capazes de se manter e obter lucro. We are, as we’ve noted many times, a nonprofit news organization, meaning we rely on the generosity of individuals, foundations and corporations to fund our great reporting and our innovative use of technology, with the ultimate goal of putting public service journalism in front of as many people as possible, Our model of sustainability replaces the advertising-driven business model through a mix of individual giving, corporate sponsorship and earned revenue17 (THE TEXAS TRIBUNE, 2014, p. 7). O Texas Tribune, além de oferecer informações aos usuários, desenvolveu várias outras formas de participação do público e de conteúdo além do hard news. O site surgiu em 2009 após a arrecadação privada de U$$4 milhões de dólares para que o projeto fosse desenvolvido. Os fundadores John Thornton, Evan Smith e Ross Ramsey desenvolveram uma organização não partidária de conteúdo digital, com o objetivo de suprir a ausência de informação da população de um dos maiores estados americanos, o Texas, sobre política, governo, políticas públicas e problemas estaduais que não eram reportados. A missão do jornal é “usar o que há de mais moderno em tecnologia para educar e engajar o seu público” (THE TEXAS TRIBUNE, 2014). O Texas Tribune tem três categorias de conteúdo: notícias, documentos e eventos. As notícias são agregadas de outras fontes que não as oficiais como blogs, colunas, comentários, multimídias e dados. O conteúdo produzido ou recebido pelo jornal é então repassado para as organizações de notícias de todo o estado, 17 “Nós somos, como já falamos diversas vezes, uma organização sem fins lucrativos, o que significa que dependemos da generosidade das pessoas, fundações e empresas para financiar nossa ótima transmissão e nosso uso inovador da tecnologia, com o único objetivo de oferecer o serviço de jornalismo público para o maior número de pessoas possível. Nosso modelo de sustentabilidade substitui o modelo de negócio dominado da publicidade com uma mistura de doação pessoal, patrocínio de empresas e receita obtida” (tradução nossa). 62 sendo publicado nos meios impressos, televisivos, rádios e on-line, assim como os grandes meios como, por exemplo, The New York Times e Washington Post. No caso dos dados disponibilizados, o site busca por documentos que possam servir para informar, desenvolver opinião ou engajar os cidadãos em causas como política ou saúde. Os dados disponibilizados são, por exemplo, os salários dos políticos de todo os Estados Unidos, ficha dos políticos do estado do Texas e resultados eleitorais. Anualmente, o site produz o The Texas Tribune Festival, onde a população, líderes industriais e ativistas da comunidade se encontram com o objetivo de discutir e propor soluções aos problemas do estado. Além da produção do evento, onde o jornal tem o engajamento da população, ele também transmite ao vivo o evento aos seus leitores. De acordo com relatório divulgado no ano passado pelo próprio site, 48 mil pessoas já participaram dos eventos produzidos pelo jornal, 183 países acompanham o canal do Livestream com 132.012 comentários (Figura 9). 63 Figura 9 – Resumo do The Texas Tribune Festival Fonte: The Texas Tribune (2014). O planejamento financeiro inicial do site tinha como base quatro modelos de doadores: membership (associados), specialty publications (publicações especiais), corporate sponsors and events (empresas patrocinadoras e eventos) e major donors (doadores majoritários). Os associados seriam os assinantes do site, que contribuiriam com pequenas quantias mensais ou anuais. As publicações especiais são projetos vendidos para empresas com o objetivo de produzir reportagens especiais independentes. No caso das empresas patrocinadoras e 64 eventos, a contribuição seria esporádica, com a arrecadação de acordo com a produção ou não de eventos pelo site18. Já os doadores majoritários são aqueles que contribuem com U$$ 5 mil dólares ou mais. O objetivo para o site era de que em 2014-2015, cinco anos após o início das atividades, o financiamento do Tribune fosse dividido em apenas 3 categorias (Figura 10). Seria, então, um financiamento feito 33% por cada uma das partes, entre empresas, associados e publicações especiais. Os gastos do Texas Tribune são 77% com funcionários, o que em 2010 totalizava U$$1.822.000 por ano (Figura 11). Figura 10 – Receitas do site em 2010 e objetivo para 2013-2014 Fonte: The Texas Tribune (2014). 18 A classificação de corporate sponsors de acordo com o site é “The Tribune enjoys several different types of corporate support: digital revenue (on-site and email messaging); digital in-kind (products and services that offset operating expenses); events revenue (sponsorship of ongoing Tribune Events conversations and symposia and the annual Texas Tribune Festival); and events in-kind (products and services that offset Tribune events expenses)” (THE TEXAS TRIBUNE, 2014). “O Tribune tem vários tipos diferentes de suporte corporativo: receitas digitais ( no site e mensagens de e-mail ); digitais em espécie (produtos e serviços que compensem as despesas operacionais ); receita de eventos ( patrocínio do curso Tribune Events conversas e simpósios e do Texas Tribune Festival anual ); e eventos em espécie ( produtos e serviços que compensem as despesas de eventos do Tribune) " Tradução nossa. 65 Figura 11 – Gráfico com a projeção de despesas do site em 2010 Fonte: The Texas Tribune (2014). No ano de 2014, U$$ 4.999.317 foram gastos com funcionários, e a maior fonte de renda do jornal foi da contribuição dos doadores (Grant income) e de empresas patrocinadoras (Corporate Sponsorships), o que significa dizer que em 5 anos o objetivo inicial do jornal foi alcançado (Figura 12). 66 Figura 12 – Atividades fiscais do site no ano de 2014 Fonte: Maxwell Locke & Ritter, 2015. No rumo contrário ao Texas Tribune, o Chicago News Cooperative (CNC) foi lançado na mesma semana de 2009 com o objetivo de trazer notícias sobre Chicago no jornal The New York Times. A organização recebeu um financiamento inicial do jornal The New York Times e a parceria de publicar duas páginas sobre Chicago nas edições de sexta-feira e domingo. Com uma receita anual de U$$1,2 milhões a U$$1,5 milhões de dólares, o Chicago News Cooperative (CNC) empregou sete funcionários e outros dois repórteres para alimentar o site do jornal e as páginas do The New York Times. 67 Entretanto, ao contrário do Texas Tribune, o responsável pelo CNC, James O’Shea, não observou as formas de obtenção de renda e o planejamento de financiamento do site foi um fracasso. Apesar da parceria e das fundações doando mais que a metade da receita do início do Texas Tribune, o site não conseguiu se sustentar ao final do seu segundo ano. A arrecadação chegou a U$$3,5 milhões de dólares, mas com arrecadações únicas de fundações, o que não foi capaz de sustentar o custo anual do jornal. Enquanto o Texas Tribune chegava a uma renda de U$$ 11 milhões de dólares por fontes diversas de financiamento, capaz de empregar 33 funcionários, o CNC anunciava o fim das suas atividades em 201219. A inovação no financiamento oferece ao jornalismo uma oportunidade de renovação do seu formato de negócio, o que afeta a forma de recepção das informações disponibilizadas na rede pelo público. O consumidor identifica sua participação na produção e distribuição da informação o que gera uma aproximação característica da economia participativa. O engajamento do público abre a possibilidade para novos projetos de financiamento do jornalismo. 19 CHANNICK, R. Story of the Chicago News Cooperative an obituary. Chicago Tribune , 2012. Disponível em . Acesso em: 17 jan. 2016. 68 4 A AGÊNCIA PÚBLICA DE JORNALISMO INVESTIGATIVO Diante das discussões que apresentamos nos capítulos anteriores, com propostas de múltiplos financiamentos e fontes de renda além do tradicional modelo de anúncios e publicidades, iremos discutir o projeto Reportagem Pública, primeiro de financiamento coletivo da agência Pública de Jornalismo Investigativo como forma de crowdfunding no Brasil. Em contato com centros de jornalismo investigativo de países como Inglaterra, Estados Unidos e Chile, que adotam um modelo de financiamento independente em grandes veículos, as jornalistas Marina Amaral20 e Natália Viana21 decidiram trazer a ideia de uma agência brasileira de jornalismo investigativo independente. Seguindo exemplos de centros de jornalismo de agências de outros países, como o Centro de Investigación Periodística (CIPER), no Chile, e a agência ProPublica nos Estados Unidos, fundadas em 2007 e que mais se aproximam do ideal de financiamento para a agência brasileira, a Pública foi a primeira no Brasil a seguir esse modelo de negócio. A id