ECONOMIA E ECOLOGIA: UM ENFOQUE GLOBAL Luciana Togeiro de ALMEIDA 1 • RESUMO Este artigo discute a recente contribuição de Elmar Altvater em economia política inter­ nacional cujo tema são as conseqüências econômicas e ecológicas da difusão do sistema de produção fordista Atenção especial é dada a tese desoladora sobre os países em desenvolvimento, que decorre de suas trajetórias de pobreza e degradação ambiental prescritas no modelo de Altvater Argumenta-se que a confiança na regulação supranacional para resolver os problemas correntes destes países pode enfrentar serias restrições políticas e econômicas • PALAVRAS-CHAVE Ecologia, entropia economia global, fordismo Elmar Altvater, professor de Ciência Política da Universidade Livre de Berlim, autor de um número significativo de livros e artigos, é conhecido no circuito acadê­ mico brasileiro pelas suas contribuições na área de teoria do Estado, com presença marcante no debate intelectual da esquerda deste país nos anos 70 E m O preço da riqueza,2 Altvater (1995) convida o leitor a partilhar de um vôo teórico em torno do tema desenvolvimento e meio ambiente O estímulo à leitura é uma decorrência natural da novidade que seu enfoque eclético e interdisciplinar ofe­ rece, em particular àqueles leitores (de)formados em uma área de conhecimento es­ pecífica, que podem saltar da economia para a física, passando pelas ciências sociais, sem problemas de orientação, experimentando a sensação, ainda que de forma meio ressabiada e inquieta, de que tal abordagem faz sentido Trata-se de um amplo e profundo esforço teórico, na linha da "grande teoria", segundo o próprio autor Uma opção metodológica o marco analítico deve-se adequar às características do objeto enfocado Como os problemas ambientais assumem di- 1 Departamento de Economia - Faculdade de Ciências e Letras - UNESP - 14800 901 - Araraquara - SP 2 Estas notas se baseiam no livro O preço da riqueza pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial de Elmar Altvater e no curso sobre "A Dimensão Econômica e Ecológica da Globalização', ministrado pelo autor oferecido pelo programa de Pos Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP - Campus de Araraquara, em março de 1996 mensões globais e requerem soluções cooperativas na mesma escala, a sua análise deve partir de uma abordagem teórica de igual alcance. A preocupação política por trás desse esforço teórico é explícita apreender os projetos de desenvolvimento e de política ambiental no âmbito das relações Norte-Sul Várias são as teses lançadas por Altvater, que confluem para a tese central de que o modelo de industrialização dos países avançados não é extensivo aos países do Sul, pois se baseia num elevado consumo energético e material ("fordismo fossi- lista") e conta com mecanismos reguladores no mercado mundial, que atuam no sentido de preservar os privilégios da sociedade industrial afluente, perpetuando uma situação de ordem ao Norte e de desordem ou caos ao Sul (pobreza e destruição ambiental) Uma tese, sem dúvida alguma, bastante preocupante se não desoladora para o Sul, merecendo uma maior atenção A opção pela linha metodológica da "grande teoria" também se expressa pela sua abordagem holista: uma vez que os problemas ambientais são reconhecidos pela teoria econômica como externalidades,3 e estas são, por definição, transferidas para fora do mercado - não são passíveis de serem captadas pelo cálculo racional nos termos do mercado -, tais externalidades precisam ser caracterizadas e apreendidas mediante outras categorias a saber, as termodinâmicas. Trata-se de uma "tentativa de reproduzir as relações entre o processo econômico e social e as transformações ecológicas mediante categorias termodinâmicas elaboradas em termos das ciências sociais" (p 39) O resultado é que as repercussões ambientais nas relações internacionais são interpretadas por um balanço de entropia/sintropia os países industrializados saqueiam as energias e matérias-primas (as ilhas de sintropia - estado de elevada ordem de um sistema) dos países de industrialização tardia e as transformam, pro­ movendo a ordem (desenvolvimento) nos primeiros e gerando entropia (desordem material/social), que retorna aos últimos. Esse balanço energético e material em escala global enfrenta limites ecológicos incontornáveis: o estoque desses recursos (a sintropia) resulta de seu acúmulo em longos períodos da história terrestre (milhões de anos), enquanto o seu consumo se dá em um período muito mais breve. A esse saque às "ilhas de sintropia" - o enfoque input dos problemas ambientais - se sobrepõe o crescimento da entropia, que decorre das transformações, no curso das atividades econômicas, de energia livre - que se converte em energia vinculada - e matérias-primas, gerando detritos, dos quais ape­ nas uma parte pode ser reciclada, levando ao seu acúmulo na natureza, cuja capa­ cidade de absorção vai se esgotando. A combinação desses efeitos resulta na de­ gradação da energia ao longo deste processo, isto é, passo a passo, a capacidade de reprocessamento de detritos vai se exaurindo. 3 No caso, externalidade negativa a degradação ambiental e um custo imposto a sociedade que não se reflete nos custos privados dos agentes econômicos Por exemplo, uma fabrica poluidora de um rio não sofre ônus por este dano social e, por isso mesmo, não tem incentivo econômico para evita-lo Altvater destaca, deste modo, os problemas ecológicos causados pelos outputs das atividades econômicas, o que lhe permite uma releitura mais radical das teses do Clube de Roma: 4 Contrariamente às teses do Clube de Roma, não se trata sobretudo do esgotamento de ilhas de sintropia Importância maior têm as radiações térmicas, o aumento do nivel toxico e o desar- ranjo do processo evolutivo por causa do aumento de entropia Por isso, uma conclusão como a freqüentemente derivada das investigações do Clube de Roma, ou seja, a pratica do 'crescimento zero', de modo algum e suficiente A dimensão das transformações energéticas e materiais não depende do crescimento econômico, mas do nivel de atividade econômica Além disso, é preciso ao mesmo tempo levar em conta os materiais prejudiciais já acumulados e a redução da diversi­ dade ja em vigor, na medida em que são relevantes para a qualidade presente e futura dos fluxos energéticos e materiais (ilhas de sintropia e entropia mínima) (p 55) Isto leva à polêmica tese de que propor o desenvolvimento sustentável para o sistema capitalista, dotado de um arranjo institucional adequado à produção fordista fossilista, não passa de um exercício de magia - a "quadratura do círculo" Não é por menos, comenta Altvater, que a definição do próprio conceito de desenvolvimento sustentável é repleta de considerações normativas - como aquela que concilia cres­ cimento econômico com prudência ecológica e equidade social - , cuja concretização, ainda que possível em alguns projetos locais, é inviável no plano global. 5 A alternativa sugerida por Altvater é de que, em vez de utilizar o conteúdo energético acumulado nas ilhas de sintropia fóssil, seria possível "ligar-se" principal­ mente ao fluxo energético do Sol uma revolução ecológica baseada na energia solar, incompatível com a manutenção dos sistemas fordistas de produção, uma vez que o fluxo energético do Sol disponível à transformação energética é muito pequeno, pouco concentrado, difícil de ser transportado e armazenado Altvater se preocupa em es­ clarecer que não se trata de uma solução meramente técnica de substituição da fonte energética do sistema de produção capitalista "Este recurso só poderá ter êxito quando, junto com as técnicas para a coleta da energia solar, surgirem as instituições econômicas e sociais, um sistema político e normas comportamentais de uma socie­ dade solar" (p 315) O percurso da construção da(s) tese(s) de Altvater pode ser assim resumido No atual sistema capitalista mundial ocorre o predomínio do sistema de produção for- dista, o qual representa um sério risco ecológico, pois se caracteriza pelo elevado consumo de matérias-primas minerais e energéticas fósseis (das ilhas de sintropia) e 4 O Clube de Roma e uma associação internacional informal, muito conhecida por seus "modelos mundiais" empregados em exercícios de prognósticos sobre crescimento, com ênfase nas variáveis recursos naturais, população e meio ambiente Seu estudo "Limites do Crescimento" de 1970, com conclusões muito dramáticas acerca da exaustão dos recursos naturais, provocou o debate mundial sobre a questão ambiental 5 A polêmica e evidente, uma vez que, a partir dos anos 80, o debate mundial sobre os problemas ambientais e cada vez menos orientado pelo tom de alarme dos limites do crescimento, na linha do "Clube de Roma", e muito mais pelo consenso em torno da construção do desenvolvimento sustentável também pela geração de detritos sólidos, líquidos e gasosos, danosos ao meio am­ biente (aumento de entropia). A revolução industrial funda-se sobre uma inovação 'prometéica', mas a fase fordista não. Nesta apenas são aperfeiçoadas, ampliadas e maximizadas as possibilidades de utilização de recursos naturais fósseis iniciadas originalmente com a máquina a vapor. A produção mais in­ tensiva e o aumento da produtividade do trabalho tomam-se possíveis mediante uma utilização extensiva de recursos naturais (tanto como input quanto output). Portanto, o modo fordista de relação com a natureza, em princípio, não é diferente da fase da grande indústria do século xrx. Não ocorreu uma revolução prometéica, em que o modo de produção descobre novas fontes de energia, (p.126)6 A esta base produtiva acrescenta-se uma organização social correspondente, na linha da escola de regulação francesa:7 o avanço da produtividade não é mera­ mente um processo econômico dirigido pelo mercado, e sim assenta-se numa relação de regulação social; exige a compatibilidade de estruturas sociais e econômicas - as "relações de correspondência" conforme essa escola. No modo de regulação fordista é particularmente importante a "relação salarial", a saber, a relação de correspondên­ cia entre as taxas de crescimento da produtividade do trabalho (produção de massa) e dos salários (demanda de massa). A esta relação básica acrescenta-se uma condição decisiva para a coerência sistêmica da "equação fordista", a "relação monetária": a garantia de rentabilidade dos novos investimentos, a qual é influenciada pelos custos salariais e pela produtividade do trabalho (a "relação salarial"), mas também pela produtividade do capital. Esta, por sua vez, é atrelada à dinâmica de introdução e difusão do progresso técnico - o que inclui as formas de gerenciamento adequadas - e às condições de financiamento (juros). O componente essencial para a conformação das relações fordistas é o "Estado keynesiano" - garantidor da geração de demanda efetiva e da "relação monetária" - , que emergiu na década de 1930 e atingiu seus limites no início dos anos 70. De fato, as lutas de classes e os conflitos sociais dos anos 60 desencadearam uma série de 6 Altvater recorre às teses sobre a "terceira revolução prometéica" de Georgescu-Roegen, economista que intro­ duziu a noção de entropia nos processos econômicos. Georgescu-Roegen "...utiliza o conceito de 'revolução prometéica' para designar a situação da ampliação brusca da base energética e, por esta via, da produtividade do trabalho e da produção de riquezas de uma sociedade. A primeira 'revolução prometéica' ocorreu durante o neolítico, quando os homens aprenderam a dominar o fogo e a queimar com uma acha em brasa áreas inteiras para sua utilização agrícola, fornecendo nutrientes ao solo através das cinzas... A 'segunda revolução prometéica' ocorreu quando se obteve êxito na combinação de fogo e água para o aumento do grau de eficiência energética e, assim, para o aumento da produtividade do trabalho ... Madeira e carvão, enquanto portadores de energia determinantes para a primeira fase da industrialização, estão sendo substituídos, desde o fim do século passado, pelo petróleo... Esta constitui a força propulsora dos processos de produção e dos produtos do modo de produção e regulação fordista. No fordismo não entra em cena nenhuma nova invenção prometéica, não havendo nenhuma diferença qualitativa em relação à Revolução Industrial. Caberia falar de invenção prometéica somente quando se tornar possível combinar não apenas fogo, água e terra para a transformação de energia, mas todos os elementos. Esta sena a fundação da era solar" (p.111-3). 7 Essa escola tem como principais integrantes: Michel Aglietta, Robert Boyer e Alain Lipietz. transformações, seja no plano da estrutura técnica e gerencial das empresas, seja no tocante a ação do Estado, que se afasta do keynesiamsmo em direção ao monetarismo - a função de assegurar uma demanda efetiva perde importância em relação a admi­ nistração da escassez de moeda, o papel do banco central e fortalecido no sistema de regulação da política econômica Consequentemente, a "relação monetária" não e mais a garantia da demanda efetiva, mas o compromisso com uma "restrição or­ çamentaria robusta", que envolve disciplina fiscal e monetária, resultando numa po­ lítica de juros elevados e baixas taxas de crescimento do produto Altvater reconhece que essas transformações na economia internacional a partir dos anos 70, sobretudo as mudanças da regulação institucional nos países capitalistas avançados, expressam a superação do fordismo na direção de um "pós-fordismo", mas cujos contornos ainda não são nítidos Alguns aspectos deste novo sistema econômico são evidentes mantem-se a base fossilista (pelo lado dos inputs e dos outputs), a acumulação financeira sobrepuja a acumulação produtiva e a cultura mo­ derna se orienta por uma racionalidade excessivamente individualista - a cultura mmby (comentada a seguir) As dificuldades de inserção dos países periféricos no fordismo mundial, agra­ vadas no contexto pós-fordista, são evidentes além da inadequação cultural/institu­ cional à base produtiva/tecnológica, esses países enfrentam as restrições externas geradas pela própria expansão do fordismo no centro, expressas pela deterioração dos seus termos de troca, acompanhada de um processo de endividamento crescente, tornando-se dependentes do mercado financeiro internacional Isto significa perda de autonomia para as políticas econômicas nacionais que devem seguir a orientação de políticas macroeconômicas ditadas por aquele mercado e "transmitidas" por or­ ganismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional A tese central de Altvater então se apresenta "Claramente, nem todo mundo pode se tornar fordista" A sua argumentação baseada no engodo dos países do Terceiro Mundo que apostaram numa estratégia de industrialização endividada, sob a hipótese de compensação dinâmica pelos saldos das divisas de exportações, e uma interpretação muito difundida, não residindo aí a novidade da sua tese Também não e novidade frisar as dificuldades de adequação da estrutura social desses países, moldada em sociedades agrano-extrativistas, à moderna sociedade industrial O que Altvater oferece de novo é o argumento taxativo de que os países ja integrados numa divisão internacional do trabalho enquanto "ilhas de sintropia" (exportadores de ma- tenas-primas), muito dificilmente conseguem se inserir de modo distinto na economia mundial, mais difícil ainda, se não impossível, é alcançar a posição de um país in­ dustrializado Nessas "ilhas de sintropia", ainda que se ergam cidades cosmopolitas como São Paulo e Cidade do México, nada garante que se desenvolvam as relações de correspondência econômica, social e política indispensáveis para a coerência fordista Não é de estranhar, comenta Altvater, que países pobres em matérias-primas - Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura, Hong Kong - são os que justamente se conver- teram nos bem sucedidos NICs (Newly Industrializing Countries) na concorrência fordista internacional Enquanto na América Latina, apesar das estratégias de indus­ trialização das décadas de 1960 e 1970, muitos países continuam a servir aos países industrializados predominantemente como ilhas de sintropia e regiões para a expor­ tação de entropia. Uma obra dessa envergadura obviamente suscita uma série de reflexões críticas Por exemplo, a tendência de queda dos preços das matérias-primas é apontada cor­ retamente, por Altvater, como fator de deterioração dos termos de troca dos países atrasados, o que acarreta uma importante restrição externa (cambial) a estes, e isto constitui um dos mecanismos de regulação do fordismo mundial, perpetuador do hiato Norte-Sul Nenhuma novidade, uma vez que esta é uma das teses de Prebisch, de fins dos anos 40 e início dos 50 O que é de estranhar é que Altvater não considere o aspecto ambiental positivo que se associa a este fenômeno afinal, a queda dos preços das matérias-primas, afora fatores conjunturais e novas fontes de oferta, deve- se ao efeito substituição da demanda e aos elevados ganhos de produtividade pro­ piciados pelos avançados sistemas tecnológicos atuais, resultando em significativa economia de matérias-primas e energias fósseis. Por outro lado, também e verdade que o próprio descenso dos preços dessas matérias-primas pode ter desestimulado a busca de materiais alternativos O choque de oferta favorável dos preços do petróleo nos anos 80 - fato utilizado recorrentemente pelos críticos das teses ecológicas (dos limites ao crescimento) como prova cabal da abundância de energia fóssil - tornou inviável economicamente o emprego de fontes energéticas alternativas e ate mesmo retardou os esforços de pesquisa nesta area A propósito dos novos sistemas tecnológicos (baseados nas novas tecnologias de informação), estes não recebem sequer um mínimo de atenção do autor, muito provavelmente porque a "revolução das novas tecnologias", a rigor, não é uma "re­ volução prometéica", sendo seu impacto avaliado exclusivamente em termos com- portamentais do indivíduo, reforçando uma postura individualista - a cultura nimby {Not In My Back Yard - "não no meu quintal") pós-fordista Esta se caracteriza por indivíduos favorecidos por uma afluência crescente, modernos, com um comporta­ mento racional individual beirando a indiferença para com os demais São sensíveis ao discurso ecológico - se preocupam com a separação do lixo doméstico reciclável-, mas ao mesmo tempo podem apoiar (ou não protestar contra) uma exportação de lixo tóxico de um país avançado para um periférico 8 Uma reflexão sobre as questões atmentes aos países do Sul é oportuna A tese central parece adequada aos interesses destes países ao apontar os mecanismos de perpetuação do seu atraso (pobreza e degradação ambiental) Mas a adequação e ilusória porque a tese nega, categoricamente, a possibilidade de extensão do fordismo à periferia capitalista Não teria sido por incompetência na formulação das políticas 8 Os nimbys, por exemplo, podem contribuir financeiramente para uma campanha de tratamento de aidéticos, mas não suportam a idéia da instalação de uma clinica com esta finalidade nas vizinhanças econômicas que as estratégias de industrialização nesses países fracassaram, mas por causa das contradições globais inerentes. Um resultado amargo, porém inexorá­ vel, sustenta Altvater A sociedade capitalista afluente possui um lado ordeiro ao Norte, e um lado desordeiro ou caótico ao Sul Não parece ser possível espalhar pelo mundo inteiro um modo de vida e de trabalho, que, em primeiro lugar, se baseia em um elevado consumo energético e material, que, em segundo, precisa dispor de sistemas energéticos e de transformação material eficientes e inteli­ gentes, e, que, em terceiro, precisa realizar e organizar nesta base uma pratica de vida europeia- ocidental, com os correspondentes modelos ideológicos e de pensamento e instituições políticas e sociais reguladoras (p.25)9 Em resumo, nos países do Sul não se deve ou mesmo é vão pleitear os padrões de consumo dos ricos. O que lhes resta, então' Na verdade, em O preço da riqueza Altvater não se ocupa desta indagação, sugerindo muito genericamente que, no contexto de globalização, com a inevitável perda de autonomia das políticas nacio­ nais, para a solução dos problemas domésticos e globais (econômicos, sociais, eco­ lógicos), cabe uma única alternativa, indistintamente colocada aos países do Norte e do Sul: apostar em planos supranacionais de regulação em níveis cada vez mais superiores Isto envolve não apenas esforços político-econômicos de integração (a começar pelos blocos regionais), diplomacia internacional junto aos organismos mul- tilaterais (FMI, O M C , Banco Mundial etc), como também a aposta nas crescentes pressões políticas colocadas pela rede da sociedade civil internacional (uma espécie de network de organizações não-governamentais).1 0 Esta aposta de Altvater pode ser imobilizadora para os países do Sul. Primeira­ mente, porque ele próprio reconhece que esses organismos multilaterais atuam como importante mecanismo de regulação internacional pró-interesses capitalistas dos paí­ ses avançados Um novo órgão ou uma nova configuração supranacional seria sensível às reivindicações do Sul? Por quais motivos 9 Da mesma forma, como apostar na viabilidade política de uma network de ONGs atuando também no interesse dos países atrasados, quando, segundo Altvater, predomina o regime de nimbys?11 Por fim, a sua proposta da sociedade solar parece muito interessante, mas até que sejam explicitados os meios políticos e as inovações tecnológicas para a sua 9 A industrialização, segundo Altvater, e um "bem oligárquico" "nem um sequer dos habitantes da Terra pode gozar as benesses da sociedade industrial afluente, sem que todos os homens sejam colocados numa situação pior do que aquelas em que se encontravam antes" (p 28) 10 Conforme comunicação oral do autor no curso citado 11 Sem duvida alguma, a discussão sobre a emergência de uma organização política genuinamente global - um dos prognósticos para a virada do milênio - e tema atualmente em destaque, inclusive no campo do debate filosófico Richard Rorty, filosofo americano, um dos principais representantes do pensamento neopragmático, apresenta uma idéia interessante quando a justiça (um valor universal) entra em conflito com a lealdade (um valor local), esta ultima geralmente leva a melhor "Muitos de nos alimentamos e protegemos nossas famílias antes de podermos pensar sobre as necessidades de nossos vizinhos Muitos de nos estamos muito mais interessados no bem-estar de nossos compatriotas do que na situação das pessoas do outro lado do mundo" (Rorty, 1996, p 7) construção, ao descartar a "magia" do "sustentável", Altvater não resvala para uma cega profissão de fé? Nada como uma utopia para encerrar uma "grande teoria", na tradição dos grandes autores. A L M E I D A , L. T. de. Economy and ecology: a global approach. Perspectivas (São Paulo), v.19, p.49-56, 1996. ABSTRACT This paper discusses Elmar Altvater's most recent contribution in international political economy, its subject being the global economic and ecological consequences of the diffusion of the fordist production system. It is paid special attention to the bleak thesis concerning the developing countries, which follows bom their ascribed path of poverty and environmental degradation in Altvater's model It is argued that the reliance on supranational regulation to solve these countries' actual problems may face senous political and economic constraints • KEYWORDS Ecology, entropy, global economy, fordism. Referências bibliográficas A L T V A T E R , E . O preço da riqueza- pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial. São Paulo: Editora UNESP, 1995. 333p. RORTY, R. Dúvidas para os pensadores do próximo milênio. Folha de S.Paulo (São Paulo), 3 mar. 1996. Cad. Mais! p.7.